CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
NE BIS IN IDEM
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
COVID
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
LAR DE IDOSOS
Sumário

Sumário elaborado pela relatora:
I – Para que se mostre violado princípio ne bis in idem é fundamental que, no segundo processo estejamos perante o mesmo facto e a mesma pessoa que consta do primeiro processo.

II – Nos termos conjugados dos arts. 52.º, 53.º, n.º 2, e 54.º, n.º 3, da Lei n.º 107/2009, de 14-09, a prescrição, cujo prazo normal é de cinco anos, ocorre sempre, apesar de terem ocorrido causas de interrupção e de suspensão, desde que decorridos oito anos desde a data da prática do facto contraordenacional.

III – A este prazo prescricional é ainda de acrescentar o prazo de 86 dias, nos termos dos arts. 7.º, nºs. 3 e 4 e 10.º, da Lei n.º 1-A/2020, de 19-03, 37.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13-03, 5.º da Lei n.º4-A/2020, de 06-04, e 6.º e 10.º da Lei n.º 16/2020, de 29-05, e o prazo de 74 dias, nos termos dos arts. 6.º B, nºs. 3 e 4 da Lei n.º 1-A/2020, de 19-03, na versão da Lei n.º 13-B/2021, de 05-04, e 5.º e 7.º da Lei n.º 13-B/2021, de 05-04, ou seja, no total um prazo de 160 dias.

IV – Do confronto entre os arts. 39.º, n.º 4, da Lei n.º 107/2009, de 14-09, e 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, resulta que a fundamentação exigida no processo contraordenacional laboral é bastante menos exigente do que a exigida no processo criminal, pelo que terá de ser sempre uma situação particularmente grave de manifesta falta de fundamentação que poderá levar à nulidade da sentença nos termos do citado art. 39.

V – O erro notório na apreciação da prova decorre quando, resultante do teor da própria sentença recorrida, se verifique uma falha grosseira e evidente na análise da prova, percetível a qualquer pessoa normal, colocada naquela exata situação.

VI – O DL n.º 64/2007, de 14-03, na versão do DL n.º 33/2014, de 04-03, aplica-se a empresários em nome individual que se dediquem à prestação de serviços em que sejam exercidas atividades e serviços do âmbito da segurança social relativos a pessoas idosas, nomeadamente através de estruturas residenciais para pessoas idosas, desde que nessas estruturas se encontrem acolhidos pelo menos quatro idosos.

VII – Não é condição de aplicação do referido Diploma Legal que quem desenvolve essa atividade o faça com fins lucrativos.

VIII – O arguido que possui uma estrutura residencial onde acolhe cinco idosos, não desenvolve tal atividade com finalidade lucrativa, se desses cinco idosos não receber, pelo menos de quatro, determinada quantia monetária mensal.

Texto Integral

Proc. n.º 2845/24.7T8FAR.E1

Secção Social do Tribunal da Relação de Évora1





Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:


I – Relatório


Os arguidos AA e BB impugnaram judicialmente a decisão da Segurança Social, Centro Distrital de Faro, que lhes aplicou uma coima no valor de €20.000,00, referente à condenação de uma contraordenação p. e p. pelos arts. 11.º, 39.º-B, al. a) e 39.º-E, al. a), todos do DL n.º 64/2007, de 14-03, na versão do DL n.º 33/2014, de 04-03 (aplicável à data dos factos).





A entidade administrativa determinou que a responsabilidade contraordenacional da arguida BB passasse a correr os seus termos no âmbito do processo contraordenacional n.º ...197, que deu origem ao processo judicial n.º 3469/24.4...





Realizado o julgamento, foi proferida sentença, em 11-12-2024, com o seguinte teor decisório:

Em face do exposto julgo improcedente a presente impugnação judicial e, em consequência, mantenho a decisão administrativa.

Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça, em face do número e complexidade das questões suscitadas, em 2 UCs (cfr. art. 8º nº 7 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa ao mesmo).

Notifique, comunicando a decisão à autoridade administrativa.

Deposite.




Inconformado, veio o arguido AA interpor recurso da sentença, apresentando as seguintes conclusões:

1. Recorre-se da douta Sentença que confirmou a decisão administrativa de condenação do arguido pela prática Uma contraordenação prevista e punida na al. a) do artigo 39º B e al. a) do artigo 39E do DL 64/2007 de 14/03, a qual corresponde à condenação no pagamento de uma coima de 20.045,00 euros e das custas do processo.

2. O processo n.º ...282 é idêntico ao seu apenso ( único) processo n.º ...197.

3. Desdobramento de um facto em processos ratificado pela Sentença viola o principio non bis in idem enunciado no nº. 5 do artigo 29º. da Constituição da República Portuguesa, e o artigo 16º do RGCO.

4. Impedindo o indispensável processo logico dedutivo de determinação na conjugação de esforços, de quem executou o facto, quem tomou parte directa na sua execução, quem convenceu dolosamente outrem, quem foi a autoria material ou moral , o ( suposto) grau de culpa na comparticipação, juridicamente indispensável na determinação do quantum da coima,

5. Ignorado em sede de sentença , como processo logico dedutivo de determinação do grau de culpa ,

6. A actividade desenvolvida pelo recorrente não se enquadrava no âmbito do diploma que regula a actividade de apoio social

7. Nem a casa particular do recorrente podia ser considerada de Estrutura Residencial para Pessoas Idosas , por nunca frequentando na sua residência mais de três pessoas,

8. O que a douta sentença ignorou em violação das regras da prova.

9. O Juiz “ A quo ” em sede de decisão , considerou que o testemunho das testemunhas CC e DD não tinham sido credíveis .

10. A livre apreciação da prova não se confunde com apreciação arbitrária

11. A Sentença omite fundamentar a opção pela não valoração do depoimento das testemunhas apresentadas pelo recorrente ,

12. Violando as regras da prova por os concretos meios de prova não permitir, o Juiz “ A Quo ” concluiu que estavam acolhidos 5 idosos, sabendo por constar do auto de noticia e da própria sentença que dois idosos eram familiares directos e não pagavam qualquer prestação.

13. Mal andou a sentença ao equiparar uma relação familiar a uma actividade de apoio social,

14. A unidade familiar é um conceito que se refere ao grupo de pessoas que vivem juntas e compartilham laços,

15. É considerada a base da sociedade, e nela os membros compartilham responsabilidades, recursos e afetos, contribuindo para o bem-estar e o desenvolvimento de cada um.

16. Que a sentença em crise transformou em prestação de serviços, não apreciando correctamente a problemática da repartição do ónus da prova.

17. Para que se verifique uma contra-ordenação têm que se conjugar os quatros elementos de entre eles a culpa do ou dos autores .

18. É a sentença totalmente omissa quanto à culpa do arguido , apenas fazendo remissão para a decisão administrativa, ela também omissa.

19. Nos termos do artigo 18º do RGCO “ a determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contra-ordenação , da culpa, da situação económica do agente e do beneficio económico que retirou da pratica da contra-ordenação.”

20. Censura-se a sentença, que por remissão à decisão administrativa, é totalmente omissa quanto à gravidade da contra-ordenação, a culpa do agente e ao benefício económico retirado da infracção e à sua situação económica.

21. Nada é referido em concreto, sem elementos para afirmar que o arguido agiu com dolo, ou pelo menos agiu com negligência,

22. Culpa que foi presumida e não averiguada , em violação da Lei

23. Da sentença nada se sabe do beneficio económico que supostamente o arguido teria beneficiado , uma vez que não foi apurado.

24. Vícios da sentença , na omissão dos factos conducentes à conclusão da gravidade da contra-ordenação e da culpabilidade do agente , do beneficio económico do arguido e da sua situação económica, que resultam na sua necessária revogação.

25. Nos termos do artigo 54º n.º3 da Lei 107/2009 de 14/09 actualizada, verificou-se a prescrição do procedimento contraordenacional, devendo ser arquivado .

Termos em que deverás ser revogada a douta Sentença, E ASSIM DECINDO SE FARÁ, VENERANDOS JUIZES DESEMBARGADORES JUSTIÇA!




O M.º P.º apresentou contra-alegações, pugnando, a final, pela improcedência do recurso, devendo ser mantida a sentença recorrida.





O Tribunal de 1.ª instância considerou não se mostrar prescrito o procedimento contraordenacional, nem verificadas as invocadas nulidades, e admitiu o recurso, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.


Já neste Tribunal, a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, propugnando pela improcedência do recurso, devendo, nessa medida, ser mantida a sentença recorrida.


Não houve resposta ao parecer.


Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar e decidir.





II – Objeto do recurso


Nos termos dos arts. 403.º e 412.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, ex vi do art. 41.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27-10 (RGCO) e arts. 50.º, n.º 4 e 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14-09, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (art. 410.º, nºs. 2 e 3, do Código de Processo Penal).


No caso em apreço, as questões que importa decidir são:


1) Violação do princípio non bis in idem;


2) Prescrição;


3) Não fundamentação da decisão fáctica;


4) Violação do ónus da prova;


5) Omissão de elementos factuais fundamentais; e


6) Não aplicação do DL n.º 64/2007, de 14-03, à situação dos autos.





III. Matéria de Facto


A matéria de facto mostra-se fixada pela 1.ª instância, uma vez que o tribunal da relação, em sede contraordenacional laboral, apenas conhece da matéria de direito (art. 51.º, n.º 1, da Lei n.º 107/2009, de 14-09), com exceção das situações previstas no art. 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.


A decisão da 1.ª instância deu como provada a seguinte matéria de facto:

A) Em 2017-03-16, no estabelecimento sito no ..., o arguido exercia a actividade de acolhimento de idosos com uma capacidade instalada para 6 (seis) idosos, estavam acolhidos 5 (cinco) idosos, sendo estes indivíduos com 65 anos ou mais;

B) Aos utentes no estabelecimento eram prestados serviços de alojamento coletivo de utilização temporária ou permanente, com o fornecimento de refeições, cuidados de saúde, higiene, conforto e vigilância;

C) Os cinco utentes que se encontravam no estabelecimento estavam-se ao cuidado do arguido, e de BB, sendo que estava também presente uma trabalhadora, de nome EE, que desempenhava as funções de limpeza e higiene das instalações;

D) A prestação dos referidos serviços era efetuada mediante um pagamento ao ora arguido ou a BB no valor de 400 euros por mês, com emissão de recibos por ambos os responsáveis, apenas para três utentes, uma vez que dois deles eram familiares dos responsáveis e não pagavam mensalidade;

E) O arguido não tinha a devida autorização de funcionamento ou comunicação prévia para a atividade de ERPI;

F) As instalações eram destinadas a habitação e os espaços não cumpriam os requisitos legais necessários para conceder uma autorização de funcionamento, acrescendo que as instalações não asseguravam as condições de acessibilidade necessárias a utentes com mobilidade reduzida;

G) Não foi feita prova da existência de licença de ou autorização de utilização, emitida pela Câmara Municipal de ..., para o fim prosseguido, nem da existência de parecer da Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC), que comprove o cumprimento das regras de segurança contra riscos de incêndio das instalações, nem da existência de certificação das instalações técnicas e de utilização de combustíveis, não estando asseguradas as condições de segurança exigíveis para o funcionamento de um equipamento de apoio social de alojamento a idosos;

H) Verificou-se a inexistência de comprovativos da implementação de medidas de autoproteção, bem como a inexistência de parecer higieno-sanitário, certificado de inspeção de gás, nem certificação em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho e em segurança alimentar;

I) A estrutura residencial não dispõe de recepção, direção, serviços técnicos e administrativos, instalações para o pessoal, convívio e atividades, serviços de enfermagem e serviços de apoio;

J) Não existiam planos de limpeza das instalações e de desinfeção dos materiais;

K) Inexistia diretor técnico, animador, enfermeiro, ajudante de ação direta e cozinheira, categorias profissionais, adequadas às actividades e serviços desenvolvidos;

L) Não existia livro de reclamações, entre outros documentos de organização técnico-administrativa, tal como livro de registo de ocorrências;

M) Foi emitida a notificação de intenção de encerramento do estabelecimento, sendo que, em sede de audiência prévia, foi então presentada resposta por parte dos responsáveis do ERPI, informando sumariamente: a data de cessação da atividade em 03.04.2017; a morada do local para onde foram encaminhados os utentes identificados; a identificação da pessoa responsável por cada um cada um desses utentes; a data de apresentação da declaração de cessação de atividade nas Finanças de AA (em 2017.07.10);

N) Foi a arguida notificada da extinção do procedimento administrativo da ERPI e procedeu-se à afixação do aviso de encerramento por iniciativa da entidade responsável;

O) O arguido bem sabia que não estava a cumprir as obrigações que lhe incumbiam, em prejuízo dos seus utentes;




E deu como não provada a seguinte factualidade:

A) O arguido desempenhou a actividade social de uma estrutura de acolhimento familiar para pessoas idosas, nunca tendo tido a seu cargo mais de 3 idosos.




IV – Enquadramento jurídico


1 – Violação do princípio non bis in idem2


Considera o arguido que houve violação do princípio non bis in idem pela entidade administrativa, ao desdobrar o auto de notícia, que tinha sido instaurado contra o arguido e contra BB, em dois processos administrativos distintos (um contra o arguido com o n.º ...282 e que deu origem aos presentes autos e outro contra BB com o n.º ...197 que deu origem ao processo judicial n.º 3469/24.4...).


Dispõe o art. 29.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa que:


5. Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime.


Para que se mostre violado este princípio é fundamental, desde logo, que, no segundo processo (criminal ou contraordenacional) estejamos perante o mesmo facto e a mesma pessoa que consta do primeiro processo.


Ora, no caso referenciado pelo recorrente, ainda que os factos sejam os mesmos, estamos perante pessoas diferentes, uma vez que o arguido é pessoa distinta de BB. Apenas é imputado a duas pessoas os mesmos factos porque estamos perante uma contraordenação praticada em coautoria material, mas tal circunstância não é suscetível de ser confundida com uma situação de violação do princípio ne bis in idem.


Nesta conformidade, por faltar um dos requisitos para que se esteja perante uma situação de violação do princípio constitucional ne bis in idem, isto é, por estarmos perante pessoas diferentes em cada um dos processos, improcede, nesta parte, a pretensão do recorrente.


2 – Prescrição


Entende o arguido que a contraordenação que lhe é imputada se mostra prescrita, em face do disposto no art. 54.º, n.º 3, da Lei n.º 107/2009, de 14-09, atualizada.


Apreciemos.


Dispõe o art. 52.º da Lei n.º 107/2009, de 14-09, que:

Sem prejuízo das causas de suspensão e interrupção da prescrição previstas no regime geral das contra-ordenações, o procedimento extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contra-ordenação hajam decorrido cinco anos.

Dispõe ainda o art. 53.º da Lei n.º 107/2009, de 14-09, que:

1 - A prescrição do procedimento por contra-ordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento:

a) Não possa legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal;

b) Não possa prosseguir por inviabilidade de notificar o arguido por carta registada com aviso de recepção;

c) Esteja pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa competente, nos termos previstos no regime geral das contra-ordenações.

d) Esteja pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa competente, até à decisão final do recurso.

2 - Nos casos previstos nas alíneas b), c) e d) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses.

Dispõe, por fim, o art. 54.º da Lei n.º 107/2009, de 14-09,3 que:

1 - A prescrição do procedimento por contra-ordenação interrompe-se:

a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação;

b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;

c) Com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito;

d) Com a decisão da autoridade administrativa competente que procede à aplicação da coima.

2 - Nos casos de concurso de infracções, a interrupção da prescrição do procedimento criminal determina a interrupção da prescrição do procedimento por contra-ordenação.

3 - A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tenha decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.

Deste modo, nos termos conjugados dos arts. 52.º, 53.º, n.º 2 e 54.º, n.º 3, da Lei n.º 107/2009, de 14-09, a prescrição, cujo prazo normal é de cinco anos, ocorre sempre, apesar de terem ocorrido causas de interrupção e de suspensão4, desde que decorridos oito anos desde a data da prática do facto contraordenacional.


Apreciemos, então, a situação concreta.


Nos termos do facto provado A, os factos contraordenacionais imputados ao arguido neste processo contraordenacional ocorreram em 16-03-2017. Esclarece-se, desde já, que se entende ser a partir desta data, e não a partir da data da cessação da atividade ocorrida em 03-04-2017, que se inicia o prazo prescricional. Na realidade, não consta dos factos provados que o referido local onde o arguido e BB exerciam a sua atividade profissional de acolhimento de idosos tivesse estado em funcionamento, ininterruptamente, entre 16-03-2017 e 03-04-2017, nas exatas condições verificadas no referido dia 16-03-2017.


Tendo, assim, os factos imputados ao arguido ocorrido em 16-03-2017, importa apurar se ocorreram, entretanto, causas suspensivas e/ou interruptivas.


Decorre da análise do processo contraordenacional designadamente que:


a) Em 11-03-2019 o arguido foi notificado dos factos contraordenacionais que lhe eram imputados, da possibilidade de pagamento voluntário da coima e para, querendo, contestar tais factos (página 54 a 56 do processo administrativo);


b) Em 24-01-2024 foram solicitadas informações relativas ao arguido (páginas 75 a 80 do processo administrativo);


c) Em 26-01-2024 o arguido foi notificado da data agendada para a inquirição das testemunhas por si arroladas na contestação que apresentou, bem como para as fazer comparecer no local, dia e hora indicados (páginas 71 a 74 do processo administrativo);


d) Em 14-02-2024 realizou-se a inquirição das testemunhas CC e FF (páginas 91 a 93 do processo administrativo);


e) Em 26-08-2024 o arguido foi notificado da decisão final proferida pelo Instituto de Segurança Social (páginas 94 a 102 do processo administrativo); e


f) Em 26-09-2024 o arguido foi notificado do despacho que procedeu ao exame preliminar do recurso da decisão do Instituto da Segurança Social, do qual ainda não houve decisão final (conforme referência citius 133581410).


Deste modo, os factos elencados nos pontos a) a f) determinaram a interrupção da prescrição nos termos das alíneas a), b) e d) do art. 54.º da Lei n.º 107/2009, de 14-09, não tendo o prazo de cinco anos sido ultrapassado entre tais datas; sendo que o facto elencado no ponto f) determinou igualmente a suspensão da prescrição nos termos do art. 53.º, n.º 1, al. d), do mesmo Diploma Legal.


Assim, a prescrição apenas ocorrerá decorridos oito anos após a data da prática do facto contraordenacional, ou seja, em 16-03-2025.


Acontece que, a este prazo prescricional é ainda de acrescentar o prazo de 86 dias5, nos termos dos arts. 7.º, nºs. 3 e 4 e 10.º, da Lei n.º 1-A/2020, de 19-036, 37.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13-03, 5.º da Lei n.º4-A/2020, de 06-04, e 6.º e 10.º da Lei n.º 16/2020, de 29-05, e o prazo de 74 dias7, nos termos dos arts. 6.º B, nºs. 3 e 4 da Lei n.º 1-A/2020, de 19-03, na versão da Lei n.º 13-B/2021, de 05-04, e 5.º e 7.º da Lei n.º 13-B/2021, de 05-04, ou seja, no total é acrescentado um prazo de 160 dias.


Deste modo, os factos contraordenacionais imputados ao arguido apenas prescreverão em 23-08-2025.


Nesta conformidade, improcede, nesta parte, a pretensão do arguido.


3 – Não fundamentação da decisão fáctica


Considera o recorrente que a sentença recorrida não fundamenta a razão pela qual considerou não credíveis os depoimentos das testemunhas CC e DD, confundindo a livre apreciação da prova com juízos arbitrários.


Ainda que o arguido não o invoque expressamente, parece pretender arguir a nulidade da sentença por falta de fundamentação nos termos dos arts. 39.º, n.º 4 e 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14-09, 32.º do DL n.º 433/82, de 27-10, e 379.º, n.º 1, al. a), por referência ao art. 374.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal.


Dispõe, assim, o art. 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, que:

2 - Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

Determina também o art. 379.º, n.º 1, al. a), do mesmo Diploma Legal, que:

1 - É nula a sentença:

a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F;

Por fim, determina o art. 39.º, n.º 4, da Lei n.º 107/2009, de 14-09, que

4 - O juiz fundamenta a sua decisão, tanto no que respeita aos factos como no que respeita ao direito aplicado e às circunstâncias que determinaram a medida da sanção, podendo basear-se em mera declaração de concordância com a decisão condenatória da autoridade administrativa.

Na realidade, basta confrontar o disposto no art. 39.º, n.º 4, da Lei n.º 107/2009, de 14-09, com o teor do art. 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, para se constatar que a fundamentação exigida no processo contraordenacional laboral é bastante menos exigente, pelo que terá de ser sempre uma situação particularmente grave de manifesta falta de fundamentação que poderá levar à nulidade da sentença nos termos do citado art. 39.º8


Ora, no caso em apreço, relativamente ao depoimento das testemunhas CC e DD consta da sentença recorrida que:

Mais foi objecto de valoração o depoimento de GG e HH, inspectoras do Departamento de Fiscalização do Algarve da Segurança Social, que confirmou a fiscalização efectuada e datas da mesma, infracções verificadas, insuficiências em causa.

Explicaram as testemunhas, em concreto, o que foi verificado relativamente a cada uma das contraordenações em causa, sendo que descreveu o local preparado para 6 idosos, com dois quartos duplos e outro com uma cama de casal, estando lá presentes 5 idosos, o que lhe foi confirmado, aquando da visita inspectiva, pela própria arguida.

Importa referir que esta testemunha frisou bem o que verificou no local, as camas que estavam ocupadas, que não se baseou apenas nas declarações da arguida.

Assim, estes depoimentos apresentaram credibilidade em detrimento dos presados por CC, reformada que teve a mãe na residência do arguido, e DD, filho do arguido, os quais referiram que na mesma só viviam 3 idosos, sendo os outros dois o pai e sogra do arguido e o primeiro nem sempre.

Sucede que o arguido, independentemente de receber pagamento de todos, acolhia 5 idosos e não tinha autorização camarária para utilização do espaço para outros fins que não o da habitação, não tinha livro de reclamações ou outra documentação exigível para funcionamento do estabelecimento como lar para idosos

Ora, independentemente do acerto da referida fundamentação, cuja apreciação sempre será efetuada em sede de mérito da causa, verdade é que não é possível considerar, em face da argumentação expendida, ter existido falta de fundamentação quanto às razões pelas quais o tribunal a quo considerou mais credíveis os depoimentos das testemunhas GG e HH do que os depoimentos das testemunhas CC e DD.


De qualquer modo, importa referir que se mostra vertido nos factos provados que dois dos idosos que frequentavam o lar eram familiares do arguido e de BB, não pagando qualquer mensalidade (facto provado D).


Nesta conformidade, improcede a invocada nulidade por falta de fundamentação.


4 – Violação do ónus da prova


Considera igualmente o recorrente que a sentença recorrida não apreciou corretamente a problemática do ónus da prova, por os concretos meios de prova não permitirem que se concluísse que estavam acolhidos 5 idosos, equiparando uma relação familiar a uma atividade de apoio social.


Vejamos.


Apesar de o recorrente não indicar expressamente qual é o vício fáctico que entende afetar a sentença recorrida, em face do alegado, estará em causa uma situação de erro notório na apreciação da prova, prevista no art. 410.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Penal.


Conforme já se mencionou supra, o tribunal da relação, em sede contraordenacional laboral, apenas conhece da matéria de direito, nos termos do art. 51.º, n.º 1, da Lei n.º 107/2009, de 14-09, com exceção das situações previstas no art. 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.


Dispõe o art. 410.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Penal, que:

2 - Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:

(…)

c) Erro notório na apreciação da prova.

Atente-se que para que o art. 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, possa operar, os mencionados vícios da matéria de facto têm de resultar de forma expressa do texto da sentença recorrida, não sendo, por isso, admissível o recurso a declarações ou depoimentos ou mesmo a documentos constantes do processo.


Sobre esta matéria, cita-se o acórdão do STJ, proferido em 13-02-19929:

II - Como resulta do artigo 410 do Codigo de Processo Penal, os vicios nele referidos, nomeadamente o erro notorio na apreciação da prova, tem de resultar da propria decisão recorrida, na sua globalidade, mas sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo de inquerito ou na instrução ou ate mesmo no julgamento.

Veja-se sobre esta matéria ainda o acórdão do STJ, proferido em 30-11-199310:

II - Não pode ser considerado notório, pelo menos para quem não assistiu ao julgamento e leia o texto da decisão recorrida, o erro na apreciação que o Tribunal Colectivo fez da prova produzida em julgamento.

Por fim, cita-se o acórdão do TRC, proferido em 10-07-201811:

I – O erro notório na apreciação da prova consiste num vício de apuramento da matéria de facto, que prescinde da análise da prova produzida para se ater somente ao texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência comum.

II - Verifica-se o erro notório na apreciação da prova quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum.

O erro notório na apreciação da prova decorre, portanto, quando, resultante do teor da própria sentença recorrida, se verifique uma falha grosseira e evidente na análise da prova, percetível a qualquer pessoa normal, colocada naquela exata situação, nomeadamente, quando se deram como provados factos inconciliáveis entre si, ou como provados e não provados factos igualmente inconciliáveis entre si ou quando se decide em oposição ao que se provou. Porém, já não se inclui no erro notório na apreciação da prova o modo como o tribunal a quo valorou a prova produzida em audiência de julgamento, quer por depoimentos, quer por documentos, valoração que aquele tribunal é livre de efetuar de acordo com o disposto no art. 127.º do Código de Processo Penal.


Ora, da leitura da sentença recorrida não transparece qualquer erro notório na apreciação da prova, designadamente que tenham sido dados como provados factos inconciliáveis entre si, ou como provados e não provados factos igualmente inconciliáveis entre si ou que se tenha decidido em oposição ao que se provou. Refira-se, de qualquer modo, que ficou a constar do facto provado D que dois dos idosos eram familiares dos responsáveis e não pagavam mensalidade, ou seja, ficou a constar da matéria factual exatamente aquilo que o arguido invoca. Daí que a discordância do arguido não seja com a matéria factual, antes sim, com a interpretação jurídica dada a essa matéria factual. Porém, tal já não se integra no vício do erro notório na apreciação da prova, sendo de valorar como erro de decisão de mérito ou de julgamento.


Pelo exposto, improcede, nesta parte, a pretensão do arguido.


5 – Omissão de elementos factuais fundamentais


Considera o arguido que não consta da matéria fáctica elementos relativos à gravidade da contraordenação, ao benefício económico retirado da infração, à situação económica do arguido e, sobretudo, ao grau de culpa do arguido, ou seja, se este atuou com negligência ou dolo.


Apreciemos.


A gravidade da contraordenação retirar-se-á dos factos que tiverem sido dados como assentes, designadamente aquilo que o arguido fez e nos termos em que o fez, não sendo a matéria fáctica o local indicado para se tecer conclusões sobre a gravidade da contraordenação, pelo que, quanto a este ponto, improcede a pretensão do arguido.


Relativamente ao benefício económico retirado da infração pelo arguido consta o facto provado D, pelo que, também quanto a este ponto, improcede a pretensão do arguido.


Relativamente à situação económica do arguido, a mesma resulta igualmente do referido facto provado D, nada mais se tendo apurado, pelo que apenas com base nesse facto terá de ser apreciada a situação económica do arguido, pelo que improcede, também aqui, a pretensão do arguido.


Por fim, importa apreciar se consta ou não da sentença recorrida matéria factual relativa ao elemento subjetivo da contraordenação imputada.


A noção de contraordenação laboral encontra-se prevista no art. 548.º do Código de Trabalho e dela resulta que se trata de um facto típico, ilícito e censurável praticado por um “qualquer sujeito no âmbito de relação laboral”.


O elemento subjetivo reporta-se, assim, à censurabilidade (culpa) que é essencial existir nas contraordenações laborais, sob pena de estas não se mostrarem preenchidas e, desse modo, não serem imputadas aos arguidos.


Porém, conforme expressamente consta do parecer do Conselho Consultivo da PGR:

1. O ilícito de mera ordenação social corresponde a uma censura de natureza social e administrativa cujo fundamento dogmático é a subsidiariedade do Direito Penal e a necessidade de sancionar comportamentos ilícitos mas axiologicamente neutros. Do ponto de vista teleológico, as contraordenações são uma medida de proteção da legalidade, o que justifica a maior flexibilidade na análise dos pressupostos da imputação, designadamente da culpa, que é diferente da culpa penal.

Na realidade, por no domínio do direito contraordenacional não estar em causa a culpa em sentido jurídico-penal (centrada na consciência e vontade do seu autor), mas apenas uma censura de natureza social e administrativa, caracterizada na violação de deveres legais12, é compreensível que a análise do elemento subjetivo do tipo contraordenacional seja bastante mais flexível e menos exigente do que nas situações criminais.


No entanto, basta atentar ao teor do facto provado O, no qual consta “O arguido bem sabia que não estava a cumprir as obrigações que lhe incumbiam, em prejuízo dos seus utentes”, para que não seja possível considerar que da matéria factual não consta o elemento referente ao grau de culpa do arguido.


Pelo exposto, apenas nos resta concluir pela improcedência, quanto a esta questão, da pretensão do arguido.


6 – Não aplicação do DL n.º 64/2007, de 14-03, à situação dos autos


Considera o arguido que não se lhe aplica o DL n.º 64/2007, de 14-03, porque dois dos idosos que foram encontrados no local eram seus familiares, tendo a sentença erradamente equiparado relação familiar com atividade de apoio social.


Apreciemos.


O arguido foi condenado pela prática de uma contraordenação p. e p. pelos arts. 11.º, 39.º-B, al. a) e 39.º-E, al. a), todos do DL n.º 64/2007, de 14-03, na versão do DL n.º 33/2014, de 04-03.


Dispunha o art. 1.º do referido DL na mencionada versão que:

O presente decreto-lei define o regime de licenciamento e de fiscalização da prestação de serviços e dos estabelecimentos de apoio social, adiante designados por estabelecimentos, em que sejam exercidas atividades e serviços do âmbito da segurança social relativos a crianças, jovens, pessoas idosas ou pessoas com deficiência, bem como os destinados à prevenção e reparação das situações de carência, de disfunção e de marginalização social, estabelecendo ainda o respetivo regime sancionatório.

Estatui, ainda, o art. 2.º desse DL13 que:

1 - O presente decreto-lei aplica-se aos estabelecimentos prestadores de serviços de apoio social estabelecidos em território nacional das seguintes entidades:

a) Sociedades ou empresários em nome individual;

b) Instituições particulares de solidariedade social ou instituições legalmente equiparadas;

c) Entidades privadas que desenvolvam atividades de apoio social.

2 - O presente decreto-lei aplica-se ainda aos prestadores de serviços de apoio social legalmente estabelecidos noutro Estado Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu que desenvolvam as atividades previstas no artigo 4.º, no cumprimento do estabelecido no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 92/2010, de 26 de julho.

3 - O presente decreto-lei não se aplica aos organismos da Administração Pública, central, regional e local, e aos estabelecimentos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.

Determina o art. 4.º, n.º 1, al. b), do mesmo Diploma Legal que:

1 - Os serviços de apoio às pessoas e famílias referidos no artigo anterior são desenvolvidos pelas seguintes respostas sociais:

(…)

b) No âmbito do apoio a pessoas idosas: centro de convívio, centro de dia, centro de noite, estruturas residenciais para pessoas idosas;

Consagrava o art. 11.º do mesmo Diploma Legal que:

1 - Os estabelecimentos abrangidos pelo presente decreto-lei só podem iniciar a actividade após a concessão da respectiva licença de funcionamento, sem prejuízo do disposto nos artigos 37.º e 38.º

2 - A instrução do processo e a decisão do pedido de licença de funcionamento são da competência do Instituto da Segurança Social, I. P.

Estatuía o art. 39.º-B, al. a), do mesmo Diploma que:

Constituem infrações muito graves:

a) A abertura ou o funcionamento de estabelecimento que não se encontre licenciado nem disponha de autorização provisória de funcionamento válida;

Dispunha o art. 39.º-E, al. a), do referido Diploma que:

Às infrações previstas nos artigos 39.º-B a 39.º-D são aplicáveis as seguintes coimas:

a) Entre 20 000,00 EUR e 40 000,00 EUR, para a infração muito grave referida na alínea a) do artigo 39.º-B;

Determinava ainda o art. 39.º-G do mencionado Diploma, que:

1 - Os limites máximos e mínimos das coimas previstas no presente decreto-lei aplicam-se quer às pessoas singulares quer às pessoas coletivas, sendo reduzidos a metade quando aplicáveis a entidades que não tenham finalidade lucrativa.

2 - Em caso de reincidência, os limites mínimo e máximo da coima são elevados em um terço do respetivo valor.

Por fim, consta do art. 6.º, n.º 1, da Portaria 67/2012, de 21-03, que:

1 - A capacidade máxima da estrutura residencial é de 120 residentes, não podendo ser inferior a 4 residentes.

Em face dos citados artigos resulta que o presente diploma se aplica designadamente a empresários em nome individual que se dediquem à prestação de serviços em que sejam exercidas atividades e serviços do âmbito da segurança social relativos a pessoas idosas, nomeadamente através de estruturas residenciais para pessoas idosas. Por sua vez, para que se possa considerar, em termos legislativos, que estamos perante uma estrutura residencial é necessário que, pelo menos, se encontrem acolhidos quatro idosos.


Impõe-se ainda que quem se dedique a tal atividade, nas condições mencionadas, só a pode iniciar após a concessão da respetiva licença de funcionamento.


Acresce que não é condição de aplicação do presente Diploma Legal que quem desenvolve esta atividade o faça com fins lucrativos, como o demonstra o disposto no citado art. 39.º-G.


Vejamos, então, o caso concreto.


Provou-se, para aquilo que aqui releva, que:


- O arguido em 16-03-2017 exercia a atividade de acolhimento de idosos, em estabelecimento sito em ..., com uma capacidade instalada para 6 pessoas, encontrando-se acolhidos, nesse dia, 5 idosos, com idades a partir dos 65, sendo que aos respetivos utentes eram prestados serviços como o fornecimento de refeições, cuidados de saúde, higiene, conforto e vigilância.


- Esses 5 utentes eram cuidados pelo arguido e por BB, pagando três deles uma mensalidade no valor de €400,00 e dois deles nada pagando, por serem familiares do arguido e da referida BB.


- O arguido não tinha a devida autorização de funcionamento ou comunicação prévia para a atividade de ERPI.


- As instalações eram destinadas a habitação e os espaços não cumpriam os requisitos legais necessários para conceder uma autorização de funcionamento, acrescendo que as instalações não asseguravam as condições de acessibilidade necessárias a utentes com mobilidade reduzida.


- Não existia licença de autorização de utilização, emitida pela Câmara Municipal de ..., para o fim prosseguido, nem de parecer da Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC), que comprovasse o cumprimento das regras de segurança contra riscos de incêndio das instalações, nem existia certificação das instalações técnicas e de utilização de combustíveis, não estando asseguradas as condições de segurança exigíveis para o funcionamento de um equipamento de apoio social de alojamento a idosos.


- Não existiam comprovativos da implementação de medidas de autoproteção, bem como não existia parecer higiene-sanitário, certificado de inspeção de gás, nem certificação em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho e em segurança alimentar.


- A estrutura residencial não dispunha de receção, direção, serviços técnicos e administrativos, instalações para o pessoal, convívio e atividades, serviços de enfermagem e serviços de apoio.


- Não existiam planos de limpeza das instalações e de desinfeção dos materiais.


- Inexistia diretor técnico, animador, enfermeiro, ajudante de ação direta e cozinheira, categorias profissionais adequadas às atividades e serviços desenvolvidos.


- Não existia livro de reclamações, entre outros documentos de organização técnico-administrativa, tal como livro de registo de ocorrências.


- O arguido bem sabia que não estava a cumprir as obrigações que lhe incumbiam, em prejuízo dos seus utentes.


Ora, de tal matéria factual, resulta à evidência que, independentemente de dois dos idosos não pagarem qualquer mensalidade e serem familiares do arguido e de BB, verdade é que estes tinham ao seu cuidado, à data da ação de fiscalização, cinco idosos, exatamente no mesmo espaço e usufruindo das mesmas condições, sendo-lhes prestados os mesmos serviços, como o fornecimento de refeições, cuidados de saúde, higiene, conforto e vigilância, pelo que é de considerar que aquela estrutura residencial tinha como residentes cinco idosos, ou seja, um número não inferior a quatro.


Nesta medida, aplicando-se o DL n.º 64/2007, de 14-03, na versão do DL n.º 33/2014, de 04-03, também a situações em que as entidades que exploram tais estruturas residenciais não possuem finalidade lucrativa, prevendo-se, inclusive, uma coima para tais situações, só é possível concluir que o referido Decreto Lei é de aplicar ao arguido.


A discordância do arguido relativamente à aplicação do referido Decreto Lei assentou essencialmente na circunstância de que, quanto a dois idosos, inexistia finalidade lucrativa, o que efetivamente resulta da matéria dada como assente.


Porém, o que tal circunstância determina não é a não aplicação do referido Decreto-Lei, mas sim que a coima a aplicar tem como limites o que consta do art. 39.º-G, n.º 1, desse Decreto Lei e não, como erradamente refere a sentença recorrida, o que consta do art. 39.º-E, al. a). E isto porque, na esteira do acórdão do TRP, proferido em 18-11-2019, no âmbito do processo n.º 5902/18.5T8MTS.P1,14 para que se possa considerar estarmos perante uma atividade exercida com fins lucrativos, se torna necessário que no estabelecimento onde tal atividade esteja a ser exercida se encontrem ao cuidado do arguido, pelo menos quatro idosos, relativamente aos quais, seja paga mensalidade, uma vez que “se a Portaria 67/2012, no seu art. 6º, nº 1, exige que a estrutura residencial tenha uma capacidade mínima para quatro utentes, afigura-se-nos mais ajustado ao espírito da lei, bem como lógico e coerente que, para que a actividade se possa considerar como prestada por entidade que tenha finalidade lucrativa, que tal finalidade se encontre presente em relação a, pelo menos, quatro utentes”.15


Nesta conformidade, aplicando-se à situação em apreço o disposto no art. 39.º-G, n.º 1, os valores máximos e mínimos da coima, porque reduzidos a metade, passam a ser entre €10.000,00 e €20.000,00.


Na esteira da sentença recorrida, que entendeu manter o entendimento da decisão administrativa e aplicar ao arguido, em concreto, a coima pelo seu mínimo legal, decidimos, em face da nova moldura penal, aplicar a coima também pelo seu mínimo legal, ou seja, em €10.000,00.








V - Decisão


Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência:


- Determinar a revogação da sentença recorrida na parte em que condenou o arguido AA numa coima no valor de €20.000,00, a qual se substitui pela condenação do arguido na coima de €10.000,00 pela prática, a título de dolo eventual, de um contraordenação muito grave, p. e p. pelos arts. 11.º, 39.º-B, al. a), 39.º- E, al. a), e 39.º-G, n.º 1, todos do DL n.º 64/2007, de 14-03, na versão do DL n.º 33/2014, de 04-03.


Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC (art. 8.º, n.º 7 e tabela III do Regulamento das Custas Processuais).


Notifique.



Évora, 27 de fevereiro de 2025

Emília Ramos Costa (relatora)

Mário Branco Coelho

João Luís Nunes

____________________________________

1. Relatora: Emília Ramos Costa; 1.º Adjunto: Mário Branco Coelho; 2.º Adjunto: João Luís Nunes.↩︎

2. Ou ne bis in idem.↩︎

3. Que, até ao momento, não sofreu qualquer alteração.↩︎

4. Com exceção da causa de suspensão prevista na al. a) do n.º 1 do art. 53.º da mesma Lei.↩︎

5. Entre 09-03-2020 e 02-06-2020.↩︎

6. 1.ª versão.↩︎

7. Entre 22-01-2021 e 05-04-2021.↩︎

8. Vide acórdão do TRP proferido em 14-07-2021 no âmbito do processo n.º 3226/20.7T8OAZ.P1, consultável em www.dgsi.pt.↩︎

9. No âmbito do processo n.º 042419, consultável em www.dgsi.pt.↩︎

10. No âmbito do processo n.º 045854, consultável em www.dgsi.pt.↩︎

11. No âmbito do processo n.º 26/16.2GESRT.C1, consultável em www.dgsi.pt.↩︎

12. Veja-se o acórdão do TRE, proferido em 08-11-2017, no âmbito do processo n.º 2792/16.6T8PTM.E1, consultável em www.dgsi.pt.↩︎

13. Consigna-se que todas as menções a este DL se reportam à versão consagrada pelo DL n.º 33/2014, de 04-03.↩︎

14. Consultável em www.dgsi.pt.↩︎

15. Citação do referido acórdão do TRP.↩︎