CATEGORIA PROFISSIONAL
CONDENAÇÃO ULTRA PETITUM
FÉRIAS
SUBSÍDIO DE FÉRIAS
SUBSÍDIO DE NATAL
ÓNUS DA PROVA
Sumário

Sumário elaborado pela relatora (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
I – A atribuição de categoria profissional não admite, nos termos do art. 74.º do Código de Processo do Trabalho, a condenação extra vel ultra petitum.

II – Ao se admitir, nos termos do art. 119.º do Código do Trabalho, que, em determinadas condições, possa ser reduzida a categoria profissional, tal circunstância impede que a matéria relativa à categoria profissional se enquadre no conceito de “preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho”.

III – O ónus da prova do pagamento de férias, subsídio de férias e subsídio de natal, por se tratar de um facto extintivo do direito invocado pelo trabalhador na sua petição inicial, compete, nos termos do art. 342.º, n.º 2, do Código Civil, à entidade empregadora.

IV – O pagamento de férias, subsídio de férias e subsídio de natal reporta-se a prestações imperativas e irrenunciáveis pelo trabalhador.

Texto Integral

Processo n.º 2038/23.0T8FAR.E1

Secção Social do Tribunal da Relação de Évora1





Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:


I – Relatório


AA (Autora) intentou a presente ação declarativa de condenação, emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, contra “Eva Transportes, S.A.” (Ré), solicitando, a final, que a ação seja julgada procedente por provada e, em consequência, seja a Ré condenada:


- a reconhecer que, entre a Autora e a Ré existe um contrato de trabalho por tempo indeterminado desde 30 de Julho de 1996;


- a fixar à Autora um salário base que tenha em conta o princípio do salário igual para trabalho igual, bem como a pagar-lhe, em virtude das suas funções, os demais suplementos remuneratórios a que tenha direito;


- a pagar à Autora a indemnização por danos patrimoniais, no montante de €34.873,16;


- a pagar custas, procuradoria condigna e demais encargos até final.


Alegou, em síntese, que foi contratada pela Ré, por contrato celebrado em 30-07-1996, para garantir o posto de trabalho na ..., de venda de bilhetes e serviços, sob as ordens e instruções da Ré, assegurando, desde então, esse posto de trabalho, porém, o contrato que celebrou com a Ré foi de prestação de serviços e não, como deveria ter sido, de contrato de trabalho, uma vez que se mostram verificadas mais do que uma das presunções previstas no art. 12.º do Código do Trabalho.


Alegou igualmente que, sendo a Ré condenada a reconhecer que entre a Autora e a Ré existe um contrato de trabalho por tempo indeterminado desde 30-07-1996, deverá igualmente reconhecer a categoria profissional da Autora como despachante, fixando-lhe uma remuneração base que respeite o princípio de salário igual para trabalho igual.


Alegou, por fim, que lhe devem ser pagos os subsídios de refeição, de abono para falhas, de férias e de natal, bem como lhe devem ser pagas as férias não gozadas.





Realizada a audiência de partes, não foi possível resolver o litígio por acordo.





A Ré apresentou contestação, onde confessou parcialmente o pedido relativamente à existência de um contrato de trabalho, e impugnou na parte em que a Autora peticionou categoria diversa de Bilheteiro, bem como na parte referente ao pagamento de quantias a título de subsídios de refeição, de abono para falhas, de férias e de natal, bem como a título de férias não gozadas.





Proferido despacho saneador, foi fixado o valor da causa em €34.873,16, efetuado o saneamento do processo, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.





Após realização da audiência de julgamento, foi proferida sentença em 18-06-2024, com o seguinte teor decisório:

Nestes termos e por tudo o exposto, decide-se julgar a presente acção parcialmente procedente, por provada, e, em consequência:

A) Declarar que entre a Autora AA e a Ré EVA Transportes, S.A. existe um contrato de trabalho por tempo indeterminado desde 30 de Julho de 1996, e condenar a R. a reconhecer o mesmo;

B) Condenar a R. EVA Transportes, S.A. a proceder à atribuição de categoria profissional à A., condizente com as respetivas funções e respeito pelo principio da igualdade por referência a outros trabalhadores que também as exerceram ou exerçam, fixando-lhe e pagando-lhe retribuição-base mensal e complementos remuneratórios em conformidade com aquela categoria e respetivo acordo de empresa e a pagar à A. a remuneração de férias, subsidio de férias e subsidio de natal de 30 de Julho de 1996 em diante, em montante a fixar em liquidação de sentença.

Custas pela R..

Registe e notifique.




Não se conformando com a sentença, veio a Ré interpor recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1) Quanto à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, decorrente da reapreciação da prova gravada:

A) Atenta a prova testemunhal produzida em audiência, cuja parte relevante se deixou transcrita em II-2.2. da Motivação, deverão ser aditados os seguintes factos à Factualidade Assente:

S: A actividade predominante da Autora consubstancia-se e sempre se consubstanciou na venda de títulos de transporte, embora, complementarmente, também aceite e entregue despachos e preste informações ao público;

T: Os trabalhadores admitidos pela Ré foram sempre integrados nas categorias previstas no Anexo I do Acordo de Empresa aplicável, correspondendo-lhe sempre a remuneração-base prevista na Tabela Salarial constante do Anexo II do mesmo instrumento;

U: A Tabela Salarial que fazia o Anexo II do Acordo de Empresa aplicável, embora tratada como tabela de remunerações mínimas nos termos da sua cláusula 42ª nº 3, estabelecia, na verdade, os limites mínimos e máximos aplicáveis à remuneração base de cada uma das categorias que a compunham;

V: O Acordo de Empresa aplicável não previa a atribuição aos trabalhadores de comissões calculadas em função da venda de quaisquer bens ou serviços, nomeadamente, não as previa em relação aos trabalhadores com a categoria profissional de Bilheteiro em função da venda de títulos de transporte, nem era prática da R. praticar esse tipo de remuneração;

X: o valor das remunerações-base previstas na Tabela salarial, e bem assim o das demais prestações de natureza pecuniária, como, por exemplo, as diuturnidades, o subsídio de refeição e o abono para falhas, era actualizado anualmente, fosse em resultando de acordo entre a Ré e as associações sindicais celebrantes do Acordo de Empresa aplicável, fosse de decisão unilateral da Ré, quando esse acordo existiu.

2) Quanto à categoria profissional a atribuir à autora e respectiva remuneração)

B) Perante a matéria de facto provada, já considerados aqui os factos cujo aditamento se propõem após a reavaliação da prova gravada, e considerados os descritivos funcionais previstos no Acordo de Empresa aplicável, as funções desempenhadas pela Autora poderiam ser subsumíveis em duas categorias: na de Bilheteira ou na de Despachante;

C) A Autora procedia à venda de títulos de transporte, mas também recebia e entregava encomendas e prestava informações ao público. Porém, a sua actividade predominante era a de venda de títulos de transporte, sendo a actividade relacionada com despachos meramente complementar ou acessória daquela;

D) Aliás, para além de referir genericamente que procedia a despachos, a Autora não alegou, nem uma testemunha que fosse o referiu, que ela, Autora controlasse e verificasse o movimento das partidas e chegadas de mercadorias, bem como o respetivo expediente; zelasse pela conservação e armazenamento de mercadorias à sua guarda; podendo eventualmente efetuar a conferência de mercadorias ou despachos, fazendo ainda a sua pesagem quando necessário, tarefas, estas, próprias e exclusivas da categoria de Despachante;

E) Estando os conteúdos funcionais correspondentes às categorias das funções exercidas na Ré pré-determinados no Acordo de Empresa, à Autora deverá ser atribuída aquela que corresponda às funções efetivamente exercidas, devendo considerar-se que a atividade exercida corresponde à função principal do trabalhador;

F) E tal categoria não poderia deixar de ser a de Bilheteiro, pois, manifestamente, a Autora não desempenhava, com predominância, tarefas da categoria de Despachante e, em consequência, a remuneração base e demais suplementos remuneratórios que lhe deveriam corresponder seriam os previstos para a Categoria de Bilheteiro;

G) Ao relegar para incidente de liquidação da Sentença a definição da categoria profissional e respectiva retribuição, a Sentença recorrida interpretou incorrectamente, e, com isso violou, o disposto no artigo 609º nº 2 CPC, aplicável por via do artigo 1º nº 2 al. a) do CPT e a Cláusula 7ª do AE aplicável

3) Da condenação na remuneração de férias, subsídio de férias, subsídio de Natal e demais prestações:

H) A Sentença recorrida deu como provado que, em execução do contrato dos autos, a aqui Apelante pagou à Apelada os valores discriminados na alínea Q) da Factualidade Assente. Porém, não imputou esses valores no montante que a Autora tenha a receber em consequência da qualificação do contrato dos autos como um contrato de trabalho, aparentemente com o argumento de que os pagamentos não foram feitos a título de retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal;

I) Tais valores foram pagos pela Ré e auferidos pela Autora em execução do contrato dos autos; ou seja, só correram porque o contrato dos autos existia e estava a ser executado pelas partes. Esta foi a causa dos pagamentos. Não existisse contrato, não teria havido pagamentos;

J) A Ré pagou pontualmente -- isto é, pagou ponto por ponto --, as prestações pecuniárias a que se obrigou, as quais foram qualificadas como comissões, não tendo pago prestações que o contrato não previa, como as supra elencadas;

K) Não é convicção da Ré que não tem de pagar à Autora tudo aquilo que ela teria auferido se o contrato tivesse sido celebrado como um contrato de trabalho em vez de ter sido celebrado como um contrato de prestação de serviços. reconhece que deverá pagar, quando mais não seja porque se tratam, inequivocamente, de prestações imperativas e irrenunciáveis pelo trabalhador;

L) O que é manifestamente injusto, porque desproporcional, é desconsiderar o valor pago pela Ré e obrigá-la a pagar de novo, como se nada tivesse pago, com a justificação de que nunca procedeu a qualquer pagamento especificamente a tal título, ou seja, a título de remuneração das férias, ou de subsídio de férias, ou de subsídio de Natal, ou de abono para falhas, ou de subsídio de refeição, tendo os pagamentos sido feitos, apenas, em decorrência da execução do contrato;

M) No entanto, os pagamentos reclamados a título de remuneração das férias, de subsídio de férias, de subsídio de Natal, de abono para falhas e de subsídio de refeição, ou, ainda, de remuneração-base e de diuturnidades, também só são justificáveis e devidos em função do contrato dos autos enquanto contrato de trabalho, mas que, na verdade e para além de qualquer dúvida, é o mesmo contrato ao abrigo e em execução do qual a Ré fez os pagamentos discriminados na alínea Q) da Factualidade Assente;

N) Mais: o reconhecimento da laboralidade do contrato dos autos, apesar de só ocorrer no âmbito da presente acção, retroage à data da celebração do contrato de prestação (dito) de serviços, pelo que, por força dessa retroactividade, todos os pagamentos que foram feitos desde então deverão (terão) de ser considerados como feitos no âmbito do contrato de trabalho;

O) Assim sendo, do valor que venha a ser apurado como devido à Apelada, deverão ser imputados e deduzidos, os valores que anualmente a R. lhe pagou e que estão discriminados na referida alínea Q) da Factualidade Assente, pois tais pagamentos foram feito em razão e por causa da existência do mesmo contrato;

P) De outro modo, nada se imputando, como decidido na Sentença recorrida, considerando o valor que venha a ser apurado de acordo com a categoria profissional da Autora, esta obterá um enriquecimento indevido e injustificado à custa da Ré, pois receberá todo o valor a que tiver direito em função do contrato de trabalho, que cumulará com o que já recebeu em contrapartida da execução do contrato enquanto este foi tratado como contrato de prestação de serviços;

Q) Ao decidir como decidiu, a Sentença recorrida violou manifestamente o princípio da equidade, que é uma manifestação do princípio da igualdade garantido pelo artigo 20º nº 4 da Constituição.

Nestes termos e nos demais de Direito que V. Excias. Doutamente proverão, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, deverá a decisão recorrida ser revogada.

Com o que se fará justiça.




A Autora não apresentou contra-alegações.





O tribunal de 1.ª instância admitiu o recurso como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo tal recurso sido mantido nos seus exatos termos neste Tribunal.


Em cumprimento do disposto no art. 87.º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, devendo a sentença ser mantida na íntegra.


Não houve respostas ao parecer.


Após os autos terem ido aos vistos, cumpre agora apreciar e decidir.





II – Objeto do Recurso


Nos termos dos arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (art. 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).


No caso em apreço, as questões que importa decidir são:


1) Impugnação da matéria de facto;


2) Atribuição imediata da categoria de Bilheteiro à Autora; e


3) Dedução das quantias pagas a título de comissões nos valores a pagar a título de férias, subsídio de férias, subsídio de natal e demais prestações.





III – Matéria de Facto


O tribunal da 1.ª instância deu como provados os seguintes factos:

A) A Ré é uma empresa de transportes públicos de passageiros, explorando, entre outros serviços, o Expresso de Qualidade, o Transrápido, a Linha Litoral, as carreiras interurbanas e urbanas, estas últimas referentes ao distrito de Faro, além de serviços de aluguer e turismo;

B) A venda de bilhetes, a entrega de despachos e a prestação de informações ao público é feita em ... na bilheteira existente no terminal rodoviário;

C) O terminal rodoviário de ... pertence ao Município de ... e é explorado pela R.;

D) A A. acordou e subscreveu com a R., em 30 de Julho de 1996, por escrito o seguinte: “Contrato de agência” (…) o segundo contraente será agente da Eva – Transportes, S.A. em .... II O segundo contraente promoverá a venda de títulos de transporte e angariação de despachos de mercadorias para todas as carreias de passageiros exploradas pelo primeiro contratante com passagem, início ou termo na referida localidade. III O segundo contratante responsabiliza-se por todos os bens e valores à sua guarda, tais como dinheiro, mercadorias, livros de despacho e de título de transporte, de que seja depositário. IV As remessas de receitas provenientes de vendas de títulos de transporte serão depositadas diariamente no caixa do primeiro contratante, contra rúbrica deste no Mapa de Vendas do Dia. V O segundo contratante promoverá e afixará todo o tipo de publicidade ou cartazes indicadores, fornecidos pela EVA- Transportes, S.A.. VI O segundo contraente procederá ainda ao armazenamento de volumes, verificação dos mesmos e seus registos e bem assim observará com rigor o Decreto-Lei Nº. 298/81, sobre o Controlo de Mercadorias em Circulação, emanado do Ministério das Finanças. VII O segundo contratante receberá na venda de títulos de transporte e despachos, as comissões de acordo com as seguintes percentagens (…) VIII O segundo contratante manterá exclusividade com a EVA- Transportes, S.A., no mesmo ramo de serviços explorados por esta Empresa. IX Este contrato tem o seu início em 30 de Julho de 1996 (…). X O presente contrato consubstancia obrigação de promover, em nome e por conta da EVA – Transportes, S.A., a venda de títulos de transporte e angariação de despachos e mercadorias pelo que não se entende o mesmo como um Contrato de trabalho, por falta de subordinação jurídica. (…)”;

E) Desde a data referida em D) que a A., no exercício da atividade a que se obrigou, limita-se a vender os bilhetes e serviços que lhe são solicitados na referida bilheteira, sem qualquer promoção da sua parte para além da decorrente da afixação de cartazes remetidos pela R. para o efeito, prestando além disso informações que lhe são requeridas sobre horários de partida e chegada de carreiras e recebendo despachos que entrega posteriormente aos seus destinatários;

F) A A. procede ao tratamento dos despachos de acordo com os procedimentos indicados pela R.;

G) No desenvolvimento e execução da atividade a A. utiliza ainda secretária, cadeira, papel, canetas e telefone cedidos pela R.;

H) Em função dos horários das carreiras, decidiu a R. que a bilheteira onde a A. exerce a atividade funciona nos dias úteis entre as 7:30 horas e as 18:30 horas, com um intervalo para almoço entre as 13:00 e as 14:00 horas, de segunda a domingo;

I) A R. exige à A. que assegure o funcionamento da bilheteira durante o período de abertura ao público;

J) A R. nunca manifestou oposição ás ausências, nem exigiu justificação das mesmas;

K) A Autora reconhece como seu superior hierárquico BB, diretor de produção da R., a quem recorre para comunicar e solicitar autorização para ausência e alterações acerca do tempo de prestação da atividade;

L) Pela atividade prestada pela A. a R. paga-lhe, mensalmente, uma quantia variável em função do número de bilhetes e serviços vendidos, emitindo esta, mensalmente, fatura-recibo;

M) A A. não faz qualquer angariação de clientes, limitando- se a proceder ao atendimento de quem se desloca à bilheteira;

N) A R. nunca pagou à A. qualquer quantia a título de subsidio de natal, de subsidio de férias, remuneração de férias, subsidio de refeição ou abono para falhas;

O) A R. nunca procedeu a retenção de IRS, nem a contribuições para a Segurança Social da A. como trabalhadora dependente e também nunca a incluiu nos seus Mapas de Quadro de Pessoal;

P) A R. designa as entidades colectivas que integram a sua rede de vendas e as singulares que não fazem parte do seu quadro de pessoal por “agentes”;

Q) A R. pagou à A. em execução do acordo dos autos, os seguintes valores: Anos Meses Valor: 1996 Jul-Dez € 6.720,37; 1997 Jan-Dez € 10.243,22; 1998 Jan-Dez € 11.686,77; 1999 Jan-Dez € 12.107,59; 2000 Jan-Dez € 13.458,58; 2001 Jan-Dez € 14.754,75; 2002 Jan-Dez € 11.052,02; 2003 Jan-Dez € 17.343,56; 2004 Jan-Dez € 16.200,49; 2005 Jan-Dez € 15 688,24; 2006 Jan-Dez € 17.545,93; 2007 Jan-Dez € 18.557,10; 2008 Jan-Dez € 19.818,58; 2009 Jan-Dez € 17.798,38; 2010 Jan-Dez € 16.257,98; 2011 Jan-Dez € 15.784,91; 2012 Jan-Dez € 15.502,03; 2013 Jan-Dez € 14.897,98; 2014 Jan-Dez € 14.311,49; 2015 Jan-Dez € 14.789,33; 2016 Jan-Dez € 15.325,67; 2017 Jan-Dez € 16.225,02; 2018 Jan-Dez € 16.103,92; 2019 Jan-Dez € 19.071,37; 2020 Jan-Dez € 14.318,05; 2021 Jan-Dez € 13.079,50; 2022 Jan-Dez € 18.268,80;

R) Por força do AE publicado no BTE nº 38, 1ª série de 15/10/1991 e subsequentes alterações tem a categoria profissional de “bilheteiro” “ (…) o trabalhador que, nas estações de camionagem, efetua a venda de bilhetes e outros títulos de transporte, atende o público e presta informações, recebe documentação destinada à empresa e atende o telefone; pode ainda fazer a marcação de lugares nos autocarros e eventualmente anunciar ao público as partidas, passagens e chegadas de carreiras.” e a categoria de “despachante” “ (…) o trabalhador que, nas estações de camionagem, filiais ou postos de despachos, efetua despachos de quaisquer volumes a transportar, entrega de mercadoria chegada ou transportada e cobranças das quantias respetivas controla e verifica o movimento das partidas e chegadas de mercadoria, bem como o respetivo expediente; zela pela conservação e armazenamento de mercadorias à sua guarda; pode eventualmente efetuar a conferência de mercadorias ou despachos, fazendo ainda a sua pesagem quando necessário, pode efetuar excecionalmente a venda de títulos de transporte e fazer marcações nos autocarros.”




E deu como não provados os seguintes factos:

A) A A., com a Pandemia de Covid-19, sofreu redução nos seus rendimentos, ficando sem conseguir fazer face às suas despesas, o que só foi possível com a ajuda de familiares;

B) A A. sentiu-se humilhada e triste;




IV – Enquadramento jurídico


Conforme supra mencionámos, o que importa analisar no presente recurso são as questões supra elencadas.





1 – Impugnação da matéria de facto


Considera a recorrente que devem ser acrescentados 5 novos factos, em face dos depoimentos das testemunhas CC, DD, EE, BB e FF.


Em primeiro lugar, importa referir que se mostram cumpridos os requisitos impostos pelo art. 640.º do Código de Processo Civil, pelo que iremos proceder à apreciação da presente impugnação.


a) Novos factos


Pretende a recorrente que sejam acrescentados os seguintes novos factos:

S: A actividade predominante da Autora consubstancia-se e sempre se consubstanciou na venda de títulos de transporte, embora, complementarmente, também aceite e entregue despachos e preste informações ao público;

T: Os trabalhadores admitidos pela Ré foram sempre integrados nas categorias previstas no Anexo I do Acordo de Empresa aplicável, correspondendo-lhe sempre a remuneração-base prevista na Tabela Salarial constante do Anexo II do mesmo instrumento;

U: A Tabela Salarial que fazia o Anexo II do Acordo de Empresa aplicável, embora tratada como tabela de remunerações mínimas nos termos da sua cláusula 42ª nº 3, estabelecia, na verdade, os limites mínimos e máximos aplicáveis à remuneração base de cada uma das categorias que a compunham;

V: O Acordo de Empresa aplicável não previa a atribuição aos trabalhadores de comissões calculadas em função da venda de quaisquer bens ou serviços, nomeadamente, não as previa em relação aos trabalhadores com a categoria profissional de Bilheteiro em função da venda de títulos de transporte, nem era prática da R. praticar esse tipo de remuneração;

X: o valor das remunerações-base previstas na Tabela salarial, e bem assim o das demais prestações de natureza pecuniária, como, por exemplo, as diuturnidades, o subsídio de refeição e o abono para falhas, era actualizado anualmente, fosse em resultando de acordo entre a Ré e as associações sindicais celebrantes do Acordo de Empresa aplicável, fosse de decisão unilateral da Ré, quando esse acordo existiu.

O facto S mostra-se parcialmente alegado no art. 12.º da contestação, visto que neste artigo apenas se atribuía a função, como carácter esporádico, de aceitar ou entregar pequenas encomendas no posto de vendas do terminal rodoviário de ..., já não a função de prestação de informação ao público, pelo que sempre se analisará este facto nos termos alegados na contestação.


O facto T mostra-se alegado no art. 18.º da contestação; o facto U mostra-se alegado no art. 19.º da contestação; o facto V mostra-se alegado no art. 24 da contestação; e o facto X mostra-se alegado no art. 20 da contestação, sendo que aí não é feita menção às atualizações.


Quanto ao facto S, para além de a Ré ter alegado, na sua própria contestação, a prestação de informações ao público, por parte de Autora, como fazendo parte da atividade principal desta, sempre se dirá que não resultou do depoimento das testemunhas ouvidas em audiência de julgamento mais do que aquilo que consta dos factos provados E e F. Atente-se que competia à Autora, no âmbito das suas funções, receber despachos que entregava posteriormente aos seus destinatários, conforme contrato celebrado (facto provado D e não impugnado). Ora, isso não implicava que existissem despachos a tratar todos os dias, sendo que quando existissem eram os mesmos tratados pela Autora, nem implicava que a testemunha CC fosse a única pessoa que levasse despachos à Autora.


Pelo exposto, bem andou a 1.ª instância em dar como provados os factos E e F nos moldes em que o fez, nada havendo a acrescentar.


Quanto ao facto T, diga-se, desde já, que o mesmo é manifestamente conclusivo, desconhecendo-se quem sejam esses “trabalhadores admitidos”, a que acresce ser totalmente irrelevante, pois o que releva é a atribuição de uma categoria à Autora e não o que ocorre com os demais trabalhadores.


Quanto aos factos U e V, importa referir que os mesmos se referem a interpretações do Acordo de Empresa existente. Ora, a interpretação de determinada norma constante de um Acordo de Empresa não é um facto, antes sim, uma apreciação de carácter jurídico, pelo que não pode ser inscrita na matéria factual.


Quanto ao facto X, é o mesmo manifestamente conclusivo, uma vez que aquilo que sempre relevaria era o valor de cada atualização e não se essa atualização existia ou não, sendo que, encontrando-se a mesma prevista no Acordo de Empresa, estaríamos de novo a tratar como factos as normas interpretativas do referido Acordo.


Assim, e em conclusão, improcede na íntegra a pretendida alteração fáctica, mantendo-se a matéria fáctica nos moldes constantes da sentença recorrida.


2 – Atribuição imediata da categoria de Bilheteiro à Autora


Considera a recorrente que dos factos dados como assente, nos quais incluía as alterações fácticas pretendidas, deveria a sentença recorrida ter, de imediato, atribuído a categoria de Bilheteiro à Autora, ao invés de ter relegado tal matéria para incidente de liquidação da sentença.


Na realidade, para além de terem improcedido as alterações fácticas pretendidas pela recorrente, resulta do peticionado pela Autora e concedido na parte decisória da sentença recorrida que a atribuição de categoria profissional à Autora será efetuada de acordo com as respetivas funções e em respeito pelo princípio da igualdade, por referência a outros trabalhadores que também exerçam tais funções ou as tenham exercido. Ora, basta atentar à matéria dada como provada para facilmente se constatar que não foi apurado nada relativo à categoria profissional de outros trabalhadores da Ré que exerçam ou tenham exercido as mesmas funções da Autora, nem tal, aliás, tinha sido alegado.


Assim, em face do peticionado pela Autora, o tribunal a quo apenas poderia ter decidido nos moldes em que o fez, sob pena de condenar em objeto diverso, em clara violação do n.º 1 do art. 609.º do Código de Processo Civil, até porque a atribuição de categoria profissional não admite, nos termos do art. 74.º do Código de Processo do Trabalho, a condenação extra vel ultra petitum. Na realidade, ao se admitir, nos termos do art. 119.º do Código do Trabalho, que, em determinadas condições, possa ser reduzida a categoria profissional, tal circunstância impede que a matéria relativa à categoria profissional se enquadre no conceito de “preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho”.2


Nesta conformidade, improcede, nesta parte, a pretensão da recorrente.


3 – Dedução das quantias pagas a título de comissões nos valores a pagar a título de férias, subsídio de férias, subsídio de natal e demais prestações


Entende a recorrente que os valores que pagou à Autora, e que constam do facto provado Q, devem ser imputados aos pagamentos relativos a retribuição de férias, subsídio de férias e de natal, subsídio de abono para falhas, subsídio de refeição, bem como ao pagamento da remuneração-base e diuturnidades, visto que, vigorando o contrato celebrado como de prestação de serviços, a recorrente pagou os valores devidos a título de comissões, as quais não existiriam se o contrato celebrado tivesse sido de trabalho.


Entende ainda a recorrente que, a não se entender deste modo, a Autora obterá um enriquecimento indevido e injustificado à custa da Ré, tendo, por isso, a sentença recorrida violado o princípio da equidade, manifestação do princípio da igualdade, garantido pelo art. 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.


Apreciemos.


Em primeiro lugar, importa referir que a recorrente foi condenada a proceder à atribuição de categoria profissional à Autora, condizente com as respetivas funções e respeito pelo princípio da igualdade por referência a outros trabalhadores que também as exerceram ou exerçam, fixando-lhe e pagando-lhe retribuição-base mensal e complementos remuneratórios em conformidade com aquela categoria e respetivo acordo de empresa e a pagar à Autora a remuneração de férias, subsídio de férias e subsídio de natal, de 30 de julho de 1996 em diante, em montante a fixar em liquidação de sentença.


Quanto à primeira parte da condenação,3 apenas após se determinar, em sede de liquidação de sentença, qual é a categoria profissional a atribuir à Autora, condizente com as respetivas funções e respeito pelo princípio da igualdade por referência a outros trabalhadores que também as exerceram ou exerçam, é que se poderá apurar se os montantes que a Autora auferiu, em face da atividade que foi desenvolvendo para a recorrente, ao longo dos anos, respeitou o limite mínimo atribuído a tal categoria profissional ou não. Conforme bem se refere na sentença recorrida “A quantia paga pela R. à A. tinha por base a actividade desta, ou seja, o número de bilhetes e serviços vendidos, sendo paga em função destes e não a título de subsidio de férias, de natal ou remuneração de férias”.


Já relativamente à segunda parte da condenação,4 importa ter presente que se, por um lado, compete ao trabalhador alegar e provar que tem direito a retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de natal, por outro, compete à entidade empregadora alegar e provar que procedeu a tais pagamentos, visto que o ónus da prova do pagamento, por se tratar de um facto extintivo do direito invocado pelo trabalhador na sua petição inicial, compete, nos termos do art. 342.º, n.º 2, do Código Civil, àquele contra quem a invocação é feita, ou seja, à entidade empregadora.


Como a própria recorrente confessou, em sede de contestação, o contrato celebrado entre si e a Autora foi de trabalho, apesar de ter sido denominado de prestação de serviço (mais concretamente, de contrato de agência – facto provado D), pelo que, para além da remuneração devida pelo serviço efetuado pela Autora e que se mostra consagrada no contrato celebrado, competia à recorrente alegar e provar que procedera, igualmente, ao pagamento das férias, do subsídio de férias e do subsídio de natal. Ora, basta atentar no que foi dado como provado no facto N, não impugnado pela recorrente, para facilmente se concluir que esta não logrou provar ter pago à Autora qualquer quantia a título de remuneração de férias, subsídio de férias e subsídio de natal.


Acresce que o pagamento de férias, subsídio de férias e subsídio de natal reporta-se a prestações imperativas e irrenunciáveis pelo trabalhador, pelo que a entidade empregadora, caso não prove tais pagamentos, como é o caso, sempre terá de ser condenada nos mesmos.


Cita-se a este propósito, o acórdão do STJ, proferido em 06-03-2024, no âmbito do processo n.º 5001/21.2T8MAI.P1.S1:5

I- São normas inderrogáveis da lei portuguesa, mormente para efeitos de aplicação do artigo 8.º, n.º 1, do Regulamento Roma I, as que respeitam à própria existência de um subsídio de férias e de um subsídio de Natal.

Diga-se, de igual modo, que se desconhece se os valores pagos pela Ré a trabalhadores seus que exerçam ou tenham exercido as mesmas funções que a Autora, são superiores, iguais ou inferiores aos que foram pagos pela Ré à Autora, pelo que não é possível apurar da existência de alguma violação do princípio da igualdade, violação essa que, a existir, sempre competiria a sua invocação ao trabalhador prejudicado, e não à Ré.


Pelo exposto, também nesta parte improcede a pretensão da recorrente.








V – Decisão


Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, mantendo-se a sentença recorrida.


Custas pela recorrente (art. 527.º, nºs. 1 e 2, do Código de Processo Civil).


Notifique.



Évora, 27 de fevereiro de 2025

Emília Ramos Costa (relatora)

Paula do Paço

João Luís Nunes

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1. Relatora: Emília Ramos Costa; 1.ª Adjunta: Paula do Paço; 2.º Adjunto: João Luís Nunes.↩︎

2. Veja-se sobre esta matéria o acórdão do TRL proferido em 06-12-2017 no âmbito do processo n.º 23997/16.4T8LSB.L1-4; e o acórdão do TRE proferido em 13-02-2025 no âmbito do processo n.º 2035/23.6T8FAR.E1; consultáveis em www.dgsi.pt.↩︎

3. Referente à condenação da recorrente a proceder à atribuição de categoria profissional à Autora, condizente com as respetivas funções e respeito pelo princípio da igualdade por referência a outros trabalhadores que também as exerceram ou exerçam, fixando-lhe e pagando-lhe retribuição-base mensal e complementos remuneratórios em conformidade com aquela categoria e respetivo acordo de empresa.↩︎

4. Referente à condenação da recorrente no pagamento à Autora da remuneração de férias, subsídio de férias e subsídio de natal, de 30 de julho de 1996 em diante.↩︎

5. Consultável em www.dgsi.pt.↩︎