JUSTIFICAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
FORMALIDADES AD SUBSTANTIAM
NULIDADE DA SENTENÇA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Sumário

Sumário elaborado pela relatora (art. 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
I – A nulidade da sentença por falta de fundamentação para que se verifique, é necessária, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil, uma situação de ausência de fundamentação de facto ou de direito, não bastando, assim, uma mera situação de insuficiência, mediocridade ou erroneidade de fundamentação.

II – A entidade empregadora só pode recorrer à celebração de um contrato de trabalho a termo resolutivo (certo ou incerto) para satisfação de necessidades temporárias, objetivamente definidas pela entidade empregadora e apenas pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades.

III – Os contratos a termo têm de observar obrigatoriamente a forma escrita, neles tendo de constar, entre outros elementos, a indicação do termo estipulado e do respetivo motivo justificativo, devendo a indicação do motivo justificativo do termo ser feita com menção expressa dos factos que o integram, estabelecendo-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado, sob pena de, em caso de omissão ou insuficiência das referências ao termo e ao motivo justificativo, se considerar o contrato de trabalho sem termo.

IV – Será sempre em face dos factos justificativos que se mostram apostos no termo que se terá de apreciar da veracidade dos mesmos e da sua adequação à necessidade de celebração de um contrato a termo, uma vez que estamos perante uma formalidade ad substantiam, cabendo esse ónus da prova à entidade empregadora.
V – É de converter em contrato de trabalho sem termo o contrato de trabalho a termo incerto, onde consta como motivo justificativo de tal termo “pelo aumento de serviços e em substituição de trabalhadores de baixa”, uma vez que tal motivo justificativo é manifestamente genérico, vago e insuficiente, desconhecendo-se, em concreto, quais foram os serviços que determinaram o aumento de trabalho na entidade empregadora, ou quem sejam e quanto sejam os trabalhadores alegadamente de baixa médica, bem como quais as funções por estes trabalhadores exercidas.

Texto Integral

Proc. n.º 1285/23.0T8BJA.E1

Secção Social do Tribunal da Relação de Évora1





Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:


I – Relatório


AA (Autor), representado pelo Ministério Público, intentou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra “BB – Construções, Lda.” (Ré), solicitando, a final, que a ação seja julgada procedente por provada, e, em consequência:


A. Seja declarado convertido em contrato de trabalho sem termo o contrato existente entre o Autor e a Ré e reconhecido que o Autor desempenhou ininterruptamente a sua atividade de servente para a Ré, mediante contrato de trabalho sem termo, no período compreendido entre 22-09-2022 e 23-11-2022;


B. Seja declarado ilícito o despedimento do Autor por parte da Ré;


C. Seja a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de €3.300,00, acrescida de juros de mora até integral pagamento e correspondente a indemnização em substituição da reintegração;


D. Seja, ainda, a Ré condenada a pagar ao Autor as retribuições que este deixou de auferir desde o despedimento ocorrido a 23-11-2022 até ao trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento.


Para o efeito, alegou, em síntese, que, no dia 22-09-2022, o Autor e a Ré celebraram um contrato de trabalho a termo incerto, tendo, nos termos de tal contrato, o Autor sido admitido para trabalhar sob as ordens e direção da Ré, no desempenho das funções de servente, com o horário de trabalho de 40 horas semanais, ficando a constar, em tal contrato, que o salário mensal seria de €705,00, acrescido de subsídio de refeição, ainda que o acordado tenha sido que o Autor iria ganhar, por dia, €50,00, descontando-se €4,00 para pagamento à segurança social.


Alegou igualmente que, em tal contrato, ficou a constar que o termo era incerto “pelo aumento de serviços e em substituição de trabalhadores de baixa…”.


Alegou, ainda, que no dia 27-09-2022, pelas 10h00, no exercício das suas funções, o Autor sofreu um acidente de trabalho, que o deixou absolutamente incapacitado para o trabalho até 21-10-2022, tendo, no dia 23-11-2022, o encarregado da Ré, comunicado ao Autor, que estava despedido, ordenando-lhe que saísse do local de trabalho, pelo que, desde essa data, o Autor viu-se impedido de desempenhar as suas funções e de auferir o seu salário.


Alegou, por fim, que o acordo celebrado configura um contrato de trabalho sem termo, uma vez que a fundamentação do termo se mostra insuficiente, vaga e contraditória, pelo que tal termo deverá ser julgado nulo, não podendo, por isso, a Ré ter feito cessar o contrato de trabalho nos moldes em que o fez, com efeitos a 23-11-2022, consubstanciando tal cessação um despedimento ilícito.





Realizada a audiência de partes, não foi possível resolver por acordo o litígio.





A Ré apresentou contestação, solicitando, a final, que a presente ação seja julgada improcedente, por não provada, sendo o Autor condenado em custas, procuradoria, despesas e demais encargos.


Em síntese, alegou que desconhece a existência de qualquer acidente de trabalho e que não corresponde à verdade que o Autor não tenha trabalhado para si até ao dia 21-10-2022 ou que a Ré tenha despedido o Autor no dia 23-11-2022 ou em qualquer outro dia, pelo que não é devedora ao Autor de quaisquer créditos laborais.


Alegou, por fim, que o contrato celebrado é a termo e contém a necessária justificação, não devendo a cláusula do termo aposta ser considerada nula.





Proferido despacho saneador, foi dispensada a realização de audiência prévia, fixado o valor da causa em €3.300,00, efetuado o saneamento do processo, identificado o objeto do litígio, dispensada a enunciação dos temas de prova e procedido à análise das provas apresentadas.





Realizada a audiência de julgamento de acordo com as formalidades legais, foi proferida a respetiva sentença, em 03-08-2024, com o seguinte teor decisório:

Pelo exposto julgo parcialmente procedente por provada a presente ação intentada por AA contra BB - CONSTRUÇÕES, LDª, e, em consequência:

A. Declaro convertido em contrato de trabalho sem termo o contrato existente entre o autor e a Ré e que, no período compreendido entre 22/9/2022 e 30/11/2022, o Autor desempenhou para a Ré a sua atividade profissional de servente, mediante contrato de trabalho sem termo.

B. Declarado ilícito o despedimento do Autor;

C. Condeno a ré a pagar ao Autor a quantia de 2.115€ (dois mil, cento e quinze euros), a título de indemnização em substituição da reintegração, acrescidos de juros de mora à taxa civil vencidos desde a presente data até efetivo e integral pagamento.

D. Condeno a ré a pagar ao Autor as retribuições que este deixou de auferir desde o despedimento ocorrido a 30/11/2022 até ao trânsito em julgado da presente sentença, incluindo subsidio de férias e de natal vencidos - descontados os valores referentes nas alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 390º do Código do Trabalho -, a liquidar em execução de sentença, acrescida dos juros de mora que se vencerem desde a data da notificação para o respetivo incidente.

*

Custas a cargo de autor e ré, fixando o respetivo decaimento em 36% para o autor e 64% para a ré – cfr. artigo 527º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

O valor da causa foi fixado no saneador.

*

Registe e notifique apenas após férias judiciais (artigo 153º, n.º 4, do Código de Processo Civil aplicável ex vi do art. 49º, n.º 2 do C. P. Trabalho).




Não se conformando com a sentença, veio a Ré “BB – Construções, Lda.” interpor recurso de apelação, terminando as suas alegações com as conclusões que se seguem:

1. O presente recurso tem como objeto a matéria de facto e de direito da sentença proferida nos presentes autos, a qual a considerou a presente ação parcialmente procedente, e, consequentemente:

a) Declarar convertido em contrato de trabalho sem termo o contrato existente entre o Autor e a Ré e que, no período compreendido entre 22/9/2022 e 30/11/2022, o Autor desempenhou para a Ré a sua atividade profissional de servente, mediante contrato de trabalho sem termo;

b) Declarar ilícito o despedimento do Autor;

c) Condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia de 2.115€ (dois mil, cento e quinze euros), a título de indemnização em substituição da reintegração, acrescidos de juros de mora à taxa civil vencidos desde a presente data até efetivo e integral pagamento;

d) Condenar a Ré a pagar ao Autor as retribuições que este deixou de auferir desde o despedimento ocorrido a 30/11/2022 até ao trânsito em julgado da presente sentença, incluindo subsídio de férias e de Natal vencidos - descontados os valores referentes nas alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 390º do Código do Trabalho -, a liquidar em execução de sentença, acrescida dos juros de mora que se vencerem desde a data da notificação para o respetivo incidente.

2. Os factos número 8 e 9, dados como provados pelo Tribunal a quo, não o deveriam ter sido, devendo estes passar para os factos dados como não provados.

3. O contrato de trabalho celebrado entre o Autor e Ré, revestiu a forma de contrato a termo incerto, e não deveria ter sido convertido em contrato de trabalho sem termo, como a sentença ora recorrida assim o determinou.

4. O contrato de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré, encontra previsão nas alíneas a) e f) do artigo 140º do Código do Trabalho, uma vez que a contratação do Autor se deveu à substituição de trabalhadores de baixa, bem como ao acréscimo excecional de atividade da empresa.

5. O Tribunal a quo, respalda e fundamenta a decisão de considerar o despedimento ilícito na sua sentença, num único parágrafo, que se copia integralmente, “no que concerne ao alegado despedimento entende o tribunal que as declarações do autor – embora não se recorde da data exata –, analisadas de acordo com as regras da experiência comum e bom senso e recibos juntos, permitem concluir que, efetivamente o encarregado da ré, CC, terá dito ao autor, pelo menos no final de novembro de 2023, para não se apresentar mais ao serviço, por não ter mais serviço para lhe dar, motivo pelo qual o tribunal deu como provado o alegado.”

6. A descrição da motivação da convicção é manifestamente curta, resumida, não fazendo menção a que declarações do Autor o Tribunal a quo recorreu para chegar à conclusão a que chegou, ainda para mais, quando as declarações de parte do Autor são curtas, não excedendo os 39 minutos, as quais até até foram objeto de tradução por parte de intérprete.

7. A falta de fundamentação da sentença, na humilde opinião da Ré, ora recorrente, apesar do enorme respeito que existe por parte do mandatário da Ré pelo Tribunal a quo, deve considerar que a sentença ora recorrida, está ferida de nulidade, com base no previsto e estabelecido no artigo 615º nº 1 alínea b) e c) do Código de Processo Civil.

8. O Autor, no seu depoimento de parte, tanto diz que começou a trabalhar no dia 22 de Setembro de 2022, como também refere que laborou todos dias do referido mês menos Sábados e Domingos.

9. No entanto, no seu depoimento também refere que teve um acidente de trabalho, e que ficou dois dias ou três dias sem ir trabalhar.

10. Refere o Autor no seu depoimento de parte que trabalhou todo o mês de Outubro, mas também indica que após o suposto acidente de trabalho que terá ocorrido a 27 de Setembro de 2022, ficou dois ou três dias em casa, e “que quando regressou disseram-lhe que já não precisava de vir mais.”

11. O autor no seu depoimento de parte, refere que recebeu todas as quantias que constam nos recibos de vencimento, não subsistindo dúvidas de que laborou os dias aí constantes, tanto mais que e segundo o próprio autor, recebia o vencimento através de transferência bancária.

12. O Autor no seu depoimento de parte, diz que quem o despediu foi o Sr. CC, mas os legais representantes da Ré, são os seus gerentes, DD e EE, conforme consta da certidão do registo comercial junta aos autos, pelo que só estes têm legitimidade para proceder à contratação e despedimento de funcionários.

13. No contrato de trabalho junto aos autos, consta o gerente EE como representante da Ré, constando no mesmo a sua assinatura e do Autor.

14. A descrição do suposto acidente de trabalho ocorrido no dia 27 de Setembro de 2022 por parte do Autor, é contrariada pela prova documental, nomeadamente o relatório de urgência, razão pela qual o facto dado como provado número 8 na sentença ora recorrida, deve passar para os factos não provados.

15. O Autor no seu depoimento de parte, diz que a razão de o Sr. CC lhe ter dito para se ir embora, foi porque queriam que ele fizesse horas extraordinárias, mas como estas não eram pagas, dizia que não as fazia. No entanto, em momento anterior do seu depoimento, mencionou que lhe pagavam as horas que fazia a mais.

16. Apesar de inicialmente o Autor ter descrito no seu depoimento de parte que o Sr. CC era o patrão, na parte final descreve-o como sendo o responsável por ir buscar os trabalhadores, e que nunca conheceu o patrão. Ou seja, imputa ao suposto Sr. CC outras funções, e que este não era o “patrão” (vulgo entidade patronal).

17. O Autor no final do seu depoimento de parte, refere por diversas vezes, que a expressão utilizada pelo Sr. CC foi, “amanhã fica em casa”.

18. O Autor revelou no seu depoimento que não percebia português, mas entendeu na perfeição a suposta frase que o Sr. CC lhe proferiu “amanhã fica em casa”. No entanto, nunca refere, ao contrário do sustentado na sentença ora recorrida, que lhe comunicaram que “não voltasse ao trabalho pois não havia mais serviço para ele. Reitera-se, a suposta expressão utilizada, foi, “amanhã fica em casa”.

19. Nem uma testemunha depôs no sentido de confirmar o suposto despedimento do Autor.

20. O depoimento de parte do Autor, termina com este a transmitir à Digníssima Sra. Dra. Procuradora, que não faz a mínima ideia de quando foi despedido, não conseguindo sequer identificar o mês em que tal, supostamente terá ocorrido, apesar, de ter prestado trabalho para a Ré durante pouquíssimo tempo.

21. O depoimento de parte do Autor, é extremamente contraditório, cheio de omissões e “faltas de memória”, em nada é corroborado pela documentação junta aos autos, pouco ou nada assertivo, e com clara falta de autenticidade, o que deveria ter determinado a não presença do número 9 dos factos dados como provados, mas, outrossim, que este estivesse plasmado nos factos dados como não provados.

22. Nos termos do artigo 466, nº 3 do Código de Processo Civil, o tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão.

23. A doutrina e a jurisprudência vêm assumindo várias posições no que tange à função e valoração das declarações de partes que são aglutináveis em três teses essenciais:

I.-Tese do caráter supletivo e vinculado à esfera restrita de conhecimento dos factos;

II.-Tese do princípio de prova;

III.-Tese da autossuficiência das declarações de parte.

24. O juiz não pode ficar convencido apenas com um depoimento de parte, interessado na procedência da ação, deponha ele como “testemunha” ou preste declarações como parte, se não houver um mínimo de corroboração de outras provas.

25. Em relação a factos que são favoráveis à procedência da ação, o juiz não pode ficar convencido apenas com um depoimento desse mesmo depoente, interessado na procedência da ação, se não houve um mínimo de corroboração de outras provas.

26. Na valoração das declarações de partes, assumem especial acutilância os seguintes parâmetros: contextualização espontânea do relato, em termos temporais, espaciais e até emocionais; existência de corroborações periféricas; produção inestruturada; descrição de cadeias de interações; reprodução de conversações; existência de correções espontâneas; segurança/assertividade e fundamentação; vividez e espontaneidade das declarações; reação da parte perante perguntas inesperadas; autenticidade.

27. O depoimento de parte do Autor foi extremamente incoerente, não se conseguindo vislumbrar como pode este por si só, ser suficiente para determinar, que existiu um despedimento ilícito.

28. Os factos dados como provados número 8 e 9 da sentença ora recorrida, não o deveriam ter sido, e como tal deveriam constar nos factos dados como não provados.

29. O ónus de provar que os factos alegados na realidade ocorreram como descritos na Petição Inicial é da responsabilidade do Autor, o qual não conseguiu fazer prova dos mesmos, entrando inclusive em conflito, com a maior parte do aí descrito.

30. Devendo assim, a presente sentença, ser substituída por outra, que considere integralmente improcedente o pedido do Autor.

Termos em que, e nos demais de Direito deve ser dado provimento ao presente recurso, julgado por procedente, e por via dele, ser revogada a sentença recorrida, e em consequência, ser considerado integralmente improcedente o pedido do Autor, fazendo-se, assim, a habitual e necessária Justiça.




O Autor AA, representado pelo Ministério Público, apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso, mantendo-se inalterada a sentença recorrida, tendo terminado com as seguintes conclusões:

1. O Recorrente peticiona a revogação da douta sentença proferida, devendo a mesma ser substituída por outra que considere integralmente improcedente o pedido do Autor.

2. Alega que os factos 8 e 9 da douta sentença proferida deveriam ter sido dados como não provados, que o termo justificativo do contrato celebrado foi fundamentado pela necessidade de substituir trabalhadores de baixa e atento o acréscimo excecional da atividade da empresa;

3. Que a sentença recorrida padece de nulidade nos termos do artigo 615.º n.º 1 alínea b) e c) do Código do Processo Civil, porquanto não se encontra suficiente fundamentada a decisão que considerou o despedimento do Autor ilícito.

4. Que as declarações de parte do Autor padecem de contradições várias, quer no que respeita ao acidente - pois o Autor refere ter sido do lado direito quanto a prova documental (médica) refere ter verificado “escoriação ao nível da grelha costal antero-inferior esquerda, com dor local, sem crepitações ósseas nem enfisema subcutâneo palpáveis. Abdómen livre e indolor. Sem outras queixas ou achados”, - quer no que respeita ao despedimento ilícito.

5. E que o Tribunal a quo apreciou as declarações de parte do Autor, no entanto, as mesmas, não podem ser suficientes para formar a convicção do juiz de forma autossuficiente, em virtude das contradições referenciadas.

6. Pelo que pugna pela revogação da douta sentença proferida, devendo a mesma ser substituída por outra que considere integralmente improcedente o pedido do Autor.

7. Nessa senda, somos do entendimento que não assiste razão à Recorrente, em nenhum dos pontos alegados.

8. Com efeito, foi demonstrado na audiência que o lado do torax afetado pelo acidente foi o lado direito, tendo o Autor exibido os lados direito e esquerdo do tórax, sendo ali visível cicatriz no lado direito e não no lado esquerdo.

9. Igualmente, da prova documental e da prova produzida verificou-se a existência de um contrato de trabalho, com uma justificação de termo manifestamente insuficiente.

10. Pesa embora o Autor não tenha confirmado a data de início do contrato, descreveu o modo do fim do mesmo, esclarecendo que o Encarregado da Ré, CC, lhe disse no dia seguinte deveria ficar em casa.

11. Concretizou que o Encarregado da Ré é que o contratou, que nunca conheceu nem falou com o patrão, só com o CC.

12. Cremos que o facto de o Autor ter percebido a frase proferida por CC como uma ordem de despedimento, demostra que percebe a língua portuguesa - ou parte dela - apenas não a fala, realidade comum a cidadãos que se encontram num país diferente do seu.

13. Entendemos que não assiste razão à Recorrente, que as alegadas contrariedades nas declarações do Autor não retiram a credibilidade do mesmo nem alteraram a realidade que se pretendeu provar na audiência de discussão e julgamento e que foi suficientemente fundamentado na sentença recorrida.

14. Pelo que a douta sentença recorrida não merece qualquer reparo.

Face a tudo quanto se expôs, deverá ser negado provimento ao recurso, devendo ser mantida a sentença recorrida, a qual não merece qualquer reparo, devendo o presente recurso ser julgado improcedente.

Nesse sentido, V. Exas. apreciarão e farão a costumada JUSTIÇA.




O tribunal de 1.ª instância admitiu o recurso como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo, após a subida dos autos ao Tribunal da Relação, sido tal recurso admitido nos seus precisos termos.


Após a ida aos vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.





II – Objeto do Recurso


Nos termos dos arts. 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo de Trabalho, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das partes, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso.


No caso em apreço, as questões que importa decidir são:


1) Nulidade da sentença;


2) Impugnação da matéria de facto;


3) Validade do termo do contrato de trabalho do Autor; e


4) Consequências da alteração fáctica.





III – Matéria de Facto


O tribunal de 1.ª instância deu como provados os seguintes factos:

1) A Ré é uma sociedade que tem como objeto social a construção civil.

2) No dia 22/9/2022, o Autor e a Ré subscreveram documento escrito intitulado “contrato de trabalho a termo incerto”.

3) Acordaram as partes que o Autor iria trabalhar sob as ordens e direção da Ré, para desempenhar as funções de servente.

4) Ficou estabelecido que o Autor iria cumprir o horário de trabalho de 40 horas semanais.

5) Ficou a constar do contrato que a Ré iria pagar ao Autor o salário mensal de 705€, acrescido de subsídio de alimentação.

6) No referido contrato consta que o mesmo era celebrado a termo incerto «pelo aumento de serviços e em substituição de trabalhadores de baixa».

7) Assim, o Autor iniciou funções no dia 22/9/2022 e passou a trabalhar sob as ordens, direção e fiscalização da Ré.

8) No dia 27/9/2022, pouco antes da hora do almoço, em ..., no exercício das suas funções por ordem da Ré, quando fazia a descofragem, o Autor foi atingido no lado direito do tronco por uma peça em metal que se soltou do teto da obra, tendo sofrido traumatismo torácico abdominal à direita.

9) No final do mês de novembro de 2022, o encarregado da Ré, de nome CC, comunicou ao Autor que não voltasse ao trabalho pois não havia mais serviço para ele. (Alterado conforme fundamentação infra)


E deu como não provados os seguintes factos:

a) Acordaram as partes que a Ré iria pagar ao Autor o salário de 50€ por dia de trabalho, mas que descontaria 4€, para pagamento à Segurança Social.

b) Em consequência do acidente, o Autor ficou absolutamente incapacitado para o trabalho até 21/10/2022.




IV – Enquadramento jurídico


Conforme supra mencionámos, o que importa analisar no presente recurso são as questões supra elencadas.


1 – Nulidade da sentença


Entende a Ré que a fundamentação da convicção que consta da sentença recorrida quanto ao despedimento ilícito é manifestamente curta e resumida, sendo que a falta de fundamentação da sentença determina a sua nulidade, nos termos do art. 615.º, n.º 1, als. b) e c), do Código de Processo Civil.


Estatui o art. 615.º do Código de Processo Civil que:

1 - É nula a sentença quando:

[…]

b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

Dispõe ainda o art. 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, que:

4 - Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.

Ainda que a Ré apenas invoque a falta de fundamentação da sentença, indica também como fundamento de nulidade o disposto na al. c) do referido n.º 1 do art. 615.º do Código de Processo Civil.


Para que tal nulidade se mostre verificada é fundamental que exista contradição entre os fundamentos de facto e a decisão, isto é, que os fundamentos apontem num sentido e a decisão seja tomada em sentido oposto ou, pelo menos, diferente.


Por sua vez, para que se mostre verificado o vício da ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, é fundamental que tal ambiguidade ou obscuridade ocorra na parte decisória da sentença, sendo irrelevantes as obscuridades ou ambiguidades que possam existir na fundamentação da sentença, servindo tal fundamentação apenas para apurar o sentido pretendido quando a parte decisória se revela obscura ou ambígua.


Ora, na situação em apreço, a recorrente não invocou qualquer contradição entre a fundamentação constante da sentença e a sua parte decisória, nem qualquer ambiguidade ou obscuridade da sua parte decisória, pelo que, desconhecendo-se qual seja a fundamentação para a invocação desta nulidade, revela-se impossível a este tribunal proceder a tal apreciação.


Assim, quanto à nulidade prevista na referida al. c), não nos pronunciaremos.


Resta-nos, então, apreciar a nulidade da sentença por falta de fundamentação.


Para que esta nulidade se verifique, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil, como resulta pacífico na nossa doutrina e jurisprudência, é necessário que se verifique uma situação de ausência de fundamentação de facto ou de direito, não bastando, assim, uma mera situação de insuficiência, mediocridade ou erroneidade de fundamentação.


Cita-se a este propósito o acórdão do STJ, proferido em 02-06-2016:2

II - Só a absoluta falta de fundamentação – e não a sua insuficiência, mediocridade ou erroneidade – integra a previsão da al. b) do n.º 1 do art. 615.º do NCPC, cabendo o putativo desacerto da decisão no campo do erro de julgamento.

De igual modo, se cita a explanação do professor Alberto do Reis3 sobre esta específica nulidade:

Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.

Deste modo, o não cumprimento na íntegra do disposto no n.º 4 do art. 607.º do Código de Processo Civil, só determina a nulidade da sentença por falta de fundamentação, se inexistir qualquer fundamentação sobre a matéria de facto, já não quando essa fundamentação é deficiente, por designadamente não proceder à análise crítica das provas, apoiando-se apenas nalguns meios de prova, sem justificar a opção por tais meios de prova em detrimento dos restantes, ou por se fundamentar apenas em declarações de parte, dispensando outros meios de prova. Tal falta de análise crítica da prova poderá vir a determinar uma eventual remessa do processo à 1.ª instância nos termos da al. d) do n.º 2 do art. 662.º do mesmo Diploma Legal ou a determinar uma eventual alteração dos factos em sede de apreciação da matéria de facto; mas não a determinar uma declaração de nulidade da sentença por falta de fundamentação.


No caso em apreço, é a própria recorrente quem afirma que entende existir nulidade da sentença por falta de fundamentação por a fundamentação da convicção que consta da sentença recorrida, quanto ao despedimento ilícito, ser manifestamente curta e resumida. Ora, só é possível apelidar uma fundamentação de curta e resumida porque existe uma fundamentação, pelo que inexiste, no caso concreto, qualquer situação de falta de fundamentação (da matéria de facto) da sentença recorrida.


Assim, independentemente do acerto ou da suficiência da fundamentação apresentada na sentença recorrida, quanto aos factos dados por provados, no que se reporta ao despedimento ilícito, inexiste qualquer nulidade por falta de fundamentação.


Nesta conformidade, neste ponto, improcede a pretensão da recorrente.


2 – Impugnação da matéria de facto


Pretende a recorrente que os factos provados 8 e 9 passem a não provados, em face do documento 5 junto com a contestação e por as declarações de parte do Autor não poderem servir, por si só, para fundamentar determinado facto, sendo que, no caso presente, tais declarações revelam-se também manifestamente contraditórias.


Apreciemos.


Importa referir que a recorrente deu cumprimento ao disposto no art. 640.º do Código de Processo Civil, pelo que passaremos a analisar a presente impugnação.


a) Factos provados 8 e 9


Consta de tais factos que:

8) No dia 27/9/2022, pouco antes da hora do almoço, em ..., no exercício das suas funções por ordem da Ré, quando fazia a descofragem, o Autor foi atingido no lado direito do tronco por uma peça em metal que se soltou do teto da obra, tendo sofrido traumatismo torácico abdominal à direita.

9) No final do mês de novembro de 2022, o encarregado da Ré, de nome CC, comunicou ao Autor que não voltasse ao trabalho pois não havia mais serviço para ele.

Pretende a recorrente que estes factos passem a não provados.


Quanto ao facto provado 8), a recorrente assenta a sua discordância no que consta do documento 5 junto com a contestação.


Tal documento reporta-se a um episódio de urgência do Autor, que se deslocou à unidade de saúde, no dia 27-09-2022, pelas 12h29, devido a um acidente de trabalho que lhe provocou uma lesão toraco-abdominal. É verdade que em tal documento ficou a constar que a lesão sofrida pelo Autor foi do lado esquerdo, porém, o mesmo confirma a existência nesse dia de um acidente de trabalho que provocou uma lesão toraco-abdominal ao Autor. Diga-se que, conforme consta do facto provado 2), o Autor encontrava-se a trabalhar para a Ré desde 22-09-2022, ou seja, em 27-09-2022, que era uma terça-feira, a sua entidade patronal era a Ré.


Acresce que consta igualmente dos autos o relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito do trabalho, com base em exame efetuado ao Autor, em 12-04-2023, no âmbito do processo n.º 17/23.7...,4 relativo às lesões sofridas pelo Autor no acidente de trabalho ocorrido no dia 27-09-2022. Neste relatório fez-se consignar expressamente que desse acidente de trabalho resultou para o Autor um traumatismo toraco abdominal à direita.


Dir-se-á, por fim, que, em sede de audiência de julgamento, não só o Autor confirmou que a lesão sofrida foi no lado direito, como foi verificado pelo tribunal a quo que a cicatriz resultante do evento se encontra no lado direito do Autor e não do seu lado esquerdo.


Nesta conformidade, não existindo dúvidas de que, no dia 27-09-2022, o Autor deu entrada no serviço de urgência por ter sofrido um acidente de trabalho, de que lhe resultou um traumatismo toraco abdominal, apresentando, posteriormente, em 12-04-2023, sequelas na zona toraco abdominal à direita, a menção no documento 5, junto com a contestação, de que tal traumatismo foi à esquerda apenas se poderá dever a mero lapso.


Nesta conformidade, bem andou o tribunal a quo, pelo que é de manter este facto como provado.


Quanto ao facto provado 9), resulta bastante claro das declarações do Autor que, em data que não consegue recordar, a pessoa com quem sempre contactou, em representação da Ré, ou seja, o Sr. CC, lhe disse que amanhã já não ia trabalhar e que outra pessoa ia continuar o trabalho por ele. Mais referiu o Autor que, quando o Sr. CC lhe disse isso, a obra em que estava a trabalhar, num hotel, ainda não tinha terminado. Referiu ainda que, mesmo aquando da sua contratação, foi com o Sr. CC que contactou, tendo sido este senhor que o levou ao hospital quando sofreu o acidente de trabalho e que foi sempre este senhor quem lhe deu as instruções de trabalho, pelo que o considerava o seu patrão. Mais referiu que percebeu perfeitamente o que o Sr. CC lhe disse porque se encontrava em Portugal desde 28 de maio de 2022, tendo ido à escola, possuindo ainda amigos portugueses, sendo que o seu problema é falar português e não perceber o português.


Esclareceu, por fim, que julga ter sido despedido porque o Sr. CC queria que trabalhassem todos os dias algum tempo depois da hora, entre 10 a 15 minutos, sem que esse tempo fosse pago, pelo que ele começou a recusar-se a ficar mais tempo depois da hora.


Na realidade, as declarações do Autor revelaram-se bastante claras, esclarecedoras e credíveis, sendo que inexiste nenhuma prova que as contrarie, resultando, igualmente, dos recibos juntos aos autos que o Autor apenas trabalhou para a Ré até ao final de novembro de 2022, não tendo a Ré sequer invocado, por parte do Autor, o abandono do posto de trabalho.


É, portanto, de concluir ser de dar credibilidade a tais declarações de parte, alicerçadas na realidade demonstrada pelos recibos de vencimento.


Pelo exposto, improcede a impugnação fáctica requerida pela recorrente, pelo que se mantém este facto como provado, alterando-se, porém, a fundamentação dada pelo representante da Ré ao Autor, nos termos do declarado por este em sede de julgamento.


Deste modo, o facto provado 9, passará a ter a seguinte redação:

9) No final do mês de novembro de 2022, o encarregado da Ré, de nome CC, comunicou ao Autor que não voltasse ao trabalho pois outra pessoa passaria a fazer o seu trabalho.

3 – Validade do termo do contrato de trabalho do Autor


Considera a recorrente que o contrato celebrado com o Autor revestiu a forma de contrato a termo incerto e não deveria ter sido convertido em contrato de trabalho sem termo, uma vez que o mesmo encontra previsão nas als. a) e f) do art. 140.º do Código do Trabalho, tendo a contratação do Autor se ficado a dever à substituição de trabalhadores de baixa e ao acréscimo excecional de atividade da empresa.


Dispõe o art. 140.º, nºs. 1 e 2, als. a) e f), do Código do Trabalho que:

1 - O contrato de trabalho a termo resolutivo só pode ser celebrado para a satisfação de necessidades temporárias, objetivamente definidas pela entidade empregadora e apenas pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades.

2 - Considera-se, nomeadamente, necessidade temporária da empresa:

a) Substituição directa ou indirecta de trabalhador ausente ou que, por qualquer motivo, se encontre temporariamente impedido de trabalhar;

(…)

f) Acréscimo excepcional de actividade da empresa;

Dispunha igualmente o art. 141.º do Código do Trabalho que:5

1 - O contrato de trabalho a termo está sujeito a forma escrita e deve conter:

a) Identificação, assinaturas e domicílio ou sede das partes;

b) Actividade do trabalhador e correspondente retribuição;

c) Local e período normal de trabalho;

d) Data de início do trabalho;

e) Indicação do termo estipulado e do respectivo motivo justificativo;

f) Datas de celebração do contrato e, sendo a termo certo, da respectiva cessação.

2 - Na falta da referência exigida pela alínea d) do número anterior, considera-se que o contrato tem início na data da sua celebração.

3 - Para efeitos da alínea e) do n.º 1, a indicação do motivo justificativo do termo deve ser feita com menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado.

4 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto na alínea e) do n.º 1 ou no n.º 3.

Dispõe ainda o art. 147.º do Código do Trabalho que:

1 - Considera-se sem termo o contrato de trabalho:

a) Em que a estipulação de termo tenha por fim iludir as disposições que regulam o contrato sem termo;

b) Celebrado fora dos casos previstos nos n.os 1, 3 ou 4 do artigo 140.º;

c) Em que falte a redução a escrito, a identificação ou a assinatura das partes, ou, simultaneamente, as datas de celebração do contrato e de início do trabalho, bem como aquele em que se omitam ou sejam insuficientes as referências ao termo e ao motivo justificativo;

d) Celebrado em violação do disposto no n.º 1 do artigo 143.º

2 - Converte-se em contrato de trabalho sem termo:

a) Aquele cuja renovação tenha sido feita em violação do disposto no artigo 149.º;

b) Aquele em que seja excedido o prazo de duração ou o número de renovações a que se refere o artigo seguinte;

c) O celebrado a termo incerto, quando o trabalhador permaneça em actividade após a data de caducidade indicada na comunicação do empregador ou, na falta desta, decorridos 15 dias após a verificação do termo.

3 - Em situação referida no n.º 1 ou 2, a antiguidade do trabalhador conta-se desde o início da prestação de trabalho, excepto em situação a que se refere a alínea d) do n.º 1, em que compreende o tempo de trabalho prestado em cumprimento dos contratos sucessivos.

Atendendo ao disposto nos artigos citados do Código do Trabalho, a entidade empregadora só pode recorrer à celebração de um contrato de trabalho a termo resolutivo (certo ou incerto) para satisfação de necessidades temporárias, objetivamente definidas pela entidade empregadora e apenas pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades. Por sua vez, consideram-se necessidades temporárias todas aquelas que se mostram descritas no n.º 2 do art. 140.º do Código do Trabalho.


Exige-se ainda que os contratos a termo observem obrigatoriamente a forma escrita, neles tendo de constar, entre outros elementos, a indicação do termo estipulado e do respetivo motivo justificativo, devendo a indicação do motivo justificativo do termo ser feita com menção expressa dos factos que o integram, estabelecendo-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado, sob pena de, em caso de omissão ou insuficiência das referências ao termo e ao motivo justificativo, se considerar o contrato de trabalho sem termo.


Por outro lado, é em face dos factos justificativos que se mostram apostos no termo que se terá de apreciar da veracidade dos mesmos e da sua adequação à necessidade de celebração de um contrato a termo, uma vez que estamos perante uma formalidade ad substantiam, cabendo esse ónus da prova à entidade empregadora.


Conforme bem refere Monteiro Fernandes na obra Direito do Trabalho:6

É necessário, em suma, que a indicação requerida permita duas coisas: a verificação externa da conformidade da situação concreta com a tipologia do art. 140.º; e a realidade e a adequação da própria justificação invocada face à duração estipulada para o contrato.

Na verdade, a exigência legal da indicação de motivo justificativo é uma consequência do carácter excepcional que a lei atribui à contratação a termo e do princípio de tipicidade funcional que se manifesta no art. 140.º: o contrato a termo só pode ser (validamente) celebrado para certos fins e na medida em que estes o justifiquem.

Veja-se, a este propósito, também, o Código do Trabalho Anotado, de Pedro Romano Martinez e outros7, que se cita:

[…] apenas é susceptível de ser considerado motivo justificativo do termo a necessidade do empregador que seja concretizada no texto contratual, através da “menção expressa dos factos” que integram o aludido motivo. Na verdade, as razões determinantes da forma do negócio opõem-se a que a vontade real dos contraentes possa ter relevância na afirmação da validade da estipulação do termo, se essa vontade não estiver expressa no texto do contrato. Quer isto dizer que só podem ser considerados como justificação os fundamentos de facto constantes da cláusula contratual.

Ao impor a necessidade de redacção que permita com clareza relacionar a justificação invocada e o termo estipulado, a lei introduz significativo grau de exigência na concretização formal do motivo que permite a contratação a termo. Pretende-se que o nexo de causalidade entre o motivo invocado e a duração do contrato transpareça da mera apreciação formal da cláusula contratual relativa à estipulação do termo, para o que não basta a descrição da justificação e a indicação do prazo.

Cita-se, ainda, o acórdão do STJ, proferido em 09-06-2010:8

VI – A validade do termo resolutivo impõe que: (i) se mostrem vertidos no texto contratual factos recondutíveis a algum dos tipos legais de justificação plasmados no referido art. 41.º n.º 1 (da LCCT, depois o art. 129.º n.º 2 do CTrabalho de 2003); (ii) que esses factos tenham correspondência com a realidade.

VII – Assim a tarefa do tribunal, neste âmbito, pressupõe duas análises: - a de saber se o texto contratual obedece aos pressupostos legais da contratação precárias; - ultrapassado, sem mácula, esse crivo liminar, a de saber se o motivo invocado e o prazo previsto têm correspondência com a realidade prestacional do trabalhador contratado e com a conjuntura laboral da empresa.

VIII – O juízo censório do tribunal, no que se restringe à conformação legal da justificação, há-de circunscrever-se aos motivos factuais levados ao texto vinculístico, sendo irrelevantes todos os que, extravasando o clausulado, venham a ser aduzidos pelo empregador em juízo.

Cita-se também o Acórdão do STJ, proferido em 22-02-2017:9

I Para que se possa afirmar a validade do termo resolutivo aposto ao contrato é necessário que se explicitem no seu texto os factos que possam reconduzir ao motivo justificativo indicado e que tais factos tenham correspondência com a realidade.

Posto isto, apreciemos a situação em apreço.


Conforme consta do facto provado 6), no contrato celebrado entre Autor e Ré ficou a constar como motivo justificativo do termo incerto “pelo aumento de serviços e em substituição de trabalhadores de baixa”.


Vejamos, então, se relativamente aos dois motivos invocados foi dado integral cumprimento às exigências impostas pelo n.º 3 do art. 141.º do Código do Trabalho, isto é, se através da simples leitura de tal justificação é possível, não só ao trabalhador, mas também ao tribunal, aferir da relação existente entre o fundamento invocado para a celebração do contrato a termo e a aposição do seu termo, ou seja, se, per si, o fundamento invocado justifica a aposição daquele termo. É importante não esquecer que será sempre com base nos factos invocados nesta justificação que o empregador, em momento ulterior, designadamente em tribunal, terá de efetuar a respetiva prova.


Quanto ao “aumento de serviços”, tal fundamentação revela-se manifestamente genérica, vaga e insuficiente. Efetivamente perante tal afirmação, não é possível aferir quais foram os serviços que determinaram o aumento de trabalho na Ré, inexistindo qualquer menção concreta nem sobre o tipo de serviços, nem a que obra ou obras os mesmos se reportavam.


Quanto à menção “pelo aumento de serviços”, não passa, na realidade, de uma expressão genérica e vaga que não permite, por si só, ao tribunal efetuar um juízo de adequação sobre a necessidade de aposição de termo (designadamente se estamos perante uma atividade temporária relativamente à normal atividade da recorrente), bem como da própria necessidade de que esse termo seja incerto (como apurar se é válida a aposição de um termo incerto se se desconhece em absoluto qual foi o aumento de serviços a que é feita menção?).


Cita-se, a este propósito, o acórdão do STJ, proferido em 22-02-2017:10

I Para que se possa afirmar a validade do termo resolutivo aposto ao contrato é necessário que se explicitem no seu texto os factos que possam reconduzir ao motivo justificativo indicado e que tais factos tenham correspondência com a realidade.

II - A invocação no contrato de um “aumento de encomendas do mercado escocês”, sem mais qualquer concretização, constitui uma justificação genérica e vaga que não permite ao tribunal efectuar um juízo de adequação da justificação à hipótese legal e à duração estipulada para o contrato.

III – Considera-se celebrado por tempo indeterminado o contrato a termo e a sua renovação por período diferente da duração inicial, quando o seu texto não contém factos concretizadores dos acréscimos temporários de trabalho que nele foram invocados.

Quanto à menção “em substituição de trabalhadores de baixa”, tal fundamentação revela-se, de igual modo, manifestamente genérica, vaga e insuficiente. Na realidade, não é feita qualquer menção nem a quantos trabalhadores são esses que se encontram de baixa, nem quem sejam, em concreto, esses trabalhadores, nem quais sejam as funções a que esses trabalhadores se dedicam, o que impede o tribunal de efetuar um juízo de adequação sobre a necessidade de aposição de termo, bem como da própria necessidade de que esse termo seja incerto.


Conforme bem refere o acórdão do TRL, proferido em 10-09-2014:

II- Não satisfaz as exigências legais a justificação aposta num contrato de trabalho a termo certo para substituição indirecta de um trabalhador que não indique qual o trabalhador indirectamente substituído, qual o motivo dessa substituição, bem como tempo provável de ausência ou impedimento e apenas faça referência ao trabalhador que vai substituir directamente o trabalhador substituído.

Acresce que o desconhecimento de quem sejam os trabalhadores substituídos, bem como de quais sejam as funções exercidas por tais trabalhadores impede o tribunal de aferir da existência de “coincidência ou proximidade bastante entre as funções que o trabalhador contratado foi exercer e as que o trabalhador substituído vinha exercendo”,11 requisito este que se considera imprescindível para sustentar a validade do termo com o fundamento previsto na al. a) do n.º 2 do art. 140.º do Código do Trabalho.12


Nesta conformidade, improcede-se, nesta parte, a pretensão recursiva da recorrente, confirmando-se a invalidade do termo incerto aposto no contrato de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré, conforme bem decidiu o tribunal a quo.


4 – Consequências da alteração fáctica


Solicitou a recorrente que, com base nas alterações fácticas pretendidas, não fosse considerado que a recorrente despediu ilicitamente o Autor.


A recorrente requereu, em sede recursiva, a alteração dos factos provados 8) e 9) para não provados, tendo improcedido tal pretensão.


No entanto, como se procedeu à alteração da versão constante do facto provado 9), importará esclarecer que a comunicação que o encarregado da Ré fez, no final do mês de novembro de 2022, ao Autor, para que este não voltasse ao trabalho, pois outra pessoa passaria a fazer o seu trabalho, é inequívoca no sentido de que a Ré não pretendia voltar a ter o Autor como seu trabalhador, tanto mais que até já arranjara outra pessoa para fazer o seu trabalho.


E, neste sentido, apesar da alteração da expressão utilizada pelo encarregado quando se dirigiu ao Autor, mantém-se na íntegra a apreciação efetuada em sede de sentença recorrida quanto à ocorrência de um despedimento de facto do Autor pela Ré.


Pelo exposto, improcede também aqui a pretensão da recorrente.











V – Decisão


Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso totalmente improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.


Custas a cargo da Ré (art. 527.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).


Notifique.



Évora, 27 de fevereiro de 2025

Emília Ramos Costa (relatora)

João Luís Nunes

Paula do Paço

______________________________

1. Relatora: Emília Ramos Costa; 1.º Adjunto: João Luís Nunes; 2.ª Adjunta: Paula do Paço.↩︎

2. No âmbito do processo n.º 781/11.6TBMTJ.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt.↩︎

3. In Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, p. 140.↩︎

4. Documento n.º 4 junto com a petição inicial.↩︎

5. Na versão aplicável ao presente contrato de trabalho celebrado em 22-09-2022.↩︎

6. 18.ª edição, Almedina, Coimbra, 2017, p. 175.↩︎

7. 4.ª edição, 2006, pp. 285 e 286.↩︎

8. No âmbito do Processo n.º 1389/07.6TTPRT.S1, consultável em www.dgsi.pt.↩︎

9. No âmbito do Processo n.º 2236/15.0T8AVR.P1.S1, consultável em www.dgsi.pt.↩︎

10. No âmbito do Processo n.º 2236/15.0T8AVR.P1.S1, consultável em www.dgsi.pt.↩︎

11. Acórdão do STJ proferido em 26-09-2007 no âmbito do processo n.º 07S1933, consultável em www.dgsi.pt.↩︎

12. Veja-se, no mesmo sentido, os acórdãos do TRP proferido em 19-03-2018 no âmbito do processo n.º 27258/15.8T8PRT.P1; e do TRP proferido em 13-04-2015 no âmbito do processo n.º 59/13.0TTSTS.P1; ambos consultáveis em www.dgsi.pt.↩︎