PERSI
EXCEPÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
ÓNUS DA PROVA
CONSUMIDOR
Sumário

Sumário:
1. A omissão de integração de cliente bancário no PERSI constitui exceção dilatória inominada insuprível, determinante da extinção da instância, recaindo sobre o credor exequente o ónus de demonstrar que observou os procedimentos inscritos naquele regime legal.

2. O cliente bancário é legalmente equiparado ao consumidor, o qual se caracteriza pela circunstância da aquisição de bens ou serviços que efetua, ou a transmissão de direitos de que é beneficiário, serem destinadas a fins estranhos à sua atividade profissional ou comercial, quer dizer, o elemento teleológico é o traço distintivo essencial do consumidor.

3. Sendo o subscritor da livrança e a avalista pessoas singulares, não é suficiente para se considerar que atuaram profissionalmente o facto de estarem registados no sistema informático do Banco como empresários a título individual, porquanto nesse caso não se pode afirmar que todas as suas interações bancárias são necessariamente desenvolvidas no âmbito da sua atividade profissional.

(Sumário da responsabilidade do Relator, nos termos do artigo 663.º, n.º 7 do Código de Processo Civil)

Texto Integral

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Apelação n.º 1289/23.2T8SLV-A.E1


(1ª Secção)


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Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:


I – Relatório


1. Por apenso à execução que o BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S.A., lhes moveu, vieram os Executados AA e BB apresentar embargos de executado.


2. O Exequente apresentou contestação, pugnando pela improcedência dos embargos.


3. Nesta sequência foi proferido despacho saneador-sentença, onde se decidiu julgar improcedentes os embargos.


4. Os Executados apelaram do despacho saneador-sentença, concluindo as suas alegações da seguinte forma:


“1. Salvo o devido respeito, não se pode aceitar a decisão recorrida.


2. Não podem os Recorrentes ser prejudicados por uma errada interpretação da lei por parte do Tribunal.


3. A Recorrida é uma entidade bancária, e os Recorrentes são clientes bancários/consumidores, para efeitos do financiamento em apreço nos Autos.


4. O PERSI é aplicável aos contratos celebrados com clientes bancários.


5. A Recorrida era obrigada a integrar os Recorrentes no âmbito do PERSI.


6. Os Recorrentes nunca foram integrados no PERSI.


7. Não lhes foi dada a possibilidade de renegociação da sua mora.


8. A Recorrida violou uma norma imperativa.


9. O Tribunal aquo não teve em conta a invocação dos aqui Recorrentes na sua oposição, em que claramente se inseriram dentro da definição de cliente bancário/consumidor.


10. Aceitou como certo o referido pela Recorrida, de que os Recorrentes não teriam sido inseridos no PERSI, pois encontravam-se registados enquanto empresários em nome individual.


11. A Recorrida não faz qualquer averiguação quanto à efetiva ligação entre a atividade exercida e o financiamento solicitado pelos seus Clientes.


12. Um empresário em nome individual não pode ser equiparado a uma sociedade comercial para efeitos do DL n.º 227/2012, de 25/10.


13. Nem todos os contratos celebrados por um empresário em nome individual são celebrados nessa qualidade.


14. Ao contrário de uma empresa, que se dissocia por completo dos seus sócios/gerentes pois tem um número de contribuinte distinto, um empresário em nome individual não consegue fazer tal dissociação.


15. O que importa, para efeitos do DL n.º 227/2012, de 25/10, é o destino do financiamento bancário.


16. O financiamento bancário em apreço nos Autos não tinha qualquer destino empresarial.


17. Trata-se de um financiamento bancário pessoal.


18. Os aqui Recorrentes contrataram enquanto consumidores.


19. Os Recorrentes assumem a qualidade jurídica de clientes bancários.


20. Teriam de ter sido colocados ao abrigo do PERSI.


21. A sentença recorrida violou e interpretou incorretamente o Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10.


22. Os Recorrentes não podem ser prejudicados por entendimento restritivo da legislação.


23. Era manifestamente obrigatório que os Recorrentes fossem integrados no PERSI.


24. Pelo exposto, deverá ser a recorrida sentença revogada e substituída por decisão que prove a qualidade de clientes bancários/consumidores dos aqui Recorrentes, bem como a obrigatoriedade de inserção dos mesmos no PERSI.”


5. Não foram apresentadas contra-alegações.


6. Foi, entretanto, comunicada a substituição da Exequente Banco Comercial Português, S.A., pela cessionária SD IBERIAN PORTFOLIOS, S.A..


7. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Questões a Decidir


O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação, não sendo objeto de apreciação questões novas suscitadas em alegações, exceção feita para as questões de conhecimento oficioso (artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil).


Não se encontra também o Tribunal ad quem obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3 do Código de Processo Civil).


Assim, antes de mais cumpre assinalar que no corpo das alegações de recurso invocam os Executados a nulidade da decisão recorrida, apontando a “violação do disposto no artigo 615.º, n.º1, al. d) do CPC”.


Contudo, nada consta a esse respeito das conclusões.


Ora, como se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 10.10.2024 (António Fernando Marques da Silva), Processo n.º 2037/20.4T8STB-B.E1, in http://www.dgsi.pt/):


O recurso é, como corolário do princípio do dispositivo, necessariamente fundamentado, estando esta fundamentação subordinada a dois momentos: a alegação, onde se desenvolvem as razões que sustentam o recurso, e as conclusões, nas quais se sintetizam aquelas razões, assim se expondo os fundamentos invocados de forma sucinta e resumida (art. 637º n.º2 e 639º n.º1 do CPC). A função das conclusões analisa-se na individualização precisa do objecto do recurso, ao delimitar e definir os concretos fundamentos invocados (delimitando assim o poder de cognição do tribunal e intervindo ainda na salvaguarda do exercício cabal do contraditório). As alegações obedecem a um princípio mais amplo, contendo o desenvolvimento e discussão das razões que servem de fundamento ao recurso e que são, depois, sintetizadas nas conclusões. Existe, assim, entre as alegações e as conclusões uma relação «bi-unívoca» ou de interdependência e complementaridade, já que as alegações sustentam as conclusões, e as conclusões delimitam o alcance das alegações, fixando o seu sentido. Deste modo, os fundamentos invocados para sustentar o recurso têm que constar quer das alegações, onde são discutidos, quer das conclusões, onde são sumariamente evidenciados como questão a apreciar: nas alegações, o recorrente explana as razões, motivos e interpretações; nas conclusões, define o sentido preciso do argumento ou fundamento, assim o integrando no objecto do recurso. Sem a conclusão, o fundamento não integra o objecto do recurso; sem a alegação, a conclusão atraiçoa a sua finalidade, pois, sem suporte argumentativo, não constitui síntese de coisa alguma, sendo assim gratuita.”


Deste modo, não tendo a arguição de nulidade da sentença sido vertida nas conclusões do recurso, encontra-se esta questão excluída do seu objeto, pelo que não será apreciada.


Consequentemente, cumpre apenas apreciar se devia ter sido aplicado o PERSI aos Executados e que consequências se extraem da resposta positiva a esta questão.


III – Fundamentação


1. No despacho saneador-sentença foi proferida a seguinte decisão sobre a matéria de facto:


“Factos provados (…)


1. O Exequente apresentou requerimento executivo em 06.07.2023, cujo teor se dá por reproduzido.


2. Foram apresentadas à execução de que estes autos constituem um apenso duas “livrança”, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, contendo, além do mais, os seguintes dizeres:


A)


- Local e Data de Emissão –Porto 2021.11.04;


- Importância – 66.645,40 €;


- Vencimento –2023.05.24;


- Assinatura(s) do(s) Subscritor(es): à frente do que se mostra aposta a assinatura do Executado AA


- No verso, a seguir à expressão manuscrita “Bom par aval ao subscritor“, mostra-se aposta a assinatura da Executada BB.


B)


- Local e Data de Emissão –Porto 2022.07.25;


- Importância – 5.189,76 €;


- Vencimento –2023.05.24;


- Assinatura(s) do(s) Subscritor(es): à frente do que se mostra aposta a assinatura do Executado AA


- No verso, a seguir à expressão manuscrita “Bom para aval ao subscritor“, mostra-se aposta a assinatura da Executada BB.


3. As supra referidas livranças foram entregues ao Exequente com os demais elementos em branco, tendo os Executados autorizado o seu preenchimento.


4. As livranças nas quantias de € 66.645,40 e € 5.189,76 destinaram-se a garantir o bom pagamento das obrigações emergentes de dois contratos de mútuo celebrados entre o Exequente e os Executados – cfr. Documento 2 junto com a contestação cujo teor se dá por reproduzido - , os quais foram resolvidos por falta de pagamento das prestações convencionadas.


5. O Exequente remeteu aos Executados cartas de “Interpelação para pagamento” datadas de 3 de Abril de 2023, conforme documento 1 junto com a contestação cujo teor se dá por integralmente por reproduzido.


6. O Exequente remeteu aos Executados cartas de “Resolução do contrato” datadas de 4 de Maio de 2023, conforme documento 1 junto com a contestação cujo teor se dá por integralmente por reproduzido.


7. As livranças não foram pagas ao Exequente na data marcada para o vencimento, nem posteriormente.


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Factos Não provados


Não se deixaram de demonstrar outros factos com relevância para a boa decisão da causa, nem se mostra necessária a produção de outra prova respeitante a qualquer dos demais factos alegados, uma vez que a matéria apurada é suficiente para a decisão da causa.”


2. Consta o seguinte da fundamentação de direito da decisão recorrida, a propósito da questão objeto do presente recurso:


“b. Do Não Cumprimento do “PERSI”


Como se refere no preâmbulo do Decreto-Lei 227/2012, de 25 de Outubro, este diploma veio “estabelecer um conjunto de medidas que, reflectindo as melhores práticas a nível internacional, promovam a prevenção do incumprimento de contratos celebrados com consumidores que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos perante instituições de crédito por factos de natureza diversa, em especial desemprego e quebra anómala dos rendimentos auferidos em conexão com as atuais dificuldades económicas”.


Logo e com esse intuito, o legislador definiu os contratos englobados nesse procedimento, incluindo os contratos mais comummente realizados e para os quais o cidadão mais necessita de protecção e acompanhamento, como são os casos da aquisição de habitação, nos casos de concessão e crédito com constituição e hipotecas sobre imóveis e nos créditos ao consumo ou nos contratos de descoberto.


Ora, a inclusão de cliente bancário, consumidor, no PERSI é obrigatória nas situações previstas no artigo 14º, nº2, do diploma legal em apreço, ficando a instituição de crédito proibida de, no seu decurso e até à extinção deste procedimento, agir judicialmente contra o cliente bancário com vista à recuperação do crédito, por o prévio cumprimento do PERSI ser condição de admissibilidade da acção (declarativa ou executiva).


Contudo, como se explica o Tribunal da Relação de Lisboa no seu Acórdão 12.10.2017 (Processo n.º 6776-15.3T8ALM.L1-8), o DL 227/2012 de 25.10 por consequência não tem aplicação aos contratos de crédito celebrados entre instituições bancárias e pessoas colectivas e aos respectivos fiadores mesmo que estes sejam pessoas singulares.


Tendo o Embargado alegado que “não houve lugar a “PERSI”, em virtude de os Clientes se encontrarem registados enquanto empresários a título individual”, cabia aos Embargantes o ónus de alegar e provar que reuniam as condições que obrigavam o Exequente a integrá-los no PERSI.


Todavia, os Executados limitam-se a invocar, de forma conclusiva, que nunca foram integrado no procedimento PERSI, sem que invoquem factos donde decorra que deveriam ter beneficiado do mesmo.


Nestes termos improcede a excepção invocada.”


3. O Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10, estabelece princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários e cria a rede extrajudicial de apoio a esses clientes bancários no âmbito da regularização dessas situações.


A justificação da regulamentação legal indicada encontra-se exposta no respetivo preâmbulo: “A concessão responsável de crédito constitui um dos importantes princípios de conduta para a atuação das instituições de crédito. A crise económica e financeira que afeta a maioria dos países europeus veio reforçar a importância de uma atuação prudente, correta e transparente das referidas entidades em todas as fases das relações de crédito estabelecidas com os seus clientes enquanto consumidores na aceção dada pela Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei nº 24/96, de 31 de julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril.


A degradação das condições económicas e financeiras sentidas em vários países e o aumento do incumprimento dos contratos de crédito, associado a esse fenómeno, conduziram as autoridades a prestar particular atenção à necessidade de um acompanhamento permanente e sistemático, por parte de instituições, públicas e privadas, da execução dos contratos de crédito, bem como ao desenvolvimento de medidas e de procedimentos que impulsionem a regularização das situações de incumprimento daqueles contratos, promovendo ainda a adoção de comportamentos responsáveis por parte das instituições de crédito e dos clientes bancários e a redução dos níveis de endividamento das famílias.


Neste contexto, com o presente diploma pretende-se estabelecer um conjunto de medidas que, refletindo as melhores práticas a nível internacional, promovam a prevenção do incumprimento e, bem assim, a regularização das situações de incumprimento de contratos celebrados com consumidores que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos perante instituições de crédito por factos de natureza diversa, em especial o desemprego e a quebra anómala dos rendimentos auferidos em conexão com as atuais dificuldades económicas.”


O Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) encontra-se regulado nos artigos 12.º a 21.º do referido diploma legal, comportando três fases: a fase inicial, na qual o cliente bancário deve ser informado da mora e do valor da dívida, assim como deve ser apurado o motivo do incumprimento e integrado o cliente bancário no PERSI; a fase de avaliação, na qual é apreciada a solvabilidade do cliente bancário e é formulada uma proposta de regularização da dívida; a fase de negociação, na qual se diligencia o acordo do cliente bancário para a regularização da dívida (artigos 13.º a 16.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10).


A pendência do PERSI constitui impedimento à instauração de cobrança de dívida pela instituição bancária contra o cliente bancário (artigo 18.º, n.º 1, alínea b) do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10).


Assim, a observância do PERSI tem vindo a ser considerada uma condição objetiva de procedibilidade da execução, pelo que a sua falta consubstancia exceção dilatória inominada insuprível, de conhecimento oficioso, determinante da extinção da instância executiva (neste sentido, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13.04.2021 (Graça Amaral), Processo n.º 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1; do Tribunal da Relação de Évora de 26.05.2022 (Tomé de Carvalho), Processo n.º 829/17.0T8ENT-D.E1; do Tribunal da Relação de Coimbra de 14.06.2022 (Cristina Neves), Processo n.º 172/20.8T8VLF-A.C1; do Tribunal da Relação de Guimarães de 09.05.2024 (José Cravo), Processo n.º 306/22.8T8CMN-A.G1; do Tribunal da Relação de Lisboa de 09.05.2024 (Rute Sobral), Processo n.º 1289/23.2T8PDL-A.L1-2; do Tribunal da Relação do Porto de 25.11.2024 (Eugénia Cunha), Processo n.º 1145/24.7T8PRT-A.P1; todos in http://www.dgsi.pt/).


Consequentemente, a alegação e prova da integração do cliente bancário no PERSI e da extinção do procedimento competem ao credor exequente (artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil).


4. Na situação vertente os Executados invocaram, em sede de embargos, a exceção dilatória da sua não integração no PERSI.


O Exequente respondeu, na respetiva contestação, nos seguintes termos:


“21.


No entanto, e para que dúvidas não subsistam, cumpre esclarecer que, no caso em apreço, não houve lugar a “PERSI”, em virtude de os Clientes se encontrarem registados enquanto empresários a título individual.


22.


Isto é, o sistema informático do Banco, define, de modo automático, quais os Clientes que assumem a natureza de “empresa”, e nesta medida, aqueles que efetivamente o sejam, não são integrados no procedimento acima, atento que este apenas é praticável em particulares.”


Compulsada a decisão da matéria de facto, constata-se que este facto não foi julgado provado, nem foi julgado não provado, mostrando-se completamente omisso.


Por outro lado, no elenco dos factos provados os Executados são sempre mencionados estritamente pelo seu nome, isto é, não consta da matéria de facto que estes tenham atuado em representação de qualquer pessoa coletiva.


Adicionalmente, lido o doc. 2 junto com a cont., a que se alude no facto provado sob 4., e que consubstancia o contrato de crédito incumprido pelos Executados, verifica-se que apenas daí consta o nome dos Executados, sem qualquer outra menção identificativa, o mesmo sucedendo com o requerimento executivo.


Aliás, não consta também quer do aludido contrato, quer do requerimento executivo, referência alguma à finalidade do crédito concedido pelo Banco.


5. Nos termos da alínea a) do artigo 3.º do diploma legal em apreço considera-se “«Cliente bancário» o consumidor, na aceção dada pelo n.º 1 do artigo 2.º da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, que intervenha como mutuário em contrato de crédito”.


Assim, consumidor é “todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios.” (artigo 2.º, n.º 1 da Lei n.º 24/96, de 31.07).


Caracteriza, pois, o consumidor a circunstância da aquisição de bens ou serviços que efetua, ou a transmissão de direitos de que é beneficiário, serem destinadas a fins estranhos à sua atividade profissional ou comercial, quer dizer, o elemento teleológico é o traço distintivo essencial do consumidor.


Neste sentido pronunciou-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24.03.2022 (Francisco Matos) (Processo n.º 2223/19.0T8ENT.E1, in http://www.dgsi.pt/): “Consumidor para efeitos de integração no PERSI, por remissão do artigo 3.º, alínea a), do D.-L. 227/2012, é o que adquire o bem ou o serviço exclusivamente para uso privado ou pessoal e também o empresário ou profissional liberal quando adquira o bem ou o serviço fora do específico âmbito da sua atuação produtiva.”


Desenvolvendo o tema, abordou-se ainda no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de (Alcides Rodrigues) (Processo n.º 4881/18.3T8VNF.G1, in http://dgsi.pt/) a questão da eventual simultaneidade de fins do ato de aquisição de bens ou serviços: “I- Partindo da conceção prevista na Lei n.º 24/96, de 31-07 (bem como no Dec. Lei n.º 67/2003, de 08.04), a jurisprudência maioritária vem entendendo que se deve atender ao conceito restrito, funcional de consumidor, segundo o qual consumidor é aquele que destina o bem adquirido predominantemente para uso privado – “uso pessoal, familiar ou doméstico” –, sendo meramente instrumental, ténue ou acidental o seu aproveitamento para uso profissional.”


Ora, a qualidade de empresário em nome individual não faz nascer um ente jurídico distinto da pessoa singular, traduz apenas um modo de exercício específico de uma atividade profissional, ou seja, um empresário em nome individual não é uma pessoa coletiva.


Logo, a circunstância de uma pessoa singular ser titular de uma empresa não determina, automaticamente, que toda e qualquer interação bancária por si desenvolvida o seja a título profissional.


6. Aqui chegados, concluímos que dos articulados e dos documentos juntos aos autos não decorre que o crédito em causa tenha sido concedido para o exercício da atividade profissional dos Executados.


A mera alegação, por parte do Exequente, de que os Executados estão registados como empresários em nome individual no seu sistema informático, não é suficiente para se extrair semelhante conclusão, porquanto sendo os Executados pessoas singulares possuem necessariamente uma dimensão de vida privada para além da sua atividade profissional.


O mesmo sucede com os profissionais liberais, cujas atuações não são todas necessariamente ligadas à sua profissão, pese embora esta seja um seu elemento identificativo, como, aliás, sucede com qualquer outro cidadão, assim se admitindo e compreendendo que esse elemento identificativo conste das bases de dados que contêm dados pessoais atinentes aos clientes de uma empresa.


Do exposto decorre que não se revela de qualquer utilidade ordenar a produção de prova sobre os factos alegados sob 21. e 22. da contestação do Exequente, porquanto esses factos não possuem aptidão para modificar a decisão dos embargos, isto é, ainda que o Exequente demonstrasse que os Executados se mostram registados no seu sistema informático como empresários em nome individual, continuaria a ser determinante a asserção de que não se pode daí extrair que o crédito tenha sido concedido para a atividade profissional dos Executados.


Consequentemente, constituindo a inserção dos clientes bancários no PERSI e a extinção do procedimento uma condição de procedibilidade da execução, e verificando-se que não logrou o Exequente demonstrar a verificação dessa condição, deve ser revogada a decisão recorrida e declarada extinta a execução com aquele fundamento.


7. As custas do recurso são da responsabilidade do Exequente, que fica vencido (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).


IV – Dispositivo


Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Cível deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso, revogando a decisão recorrida e declarando extinta a execução, por verificação da exceção dilatória insuprível da omissão de integração dos Executados no PERSI.


Custas pelo Recorrido.


Sónia Moura (Relatora)


Filipe César Osório (1º Adjunto)


Filipe Aveiro Marques (2º Adjunto)