EXECUÇÃO HIPOTECÁRIA
MASSA INSOLVENTE
PRESCRIÇÃO
Sumário

Sumário:
I. A terceira adquirente do imóvel hipotecado pode ser isoladamente executada pelo mutuante ainda que a sociedade mutuária tenha sido declarada insolvente;
II. Porém, se a fracção adquirida pela terceira esteve integrada na massa insolvente só a partir do trânsito em julgado da decisão que determina a sua exclusão dessa massa podia a credora hipotecária demandá-la.
III. E, por consequência, só a partir de então o prazo de prescrição contemplado na alínea e) do art.º 310º do Código Civil, a favor da ora executada se iniciou.
IV. A mesma podia invocar a extinção, por prescrição, da obrigação a que a hipoteca serve de garantia de acordo com o art.º 305º, nº1 do Cód. Civil.

Texto Integral

Processo: 1350/22.0T8LLE-A.E1

ACÓRDÃO

1. RELATÓRIO

1. AA veio, por apenso à Execução que contra ela foi intentada por «Propósito Óbvio, S. A», deduzir embargos de executado pedindo que pela procedência dos mesmos seja declarada a ilegitimidade activa da exequente (a) caso assim não se entenda, que seja declarada a inexistência de título executivo, com a consequente extinção da execução (b), caso ainda assim não se entenda, que seja declarado prescrito o crédito exequendo e, em consequência, a hipoteca que onera o prédio da executada (c), caso assim não se entenda, que sejam declarados prescritos os juros vencidos há mais de cinco anos e caso assim não se entenda que sejam declarados não provados os factos vertidos no requerimento executivo.


Para tanto alegou, em suma, que a exequente alega no requerimento executivo que em 31/03/2021 a firma “Propósito Óbvio, S. A” celebrou contratos de cessão de créditos com a “Hipoteca IV Lux S.A.R.L.”, “Hipoteca 47 Lux S.A.R.L”, “Hipoteca III Lux S.A.R.L” e “Hipoteca XXXIV Lux S.A.R.L”, incluindo a cessão a transmissão de todos os direitos, garantias e acessórios inerentes ao crédito ora executado, o que faz com que na presente data a ora exequente seja a actual titular do crédito ora executado, sendo que nos presentes autos, tal como se consigna no requerimento executivo, é título executivo a escritura de mútuo com hipoteca aí junta, na qual tem a qualidade de mutuante (credor), o “Banco Popular Portugal, S. A”, dispondo o nº 1 do artigo 54º, do Código de Processo Civil que tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, a execução deve correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda devendo o exequente deduzir no próprio requerimento para a execução os factos constitutivos da sucessão, mas no caso vertente a exequente não deduziu no requerimento executivo os factos constitutivos da sucessão que terão, alegadamente, feito chegar à sua esfera jurídica o crédito exequendo, ficando assim por alegar e demonstrar os factos constitutivos da sucessão no crédito exequendo, sendo a exequente parte ilegítima, o que configura uma excepção dilatória e conduz à absolvição da embargante da instância, carecendo a exequente de título executivo dotado das necessárias condições de exequibilidade, porquanto o contrato de abertura de crédito não é, só por si, título executivo, já que os actos subsequentes à abertura de crédito e complementares deste é que titulam o direito de crédito do exequente, na medida do desembolso que este tenha efectuado, alegando a exequente que a sociedade mutuária faltou ao pagamento das prestações contratadas e devidas ao mutuante, encontrando-se em incumprimento desde 12/05/2006, sendo aplicável o prazo de prescrição de 5 anos previsto na alínea e), do artigo 310º, do Código Civil, e o alegado direito de crédito exequendo podia e devia ter sido exercido a partir da do incumprimento (12/05/2006) pelo que já estava prescrito à data da instauração da execução em 02/05/2022, prescrição que expressamente se invoca, o que conduz à extinção da hipoteca que impende sobre o prédio da executada, com a consequente extinção da execução, incorporando a quantia exequenda juros vencidos sobre a alegada quantia mutuada, devendo declarar-se prescritos os juros vencidos há mais de 5 anos.

2. Contestou a Exequente/embargada alegando, em suma, que não se limitou a juntar com o requerimento executivo, apenas o contrato de cessão de créditos e o título executivo, juntando também certidão de registo predial actualizada da qual consta o averbamento da transmissão do crédito garantido pela hipoteca executada nos presentes autos e tal averbamento não teria sido promovido pela Conservatória do Registo Predial, caso do contrato de créditos não constassem os créditos cedidos, quer o imóvel sobre o qual foi registada a hipoteca, não assistindo razão à Embargante quando invoca a inexistência de titulo executivo, já que o crédito ora executado foi reclamado no processo de insolvência da empresa devedora, no qual a Embargante também era parte e foi reconhecido na integralidade e a Embargante não impugnou a validade deste crédito, nem o seu valor, nem o seu reconhecimento pelo Administrador da Insolvência, o que poderia ter feito nos termos do artigo 129º e seguintes do CIRE, aceitando o crédito reclamado sem colocar qualquer objecção, não se verificando a prescrição invocada pela Embargante, já que resulta do artigo 100º do CIRE que a declaração da insolvência determina a suspensão de todos os prazos de prescrição, e a sociedade mutuária foi declarada insolvente no processo nº 613/10.2TYLSB, por sentença de 25/06/2010 e o crédito exequendo foi reclamado no processo de insolvência e foi reconhecido pelo Administrador da Insolvência, sendo o processo de insolvência encerrado em 07/06/2019, pelo que sempre foi inequívoca e manifesta a intenção dos titulares dos crédito em exercerem o seu direito, não só no processo de insolvência, bem como em acção executiva que promoveu contra os devedores do crédito que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de ... – Juízo de Execução – Juiz 1, sob o nº 513/11.9... e o prazo de prescrição relativamente à Embargante apenas se poderia começar a contar a partir do encerramento do processo de insolvência da mutuária principal, pelo que não se verifica a prescrição da dívida.

3. Foi proferido despacho saneador-sentença que julgou os embargos totalmente improcedentes e determinou o prosseguimento da execução.

4. É desta decisão que recorre a embargante formulando na sua apelação as seguintes conclusões:


1. Nos presentes autos, tal como se consigna no requerimento executivo, é título executivo a escritura de mútuo com hipoteca aí junta como Doc.2.


2. No referido título executivo tem a qualidade de mutuante (credor) o“BANCO POPULAR PORTUGAL, S.A.”.


3. É verdade que o artigo 54º do C.P.C. dispõe no seu nº 1:


“1. Tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, deve a execução correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda; no próprio requerimento para a execução o exequente deduz os factos constitutivos da sucessão.”


4. No caso vertente, a exequente não deduziu no requerimento executivo os factos constitutivos da sucessão que terão, alegadamente, feito chegar à sua esfera jurídica o crédito exequendo.


5. A exequente trouxe tal informação aos autos, não no seu requerimento executivo, mas em articulado apresentado após a dedução dos embargos de executado.


6. O momento próprio e único para o fazer, caso o exequente não conste do título executivo (como é o caso), é no requerimento executivo.


7. No caso vertente a exequente não alegou, no requerimento executivo, os factos (ou, pelo menos, todos eles) constitutivos da sucessão.


8. O tribunal “a quo” ao admitir a alegação de tais factos, fora do requerimento executivo e após a dedução dos embargos de executado, violou o disposto no artigo 54º nº 1 do CPC.


9. Pelo que a sentença deve ser revogada e substituída por decisão que julgue a exequente parte ilegítima para a execução.


Caso assim não se entenda:


10. Ao contrário do que se diz (ou se acolhe) na sentença em crise, o título executivo, no caso, não é uma sentença (a proferida no apenso de reclamação de créditos no processo de insolvência aí identificado) mas sim o contrato de mútuo com hipoteca que instruiu o requerimento executivo.


11. Nenhum outro título executivo, dos elencados na lei, acompanhou o requerimento executivo.


12. Tem aplicação no caso vertente o disposto no artigo 707º do C.P.C.:


13. E, tal com se disse em sede de embargos, deve acolher-se o ensinamento seguinte:


“1. O contrato de abertura de crédito é um contrato consensual por via do qual um estabelecimento bancário se obriga a ter à disposição do cliente uma soma de dinheiro que este tem possibilidade de utilizar, mediante uma ou mais operações bancárias.


2. Este contrato, só por si, não é título executivo, pois que os actos subsequentes à abertura de crédito e complementares deste é que titulam o direito de crédito do exequente, na medida do desembolso que este tenha efectuado. (…).” (Ac. TRC de 4.04.2017 in www.dgsi.pt).


13. No caso dos autos, o contrato de mútuo na modalidade de abertura de crédito, que a exequente juntou como título executivo, não veio acompanhado de tais actos complementares.


14. Fica, pois, sem se saber que quantias foram disponibilizadas ao beneficiário do crédito e que quantias foram pagas (ou recebidas) por conta de tal crédito.


15. Face ao que se alegou e provou, tanto podia a exequente reclamar nesta execução a quantia exequenda, como qualquer outra.


16. Para que se assim não fosse exigia-se, porque assim impõe a lei, que a exequente alegasse e provasse, que concretas quantias foram disponibilizadas ao mutuário e que quantias este lhe devolveu (ou que o mutuante ou quem o sucedeu recebeu).


17.Tal como resulta dos autos, nada disso ocorreu.


18. Ao julgar existir título executivo, violou o tribunal “a quo” o disposto no artigo 707º do CPC, pelo que deve ser revogada a sentença, decidindo-se que inexiste título executivo.


Caso ainda sim não se entenda:


19. São verdadeiras, as afirmações vertidas nos artigos 18, 19, 23 e 27 dos embargos de executado


20. Por assim ser, e atenta a data em que a presente execução deu entrada em juízo (7.05.2022), não podia o tribunal “a quo” dar como não prescrita a quantia exequenda (que integra capital e juros vencidos).


21. Ao fazê-lo violou o disposto nos artigos 310º alíneas d) e e) do Código Civil.


22. Devendo assim ser revogada e substituída por outra que julgue prescrita a quantia exequenda.


Assim se fazendo JUSTIÇA.”.

5. Contra-alegou a embargada defendendo a improcedência do recurso.

6. O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões da recorrente, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do C.P.C., circunscreve-se à apreciação das seguintes questões:

1. Da (i) legitimidade do exequente;

2. Da (in) existência de título executivo;

3. Da prescrição da dívida exequenda garantida.


II. FUNDAMENTAÇÃO

7. São os seguintes os factos assentes na sentença recorrida:


“1. A exequente «Propósito Óbvio, S. A» intentou em 02/05/2022 contra AA, a acção executiva que corre termos sob o nº 1350/22.0... no Juízo de Execução de ...-Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de ..., indicando como valor da quantia exequenda 209.583,71 €;


2. Foi celebrado acordo reduzido a escrito, denominado “Mútuo com Hipoteca”, no qual além do mais, consta “Mútuo com Hipoteca. No dia doze de Maio de dois mil e seis, no Cartório Notarial a cargo do Notário, Licenciado BB (…) perante mim, respectivo notário, compareceram como outorgantes: Primeiro: CC (…) que outorga como gerente e em representação de “Turihouse - Sociedade de Construções Civis, Lda” (…) Segundos. DD (…) EE (…) na qualidade de procuradores de “Banco Popular Portugal, S. A” (…) Disse o primeiro outorgante: - Que, a sua representada é dona das seguintes fracções autónomas: (…) – designada pela letra “C”, ou seja o rés-do-chão esquerdo, destinada a habitação com o lugar de parqueamento na cave com o número três (…) que fazem parte do prédio urbano, sito em ..., na freguesia e concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número mil trezentos e vinte e seis da referida freguesia (…) inscrito na respectiva matriz sob o artigo 7915; Disseram os outorgantes: - Que o Banco representado pelos segundos outorgantes, concedeu à sociedade representada do primeiro outorgante, para financiamento à construção, nas fracções relativas ao prédio atrás identificado, um empréstimo no montante de quinhentos mil euros, do qual desde já se confessa devedora, e por conta do qual recebeu neste acto a quantia de cento e cinquenta e nove mil setecentos e cinquenta euros. - Que a sociedade representada do primeiro outorgante, em garantia do empréstimo, bem como de juros, despesas judiciais e extrajudiciais que o Banco houver de fazer para se ressarcir do seu crédito (…) bem como o respectivo montante máximo de capital e acessórios, constitui hipoteca voluntária a favor do Banco Popular Portugal, S. A., sobre as fracções autónomas atrás identificadas e benfeitorias a realizar (…) Assim o disseram e outorgaram (…) Esta escritura foi lida aos outorgantes e aos mesmos explicado o seu conteúdo, em voz alta e na presença simultânea de todos (…)”;


3. A mutuária «Turihouse-Sociedade de Construções Civis, Lda» faltou ao pagamento das prestações contratadas encontrando-se em incumprimento desde 12/05/2006;


4. A fracção autónoma designada pela letra “C” do prédio urbano sito em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº 1326/19921207 e inscrito na matriz sob o artigo 7915, está inscrita/registada a favor da ora Embargante/executada, AA pela Ap. 34 de 2007/12/14 e pela Ap. 919 de 2012/06/04 e sobre a mesma incide uma hipoteca voluntária a favor da exequente “Propósito Óbvio, S. A” para garantia de empréstimo, sendo o montante máximo assegurado de 674.950,00 €, hipoteca essa registada/inscrita pela Ap. 6 de 2006/05/05, pela Ap. 3751 de 2010/98/09, pela Ap. 2589 de 2013/02/22 e pela Ap. 2728 de 2021/06/04;


5. Foi celebrado acordo reduzido a escrito, denominado “Cessão de Créditos”, datado de 05/07/2010, mediante o qual o «Banco Popular Portugal, S. A» cedeu à sociedade «Consulteam-Consultores de Gestão, S. A», que lhos adquiriu, diversos créditos, entre os quais os créditos que detinha sobre a sociedade «Turihouse-Sociedade de Construções Civis, Lda», emergentes do contrato de mútuo com hipoteca celebrado em 12/05/2006;


6. Foi celebrado acordo reduzido a escrito, denominado “Cessão de Créditos Hipotecários”, datado de 15/02/2013, mediante o qual a «Consulteam-Consultores de Gestão, S. A», cedeu à sociedade «Hipoteca IV Lux, S.A.R.L» que lhos adquiriu, diversos créditos, entre os quais os créditos que detinha sobre a sociedade «Turihouse-Sociedade de Construções Civis, Lda», emergentes do contrato de mútuo com hipoteca celebrado em 12/05/2006 e que lhe tinham sido cedidos pelo «Banco Popular Portugal, S. A»;


7. Foi celebrado acordo reduzido a escrito, denominado “Cessão de Créditos”, datado de 30/05/2021, mediante o qual a sociedade «Hipoteca IV Lux, S.A.R.L.» cedeu à sociedade «Propósito Óbvio, S. A», que lhos adquiriu, diversos créditos, entre os quais os créditos que detinha sobre a sociedade «Turihouse-Sociedade de Construções Civis, Lda», emergentes do contrato de mútuo com hipoteca celebrado em 12/05/2006, que lhe tinham sido cedidos pela sociedade «Consulteam-Consultores de Gestão, S. A.»;


8. A sociedade «Turihouse-Sociedade de Construções Civis, Lda» foi declarada insolvente por sentença datada de 25/06/2010 proferida nos autos nº 613/10.2TYLSB do 4º Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa;


9. Nos autos de insolvência da sociedade «Turihouse-Sociedade de Construções Civis, Lda», o “Banco Popular Portugal, S. A” reclamou créditos sobre a insolvente no montante de 665.871,98 €, emergentes do contrato de mútuo com hipoteca celebrado em 12/05/2006;


10. Os créditos reclamados pelo «Banco Popular Portugal, S. A» nos autos de insolvência da sociedade «Turihouse-Sociedade de Construções Civis, Lda» foram reconhecidos pelo senhor Administrador da Insolvência e posteriormente na sentença datada de 22 de Dezembro de 20151, proferida no apenso de reclamação de créditos (apenso C), na qual consta também que “por sentença de 6.12.2011 a “Consulteam-Consultores de Gestão, S. A” foi habilitada a prosseguir nos autos do lugar do credor “Banco Popular Portugal, S. A”;


11. O processo de insolvência da sociedade «Turihouse-Sociedade de Construções Civis, Lda» foi encerrado em 07/08/2019 após a realização do rateio final.”.


*


Adita-se ao abrigo do disposto no art.º 607º do CPC ( ex vi art.º 663º, nº2 do mesmo código ) o seguinte facto:


12. A ora embargante adquiriu a fracção referida em 4. pela procedência de acção de execução específica por si movida contra Turihouse-Sociedade de Construções Civis, Lda, transitada em julgado em 11 de Julho de 2011 proferida pelo Tribunal de Vila Real de António (conforme certidão junta)

8. Do mérito do recurso

1. Da (i) legitimidade do exequente


Convém desde já esclarecer que a ora embargante é executada por ser a actual proprietária da fracção autónoma que se mostra onerada com uma hipoteca registada a favor da ora exequente (Cfr. art. 54.º, n.º 2 do C.P.C.).


Também se infere da matéria de facto elencada que adquiriu a fracção em apreço pela procedência de acção de execução específica que moveu contra a Turihouse-Sociedade de Construções Civis, Lda transitada em julgado em 11 de Julho de 2011 proferida pelo Tribunal de Vila Real de António.


Assim, a embargada foi demandada na acção executiva apensa exclusivamente por esse motivo, sendo por isso terceiro relativamente à relação jurídica donde primitivamente emerge o crédito exequendo estribada num contrato denominado “Mútuo com Hipoteca” celebrado em 12.5.2006 entre “Turihouse - Sociedade de Construções Civis, Lda”, como mutuária, e o “Banco Popular Portugal, S. A”.


Está assente – e a recorrente não o pôs em causa – que:


- Foi celebrado acordo reduzido a escrito, denominado “Cessão de Créditos”, datado de 05/07/2010, mediante o qual o «Banco Popular Portugal, S. A» cedeu à sociedade «Consulteam-Consultores de Gestão, S. A», que lhos adquiriu, diversos créditos, entre os quais os créditos que detinha sobre a sociedade «Turihouse-Sociedade de Construções Civis, Lda», emergentes do contrato de mútuo com hipoteca celebrado em 12/05/2006;


- Foi celebrado acordo reduzido a escrito, denominado “Cessão de Créditos Hipotecários”, datado de 15/02/2013, mediante o qual a «Consulteam-Consultores de Gestão, S. A», cedeu à sociedade «Hipoteca IV Lux, S.A.R.L» que lhos adquiriu, diversos créditos, entre os quais os créditos que detinha sobre a sociedade «Turihouse-Sociedade de Construções Civis, Lda», emergentes do contrato de mútuo com hipoteca celebrado em 12/05/2006 e que lhe tinham sido cedidos pelo «Banco Popular Portugal, S. A»;


- Foi celebrado acordo reduzido a escrito, denominado “Cessão de Créditos”, datado de 30/05/2021, mediante o qual a sociedade «Hipoteca IV Lux, S.A.R.L.» cedeu à sociedade «Propósito Óbvio, S. A», que lhos adquiriu, diversos créditos, entre os quais os créditos que detinha sobre a sociedade «Turihouse-Sociedade de Construções Civis, Lda», emergentes do contrato de mútuo com hipoteca celebrado em 12/05/2006, que lhe tinham sido cedidos pela sociedade «Consulteam-Consultores de Gestão, S. A.”.


Por conseguinte, a legitimidade do exequente está assegurada por via da comprovada transmissão do crédito exequendo a favor das diversas pessoas que figuram nos referidos títulos.

2. Da (in) existência de título executivo


Insiste a apelante que o título dado à execução que entende configurar-se como um contrato de mútuo na modalidade de abertura de crédito não constitui, por si só, título executivo válido já que carecia de ser complementado com documentos que provassem a existência do desembolso do crédito por parte da entidade mutuária (art.º 707º do CPC).


Vejamos.


Analisando o “contrato de mútuo com hipoteca” datado de 12/05/2006 , constata-se que do mesmo consta : “Que o Banco representado dos segundos outorgantes, concedeu à sociedade representada do primeiro outorgante, para financiamento à construção, nas fracções relativas ao prédio atrás identificado, um empréstimo no montante de quinhentos mil euros, do qual desde já se confessa devedora, e por conta do qual recebeu neste acto a quantia de cento e cinquenta e nove mil setecentos e cinquenta euros”.


Mas faz-se notar que a exequente vem complementar o título com uma sentença proferida no processo de insolvência da sociedade mutuária “Turihouse-Sociedade de Construções Civis, Lda” que correu termos sob o nº 613/10.2TYLSB no Juízo do Comércio de Lisboa que julgou verificado um crédito da Consulteam-Consultores de Gestão S.A., aí habilitada no lugar do Banco Popular Portugal, S.A., credor reclamante, no valor de € 665.871,98.


Ora, tendo o título executivo em apreço sido emitido antes da entrada em vigor do novo C.P.C., a salvaguarda das expectativas dos credores determina que se continue a ter em conta a previsão do art.º 46.º do anterior C.P.C. do qual resulta ser o mesmo válido.


Com efeito, foi declarado pelo Tribunal Constitucional , no seu Acórdão n.º 408/2015 de 23 de Setembro de 2015, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que aplica o art.º 703.º do C.P.C. aprovado pela Lei n.º 41/2013 de 26 de Junho, a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor ( 1.9.2013), então exequíveis por força do art.º 46.º n.º 1, alínea c), do C.P.C. anterior, por violação do principio da confiança.


Por seu turno, o art.º 46.º do CPC de 1961, na redacção do Decreto-Lei 226/2008 de 20 de Novembro, permitia na sua al. c) que viessem a servir de base à execução os “documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou prestação de facto.”


É certo que num determinado segmento, a escritura em apreço atesta a realização de uma prestação por parte do mutuário – a entrega da quantia de €159.754 – mas noutro que o remanescente até ao limite do crédito concedido - € 500.000- iria ser concedido futuramente.


No art.º 50.º do C.P.C. revogado previa-se o seguinte : “ Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, em que se convencionem prestações futuras ou se preveja a constituição de obrigações futuras podem servir de base à execução, desde que se prove, por documento passado em conformidade com as cláusulas deles constantes ou, sendo aqueles omissos, revestido de força executiva própria, que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio ou que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes”.


Ora, a realização da prestação prevista pode ser provada por documento com força executiva autónoma que complementa, que comprova, a existência da obrigação exequenda.


Como se disse, na sentença proferida no processo de insolvência da sociedade mutuária “Turihouse-Sociedade de Construções Civis, Lda” foi reconhecido um crédito da ora exequente no valor de € 665.871,98, do qual a mesma refere estar em dívida o valor global de €209 583,71 correspondente ao capital em dívida após a liquidação e encerramento daquele processo de insolvência, valor esse que não foi impugnado pela executada, que nele interveio, também, como credora reclamante.


Aqui chegados, podemos assim concluir que tal sentença complementa o “contrato de mútuo com hipoteca” datado de 12/05/2006, havendo título executivo suficiente para o crédito exequendo.


8.3. Da prescrição da dívida exequenda


Emerge do documento complementar do contrato de mútuo com hipoteca – que rege as condições do “empréstimo” – que o mesmo seria concedido pelo prazo de 157 meses, reembolsável em prestações, nos moldes aí previstos, tendo ficado provado que “a mutuária «Turihouse-Sociedade de Construções Civis, Lda» faltou ao pagamento das prestações contratadas encontrando-se em incumprimento desde 12/05/2006 “(ponto 3).


Conquanto se desconheça em que momento exacto a mutuante desencadeou o vencimento antecipado das prestações vincendas nos termos do art.781º do Cód. Civil, o certo é que quando o Banco mutuário reclamou nos autos de insolvência sobre a sociedade mutuária insolvente ( assim declarada em 25.6.2010) o montante de 665.871,98 €, emergentes do contrato de mútuo com hipoteca celebrado em 12/05/2006 já havia ocorrido tal vencimento antecipado ( artº91º do CIRE).


De acordo com o AUJ n.º 6/2022 do STJ , no caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º al. e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação e ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art.º 781.º daquele mesmo código, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.


O Tribunal “ a quo” entendeu, porém, que “o prazo de prescrição foi interrompido com a apresentação da petição de reclamação de créditos por parte do mutuante no processo de insolvência da mutuária em 2010, ou seja, quando ainda não tinha decorrido o prazo de prescrição de 5 anos, interrompendo-se a prescrição, interrupção que se manteve até ao trânsito em julgado da decisão de encerramento do processo de insolvência após a realização do rateio final, de 07/06/2019, começando a correr o novo prazo de prescrição de 5 anos após o trânsito em julgado dessa decisão, e tendo a exequente instaurado a execução contra a ora Embargante em 02/05/2022, é manifesto que nessa data ainda não tinha decorrido o aludido prazo de prescrição de 5 anos”.


Olvida-se, porém, a decisão recorrida que a presente execução não foi movida contra a sociedade mutuária mas sim contra a terceira adquirente do imóvel hipotecado (art.º 54º, nº2 do CPC).


Tal execução, em princípio, poderia ter tido lugar logo que tal aquisição se consumasse, o que sucedeu pela procedência de acção de execução específica movida pela ora executada (terceira adquirente) contra Turihouse-Sociedade de Construções Civis, Lda e que transitou em julgado em 11 de Julho de 2011.


É que a declaração de insolvência não obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência contra outros executados, os houver (art.º 88º, n.º 1, do CIRE).


Ademais, tal aquisição foi do conhecimento da antecessora da exequente que impugnou o crédito pela mesma adquirente reclamado nos autos de insolvência por incompatibilidade com essa aquisição, crédito esse que não foi admitido pelo Tribunal, como resulta da sentença proferida nesses autos e junta com o requerimento executivo.


Porém, da mesma sentença decorre que a fracção hipotecada estava até então integrada na massa insolvente.


Na verdade, aí se diz o seguinte: “Na sequência da execução específica, a fracção objecto desta (…) deixa de fazer parte da massa insolvente, não devendo, portanto, os créditos verificados ser graduados sobre o produto da sua venda “.


E, por isso, só a partir de então, i.e. com a prolação de tal sentença- que transitou em julgado em 25.1.2016 - podia a credora hipotecária demandar a ora executada pois até aí a fracção por ela adquirida estava compreendida na massa insolvente ( cfr. art.º 81º, nº1 e nº2 “ a contrario” do CIRE).


E, por consequência, só a partir de então o prazo de prescrição a favor da ora executada se iniciou (art.º 306º, nº1 do Cód. Civil).


Não há quaisquer dúvidas que a mesma, sendo terceira adquirente, podia invocar a seu favor a prescrição de tal obrigação.


Tal direito assiste-lhe face ao disposto no art.º 305.º n.º 1 do Cód. Civil no qual se estabelece que: “A prescrição é invocável pelos credores e por terceiros com legítimo interesse na sua declaração, ainda que o devedor a ela tenha renunciado”.


Como referem Pires de Lima e Antunes Varela2: “São terceiros interessados na declaração de prescrição, entre outros, os que constituíram uma garantia real ou pessoal”.


Por outro lado, os “terceiros interessados” não estão sujeitos aos limites estabelecidos nos n.ºs 2 e 3 do art.º 305.º do Cód.Civil., não estando dependente a invocação da prescrição por aqueles, em caso de renúncia do devedor ao exercício desse direito, à verificação dos requisitos da impugnação pauliana, porquanto os “terceiros interessados” invocam um direito próprio à prescrição diretamente ligado ao crédito prescrito e não um direito alheio. Sendo que, desse regime também decorre explicitada a regra de que o caso julgado de decisão proferida em processo relativo à prescrição em que o terceiro interessado não é parte, nem é chamado a intervir, em caso algum o pode afetar.3


Temos assim que o “terceiro interessado”, no caso a terceira adquirente do bem hipotecado, pode invocar a prescrição de dívida alheia, nos termos do art.º 305.º n.º 1 do C.C., não por via sub-rogatória ou mera substituição no exercício do direito do devedor, mas por exercício de direito próprio.


Por último, faz-se notar que a prescrição ora apreciada não se confunde com a extinção da hipoteca por prescrição prevista na alínea b) do art.º 730º do Cód. Civil que estabelece prazos prescricionais cumulativos para a extinção da hipoteca a favor de terceiro adquirente do prédio hipotecado.


Como explicam Pires de Lima e Antunes Varela, trata-se de figura análoga à usucapio libetatis, fundada na protecção prevalente que merece o interesse do terceiro adquirente, que no caso se tem como superior ao do credor hipotecário que facilmente poderá obter a satisfação do seu crédito por outras vias.4


O terceiro adquirente do prédio hipotecado não tem de se cingir, como vimos, à invocação da causa de “prescrição” da hipoteca prevista na al. b) do artº. 730.º do Cód.Civil, pois poderá sempre invocar a extinção, por prescrição, da obrigação a que a hipoteca serve de garantia, como previsto no citado art.º 305º, nº1 do Cód. Civil.


E, como se viu, foi essa invocação que a mesma fez em sede de embargos deduzidos à execução que lhe foi movida em 7.5.2022, ou seja, volvidos mais de 5 anos sobre a data em que, como dissemos, se iniciou o prazo para a exequente a demandar nessa qualidade (25.1.2016).


Por conseguinte, quando a executada foi citada (facto interruptivo, cfr. art.º 323º, nº1 do Cód. Civil) há muito que a dívida exequenda estava prescrita por via do decurso do prazo contemplado na alínea e) do art.º 310º do Código Civil, o que lhe conferia a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito ( art.º326º, nº1 do Cód. Civil), faculdade essa que se reconhece que exerceu, com êxito.


III. DECISÃO


Por todo o exposto se acorda em julgar a apelação procedente e, revogando a sentença recorrida, se julgam procedentes os embargos deduzidos e extinta a execução apensa.


Custas pela apelada.


Évora, 27 de Fevereiro de 2025


Maria João Sousa e Faro (relatora)


Elisabete Valente


José António Moita

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1. Que se mostra junta ao requerimento inicial e cujo teor se dá por reproduzido.↩︎

2. In“Código Civil Anotado”, Vol. I, 4.ª Ed. Revista e Atualizada, pág. 277.↩︎

3. Idem , Pires de Lima e Antunes Varela in Ob. Loc. Cit.↩︎

4. In “Código Civil Anotado”, vol. I, 4.ª Ed., pág. 751.↩︎