INDEMNIZAÇÃO
MÁ FÉ PROCESSUAL
FUNDAMENTAÇÃO
Sumário

Sumário:
I. A indemnização por má-fé processual só pode ser atribuída pelo Tribunal se for pedida pela parte contrária à que litigou com má-fé e só pode ser concedida quando esta prove a existência de danos; sem tal prova não pode ser arbitrada qualquer indemnização;
II. A responsabilidade processual, à semelhança da responsabilidade civil, visa colocar o lesado na situação em que este se encontraria se não tivesse sido constrangido a defender-se em juízo de uma conduta processual maliciosa ou temerária.
III. A decisão respeitante a tal indemnização, inserindo-se num incidente da instância, deve elencar os factos relevantes para esse efeito e respectiva motivação.

Texto Integral

ACÓRDÃO

I. RELATÓRIO

1. AA, A. nos autos à margem identificados, nos quais figuram como Réus, BB e CC, veio recorrer da decisão que o condenou, como litigante de má-fé, a pagar a estes uma indemnização no valor de €40.952,00 acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde o trânsito em julgado até efectivo pagamento, formulando na sua apelação as seguinte conclusões:


1ª – Salvo o devido respeito por melhor e douta opinião o Tribunal “a quo” decidiu mal e ilegalmente quando fixou a indemnização a título de litigância de má-fé no valor de 40.952,00 Euros, a que acrescem juros de mora à taxa legal de 4% prct., desde o trânsito em julgado até efectivo pagamento. Com efeito,


2ª – Após ter dado a matéria dada por provada e não provada o Tribunal “a quo” profere o seguinte:


“A demais matéria não foi objecto de resposta uma vez que tem carácter conclusivo, constitui considerações de direito, ou não têm relevância para a decisão da causa, atento o objecto do litígio e os temas da prova enunciados em sede de audiência prévia, que não mereceram reclamação das partes nos termos do disposto no art. 596.º, n.º 2, do C.P.C.”


3ª – Não se vislumbra em tal matéria dada por provada (e não provada) que tenha sido dada por provada qualquer angústia dos R./Reconvintes. Aliás, os meros transtornos, incómodos, desgostos e preocupações cuja gravidade e consequências se desconhecem não podem constituir danos não patrimoniais ressarcíeis (neste sentido vide acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 16/09/2021, Relator: Maria dos Anjos Nogueira). Com efeito, “in casu” não consta da matéria dada por provada que os R./Reconvintes tenham tido qualquer angústia e/ou desgosto com o presente processo. Tudo isto apesar de,


4ª – Ao longo dos autos os R./Reconvintes vieram alegar e peticionar que o A./Reconvindo fosse condenado a indemnizar os R./Reconvintes a título de danos não patrimoniais. Contudo, na sentença (original proferida pela 1ª Instância) o A./Reconvindo não foi condenado a pagar quaisquer montantes a título indemnização por danos não patrimoniais. Até porque, nada na matéria dada por provada poderia levar a tal tipo de condenação. Pelo que,


5ª – No que concerne o Tribunal “a quo” decidiu mal e ilegalmente (salvo o devido respeito por melhor opinião), quando decidiu fixar e condenar o A./Reconvindo no pagamento de 6.000 Euros, a título de compensação por danos não patrimoniais, violando dessa forma e modo o estabelecido no Art. 8º, n.º 3 e 496º, ambos do Código Civil (Lei Substantiva).


6ª – Os R./Reconvintes não apresentaram nem ao A./Reconvindo nem ao Tribunal, nota discriminativa detalhada de honorários, nomeadamente não apresentaram detalhada e concretamente “in casu” como é que chegaram às 200 horas de serviços prestados (no que concerne). Isto é, não demonstraram qual o tempo gasto concretamente em cada acto que praticaram por forma a “chegarem” às tais 200 horas de serviços prestados (no que concerne).


Ademais,


7ª – Não apresentaram os respetivos recibos e prova de pagamento do montante fixado a título de danos patrimoniais. Ora,


8ª – O concatenamento do convocado na 6ª e 7ª Conclusão supra, afigura-se- nos pertinente que seja fixado apenas a quantia de 2.040,00 Euros a título de despesas com honorários que o A./Reconvindo tenha ainda que pagar; uma vez que, o A./Reconvindo já pagou aos R./Reconvintes 2.040,00 Euros, correspondente a 50% prct. Dos honorários aquando do pagamento das custas de parte. Quanto às despesas de deslocação as mesmas deverão ser excluídas da indemnização uma vez que advém do facto de os R./Reconvintes terem escolhido um Ilustre Advogado/Sociedade de Avogados, de fora da comarca de ... quando o processo corre na comarca de ....


Acrescentar ainda que, não existe qualquer laudo emitido pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados. Pelo que,


9ª – Salvo o devido respeito por opinião diversa a indemnização por despesas com honorários deverá ter por matriz o valor que os R./Reconvintes apresentaram a título de custas de parte e não qualquer outro. Porque assim é,


10ª – O Venerando Tribunal da Relação de ..., deverá no douto acórdão a proferir, proceder à revogação da decisão proferida pelo Tribunal “a quo” que fixou a indemnização a título de litigância de má-fé em 40.952,00 e, decorrentemente,


11ª – Determinar a fixação de tal indemnização em apensas 4.080,00 Euros; o que se requer. Tudo atento os fundamentos sobreditos nas conclusões que antecedem e que dos referidos 4.080,00 Euros o aqui Recorrente AA já pagou aos Recorridos 2.040,00 Euros, a título de honorários em sede de custas de parte.


Assim se fará sã e serena Justiça.”.

2. Contra-alegaram os Réus defendendo a manutenção do decidido.

3. O objecto do recurso, delimitado pelas enunciadas conclusões (cfr.artºs 608º/2, 609º, 635º/4, 639º e 663º/2, todos do CPC) do recorrente circunscreve-se à (in) justeza da indemnização fixada pelo Tribunal “ a quo” e a pagar pelo Autor, oportunamente condenado como litigante de má-fé, aos Réus.

II. FUNDAMENTAÇÃO

4. Os factos a considerar na decisão deste recurso são os que constam do antecedente relatório, sendo de relevar também o seguinte:

1. Na sentença proferida em 17.5.2023 sobre o mérito da causa, já transitada, foi o Autor/reconvindo condenado como litigante de má-fé com a seguinte fundamentação:


“No caso vertente, os réus estribam o seu pedido nos seguintes pontos: (i) o autor mentiu quando negou que tinha conhecimento do estado debilitado do casal BB e CC aquando da subscrição do acordo mencionado no ponto 8); (ii) o autor sabia que o acordo em causa teria sido substituído em 2016; (iii) e que havia pago as rendas respeitantes aos anos de 2015 e 2016, omitindo essa factualidade na petição inicial.


Cotejada a decisão de facto acima exposta, verifica-se que a versão apresentada pelo autor não encontrou qualquer conforto na prova produzida, defluindo dela manifestamente que: (i) a incapacidade dos réus tinha um carácter notório e era conhecido do autor, pelo menos, em Maio de 2015 – ponto 63); (ii) a existência do aditamento outorgado em 01-03-2016 – ponto 80); e (iii) que o réu procedeu à entrega em 2015 e 2016 das quantias de 17.000,00€ ao casal BB e CC – pontos 81) a 84).


Acresce que resultou como não provado que as quantias em causa haviam sido entregues pelo autor ao casal BB e CC a título de empréstimo – cfr. ponto d).


Por outro lado, tratam-se de factos pessoais do autor, dos quais o mesmo não podia deixar de ter conhecimento, uma vez que foram praticados e presenciados pelo próprio.


Desta feita, a conduta processual do autor acima descrita consubstancia a previsão legal da norma contida no artigo 542.º n.º 2 al. a) e b) do C.P.C., porquanto o mesmo deduziu pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, alterando a verdade dos factos.


Diga-se, ainda, que a condenação da parte como litigante de má-fé não depende exclusivamente de uma conduta processual dolosa, bastando para o efeito a demonstração de que a parte estava obrigada a ter consciência dos factos em causa – conforme sucede manifestamente nos presentes autos.


Neste sentido decidiu o Supremo Tribunal de Justiça no seu douto Acórdão de 20-03-2014 (processo n.º 1063/711.9TVLSB.L1.S17), cujo excerto ora se transcreve: «Pode, assim, aproveitando-se a classificação das lides exposta por Alberto dos Reis em lides cautelosas, lides simplesmente imprudentes, lides temerárias e lides dolosas (ver loc. cit, pág. 262) dizer-se que hoje a condenação como litigante de má fé deve ser imposta tanto na lide dolosa como na lide temerária sendo esta última aquela em que litigante deduz pretensão ou oposição " cuja falta de fundamento não devia ignorar", ou seja, não é agora necessário, para ser sancionado, demonstrar-se que o litigante tinha consciência de não ter razão", pois é suficiente a demonstração de lhe ser exigível essa consciencialização.»


Face ao exposto e ao abrigo do disposto nos artigos 542.º, n.ºs 1 e 2, al.s. a) e b) do C.P.C. e 27.º, n.º 3 do Regulamento das Custas Processuais, deverá o autor ser de uma multa no valor de 50 (cinquenta) UC, o que perfaz a quantia de 5.100,00€ (cinco mil e cem euros), atendendo ao valor dos bens jurídicos em causa e ao grau de ilicitude e culpa da conduta em censura, bem como de uma indemnização, a fixar nos termos do disposto no art. 543.º, n.º 3, do C.P.C.”.

2. Após este desfecho, vieram os Réus/reconvintes apresentar um requerimento em 9.10.2023 (que reiteraram em 12.12.2024) mediante o qual peticionaram que o valor da indemnização a pagar pelo Autor aos Réus/Recorridos pela litigância de má-fé fosse fixado em 52.623,00 € “acrescidos de juros contabilizados à taxa legal de 4% ao ano desde a notificação do presente requerimento até integral pagamento”.

3. Em resposta apresentada em 11.10.2023, o Autor/reconvindo impugnou a existência de danos morais infligidos aos Réus e alegou que os mesmos “não pagaram ao seu Mandatário Forense quaisquer Euros: 28.080,00 (mais I.V.A.), a título de honorários, contrariamente ao que dizem”, refutando igualmente ser responsável pelo pagamento de outras despesas alegadas.

4. Com qualquer dos requerimentos a que se alude supra em 4.2. os Réus/reconvintes não apresentaram meios de prova.

5. É o seguinte o teor do despacho recorrido:


“(…) cumpre então fixar o valor da indemnização a atribuir aos réus.


- Dos danos patrimoniais


Revertendo ao caso em concreto, a ré invoca despesas por si suportadas com o valor de honorários e despesas relacionados com os presentes autos, que perfazem o valor global de valor de 30.480,00€ (mais IVA) - 254 h x 120,00 € = 30.480,00 €, a que acresce o valor de 1.840,00€ correspondente a deslocações ao Tribunal (...) (230Km x 0,40 x 2 x 10).


Tais despesas, nomeadamente no que concerne ao valor dos honorários, apesar de não se encontrarem documentalmente comprovadas (o que não obsta à condenação do autor, uma vez que compete ao Tribunal fixar uma indemnização de acordo com o seu prudente arbítrio), afiguram-se proporcionais e de acordo com a importância dos serviços prestados, à dificuldade e urgência do assunto, o grau de criatividade intelectual da sua prestação, o resultado obtido, o tempo despendido, às responsabilidades por assumidas pelo Ilustre Mandatário e aos demais usos profissionais – cfr. art. 105.º do Estatuto da Ordem dos Advogados.


Contudo, haverá que ressalvar que o reembolso das despesas e honorários em causa deverá dimanar directamente da litigância de má-fé, não sendo fixada de acordo com a globalidade do processo (sobre esta matéria, veja-se douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 06-02-2020, processo n.º 6590/13.0TBMTS-B.P1, disponível in www.dgsi.pt).


Por conseguinte, tendo em conta o acima exposto, haverá que arredar do objecto da ponderação a realizar o valor de honorários / despesas relacionados com os procedimentos cautelares instaurados pelos réus (a que correspondem 54 horas e duas deslocações ao Tribunal), que foram julgados improcedentes pelo Tribunal e, como tal, não decorrem directamente da conduta em censura levada a cabo pelo autor.


Chegados aqui, entende o Tribunal fixar o valor de 29.520,00€ (200 horas x 120,00€ + 23% (IVA) (honorários) a que acrescem 1.472,00€ (despesas de deslocação), a título de reembolso de despesas com honorários do Ilustre Mandatário.


Ao valor em causa deverá ser subtraída a quantia de 2.040,00€, já liquidada pelo autor aos réus (conforme o alegado pelos réus no requerimento que antecede) a título da parcela correspondente a 50 /prct. do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, para compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário judicial, devida em sede de custas de parte – cfr. art. 26.º, n.º 2, al. c), do R.C.P.


Dos danos não patrimoniais


Quanto à compensação por danos não patrimoniais, os réus defendem a fixação de um valor não inferior a 10.000,00€ (a favor de cada um dos réus).


Para tanto, em síntese, alegam que a conduta processual do autor (i) suscitou sentimentos de angústia face à necessidade de intervenção num processo cujo objecto corresponde a matéria de intimidade familiar (estado de fragilidade psíquica dos pais), obrigando os réus a reviver os tormentos decorrentes dessa vivência e, por outro lado,


(ii) resvalou para o plano do insulto e calúnia.


Vejamos.


De acordo com o n.º 1 do art. 496.º do C.C., «[N]a fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.»


No seu douto Acórdão de 07-06-2011, revista n.º 288/2002.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt, o Supremo Tribunal de Justiça de Justiça definiu os danos não patrimoniais como sendo «os prejuízos insusceptíveis de avaliação pecuniária – porque atingem bens que não integram o património do lesado – cuja obrigação ressarcitória assume uma natureza marcadamente compensatória; assim o quantitativo a fixar há de ser o bastante para contrapor às dores e sofrimentos ou, ao menos, minorar de modo significativo os danos delas provenientes)».


In casu, conforme decorre da factualidade dada como provada, a factualidade em apreço incidiu, de facto, sobre os problemas do foro psiquiátrico bem como o vício do álcool que desembocaram no reconhecimento da incapacidade psíquica dos pais dos réus.


Acresce que o autor fez uso de expressões susceptíveis de causar os sentimentos descritos pelos réus (tendo em conta que os factos por si alegados em sede de petição inicial e réplica foram considerados, na sua globalidade, ostensivamente falsos) – apontando-se a título de exemplo, para além das expressões indicadas pelos réus no requerimento que antecede, os seguintes trechos: «Primeiro os 2º e 3º R.R. puseram os pais num Lar de Idosos a 200km do lugar onde residem e depois apoderam-se das contas bancárias e do dinheiro e agora querem apoderar-se dos seus bens e vendê-los. Querem é dinheiro para gastar e para desbaratar» - art. 20.º da réplica; «A mãe do 2º R. (EE) em 2017 estava em condições cognitivas para assegurar a direcção técnica de uma clínica em que o seu filho, aqui 2º R., era gerente da sociedade que explorava a clínica e recebia o competente ordenado, sempre “às cavalitas” da mãe claro» - cfr. art. 38.º da réplica; «Afinal os Progenitores dos aqui R.R. BB e CC, além de estarem no pleno das suas capacidades intelectuais e cognitivas tinham também esse “dom” de prever o espectável (atento os comportamentos dos seus filhos que nos escusamos aqui de retratar), dada a sua experiência de vida e no “alto” dela. Ou seja, visionaram o futuro muito claramente e sem ilusões. Decerto com muita pena, mas sem ilusões.» - cfr. art. 23.º do requerimento apresentado em 16-02-2022;


Desta feita, os alegados sentimentos experienciados pelos réus ao longo da marcha do presente processo, percepcionados parcialmente pelo Tribunal em audiência final, e confirmados pelo depoimento da testemunha FF (conforme o alegado pelos réus no requerimento que antecede), preenchem inequivocamente o critério da gravidade significativa previsto no artigo 496.º, n.º 1 do C.C.


Pelo que, tendo em conta as circunstâncias concretas do caso em apreço, bem como os padrões adoptados pela jurisprudência (cfr. art. 8.º, n.º 3, do C.C.), decide-se fixar o valor de 6.000,00€ (a cada um dos réus) a título de compensação pelos danos não patrimoniais.


Às quantias devidas deverão acrescer juros de mora, calculados à taxa legal de 4% (Portaria n.º 291/03, de 08-04, e arts 559.º n.º 1, 804.º, 805.º n.º 1 e 806.º n.ºs 1 e 2 do C.C.) a partir data do trânsito em julgado da decisão final, até ao efectivo e integral pagamento.”.

5. Do mérito da causa


Definitivamente estabelecido que o Autor litigou de má-fé tendo, por isso, sido já condenado numa multa de 50 Ucs, foi agora decidido fixar, nos termos do disposto no art. 543.º n.º 3, do C.P.C., no valor global de 40.952,00€ a indemnização que deve pagar aos Réus “a título de litigância de má-fé”.


Tal indemnização contempla, de acordo com a decisão recorrida, danos patrimoniais – honorários do ilustre mandatário do Réu e despesas com deslocações 1- e não patrimoniais.


Nenhum daqueles danos foi demonstrado, como, aliás, a referida decisão reconhece.


Não foi junta nota de honorários do ilustre mandatário dos Réus, nem recibo comprovativo do seu pagamento.


Não há um único facto provado, quer na sentença quer na decisão recorrida, revelador da existência de danos mormente não patrimoniais por parte dos Réus (v.g. tristeza, angústia).


Aliás, a decisão recorrida não elenca quaisquer factos nem a respectiva motivação, como era mister, dado estarmos em presença de um incidente da instância ( art.º607º ex vi art.295º, ambos do CPC).


Poderá, ainda assim, ser arbitrada a indemnização referida?


O Tribunal “a quo”, ciente daquela debilidade, concluiu afirmativamente argumentando que “compete ao Tribunal fixar uma indemnização de acordo com o seu “prudente arbítrio”.


Vejamos então se, por esse motivo, se pode prescindir da prova dos danos peticionados.


Recordemos o teor da lei. Prevê o nº1 do art.º 542º do CPC que: “Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.”


Por conseguinte, a indemnização só pode ser atribuída pelo Tribunal se for pedida pela parte contrária à que litigou com má-fé conquanto a condenação de uma delas como tal possa ser oficiosamente determinada.


Regra geral a condenação como litigante de má-fé deve ter lugar na sentença2, salvo se o juiz oficiosamente entender, aquando da sua prolação, ser de aplicar a uma das partes tal sanção, caso em que, por carecer de cumprir primeiro o contraditório ( art.º 3º, nº3 do CPC) deverá ser decretada em despacho ulterior ( sendo certo que só poderá aplicar-lhe uma multa destinada a sancionar a conduta da parte) .


De todo o modo, o pedido de atribuição de uma indemnização por litigância de má-fé da parte contrária deverá ser, na 1ª instância, formulado até à prolação da sentença final.


É que o comportamento desleal poderá ter lugar ao longo de todo o processo, pelo que a parte contrária poderá formular o correspondente pedido não só na fase dos articulados como até ao encerramento da audiência final3.


Entendemos, outrossim, que quando a litigância de má-fé seja expressamente suscitada por uma das partes contra a outra e seja formulado um pedido indemnizatório líquido, como no caso em apreciação sucedeu, deverá aquela alegar os factos reveladores dos prejuízos que tal litigância ocasionou, juntando logo os meios de prova tendentes a demonstrá-los.


Caso não o tenha feito, como era suposto (art.º 293º, nº1 do CPC) deveria o Tribunal ter notificado a parte para juntar os elementos probatórios ou fazer indicação dos que deveriam ser tomados em consideração (v.g. depoimento de testemunha que se tenha pronunciado sobre os factos relevantes ) para este desiderato.


É que o “prudente arbítrio” a que alude a norma não prescinde da prova dos danos.


Como salienta Abrantes Geraldes4 “a lei não exige que a parte interessada formule um pedido líquido, podendo limitar-se a pedir a fixação de uma indemnização em quantitativo a apurar posteriormente antecedido de alegação dos factos reveladores dos prejuízos”.


E acrescenta: “Mas se na altura em que a decisão final deva ser proferida ainda não houver elementos suficientes para a quantificação , deve o juiz, depois de constatar a presença dos requisitos legais da litigância de má-fé, possibilitar que as partes produzam prova sobre os factos quantificadores , proferindo decisão suplementar (…) fundada nos elementos que em concreto se apurarem relativos aos danos causados ou, na falta de outros mais precisos, usando do seu prudente arbítrio.”


Não há assim quaisquer dúvidas de que os prejuízos devem ser alegados e provados pela parte que pretende ser indemnizada, sendo que como o mesmo autor salienta: “a gravidade das consequências não é compatível com simples conjecturas do julgador, ainda que passíveis, de forte verosimilhança, devendo basear-se em factos que o juiz indicará na fundamentação da decisão”5, o que no caso, como vimos, também não sucedeu.


Em suma: Não partilhamos do entendimento de que possa ser fixada indemnização por má-fé processual, mesmo que a parte não tenha provado os prejuízos sofridos alegados já que, a nosso ver, deverá sempre fazer prova da existência do dano, sem a qual não poderá ser arbitrada qualquer indemnização.


É que “a responsabilidade processual, à semelhança da responsabilidade civil, visa colocar o lesado na situação em que este se encontraria se não tivesse sido constrangido a defender-se em juízo de uma conduta processual maliciosa ou temerária. Ainda que premeie o improbus litigator quando a sua conduta se afigure menos censurável, permitindo que o montante indemnizatório seja fixado aquém do dano efetivamente sofrido pelo litigante de boa-fé, em momento algum “abre a porta” à fixação de uma quantia superior ao dano sofrido. Deste modo, a indemnização arbitrada ao abrigo do art. 543º terá como finalidade primordial o ressarcimento do lesado, ficando a punição do litigante de má-fé reservada para a pena de multa”.6


Aliás, o “termo indemnização deriva do latim indemne, que significa tornar sem dano. A constituição do dever de indemnizar encontra-se, assim, indissoluvelmente ligada à existência de dano. Ainda que o comportamento do agente se apresente censurável, se do mesmo não resultou um prejuízo que lhe possa ser imputado, não recairá sobre si qualquer obrigação de ressarcimento.


Fundamental é então que “o facto ilícito culposo tenha causado um prejuízo a alguém”, podendo este prejuízo ser tomado em sentido real ou patrimonial. Enquanto no dano real se considerará a verdadeira “perda in natura sofrida pelo lesado, isto é, o prejuízo sofrido nos seus bens (v.g. destruição do automóvel), na sua pessoa (v.g. ferimentos causados em virtude do acidente de viação), ou em ambos; no dano patrimonial ou de cálculo, por seu turno, procurar-se-á exprimir o reflexo do dano real no património do lesado, traduzindo-se num determinado montante.


Dando-se, na lei civil, primazia à reconstituição in natura, mediante a qual se visa colocar o lesado na situação em que este se encontraria não fora a ocorrência do facto danoso (art. 562º, nº 2 CC), tomar-se-á, em regra, como critério o dano real sofrido pelo lesado. Só quando esta reconstituição natural não seja possível, seja insuficiente, ou se apresente excessivamente onerosa para o lesante (art. 566º, nº 1 CC), se fixará uma indemnização pecuniária que tome como parâmetro o dano patrimonial ou de cálculo, determinado pela diferença entre a situação real em que se encontra o lesado e a situação hipotética em que este se encontraria se não tivesse ocorrido o facto lesivo, tal como prescreve a teoria da diferença (ou mommseniana), consagrada pelo art. 566º, nº 2 CC. (…) Sendo a ocorrência do dano condição indispensável em todo o tipo de responsabilidade (seja por facto ilícito ou por facto lícito), será também pressuposto imprescindível da responsabilidade processual.7”.


Aqui chegados, concluímos que a decisão recorrida não pode subsistir essencialmente porque prescindiu da prova dos danos alegados pela parte.


Mas também porque nela não constam discriminados os concretos factos em que se fundamenta a decisão.


“Como se sabe, a necessidade de fundamentação de facto e de direito da generalidade das decisões judiciais constitui corolário do princípio do Estado de Direito e do papel criador e aplicador do direito desempenhado pelos tribunais.


A necessidade de fundamentação das decisões tem assento constitucional na norma do n.º 1 do artigo 205º da Constituição da República Portuguesa, que impõe que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei, tem concretização na lei ordinária, por via da expressa previsão do n.º 1 do artigo 154.º do Código de Processo Civil, de acordo com o qual as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas, e constitui uma componente essencial da garantia a um processo equitativo (cf. artigo 20º, nº 4, da Lei Fundamental).


Como referem GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, “[o] due process positivado na Constituição Portuguesa deve entender-se num sentido amplo, não só como um processo justo na sua conformação legislativa, mas também como um processo materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais.”


E, de entre os princípios através dos quais a doutrina e a jurisprudência têm densificado o aludido princípio do processo equitativo, encontra-se, pois, o direito à fundamentação das decisões.


O dever de fundamentação das decisões dos tribunais, consagrado no artigo 205º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa serve para a clarificação a interpretação do conteúdo decisório, favorece o autocontrolo do juiz responsável pela sentença, dá melhor operacionalidade ao heterocontrolo efectuado por instâncias judiciais superiores e contribui para a própria justiça material praticada pelos tribunais.


Com efeito, a fundamentação das decisões, quer de facto, quer de direito, proferidas pelos tribunais estará viciada caso seja descurado o dever de especificar os fundamentos decisivos para a determinação da sua convicção, já que a opacidade nessa determinação sempre colocaria em causa as funções que estão ínsitas na motivação da decisão, ou seja, permitir às partes o eventual recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação em causa e, simultaneamente, permitir o controlo dessa decisão, colocando o tribunal de recurso em posição de exprimir, em termos seguros, um juízo concordante ou divergente.


Daí que, na elaboração da sentença e na parte respeitante à fundamentação, deve o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final (cf. artigo 607º, nº 3, do Código de Processo Civil), e, por isso, no artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil se comina com a nulidade a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.8


Ora, mostra-se imprescindível conhecer os concretos fundamentos de facto da decisão, a apurar em função dos factos alegados e das provas indicadas/produzidas nos autos, o que não se mostra efectuado, como dissemos.


É certo que, não obstante o recorrente invocar nas alegações que não foi produzida prova dos danos, não invoca que a decisão padeça de nulidade por falta de fundamentação.


“Porém, se a Relação pode, nos termos do disposto no artigo 662, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Civil, oficiosamente, anular a decisão de 1ª instância quando repute deficiente, obscura e contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, e determinar a ampliação da matéria de facto, também pode anular a decisão quando tal matéria não seja discriminada na decisão, como sucede no caso em apreço. [Cf., ANSELMO DE CASTRO, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, p. 137, e os acórdãos da Relação de Lisboa de 1.7.1999, CJ, Ano XXIV, Tomo IV, pp. 90-91, e de 21.05.2009 (proc. n.º 6425/2008-6), e da Relação de Guimarães, de 20/12/2018 (proc. n.º 78/14.0TBVFX-C.L1-7), estes dois últimos disponíveis em www.dgsi.pt]


“E não se diga que este tribunal de recurso pode substituir-se ao tribunal recorrido, conhecendo do mérito da apelação, nos termos do n.º 1 do artigo 655º do Código de Processo Civil, porquanto, não estando discriminados os concretos factos em que o tribunal recorrido assentou a sua decisão, não se pode proceder à sua reapreciação”9 de molde a decidir se foram atendidos todos os factos com “interesse para a decisão” e quais as provas em que se fundou para os considerar como provados.


Deste modo, deve anular-se a decisão recorrida, devendo o tribunal recorrido proferir nova decisão, na qual discrimine os factos provados e respectiva motivação, sem prejuízo das diligências probatórias que tenha por úteis com vista a apurar os factos necessários à apreciação da pretensão indemnizatória dos Réus/reconvintes.


Em consequência da anulação da decisão fica prejudicado o conhecimento da questão suscitada no recurso.


III. DECISÃO


Por todo o exposto se acorda em anular a decisão recorrida, devendo a 1ª instância emitir nova decisão com cabal discriminação dos factos que considere provados, subsumindo-os às regras jurídicas aplicáveis, sem prejuízo das diligências probatórias prévias que tenha por conveniente realizar.


Custas a suportar pela parte vencida na decisão final.


Évora, 27 de Fevereiro de 2025


Maria João Sousa e Faro (relatora)


António Fernando Marques da Silva


Maria Adelaide Domingos

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1. Supõe-se que do ilustre mandatário pois são mencionadas “8 viagens a ... no processo principal (audiência prévia e 7 sessões de julgamento) acrescidas de uma no processo de arresto e outra no processo de ratificação judicial do embargo de obra nova: 230 km x 0,40 € x 2 x 10 = 1.840,00 €. Porém tais deslocações são igualmente mencionadas no item “ Honorários”.↩︎

2. Como parece decorrer do art.º 543º, nº3 do CPC.↩︎

3. Não cuidamos, evidentemente, aqui das situações em que a litigância de má-fé se revela na fase de recurso.↩︎

4. Temas Judiciários, Vol. I, Almedina, 1998, pag.337.↩︎

5. Idem, pag.331.↩︎

6. Assim, MAF Borges, in Algumas reflexões em matéria de litigância de má-fé , pag. 95/96 consultável em: https://estudogeral.uc.pt/bitstream/10316/28438/1/Algumas%20reflexoes%20em%20materia%20de%20litigancia%20de%20ma-fe.pdf↩︎

7. Idem : MAF Borges in ob.cit, pag.87.↩︎

8. Acórdão desta Relação de 28.10.2021 proferido no processo n.º 3190/15.4T8FAR-F.E1 ( relator Francisco Xavier).↩︎

9. Idem aresto deste TRE supra citado.↩︎