Sumário:
I. A citação das pessoas coletivas rege-se especificamente pelo disposto no artigo 246.º do CPC.
II. Ocorre falta de citação determinante da nulidade da mesma, se, em relação à 2.ª carta de citação enviada para a morada da sede social de uma sociedade comercial, os serviços postais não deram cabal cumprimento ao disposto na parte final do n.º 4 do referido preceito legal, o que determinou que a destinatária, por facto que não lhe é imputável, não tenha tido conhecimento do ato de citação, vendo, desse modo, afetado o seu direito de defesa.
Tribunal recorrido: TJ Comarca de Portalegre, Juízo Local Cível de Elvas – J2
Apelante: Caixa Geral de Depósitos, S.A.
Apelada: Aditioconstrói – Sociedade de Construção Civil, Ld.ª.
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora
I – RELATÓRIO
I.1. CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A. intentou ao abrigo do disposto no artigo 21.º do regime jurídico do contrato de locação financeira (Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de junho, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 30/2008, de 25-02), providência cautelar de entrega judicial contra, ADITIOCONSTRÓI - SOCIEDADE DE CONSTRUÇÃO CIVIL, LDA, com domicílio na rua de ..., n.º 14-E, Fontainhas, Zona Industrial, ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Sintra sob o número único de matrícula e pessoa coletiva ..., pedindo que seja ordenada a entrega judicial imediata da fração autónoma designada pela letra «F» do prédio urbano (constituído em propriedade horizontal) sito na Rua de ..., n.º 14-E, Fontainhas, Zona Industrial, Lote 22, freguesia de ..., concelho de ..., correspondente ao rés-do-chão do referido prédio e destinada a armazém comercial, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 1380-F e inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo 2716.º.
Para o efeito alegou que, no exercício da sua atividade, em 27-08-2009, a Caixa Leasing e Factoring – Sociedade Financeira de Crédito, S.A. (em si incorporada, por fusão) celebrou com a Requerida um contrato de locação financeira imobiliária que teve por objeto o imóvel cuja entrega judicial requer, que a Requerida incumpriu, existindo um débito de €2.472,11.
Interpelou a Requerida através de carta registada com aviso de receção dirigida para a morada da sua sede social, datada de 09-03-2023, para pagar a quantia em dívida mais juros de mora, no prazo de 30 dias, sob pena de resolução contratual, e restituição do imóvel.
A carta veio devolvida com a menção «Objecto não reclamado», pelo que, perante a falta de regularização dos débitos, através de carta registada com aviso de receção, dirigida para a morada da sua sede social e para a morada do imóvel, ambas datadas de 26-04-2023, lhe comunicou a resolução do contrato, exigindo, além do mais, a restituição do imóvel, a qual foi recebida pela Requerida em 04-05-2023, na morada do imóvel.
Alega, por fim, ter apurado que as instalações que funcionavam no imóvel se encontravam encerradas e que, contactado telefonicamente o gerente da Requerida, este se recusou a proceder à sua restituição voluntária, tendo procedido ao cancelamento do registo da locação financeira com fundamento na resolução do contrato.
Mais requereu a antecipação do juízo da causa, condenando-se a Requerida na entrega definitiva do imóvel em causa.
I.2. Por despacho proferido em 14-02-2024, a Requerida foi considerada regularmente citada para deduzir oposição, tendo, em consequência da sua falta, sido considerados confessados os factos articulados no requerimento inicial e proferida decisão (Ref.ª Citius 33238112).
I.3. A entrega do aludido imóvel foi concretizada em 05-04-2024, tendo a Requerida sito notificada (em 26-04-2024), nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 366.º, n.º 6, e 372.º, n.º 1, ambos do CPC (Ref.ªs Citius 2513432, 2513434, 33422722 e 33422756).
I.4. Através de requerimento apresentado em juízo em 03-05-2024, a Requerida, ao abrigo do disposto no artigo 372.º, n.º 1, al. b), do CPC, deduziu oposição ao decretamento da providência, invocando a nulidade da sua citação e impugnando a matéria alegada pela Requerente no seu requerimento inicial, sustentando, por um lado, a falta de fundamento para a resolução do contrato em apreço e, por outro, a falta de receção da comunicação da aludida resolução, concluindo, a título subsidiário, por uma situação de abuso de direito (Ref.ª Citius 2530815).
I.5. Para tanto notificada, a Requerente pronunciou-se quanto à nulidade da citação invocada pela Requerida na sua oposição, nos termos do seu requerimento de 16-05-2004 (Ref.ªs Citius 33478746, 2539761 e 2550483).
I.6. Em 05-07-2024, foi proferida decisão cuja parte dispositiva tem o seguinte teor:
«III – Pelo exposto, e ao abrigo das disposições legais citadas supra, declara-se nula a citação da requerida Aditioconstrói – Sociedade de Construção Civil, Lda. para os termos do presente procedimento cautelar, anulando-se, em consequência, todos os actos praticados a partir da apresentação do requerimento inicial, incluindo a decisão proferida em 14-02-2024, devendo a requerida (por já estar representada em juízo por advogado) ser notificada para, em 10 (dez) dias, deduzir oposição, ao abrigo do disposto no artigo 366.º, n.º 2, do C.P.C. e 21.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho.»
I.7.Inconformada, apelou a Requerente Caixa Geral de Depósitos, S.A. requerendo que a decisão supra referida seja revogada e substituída por outra que considere a Requerida Aditioconstrói – Sociedade de Construção Civil, Ld.ª validamente citada e, consequentemente, determine a validade de todos os atos praticados a partir da apresentação do requerimento inicial, incluindo a decisão proferida em 14/02/2024.
I.8. Na resposta ao recurso, a Recorrida defendeu a confirmação do decidido.
I.9. Em 12-09-2024 (Ref.ª 9234857) foi proferido Acórdão por esta Relação de Évora que julgou a apelação procedente e revogou a decisão recorrida.
I.10. No que ora releva, foi interposto recurso de Revista pela Requerida, tendo sido prolatado Acórdão pelo STJ, em 10-12-2024 (Ref.ª 12864306), que decidiu:
«Pelo exposto, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal em julgar:
- Procedente a Revista interposta por Aditioconstrói - Sociedade de Construção Civil, LDA, revogando-se o acórdão recorrido e, ordenando, em sua substituição, a baixa dos autos, de modo a que a 1.ª instância dê cumprimento ao n.º 6 do art.º 139.ºdo CPC, por referência ao ato praticado em 03-05-2024, um dia útil após o prazo.
Ficando o conhecimento da efetiva nulidade por falta de citação, em sede de recurso de apelação, dependente da prática do ato tributário acima fixado, nos termos supra determinados.»
I.11. Devolvidos os autos à 1.ª instância, foi dado cumprimento ao ordenado, tendo a Requerida procedimento ao pagamento da multa por ter praticado o ato no primeiro dia útil seguinte após o prazo.
I.12. Os autos foram novamente remetidos ao STJ tendo, em 04-02-2025 (Ref.ª 13015171), sido proferido o seguinte despacho singular:
«Por acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 10-12-2024 foi decidido julgar:
- Procedente a Revista interposta por Aditioconstrói - Sociedade de Construção Civil, LDA, revogando-se o acórdão recorrido e, ordenando, em sua substituição, a baixa dos autos, de modo a que a 1.ª instância dê cumprimento ao n.º 6 do art.º 139.ºdo CPC, por referência ao ato praticado em 03-05-2024, um dia útil após o prazo.
Ficando o conhecimento da efetiva nulidade por falta de citação, em sede de recurso de apelação, dependente da prática do ato tributário acima fixado, nos termos supra determinados.”
Transitada a decisão e remetidos os autos à 1ª instância, veio a Mmª Juíza dar conta que se mostra “comprovado nos autos principais o pagamento ordenado”.
Assim, remeta os autos ao Tribunal da Relação de Évora para conhecimento da “efetiva nulidade por falta de citação” que havia ficado prejudicado em razão dum entendimento - quanto à oportunidade da arguição da falta de citação - que não obteve confirmação em Revista.»
I.13. Recebidos os autos nesta Relação de Évora foram os mesmos conclusos à ora Relatora, importando, agora, dar cumprimento ao decidido no Acórdão do STJ de 10-12-2024.
I.14. A Requerente motivou a Apelação apresentando para o efeito as seguintes CONCLUSÕES:
I- Vem o presente recurso interposto do douto despacho de 05/07/2024, de fls. (…) que, declarou “nula a citação da requerida Aditioconstrói – Sociedade de Construção Civil, Lda. para os termos do presente procedimento cautelar, anulando-se, em consequência, todos os actos praticados a partir da apresentação do requerimento inicial, incluindo a decisão proferida em 14-02-2024, devendo a requerida (por já estar representada em juízo por advogado) ser notificada para, em 10 (dez) dias, deduzir oposição, ao abrigo do disposto no artigo 366.º, n.º 2, do C.P.C. e 21.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho.”
II- Com o que a Requerente não se conforma.
III- Com efeito, mediante despacho de 07/07/2023 o tribunal admitiu liminarmente o presente procedimento cautelar e ordenou a citação da Requerida.
IV- Seguidamente, por despachos de 11/08/2023, 22/11/2023, 06/12/2023, 09/01/2024, 17/01/2024 e 23/01/2024, o tribunal diligenciou no sentido de assegurar a regularidade da referida citação.
V- Que culminou com o envio aos autos, pelos CTT, em 09/02/2024, do comprovativo da citação da Requerida, efectuada nos termos do disposto nos artigos 246.º n.º 4, 229.º n.º 5 e do CPC.
VI- Pelo que, o tribunal mediante decisão de 14/02/2024 considerou a Requerida regularmente citada.
VII- Não obstante, no seguimento do requerimento junto pela Requerida aos 03.05.2024, por despacho de 16/05/2024, o tribunal consignou que:
- Tomou conhecimento do auto da diligência (apreensão e entrega ao requerente do imóvel em causa nos autos à representante da Gesleilões) realizada no passado dia 05/04/2024 e documentos anexos, consignando-se que, na mesma, se encontrava presente o legal representante da requerida, AA;
- A sociedade Requerida constituiu mandatário mediante procuração forense outorgada em 15/02/2018, a qual foi junta aos autos em 22/04/2024;
- A Requerida foi regularmente notificada, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 366.º, n.º 6, e 372.º, n.º 1, do C.P.C., em 26/04/2024 (cf. artigos 247.º, n.º 1, e 248.º, n.º 2, ambos do C.P.C.).
E ordenou a notificação da Requerente para se pronunciar quanto à nulidade da citação da Requerida para os termos do procedimento cautelar invocada na sua oposição.
VIII- O que a Requerente fez através de requerimento de 16/05/2024, dado por reproduzido a 31/05/2024.
IX- E aos 05/07/2024 o tribunal conclui, afinal, pela nulidade da citação da Requerida, ordenando a sua notificação para deduzir, querendo, oposição ao requerido procedimento cautelar.
X- Ora, Subsumindo a exposta factualidade ao regime jurídico aplicável decorre que, à citação das pessoas colectivas, incluindo as sociedades, é aplicável o disposto no art. 246º do CPC. A citação deve, pois, fazer-se por correio registado com A/R (citado art. 246º, nº 2 e art. 228º do CPC) a remeter para sede da pessoa colectiva.
XI- Se esta for recebida a Ré encontra-se citada.
XII- E também se considera citada se a assinatura do A/R ou o recebimento da carta for recusado pelo legal representante ou por funcionário do citando, do que o distribuir postal deve lavrar a nota desse incidente antes de devolver a citação (art. 246º, nº 3).
XIII- Nos restantes casos de devolução do expediente, a citação deve ser repetida, enviando-se nova carta registada com A/R à citanda.
XIV- Mais, sendo as pessoas colectivas, incluindo as sociedades, citadas na morada da respectiva sede, sobre elas recai o ónus de providenciarem pela mudança atempada da mesma e do respectivo registo ou, não o fazendo, cabe-lhe o ónus de garantir que a correspondência que para a mesma seja enviada lhe seja entregue, sob pena de, não o fazendo, sobre si correr o risco daí adveniente, qual seja o de ser citada sem que, todavia, poder disso ter conhecimento.
XV- Não obstante, necessário é que tenham sido devidamente cumpridas as formalidades legais.
XVI- Ora, no caso em apreço, foram cumpridos, quer os arts. 246º, nºs 1 e 2, e 228º, nº 1, (1ª tentativa de citação), quer o nº 4 do art. 246º (citação).
XVII- O próprio gerente da Requerida, AA – cfr. certidão permanente junta aos autos, aos 19/01/2024- esteve, nessa qualidade, presente na diligência de tomada de posse do imóvel realizada aos 05/04/2024; e, não obstante, nada arguiu, quer no prazo de 10 dias quer, com se disse, aos 22/04/2024, aquando da junção da procuração.
XVIII- Acresce que, a morada constante da procuração forense junta aos autos pela Requerida a 22/04/2024 corresponde à morada onde foi citada.
XIX- Por todo o exposto, a Requerente não se conforma com o posicionamento do tribunal “a quo”.
XX- Mais, mesmo que se concluísse pela nulidade da citação da Requerida, o que apenas por cautela e deve de patrocínio se admite, entende-se que a mesma se considera sanada, nos termos do artigo 189º do CPC, quando o réu intervier no processo sem arguir logo essa falta.
Ora, não só o representante legal da requerida esteve nessa qualidade, na tomada de posse judicial do imóvel, aos 05/04/2024, como o mandatário, nesse seguimento, juntou procuração aos autos a 22/04/2024; nada tendo porém arguido.
XXI- A junção de uma procuração por advogado pressupõe o conhecimento do processo e configura uma intervenção bastante para desencadear o ónus de arguição da falta de citação.
XXII- A falta de citação pode ser arguida em qualquer altura do processo, diferentemente do que se passa com a nulidade de citação, sujeita ao prazo (não aplicável à falta de citação) previsto no art. 191º, nº2, do CPC.
XXIII- Na verdade, a junção de uma procuração aos autos pressupõe o conhecimento da existência do processo, por parte de alguém que (pelo menos, na sua perspectiva) sabe que não foi citado, tratando-se, pois, de uma intervenção capaz de desencadear o ónus de arguir (“logo”), a falta de citação, sob pena de sanação do vício.
XXIV- Recorde-se que, no caso concreto, o representante legal da Requerida estivera, nessa qualidade, na tomada de posse, judicial, do imóvel que teve lugar aos 05.09.2024.
XXV- Ora, conforme se disse a nulidade por falta de citação e a nulidade a que se refere o artigo 191.º, n.º 1 do CPC tem-se por sanada aquando da intervenção nos autos, caso a mesma não seja invocada.
XXVI- Sem conceder, mesmo admitindo-se por mera hipótese académica que à Requerida não se impusesse arguir logo a falta de citação, devendo beneficiar de prazo para o efeito, tal prazo não poderia ir além dos 10 dias (prazo geral/artigo 149.º, n.º 1, do CPC), após o que preclude tal direito e o acto fica sanado.
XXVII- Nos autos, a Requerida arguiu a nulidade apenas no 11.º dia subsequente. Com efeito, juntou procuração forense aos 22/04/2024 e aos 03/05/2024 arguiu a nulidade da citação.
XXVIII- Ademais, insiste-se, o próprio gerente da Requerida, AA – cfr. certidão permanente junta aos autos, aos 19/01/2024- esteve, nessa qualidade, presente na diligência de tomada de posse do imóvel realizada aos 05/04/2024; e, não obstante, nada arguiu, quer no prazo de 10 dias quer, com se disse, aos 22/04/2024, aquando da junção da procuração.
XXIX- Analisando a descrita factualidade ao regime jurídico aplicável (cfr. o supra exposto), improcede a determinação do tribunal “a quo”.
XXX- A não ser assim, estar-se-ia a legitimar (injustificada e ilicitamente) a conduta da Requerida de obviar-se, querendo, e ad aeternum, a qualquer notificação e/ou citação – aliás, veja-se a sua conduta nos autos: mesmo sabendo da sua pendência, a devolução das cartas de notificação continuam a ser uma realidade sistemática e reiterada; o que denota um posicionamento processual, no mínimo, irresponsável.
XXXI- Termos em que cumpre revogar o despacho em crise e substituí-lo por outro que considere a Requerida validamente citada e, consequentemente, determine a validade de todos os actos praticados a partir da apresentação do requerimento inicial, incluindo a decisão proferida em 14/02/2024.
I. 15. Na resposta ao recurso, a Recorrida defendeu a confirmação da decisão recorrida formulando as seguintes CONCLUSÕES:
a) A sociedade tem sede na ....
b) A sociedade não recebeu qualquer missiva no âmbito dos presentes autos na morada supra identificada.
c) Nem tão pouco foi citada na pessoa do seu gerente.
d) O Tribunal foi bastante claro na sua decisão, tendo fundamentado a mesma correctamente:
“(...) É, pois, forçoso concluir que, no caso dos autos, não só a requerida nunca chegou a ter conhecimento do acto de citação (tendo o expediente sido devolvido ao Tribunal intacto e inviolado) e que tal circunstância não lhe é imputável (sendo-o, ao invés, à desconformidade da actuação dos serviços postais com as normas legais aplicáveis), redundado numa verdadeira falta de citação, como foram manifestamente preteridas formalidades prescritas na lei para a sua realização, sendo evidente que tal preterição afectou a defesa da requerida, na medida em que não teve a oportunidade de deduzir oposição ao procedimento cautelar e os factos alegados pela requerente foram considerados confessados por despacho de 14-02-2024, impondo-se, em consequência, declarar a nulidade da sua citação.
Como é consabido, a falta de citação tratada no artigo 188.º do C.P.C. configura uma nulidade absoluta, de conhecimento oficioso e determina a anulação de todo o processado após a petição inicial, conforme decorre expressamente das disposições conjugadas dos artigos 187.º, al. a) e 196.º do C.P.C. (...)”
e) Resulta claro dos autos que a Requerida não foi citada por via postal.....
f) Porquanto, sem mais delongas, deverá ser mantida a decisão proferida.
II- FUNDAMENTAÇÃO
A. Objeto do Recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC).
No caso, atento ao já decidido pelo STJ quanto à tempestividade da arguição da falta de citação da Requerida, a única questão que resta conhecer é se efetivamente ocorreu a falta/nulidade da citação.
B- De Facto
Os factos e ocorrências relevantes para a apreciação do objeto do recurso constam do antecedente Relatório.
Especificando-se, agora, mais detalhadamente a tramitação processual relevante para o conhecimento do objeto do recurso:
1. Em 10-07-2023 foi expedida carta registada com A/R para citação da ADITIOCONSTRÓI - SOCIEDADE DE CONSTRUÇÃO CIVIL, LDA, Rua de ..., n.º 14-E, Fontainhas, Zona Industrial, ....
2. A mesma veio devolvida com data de 12/07/2023 e com a indicação «Sem RPD».
3. Em 21-07-2023, a secretaria acedeu à base de dados respetiva, tendo-se confirmado que a requerida tinha sede social na Urbanização ..., Lote 60, Carvalhal, ... (Ref.ª Citius 32769018).
4. Por despacho proferido em 01-09-2023, foi determinado que se providenciasse pela citação da requerida na morada constante do ficheiro central do Registo Nacional de Pessoas Coletivas (Urbanização ..., Lote 60, Carvalhal, ...), dando integral cumprimento ao disposto no artigo 246.º do C.P.C. (Ref.ª Citius 32807921).
5. Em 04-09-2023, foi elaborada e expedida carta de citação da Requerida, para a morada da sua sede social, sob o objeto postal RE940320550PT, nos seguintes termos:
«(…) Assunto: Citação por carta registada com AR Nos termos do disposto no art.º 228.º do Código de Processo Civil, fica V. Ex.ª citada para, no prazo de 10 dias, querendo, deduzir oposição à providência acima identificada, oferecendo logo as respectivas provas, com a advertência de que a falta de oposição importa a confissão dos factos articulados pela requerente.
Ao prazo de defesa acresce uma dilação de: 5 dias.
A dilação aplicável, individualmente considerada ou o somatório delas, nunca pode ser superior a 10 dias (nº 3 do Art.º 366.º do CPC).
A citação considera-se efectuada no dia da assinatura do AR.
O prazo é contínuo, não se suspendendo durante as férias judiciais.
Terminando o prazo em dia que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte.
Fica advertida de que sim é obrigatória a constituição de mandatário judicial.
Juntam-se, para o efeito, um duplicado da petição inicial e as cópias dos documentos que se encontram nos autos. (…)» (Ref.ª Citius 32812300).
6. O referido expediente veio devolvido com a menção «Objecto não
reclamado» (Ref.ª Citius 2372087).
7. Em 21-09-2023, foi repetida a elaboração e expedição de carta de citação da Requerida, para a morada da sua sede social, sob o objeto postal RE647322821PT, nos seguintes termos:
«(…) Assunto: - Citação Pessoas Coletivas - art.º 246.º do CPC
Nos termos do disposto no art.º 228.º do Código de Processo Civil, fica V. Ex.ª citada para, no prazo de 10 dias, querendo, deduzir oposição à providência acima identificada e ao pedido de inversão de contencioso, se requerido, oferecendo logo as respectivas provas, com a advertência de que a falta de oposição importa a confissão dos factos articulados pela requerente.
A citação considera-se efetuada:
1. No dia de assinatura do aviso de receção;
2. Se a carta tiver sido depositada na sua caixa postal, no dia do depósito;
Ou, se não for possível o depósito na caixa do correio, sendo deixado aviso para levantamento no estabelecimento postal devidamente identificado, nos termos previstos no nº 5 do Art.º 228.º do CPC, o citando a não for levantar, no 8º dia posterior à data constante do aviso.
Ao prazo de defesa acresce uma dilação de:
a) 5 dias, (no caso de o processo correr em comarca diferente daquela onde foi efetuada a citação);
ou:
b) 10 dias, nos casos previstos no número 2 (a dilação aplicável, individualmente considerada ou o somatório delas, nunca pode ser superior a 10 dias (nº 3 do Art.º 366.º do CPC).
O prazo é contínuo, não se suspendendo durante as férias judiciais. Terminando o prazo em dia que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte.
Fica advertido de que é obrigatória a constituição de mandatário judicial.
Juntam-se, para o efeito, um duplicado da petição inicial e as cópias dos documentos que se encontram nos autos. (…)» (Ref.ª Citius 32853341).
8. Os referidos expedientes e correspondentes avisos de receção vieram devolvidos, respetivamente em 28-09-2023 e 27-09-2023, sem qualquer menção (Ref.ªs Citius 2377526, 2378500 e 32879893).
9. Entretanto, em 25-01-2024, os serviços dos CTT vieram informar aos autos, no que respeita ao objeto postal RE647322821PT, nos seguintes termos:
«(…) Após as devidas averiguações, o centro de distribuição de distribuição de destino esclarece que o destinatário Aditioconstroi - Sociedade de Construção Civil, Lda /Urbanização ..., lote 69 - Carvalhal/ ... situa-se numa urbanização que é condomínio privado, sem receptáculos postais individuais por fracção, sendo todo o correio entregue na portaria/recepção.
A Citação Via Postal - 2ª Tentativa RE647322821PT foi entregue na portaria no dia 25-09-2023, contudo, ficou indevidamente registado como depositado em Receptáculo Postal, quando deveria ter sido registado como entregue a terceiros, com os dados do receptor.
Os responsáveis locais acrescentam o registo RE647322821PT foi mais tarde devolvido pela portaria/recepção ao carteiro informando que o destinatário é desconhecido na urbanização. (…)» (Ref.ªs Citius 2461097 e 2461347).
10. Em 09-02-2024, foi junto aos autos o aviso de receção relativo ao objeto postal RE647322821PT, no qual o distribuidor do serviço postal declarou que, no dia 25-09-2023, pelas 13h00, na impossibilidade de entrega, depositou o expediente na Portaria/Recepção da Urbanização ... (Ref.ª Citius 2472953).
C. De Direito
A Apelante não se conforma com a decisão recorrida por entender que na citação da Apelada foram cumpridas as formalidades legais previstas nos artigos 246.º, n.º 1 e 2, e 228.º, n.º 1 (1.ª tentativa de citação), quer o n.º 4 do artigo 246.º, do CPC.
Ademais, o gerente da Requerida esteve, nessa qualidade, na diligência de tomada de posse do imóvel realizada no dia 05-02-2024 e nada arguiu, e, finalmente, a morada constante da procuração forense junta aos autos pela Requerida corresponde à morada onde foi citada.
Como resulta da decisão recorrida, o tribunal a quo decretou a nulidade da citação da Requerida e anulou todo o processado a partir da apresentação do requerimento inicial, incluindo o despacho proferido em 14-02-2024, lendo-se na respetiva fundamentação:
«(…) em face da informação prestadas pelos serviços dos CTT em 25-01-2024, logo se constata que o expediente relativo à 2.ª carta de citação dirigida à requerida não foi entregue nem ao seu legal representante, nem a seu funcionário (sendo certo que o responsável pela portaria/recepção de uma urbanização não pode ser assim qualificado), tendo sido devolvido, intacto e inviolado, ao remetente (Tribunal), a isto acrescendo que o alegado responsável pela portaria/recepção da Urbanização ... nem sequer foi devidamente identificado ou advertido do dever de pronta entrega ao citando, conforme resulta expressamente do disposto no artigo 228.º, n.os 3 e 4, do C.P.C..
Mais se constata que o referido expediente também não foi depositado, não tendo sido observadas as formalidades previstas no artigo 229.º, n.º 5, do C.P.C. (aplicável ex vi artigo 246.º, n.º 4, do C.P.C.), ou seja, o distribuidor do serviço postal não depositou a carta de citação, não certificou a data e local exacto em que depositou o expediente, não remeteu qualquer certidão ao tribunal, nem deixou qualquer aviso, nos termos do disposto no artigo 228.º, n.º 5, do C.P.C..
Aliás, todo o processado evidencia as inúmeras irregularidades cometidas pelos serviços postais no que respeita ao cumprimento das normas aplicáveis à citação postal de pessoas colectivas.
É, pois, forçoso concluir que, no caso dos autos, não só a requerida nunca chegou a ter conhecimento do acto de citação (tendo o expediente sido devolvido ao Tribunal intacto e inviolado) e que tal circunstância não lhe é imputável (sendo-o, ao invés, à desconformidade da actuação dos serviços postais com as normas legais aplicáveis), redundado numa verdadeira falta de citação, como foram manifestamente preteridas formalidades prescritas na lei para a sua realização, sendo evidente que tal preterição afectou a defesa da requerida, na medida em que não teve a oportunidade de deduzir oposição ao procedimento cautelar e os factos alegados pela requerente foram considerados confessados por despacho de 14-02-2024, impondo-se, em consequência, declarar a nulidade da sua citação.»
No dizer do Acórdão do STJ proferido nestes autos, e supra referido, «No caso dos autos, estamos perante um caso de alegada falta de citação, geradora de nulidade nos termos do art. 195 nº 1 do CPC, porquanto a Recorrente alega ter ocorrido falta de citação pessoal uma vez que não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe fora imputável.»
Na apreciação da questão decidenda, importa começar por referir que o direito de defesa consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) é um direito fundamental para a obtenção de um processo justo e equitativo, a interpretar e integrar em harmonia com o artigo 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem (artigo 16.º, n.º 2, da CRP), a par de outros princípios constitucionais, como sejam, o princípio da confiança, o princípio da proporcionalidade, o princípio da igualdade e o princípio do contraditório (cfr. artigos 2.º, 12.º, 13.º, 18.º, n.º 2, 19.º, n.º 1, 266.º, n.º 2, da CRP).
As normas referentes à citação de quem é demandado em sede judicial são absolutamente essenciais para assegurar aqueles princípios constitucionais, considerando, desde logo, que a citação é o ato pelo qual se chama o réu a juízo, dando-lhe conhecimento da ação e a possibilidade de deduzir a sua defesa, ao qual estão ainda ligados outros efeitos processuais e materiais relevantes, v.g., a situação de revelia, a estabilidade a instância e a interrupção da prescrição (artigos 219.º, n.º1, 259.º, n.º 2, 260.º do CPC e artigo 323.º do Código Civil).
A lei distingue entre falta de citação e nulidade da citação.
O artigo 188.º do CPC enuncia as situações de falta de citação caso ocorram as situações elencadas no seu n.º 1, alíneas a) a e), isto é, seja qual for o motivo dos previstos nestas alíneas, que vão desde a omissão completa do ato como previsto na alínea a), até às situações que, pela sua gravidade, lhe são equiparadas, e que se encontram previstas nas restantes alíneas do normativo.
O seu regime de arguição segue o disposto nas regras gerais sobre nulidades dos atos previstas nos artigos 195.º, 199.º e 200.º, n.º 3, do CPC.
Por sua vez, ocorre nulidade de citação nos termos previstos no artigo 191.º, n.º 1 e 2, do CPC, o que se verifica quando «não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei.»
Esta nulidade é arguida no prazo do n.º 2 do mesmo preceito, ou seja, «O prazo para a arguição da nulidade é o que tiver sido indicado para a contestação; sendo, porém, a citação edital, ou não tendo sido indicado prazo para a defesa, a nulidade pode ser arguida quando da primeira intervenção do citado no processo.»
Todavia, a nulidade «só é atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado.» (n.º 4 do artigo 191.º do CPC).
Em relação às pessoas coletivas, o legislador na concretização dos referidos princípios constitucionais e no que concerne a citação, regulou a matéria no artigo 246.º do CPC, estipulando o mesmo do seguinte modo:
«1 — Em tudo o que não estiver especialmente regulado na presente subsecção, à citação de pessoas coletivas aplica-se o disposto nas subsecções anteriores, com as necessárias adaptações.
2 — A carta referida no n.º 1 do artigo 228.º é endereçada para a sede da citanda inscrita no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas.
3 — Se for recusada a assinatura do aviso de receção ou o recebimento da carta por representante legal ou funcionário da citanda, o distribuidor postal lavra nota do incidente antes de a devolver e a citação considera-se efetuada face à certificação da ocorrência.
4 — Nos restantes casos de devolução do expediente, é repetida a citação, enviando-se nova carta registada com aviso de receção à citanda e advertindo-a da cominação constante do n.º 2 do artigo 230.º, observando-se o disposto no n.º 5 do artigo 229.º.
5 — O disposto nos n.ºs 3 e 4 não se aplica às citandas cuja inscrição no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas não seja obrigatória.
6 — Quando a citação for efetuada por via eletrónica, nos termos do n.º 5 do artigo 219.º, não é aplicável a dilação a que se refere o artigo anterior.»
Como decorre do preceito e da remissão que é feita pelo n.º 1 do artigo 246.º do CPC, o legislador elegeu como modalidade legal de citação das pessoas coletivas, a citação pessoal por via postal com aviso de receção, nos termos referidos no artigo 228.º do CPC, mas sujeita às especificidades que menciona.
Desde logo, e como prescrito no n.º 2 do artigo 246.º do CPC, a citação deve operar-se na sede estatutária da citada inscrita no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas, o que se aplica sempre que tal registo seja obrigatório, como sucede com as sociedades comerciais como é o caso da Requerida (cfr., v.g., artigos 1.º, 2.º, 4.º, n.º 1, al. a), 10.º, n.º 1, 1, al. b), 11.º e 13.º do Decreto-Lei n.º 129/98, de 13-05, e alterações subsequentes).
Frustrada tal citação, por motivo diferenciado do previsto no n.º 3 do artigo 246.º do CPC (ou seja, fora da situações de recusa de assinatura do aviso de receção ou recebimento da carta por representante legal ou funcionário da citanda), como sucedeu no caso em apreciação em que a carta de citação veio devolvida com a menção «Sem RDP», prescreve o n.º 3 do artigo 246.º do CPC, que «é repetida a citação, enviando-se nova carta registada com aviso de receção à citanda e advertindo-a da cominação constante do n.º 2 do artigo 230.º, observando-se o disposto no n.º 5 do artigo 229.º»
Ou seja, como refere Rui Pinto1, «(i) a citação considera-se efectuada por depósito na caixa do correio na data certificada pelo distribuidor do serviço postal devendo o distribuidor do serviço postal certificar a data e o local exato em que depositou o expediente e remeter de imediato a certidão ao tribunal; ou (ii) no caso de ter sido deixado aviso por impossibilidade de depósito ao abrigo do artigo 229º nº 5 in fine a citação considera-se efectuada no 8º dia posterior a essa data, presumindo-se que o destinatário teve oportuno conhecimento dos elementos que lhe foram deixados – a carta, de modelo oficial, contendo cópia de todos os elementos referidos no artigo 227º».
Ora, no caso em apreço, apesar de, em 21-09-2023, ter sido efetuada a repetição da citação para a sede social (estatutária) da Requerida (objeto postal RE647322821PT) nos termos previstos no n.º 2 do citado artigo 246.º do CPC, veio o aviso de receção devolvido, sem qualquer menção, tendo os CTT prestado a informação que consta do ponto 9 dos factos supra elencados, onde se lê que «ficou indevidamente registado como depositado em Receptáculo Postal, quando deveria ter sido registado como entregue a terceiros, com os dados do receptor.
Os responsáveis locais acrescentam o registo RE647322821PT foi mais tarde devolvido pela portaria/recepção ao carteiro informando que o destinatário é desconhecido na urbanização.»
A que acresce que também ficou apurado, consta também do ponto 10 dos factos supra elencados, que «Em 09-02-2024, foi junto aos autos o aviso de receção relativo ao objeto postal RE647322821PT, no qual o distribuidor do serviço postal declarou que, no dia 25-09-2023, pelas 13h00, na impossibilidade de entrega, depositou o expediente na Portaria/Recepção da Urbanização ....»
Ora, esta factualidade evidencia, como bem refere a decisão recorrida, que a carta de citação não foi entregue, nem chegou ao conhecimento do legal representante da Requerida, nem a qualquer funcionário da mesma.
Acrescendo que tão pouco foi dado cumprimento ao disposto ao disposto no n.º 5 do artigo 229.º ex vi da parte final do n.º 4 do artigo 246.º do CPC, pois a carta não foi depositada na caixa do correio (a portaria/receção de uma urbanização não é propriamente uma caixa de correio, nem a pessoa que ali trabalha, legal representante ou funcionário da citanda), não foi certificada pelo distribuidor do serviço postal, com a menção da data e local exato onde deixou o expediente, nem nada foi devolvido e/ou informado ao tribunal; e nem, na impossibilidade do distribuidor do serviço postal cumprir nesses termos a citação, foi deixado aviso nos termos do n.º 5 do artigo 228.º do CPC, ou seja, não foi deixado «aviso ao destinatário, identificando-se o tribunal de onde provém e o processo a que respeita, averbando-se os motivos da impossibilidade de entrega e permanecendo a carta durante oito dias à sua disposição em estabelecimento postal devidamente identificado.»
A omissão destas formalidades essenciais à realização da citação via postal, impedem que a citação se tenha como validamente efetuada, não se podendo sequer presumir que a citanda teve oportuno conhecimento dos elementos remetidos com a carta de citação, pois, como refere a decisão recorrida, o expediente relativo à 2.ª carta de citação foi devolvido ao tribunal «intacto e inviolado».
Todo este procedimento não pode ser imputável à citanda, pois como é bom de ver, a preterição das formalidades legais essenciais ao ato de citação apenas podem ser imputadas aos serviços de correios que agiram em total desconformidade com as normas legais que foram referidas e não à Requerida.
Que, desse modo, viu preterido o direito de exercer a sua defesa deduzindo oposição ao procedimento cautelar e aos factos alegados pela Requerente, tanto assim, que os factos alegados pela mesma foram considerados confessados.
O que ocorreu antes do ato de entrega do imóvel.
A presença do legal representante nesse ato não precludiu o direito da Requerida arguir a nulidade da sua citação, pois como decidido pelo STJ no Acórdão prolatado nestes autos, «Tendo a procuração sido junta em 22-04-2024 tinha a Requerida que arguir a falta de citação até 02-05-2024 (10.º dia)», «Tendo-o feito apenas em 03-05-2024», a tempestividade da arguição dependia do pagamento da multa prevista no artigo 139.º, n.º 5, do CPC, o que veio a suceder.
Por outro lado, também é irrelevante para efeitos de aferir da regularidade da citação da Requerida qual a morada que consta da procuração forense junta aos autos, porquanto a lei para esse efeito, e como prescreve o n.º 2, do artigo 246.º do CPC, apenas dá apenas relevância à morada da sede estatutária que consta do Registo Nacional das Pessoas Coletivas. E, no caso, embora as moradas coincidem, o certo é que a preterição das formalidades essenciais à citação não se prende com o envio da 2.ª carta de citação para morada diferente da sede estatutária (o que, efetivamente, não sucedeu), mas a todo o procedimento relacionado com a entrega da carta de citação por parte dos serviços postais como supra referido.
Nestes termos, e como decidido pelo tribunal a quo, seja por via da falta de citação ou de nulidade da mesma, existe fundamento para a anulação de todo o processado posterior à apresentação do requerimento inicial, nos termos dos artigos 187.º, alínea a), 188.º, n.º 1, alínea e), 191.º, n.º 1, e 195.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
Em face de todo o exposto, impõe-se a improcedência da apelação e a consequente confirmação da decisão recorrida.
Dado o decaimento, as custas ficam a cargo da Apelante (artigo 527.º do CPC), sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela tabela referida no n.º 2 do artigo 6.º do RCP.
III- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas nos termos sobreditos.
Évora, 27-02-2025
Maria Adelaide Domingos (Relatora)
Ana Pessoa (1.ª Adjunta)
Manuel Bargado (2.º Adjunto)
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1. Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina 2018, p. 380 (3.III).↩︎