Sumário do Acórdão
(da exclusiva responsabilidade do relator – artigo 663º, nº 7, do CPC)
1-O despacho proferido num divórcio, instaurado em juízo sem consentimento do outro cônjuge e convertido na audiência de julgamento em divórcio por mútuo consentimento, posteriormente à prolação da sentença que decretou o divórcio e homologou os acordos apresentados exigidos para tal decretamento pela via do mútuo consentimento, que deferiu uma rectificação à relação de bens comuns do casal apresentada com o requerimento conjunto de conversão do divórcio, produz caso julgado formal, tendo, como tal, força obrigatória apenas dentro do processo de divórcio.
2-Com efeito e não obstante o processo de inventário instaurado com vista à partilha de bens comuns do extinto casal, consequente a divórcio decretado judicialmente, dever tramitar por apenso a tal divórcio, constituindo dependência do mesmo, certo é que se trata de um processo especial dotado de regulamentação específica e perfeitamente autónoma e não de um incidente de instância à semelhança do incidente de habilitação de sucessores, ou de intervenção de terceiro, pelo que não é de considerar, para efeitos da previsão constante do artigo 620.º do CPC, que um despacho exarado no inventário sobre o teor da relação de bens apresentada que esteja em contradição com outro anteriormente proferido na acção de divórcio tenha sido prolatado “dentro do processo”.
Tribunal Judicial da Comarca de ... – Juízo de Família e de Menores de ... – Juízo 1
Apelante: AA
Apelado: BB
***
Acordam os Juízes da 1 ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora no seguinte:
I – RELATÓRIO
No âmbito do processo especial de inventário instaurado em consequência de divórcio, de que foi extraído o presente recurso de apelação autónoma, foi proferido em 29/04/2024 pelo Tribunal a quo o seguinte despacho:
“[…]
No que respeita à verba XII veio a Interessada pugnar pela não inclusão da mesma na Relação de Bens, considerando que a mesma foi retirada da Relação de Bens apresentada no Divórcio por mútuo consentimento.
Ora, é nosso entendimento não assistir razão à Interessada, pois acompanhamos a jurisprudência que entende que a Relação de Bens apresentada no Divórcio é meramente
indicativa, não vinculando as partes, bem assim a Relação de bens apresentada no processo de Inventário, pois a sentença que decretou o divórcio por mútuo consentimento
não constitui caso julgado, relativamente à questão dos bens comuns do casal, ou à declarada falta deles, pois nada decidiu quanto a estes (vide Ac. TRC de 15.01.2019 relator Fonte Ramos e Ac. TRP de 28.10.2021, relator Manuel, Domingos Fernandes).
A Relação de Bens no divórcio é apenas uma condição de prosseguimento dos autos e não obstaculiza que em sede de inventário sejam relacionados outros bens, desde que sejam bens comuns do casal, tem sido entendimento da jurisprudência que a homologação dos acordos apresentados em sede de divórcio não é extensível à Relação de bens, e a mesma não faz caso julgado.
Nestes termos, deverá a verba XII constar da Relação de Bens.
Notifique.
*
Na sequência do despacho proferido na ata de 20.12.2023 e relativamente às verbas I a VI e XII determino a realização de perícia colegial de natureza contabilística a realizar pelos seguintes peritos:
- Perito designado pelo Tribunal – Sr. Dr. CC;
- Perito designado pelo Cabeça de casal – Sr. Dr. DD,
- Perito designado pela Interessada – Sr. Dr. EE
Mourinho.
Assim e antes de mais, notifique as partes para virem aos autos em 10 dias indicar os quesitos que pretendem ver respondidos de modo a habilitar o tribunal a fixar o objeto da
perícia.
Notifique.”
*
Inconformada com o decidido, veio a Requerida do inventário interpor recurso de apelação autónoma para este Tribunal da Relação de Évora, alinhando as seguintes conclusões:
“CONCLUSÕES
I. DO OBJETO DO RECURSO
A. No dia 29.04.2024 o Tribunal proferiu Despacho no sentido de manter a Verba XII na Relação de Bens (“Despacho Recorrido”) rejeitando os argumentos apresentados pela Recorrente na sua Oposição apresentada em 08.09.2023, no requerimento de 02.11.2023, na acta da audiência prévia e em requerimento posteriormente apresentado em 15.01.2024.
II. DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO / EFEITO E REGIME DE SUBIDA
B. O presente recurso é admissível (artigos 1123.º n.º 1 e 2 b), 629.º, n.º 1, 637.º. 638.º, n.º 1 do CPC) - é a apelação da decisão interlocutória que decide, de mérito, quanto à reclamação apresentada quanto a uma das verbas da relação de bens junta aos autos pelo cabeça de casal (a verba XII), na fase de saneamento do processo.
C. O Recurso tem efeito devolutivo nos termos do art.º 647.º n.º 1 por não se aplicar o n.º 3 do art.º 1123.º e sobe em separado nos termos do 645.º n.º 2, aplicável ex vi do art.º 1123.º n.º 1, todos do CPC.
III. OS FUNDAMENTOS DO RECURSO
D. No início do processo de Inventário BB (Requerente ora Recorrido), na qualidade de cabeça de casal indicou que o casamento foi dissolvido, por decisão judicial em 23 de Fevereiro de 2022 (artigo 2.º do requerimento inicial).
E. Foram indicados nessa altura como bens comuns do casal, a lista que consta da Ata de audiência e discussão e julgamento (art.ºs 3.º e seguintes do requerimento inicial de Inventário) e que não incluía a verba XII do passivo.
F. Porém, na relação de bens apresentada pelo Recorrido no Inventário, o mesmo indicou que a
verba XII constava do passivo.
G. A Recorrente discordou da inclusão da referida Verba na sua Oposição reclamando quanto à Relação de Bens (Capítulo II) invocando dois motivos distintos: (i) a mesma havia sido eliminada nos termos do despacho com a referência 123497980 datado de 8 de Março de 2022 e, por mera cautela (ii) a Requerida ora Recorrente não aceitava essa inclusão.
H. A Recorrente referiu: “o documento de suporte da mesma que o Requerente apresenta é o documento n.º 9 (sem data) que consubstancia um alegado “balanço individual em 28 de Fevereiro de 2022”, escassos cinco dias depois da diligência judicial a que se fez referência” (art.º 17.º da Oposição e também art.ºs 18.º e 19.º).
I. Como pedido final referiu “deverá notificar-se a (i) contabilista certificada para prestar declarações sobre o documento n.º 9 e (ii) o Requerente para juntar os documentos relativos ao empréstimo e para informar detalhadamente as razões que levaram à necessidade e valor referidos, o destino detalhado que o referido valor teve e o valor atualizado do mesmo” (art.º 20.º). O pedido foi repetido na parte final da sua Oposição.
J. Através do requerimento datado de 02.11.2023 e após ser notificada28 do requerimento apresentado pelo Recorrido (n.º 2 do artigo 1105.º CPC) veio a Recorrente reiterar que, por razões processuais e substanciais a verba XII não deveria ser incluída no passivo.
K. Para o efeito juntou o requerimento efetuado pela Recorrente após a audiência de discussão e julgamento do processo de divórcio e o despacho que sobre o mesmo recaiu datado de 08.03.2022 (Referência Citius 123497980).
L. Realizada a audiência prévia em 18 de Dezembro de 2023, a Recorrente foi notificada (referência Citius 130699820) do aditamento à relação de bens (da verba XIII/13) sendo que na referida notificação se anexava a relação de bens aditada que incluía a verba XII
M. Em requerimento de 15 de Janeiro de 2024 (referência Citius 12067123) a Recorrente requereu a retificação da Relação de Bens e da ata da audiência prévia. Tal requerimento deu origem ao Despacho Recorrido.
ORA,
N. No processo de divórcio que se iniciou, as partes foram notificadas para uma diligência que se realizou no dia 23 de Fevereiro de 2022. Após a notificação do texto da referida ata, o então mandatário da Recorrente apresentou um requerimento de onde resulta que a Verba XII havia sido comunicada por lapso.
O. O despacho de retificação proferido (datado de 08.03.2022) não deixa margem para dúvidas:
“Considerando a posição de ambas as partes e por estarem de acordo, corrija a relação de bens em conformidade com o requerido, fazendo menção ao presente despacho que fará parte integrando daquela ata”. A retificação foi ordenada sendo que o Requerente não se opôs, não reclamou e nem recorreu.
P. Apesar de tudo o Requerente voltou a incluir a referida verba no requerimento de inventário:
(i) na transcrição constante do art.º 12.º e (ii) no documento 13 que sob o título “relação especificada e bens comuns”.
1. O Despacho Recorrido deve ser revogado
Q. O posicionamento das partes nos presentes autos é distinto das situações típicas em que ocorrem divergências no âmbito dos processos de inventário.
R. Não existe, nas situações abordadas na jurisprudência, uma situação em que a exclusão da verba seja requerida pelas partes, em que o tribunal se pronuncie expressamente sobre a respetiva exclusão, tomando posição sobre a mesma.
S. Está em causa um dever de boa-fé processual (art.º 8.º CPC) ou, se necessário, um verdadeiro
abuso de direito (art.º 334.º do Código Civil), na modalidade de venire contra factum proprium.
T. A proibição do venire contra factum proprium corresponde à parte do artigo 334° que considera
ilegítimo o exercício de um direito "quando o seu titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé".
U. Não se olvida, a este propósito, o entendimento expresso no Despacho Recorrido que se revela
pacífico na doutrina e na jurisprudência dos tribunais superiores, que vêm afirmando que a junção da relação de bens em ação de divórcio por mútuo consentimento constitui mera condição de prosseguimento da causa. e que o caso julgado da sentença que decreta o divórcio por mútuo consentimento, não tem quaisquer reflexos sobre a titularidade dos bens aí relacionados, nada obstando a que no futuro inventário para separação de meações (ou em acção de processo comum) se possa questionar a existência de outros bens não incluídos, bem como a natureza, comum ou própria, daqueles que constam da relação.
V. O caso dos autos é diverso dos Acórdãos que foram considerados no Despacho Recorrido: existe uma expressa indicação de bens (lista com Ativo e Passivo), existiu a inclusão feita pelo tribunal de uma verba específica numa diligência que ocorreu e um requerimento posterior apresentado por uma das partes (o mandatário da Recorrente) com a indicação que a inclusão dessa verba era um “lapso” e a indicar a anuência do Requerente/Recorrido em relação à existência desse “lapso”.
W. Um despacho judicial posterior à diligência que, reconhecendo a anuência das partes retira, de forma expressa, a verba do passivo, pronunciando-se expressamente sobre essa exclusão, baseando-se na vontade das partes. Posteriormente o Requerente ora Recorrido muda de ideias e ao arrepio da anuência que entendeu dar e ao arrepio do despacho proferido, integra essa verba no processo de inventário, como fazendo parte, afinal, da lista de bens.
X. Assim, o Despacho Recorrido deve ser revogado e substituído por outro que não admita a inclusão da Verba XII, por ter sido essa a vontade das partes, por ter sido essa a vontade do Recorrido, cabeça de casal dos autos e por ter sido proferido um despacho que, pronunciando-se sobre o pedido das partes retirou a verba da lista de bens.
Caso assim não se entenda, o que por mera cautela de patrocínio se pondera mas não se concede, sempre se dirá o seguinte:
IV. DA NULIDADE DO DESPACHO RECORRIDO
Y. O Despacho Recorrido é nulo, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC.
Z. No caso concreto o Despacho Recorrido respondeu apenas à questão de saber se a decisão da inclusão da Relação de Bens no processo de divórcio tinha, ou não transitado em julgado.
AA. Mas nada disse sobre a prova requerida pela ora Recorrente. Assim, referiu a Recorrente na Oposição “o documento de suporte da mesma que o Requerente apresenta é o documento n.º 9 (sem data) que consubstancia um alegado “balanço individual em 28 de Fevereiro de 2022”, escassos cinco dias depois da diligência judicial a que se fez referência” (art.º 17.º da Oposição).
BB. Como argumento “Caso assim não se entenda, o que não se concede, deverá notificar-se a (i)
contabilista certificada para prestar declarações sobre o documento n.º 9 e (ii) o Requerente para juntar os documentos relativos ao empréstimo e para informar detalhadamente as razões que levaram à necessidade e valor referidos, o destino detalhado que o referido valor teve e o valor atualizado do mesmo” (art.º 20.º).
CC. No final da sua Oposição, a Recorrente solicitou o seguinte: “Caso se entenda que a verba XII deve ser incluída, deverá (i) notificar-se a contabilista certificada (devendo o Requerente fornecer identificação e morada completa) para prestar declarações sobre o documento n.º 9 junto com o requerimento inicial e (ii) deverá notificar- se o Requerente (art.º 429.º CPC) para juntar os documentos relativos ao empréstimo e para informar detalhadamente as razões que levaram à necessidade e valor referidos, o destino detalhado que o referido valor teve e o valor atualizado do mesmo”. O pedido foi reiterado em requerimento de 15 de Janeiro de 2024 (referência Citius 12067123)
DD. A não apreciação da questão colocada pela Apelante ao tribunal a quo consubstancia uma situação de omissão de pronúncia.
EE. Assim nem se pode concluir que a decisão sobre tais questões tenha ficado prejudicada, sendo esta uma das situações expressamente previstas para a não tomada de decisão sobre as questões colocadas para apreciação.
Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá:
a) Deve o Despacho Recorrido ser revogado e substituído por outro que não admita a inclusão da Verba XII na Relação de Bens com todas as consequências legais.
b) Caso assim não se entenda, deve o Despacho Recorrido ser declarado nulo, na parte em que não se pronuncia sobre o pedido de prova formulado pela Recorrente, nos termos do 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC.”
*
O Requerente do inventário e cabeça-de-casal respondeu ao recurso findando a resposta com as seguintes conclusões:
“CONCLUSÕES
1) Entendeu a Interessada e Apelante, interpor recurso do douto Despacho que foi proferido nos presentes autos, pelo Tribunal da Comarca de ..., juízo de Família e Menores, considerando que o mesmo não fez uma correta aplicação do direito, nomeadamente porque tal despacho é proferido no âmbito da reclamação efetuada pela Interessada à relação de bens apresentada pelo Cabeça de Casal, em que que alegou: i) que a mesma havia sido eliminada nos termos do despacho com a referência 123497980 datado de 08 de Março de 2022, e por mera cautela ii) a Apelante não aceitava tal inclusão.
2) Salvo o devido respeito pela opinião contrária, entende o Cabeça de casal que o douto despacho recorrido procedeu a uma correta aplicação das normas jurídicas, com base nas quais resolveu o presente caso concreto, não merecendo assim, na opinião do ora Apelado, qualquer censura.
3) Em primeiro lugar há que realçar que os presentes autos são um apenso dos autos de divórcio sem consentimento do outro cônjuge apresentado pelo ora Apelado, e que foi convolado em divórcio por mútuo consentimento, na audiência de julgamento realizada em 23 de Fevereiro de 2022, na qual foi junta aos autos uma relação de bens.
4) A relação de bens no processo de divórcio por mútuo consentimento funciona como um pressuposto processual para apreciação do requerimento de divórcio, não fazendo parte dos interesses a que o tribunal tem de atender, com vista a viabilizar ou não o divórcio.
5) A confissão judicial expressa na relação de bens apenas vincula as partes no processo em causa, nos termos do artigo 355.º n.º 1 e 3 primeira parte do Código Civil, e não pode valer como documento com força probatória plena no processo de inventário, que é diferente e independente do divórcio.
6) A relação de bens apresentada pelo cabeça de casal no processo de inventário, não está limitada, nem tem de ser exatamente igual, à relação de bens apresentada no processo de divórcio.
7) Não obstante a lei exigir que o divórcio por mútuo consentimento seja instruído com uma “relação especificada de bens comuns” (art.º 1775.º, n.º 1, al. a) do CC), a sentença proferida em sede de divórcio não vai acrescentar qualquer valor a este documento, pois não se forma sobre tal
“caso julgado”.
8) Isto porque no processo de divórcio por mútuo consentimento não existe qualquer pedido ou decisão sobre a “existência” ou sobre a “titularidade” dos bens relacionados, tendo o Juiz apenas que tomar uma decisão, no que diz respeito à “relação especificada dos bens comuns”, a saber, i)
efetuar como que um “arrolamento” dos bens e ii) apurar a posição das partes nesse particular,
9) Assim a decisão final do Juiz deve concretizar-se na consignação dos bens sobre os quais existiu consenso e, quanto aos demais, traduzir a posição material das partes, abstendo-se de decidir.
10) Consequentemente, a relação especificada dos bens comuns apresentada no processo de divórcio não substitui, nem vincula, a relação de bens apresentada pelo cabeça de casal no processo de inventário para separação de meações subsequente ao divórcio, nada obstando a que,
nesse inventário, se possa questionar se algum, ou alguns, dos bens constantes da mencionada relação especificada dos bens comuns são comuns ou propriedade de um só dos cônjuges, nada impedindo igualmente que, no referido processo de inventário, venham a ser relacionados outros bens cuja falta ou exclusão dessa relação seja alegada ou reclamada.
11) Acresce que a relação de bens comuns apresentada em processo de divórcio consensual não faz caso julgado quanto a tal natureza, podendo esta ser discutida no processo de partilhas ou nos meios comuns.
12) Assim, e a título de conclusão, reitere-se que a sentença que decretou o divórcio por mútuo consentimento não constituiu caso julgado, relativamente à questão dos bens comuns do casal, ou à declarada falta deles, pois nada decidiu quanto a estes.
13) Pelo exposto deve ser julgado improcedente o recurso interposto, sendo em consequência a verba XII da relação de bens admitida.
14) Já no que respeita à nulidade do despacho por omissão de pronúncia, deve tal nulidade ser julgada improcedente, por falta de razão da Apelante,
15) Apesar do despacho alvo de recurso, não se ter pronunciado sobre o requerimento apresentado pela Apelante no que respeita ao pedido de se notificar o “i) contabilista certificado para prestar declarações sob o documento n.º 9 e ii) o Requerente par ajuntar os documentos relativos ao empréstimo e para informar detalhadamente as razões que levaram à necessidade e valores referidos, o destino detalhado que o referido valor teve e o valor atualizado do mesmo”; tal pronúncia, a existir, seria de todo inócua pois as partes acordaram na realização de perícia quanto à relação de bem.
16) Ambas as partes já apresentaram os respetivos quesitos para a realização da perícia, que inclui a verba XII, pelo que esta será objeto da perícia requerida, havendo assim uma pronúncia sobre a existência e os fundamentos requeridos pela Apelante,
17) E nesse momento caso não concorde com a mesma, estar-se-á em sede própria para reclamar dessa, bem como para alterar o rol de testemunhas.
18) Pelo exposto, deve ser julgado improcedente o recurso quanto à alegada falta de pronúncia e consequentemente será de manter inalterado o despacho proferido não se evidenciando qualquer erro de aplicação de normas de direito que devam ser corrigidas pelo Venerando Tribunal a
quem.
Assim decidindo farão V. Exas., como sempre, sã e serena Justiça!”
*
O recurso é o próprio e foi correctamente admitido quanto ao modo de subida e efeito fixado, nada havendo neste momento a alterar a esse propósito.
*
Colheram-se os Vistos.
*
II – QUESTÕES OBJECTO DO RECURSO
Nos termos do disposto no artigo 635º, nº 4, conjugado com o artigo 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil (doravante apenas CPC), o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso, salvo no que tange à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas ao caso e quando se trate de matérias de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base em elementos constantes do processo, pelo que no caso em apreço haverá que discriminar as seguintes questões a tratar no presente recurso:
1-Aferir se o despacho recorrido deve, ou não, ser revogado;
2-A não ser de revogar o despacho recorrido aferir se o mesmo padece, ou não, do vicio de nulidade por omissão de pronúncia.
*
III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A factualidade relevante para a apreciação do caso consta parcialmente discriminada no segmento do relatório acrescentando-se, porém, ainda o seguinte:
1-No âmbito da acção principal de divórcio sem consentimento do outro cônjuge a que se encontra apensado o inventário, de que se extraiu o presente apenso de recurso de apelação autónoma, foi realizada em 23/02/2022 audiência de discussão e julgamento tendo nela sido convolado o divórcio para divórcio por mutuo consentimento onde as Partes acordaram, além do mais, em apresentar uma relação de bens comuns do casal onde ficou a constar em sede de “Passivo”, como “Verba XII”, o seguinte:
“Verba XII
Empréstimo junto da sociedade FF - SGPS, LDA., com o número único de matrícula e de pessoa coletiva ..., contraído na constância do matrimónio e da responsabilidade de ambos os Requerentes no montante de €700.341,00 (setecentos mil trezentos e quarenta e um mil euros contabilizados a 2021/09/30).”
2-Nessa mesma audiência foi proferida sentença homologatória, que transitou pacificamente em julgado nessa mesma data, por expressa renúncia das Partes ao direito a recorrer dela, constando da mesma, além do mais, o seguinte:
[…]
Por se considerarem acautelados os interesses que regulamentam, homologo os acordos que antecedem e alcançados entre os cônjuges, designadamente, o acordo quanto a alimentos e, bem assim, quanto aos animais de companhia, que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais.---
Assim, considerando-se o disposto nos artigos 1773º e 1775º ambos do C. Civil decreto o divórcio por mútuo consentimento entre BB e AA e, consequentemente, declaro dissolvido o respectivo casamento.---
Custas por ambos os cônjuges em partes iguais.”
3-A 02/03/2022 a Recorrente dirigiu ao processo de divórcio requerimento, notificado ao Recorrido, através dos respectivos mandatários, constando dos autos declaração electrónica de adesão nessa mesma data por parte do ilustre mandatário do Recorrido, com o seguinte teor:
“1.º
Como certamente V/ Exa. se recordará e resultará da gravação da Audiência supra, a relação de bens foi enviada, no decurso da diligência, por mail pelo Dr. GG, Ilustre Mandatário do Requerente.
2.º
Sucede que, as verbas não foram lidas, o que não permitiu a confirmação das mesmas,
3.º
O que apenas nos foi possível fazer após receção da Acta em apreço.
4.º
Tendo-se verificado que a Verba XII – dívida à sociedade FF - SGPS, LDA no valor de 700.000,00 €, foi comunicada por lapso,
5.º
Como de resto resulta da análise ao valor indicado como Total do Passivo €267.301,72 (duzentos e sessenta e sete mil trezentos e um euros e setenta e dois cêntimos).
6.º
Tendo em conformidade, em virtude do lapso referido, sido transposta para a Acta em apreço.
7.º
O supra exposto foi comunicado ao Dr. GG, que concorda estarmos perante um lapso que urge corrigir e por isso mesmo aderirá ao presente requerimento.
Pelo supra exposto, somos a requerer a eliminação da Relação de Bens e, por conseguinte, da Acta em apreço a supra referida verba XII, devendo constar das mesmas apenas onze verbas.”
4- Em 08/03/2022 foi exarado no processo de divórcio despacho judicial, com o seguinte teor:
“Considerando a posição de ambas as partes e por estarem de acordo, corrija a relação de bens em conformidade com o requerido, fazendo menção ao presente despacho que fará parte integrando daquela ata.
Notifique e d.n”
5- Com data de 10/03/2022 consta do processo de divórcio reproduzida a acta da audiência de discussão e julgamento realizada em 23/02/2022 com a seguinte rectificação, no tocante à “Relação de Bens Comuns”
“a) Verba XII
Retificação ordenada conforme despacho com ref.ª 123497980 datado de 08-3-2022
a) Elimina-se a verba XII da Relação de Bens conforme ordenado.
..., 10 de Março de 2022
A Oficial de Justiça”
6- O despacho de 08/03/2022, bem como a rectificação efectuada em acta, foram notificados às Partes em 10/03/2022.
7- No requerimento inicial de inventário apresentado em 20/05/2023 o Recorrido/Apelado indicou, além do mais, na relação de bens comuns do casal em sede de passivo a seguinte verba:
“Verba XII
Empréstimo junto da sociedade FF - SGPS, LDA., com o número único de matrícula e de pessoa coletiva 514.250.151, com sede na ..., freguesia de ..., concelho de ..., com o capital social de €257.486,00 (duzentos e cinquenta e sete mil, quatrocentos e oitenta e seis euros), contraído na constância do matrimónio e da responsabilidade de ambos os Requerentes, no montante de €581.222,12, (quinhentos e oitenta e um mil, duzentos e vinte e dois euros e doze cêntimos), conforme doc. que se junta sob o n.º 09 e que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.”
8-Na oposição/reclamação deduzida contra o Inventário em 08/09/2023 a ora Recorrente invocou e requereu o seguinte:
[…]
“16. A Requerida, porém, não aceita tal inclusão, assim se requerendo expressamente que a “Verba XII” seja eliminada do elenco do passivo, o que ora expressamente se requer.
17. Por razões de mera cautela, e relativamente à referida verba, refere-se o seguinte: documento de suporte da mesma que o Requerente apresenta é o documento n.º 9 (sem data) que consubstancia um alegado “balanço individual em 28 de Fevereiro de 2022”, escassos cinco dias depois da diligência judicial a que se fez referência.
18. Na posse do referido documento, poderia o Requerente ter notificado a Requerida, requerido a retificação da ata ou recorrido da decisão judicial. Não o fez, optando por juntar aos autos um documento apenas no âmbito dos presentes autos.
19. A Requerida entende, em face do que antecede, que a exclusão da referida “Verba XII” está
devidamente justificada.
20. Caso assim não se entenda, o que não se concede, deverá notificar-se a (i) contabilista certificada para prestar declarações sobre o documento n.º 9 e (ii) o Requerente para juntar os documentos relativos ao empréstimo e para informar detalhadamente as razões que levaram à necessidade e valor referidos, o destino detalhado que o referido valor teve e o valor atualizado do mesmo.”
Tendo finalizado a dita peça processual, reiterando o seu pedido nos seguintes termos:
“IV - DA PROVA
DOCUMENTAL
(i)Caso se entenda que a verba XII deve ser incluída, deverá (i) notificar-se a contabilista certificada (devendo o Requerente fornecer identificação e morada completa) para prestar declarações sobre o documento n.º 9 junto com o requerimento inicial e (ii) deverá notificar-se o Requerente (art.º 429.º CPC) para juntar os documentos relativos ao empréstimo e para informar detalhadamente as razões que levaram à necessidade e valor referidos, o destino detalhado que o referido valor teve e o valor atualizado do mesmo.
[…]”
9-Em 18/10/2023 o Recorrido respondeu à oposição/reclamação da recorrente tendo, além do mais, sustentado o seguinte:
“[…]
8.º
Assim, a relação de bens apresentada pelo cabeça de casal no processo de inventário, não está vinculada à relação de bens apresentada no processo de divorcio.
9.º
Ora se é certo que a lei exige que o divórcio por mútuo consentimento seja instruído com uma “relação especificada de bens comuns”, cf. art.º 1775º, nº1, al. a), do Código Civil,
10.º
a sentença proferida em sede de divorcio não vai acrescentar qualquer valor a este documento, pois que não se forma sobre tal “caso julgado”.
11.º
Isto porque no processo de divórcio por mútuo consentimento não existe qualquer pedido ou decisão sobre a “existência” ou sobre a “titularidade” dos bens relacionados.
12.º
Tendo o Juiz apenas que tomar uma decisão no quadro e por força do disposto no art. 1778.ºA, nº 3 do Código Civil no que diz respeito à “relação especificada dos bens comuns”, atento o objetivo processual nessa sede que se consegue vislumbrar, a saber, i) efetuar como que um “arrolamento” dos bens e ii) apurar a posição das partes nesse particular,
13.º
Assim a decisão final do Juiz deve concretizar-se na consignação dos bens sobre os quais existiu consenso e, quanto aos demais, traduzir a posição material das partes, abstendo-se de decidir,
14.º
ver neste sentido o já decidido pelos tribunais superiores, a título de exemplo, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo 1350/10.3TBPMS.C1, de 21/01/2014, com Juiz Desembargador Luís Cravo, e também o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo 879/07-1, de 28/06/2007, com Juiz Desembargador Espinheira Baltar, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
15.º
Assim, e a título de conclusão, reitere-se que a sentença que decretou o divórcio por mútuo consentimento não constituiu caso julgado, relativamente à questão dos bens comuns do casal, ou à declarada falta deles, pois nada decidiu quanto a estes.
16.º
Pelo exposto deve ser julgada improcede a reclamação da relação de bens quanto à inserção da verba XII, pois apesar de não constar da relação de bens da ata que decretou o divórcio, não impede o cabeça de casal de a inserir em termos de processo de inventario.”
10-A Recorrente voltou a pronunciar-se no requerimento de 02/11/2023 nos termos que a seguir se destaca:
“ […]
6. A inclusão da Verba XII no elenco do passivo foi contestada pela Requerida por referência à
existência de uma retificação na Ata de audiência de discussão e julgamento, decorrente da prolação de um despacho com a referência 123497980, datado de 8 de Março de 2022.
7. Referiu a Requerida que, apesar da transcrição efetuada pelo Requerente no art.º 3.º do seu requerimento inicial, dos termos daquele despacho (transitado em julgado) e da retificação feita na referida Ata a que o Requerente não se opôs, não reclamou e nem recorreu o Requerente volta a incluir a referida verba (“Verba XII”) na transcrição constante do art.º 12.º e do documento 13 que junta sob o título “relação especificada e bens comuns”.
8. Cuidava a Requerida que tal circunstância era suficiente para que o Requerente se recordasse
dos termos em que tal retificação foi efetuada.
9. Porém, no requerimento a que se responde o Requerente (art.ºs 4.º a 16.º) insiste na inclusão da referida Verba XII referindo, entre o mais, que apesar de não constar na ata que decretou o divórcio, tal “não impede o cabeça de casal de a inserir em termos de processo de inventário”.
[…]
20. E muito embora se pudessem desenvolver e densificar os argumentos (e até deles retirar consequências processuais) a Requerida opta por nada mais dizer a este propósito resumindo a sua posição reiterando que, por razões processuais e substanciais a verba XII não deve ser incluída no passivo.”
11-Consta da acta de audiência prévia realizada em 18/12/2023 no âmbito do processo de inventário o seguinte:
“Quanto às verbas I a VI e verba XII, ambas as partes requereram a realização de perícia colegial.
Para o efeito o cabeça de casal indicou como perito - Dr. DD – ROC - nº ..., com domicílio profissional na ....
Por sua vez, a Interessada indicou, o Revisor Oficial de Contas – HH - com domicílio profissional na ....
No mais, e relativamente aos imóveis as partes requererem perícia e acordaram ser a mesma singular.
*
Neste momento, a Mm.ª Juíza proferiu o seguinte:
- DESPACHO -
" No que se refere aos bens imóveis – verbas VII e VIII - defiro a requerida perícia singular, de modo a apurar o valor de mercado dos mesmos, devendo para o efeito a secção indicar perito que desde já se nomeia.
No que se refere à requerida perícia colegial, considerando que se trata de perícia contabilística e atenta a factualidade alegada pelas partes, afigura-se-nos que a mesma reveste complexidade, pelo que defiro a perícia colegial.
Assim, e dado que as partes já indicaram o Perito de cada uma, informe a secção sobre quem possa desempenhar as funções de Perito a nomear pelo Tribunal, explicitando a respetiva valência, necessariamente igual ou superior à possuída pelos peritos já indicados pelas partes, de modo a proceder-se à sua nomeação e, bem assim, fixar-se o objeto da perícia e respetivos quesitos.
Notifique o cabeça de casal para, em 10 dias, juntar aos autos a documentação requerida pela interessada no seu requerimento de oposição.
Cite os credores nos termos e para os efeitos do disposto nos art.ºs 1104º e 1088º ambos do CPC.
Notifique."
12-Em 28/12/2023 procedeu-se ao aditamento à Relação Especificada de Bens Comuns, em sede de Passivo, da Verba 13 constando ainda da mesma, além do mais, também em sede de “Passivo”, a seguinte verba:
“Verba Xll
Emprestimo junto da sociedade FF - SGPS, LDA., com o número único de matrícula e de pessoa coletiva ..., com sede na ..., freguesia de ..., concelho de ..., com o capital social de €257.486,00 (duzentos e cinquenta e sete mil, quatrocentos e oitenta e seis euros), contraído na constância do matrimónio e da responsabilidade de ambos os Requerentes,
no montante de €581.222,12, (quinhentos e oitenta e um mil, duzentos e vinte e dois euros e doze cêntimos).”
13-A Relação de bens a que se alude no ponto anterior foi notificada em 28/12/2023 à Recorrente, tendo esta em 15/01/2024 requerido, além do mais, o seguinte:
“ […]
1. À verba aditada, com a qual se concorda, foi atribuída o número 13 (Verba XIII) mantendo- se a verba XII nos exatos termos, não obstante a oposição da Requerida e a posição expressa na Audiência Prévia realizada no passado dia 18 de Dezembro de 2023.
2. Recorda-se, a este propósito o que foi referido pela Requerida na sua Oposição: a “Verba XII” do Passivo deveria ser eliminada nos termos do despacho com a referência 123497980, datado de 8 de Março de 2022 (cfr. dois documentos juntos com o requerimento de oposição). Caso assim não se entenda, o que não se concede, deveria notificar-se a (i) contabilista certificada para prestar declarações sobre o documento n.º 9 e (ii) o Requerente para juntar os documentos relativos ao empréstimo e para informar detalhadamente as razões que levaram à necessidade e valor referidos, o destino detalhado que o referido valor teve e o valor atualizado do mesmo (pedido a) Oposição)
3. Perante a discussão realizada na audiência prévia, o que foi expresso pelo signatário foi que não se opunha a que a questão relativa à verba XII fosse objeto de questão específica aos Exmos. Peritos, de forma autónoma separada do passivo, sendo que mantinha a posição expressa na Oposição (que deveria ser objeto de decisão por parte de V. Exa.) caso a verba
XII se mantivesse enquanto verba do passivo. A determinada altura da discussão referiu o signatário, por isso, dar o seu acordo (e dispensar a análise de V. Exa.) caso a questão fosse colocada naqueles termos, parecendo que na altura tal posição foi aceite pelas partes.
4. Requer-se, por isso a retificação da relação de bens e, bem assim, a retificação da Ata da audiência prévia, de forma que seja refletida a posição agora expressa e na altura manifestada.
5. Caso tal não se entenda, o que não se crê ser necessário, a Requerida mantém a posição mantida na Oposição de que a Verba XII deve ser retirada do passivo.”
14- A 29/04/24 foi proferido o despacho recorrido, que se encontra reproduzido supra no início do segmento respeitante ao “Relatório”.
15- Por requerimento de 16/05/2024 a ora Recorrente fez chegar ao Tribunal recorrido os quesitos pretendidos responder pela perícia colegial determinada nos autos constando dos mesmos o seguinte no tocante à “Verba XII” do Passivo:
“[…]
7 - Qual a justificação e o real valor do empréstimo contraído por AA e BB junto de FF -SGPS LDA., correspondente à Verba XII da Relação de Bens.
Na resposta às questões colocadas deverão ser tomados em consideração os seguintes
aspetos, entre outros que sejam considerados relevantes pelos Senhores Peritos:
[…]
f) no que diz respeito ao quesito VII (verba XII do passivo) deverão os Senhores Peritos ter em consideração a justificação da evolução do valor da referida verba que, de um montante de € 700.341,00 (contabilizado à data de 2021/09/30 conforme referido) que constava da versão original da referida verba (cfr. certidão da acta de discussão e julgamento em 23 de Fevereiro de 2022 junta com o requerimento inicial) foi posteriormente atualizado (?) para € 581.222,12 aquando do documento constante do aditamento à relação de bens (doc. 13 junto com requerimento inicial)”
*
IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1. Aferir se o despacho recorrido deve ou não ser revogado.
Sustenta a Apelante que o despacho recorrido, que manteve a verba XII incluída na relação de bens, em sede de Passivo, deve ser revogado por entender que a mesma não poderá ser admitida nela.
O Apelado entende que a pretensão da Apelante deve ser negada por considerar que a dita verba deve manter-se na relação de bens.
Quid Juris?
Relembremos os argumentos essenciais carreados pelo Tribunal a quo para o despacho recorrido:
“[…]
a Relação de Bens apresentada no Divórcio é meramente indicativa, não vinculando as partes, bem assim a Relação de bens apresentada no processo de Inventário, pois a sentença que decretou o divórcio por mutuo consentimento não constitui caso julgado, relativamente à questão dos bens comuns do casal, ou à declarada falta deles, pois nada decidiu quanto a estes (vide Ac. TRC de 15.01.2019 relator Fonte Ramos e Ac. TRP de 28.10.2021, relator Manuel, Domingos Fernandes).
A Relação de Bens no divórcio é apenas uma condição de prosseguimento dos autos e não obstaculiza que em sede de inventário sejam relacionados outros bens, desde que sejam bens comuns do casal, tem sido entendimento da jurisprudência que a homologação dos acordos apresentados em sede de divórcio não é extensível à Relação de bens, e a mesma não faz caso julgado.”
Concordamos em abstracto com esta argumentação, que também acolhemos, consubstanciando a mesma, tanto quanto apuramos, jurisprudência pacifica.
Note-se que a própria Apelante também a reconhece como uma posição acertada.
Porém, não concorda com a sua aplicação ao caso dos autos defendendo que aquela argumentação não se ajusta às especificidades do mesmo.
A nosso ver tem razão a Apelante quando entende que a argumentação aduzida na decisão recorrida e por parte do Apelado não se ajusta aos contornos do caso em apreço.
Todavia, isso não significa que possa vingar a sua tese, pois na realidade, como iremos perceber infra, existem outros argumentos que permitem sustentar a decisão que foi tomada no despacho recorrido e, desse modo, retiram razão à Apelante.
Relembremos, desde já, o que, sinteticamente em sede de conclusões recursivas, sustenta a Apelante:
“Q. O posicionamento das partes nos presentes autos é distinto das situações típicas em que ocorrem divergências no âmbito dos processos de inventário.
R. Não existe, nas situações abordadas na jurisprudência, uma situação em que a exclusão da verba seja requerida pelas partes, em que o tribunal se pronuncie expressamente sobre a respetiva exclusão, tomando posição sobre a mesma.
[…]
V. O caso dos autos é diverso dos Acórdãos que foram considerados no Despacho Recorrido: existe uma expressa indicação de bens (lista com Ativo e Passivo), existiu a inclusão feita pelo tribunal de uma verba específica numa diligência que ocorreu e um requerimento posterior apresentado por uma das partes (o mandatário da Recorrente) com a indicação que a inclusão dessa verba era um “lapso” e a indicar a anuência do Requerente/Recorrido em relação à existência desse “lapso”.
W. Um despacho judicial posterior à diligência que, reconhecendo a anuência das partes retira, de forma expressa, a verba do passivo, pronunciando-se expressamente sobre essa exclusão, baseando-se na vontade das partes. Posteriormente o Requerente ora Recorrido muda de ideias e ao arrepio da anuência que entendeu dar e ao arrepio do despacho proferido, integra essa verba no processo de inventário, como fazendo parte, afinal, da lista de bens.”
Se atentarmos nos factos que se encontram discriminados supra e que resultam demonstrados pela simples análise do processo de divórcio e do subsequente apenso de inventário, mormente os que se encontram reproduzidos sob os pontos 1- e 7- concluímos que no primeiro se relaciona um empréstimo “contraído na constância do matrimónio e da responsabilidade de ambos os Requerentes no montante de € 700,341,00 a 30/09/2021”, junto da Sociedade FF – SGPS, Lda, enquanto no ponto 7- consta relacionado um empréstimo junto da mesma Sociedade “contraído na constância do matrimónio e da responsabilidade de ambos os Requerentes, no montante de €581.222,12”, remetendo-se para um documento identificado como documento “09”.
Como resulta alegado pela própria Apelante na peça processual reproduzida no facto assente discriminado no ponto 8- o dito documento não possui data e afere-se a um “balanço individual em 28 de Fevereiro de 2022, escassos cinco dias depois da diligência judicial” a que se reportam os factos contidos nos pontos 1- e 2-. designadamente a audiência de julgamento que se realizou no âmbito da acção de divórcio onde foi proferida a sentença que homologou os acordos e a relação de bens então apresentada e decretou o divórcio por mútuo consentimento entre Apelante e Apelado.
É indiscutível que o valor do empréstimo referido no ponto 1- é substancialmente diferente do valor do empréstimo a que se alude no ponto 7-, sendo, todavia, possível admitir que o montante a liquidar tenha reduzido entre 30/09/2021 e a data do aludido “balanço individual”, que se reporta à data de 28 de Fevereiro de 2022, em cerca de 120.000,00, ou seja à razão de cerca de 24.000,00 mensais.
Sem embargo e atendendo precisamente à discrepância entre valores e ao curto período temporal em causa (menos de cinco meses), sempre se poderá cogitar a eventualidade de não estarmos perante o mesmo empréstimo.
De todo o modo e considerando que nada vem argumentado nos autos neste último sentido, designadamente por parte do Apelado que seria a parte com redobrado interesse em fazê-lo, não desenvolveremos mais o raciocínio exposto aceitando que o empréstimo relacionado em sede de Passivo como “Verba XII” nos pontos 1- e 7- dos factos tidos como assentes supra é o mesmo.
Prosseguindo na apreciação da questão objecto do recurso de que nos vimos ocupando temos de convir que importa, sobretudo, discorrer sobre o alcance e efeitos do despacho judicial que foi exarado na acção principal de divórcio no dia 08/03/2022, a que se alude no ponto 4- dos factos considerados supra como demonstrados, na medida em que foi esse despacho que deferiu a eliminação/exclusão da relação de bens anteriormente apresentada em sede do divórcio da verba indicada como “Verba XII” no âmbito do segmento do “Passivo”, requerida a 02/03/2022 pela Apelante e com adesão do Apelado nos termos plasmados no ponto 3- dos factos considerados supra como assentes e que, de acordo com o descrito no ponto 5- daqueles factos, deu origem à rectificação efectuada na acta de audiência de discussão e julgamento realizada no âmbito do processo de divórcio em 23/02/2022, materializada no dia 10/03/2022 aí constando “a) Elimina-se a verba XII da Relação de Bens conforme ordenado.”
Diz-nos o artigo 613.º do CPC o seguinte:
“ 1. Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.”
2-É lícito, porém, ao juiz retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes.
3.O disposto nos números anteriores, bem como nos artigos subsequentes, aplica-se, com as necessárias adaptações aos despachos.” (Realce a itálico nosso).
Por seu turno decorre do artigo seguinte (614.º), que:
“1. Se a sentença omitir o nome das partes, for omissa quanto a custas ou a algum dos elementos previstos no n.º 6 do artigo 607.º, ou contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz.”
Parece claro que a sentença proferida na acção de divórcio, que homologou os acordos que possibilitaram a conversão do mesmo em divórcio por mútuo consentimento e o decretou nesta última modalidade, não incorreu em qualquer lapso material, mormente os prevenidos no n.º 1 do artigo 614.º do CPC, pois o lapso invocado pelas Partes foi (e bem), assumido pelas mesmas, subsumindo-se, como tal, a questão suscitada em 02/03/2022 ao disposto no artigo 249.º do Código Civil epigrafado “Erro de cálculo ou de escrita”, que nos diz que “O simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à retificação desta.”.
As Partes exerceram a 02/03/2022 esse direito à rectificação da relação de bens que ficara reproduzida em acta no dia 23/02/2022, requerendo nesse contexto e em concreto a eliminação daquela “Verba XII”, que mereceu, como já sabemos, deferimento expresso através do despacho exarado em sede de divórcio datado de 08/03/2022.
Esse despacho, (a par da rectificação materializada em 10/03/2022 na acta de audiência de discussão e julgamento de 23/02/2022), foi devidamente notificado aos ora Apelante e Apelado a 10/03/2022.
Por não se enquadrar na previsão do artigo 630.º do CPC tal despacho era passível de recurso, o qual não foi apresentado no prazo disponível por qualquer das Partes, pelo que temos de reconhecer que transitou pacificamente em julgado, de acordo com o disposto no artigo 628.º do CPC.
Ainda assim qual o alcance da força obrigatória que passou a deter após o mencionado trânsito em julgado ter operado?
Diz-nos o artigo 619.º do CPC, que:
“1.Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º.”
Sucede que a decisão prolatada na acção principal de divórcio em 08/03/2022 não se consubstanciou numa sentença, nem sequer a rectificou, ou reformou, conforme já deixámos expresso supra e menos ainda se tratou de um despacho saneador que tivesse decidido do mérito da causa.
De resto sempre se acrescentará que o dito despacho nada decidiu sobre a relação material que fora controvertida descrita na acção de divórcio instaurada como divórcio sem consentimento do outro cônjuge e que veio a ser convertido, ou convolado, por vontade das Partes, em divórcio por mútuo consentimento.
Na conformidade acabada de expor percebemos que a previsão do n.º 1 do artigo 619.º do CPC não se mostra aplicável ao despacho proferido em 08/03/2022.
Prevê ainda o artigo 620.º do CPC, que:
“1. As sentenças e os despachos que recaíam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo.”
2. Excluem-se do disposto no número anterior os despachos previstos no artigo 630.º”.
Já sabemos que o despacho prolatado em 08/03/2022 não se enquadra na previsão dos despachos que não admitem recurso previstos no mencionado artigo 630.º do CPC.
Assim, será que podemos subsumir o despacho proferido em 08/03/2022 à previsão do n.º 1 do artigo 620.º do CPC.?
Prima facie poderíamos ser tentados a negar tal subsunção, pois não houve pronúncia sobre excepções dilatórias, ou nulidades processuais.
Em anotação a este artigo dizem-nos, porém, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol 2.º”, Almedina, 4.ª edição, 2019, pág. 753), o seguinte:
“O despacho que recai unicamente sobre a relação processual não é apenas o que se pronuncia sobre os elementos subjetivos e objetivos da instância […] e a regularidade da sua constituição […] , mas também todo aquele que, em qualquer momento do processo, decide uma questão que não é de mérito.”
E esclarecem ainda que tais despachos “limitam, uma vez transitados em julgado (art. 628), a sua força obrigatória ao processo, sendo nele inadmissível – e, por isso ineficaz (art. 625-2), - decisão posterior sobre a mesma questão que deles tenha sido objecto.”
Temos como acertado o entendimento acabado de referir pelo que se nos afigura que o despacho exarado em 08/03/2022 não pode deixar de ser incluído no âmbito dos despachos com força obrigatória “dentro do processo”, ou seja no âmbito dos despachos que produzem caso julgado formal.
Resulta do artigo 625.º do CPC, o seguinte:
“1-Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar.
2-É aplicável o mesmo princípio à contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual.”
Ora bem, relativamente ao despacho proferido em 08/03/2022 já reconhecemos estar perante um despacho que transitou pacificamente em julgado e que produziu caso julgado formal sendo, por isso, obrigatório “dentro do processo”.
Mas o que significa “dentro do processo”, sabendo-se que o presente inventário onde foi prolatada em 29/04/2024 a decisão recorrida, que, contrariamente ao decidido em 08/03/2022, decidiu manter na relação de bens apresentada pelo Apelado com o requerimento de inventário, em sede de Passivo, a “Verba XII”, tramita como um apenso do divórcio, atento o disposto nos artigos 1082.º, d), 1083.º, n.º 1, b) e 1133.º, n.º 1, todos do CPC?
Esclarecem-nos acertadamente Lebre de Freitas e Isabel Alexandre a este propósito na obra acima assinalada (ainda pág. 753), do seguinte modo:
“A expressão “dentro do processo” abrange, não só o processo da ação principal, mas também o dos incidentes […], que, dele dependendo, correm por apenso. Assim, por exemplo, a decisão que julgue habilitado o sucessor da parte […], ou a que admita a intervenção principal de um terceiro […] tem força de caso julgado na ação.
Concordando igualmente com o entendimento acabado de expor devemos convir que o processo de inventário instaurado em consequência de divórcio para partilha de bens comuns do casal não obstante correr por apenso a divórcio que tenha sido decretado em processo judicial, não deixa de ser um processo especial com regulamentação autónoma (no qual, aliás, é possível suscitar e apreciar incidentes), não podendo, como tal, ser classificado como um incidente da acção principal de divórcio, a par dos incidentes da instância.
Além disso está expressamente previsto no processo de inventário que o cabeça-de-casal tem de apresentar a relação de bens (cfr. artigo 1097, n.º 3, c), do CPC), nada se esclarecendo que caso a tenha apresentado na acção principal de divórcio estará dispensado de o fazer por valer a exibida em sede de divórcio.
Destarte conclui-se inexistirem razões para revogar a decisão recorrida proferida em 29/04/2024, que manteve na relação de bens, em sede de Passivo, a “Verba XII”, não são vislumbrando, em face do supra exposto, a invocada violação da boa fé processual e/ou do abuso de direito mencionados pela Apelante, improcedendo, em consequência, a primeira questão objecto do recurso de que temos estado a tratar.
2.Aqui chegados, seguindo a linha orientadora vincada no elenco das questões a decidir no recurso e uma vez que se decidiu manter incluída na relação de bens, em sede de Passivo, a verba identificada como “Verba XII”, importa agora saber se o despacho recorrido enferma de nulidade por omissão de pronúncia.
A Apelante invoca expressamente tal vício em sede de conclusões recursivas pretendendo a sua apreciação por este Tribunal no caso de se desatender a sustentada revogação do despacho recorrido, como veio a suceder acima.
Na respectiva resposta ao recurso o Apelado entende não se verificar a invocada nulidade.
Vejamos, para já, no que se traduz tal patologia.
Assim, decorre do artigo 615º, nº 1, do CPC, que:
“É nula a sentença quando:
[ …]
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento“
Relativamente a esta nulidade, concretamente a chamada “Omissão de pronúncia“ a que alude a primeira parte da mencionada alínea d), dizem-nos António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, (“Código de Processo Civil Anotado”, Vol I, Almedina, 2020- 2ª edição actualizada), em anotação ao referido artigo, (pág. 764), que a omissão de pronúncia afere-se “seja quanto às questões suscitadas, seja quanto à apreciação de alguma pretensão.“ E acrescentam ainda que “[…]o dever de decidir tem por referência as questões suscitadas e bem assim as questões de conhecimento oficioso“, não obrigando, todavia, “[…] a que se incida sobre todos os argumentos, pois que estes não se confundem com « questões » […].“
Neste sentido, saliente-se, entre vários outros, os acórdãos do STJ de 27/03/2014, proferido no Processo 555/2002 e de 08/02/2011, proferido no processo nº 842/04TBTMR.C1.S1 (ambos acessíveis para consulta in www.dgsi.pt).
Neste último aresto de 08/02/2011 decidiu-se de forma bastante clara o seguinte:
“Não há que confundir as questões colocadas pelas partes com os argumentos ou razões que estas esgrimem em ordem à decisão dessas questões em determinado sentido: as questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as excepções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. Coisa diferente são os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, que não constituem questões…”.
E acrescenta-se ainda no dito acórdão que “Se na apreciação de qualquer questão submetida ao conhecimento do julgador este não se pronuncia sobre algum ou alguns dos argumentos invocados pelas partes, tal omissão não constitui qualquer nulidade da decisão por falta de pronúncia.“.
Concorda-se com o entendimento acabado de reproduzir do qual decorre, necessariamente, que a nulidade em apreço consiste, pois, num erro procedimental e não num erro de julgamento.
Conforme se alcança do teor do ponto 8- dos factos discriminados como comprovados supra na oposição/reclamação que deduziu em sede de inventário na data de 08/09/2023 a Apelante deixou claro que caso se entendesse manter a “Verba XII” na relação de bens deveria “[…] notificar-se a contabilista certificada (devendo o Requerente fornecer identificação e morada completa) para prestar declarações sobre o documento n.º 9 junto com o requerimento inicial e (ii) deverá notificar-se o Requerente (art.º 429.º CPC) para juntar os documentos relativos ao empréstimo e para informar detalhadamente as razões que levaram à necessidade e valor referidos, o destino detalhado que o referido valor teve e o valor atualizado do mesmo.”
Em requerimento dirigido aos autos em 15/01/2024 a Apelante reiterou o mesmo.
No despacho recorrido prolatado em 29/04/2024 o Tribunal a quo não se referiu expressamente às pretensões de âmbito probatório anunciadas pela ora Apelante a 08/09/2023 e reiteradas posteriormente a 15/01/2024.
No despacho de admissão do recurso o Tribunal a quo pronunciou-se sobre a arguida nulidade expressando-se do seguinte modo:
“Da nulidade:
A Recorrente veio alegar que o despacho recorrido padece de nulidade por não se pronunciar relativamente ao por si peticionado, nomeadamente notificação de “i) contabilista certificado para prestar declarações sob o documento n.º 9; e ii) o Requerente para juntar os documentos relativos ao empréstimo e para informar detalhadamente as razões que levaram à necessidade e valores referidos, o destino detalhado que o referido valor teve e o valor atualizado do mesmo” (cfr. artigo 615.º n.º 1 al. d), do Código de Processo Civil).
Cumpre apreciar tal nulidade no presente despacho (cfr. artigo 617.º n.º 1, do Código de Processo Civil):
Como resulta do despacho, o Tribunal determinou que a verba XII constasse da relação de bens e determinou que relativamente à mesma fosse realizada uma perícia colegial de natureza contabilística.
Na sequência do despacho proferido foram as partes notificadas para indicar os quesitos que pretendiam ver respondidos com a realização da sobredita perícia de forma a ser fixado o seu objeto.
Ora, constata-se que o peticionado pela Interessada corresponderá ao quesito relativo à verba XII, como foi indicado pelas partes (ref.ª 48935212 e 48935418), sendo este também o propósito da perícia determinada, pelo que nada se impunha ordenar no despacho recorrido.
Em face do exposto, salvo o devido respeito por melhor opinião entendo não existir qualquer nulidade que cumpra suprir, pelo que mantenho integralmente a decisão recorrida.”
Com efeito é verdade e consta discriminado supra sob o ponto 11- dos factos tidos como demonstrados que em sede de audiência prévia realizada em 18/12/2023 Apelante e Apelado requereram a realização de uma perícia colegial abrangendo, além do mais, a “Verba XII”, assim como que a mesma foi deferida pelo Tribunal a quo, sendo certo ainda que este último, nesse mesmo despacho, também ordenou que se notificasse o ora Apelado “para em 10 dias juntar aos autos a documentação requerida pela interessada no seu requerimento de oposição”, pelo que temos que reconhecer que acabou por se pronunciar sobre o seguinte, (que consta da parte final desse requerimento de oposição e que é precisamente o que foi dirigido aos autos em 08/09/2023 e reiterado a 15/01/2024).
“DOCUMENTAL
(i) Caso se entenda que a verba XII deve ser incluída […]
(ii) deverá notificar-se o Requerente (art.º 429.º CPC) para juntar os documentos relativos ao empréstimo e para informar detalhadamente as razões que levaram à necessidade e valor referidos, o destino detalhado que o referido valor teve e o valor atualizado do mesmo.
(ii) Para que a Requerida possa proceder à análise e avaliação das verbas constantes do activo (e do passivo), (cfr. ponto 69) deverá o Requerente ser notificado (art.º 429.º CPC) para juntar aos autos:
a. Contas da sociedade FF SGPS dos anos de 2019, 2020, 2021 e
2022 e respetivas atas de aprovação;
b. Contas das sociedades II, JJ, KK, LL e MM de 2021 e 2022 e respetivas atas de Aprovação;
c. Lista de trabalhadores das sociedades FF SGPS, II, JJ, KK, LL e MM com o salário (e outros abonos) e funções, em vigor em 2021
d. Extratos contabilísticos completos da conta #11 à #88, em EXCEL das sociedades FF, SGPS, II, JJ, KK, LL e MM.
e. Cópia ou acesso a todos os documentos contabilísticos que suportam os extratos contabilísticos das sociedades
f. Contrato de aquisição da sociedade NN RESTAURAÇÃO LDA. e demais elementos sobre a referida sociedade”
Resulta ainda dos autos que aquando da formulação dos quesitos a responder pelos peritos, dirigidos aos autos em 16/05/2024, a Apelante fez constar o seguinte no tocante à “Verba XII”:
“7 - Qual a justificação e o real valor do empréstimo contraído por AA e BB junto de FF -SGPS LDA., correspondente à Verba XII da Relação de Bens.
Na resposta às questões colocadas deverão ser tomados em consideração os seguintes aspetos, entre outros que sejam considerados relevantes pelos Senhores Peritos:
[…]
f) no que diz respeito ao quesito VII (verba XII do passivo) deverão os Senhores Peritos ter em consideração a justificação da evolução do valor da referida verba que, de um montante de € 700.341,00 (contabilizado à data de 2021/09/30 conforme referido) que constava da versão original da referida verba (cfr. certidão da acta de discussão e julgamento em 23 de Fevereiro de 2022 junta com o requerimento inicial) foi posteriormente atualizado (?) para € 581.222,12 aquando do documento constante do aditamento à relação de bens (doc. 13 junto com requerimento inicial)”
Ora bem, se é um facto que estes quesitos apenas foram apresentados em data posterior à prolação do despacho recorrido, mas antes da interposição em juízo do presente recurso, não é menos certo que foram aceites pelo Tribunal a quo e comunicados aos peritos nomeados para a realização da perícia colegial podendo ainda concluir-se que a pretendida audição da “contabilista certificada”, cuja identificação nem sequer resultará ainda dos autos, teria como escopo pronuncia sobre um balanço contabilístico junto aos autos com o requerimento inicial de inventário, matéria sobre a qual se pretende que os Srs peritos também venham a pronunciar-se no relatório pericial, o qual sempre poderá vir a ser objecto de esclarecimentos no caso de eventuais reclamações das Partes contra o mesmo.
Por todo o exposto afigura-se-nos inexistir fundamento para anular o despacho recorrido prolatado em 29/04/2024 com fundamento na invocada omissão de pronúncia, pois, conforme acabámos de constatar, as questões consubstanciadas no requerimento probatório relativo à “Verba XII”, em sede de Passivo, enunciadas no final do requerimento da Apelante de 08/09/2023 já foram no essencial objecto de apreciação e deferimento por parte do Tribunal a quo ainda que em momento processual distinto daquele em que foi proferido o despacho recorrido.
Na conformidade exposta falecem igualmente as conclusões recursivas no tocante à segunda questão objecto deste recurso, improcedendo, em consequência, na totalidade, o recurso interposto pela Apelante.
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V- DECISÃO
Termos em que, face a todo o exposto e ainda que por razões não coincidentes com as plasmadas no despacho recorrido, acordam os Juízes desta 1ª Secção Cível em negar provimento ao presente recurso de apelação interposto pela Apelante AA e consequentemente decidem:
1- Confirmar o despacho recorrido proferido nos autos em 29/04/2024;
2- Fixar custas a cargo da Apelante – artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
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ÉVORA, 27/02/2025,
(José António Moita – Relator)
(Filipe Aveiro Marques- 1º Adjunto)
(Maria Adelaide Domingos – 2ª Adjunta)