ADVOGADO
JUSTO IMPEDIMENTO
DOENÇA AUTODECLARADA
NULIDADE
Sumário

Sumário:
I. A doença inesperada autodeclarada nos legais formalismos do SNS previstos no art. 14.º, n.º 4, do DL 28/2004, de 04/02, na redacção dada pelo DL 2/2024 de 05/01, comunicada tempestivamente ao tribunal, na véspera da audiência, com informação de todos os elementos identificativos do registo no SNS e respectivo código de acesso, com duração abrangente do dia da audiência final, constitui justo impedimento para efeitos do disposto nos artigos 140.º e 603.º, do CPC.

II. Não é exigível que o mandatário alegasse ainda factos para permitir ao tribunal concluir pela sua “impossibilidade absoluta de comparência em juízo” como entendeu a primeira instância, desde logo porque a lei não exige “impossibilidade absoluta” nem exige que o visado tenha de revelar a doença de que padece nem de explicar pormenorizadamente em que sentido a concreta doença seria impeditiva.

III. O indeferimento do requerido pelo Ilustre Mandatário da Autora e a realização da audiência final na sua ausência, consubstancia uma nulidade porque se trata de uma irregularidade susceptível de influir na decisão da causa, estando em causa os princípios da igualdade e do contraditório (cfr. artigos 3.º e 4.º, do CPC), para efeitos do disposto no art. 195.º, n.º 1, do CPC e uma vez reconhecida a prática de um acto ferido de nulidade, impõe-se, consequentemente, anular todos os actos subsequentes, designadamente a produção da prova e alegações em audiência final, ao abrigo do disposto no art. 195.º, n.º 2, do CPC.

Texto Integral

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Apelação n.º 3137/23.4T8PTM-A.E1

(1.ª Secção Cível)

Relator: Filipe César Osório

1.º Adjunto: Ricardo Manuel Neto Miranda Peixoto

2.º Adjunto: António Fernando Marques da Silva

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ACORDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


I. RELATÓRIO


Acção Declarativa, Processo Comum


Autora – AA


Réu – BB


Objecto do litígio:


ACÇÃO – Execução especifica do contrato promessa de compra e venda celebrado em 08-09-2022, ou subsidiariamente o pagamento da coisa à Autora, por ter existido tradição da mesma, nos termos do n.º 2 do art.º 442.º do CC, no valor de €320.000,00, ou ainda, a devolução do sinal em dobro pelo valor de €201.562,00.


RECONVENÇÃO – Resolução do contrato promessa de compra e venda, fazendo o R. seu o sinal de €16.700,00 (dezasseis mil e setecentos euros) pago e em consequência ser a Autora condenada: - à restituição do imóvel; - ao pagamento da quantia mutuada de €24.000,00 (vinte e quatro mil euros) acrescido de juros de mora contabilizados à taxa de juro legal desde a entrada da presente ação e até integral pagamento.


Em Audiência Prévia foi fixado o valor da causa, definido o objecto do litígio e os temas de prova, admissão de meios de prova e agendamento da audiência final de julgamento para o dia 11/09/2024.


Por Requerimento de 08/09/2024 veio a Autora requerer o seguinte: «AA, autora nos presentes autos e nestes mais bem identificada vem juntar substabelecimento COM RESERVA para a audiência de julgamento agendada para o próximo dia 11/09/24, e em virtude da mandatária signatária estar em diligência no mesmo dia, no Tribunal Judicial da Comarca de ..., Juízo de Competência Genérica de ..., processo n.º 40/21.6...-D. JUNTA: substabelecimento». E juntou como documento substabelecimento de Dr.ª CC a favor de Dr. DD.


Por Requerimento de 10/09/2024, às 16.31:19h, veio o Ilustre Mandatário da Autora, Dr. DD, expor e requerer o seguinte: “O Mandatária nos autos à margem identificados, vem por justo impedimento informar V. Exa. que não pode estar presente na Diligência agendada para dia 11.09.2024, em virtude de lhe ter sido acometido de doença inesperada, cfr. autodeclaração de doença que se junta, requerendo a V. Exa que se digne a determinar o adiamento da Diligência. JUNTA: Autodeclaração Pede respeitosamente deferimento». E juntou um documento onde conta “Autodeclaração de doença”, “Registo n.º 8096743”, “data de início: 10/09/2024”, “data de fim: 12/09/2024”, “código: D64IVO6J”.


No dia 11/09/2024, em Audiência Final de Julgamento foi consignado o seguinte:


«Aberta a audiência, e após conhecimento de que o ilustre mandatário da autora não iria comparecer na presente Audiência Final, conforme requerimento junto com a ref.ª Citius 12824997, a Mm. ª Juiz proferiu o seguinte


DESPACHO


Tendo em consideração que o ilustre mandatário substabelecido da autora não se encontra presente nem, apesar de ter arguido justo impedimento, alegou qualquer factualidade concreta que permitisse ao tribunal concluir pela sua impossibilidade absoluta de comparência em juízo, nem juntou aos autos qualquer documento que seja idóneo a comprovar o estado de doença invocado, o Tribunal considera que não existe qualquer fundamento para adiar a presente audiência de julgamento, à qual dará inicio.


Mais se considera, em face dos motivos já expostos, que inexiste qualquer situação de justo impedimento ( figura a que se reporta, artigo 140º, n.º 1 do Código de Processo Civil), motivo pelo qual se indefere o referido incidente.


Custas pelo requerente que fixo em 2 UC’s - artigo 7º, n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais.».


E, nessa sequência, foi realizada audiência final de julgamento com produção de prova e alegações finais, sem a presença do Ilustre Mandatário da Autora.


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Inconformado com esta decisão, o Requerente interpôs recurso de apelação com as seguintes conclusões:


«1. Perante a comunicação de impossibilidade de comparência à audiência agendada para o dia 11.09.2024, na véspera da sua realização a 10.09.24, do ilustre mandatário subestabelecido da A., por virtude de doença que o impedia de se deslocar, requerendo o adiamento da diligência, e juntando este o código único de autodeclaração de doença, motivo mais do que suscetível de integrar o conceito de justo impedimento, impunha-se que o douto Tribunal a quo, adiasse a audiência de julgamento.


2. Tendo o douto Tribunal a quo procedido à realização da audiência na ausência do ilustre mandatário da Autora, o tribunal a quo violou o disposto nos art.ºs 603º, nº 1 e 140º do CPC, o que constitui nulidade, nos termos do art.º 195º do CPC, dado contender com os princípios do contraditório e da igualdade entre as partes, sendo suscetível de influir no exame ou na decisão da causa, a implicar a anulação de todos os termos subsequentes que dele dependem absolutamente, designadamente da audiência final e da sentença.


Nestes Termos,


E nos demais de Direito doutamente supridos por V.as Exas deve o presente recuso ser julgado procedente, por erro manifesto de facto e de Direito, anulando-se as decisões proferidas no despacho lavrado na acta de 11/09/2024, que indeferiu o adiamento e ordenou a sua realização da audiência de julgamento, anulando-se os atos e termos subsequentes deles absolutamente dependentes, determinando-se a designação de nova data para a sua realização.».


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Não foram apresentadas contra-alegações.


O recurso foi admitido,


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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


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Objecto do recurso – Questões a Decidir:


O objecto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação, não sendo objeto de apreciação questões novas suscitadas em alegações, exceção feita para as questões de conhecimento oficioso (artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil).


A única questão a decidir consiste em saber se a comunicação de “doença súbita” e a indicação do registo da autodeclaração de doença apresentada pelo mandatário cumpre os formalismos legais para se considerar justo impedimento, de modo a impor o adiamento da realização da audiência final de julgamento, ao abrigo do disposto nos artigos 140.º e 603.º, n.º 1, do CPC.


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II. FUNDAMENTAÇÃO

A. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:


Com relevo para decidir a questão colocada resultaram provados os factos constantes do relatório que antecede.


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B. ENQUADRAMENTO JURÍDICO – APRECIAÇÃO JURÍDICA DO RECURSO:


1. Se a comunicação de “doença súbita” e a indicação do registo da autodeclaração de doença apresentada pelo mandatário cumpre os formalismos legais para se considerar justo impedimento, de modo a impor o adiamento da realização da audiência final de julgamento, ao abrigo do disposto nos artigos 140.º e 603.º, n.º 1, do CPC:


Nos termos do disposto no art. 151.º, do CPC,


1 - A fim de prevenir o risco de sobreposição de datas de diligências a que devam comparecer os mandatários judiciais, deve o juiz providenciar pela marcação do dia e hora da sua realização mediante prévio acordo com aqueles, podendo encarregar a secretaria de realizar, por forma expedita, os contactos prévios necessários.


2 - Quando a marcação não possa ser feita nos termos do número anterior, devem os mandatários impedidos em consequência de outro serviço judicial já marcado comunicar o facto ao tribunal e identificar expressamente a diligência e o processo a que respeita, no prazo de cinco dias, propondo datas alternativas, após contacto com os restantes mandatários interessados.


3 - O juiz, ponderadas as razões aduzidas, pode alterar a data inicialmente fixada, apenas se procedendo à notificação dos demais intervenientes no ato após o decurso do prazo a que alude o número anterior.


4 - Logo que se verifique que a diligência, por motivo imprevisto, não pode realizar-se no dia e na hora designados, deve o tribunal dar imediato conhecimento do facto aos intervenientes processuais, providenciando por que as pessoas convocadas sejam prontamente notificadas do adiamento.


5 - Os mandatários judiciais devem comunicar prontamente ao tribunal quaisquer circunstâncias impeditivas da sua presença.


6 - Se ocorrerem justificados obstáculos ao início pontual das diligências, deve o juiz comunicá-los aos advogados e a secretaria às partes e demais intervenientes processuais, dentro dos trinta minutos subsequentes à hora designada para o seu início.


7 - A falta da comunicação referida no número anterior implica a dispensa automática dos intervenientes processuais.


Dispõe o art. 603.º, n.º 1, do CPC o seguinte:


1 - Verificada a presença das pessoas que tenham sido convocadas, realiza-se a audiência, salvo se houver impedimento do tribunal, faltar algum dos advogados sem que o juiz tenha providenciado pela marcação mediante acordo prévio ou ocorrer motivo que constitua justo impedimento.


E nos termos do disposto no art. 140.º, do CPC:


1 - Considera-se «justo impedimento» o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato.


2 - A parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respetiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admite o requerente a praticar o ato fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.


3 - É do conhecimento oficioso a verificação do impedimento quando o evento a que se refere o n.º 1 constitua facto notório, nos termos do n.º 1 do artigo 412.º, e seja previsível a impossibilidade da prática do ato dentro do prazo.


Da conjugação das referidas normas resulta que, entre outras situações, com relevância para o caso concreto, se a audiência final foi marcada pelo juiz mediante acordo prévio com os advogados, a audiência final só não se realiza no caso de faltar algum dos advogados quando ocorrer motivo que constitua justo impedimento, isto é, quando ocorrer um evento não imputável que obste à comparência ao acto, competindo neste caso aos mandatários judiciais comunicar prontamente ao tribunal essa circunstância impeditiva da sua presença e oferecer logo a respetiva prova, porém, porém, se a prova não for logo oferecida, o juiz, ouvida a parte contrária, admite o requerente a praticar o ato fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.


No caso concreto em apreciação, o despacho proferido em primeira instância a indeferir o invocado justo impedimento e a prosseguir com a realização da audiência sem a presença do Ilustre Mandatário fundamentou-se em duas ordens de razões:


1.º - Que o Ilustre Mandatário não alegou qualquer factualidade concreta que permitisse ao tribunal concluir pela sua impossibilidade absoluta de comparência em juízo;


2.º - Que o Ilustre Mandatário não juntou aos autos qualquer documento que seja idóneo a comprovar o estado de doença invocado.


Por seu turno, a Autora discorda desse entendimento, invocando essencialmente três argumentos:


Primeiro, entende que a autodeclaração de doença, regulada pelo Decreto-Lei 2/2024, comprova que o utente se encontra em situação de doença, declarada por si mesmo, sob compromisso de honra, não dando lugar à emissão de qualquer documento mas tão só ao código único de acesso, acessível no Tutorial do SNS; que este mecanismo surgiu na sequência da adopção legislativa de diversas medidas de desburocratização da administração pública, por isso, a entrega a qualquer autoridade pública ou entidade privada do código de acesso à certidão permanente equivale, por imperativo legal e para todos os efeitos, à entrega de uma certidão do registo comercial, predial, automóvel; outro caso análogo encontra-se regulado pela Portaria n.º 209/2017, de 13 de Julho, que determina que a entrega do código único de acesso substitui a entrega documental, relativamente às certidões emitidas pelas doutas secretarias do Tribunal.


Segundo, entende que seria uma devassa da vida privada e do sigilo médico - ambos os direitos constitucionalmente reconhecidos – sujeitar o visado a descrever mais em pormenor a doença em causa.


Terceiro, entende que o tribunal a quo violou o disposto nos artigos 603.º, n.º 1 e 140.º, do CPC, o que constitui nulidade, nos termos do art.º 195.º, do CPC, dado contender com os princípios do contraditório e da igualdade entre as partes, sendo suscetível de influir no exame ou na decisão da causa, a implicar a anulação de todos os termos subsequentes que dele dependem absolutamente, designadamente da audiência final e da sentença, imputando ainda à decisão recorrida a nulidade prevista no art.º 615.º, n.º 1, al. d), do CPC.


Quid Iuris?


O art. 14.º, n.º 4, do DL 28/2004, de 04/02, sob a epígrafe “Certificação da incapacidade temporária para o trabalho”, dispõe o seguinte:


1 - A certificação da incapacidade temporária para o trabalho é efetuada pelos serviços competentes, através de documento emitido pelos respetivos médicos.


2- (…).


3- (…).


4- A incapacidade temporária para o trabalho pode igualmente ser autodeclarada por compromisso de honra, através de serviço digital do Serviço Nacional de Saúde ou de serviço digital dos serviços regionais de saúde das regiões autónomas, não podendo, contudo, exceder os três dias consecutivos, até ao limite de duas vezes por ano.»”.


A actual redacção deste preceito foi introduzida pelo DL n.º 2/2024 de 05/01, actualmente em vigor e vigente à data dos factos, cujo preâmbulo esclarece os objectivos deste mecanismo, destacando-se o seguinte:


«De acordo com a experiência e o conhecimento gerado ao longo dos anos de vigência dos referidos diplomas, verifica-se a necessidade de se alargar os serviços competentes de cuidados para a emissão da certificação da incapacidade temporária para o trabalho. Efetivamente, as limitações que existem neste âmbito revelam-se desajustadas, obrigando os utentes, em condições de vulnerabilidade e limitação da mobilidade, após serem observados num serviço de saúde privado ou social ou num serviço de urgência do SNS, a deslocar-se a um médico de medicina geral e familiar apenas para a obtenção do CIT [Certificado de Incapacidade para o Trabalho].».


Importa referir que, na redacção anterior do DL 28/2004, de 04/02, o n.º 1 do art. 14.º, dispunha que: “A certificação da incapacidade temporária para o trabalho é efectuada pelos serviços competentes do Serviço Nacional de Saúde, através de documento emitido pelos respectivos médicos.”.


Nesta sequência, constata-se que antes da vigência do DL 2/2024, de 05/01, apenas os médicos dos serviços competentes do Serviço Nacional de Saúde tinham competência para atestar determinada situação de doença, e com este diploma as alterações relevantes são as seguintes:


- A certificação da incapacidade temporária para o trabalho é efetuada pelos serviços competentes, através de documento emitido pelos respetivos médicos;


- Aquela certificação pode igualmente ser autodeclarada por compromisso de honra, através de serviço digital do Serviço Nacional de Saúde ou de serviço digital dos serviços regionais de saúde das regiões autónomas, no entanto, com os seguintes limites: não pode exceder os três dias consecutivos e até ao limite de duas vezes por ano.


Deste modo, a incapacidade para exercer o trabalho, no caso de mandatário, o patrocínio forense, pode ser certificada por documento emitido por médico ou pode ser autodeclarada por compromisso de honra, através do formalismo ali exigido – através de serviço digital do Serviço Nacional de Saúde ou de serviço digital dos serviços regionais de saúde das regiões autónomas.


Volvendo ao caso concreto em apreciação, resulta dos autos que o Ilustre Mandatário da Autora, Dr. DD, no dia anterior à data da realização da audiência final veio comunicar que não podia estar presente nesta em virtude de lhe ter sido acometido de “doença inesperada” e juntou documento contendo a informação referente à “Autodeclaração de doença”, “Registo n.º 8096743”, “data de início: 10/09/2024”, “data de fim: 12/09/2024”, “código: D64IVO6J”.


Ora, atendendo à conjugação de todo o regime legal aplicável, interpretado à luz dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, consideramos que o Ilustre Mandatário deu cumprimento a todos os formalismos exigidos:


- Comunicou ao tribunal a doença no próprio dia do seu início;


- Mencionou tratar-se de “doença inesperada”;


- Informou todos os elementos identificativos do registo no SNS da autodeclaração de doença;


- Daquele registo no SNS resulta que a doença em causa tem a duração de três dias, de 10 a 12 de novembro de 2024, ou seja, abrangente do dia da audiência final.


Assim, julgamos não ser exigível que o mandatário alegasse ainda factos para permitir ao tribunal concluir pela sua “impossibilidade absoluta de comparência em juízo” como entendeu a primeira instância, desde logo porque a lei não exige “impossibilidade absoluta” nem exige que o visado tenha de revelar a doença que padecia (como de igual modo se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11/01/2024, Maria Domingas, proc. n.º 38/22.7T8PTM.E1, www.dgsi.pt)1 ou explicar pormenorizadamente em que sentido a concreta doença seria impeditiva, podendo colocar-se questões de reserva da intimidade da vida privada (cfr. art. 26.º, n.º 1, da Constituição), mas apenas que a falta de comparência resulte de evento não imputável.


No mesmo sentido pode ser consultado o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11/01/2018 (Francisco Xavier, proc. n.º 1122/17.4YLPRT.E1, www.dgsi.pt)2.


Com efeito, para além das doenças inesperadas, existem muitos outros motivos que podem configurar um evento não imputável e que obste à comparência à audiência e assim se verificar o referido justo impedimento, a título meramente exemplificativo, o atraso de um voo devido ao mau tempo que transportava o advogado para a audiência, a intervenção em acidente automóvel na deslocação para a audiência, entre outros.


Em qualquer destes eventos exige-se apenas que o mesmo não seja imputável ao visado, isto é, que este não tenha culpa na sua ocorrência, como sucede no caso de doença.


Importa salientar que a autodeclaração de doença apenas pode ser feita duas vezes por ano, por isso, não se pode afirmar que é excessivo aceitar este mecanismo para justificar a falta do mandatário da Autora à audiência final, nem a lei faz qualquer distinção, aliás, sob pena de violação do princípio da igualdade relativamente aos demais cidadãos (cfr. art. 13.º, da Constituição).


Deste modo, a doença inesperada autodeclarada nos legais formalismos do SNS, comunicada tempestivamente ao tribunal, no próprio dia do seu início, com informação de todos os elementos identificativos do registo no SNS e com duração abrangente do dia da audiência final constitui justo impedimento para efeitos do disposto nos artigos 140.º e 603.º, do CPC.


E quanto à segunda razão apontada pela primeira instância – “Que o Ilustre Mandatário não juntou aos autos qualquer documento que seja idóneo a comprovar o estado de doença invocado”?


Como já referido anteriormente, a autodeclaração de doença não importa a emissão de um “documento”, mas apenas de um registo digital controlável e sindicável do SNS, o que sucedeu no caso concreto, por isso, a junção pelo visado de “Autodeclaração de doença”, “Registo n.º 8096743”, “data de início: 10/09/2024”, “data de fim: 12/09/2024”, “código: D64IVO6J” configura comprovativo idóneo e suficiente, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 140.º, 603.º, do CPC e 14.º, n.º 4, do DL 28/2004, de 04/02, na redacção dada pelo DL 2/2024 de 05/01.


Nesta sequência, o indeferimento do requerido pelo Ilustre Mandatário da Autora e a realização da audiência final na sua ausência, consubstancia uma nulidade porque se trata de uma irregularidade susceptível de influir na decisão da causa, estando em causa os princípios da igualdade e do contraditório (cfr. artigos 3.º e 4.º, do CPC), para efeitos do disposto no art. 195.º, n.º 1, do CPC.


No mesmo sentido, pode ser consultado o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14/07/2022 (Isabel Salgado, proc. n.º 11669/16.4T8SNT-C.L1-7, www.dgsi.pt)3.


E uma vez reconhecida a prática de um acto ferido de nulidade, impõe-se, consequentemente, anular todos os actos subsequentes, designadamente a produção da prova e alegações em audiência final, ao abrigo do disposto no art. 195.º, n.º 2, do CPC.


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2. Responsabilidade tributária:


As custas do recurso são a cargo do vencido a final, ou se não o houver, por ambas as partes, em igual proporção.


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III. DISPOSITIVO


Nos termos e fundamentos expostos,


- Acordam os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar totalmente procedente o recurso de apelação interposto pela Autora e, em consequência, revogar o despacho recorrido e actos subsequentes, incluindo a produção de prova e alegações em sede de audiência final, determinando-se a renovação integral da produção de prova, seguindo-se os demais trâmites até final.


- Custas do recurso são a cargo do vencido a final, ou se não o houver, por ambas as partes, em igual proporção.


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Évora, data e assinatura certificadas

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Relator: Filipe César Osório

1.º Adjunto: Ricardo Manuel Neto Miranda Peixoto

2.º Adjunto: António Fernando Marques da Silva

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1. https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/8e792ba0316b4f9480258ab30033f66d?OpenDocument↩︎

2. https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/-/FAC0CFDA723246358025821F003E3463↩︎

3. https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/7b962f61c54f2879802588c20055e47f?OpenDocument↩︎