TRANSACÇÃO JUDICIAL
SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA
RECURSO
JUNÇÃO DE DOCUMENTOS EM SEDE DE RECURSO
Sumário

Sumário:
1. Apenas será legítima a junção de documentos com as alegações de recurso, nunca depois, quando a sua apresentação não tenha sido possível no momento próprio (nos casos de produção posterior do documento ou conhecimento posterior do documento ou ao seu acesso posterior pelo sujeito) ou, ainda, quando exista necessidade do documento revelada em resultado do julgamento proferido em 1.ª instância (casos de novidade ou imprevisibilidade da decisão).
2. Perante uma transacção judicial ao juiz apenas se impõe o conhecimento das questões relacionadas com a legalidade do acordo e qualidade dos intervenientes, pelo que não será nula a sentença que se abstém de conhecer as demais questões que estavam (ou podiam ter estado) em jogo no processo.
3. Proferida a sentença homologatória, o recurso que a tenha por objeto apenas pode incidir sobre um vício de que enferme essa mesma decisão, não podendo incidir sobre a validade intrínseca do contrato de transacção que foi celebrado entre as partes.

Texto Integral

Apelação n.º 549/20.9T8FAR.E1
(1.ª Secção)

Relator: Filipe Aveiro Marques


1.ª Adjunta: Susana Ferrão da Costa Cabral


2.º Adjunto: Filipe César Osório



*


***


*





Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:

I. RELATÓRIO:

I.A.


No processo de inventário por morte de AA, em que é cabeça‑de‑casal BB e interessados CC e DD, no decurso de conferência de interessados, em 14/11/2024, as partes apresentaram transacção e que foi homologada por sentença.


O interessado CC veio recorrer dessa sentença homologatória.

I.B.

O recorrente apresentou alegações que terminam com as seguintes conclusões:

1. Crê-se, com a devida vénia e salvo melhor opinião, que a Douta Sentença em crise, não poderia de forma expressa aceitar a adjudicação de verbas aos interessados devendo certificar-se de que cada imóvel estaria na proporção certa de direito para ser livremente disposta,

2. O Tribunal a quo não tomou em consideração a partilha efetuada nos termos do processo 12/67 que correu regulares trâmites no Tribunal Judicial de ..., referente à pré-falecida EE 3. A EE era casada no Regime da Comunhão Geral com o Autor da Herança dos presentes autos AA,

4. No referido processo, por óbito de EE, foram determinados os quinhões hereditários da sua primeira classe de sucessíveis, isto é, do seu cônjuge e descendentes.

5. Nos autos em crise o tribunal a quo não tomou em consideração os quinhões hereditários resultantes do processo de inventário ... do Tribunal Judicial da Comarca de ..., pelo que, se dispôs judicialmente de direitos que não eram objeto do presente processo, e já previamente adquiridos pelas partes, pelo que, pelo menos nesta fase, não se encontravam na sua livre disponibilidade.

6. Este erro, decorre única e exclusivamente do comportamento do Recorrido Cabeça de Casal que deliberadamente ocultou dos presentes autos a existência de uma partilha judicial prévia, na qual já havia distribuição de quinhões hereditários, que tornavam a propriedade dos imóveis parcial e não total, pelo que não poderiam, por morte de AA, adjudicar a totalidade das verbas.

7. A vontade do Recorrente foi viciada por erro, no momento da negociação das verbas, nem dos vícios que a enfermam.

8. O erro-vício ou erro-motivo, “que se traduz num erro na formação da vontade e do processo de decisão, existe quando ocorre uma falsa representação da realidade ou a ignorância de circunstâncias de facto ou de direito que intervieram nos motivos da declaração negocial, de modo que, se o declarante tivesse perfeito conhecimento das circunstâncias falsas ou inexatamente representadas, não teria realizado o negócio ou tê-lo-ia realizado em termos diferentes.”

9. Pelo que, aquando da transação estava a vontade do Recorrente ferida de vicio, pois não seriam a totalidade das verbas adjudicadas, na sua totalidade do falecido AA, mas uma parte do direito já pertencia ao Recorrente e Recorridos pelo inventario por morte de EE,

10. Conduzindo a uma vontade nula, exteriorizada na transação a qual foi homologada por sentença judicial.

11. Para além do mais, ao não se informar os presentes autos da prévia partilha de bens por óbito de EE, criou-se um error ictus da sentença, o qual conduz à sua nulidade nos termos do disposto no artigo na alínea d) do número 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil.

12. Acresce que quanto a este processo de inventário de 1967, que determinou, pois, a composição dos quinhões hereditários do Recorrente e Recorridos, vigora, pois, o princípio do caso julgado.

13. Ora, o caso julgado material produz os seus efeitos por duas vias: pode impor-se, na sua vertente negativa, por via da excepção de caso julgado no sentido de impedir a reapreciação da relação ou situação jurídica material que já foi definida por sentença transitada e pode impor-se, na sua vertente positiva, por via da autoridade do caso julgado, vinculando o tribunal e as partes a acatar o que aí ficou definido em quaisquer outras decisões que venham a ser proferidas.

14. O presente processo que corre regulares trâmites sob o número 549/20.9... apenas pode versar sobre a meação e quinhão hereditário que o de cujus AA obteve pela morte da sua mulher, e não, sob a totalidade das três verbas inventariadas, as quais no âmbito do processo de inventário nº ... já haviam, sido, parcialmente e na proporção distribuídas aos sucessíveis desta.

15. Motivo pelo qual não podia ter sido sequer lavrada a Ap. 19 de 2007/04/10 pela Conservatória do Registo Predial de ..., onde por sucessão mortis causa de AA se transfere a totalidade da propriedade dos bens aos herdeiros, uma vez, que por óbito de EE, os mesmos já tinham parte destes mesmos prédios no seu quinhão hereditário.

16. Assim, não podia a presente decisão judicial, designadamente, a homologação de transação, se pronunciar sobre direitos que já haviam sido previamente adquiridos pelos herdeiros, e apenas sob a meação de AA, sob pena da violação do princípio do caso julgado. O que se traduz em nulidade insanável!

17. Assim a Sentença proferida nos presentes autos tem que ser havida como nula na aplicação do direito (error juris), uma vez, que o se encontra decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei, consiste num desvio à realidade factual - nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma- ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma.

18. Ou seja, existe dissonância absoluta entre o objeto dos dois processos que incidem sob a propriedade dos prédios ora inventariados, uma vez, que o mais recente anulará inteiramente o anterior, no que diz respeito à prévia composição dos quinhões hereditários – isto é, no que diz respeito aos processos ... e 549/20.9...,

19. O erro de julgamento, que se verifica é um erro de carater substancial e ocorre quando na decisão proferida a lei é mal aplicada ou há um erro quanto à questão de facto ou de direito apreciada, que afeta o fundo ou o efeito da decisão, e dita a sua revogação por estar desconforme ao caso ou ao direito.

20. E, nesta sequência determina a alínea d) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil “É nula a sentença quando: O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”,

21. Ora, salvo melhor entendimento a Meritíssima Juiz a quo, não poderia, tout cour tomar posição quanto à adjudicação de verbas de quinhão hereditário que já, em sede prévia, designadamente em 1967, foram parcialmente distribuídas ao Recorrente e Recorridos, sendo o Direito que compõe a herança indivisa parcial e não total, sob pena de nulidade, a qual é insanável.

22. Tendo-se pronunciado, pela totalidade da adjudicação das verbas aos herdeiros, entendemos mui respeitosamente, que se verifica nulidade da Sentença.

23. Requerendo-se, pois, que seja decretada a nulidade da homologação da transação judicial por sentença, e, em consequência seja ordenada à luz destes elementos, que deveriam ter sido fornecidos pelo cabeça de casal, a repetição da conferência de interessados.

24. A qual, deverá ter em consideração única e exclusivamente o acervo hereditário do de cujus AA, e nunca conduzir á disposição arbitrária de verbas, de forma que colidam com o prévio processo de inventário que correu regulares trâmites por óbito de EE sob o nº ... do Tribunal Judicial de ..., o qual tem força de caso julgado e não pode ser alterado.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO QUE OS VENERANDOS DESEMBARGADORES DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVE O PRESENTE RECURSO: SER ADMITIDO SENDO EM CONSEQUÊNCIA SER DECLARADA COMO NULA A SENTENÇA DO TRIBUNAL A QUO, ORDENANDO-SE A REPETIÇÃO DA CONFERÊNCIA DE INTERESSADOS PARA A CORRETA DETERMINAÇÃO DA ADJUDICAÇÃO DE VERBAS POR ÓBITO DE AA

COM O QUE SE FARÁ JUSTIÇA!

I.C.

JOSÉ DE SOUSA EPAMINONDAS, cabeça de casal, veio apresentar resposta e termina com as seguintes conclusões:

I – As partes intervenientes na transação são legítimas, são as próprias, tem capacidade legitimária e o objecto é disponível. Arts 287º e 289º CPC, arts. 280º e 281º CC.

II – A sentença proferida foi uma sentença de mérito, respeitou vontade das partes e a instância extinguiu-se com a prolação da mesma. Art 277º al d) CPC.

III – Os fundamentos invocados para a anulação da mesma são inexistentes.

IV – Os documentos juntos não devem ser considerados. Artºs, 425ºe 651º NCPC.

V – Improcedem todas as conclusões apresentadas pelo recorrente.

VI - O presente recurso deve ser rejeitado.

I.D.


O recurso foi recebido pelo tribunal a quo.


Após os vistos, cumpre decidir.



***


II. QUESTÕES A DECIDIR:

As conclusões das alegações de recurso delimitam o respetivo objecto de acordo com o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, mas não haverá lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).


Assim, no caso, impõe-se apreciar:

a. Junção de documentos;

b. Invocadas nulidades da sentença;

c. Eventual erro da sentença recorrida.



*


III. FUNDAMENTAÇÃO:

III.A. Junção de documentos:

Com as suas alegações de 18/12/2024 (REFª: 50821633), o recorrente requereu a junção de um documento (documento n.º 2 – cópia de requerimento para inscrição de aquisição no registo predial, datado de 29/09/2006) e protestou juntar outro (que intitulou de documento n.º 1).


Por requerimento de 22/12/2024 (REFª: 50846732) o recorrente veio proceder à junção do “documento n.º 1” (certidão do processo de Inventário Obrigatório n.º ..., do arquivo distrital de ...).


O apelado/recorrido veio, expressamente, opor-se à requerida junção.


Nos termos do artigo 651.º do Código de Processo Civil, as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º do mesmo diploma ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.


Decorre, ainda desse artigo 651.º (no n.º 2) que depois das alegações e até ao início do prazo para a elaboração do projecto de acórdão (cf. artigo 657.º, n.º 1, do mesmo diploma), as partes podem juntar pareceres de jurisconsultos.


O que decorre desta norma é que apenas será legítima a junção de documentos com as alegações (e não depois) quando:

a. a sua apresentação não tenha sido possível no momento próprio (até ao encerramento da discussão) e, por isso, nos casos de superveniência objectiva (produção posterior do documento) ou subjectiva (conhecimento posterior do documento ou ao seu acesso posterior pelo sujeito);

b. exista necessidade do documento revelada em resultado do julgamento proferido em 1.ª instância (casos de novidade ou imprevisibilidade da decisão) – neste sentido ver Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30/04/2019, processo n.º 22946/11.0T2SNT-A.L1.S2[1].


No caso, a junção do “documento 1” foi posterior às alegações o que, desde logo, impede a sua junção (neste sentido ver Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10/07/2024, processo n.º 3877/21.2T8MTS.P1[2]) e torna inútil a apreciação dos demais requisitos (embora se diga que dificilmente eles estariam reunidos).


Quanto ao “documento n.º 2”, atendendo à data do mesmo não se vislumbra existir qualquer superveniência objectiva, mas também não invoca o recorrente qualquer facto de onde se possa retirar a superveniência subjectiva (além de que nesse documento parece estar presente a assinatura do ora recorrente – a significar que teria conhecimento do mesmo desde que foi produzido).


Finalmente, tratando-se de sentença homologatória de um acordo em que todos os interessados tiveram intervenção não se pode dizer que a decisão tenha sido uma novidade ou tenha sido imprevisível. O documento, de resto, diz respeito a questão (o ora inventariado faleceu no estado de viúvo de EE e, portanto, o património desta não poderia ser totalmente esquecido) que foi levantada logo nas declarações do cabeça-de-casal, pelo que também não está preenchido este requisito.


Não pode, por isso, ser admitida a junção dos documentos.



*


III.B. Apreciação das invocadas nulidades da sentença recorrida:

Em substância, veio recorrente invocar que o erro da sentença (por não considerar anterior partilha) conduz à sua nulidade nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil (conclusões 11 e 21).


Estabelece o artigo 615.º, n.º 1 do Código de Processo Civil que:

É nula a sentença quando:

a) Não contenha a assinatura do juiz;

b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”.

A omissão de pronúncia está relacionada com o disposto no artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, onde se exige ao juiz que resolva todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cujas decisões estejam prejudicadas pela solução dada a outras.


Perante uma transacção judicial ao juiz apenas se impõe o conhecimento das questões indicadas no artigo 290.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, pelo que não será nula a sentença que, naturalmente, se abstém de conhecer as demais questões que estavam (ou podiam ter estado) em jogo no processo de inventário.


Não se vislumbra, nem o recorrente o diz, que a sentença tenha deixado de conhecer alguma questão relevante para apreciar a validade da transacção, pelo que improcede esta parte da apelação.



*


III.C. Fundamentação de facto:

III.C.1. Factos provados:

Retira-se dos autos a seguinte matéria de facto:

1. BB veio, em 18/02/2020, requerer a instauração de inventário por morte de AA (falecido em .../.../1987 no estado de viúvo).

2. Por despacho de 26/02/2020 determinou-se o aperfeiçoamento desse requerimento.

3. Por requerimento de 18/05/2020 o requerente identificou os interessados e juntou relação de bens.

4. Por despacho de 25/06/2020 foi determinada a citação dos interessados.

5. Por requerimento de 3/09/2020 o ora recorrente FF apresentou reclamação à relação de bens.

6. O cabeça-de-casal BB respondeu a essa reclamação.

7. Por despacho de 12/11/2020 foi designada audiência prévia.

8. Por despacho de 26/02/2022 foi decidido julgar improcedente a reclamação apresentada pelo interessado e ora recorrente CC.

9. Por despacho de 16/05/2022, após pronúncia das partes, foi proferido despacho determinativo da forma à partilha e designou-se data para realização da conferência de interessados.

10. Por despachos de 6/07/2022 e 18/07/2022 foi determinada a realização de avaliação aos imóveis identificados na relação de bens.

11. Designou-se nova data para a conferência de interessados por despacho de 10/10/2024.

12. Realizada conferência de interessados no dia 14/11/2024, na presença de todos os interessados (sendo que o cabeça-de-casal e o ora recorrente estavam, igualmente, representados por Ilustres advogados) foi tentada a conciliação que, após conversações, foi exarada nos seguintes termos:

1. A verba n. º 1 fica adjudicada ao Interessado CC;

2. A verba n. º 2 fica adjudicada ao Cabeça de Casal BB e ao interessado DD;

3. A verba n. º 3 fica adjudicada ao Cabeça de Casal BB e ao interessado DD;

4. Consigna-se que as partes prescindem mutuamente de tornas;

5. Custas a suportar em partes iguais.

13. De seguida foi proferida a seguinte sentença:

Homologa-se por sentença o acordo que antecede, por válido e regular, dada a natureza disponível do objeto do litígio e a qualidade dos intervenientes, e, em consequência, adjudicam-se os bens nos termos acordados, a saber: - cfr. artigos 277º, al. d), 283º, n.º 2, 284º e 290º n.º 3, todos do Código Processo Civil.

A verba n.º 1 fica adjudica ao Interessado CC; A verba n.º 2 fica adjudica ao Cabeça de Casal BB e ao interessado DD; A verba n.º 3 fica adjudica ao Cabeça de Casal BB e ao interessado DD;

Adjudique os bens relacionados nos termos do acordo supra referido.

Fixa-se à causa ao valor de €283.200,00 (…);

Custas nos termos acordados, conforme disposto pelo art.º 537.º, n.º 2 do Código do Processo Civil.

Registe e notifique.”.


*




III.D. Fundamentação jurídica:


A sentença que homologa uma transacção é recorrível nos termos gerais.


Acontece que essa sentença não conhece do mérito da causa. Antes “chama” a si a solução de mérito para que apontou o contrato de transacção celebrado pelas partes (cf. artigo 1248.º do Código Civil), acabando por dar uma solução ao litígio, mas sempre em concordância com a vontade das partes – neste sentido ver Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25/03/2004, processo n.º 03B4074[3] e de 13/11/2018, processo n.º 97/15.9T8MGR.C1.S1[4].


Daí que a intervenção do juiz ao proferir sentença homologatória de uma transacção é de mera fiscalização sobre a legalidade do objecto desse contrato (se versa, ou não, sobre direitos na livre disponibilidade das partes e se existem recíprocas concessões) e da qualidade das pessoas que o celebram. Essa sentença não conhece do mérito da causa, antes sanciona a solução que as partes encontraram para terminar o litígio (cf. artigos 277.º, alínea d), 283.º, n.º 2, 284.º, 289.º e 290.º do Código de Processo Civil), “como que absorvendo o acertamento que esses sujeitos processuais deram ao litígio, no âmbito da autonomia privada e dentro dos limites da lei, convencionando o que bem entenderam quanto ao objecto da causa” (nas palavras do Acórdão da Relação do Porto de 21/12/2006, processo n.º 0633635[5]).


Proferida a sentença homologatória, o recurso que a tenha por objeto apenas pode incidir sobre um vício de que enferme essa mesma decisão. Não pode incidir sobre o mérito da transacção que foi homologada, ou, por outras palavras, sobre a validade intrínseca do contrato de transacção que foi celebrado entre as partes.


A transacção (tal como a confissão e a desistência) pode ser declarada nula ou anulada como os outros actos da mesma natureza. O trânsito em julgado da sentença homologatória proferida não obsta a que se intente acção destinada à declaração de nulidade ou anulação do acordo ou, ainda, por outra via, que se peça a revisão da sentença com esse fundamento (tudo sem prejuízo da caducidade do direito à anulação, cf. artigo 291.º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil), mas o recurso de uma sentença homologatória de uma transacção não constitui a sede própria para se pôr em causa a validade substantiva do contrato de transacção sobre o qual aquela incidiu (neste sentido, entre outros, Acórdão do Tribunal de Relação de Lisboa de 12/12/2013, processo n.º 6898/11.0TBCSC.L1-1[6], o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20/09/2021, processo n.º 2676/15.5T8PNF-C.P1[7] e o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26/04/2022, processo n.º 651/20.7T8LMG-A.C1[8]).


No caso dos autos, o recorrente não indica nenhum dos vícios de que poderia padecer a sentença recorrida. É, de resto, claro que estavam cumpridos os requisitos formais exigidos para a homologação da transacção em causa (o litígio versava sobre direitos na livre disponibilidade das partes, houve recíprocas concessões e as pessoas que intervieram na transacção tinham poderes para transigir).


A sentença recorrida não enferma de qualquer vício ou erro e, por isso, improcede a apelação.



*




As custas do presente recurso e do incidente relativo à junção dos documentos (cuja taxa se deve fixar no mínimo legal de 1 Unidade de Conta) deverão ficar a cargo do recorrente, por ter ficado vencido, nos termos do disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil e 7.º, n.º 8, do Regulamento das Custas Processuais, tudo sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.



***




IV. DECISÃO:


Em face do exposto, decide-se:

a. Não admitir a junção de documentos requerida pelo recorrente com as alegações de 18/12/2024 (REFª: 50821633) e, posteriormente, com o requerimento de 22/12/2024 (REFª: 50846732) e determinar o seu desentranhamento;

b. Julgar improcedente a apelação e, em conformidade, confirmar a decisão recorrida.


Condena-se o apelante nas custas do recurso e, ainda, do incidente relativo à junção dos documentos, cuja taxa de justiça se fixa em 1 (uma) unidade de conta.


Notifique.



Évora, 27 de Fevereiro de 2025


Filipe Aveiro Marques


Susana Ferrão da Costa Cabral


Filipe César Osório

_____________________________________________

1. Acessível em https://www.jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2019:22946.11.0T2SNT.A.L1.S.F5.↩︎

2. Acessível em https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/7794622052767f9180258b9c00470e4f.↩︎

3. Acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/00ee227e75c7d27280256e9b00334d2b.↩︎

4. Acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/597e8d15b8bbe4a18025834c003d2e18.↩︎

5. Acessível em https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/d09a8e0f8e05452d8025727b003e19f8.↩︎

6. Acessível em https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/c234f00d77e5171a80257cab0067d490.↩︎

7. Acessível em https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/9f7652f4f87f66c180258758004a390d.↩︎

8. Acessível em https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/4412f4f4cb28e34680258845003635f5.↩︎