Sumário:
Estando a execução fiscal “parada”, em consequência de processo de contencioso apresentado, não pode ser levantada a suspensão da instância de execução comum por inexistir suporte legal para o afastamento do artigo 794.º do C.P.C.
O BPI, SA intentou processo de execução contra Luximar-transformação Importação de Mármores e Granitos Lda, AA e BB
No âmbito dos presentes autos mostram-se penhorados os seguintes bens imóveis:
•Verba 1: Parque Industrial de ... - Lote 177, ... ...;
•Verba 2: Parque Industrial de ... - Lote 178, ... ...;
•Verba 3: Parque Industrial de ... - Lote 179, ... ...;
•Verba 4: Parque Industrial de ... - Lote 180, ... ..., e,
•Verba 5: Parque Industrial de ... - Lote 181, ... ....
Por existência de penhora anterior a favor da Fazenda Nacional foi a presente execução sustada nos termos do disposto no artigo 794.º do Código de Processo Civil.
No dia 27.04.2023 foi o Credor Reclamante e aqui Exequente/Recorrente notificado do ofício emitido pelo “SF” competente, com o seguinte teor o qual já se mostra junto nos autos principais:
«Em conformidade com o solicitado no mail infra, cumpre informar que, no âmbito do Processo de Execução Fiscal n.º ... e apensos não se encontra marcada qualquer data para a venda dos bens penhorados.
Mais se informa que, a penhora dos bens em questão foi efetivada para efeitos de prestação de garantia e suspensão dos autos executivos em conformidade com o disposto no artigo 169.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário uma vez que a dívida se encontra litigada no âmbito do processo de contencioso ....
Com os melhores cumprimentos, A Chefe de Finanças»
O exequente requereu o levantamento da sustação da execução, alegando que a execução fiscal foi sustada.
Tal requerimento foi objecto da seguinte decisão (decisão recorrida):
«- Do levantamento da sustação da execução – ref. ª 3623558:
Para fundamentar o pedido de levantamento da sustação da execução, alega a exequente que a execução fiscal onde foi realizada penhora prioritária que determinou a sustação destes autos, encontra-se sustada e que tal penhora foi prestada como garantia de suspensão dos autos executivos, na medida em que a dívida é litigiosa e encontra-se em contencioso.
A Autoridade Tribunal assim o confirmou.
Notificados os demais sujeitos processuais, os mesmos remeteram-se ao silêncio.
Cumpre apreciar e decidir:
Preceitua o artigo 794.º, n.º 1, do C.P.C, que, existindo várias execuções em que esteja em causa o mesmo bem (penhora), os credores possam ser ressarcidos na execução em que o registo da penhora seja anterior, impedindo assim que a venda e adjudicação do mesmo bem tenha lugar em processos diferentes, bem como a inexistência de qualquer impedimento legal do prosseguimento normal dos processos.
No caso em estudo, a execução foi sustada quanto ao bem imóvel penhorado nestes autos em 02.02.2023, para que a exequente fosse reclamar o seu crédito junto da execução fiscal, em virtude de penhora anterior à sua sobre o mesmo bem.
Todavia, nos autos de execução fiscal, a penhora foi prestada enquanto garantia da suspensão dos autos executivos, pelo facto da divida estar em contencioso, ao abrigo do disposto no artigo 169.º, do C.P.P.T.
Entende o Tribunal que o levantamento da sustação determinada ao abrigo do normativo sobredito, só se justifica quando o imóvel penhorado em execução fiscal se trata de casa de habitação permanente, o que impede a sua venda naqueles autos.
Todavia, não é essa a situação em apreço.
O imóvel não se trata de casa de habitação permanente, nem isso foi aqui invocado.
A venda não está impossibilitada de ser concretizada na execução fiscal.
O facto da execução em que foi efectuada a penhora mais antiga não estar em movimento, mas «estar em fase processual de onde a sua prossecução seja possível, à luz da tramitação processual prevista» (vide neste sentido, ac.STJ de 09.06.2005, disponível in www.dgsi.pt), não pode inviabilizar a aplicação do disposto no artigo 794.º, do C.P.C.
Estando a execução em que ocorreu a penhora mais antiga em posição de poder prosseguir, ainda que não imediatamente, e sobretudo quando esse compasso de espera não se fique a dever à inércia do exequente, não se veem motivos que permitam a ultrapassagem da norma do nº 1 do artigo 794º, do C.P.C..
Esta tem sido a posição do Tribunal, mesmo em situações em que a espera no andamento da execução fiscal se fique a dever à satisfação prestacional do crédito aí exequendo e que venha sendo realizada.
Deste modo, entende o Tribunal não se estar perante uma situação excepcional que justifique o afastamento do disposto no artigo 794.º, do C.P.C.
Destarte, considera-se não haver lugar ao levantamento da sustação da execução, o que ora se determina.
Notifique.
Ref.ª 3904086
Proceda-se à imobilização do(s) veículo(s) penhorado(s), designadamente através de imposição de selos e apreensão dos respectivos documentos, através de autoridade policial (cfr. artigo 768.º, n.ºs 2 e 3, do Código Processo Civil e 17º, n. º1, do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12.02»
Banco BPI, S.A. recorreu dessa decisão, com as seguintes alegações de recurso (transcrição):
A. No âmbito dos presentes autos mostram-se penhorados os seguintes bens imóveis:
•Verba 1: Parque Industrial de ... - Lote 177, ... ...;
•Verba 2: Parque Industrial de ... - Lote 178, ... ...;
•Verba 3: Parque Industrial de ... - Lote 179, ... ...;
•Verba 4: Parque Industrial de ... - Lote 180, ... ..., e,
•Verba 5: Parque Industrial de ... - Lote 181, ... ....
B. Sucede que por existência de penhora anterior a favor da Fazenda Nacional foi a presente execução sustada nos termos do disposto no artigo 794.º do Código de Processo Civil.
C. Tendo o Exequente ido ali reclamar os seus créditos.
D. Sucede que, no dia27.04.2023 foi o Credor Reclamante e aqui Exequente/Recorrente notificado do ofício emitido pelo “SF” competente, com o seguinte teor o qual já se mostra junto nos autos principais:
Em conformidade com o solicitado no mail infra, cumpre informar que, no âmbito do Processo de Execução Fiscal n.º ... e apensos não se encontra marcada qualquer data para a venda dos bens penhorados.
Mais se informa que a penhora dos bens em questão foi efetivada para efeitos de prestação de garantia e suspensão dos autos executivos em conformidade com o disposto no artigo 169.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário uma vez que a dívida se encontra litigada no âmbito do processo de contencioso ....
Com os melhores cumprimentos,
A Chefe de Finanças
CC
E. Ora, extrai-se da referida comunicação que a venda dos imóveis ali em causa não irá ocorrer, encontrando-se os mesmos ali penhorados apenas para efeitos de prestação de garantia e suspensão dos autos executivos em conformidade com o disposto no artigo 169.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário uma vez que a dívida se encontra litigada no âmbito do processo de contencioso ....
F. No respetivo processo de execução fiscal, nenhum bem pode ser objeto de venda porquanto se encontram os mesmos suspensos.
G. E não o pode fazer porquanto conforme expôs a AT a “penhora dos bens em questão foi efetivada para efeitos de prestação de garantia e suspensão dos autos executivos em conformidade com o disposto no artigo 169 do C.P.P.T.
H. Extrai-se da referida comunicação/ofício que a penhora dos bens imóveis aqui em objeto foi efetivada única e exclusivamente para efeitos de prestação de garantia e suspensão dos autos executivos.
I. O que significa que desde a sua origem tal execução semostra suspensa, sem qualquer possibilidade de venda dos bens penhorados, não sem antes se mostrar finda a contenda litigiosa associada – processo de contencioso ....
J. Que como é apanágio anos/décadas demorará.
K. No caso concreto, os bens mostram-se penhorados desde 27/11/2018, ou seja, já mediados cinco anos, sem que na perspetiva do douto Despacho fosse viável a qualquer credor terceiro obter ressarcimento por recurso a tal bem dado que na sua ótica apenas HPP poderia despoletar tal consequência.
L. O que é de todo incompreensível, ilógico e limitador dos direitos dos credores.
M. Dado que, tal venda ali nunca poderá ocorrer até resolução do processo em contencioso, mas certamente poderia correr na execução cível sendo, como todos os credores o são, a AT citada em conformidade para reclamar os seus créditos.
N. Ora, quanto à referida execução fiscal, o ali Credor e aqui Recorrente nada poderá fazer com vista a estimular o seu prosseguimento.
O. Acresce ainda que em caso de improcedência do litígio por parte da Executada outro fator viria ainda a prejudicar o Recorrente que seria a realização de eventual acordo em prestações.
P. O que faria duplicar o número de anos que o Recorrente se veria limitado na efetivação dos seus direitos com vista à recuperação da sua divida perante os bens da Devedora que legitimamente penhorou.
Q. Sem que nesse intervalo o Recorrente com penhora posterior possa interagir/influir na tramitação da referida execução fiscal.
R. A vicissitude da execução fiscal –a que o exequente se sujeita –é de tal forma gravosa que, num quadro de necessária ponderação do interesse público em jogo naquela execução, afeta de forma totalmente desproporcionada a sua garantia.
S. Refere Lopes Cardoso - Manual da Ação Executiva, 3 ed. pág. 527: Neste caso (o do n. 1 do art. 871 do CPC), a reclamação não tem apenas por fim desembaraçar de encargos os bens a vender ou a adjudicar; destina-se essencialmente a evitar a pendência de duas execuções simultâneas sobre os mesmos bens.
T. Ora, aqui chegados, importa trazer à evidência que o artigo 794 do CPC está construído no sentido de evitar interferência quando as execuções em causa, com penhoras sobre o mesmo bem, estejam em movimento, isto é, a correr os seus termos normais.
U. Porquanto só nestas é que, a não se verificar a suspensão estabelecida no artigo 794, correria o risco dos termos de cada execução serem incompatíveis com os das restantes, por exemplo, o mesmo bem ficar sujeito, simultaneamente, a duas vendas.
V. No entanto, não na hipótese dos autos em que uma das execuções está suspensa ab initio, devido ao facto da executada ter procedido à constituição de garantias da quantia exequenda, por via de penhora dos bens imóveis em objeto.
W. Ora, como é evidente o processamento da execução em que os bens foram penhorados em segundo lugar não pode logicamente contender com o processamento da outra execução, o qual, enquanto a execução estiver suspensa, é inexistente.
X. Nem se estaria a inverter a ordem de prioridade processual das penhoras dado que esta prioridades se funda na garantia do pagamento preferencial do credor que tenha seu favor penhora mais antiga.
Y. Não tem qualquer lógica processual que seja a execução do credor com penhora registada em primeiro lugar que devesse ficar suspensa, quando é certo que é ele que vai ser pago em primeiro lugar.
Z. Contudo, tal razão deve ceder perante a situação a que levaria a sua observância extrema.
AA. Que é o que sucede nos autos.
BB. O Recorrente nos termos do artigo 794 ficará impossibilitado de satisfazer o seu crédito em qualquer execução: naquela em que é exequente, porque apenhora era mais recente, na outra execução, porque devido à sua suspensão, nem seria admitida a reclamação ou sendo admitida nenhuma tramitação levaria.
CC. O impasse a que objetivamenteo despacho recorrido confinou o Recorrente, enquanto exequente e credor traduz-se, para além do mais, em termos práticos, no indevido bloqueamento do princípio consagrado no artigo 2 do CPC, segundo o qual todo o direito corresponde uma ação destinada a fazê-lo reconhecer em juízo, ou a realizá-lo coercivamente.
DD. Ou seja, o direito ao pagamento preferencial não é um direito absoluto que possa esvaziar de conteúdo os direitos de outros credores em qualquer circunstância.
EE. Acresce que, se atempadamente a execução suspensa voltar a correr termos, voltará a ser oportuna a suspensão da outra instância, na forma prevista no artigo 794 do CPC.
FF. Carecendo de qualquer fundamento o teor do douto Despacho quando refere que Estando a execução em que ocorreu a penhora mais antiga em posição de poder prosseguir, ainda que não imediatamente, e sobretudo quando esse compasso de espera não se fique a dever à inércia do exequente, não se veem motivos quepermitam a ultrapassagem da norma do nº 1 do artigo 794º, do C.P.C..
GG. Iráo Credorficar ad eterno à espera que a execução possa prosseguir? Baseado numa eventualidadedeprossecução? Sem qualquer linha orientadora no tempo? Dependente da concretização de um processo cuja natureza nem executiva é?
Em suma,
HH. Importa assim frisar que à luz dos factos apurados nos presentes autos de execução, não se deve manter a suspensão da execução, nos termos do art.º 794º, n.º 1 do CPC, relativamente aos imóveis que aqui foram objeto de segunda penhora, face à pendência da execução fiscal.
II. O Mmo. juiz “a quo” não cumpriu o dever decorrente do princípio da adequação formal, previsto no artigo 547º do CPC, já que, face à situação de facto existente, deveria ter adequado o processo à sua mais célere e justa resolução, assegurando um processo equitativo.
JJ. No entanto optou por não o fazer limitando a sindicar que O critério que terá de nortear a decisão, na situação em apreço, não se pode prender com a celeridade processual, uma vez que não é esse o escopo do regime jurídico em causa. Reforça-se que o disposto no artigo 794.º, do C.P.C. tem como intuito impedir que a venda e adjudicação do mesmo bem tenha lugar em processos diferentes e não verificar em que processo essa venda se torna mais célere.
KK. É precisamente uma situação anómala a existente nos autos dado que o Credor nada tema opor à sustação da execução quando ambos os processos se encontrem na mesma dinâmica processual, no entanto, tal não sucede no caso presente.
LL.Os processos não estão na mesma dinâmica.
MM. Um está originariamente suspenso e outro originariamente ativo.
NN. No presente nenhum obstáculo existe à sua prossecução, mas no fiscal terá o Recorrente de ficar ad eterno à espera a resolução do processo litigioso em curso.
OO. Beneficiando-se com isto apenas a Devedora que nada paga e mantém os bens na sua esfera.
PP. Prejudicando os interesses do Credor.
QQ. Tudo suportado numa análise restritiva do normativo.
RR. Análise essa que deveria ser suportada num espírito critico para o caso que se nos ocupa, num pensamento lógico e racional que visasse a proteção do interesse dos credores e a manutenção da salvaguarda dos interesses processualmente relevantes.
SS. O douto Despacho não atentou à factualidade existente e geradora de grave conflito de direitos cujo prejuízo ao Recorrente é extremamente gravoso colocando o mesmo como acima se expôs numa situação de impasse em que não poderá por via da penhora legalmente registada sobre bens da Devedora ver a sua divida ressarcida com a venda dos referidos bens.
TT.O Mmo. Juiz “a quo” deveria ter ordenado o levantamento da sustação e o prosseguimento dos autos para a venda dos imóveis penhorados, bem como a convocação da Fazenda Nacional para reclamar os seus créditos na presente execução, tendo, ao invés, colocado a exequente numa situação de impasse quanto à possibilidade de exercício dos seus direitos.
UU.A posição acolhida no douto despacho recorrido não respeitou, pois, o direito de propriedade privada, a garantia do credor à satisfação do seu crédito e a realização de uma justiça efetiva e célere, conforme constitucionalmente consagrado nos artigos 62º, nº 1, 18º e 20º nºs 1 e 4, da C.R.P.
VV.Impõe-se assim na ótica do Recorrente a necessária revogação do douto despacho proferido, devendo o mesmo ser substituído por outro que atenta a factualidade aqui elencada defira o levantamento da suspensão da sustação da presente execução relativamente ao imóvel penhorado e o prosseguimento dos autos, com vista à realização da venda dos bens em causa, prosseguindo-se os seus normais ulteriores termos.
Nestes termos e com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deverá ser julgado procedente o presente recurso e, em consequência, revogar-se o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que dê andamento aos autos, conforme requer o Recorrente.
Assim se fazendo inteira JUSTIÇA».
Nas contra-alegações a recorrida concluiu o seguinte (transcrição):
«A. Vem o recurso ora interposto do Douto Despacho proferido pelo Tribunal a quo, o qual decidiu não haver lugar ao levantamento da sustação da presente execução, uma vez que sobre os bens penhorados em sede dos presentes autos já havia sido registada penhora anterior a favor da Fazenda Nacional, tudo nos termos e em cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 794.º do Código de Processo Civil (CPC).
B. Com o devido respeito, entende a aqui Recorrida que não assiste razão ao Recorrente, nomeadamente quando refere em sede de alegações que nos presentes autos não se verifica o circunstancialismo do artigo 794.º do CPC e ainda quando conclui que o despacho proferido pelo Douto Tribunal a quo viola os direitos e garantias constitucionalmente consagrados nos artigos 62.º, n.º 1, 18.º e 20.º, n.ºs 1 e 4, todos da Constituição da República Portuguesa (CRP).
C. Em causa está a penhora de cinco bens imóveis, da propriedade da aqui Recorrida, em duas execuções distintas, sendo a mais antiga a que corre termos em execução fiscal.
D. Pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, foi a presente execução sustada, considerando que a sua penhora é posterior, tendo o aqui recorrente reclamado o seu crédito em sede de execução fiscal, nos termos do n.º 2 do artigo 794.º do CPC.
E. Ora, o artigo 794.º, n.º 3, do C.P.C. faculta ao exequente uma opção: ou mantém a penhora no bem que já foi penhorado em outro processo, ficando a sua execução sustada e reclamando o seu crédito no processo em que foi efectuada a penhora em primeiro lugar; ou desiste da penhora relativamente ao bem penhorado na execução por si interposta e indica outros em sua substituição. – Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, processo n.º 122/16.6T8CBA-A.E1, de 22/03/2018.
F. Nestes termos, aquando da decisão de manter as penhoras e reclamar o seu crédito na execução fiscal, o Recorrente já sabia (ou pelo menos devia saber) que os presentes autos ficariam sustados.
G. Pelo que, não pode o Recorrente, em oposição àquilo que foi por si decidido e ao estabelecido pelo legislador, vir agora requerer o levantamento da sustação decretada nos presentes autos e colocar em causa todo o regime previsto no artigo 794.º do CPC.
H. Ao contrário do que alega o Recorrente, a execução fiscal não se encontra parada e, portanto, pode prosseguir para a venda.
I. Com o devido respeito, o facto de a Autoridade Tributária e Aduaneira comunicar que a penhora registada em primeiro lugar e a seu favor foi efetivada para efeitos de prestação de garantia e suspensão dos autos executivos, uma vez que a divida se encontra litigada em processo judicial em curso,
J. Não significa que a execução fiscal não esteja ativa, nem tão pouco que a venda dos bens não possa vir a ocorrer nessa sede.
K. Na verdade, mantém-se a suscetibilidade do processo de execução fiscal vir a chegar à fase da venda, bastando, para que tal aconteça, que a decisão judicial que venha a ser proferida seja desfavorável à Recorrida.
L. Ainda assim, caso se entenda que a execução fiscal não está em movimento, o que não se concede, jamais, se poderá aceitar o entendimento nas situações de concorrência entre a execução comum e a execução fiscal de que (…) é necessário que esta execução – em que foi primeiramente registada a penhora – se encontre em movimento e que, em qualquer caso em que não o esteja, a defesa dos credores genéricos implica a desaplicação do n.º 1 do artigo 794.º do CPC, com a consequente levantamento da sustação da execução comum.
Desde que a execução em que foi efectuada a penhora mais antiga, apesar de não estar em movimento, esteja em fase processual de onde a sua prossecução seja possível à luz da tramitação processual prevista, não deve ultrapassar-se a regra do art 871º do CPC reactivando-se tal execução, ainda que tal se traduza numa demora significativa na realização do crédito.
Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo n.º 4005/044TBLRA-D.C1, de 30.05.2023.
M. Como decidiu o Douto Tribunal a quo, a execução fiscal encontra-se em posição de poder prosseguir.
N. O problema é (tão só) do tempo de satisfação do crédito, não sendo excludente essa realização – Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 29/10/2012.
O. E, nesse pressuposto, verifica-se a ratio legis do artigo 794.º, n.º 1 do CPC.
P. Ademais, conforme decidido pelo Douto Tribunal a quo, nos presentes autos não se verifica qualquer fundamento legal que permita o afastamento da aplicação do regime previsto no n.º 1 do artigo 794.º do CPC, uma vez que o CPPT não prevê, para situações como a dos presentes autos, a proibição de venda dos bens para pagamento coercivo da eventual dívida fiscal.
Q. Por outro lado, alega ainda o Recorrente que o prosseguimento da presente execução nenhum prejuízo causará à Fazenda Nacional, enquanto titular da penhora registada em primeiro lugar, uma vez que esta pode reclamar o seu crédito na presente execução.
R. Com o devido respeito, não assiste razão ao Recorrente, uma vez que é o crédito da segunda execução que pode ser reclamado na primeira, como, inclusivamente, o aqui Recorrente fez, e não o oposto, ou seja, é a segunda execução que se subordina à primeira e não esta àquela.
S. Por tudo quanto foi exposto, deve concluir-se, com o devido respeito, que não assiste razão ao Recorrente, tendo o Douto Tribunal a quo feito uma correta interpretação e aplicação do disposto no artigo 794.º do CPC.
T. Termos pelos quais deverá manter-se a presente execução sustada.
Nestes termos, e nos que V. Exas. Mui doutamente suprirão, deverá ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a decisão proferida pelo Douto Tribunal a quo, tudo com custas a cargo do Recorrente, com o que farão inteira JUSTIÇA!»
Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
Os factos relevantes para a decisão são os que constam do relatório.
2 – Objecto do recurso.
Questão a decidir, tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das alegações de recurso (vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), por ordem lógica e sem prejuízo das questões cujo conhecimento ex officio se imponha (vide o artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, desse Código): Saber se estando a execução fiscal “parada”, em consequência de processo de contencioso apresentado, deve ou não prosseguir a instância de execução comum suspensa, justificando-se ou não o afastamento do disposto no artigo 794.º, do C.P.C.
3 - Análise do recurso.
Na decisão recorrida negou-se o levantamento da sustação da execução comum.
Entendeu-se que, não se está perante uma situação excepcional que justifique o afastamento do disposto no artigo 794.º, do C.P.C..já que o imóvel não é casa de habitação permanente, nem isso foi invocado e a venda não está impossibilitada de ser concretizada na execução fiscal, apesar de tratar de uma situação em que a espera no andamento da execução fiscal se deve à pendência de processo contencioso dependente.
Considerou-se que, o facto da execução em que foi efectuada a penhora, mais antiga, não estar em movimento, mas «estar em fase processual de onde a sua prossecução seja possível, à luz da tramitação processual prevista» e sem que o compasso de espera se deva à inércia do exequente, deve aplicar-se o disposto no artigo 794.º, nº 1 do C.P.C.
Discorda o recorrente, argumentando que:
Não se trata de uma situação que justifique a aplicação do art. 794 do CPC, dado que, a Fazenda Nacional, enquanto detentora da penhora registada em primeiro lugar sobre os bens imóveis, não agendou a venda dos mesmos.
Cumpre decidir:
Nos termos do art. 794º do CPC: «Pluralidade de execuções sobre os mesmos bens ( redacção de 1 de Setembro de 2013): «1 - Pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, o agente de execução susta quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o respetivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga.
2 - Se o exequente ainda não tiver sido citado no processo em que a penhora seja mais antiga, pode reclamar o seu crédito no prazo de 15 dias a contar da notificação de sustação; a reclamação suspende os efeitos da graduação de créditos já fixada e, se for atendida, provoca nova sentença de graduação, na qual se inclui o crédito do reclamante.
3 - Na execução sustada, pode o exequente desistir da penhora relativa aos bens apreendidos no outro processo e indicar outros em sua substituição.
4 - A sustação integral determina a extinção da execução, sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 850.º.»
Por outro lado, estabelece o art. 169 do do C.P.P.T.
Suspensão da execução. Garantias
1 - A execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, a impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objeto a legalidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem 90/436/CEE, de 23 de julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correção de lucros entre empresas associadas de diferentes Estados-Membros, ou de convenção para evitar a dupla tributação, desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195.º ou prestada nos termos do artigo 199.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o que deve ser informado no processo pelo funcionário competente.
2 - A execução fica igualmente suspensa, desde que, após o termo do prazo de pagamento voluntário, seja prestada garantia antes da apresentação do meio gracioso ou judicial correspondente, acompanhada de requerimento em que conste a natureza da dívida, o período a que respeita e a entidade que praticou o acto, bem como a indicação da intenção de apresentar meio gracioso ou judicial para discussão da legalidade ou da exigibilidade da dívida exequenda.
3 - A execução fica ainda suspensa, por um período máximo de 120 dias, contados a partir do termo do prazo de pagamento voluntário, para dívidas tributárias em execução fiscal de valor inferior a 5000 (euro) para pessoas singulares, ou 10 000 (euro) para pessoas coletivas, independentemente da prestação de garantia ou de apresentação de requerimento, até à apresentação do meio gracioso ou judicial correspondente, cessando este efeito quinze dias após a sua apresentação, se não for apresentada a competente garantia ou obtida a sua dispensa.
4 - O requerimento a que se refere o n.º 2 dá início a um procedimento, que é extinto se, no prazo legal, não for apresentado o correspondente meio processual e comunicado esse facto ao órgão competente para a execução.
5 - Extinto o procedimento referido no número anterior, aplica-se o disposto no n.º 2 do artigo 200.º
6 - A execução fica ainda suspensa até à decisão que venha a ser proferida no âmbito dos procedimentos a que se referem os artigos 90.º e 90.º-A.
7 - Se não houver garantia constituída ou prestada, nem penhora, ou os bens penhorados não garantirem a dívida exequenda e acrescido, é disponibilizado no portal das finanças na Internet, mediante acesso restrito ao executado, ou através do órgão da execução fiscal, a informação relativa aos montantes da dívida exequenda e acrescido, bem como da garantia a prestar, apenas se suspendendo a execução quando da sua efectiva prestação.
8 - Caso no prazo de 15 dias, a contar da apresentação de qualquer dos meios de reacção previstos neste artigo, não tenha sido apresentada garantia idónea ou requerida a sua dispensa, procede-se de imediato à penhora.
9 - Quando a garantia constituída nos termos do artigo 195.º, ou prestada nos termos do artigo 199.º, se tornar insuficiente é ordenada a notificação do executado dessa insuficiência e da obrigação de reforço ou prestação de nova garantia idónea no prazo de 15 dias, sob pena de ser levantada a suspensão da execução.
10 - O executado que não der conhecimento da existência de processo que justifique a suspensão da execução responderá pelas custas relativas ao processado posterior à penhora.
11 - (Revogado).
12 - Se for apresentada oposição à execução, aplica-se o disposto nos n. os 1 a 8.
13 - Considera-se que têm a situação tributária regularizada os contribuintes que obtenham a suspensão do processo de execução fiscal nos termos do presente artigo, sem prejuízo do disposto quanto à dispensa de garantia.
14 - O valor da garantia é o que consta da citação, nos casos em que seja apresentada nos 30 dias posteriores à citação.»
Avançamos desde já que, concordamos com o entendimento da decisão recorrida.
Ainda que seja compreensível a apreensão do recorrente, a sua posição não tem suporte legal.
Embora, a execução fiscal se mantenha parada, o Estado mantem a sua garantia e o credor não possa impulsionar o andamento daquela mesma execução e a lei não lhe faculta outra possibilidade que não seja a de “aguardar”.
É que, do art.º. 794.º do CPC não resulta que o mesmo implique a pendência de duas ou mais execuções “dinâmicas”.
Subjacente ao artigo 794.º está a necessidade de evitar que, sobre o mesmo bem recaiam duas vendas ou adjudicações, pretendendo-se que a liquidação seja uma só, por razões de certeza jurídica e de proteção do credor exequente e do executado.
Esta disposição legal não se inspira em razões de economia processual, visto que não se manda atender ao estado em que se encontram os processos; susta-se o processo em que a penhora se efectou em segundo lugar, ainda que a execução respectiva tenha começado primeiro e ainda que esteja mais adiantada do que aquela em que precedeu a penhora ( vide a tal propósito Alberto dos Reis, «Processo de Execução», vol II, 1985, p 28, em função do então art 871º paralelo ao acima referido 794º).
Como é referido no Ac. desta Relação de 16/5/2019, Relatora, Graça Araújo, é assim «… há que condensar num único processo as diligências relativas à reclamação e verificação de créditos, à venda do bem penhorado e aos pagamentos a efectuar, por forma a evitar actividades inúteis e incertezas para todos os intervenientes processuais.»
Na execução fiscal a penhora é efectuada para efeitos de garantia, enquanto perdurar o processo litigioso acerca da legalidade da dívida executada, mas não se pode concluir, como parece defender o recorrente que que tal execução não está a correr termos.
Da mesma forma se refere no Ac. RP de 29/10/2012, Processo: 3536/10.1YYPRT-A.P1, Relator, Luís Filipe Brites Lameiras «… não há uma verdadeira paragem da execução fiscal, mas antes um mero seu protelamento (…) o problema é (tão-só) do tempo de satisfação do crédito».
Na concreta situação dos autos, ao contrário do que alega o Recorrente, a execução fiscal não se encontra parada e, portanto, pode prosseguir para a venda. É isso que resulta do ofício proferido pela Fazenda Nacional (e não que a venda do imóvel não possa ocorrer).
Como decidiu o Douto Tribunal a quo, a execução fiscal encontra-se em posição de poder prosseguir.
Note-se que, o facto de a Autoridade Tributária e Aduaneira comunicar que a penhora registada em primeiro lugar e a seu favor foi efetivada para efeitos de prestação e garantia e suspensão dos autos executivos, uma vez que a divida se encontra litigada em processo judicial em curso, não significa que a execução fiscal não esteja ativa, nem tão pouco que a venda dos bens não possa vir a ocorrer nessa sede.
É que se mantém a suscetibilidade do processo de execução fiscal vir a chegar à fase da venda, bastando, para que tal aconteça, que a decisão judicial que venha a ser proferida seja desfavorável à Recorrida e por isso a Autoridade Tributária e Aduaneira mantém o interesse nas penhoras registadas a seu favor.
Ou seja, o processo (de execução fiscal) encontra-se ativo, porém suspenso, por pendência de contencioso, sendo possível onde a sua prossecução à luz da tramitação processual prevista, pelo que, não deve ultrapassar-se a regra do art.º 871º do CPC reactivando-se tal execução, ainda que tal se traduza numa demora significativa na realização do crédito, mantendo-se por isso o interesse na penhora por parte daquele Serviço de Finanças.
Aliás, ficaria sempre a dúvida, relativamente ao tempo necessário de espera que viesse a permitir a reactivação da execução comum, perante o silêncio da lei a este respeito -no sentido que defendemos, vide por exemplo o Ac. RC de 30-05-2023, Processo: 4005/04,4TBLRA-D.C1, Relatora: Teresa Albuquerque.
Embora tal execução fiscal esteja suspensa, em consequência do processo de litígio em curso (legalidade da divida), que impede a Fazenda Nacional de promover a venda, as penhoras têm uma função de garantia nesse processo, que não se afigura compatível com a possibilidade de a execução comum prosseguir com a venda do bem.
Com efeito, nos autos de execução fiscal, a penhora foi prestada enquanto garantia da suspensão dos autos executivos, pelo facto da divida estar em contencioso, ao abrigo do disposto no artigo 169.º, do C.P.P.T.
Por outro lado, ao contrário do que defende o recorrente, a Fazenda Nacional, enquanto titular da penhora registada em primeiro lugar, não pode reclamar o seu crédito na presente execução, já que tal violaria o regime legal consagrado no artigo 794.º do CPC, o qual apenas permite a reclamação do crédito da segunda execução no âmbito da primeira (n.º 2 do artigo 794.º do CPC) ou a desistência da penhora.
O artigo em causa permite que o crédito da segunda execução possa ser reclamado na primeira, como, inclusivamente, o aqui Recorrente fez, e não o oposto, ou seja, é a segunda execução que se subordina à primeira e não esta àquela.
Finalmente, importa referir que se tem admitido o levantamento da sustação determinada ao abrigo do art.º. 794º sobredito, quando o imóvel penhorado em execução fiscal é uma casa de habitação permanente, o que impede a sua venda naqueles autos, por força da lei - o impedimento legal constante do art 244º/2 do Código de Procedimento de Processo Tributário - mas não é esse o caso dos autos.
O imóvel não se trata de casa de habitação permanente, nem isso foi aqui invocado.
Também já se admitiu a reactivação da execução comum quando a execução fiscal se encontra parada por inércia do exequente – vide Ac. RC de 5/4/2005 Relator: Jorge Arcanjo – mas também esse não é o caso dos autos.
Assinalamos, por fim, que na eventualidade de ser adotado um entendimento diferente relativamente a esta questão, não estaria, ainda assim, garantido o pleno prosseguimento da execução comum, atenta a circunstância do crédito fiscal ser litigioso.
E nada há de inconstitucional em interpretar e aplicar o nº 1 do artigo 794º do Cód. Proc. Civ. do modo descrito (cf. neste sentido o acórdão, desta Relação, de 16/05/2019, supracitado).
Em suma:
Desde que a execução em que foi efectuada a penhora mais antiga, apesar de não estar em movimento, esteja em fase processual de onde a sua prossecução seja possível à luz da tramitação processual prevista, não deve ultrapassar-se a regra do art.º 794º do CPC reactivando-se tal execução, ainda que tal possa traduzir uma demora na realização do crédito.
A posição do recorrente é no nosso entender desprovida de qualquer apoio nas normas aplicáveis.
Logo, não deve ser levantada a sustação da execução comum, improcedendo o recurso.
4 – Dispositivo.
Pelo exposto, acordam os juízes da secção cível deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação interposto, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente- cf. art.º. 527ª do CPC
Évora, 27.02.25