REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
VISITA
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
Sumário

Sumário (da responsabilidade do relator - art. 663º n.º7 do CPC):
- não ocorrendo falta de confiança no progenitor, nem necessidade própria das menores, inexiste razão para que as visitas entre aquele e estas sejam objecto de supervisão.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

I. O presente processo de promoção e protecção, respeitante às menores AA e BB, filhas de CC e DD, foi impulsionado pelo MP (na sequência de comunicação da CPCJP) por, no essencial, as menores poderem estar em perigo por via da actuação abusiva do progenitor ou da actuação obstativa da progenitora.


Prosseguindo o processo, foi aplicada, em 02.10.2023, medida cautelar de apoio junto da mãe, implicando ainda que:


- a Técnica gestora que acompanhará a medida deverá diligenciar pelo imediato acompanhamento psicológico da criança AA.


- a mãe deverá frequentar programa especifico de treino de competências parentais, o que deverá ser articulado entre a mãe e a Técnica gestora.


- os convívios paterno-filiais deverão ocorrer, por ora, no CAFAP, nos moldes a determinar por esta entidade em articulação com os progenitores.


Tal medida, não impugnada, foi revista e mantida em 15.01.2024 e 09.04.2024, tendo esta segunda decisão sido objecto de impugnação pela progenitora, a qual foi desatendida pelo Tribunal da relação de Évora.


Após vicissitudes várias e instrução do processo, foi realizado debate judicial, no termo do qual foi proferido acórdão que decidiu aplicar «a medida de apoio junto dos pais, a executar junto da mãe, pelo período de um ano, com revisão semestral, nos termos e com as obrigações seguintes:


1. As crianças ficarão aos cuidados da progenitora, que deverá zelar pela saúde, higiene, educação e bem-estar das crianças;


2. As crianças conviverão com o pai aos fins de semana, de 15 em 15 dias, devendo o progenitor ir buscar as crianças à escola no final das atividades letivas à sexta-feira e ali entregar na segunda – feira no inicio das atividades letivas, e caso as crianças por qualquer motivo não estejam na escola deverá a progenitora no início do dia de sexta-feira, avisar o pai do local e hora onde poderá ir buscar as crianças.


3. Nas interrupções letivas, mantém-se os dias e horas das entregas e recolhas que ocorrerão junto da entidade policial – GNR ou PSP da área de residência da mãe.


4. As crianças beneficiarão de acompanhamento psicológico, devendo a Sr.ª Técnica diligenciar junto dos respetivos equipamentos socio-eduativos para esse efeito.


5. Caso não seja exequível o acompanhamento psicológico nas escolas, deverá o mesmo ser levado a cabo pelo CAFAP, devendo a Sr.ª Técnica diligenciar nesse sentido.


6. Ambos os progenitores deverão diligenciar pelo seu acompanhamento psicológico e serem intervencionados, no que se refere às suas caraterísticas de funcionamento, competências de comunicação e de resolução de conflitos e comportamentos relacionados com o cuidado às crianças, juntando aos autos documentos comprovativos no prazo de seis meses, aquando da revisão da medida.


7. As crianças deverão manter-se integradas nos equipamentos sócio-educativos, competindo à mãe, assegurar a respetiva frequência, bem assim, comparência às consultas médicas necessárias.


8. Os pais deverão seguir as orientações dos Técnicos.


9. A presente medida, que tem a duração de um ano e será revista semestralmente.


10. A execução da medida será acompanhada pela Segurança Social (SIATT), que deverá enviar relatório quanto à sua execução para efeitos de revisão, no prazo de cinco meses.


11. No mais e, relativamente, às restantes vertentes do exercício das responsabilidades parentais, tal deverá ser tratado no apenso próprio e, oportunamente.


12. Durante a execução da medida protetiva, as crianças só se poderão ausentar do país mediante declaração escrita prévia de ambos os progenitores, e para tanto deverá ser preenchido o formulário próprio para inserção dos dados das crianças no espaço Schengen e remeter-se ao Gabinete Sirene.».


Desta decisão veio a progenitora interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:


1. Os factos constantes dos autos demonstram que o comportamento violento do progenitor foi exercido tanto de forma direta sobre as menores como indiretamente, por meio da exposição das crianças a situações de violência doméstica perpetradas contra a recorrente.


2. Tais condutas configuram abusos emocionais e psicológicos, com impacto severo no bem-estar e desenvolvimento das menores, preenchendo os pressupostos das alíneas b), c) e f) do artigo 3.º, n.º 2, da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo.


3. Estes comportamentos são traduzidos nos seguintes episódios e consequências:


4. A exposição repetida a atos de violência doméstica contra a mãe, incluindo agressões físicas presenciadas por AA, constituem abuso emocional, afetando gravemente o equilíbrio psicológico e a segurança emocional das crianças.


5. Esta vivência cria uma atmosfera de medo e insegurança, com impactos documentados em relatórios técnicos que apontam para alterações emocionais significativas, como pesadelos, ansiedade somatizada em enjoos e vómitos, e retração comportamental.


6. Os abusos diretos incluem práticas de punição física, como "bater no rabo e nas pernas", verbalizadas por AA e confirmadas em avaliações psicológicas.


7. Tais condutas são compatíveis com a definição de maus-tratos físicos prevista na alínea b) da referida norma, constituindo ainda um atentado ao direito das crianças à segurança e dignidade.


8. Comportamentos controladores do progenitor, que insistia em realizar cuidados pessoais das menores "longe da vista de todos", criaram um ambiente de isolamento e submissão incompatível com o desenvolvimento saudável das crianças.


9. Estas práticas são indicativas de abuso emocional e psicológico, enquadráveis na alínea f), uma vez que tais condutas afetam gravemente o equilíbrio emocional das menores.


10. O comportamento de BB, que "fugia e escondia-se" ao ver o progenitor, demonstra o impacto direto destes abusos no bem-estar emocional da menor, evidenciando medo e retração significativos.


11. Atualmente, as crianças encontram-se integradas num ambiente familiar seguro e acolhedor, sob os cuidados atentos da recorrente e do seu companheiro, que desempenha um papel positivo e estabilizador na vida das menores.


12. Conforme relatado pela Técnica EE e pela professora FF, as crianças vivem numa casa limpa e organizada, frequentam a escola regularmente, participam em atividades extracurriculares e demonstram progresso significativo no seu desenvolvimento social e emocional.


13. Este cenário contrasta fortemente com o ambiente de perigo e instabilidade emocional associado ao contacto com o progenitor.


14. Apesar de se reconhecer a importância do contacto das crianças com o progenitor, este deve ser realizado de forma a salvaguardar a sua segurança e bem-estar.


15. Assim, defendemos que qualquer convivência deve ocorrer sob supervisão técnica, de modo a prevenir a repetição dos comportamentos abusivos anteriormente descritos e a garantir que o contacto seja estruturado de forma construtiva e segura.


16. Não se encontram reunidas condições que justifiquem convívios não supervisionados, face ao histórico de perigo que caracteriza a relação do progenitor com as crianças.


17. Por estas razões, requer-se a este Tribunal que as obrigações decretadas no âmbito da decisão recorrida sejam reformuladas, determinando-se que os convívios se realizem exclusivamente sob supervisão especializada, em estrita observância do superior interesse das crianças.


A AA e a BB, através dos seus Ilustres Defensores, responderam, pugnando pela manutenção do decidido.


No mesmo sentido se pronunciou o MP, na sua resposta.


O progenitor informou que acompanhava as alegações apresentadas pela BB e AA.


II. O objecto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente (art. 635º n.º4 e 639º n.º1 do CPC), «só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa».


Assim, e considerando os termos das conclusões formuladas, a única questão suscitada prende-se com o âmbito dos convívios com o progenitor, que entende a recorrente deverem ocorrer exclusivamente sob supervisão técnica.


III. Foram tidos por provados os seguintes factos (1):


1. As crianças AA e BB, nascidas a ... de ... de 2017 (6 anos de idade) e ... de ... de 2020 (4 anos de idade), respetivamente, estão registadas como filhas de CC e DD.


2. Os progenitores declararam ter contraído casamento entre si, em 2018, no ....


3. Os progenitores decidiram vir para Portugal no ano de 2022.


4. Viajaram de carro do ... para Portugal.


5. Inicialmente, residiram em ... e depois vieram para o ....


6. No dia 9 de novembro de 2022, o progenitor saiu de casa e quando regressou, a progenitora e as filhas não estavam em casa.


7. O progenitor ficou sem saber do paradeiro das filhas tendo apresentado queixa.


8. Deu entrada a uma ação de regulação das responsabilidades parentais, onde foi fixado um regime provisório (processo principal – ref.ª citius 127854906 de 28.03.2023).


9. A progenitora apresentou queixa por Violência Doméstica que correu termos no DIAP de ... sob o nº 586/23.1....


10. Os autos principais foram suspensos em virtude da pendência dos presentes autos, com vista a harmonização de decisões (processo principal – ata de 7.06.2023, ref.ª citius 128647723).


11. Os convívios paterno-filiais passaram a ter lugar no CAFAP, cfr. despacho proferido na conferência de 7 de junho de 2023 (ata de 7 de junho de 2023).


12. As crianças são conhecidas da Autoridade Local de ... porque a mãe em 7 de dezembro de 2021 apresentou uma queixa contra o pai, que veio a ser arquivada porque as crianças não estavam presentes (relatório do CAFCASS de fls. 13 a 17).


13. O progenitor informou as autoridades inglesas que a progenitora e as crianças estavam desaparecidas em Portugal.


14. O Ministério Público deu entrada a uma ação a pedir o regresso das crianças ao ..., o que veio a ser julgado improcedente, cfr. sentença proferida no apenso C (ref.ª citius 130287686 de 21.11.2023).


15. No dia 20 de julho de 2023 teve lugar a 1ª visita supervisionada, no CAFAP de ..., em que as crianças entraram na sala de forma tranquila e, espontaneamente, dirigiram-se ao progenitor, a quem abraçaram (relatório de fls. 45 a 48 – ref.ª citius11542769 de 27.07.2023).


16. As crianças evidenciaram uma interação positiva com o pai e nenhuma das crianças evidenciou mal-estar ou ansiedade (relatório de fls. 45 a 48 - ref.ª citius11542769 de 27.07.2023).


17. A 2ª visita supervisionada estava marcada para 28 de julho de 2023 e não se veio a realizar, tendo a progenitora alegado que estava doente (relatório de fls. 52-55 – ref.ª citius 11602867 de 25.08.2023).


18. Em 31 de julho de 2023 teve lugar nova visita (2ª) e as crianças ao entrarem na sala correram para o pai, abraçando-o, tendo o pai respondido adequadamente às solicitações das crianças e não se verificou ansiedade ou mal-estar por parte das crianças (relatório de fls. 52 a 55 - ref.ª citius 11602867 de 25.08.2023).


19. No dia 2 de agosto de 2023 teve lugar a 3ª visita supervisionada e quando a Técnica se dirigiu à AA a criança estava, visivelmente, ansiosa e disse “eu não quero ir, eu não gosto das visitas, o meu pai é mau e fez-me mal” (relatório de fls. 52 a 55 - ref.ª citius 11602867 de 25.08.2023).


20. Posteriormente, a criança verbalizou à Técnica que foi a mãe quem disse para ela dizer que não gosta das visitas (relatório de fls. 52 a 55 - ref.ª citius 11602867 de 25.08.2023).


21. A criança AA acabou por conviver naquele dia com o pai e a visita correu de forma positiva, tendo as crianças convivido com o tio materno e os avós, de forma afetuosa (relatório de fls. 52 a 55 - ref.ª citius 11602867 de 25.08.2023).


22. Em 11 de agosto de 2023 teve lugar a quarta visita das crianças com o pai, tendo evidenciado uma postura espontânea com o pai (relatório de fls. 52 a 55 - ref.ª citius 11602867 de 25.08.2023).


23. Em 14 de agosto de 2023 teve lugar nova visita. (relatório de fls. 52 a 55 - ref.ª citius 11602867 de 25.08.2023).


24. E em 21 de agosto a progenitora enviou mensagem a dizer que não iria mais comparecer porque o pai não pagava os alimentos e não conseguia suportar os custos (relatório de fls. 52 a 55 - ref.ª citius 11602867 de 25.08.2023).


25. Na visita agendada para o dia 23 de agosto a progenitora não compareceu (relatório de fls. 52 a 55 - ref.ª citius 11602867 de 25.08.2023).


26. Em 12 de setembro de 2023 foi proferido despacho a determinar que as despesas inerentes às deslocações das crianças ao CAFAP fossem suportadas por ambos os progenitores, na proporção de metade para cada um e se diligenciasse pelo acompanhamento psicológico da criança AA (despacho de fls. 64 – ref.ª citius 129414891 de 12 de setembro de 2023).


27. Em 18 de setembro o CAFAP informou os autos que a mãe deu a conhecer que não iria comparecer nas visitas (fls. 68-69 – ref.ª citius 11662162 de 18.09.2023).


28. Em 2 de outubro de 2023 foi aplicada medida cautelar de apoio junto da mãe, com convívios supervisionados no CAFAP e acompanhamento psicológico da criança AA (despacho de fls. 99 a 102 – ref.ª citius 129629758 de 2.10.2023).


29. A Técnica gestora envidou esforços para contactar a progenitora, o que se revelou infrutífero, tendo sido enviado e/mail a agendar entrevista nas instalações da segurança social, o que foi confirmado pela progenitora para o dia 4 de outubro, mas não compareceu, nem justificou a falta (relatório do SIATT de fls. 112 a 114 – ref.ª citius 11763787 de 16.10.20239.


30. Em 10 de outubro de 2023 o CAFAP veio dar conta que a mãe não respondia às tentativas de contacto para agendamento dos convívios, o que estava a obstaculizar o determinado pelo Tribunal (informação do CAFAP de fls. 107-108 – ref.ª citius 11737541 de 10.10.2023).


31. Em 23 de outubro de 2023 foi determinado que os convívios paterno-filiais tivessem lugar no CAFAP de ..., em virtude das dificuldades de deslocação que a progenitora invocava (despacho de fls. 119 – ref.ª citius 129897729 de 23.10.20239.


32. No dia 7 de fevereiro de 2024 no CAFAP de ..., a BB mostrou-se apática e procurou o colo da progenitora, não falou, não realizou contacto visual e desviava o olhar constantemente (informação do CAFAP de fls. 150-151 – ref.ª citius 12188279 de 19.02.2024).


33. Em 15 de fevereiro de 2024 a progenitora enviou um e/mail ao CAFAP a sugerir a avaliação das filhas, alegando que nunca iria saber se o pai “ interferiu sexualmente” com as crianças (relatório do SIATT de fls. 175-176 – ref.ª citius 12286634 de 14.03.2024).


34. No dia 16 de fevereiro de 2024 a progenitora e as crianças compareceram ao convívio agendado e as crianças recusaram entrar nas instalações do CAFAP (informação do CAFAP de fls. 174 – ref.ª citius 12286431 de 14.03.2024).


35. Em 9 de abril de 2024, a medida cautelar foi mantida por mais seis meses (despacho de fls. 196-197 – ref.ª 131865334 de 9.04.2024).


36. A progenitora recorreu do despacho supra mencionado, tendo o Tribunal da Relação de Évora confirmado a decisão (apenso D).


37. No dia 22 de abril de 2024 foi agendada sessão de acompanhamento psicológico para a AA e sessão de competências parentais com a progenitora, que nesse dia comunicou que não iria comparecer uma vez que tinha problemas com o carro (informação do CAFAP de fls. 249-250 – ref.ª citius de 12595086 de 18.06.2024).


38. A 29 de abril de 2024 foi agendada sessão de acompanhamento psicológico para a AA e sessão de competências parentais com a progenitora, a qual não compareceu nem justificou a falta (informação do CAFAP de fls. 249-250 - ref.ª citius de 12595086 de 18.06.2024).


39. A 14 de maio de 2024 foi agendado convívio com o pai, mas as crianças recusaram entrar nas instalações do CAFAP (informação do CAFAP de fls. 249-250 - ref.ª citius de 12595086 de 18.06.2024).


40. A 29 de maio de 2024 foi agendada sessão de acompanhamento psicológico para a AA e sessão de competências parentais com a progenitora, a qual faltou e não justificou a sua não comparência (informação do CAFAP de fls. 249-250 - ref.ª citius de 12595086 de 18.06.2024).


41. A 4 de junho foi agendada sessão de acompanhamento psicológico para a AA e sessão de competências parentais com a mãe, que telefonou para o CAFAP a dizer que a criança se recusava a vir (informação do CAFAP de fls. 249-250 - ref.ª citius de 12595086 de 18.06.2024).


42. A progenitora encetou relação amorosa com GG (relatório do SIATT de fls. 112 a 114 – ref.ª citius 11763787 de 16.10.2023)


43.A progenitora juntamente com as filhas passou a integrar o agregado familiar do companheiro e passou a residir em ... (relatório do SIATT de fls. 112 a 114 - ref.ª citius 11763787 de 16.10.2023).


44. A casa tem dois quartos, cozinha com sala de estar em “open space” e casa de banho (relatório do SIATT de fls. 112 a 114), as crianças têm quarto próprio (2 beliches), contiguo ao quarto da mãe e do companheiro (relatório do SIATT de fls. 254-255 – ref.ª citius 12615557 de 24.06.2024).


45. A casa é térrea e possui um pátio, estando a casa devidamente vedada (relatório do SIATT de fls. 254-255 - ref.ª citius 12615557 de 24.06.2024).


46. A criança BB frequenta o Jardim de Infância de... desde 18 de setembro de 2023, é uma criança assídua e pontual e comunica bem em português e inglês (relatório do SIATT de fls. 112 a 114 – ref.ª citius 11763787 de 16.10.2023).


47. A criança AA está a frequentar a EB/JI de ... desde 18 de setembro de 2023, é assídua e pontual, demonstra timidez, mas é participativa (relatório do SIATT de fls. 112 a 114 - ref.ª citius 11763787 de 16.10.2023).


48. O horário escolar das crianças é entre as 9 horas e as15H30m, permanecendo na escola até as 18H00 onde brincam com os amigos (relatório do SIATT de fls. 112 a 114 – ref.ª citius 11763787 de 16.10.2023).


49. A AA vai para a escola no respetivo autocarro e a BB é transportada pela mãe de carro ou bicicleta e são recolhidas às 18H00 pela progenitora ou pelo respetivo companheiro (relatório do SIATT de fls. 112 a 114 – ref.ª citius 11763787 de 16.10.2023).


50. A progenitora e o companheiro trabalham na área da manutenção de jardins e declararam auferir cerca de € 2.000,00 mensais. (relatório do SIATT de fls.254 a 255 – ref.ª citius 12515557 de 24.06.2024).


51. O progenitor reside num apartamento em ... (QJ) (relatório do SIATT de fls.254 a 255 - ref.ª citius 12515557 de 24.06.2024).


52. O agregado do progenitor é composto pelo mesmo, respetiva companheira e três filhos desta de 9,7 e 3 anos de idade (relatório do SIATT de fls.254 a 255 - ref.ª citius 12515557 de 24.06.2024).


53. A companheira do progenitor exerce funções num infantário (relatório do SIATT de fls.254 a 255 - ref.ª citius 12515557 de 24.06.2024).


54. O progenitor é gerente da empresa “...” (empresa de ambos os progenitores) e declarou auferir cerca de 4.000 libras mensais (relatório do SIATT de fls.254 a 255 - ref.ª citius 12515557 de 24.06.2024).


55. A AA evidenciou alterações emocionais e de comportamento significativas com dificuldade nas interações sociais e presença de agressividade, insegurança, sentimentos de culpa, dependência excessiva da mãe, autoisolamento, conduta agressiva e dificuldade em controlar os impulsos (perícia psicológica de fls.71 a 74 – ref.ª citius11667861 de 19.09.2023).


56. A BB apresenta-se estável do ponto de vista emocional, sem evidência da presença de instrumentalização parental e/ou consequências psicológicas, físicas e sociais reativas (perícia psicológica de fls. 83 a 85 – ref.ª citius 11667892 de 19.09.2023).


57. O progenitor apresenta práticas educativas adequadas, mas com personalidade marcada por uma desconfiança e suspeição face aos outros, em particular sobre a progenitora das crianças (perícia psicológica de fls. 75 a 78 – ref.ª citius 11667878 de 19.09.2023).


58. A progenitora evidenciou desajustes no exercício da parentalidade relacionados com os castigos e punições às crianças, mas que não comprometem o exercício da parentalidade (perícia psicológica de fls. 79 a 82 - ref.ª citius 11667885 de 19.09.2023).


59. Ambos os progenitores não apresentam sintomatologia do foro mental e têm capacidade para reconhecer e satisfazer as necessidades das filhas (perícias psiquiátricas de fls. 120 a 122 e 123 a 125 – ref.ªs citius 11790246 de 23.10.2023 e 11814345 de 30.10.2023).


60. Por despacho de 18 de abril foram determinados esclarecimentos complementares às perícias das crianças (fls. 200-201 – ref.ª citius 131941704 de 18.04.2024).


61. As crianças não registam alterações psicopatológicas significativas nem alterações psicológicas sociais ou físicas normalmente observadas em crianças vitimas de abuso sexual (esclarecimentos de fls. 324 a 326 – ref.ª citius 12955823 de 15.10.2024).


62. O processo que corre termos no DIAP de ... sob o nº 586/23.1... culminou com despacho de arquivamento proferido em 13 de julho de 2024 (despacho de fls. 301 a 303 – ref.ª citius 12899471 de 1.10.2024).


63. No DIAP de ... corre termos o Proc. nº 475/23.0... em que se investiga a pratica de crime de violação da obrigação alimentar por banda do progenitor (informação de fls. 260 – ref.ª citius 1264470 de 26.06.2024).


64. O pai admitiu que não tem regularizadas as pensões de alimentos devidas às filhas, alegando que a mãe quando saiu de casa transferiu da conta do casal uma quantia avultada em dinheiro para a sua conta pessoal.


65. Foi agendado o dia 16 de julho de 2024 para a realização de convívio das crianças com o pai no CAFAP de ..., tendo a progenitora informado que não podia comparecer e que quando informou as crianças sobre a ida ao CAFAP de ..., as mesmas recusaram (informação o CAFAP de fls. 275 verso – ref.ª citius 12700712 de 17.07.2024).


66. Foi agendado novo convívio das crianças com o pai para o dia 25 de julho de 2024, tendo a progenitora informado o CAFAP “já ter situações urgentes agendadas para esse dia”, (Informação do CAFAP de fls. 275 verso - ref.ª citius 12700712 de 17.07.2024).


67. Em 27 de agosto de 2024, o GASMI através da enfermeira HH contactou a progenitora para que esta confirmasse o interesse no acompanhamento psicológico das crianças, mas não obteve qualquer resposta por banda da progenitora (Relatório SIATT de fls. 293 – ref.ª citius 12869131 de 23.09.2024).


68. Em sede de Debate judicial foi determinada a audição das crianças, tendo a AA verbalizado recusa em estar com o pai e a BB manifestado, espontaneamente, vontade em conviver o pai.


69. A BB de forma genuína quando viu o pai, foi na sua direção, abraçou-o e logo começou a falar sobre si, fez um desenho sobre a família, tendo colocado o pai ao seu lado, demonstrando que o mesmo está colocado na sua estrutura afetiva.


70. A criança AA após a irmã regressar do convívio com o pai, apresentou um semblante verdadeiramente triste e “questionou se o pai estava mesmo ali?”.


71. Fora da sala de audiências a criança AA também esteve com o pai (fotos de fls.319-320).


72. Foi agendado convívio com o pai no CAFAP para o dia 24 de setembro, tendo a progenitora informado que iria comparecer (Relatório SIATT de fls. 293 – ref.ª citius 12869131 de 23.09.2024).


73. A progenitora compareceu com as crianças, porém estas não quiseram entrar nas instalações do CAFAP.


74. Foi agendado novo convívio para o dia 3 de outubro, a que a progenitora faltou (informação do CAFAP de fls. 337 – ref.ª citius 12970960 de 18.10.2024).


75. Por despacho de 24 de outubro foi a progenitora condenada em multa por incumprimento reiterado dos convívios paterno-filiais determinados (fls. 340-341 – ref.ª citius 134007013 de 24.10.2024).


76. Os progenitores não sofreram condenações anteriores pela prática de ilícitos criminais (CRC de fls. 245-A e 245-B – ref.ªs citius 32710946 e 32710956 de 18.06.2024).


E foram tidos por não provados os seguintes factos:


1. O progenitor obteve o VISTO D7.


2. O progenitor sempre teve hábitos de consumo de álcool e estupefacientes envolvendo-se em rixas e outros episódios de violência.


3. O progenitor é conhecido da policia local em ..., tendo registo criminal.


4. A requerida foi, sistematicamente, agredida e abusada sexualmente pelo marido no ....


5. A requerida saiu de casa para salvaguarda da segurança física e psicológica das crianças.


6. O progenitor impediu a progenitora de aceder aos bens comuns do casal, impedindo-a de obter quaisquer rendimentos por via da empresa comum, no ....


7. As crianças vieram a ressentir-se com os convívios supervisionados com o pai, sentindo-se atemorizadas e ansiosas.


IV. A recorrente, na peça processual onde oferece as suas alegações, mas em momento prévio a tais alegações, indica duas questões prévias, as quais, contudo, não dirige a este tribunal. Uma, referida ao efeito a atribuir ao recurso, foi decidida pelo tribunal recorrido (sem reparo nesta instância). Outra, atinente a uma suposta falta de verificação do perigo (e impropriedade legal da medida aplicada), vai também dirigida ao tribunal recorrido (tanto que a recorrente termina afirmando que «exulta-se a Ilustre Magistrada Judicial a rever a douta decisão e, in fine, a sanar o vício em que a mesma incorre»). Assim, nada cabe, nesta parte, aqui apreciar (sem embargo de se notar que a afirmação de que o tribunal recorrido concluiu pela inexistência de perigo não é exacta: não é essa, notoriamente, a conclusão daquele tribunal).


V.1. A recorrente não manifesta a intenção de impugnar a decisão sobre a matéria de facto e, em conformidade, também não autonomiza essa impugnação nem actua os requisitos legais a que obedece essa impugnação (não indicando factos precisos e autónomos que afirme pretender ver excluídos ou aditados, nem os relacionando com meios de prova directos). É certo que recorrentemente invoca situações de facto que não estão contidas nos factos descritos no acórdão recorrido, mas nunca os autonomiza e circunscreve nem afirma pretender vê-los discutidos no recurso (aditados). Quer esses factos quer os meios de prova que vai invocando vão surgindo de modo genérico e sem sistematização ao longo das alegações, misturados com valorações da recorrente e juízos jurídicos, sem se atribuir àqueles factos ou meios de prova um papel específico no âmbito da impugnação factual. Não existe assim uma autónoma e autêntica impugnação da decisão sobre a matéria de facto, mas apenas uma genérica discussão do mérito do recurso, onde se inserem considerações factuais genéricas e referências a meios de prova. E por isso também que não se cumpram os requisitos legais da impugnação da decisão sobre a matéria de facto (art. 640º n.º1 do CPC) nem se faça qualquer menção a factos precisos nas conclusões.


Esta asserção só poderia ser afrontada pela posição assumida pela recorrente no art. 122 das alegações, quando afirma discordar (com veemência) do teor do facto 15, passando depois a discutir meios de prova e factos que destes meios de prova derivariam (embora também, em parte, invocando requerimentos da recorrente que, enquanto meras peças processuais, nenhum valor probatório têm).


Ainda que se fizesse corresponder tal posição a uma impugnação da matéria de facto em causa, tal impugnação não poderia colher.


De um lado, não cumpre integralmente os requisitos derivados do art. 640º n.º1 do CPC. Com efeito, exigindo aquela norma que o recorrente indique os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (art. 640º n.º1 al. a) do CPC), tal indicação deve constar quer das alegações quer das conclusões, sendo necessária a menção nas conclusões dada a função delimitadora do objecto do recurso que a elas se assinala: não indicando o facto impugnado nas conclusões, o recurso não abrange essa impugnação. Ora, tal impugnação não vem reportada nas conclusões, pelo que a falta de cumprimento deste requisito justificaria a rejeição do recurso (ou ao menos a sua exclusão do objecto do recurso). Acresce que aquele regime exige também que o impugnante indique a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (art. 640º n.º1 al. c) do CPC), o que a recorrente não faz. Não o faz de modo expresso e tal omissão também não é passível de suprimento através de inferência a realizar a partir da posição da recorrente, pois se ela afirma que discorda do facto 15, sugerindo que não deveria ser dado como provado, a verdade é que a discordância não tem que se manifestar apenas através de uma discordância total. E é a própria recorrente quem também afirma que aquele facto «não reflete com rigor a realidade», sugerindo que o facto ainda reflecte alguma realidade, embora não de forma precisa ou exacta. Ou seja, a indefinição impede que se considere cumprido aquele requisito, o que também conduziria à rejeição da impugnação factual (sendo que a falta de cumprimento de tais requisitos não admite, como se aceita de forma claramente dominante na jurisprudência, aperfeiçoamento).


De outro lado, e ainda que não fosse assim, a impugnação estaria votada ao insucesso pois, na verdade, a recorrente nunca indica prova que contradiga directamente o facto em causa, nem discute a prova que o sustenta, invocando antes outras circunstâncias (muitas delas sem qualquer apoio na prova que indica ou mais genericamente na prova produzida) que revelariam que, em outras situações, as crianças não pretenderiam estar com o pai. Ora, ainda que se aceitasse tal invocação, isso não colidia com o que sucedeu no dia 20.07.2023 e se relata no facto 15, nem com o meio de prova que o sustenta. Donde não servir para excluir tal facto.


Nenhum relevo específico tem, pois, a questão.


2. Quanto ao mérito do recurso, as coordenadas normativo-valorativas da situação são as seguintes:


- tendo os pais o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos, não podendo estes ser separados dos pais salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial (art. 36º n.º4 e 5 da CRP), têm também os filhos direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral (art. 69º n.º1 da CRP). O que justifica o papel interventivo do Estado em sobreposição ou mesmo em oposição aos poderes-deveres dos progenitores.


- esta intervenção (judicial) depende da existência de uma situação de perigo para a segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento de criança ou jovem, independentemente da origem desse perigo (art. 3º n.º1 da LPCJP); no art. 3º n.º2 da LPCJP elencam-se fontes típicas de perigo, mas não de forma taxativa, pelo que a existência do perigo para valores pessoais da criança tem prioridade normativa, independentemente da forma ou fisionomia que assuma tal perigo; o perigo constitui um juízo de previsibilidade do dano, que por isso ainda não exige a lesão, apenas a pressupondo como resultado antecipável; o perigo constitui ainda requisito auto-referencial, dispensando exigências adicionais (v.g. intensidade) e funcionando objectivamente.


- a intervenção é orientada de forma determinante pelo superior interesse da criança; critério aberto e indeterminado, apela à avaliação e definição das condições que facultem a solução mais ajustada à promoção do desenvolvimento harmonioso do menor (critério constante do art. 4º al. a) da LPCJP, mas derivado também do art. 3º n.º1 da Convenção sobre os direitos da criança/NU), funcionando numa base individual e assim à luz das características e condições de cada menor.


- as medidas aplicáveis com vista ao afastamento do perigo e ao estabelecimento de condições de desenvolvimento (ou recuperação) saudável (art. 34º das LPCJP) vêm definidas no art. 35º n.º1 da mesma LPCJP;


- no quadro assim definido, releva ainda o princípio da prevalência da família, que indica a família como o meio privilegiado para a promoção do desenvolvimento harmonioso do menor (art. 4º al. g) da LPCJP);


- relevam também os princípios da proporcionalidade (intervenção necessária mas ajustada a uma dimensão mínima, no sentido de se cingir ao estritamente necessário - art. 4º al. e)); da responsabilidade parental (de molde a incentivar a assunção parental das suas responsabilidades - art. 4º al. f)); e a salvaguarda prioritária da continuidade das relações psicológicas profundas (à criança deve ser garantida a manutenção das relações afectivas estabelecidas de forma estruturante, devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante - art. 4º al. g)).


3. Pese embora a já referida menção inicial (onde se afirma que o tribunal recorrido concluiu que não existiria perigo), a recorrente, no recurso, acaba por não discutir a inexistência de uma situação de perigo que justificasse a intervenção judicial no quadro da LPCJP, na perspectiva da decisão recorrida (e até o admite, embora procure dar a esse perigo uma feição diversa, assente na actuação agressiva do progenitor). Sem embargo, não deixa de se notar que esse perigo, enquanto juízo consistente e fundado de antecipação do dano, existe a partir do momento em que, sem justificação, as menores são privadas do contacto com o progenitor, já que tal equivale à promoção de um desequilíbrio emocional e formativo no seu processo de crescimento e consolidação pessoal, atento o papel que o pai assume nesse processo, determinante, e os efeitos previsivelmente nefastos da sua ausência (existindo assim uma proximidade do dano que justifica o perigo). Desequilíbrio este que, expressamente contemplado no art. 3º n.º2 al. f) da LPCJP, se manifesta na inconstância comportamental das menores perante o progenitor (e a que a este não é imputável).


4. No que toca ao tipo de intervenção imposta, a recorrente também a não contesta, nem contesta a imposição de contactos entre as menores e o progenitor, nem a extensão com que são impostas obrigações acessórias. A sua discordância prende-se apenas com a forma de implementação daqueles contactos familiares, os quais sustenta deverem ocorrer sob supervisão.


Atendendo aos factos provados, verifica-se que:


- a recorrente saiu de casa com as menores em 09.11.2022. Não estão demonstrados os factos ou razões que presidiram a esta actuação. Referem-se queixas da recorrente (em Portugal e no ...) mas ambas sem relevo final (processos arquivados). Assim, resta o facto, seco mas incontornável, da separação súbita, ficando o progenitor separado das filhas e sem saber do seu paradeiro.


- nos dias 20 e 31 de Julho de 2023 o progenitor esteve com as filhas (na sequência de intervenção do tribunal), tendo estas reagido positivamente de forma espontânea. Trata-se de visitas realizadas por imposição do tribunal, quase nove meses depois da separação familiar.


- no dia 2 de Agosto de 2023, na terceira visita, a AA começou por recusar estar com o progenitor. Acabou, contudo, por conviver com ele. Do que verbalizou decorre que foi instrumentalizada pela recorrente para se opor à visita. A asserção é confirmada pelas circunstâncias: se após uma separação de quase nove meses (espaço de tempo relevante, sobretudo face à idade da AA) a AA procura espontaneamente o pai e o abraça (factos 15 e 18), não é entendível que, sem intervenção externa, dois dias depois já não queira estar com ele, e que diga que o pai é mau.


- em 11 de Agosto segue-se nova visita que decorre com espontaneidade (sem notícia de qualquer oposição da AA).


- as visitas seguintes não se realizam por circunstâncias, justificadas ou não, localizadas na esfera da recorrente. Assim, afirma não conseguir suportar os custos porque o progenitor não paga os alimentos; imposta judicialmente a repartição das despesas de deslocação, a recorrente continua a afirmar que não iria comparecer (factos 24 a 27).


- aplicada medida cautelar, a mãe obstaculizou a sua implementação, sem justificação (factos 28 a 30).


- mudadas as visitas para ..., para atender à localização da recorrente, realiza-se uma visita em 07 de Fevereiro de 2024 (meio ano após a última visita), na qual a BB se mostrou apática e arredia.


- em 16 de Fevereiro de 2024 as menores recusam entrar nas instalações onde se realizaria a visita. O mesmo ocorre em 14 de Maio de 2024. Agendadas visitas para 16 e 25 de Julho de 2024, a mãe inviabiliza-as, também afirmando na primeira data que as filhas recusam ir. Não consta qualquer facto que, do ponto de visita das menores ou do progenitor, explique a radical mudança de atitude das menores face às visitas iniciais.


- em tribunal (04 de Outubro de 2024 (2)), a BB quer estar com o pai. A AA recusa. A BB procura o pai. A AA acaba por perguntar pelo pai e por estar com ele (factos 68 e ss.). De novo, fica por explicar, quanto à BB a atitude de recusa antes assumida. E quanto à AA, o que se verifica é que, por detrás da recusa (também difícil de compreender), existe ainda uma clara conexão com o progenitor.


- agendados novos convívios para 24 de Setembro e 3 de Outubro de 2024, as menores recusaram entrar nas instalações na primeira data e a recorrente faltou na segunda data.


- o acompanhamento psicológico da AA e a sessão de competências parentais com a recorrente são sucessivamente inviabilizadas por esta (factos 37, 38, 40, 41 e 67).


- a progenitora levanta a suspeita de abuso sexual por parte do progenitor, em imputação muito grave mas que não vem suportada em razões precisas (apenas afirma que nunca iria saber se o progenitor delas abusou) e que diligências subsequentes excluem (facto 61).


- a AA apresenta problemas emocionais e comportamentais, sendo ignorada a sua origem (não se estabelecendo conexão com actuações do progenitor). Nestes, realça-se a excessiva dependência da mãe.


- o progenitor apresenta capacidades parentais ajustadas (factos 57 e 59).


O que estes factos revelam é:


- uma atitude interessada do progenitor no convívio com as menores. Deslocando-se do ..., nunca faltou nas datas agendadas. Inexiste, simetricamente, qualquer facto que suscite reservas quanto às suas capacidades parentais e à sua ligação afectiva às filhas.


- a existência de relação afectiva das menores com o progenitor. Assumindo aquelas comportamentos de recusa, também se verifica que, uma vez, tal atitude foi provocada pela recorrente; as demais atitudes de recusa não têm explicação que radique na relação das menores com o progenitor quer por não serem compatíveis com os termos dos contactos iniciais (desenvolvendo-se apenas após esses contactos, quando o progenitor está afastado das menores e por isso não age sobre elas para provocar a reacção, e desenvolvendo-se também em contradição com os termos destes contactos), quer por, para a BB, não ser conciliável com a atitude em tribunal; quer por, para a AA e também em tribunal, superada a resistência verbalizada, acabar por se interessar pelo progenitor e com ele estar.


- a capacidade do progenitor para manter uma relação gratificante e valorizada com as menores.


- uma atitude no mínimo reticente, ou mesmo obstaculizante, da recorrente, que, em vez de promover os contactos (reconhecendo o papel indispensável do progenitor no saudável e estruturado desenvolvimentos das menores), assume uma atitude não colaborativa e obstativa.


Neste quadro, não se vislumbra motivo para justificar uma compressão das condições das visitas, impondo uma intervenção supervisionada. Esta poderia justificar-se por duas vias. Ou por falta de confiança no progenitor, o que nada sustenta. Ou por necessidade própria das menores, que também se não tem por existente. Pois, pese embora a ocorrência das aludidas recusas (recusas, em geral, de entrar no local das visitas, não propriamente de estar com o progenitor, face aos factos provados), a verdade é que as menores, quando próximas do progenitor, o procuram e contactam, sem problemas. Para além de os factos provados não sustentarem a existência de qualquer problema relacional. Acresce que a supervisão anteriormente imposta no processo foi aproveitada para impedir os contactos (com as faltas, muitas injustificadas ou com base em justificações pouco curiais) ou serviu para criar dificuldades (as aludidas recusas das menores de entrar na instituição) que em último termo serviram para criar maior distanciamento entre as menores e o progenitor, em detrimento do interesse daquelas.


O único elemento que contra o progenitor depõe radica no facto de não ter cumprido as obrigações de alimentos impostas. Trata-se de atitude também injustificada, e explicada aliás por razões não convincente e que, em último termo, nada têm a ver com as menores (facto 64). Mas esta circunstância revela um enviesamento de perspectiva do progenitor, a corrigir, mas não constitui um elemento que contrarie o valor no estabelecimento de relações próximas com as menores, nem que revele um problema que se repercuta directamente na forma de estabelecimento daquelas relações. Não é a falta de pagamento que pode justificar a supervisão requerida.


5. Do ponto de vista da recorrente, e da sua argumentação recursiva, o que se verifica é que esta apela a circunstâncias supostamente factuais e meios de prova (existentes no processo mas também a ele estranhos) que não têm qualquer reflexo nos factos provados. Tais circunstâncias são, assim, absolutamente irrelevantes. Pois é a partir daqueles factos provados, e apenas a partir deles, que se procede à correlação com as regras e princípios relevantes de molde a se alcançar a solução ajustada ao caso. Discutir factos não demonstrados é inconsequente pois tais factos não são atendíveis e a discussão não tem assim o que a suporte. E discutir meios de prova, sem discutir os factos, é igualmente inconsequente pois os meios de prova servem para demonstrar ou infirmar factos e não para sustentar afirmações de direito: estas dependem dos factos, não dos meios de prova (que não podem ser usados na discussão jurídica).


E nos factos provados não se encontra qualquer suporte para a recorrente invocação de violência doméstica, de ansiedade e instabilidade emocional das menores (e é até curioso que a recorrente se insurja quanto à falta de acompanhamento psicológico das menores quando foi ela que inviabilizou o acompanhamento da AA, como se referiu e decorre dos factos provados) ou violência doméstica económica. Em último termo, a recorrente criou uma narrativa alternativa que não tem na realidade do processo qualquer reflexo, sendo inconsequente. Donde que não seja possível acompanhar as alegações da recorrente quanto à existência de perigo centrado em tais situações (perigo imputado ao progenitor, a comportamentos «agressivos e inadequados» que os factos provados em absoluto não reflectem), e no qual suporta no essencial a sua pretensão de intervenção supervisionada.


6. Assim, e em suma, sendo os contactos com o progenitor forma de promoção do interesse das menores, e ainda manifestação no interesse da promoção das relações familiares próximas, derivação daquele princípio mais amplo, a implementação de contactos significativos mostra-se justificada - o que a recorrente nem contesta realmente. Monta aqui o direito fundamental das menores a se relacionarem com o seu pai (art. 36º n.º5 da CRP), direito que os factos provados não revelam no caso dever ser restringido ou controlado.


Já quanto à intervenção supervisionadora reclamada, que constitui o verdadeiro objecto da dissensão da recorrente, não se vislumbram razões justificantes: eles não derivam dos factos provados, e a recorrente não faculta, pelo exposto, razões alternativas válidas.


Improcede, assim, o recurso.


7. Porque decai, a recorrente suporta as custas do recurso (art. 527º n.º1 e 2 do CPC).


V. Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.


Custas pela recorrente.


Notifique-se.





Datado e assinado electronicamente.


Redigido sem apelo ao Acordo Ortográfico (ressalvando-se os elementos reproduzidos a partir de peças processuais, nos quais se manteve a redacção original).

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1. Em reprodução literal.↩︎

2. A data não consta do elenco dos factos provados mas está em causa facto que corresponde a acto processual documentado no processo, sendo incontestada a sua data.↩︎