Sumário (da responsabilidade do relator - art. 663º n.º7 do CPC):
- alegando-se que o R. ocupou um saguão que pertencia aos AA., mas também que interveio em parede de prédio dos AA., e formulando-se pedidos que se relacionam com estes dois aspectos, o tribunal tem que avaliar não apenas a titularidade do saguão mas também as intervenções na parede do prédio dos AA.. Não o fazendo, ocorre omissão de pronúncia que determina a nulidade (parcial) da sentença, impondo-se a sua substituição pelo tribunal de recurso.
- não existe excesso de pronúncia se foi pedido que se reconheça que os RR. são proprietários de saguão que constitui parte de prédio dos RR., e a sentença declara que os RR- são donos do prédio do qual faz parte o saguão, pois a propriedade deste prédio já está contida na afirmação da propriedade do saguão enquanto parte de prédio dos RR..
- quando se impugnam em bloco conjuntos de factos, e se sustenta essa impugnação em meios de prova genericamente referidos a todos aqueles factos, tal só será lícito se aqueles factos respeitarem a uma mesma realidade; onde assim não ocorra, a impugnação deverá ser rejeitada ao menos quanto aos factos que excedem a realidade visada e para os quais inexiste indicação precisa de meios de prova que sustentem a sua impugnação.
1- A demolir e remover todas as obras executadas no saguão do prédio dos AA.;
2- Retirar do prédio dos AA. todos os materiais ali colocados quando daquelas obras, deixando o saguão doprédio dos AA. limpo, livre e desocupado de pessoas e bens;
3- Reparar todos os danos causados pelas ditas obras no prédio dos AA.;
4- A abster-se de entrar no prédio dos AA.;
5- A pagar aos AA. a quantia de €1.500,00 a título de indemnização pela violação do seu direito de propriedade,
6- A pagar aos AA. – a título de sanção pecuniária compulsória – a quantia de €100,00 por cada dia de atraso (após trânsito em julgado) no cumprimento da douta sentença que vier a ser proferida e que ordene a demolição das ditas obras e limpeza e desocupação do prédio dos AA. por parte do R.;
7- A pagar aos AA. – a título de sanção pecuniária compulsória – juros à taxa de 5% ao ano acrescidos dos juros de mora, ambos calculados sobre o valor da indemnização arbitrada e desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado e até efectivo e integral pagamento.
Mais r. a V. Exa., nos termos e para os efeitos do Artº 609º/2 do CPC, se digne relegar para liquidação em execução de sentença o apuramento/determinação da extensão dos danos causados no prédio dos AA. após a demolição e remoção das obras executadas no saguão do prédio dos AA. e bem assim o apuramento dos respectivos custos de reparação.
Alegaram para tanto, no essencial, que:
- os AA. são donos do prédio urbano sito na Rua ..., n.º 56/62 (descrito na CRP sob o n.º 2168), ..., e o R. é dono do prédio urbano sito na Rua ..., n.º 52 e 54 (descrito na CRP sob o n.º 1449), ..., confrontando os prédios entre si de norte/nascente.
- do prédio dos AA. faz parte um saguão, no qual o R. fez várias obras sem autorização, ocupando-o ilicitamente e recusando abandoná-lo.
- a ocupação impede os AA. de usar aquela parte do prédio, reclamando equitativa indemnização no valor de1.500 euros.
- as obras do R. causaram buracos e infiltrações em paredes do prédio dos AA. e danos na pintura, e terão causados danos por baixo da cobertura instalada, danos que não consegue avaliar por a cobertura impedir a sua visão; outros danos só serão visíveis com a demolição das obras; relega assim para liquidação o apuramento de tais danos e a quantificação dos custos de reparação.
O R. contestou, começando por avaliar os dados constantes do registo e da matriz, e de outros documentos (que junta), e que seriam contrários à pretensão dos AA..
Alegou depois que o saguão pertence ao prédio descrito na CRP de ... sob o n.º 2732 (e não ao prédio ali descrito sob o n.º 1449), o qual pertence ao R. e mulher, sendo por isso o R. parte ilegítima na acção.
Passou então impugnar afirmações dos AA., considerando em termos de alegação, aqui indicada de forma sumária, que:
- o R. tem realizado obras variadas no saguão, nele depositando diversos materiais, há mais de 24 anos, usando porta do prédio para o saguão, ocupação que já os vendedores do prédio faziam.
- logo após a compra do prédio descrito na CRP sob o n.º 2732, o R. limpou o saguão, colocou nele ao nível do tecto do r/chão uma cobertura em vidro acrílico, abriu uma porta de acesso do saguão ao prédio descrito na CRP sob o n.º 1449, no qual tinha instalado um café/bar, e ao longo dos anos foi rebocando e pintando as paredes, à vista de toda a gente, convencido de o fazer no uso de um direito próprio, sem ofender os direitos de ninguém e sem oposição.
- saguão que inclui nos contratos de arrendamento de café instalado naquele prédio 1449, espaço que os arrendatários utilizam.
- apenas a parte da parede do saguão do lado sul seria meeira, e a colocação e fixação das chapas acrílicas nas paredes do saguão apenas ocorreu na metade das paredes do lado interior do saguão, de que o R. seria proprietário.
- inexiste porta de acesso do prédio dos AA. ao saguão.
Pronunciou-se ainda sobre a sanção pecuniária compulsória, que não seria devida, e considerou que os AA. fizeram um uso condenável dos meios judiciais, devendo ser condenados como litigantes de má fé.
Deduziu depois reconvenção, considerando, essencialmente com base nos factos já alegados, ser proprietário, com a sua mulher, daquele saguão, por usucapião, e por beneficiar do registo predial.
Terminou pedindo que se reconhecesse ser o R. reconvinte e a sua mulher DD os únicos proprietários do saguão de que tratam os autos e que constitui parte do prédio registado na Conservatória do Registo Predial de ... em nome deles, sob a inscrição no 2732 da antiga freguesia de ... e condenando-se os A.A. como litigantes de má-fé, nos termos do disposto no art. 542 do C.P.C. em multa e numa indemnização a pagar aos R.R. de 5.000,00 €
.
DD, cônjuge do R., deduziu pedido de intervenção espontânea como R. e reconvinte, fazendo seus os articulados do R..
Os AA. apresentaram réplica, tendo:
- declarado nada opor ao incidente de intervenção;
- referindo-se à excepção de ilegitimidade, afirmado a legitimidade do R.;
- referindo-se a excepções dissimuladas, consideraram que:
. a invocação da propriedade pelo R. equivalia a uma excepção peremptória, tendo-se pronunciado sobre o valor do registo e da matriz e o valor da localização dos prédios.
. a invocação da posse pelo R. consubstanciaria igualmente uma excepção peremptória, e impugnaram aversão do R., afirmando que, do saguão, 30 m2 pertenciam ao prédio dos AA..
- impugnaram ainda os dados da reconvenção e sustentaram a improcedência da requerida condenação como litigantes de má fé.
Foi admitida a intervenção principal de DD, a qual declarou aderir aos articulados do R. e indicou meios de prova.
Realizada a audiência prévia, efectuou-se o saneamento da causa (afirmando-se que as partes são legítimas), a fixação do valor da causa, a identificação do objecto do litígio e a enunciação dos temas da prova.
Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença na qual se decidiu:
a) absolver os RR CC e DD de tudo o peticionado;
b) declarar que os RR CC e DD são donos do prédio urbano, atualmente, na matriz urbana da U.F de ... sob o art. 6.870 e anteriormente sob o art. 184 da freguesia de ..., e descrito na Conservatória da Registo Predial de ... sob o nº 2732 do qual faz parte o saguão;
c) absolver os AA do pedido de condenação como litigantes de má fé
.
Dessa sentença interpuseram os AA. recurso, formulando as seguintes conclusões:
1- ESTRUTURA DAS ALEGAÇÕES:
I – Das Nulidades da douta Sentença recorrida:
I.1 – Nulidade por «Omissão de Pronúncia»:
I.2 – Nulidade por «Excesso de pronúncia»:
II – Da titularidade do Saguão:
II.1 – Prova documental da titularidade:
II.2 – Prova física da titularidade (Localização do saguão e Configuração do prédio dos RR)
III – Da demolição das obras executadas pelos RR. no prédio dos AA.
IV – Da aquisição por usucapião
IV.1 – “À vista de toda a gente”
IV.2 – “Convencido de o fazer no uso dum direito próprio, sem ofender os direitos de ninguém e sem oposição de ninguém, em especial dos A.A.”:
2- Vem o presente recurso interposto da douta Sentença que julgou a presente acção totalmente improcedente e a reconvenção procedente e, em consequência, decidiu:
a) absolver os RR de tudo o peticionado; e
b) Declarar que os RR são donos do prédio urbano descrito na Conservatória da Registo Predial de ... sob o nº 2732 do qual faz parte o saguão.
3- No Artº 7º da Pi. os AA. enunciaram as obras executadas pelos RR. no saguão e nos Artºs 28º e 29º da P.i. enunciaram os danos que tais obras haviam causado no seu prédio, tendo deduzido pedido expresso onde peticionavam – para além do mais – a condenação dos RR. a repararem todos esses danos, a pagar aos AA. a quantia de €1.500,00 a título de indemnização pela violação do seu direito de propriedade e bem assim apagar aos AA. a quantia de €100,00 por cada dia de atraso no cumprimento da douta sentença que vier a ser proferida e que ordene a demolição das ditas obras.
4- Contudo, o douto Tribunal a quo não só não apreciou as aludidas questões como – na parte decisória –não tomou qualquer decisão relativamente aos pedidos formulados, isto apesar de nos pontos 4, 5, 6 e 7 dos «FACTOS PROVADOS» ter dado como provados esses factos praticados pelos RR..
5- Mesmo que o saguão fosse propriedade dos RR., ainda assim não tal facto não lhes daria o direito de taparem janelas, abrirem buracos e fixarem ferros na parede do prédio dos AA..
6- Em sede reconvencional, peticionaram os RR. que “fossem reconhecidos como os únicos proprietários do saguão de que tratam os autos”, não tendo, pois, peticionado o douto Tribunal a quo reconhecesse o seu direito de propriedade sobre qualquer prédio mas apenas sobre o saguão sub iudice).
7- Ora, ao decidir “Declarar que os RR CC e DD são donos do prédio urbano, atualmente, na matriz urbana da U.F de ... sob o art. 6.870 e anteriormente sob o art. 184 da freguesia de ..., e descrito na Conservatória da Registo Predial de ...sob o nº 2732 …)” o douto Tribunal a quo foi para além do pedido.
8- A douta sentença recorrida mostra-se inquinada dos vícios de nulidade previstos no Artº 615º/1 al. d) do CPC.
9- Como bem resulta da escritura de compra e venda de 21-08-1995 e do respectivo registo de aquisição, o prédio dos AA. é composto de “prédio urbano de habitação e comércio, composto de rés-do-chão e primeiro andar, com setenta e cinco metros quadrados e um saguão com 30m2, sito na Rua ... números 56 a 62 de polícia …”
10- Por sua vez, o prédio dos RR. apenas viria a ser adquirido por estes em 11-12-1997, e como bem resultada respectiva escritura e registo predial, o mesmo é composto de “prédio urbano de habitação, com a superfície coberta de 177m2 e um saguão com 63m2, sito nesta cidade na Rua ... nºs 46, 48 e 50 de polícia…”
11- O saguão em discussão nos presentes autos localiza-se nas traseiras do prédio dos AA. e nas traseiras do prédio dos RR. sito nos nºs 52 e 54 de polícia, e não nas traseiras do prédio dos RR. sito nos nºs 46, 48 e 50de polícia, pelo que o dito saguão com 63m2 que os RR. efectivamente adquiriram nada tem que ver com o saguão em discussão nos presentes autos!
12- Em 08-02-2023, os RR. apresentaram um pedido de rectificação de áreas do seu prédio onde solicitavam a rectificação da área de 240m2 para a área de 347m2 (aumento de área de 145%!!), tendo junto a esse pedido uma planta da qual consta efectivamente o saguão com 63 m2 (nas traseiras do prédio), tendo simulado nessa planta/projecto a integração do saguão em discussão nos presentes autos como fazendo parte integrante do seu prédio, identificando-o como “Pátio – 16,40m2”.
13- O referido pedido de rectificação de áreas apenas foi apresentado pelos RR. um ano depois de estar a decorrer a presente acção e 26 anos depois (de 1997 a 2023) de haverem adquirido o dito «Prédio do ...»
14- Tanto na escritura de compra do prédio dos AA. como no respectivo registo predial é mencionado um saguão, e estando o prédio dos AA. edificado entre outros prédios e confinando na sua frente com a estrada, o saguão que faz parte do mesmo só pode ser – como é – nas traseiras.
15- Os RR. tentaram demonstrar que o saguão sub iudice pertence ao seu prédio (sito nos nºs 46, 48 e 50)-(dito «prédio do ...») por esse prédio ter a configuração de um «L» e, assim, abranger também um outro prédio (que durante o julgamento foi denominado como sendo o “PRÉDIO DA D. ...”), mas dos documentos juntos aos autos assinados pelo próprio R., a configuração do dito «prédio do ...» é – como sempre foi – um rectângulo.
16- Essa suposta “rectificação de áreas” foi – na realidade – uma forma ardilosa de os RR. tentarem escamotear documentalmente uma “ocupação/usurpação” da área do antigo «prédio da D. ...» (situado por trás dos prédios de AA. e RR.)
17- O prédio que o R. comprou situa-se – e tem entrada) nos nºs 46, 48 e 50 da Rua ... e o prédio existente na parte de trás (o dito «prédio da D. ...») não tinha qualquer entrada pela Rua ... mas sim por outra rua (Rua da ...)
18- Isso mesmo foi confirmado pelo próprio R. marido em sede de Declarações de Parte (Registos áudio da Sessão julg. 03-04-2024: [Depoimento prestado e registado entre as 12:01 e as 13:17 do suporte digital de gravação da audiência]), bem como pelos depoimentos das testemunhas EE (Registos áudio da Sessão julg.03-04-2024: [Depoimento prestado e registado entre as 09:57 e as 10:55 do suporte digital de gravação da audiência]:) e FF (Registos áudio da Sessão julg. 03-04-2024: [Depoimento prestado e registado entre as11:30 e as 11:59 do suporte digital de gravação da audiência]), tudo Cfr. transcrições devidamente identificadas supra nos Artºs 54º a 59º
19- Em sede de declarações de parte, o R. Marido acabou por referir expressamente que não só os dois prédios (o prédio do ... [que efectivamente comprou] e o prédio da D. ...) eram independentes e autónomos como deixou “escapar” que tinham artigos matriciais diferentes, mas na realidade o R. apenas adquiriu um único artigo matricial (o Artº 184
1
), tendo usado da manobra ardilosa denominada de “rectificação de áreas” para simular a junção do prédio que havia adquirido (o prédio do ...) ao outro prédio (prédio da D....) para assim formar o tal «L» e, assim, ter acesso ao dito Saguão.
20- O douto Tribunal a quo acolheu a tese dos RR. segundo a qual o prédio adquirido pelos mesmos englobava não só o «prédio do ...»
2
mas também o «prédio da D. ...» (sito nas traseiras dos 3 prédios em discissão nos presentes autos), e por essa via (i.é., englobando o «prédio da D. ...») é que já teria acesso ao saguão sub iudice.
21- O que não corresponde à realidade, porquanto esses dois prédios eram completamente independentes e autónomos entre si, o «prédio do ...» “Era completamente cego”, “Não tinha nada a ver”, “Não tinha acesso nem para o saguão nem para quintal” e “não incluía mais nada para trás nem para os lados”.
22- Com base na prova carreada aos autos, não podia o douto Tribunal a quo ter dado como «provados» os factos nºs 16, 17, 18, 19, 20, 23, 24, 28 e 52 dos «FACTOS PROVADOS», assim como também não podia ter dado como não provados os factos nºs II, III, IV e VI dos «FACTOS NÃO PROVADOS».
23- Os factos vertidos nos pontos 16, 17, 18, 19, 20, 23, 24, 28 e 52 dos «FACTOS PROVADOS» da douta sentença recorrida devem ser reapreciados e julgados nos seguintes moldes:
3.1 Factos provados | ||||||
Nº do facto | Texto da sentença recorrida | Novo texto a dar ao facto | ||||
16 | O saguão que se discute nos autos não se situa no prédio identificado em 3. | O saguão que se discute nos autos situa-se nas traseiras do prédio dos AA. (identificado em 1.) e nas traseiras do prédio dos RR. identificado em 3. | ||||
17 | Mas no prédio do R inscrito, atualmente, na matriz urbana da U.F de … sob o art. 6.870 e anteriormente sob o art. 184 da freguesia de …, e descrito na Conservatória da Registo Predial de … sob o nº 2732. | ![]() | O prédio dos RR., sito nos nºs 46, 48 e 50 de Polícia da Rua … (actualmente inscrito na matriz urbana da U.F de … sob o art. 6.870 e anteriormente sob o art. 184 da freguesia de …, e descrito na CRP de … sob o nº 2732) é efectivamente composto de um saguão, mas este situa-se nas traseiras desse mesmo prédio (e não nas traseiras dos prédios identificados em 1. e em 3.) e tem uma área de 63m2. | |||
18 | Na Conservatória o prédio encontra-se descrito com a área total de 240 m2, dos quais 177 m2 referidos como a área coberta e 63 m2 aí referidos como a área saguão. | ![]() | ![]() | |||
19 | Com os números de polícia 46, 48 e 50. | ![]() | ||||
20 | Na parede norte do saguão, ao nível do rés-do-chão e do lado nascente sempre existiu uma porta de comunicação entre o prédio e o saguão. | Na parede norte do saguão, ao nível do rés-do-chão e do lado nascente, sempre existiu uma porta de comunicação entre o prédio e o saguão, mas a referida parede era parte integrante do denominado «prédio da D. …» (que se situava na traseiras dos prédios identificados em 1. e em 3.) e não do prédio dos RR. sito nos nºs 46, 48 e 50 de Polícia da Rua … | ||||
23 | O saguão não se encontra nas traseiras do | A eliminar, sendo substituído pelo texto do novo | ||||
![]() | prédio dos A.A. mas sim do lado nascente deste, constituindo a parte descoberta, ou seja, o saguão do prédio urbano do R. descrito no ponto 17, do qual o R. tem tido o uso, posse e fruição desde que adquiriu em 1997 o prédio há mais de 20 anos. | facto nº 16 | ||||
24 | A cobertura realizada pelo R está toda ela construída no interior do saguão e, portanto, no interior da casa do R. | A cobertura realizada pelo R. tem uma estrutura em ferro, estrutura-essa que está fixada através de ferros espetados ou aparafusados na parede do prédio dos AA. | ||||
28 | E antes já os vendedores ocupavam aquele saguão, dele fazendo igualmente depósito de coisas velhas arcas e loiças partidas, convencidos de dele serem proprietários e dele pertencer à casa que venderam ao R. e à mulher deste. | E antes já os vendedores ocupavam aquele saguão, dele fazendo igualmente depósito de coisas velhas arcas e loiças partidas, convencidos de dele serem proprietários e dele pertencer ao denominado «prédio da D. …» que, contudo, não venderam ao R. e à mulher deste. | ||||
52 | O prédio a que o saguão pertence encontra-se registado na Conservatória em nome dos RR, com expressa referência ao saguão como constituinte desse prédio | O prédio registado na Conservatória em nome dos RR faz expressa referência ao saguão como constituinte desse prédio, mas o saguão a que tal registo se refere é o saguão existente nas traseiras desse prédio (com a área de 63m2) e não ao saguão em discussão nestes autos |
24- Devem ser acrescentados à douta sentença recorrida os seguintes «FACTOS PROVADOS»:
Novos «FACTOS PROVADOS» |
O prédio dos RR. sito nos nºs 46, 48 e 50 de Polícia da Rua … (actualmente inscrito na matriz urbana da U.F de … sob o art. 6.870 e anteriormente sob o art. 184 da freguesia de …, e descrito na CRP de … sob o nº 2732) é efectivamente composto por um saguão, mas este saguão situa-se nas traseiras desse mesmo prédio (e não nas traseiras dos prédios identificados em 1. e em 3.) e tem uma área de 63m2. |
O saguão que se discute nos autos nada tem que ver com o saguão com a área de 63m2 do prédio dos RR. sito nos nºs 46, 48 e 50 de Polícia |
À data da sua compra pelos RR., o prédio sito nos nºs 46, 48 e 50 de Polícia da Rua … (denominado «prédio do …») era completamente “cego”, não tinha acesso nem para o saguão nem para quintal e não incluía mais nada para trás nem para os lados |
O prédio dos RR. (actualmente inscrito na matriz urbana da U.F de … sob o art. 6.870 e anteriormente sob o art. 184 da freguesia de …, e descrito na CRP de Tomar sob o nº 2732) sempre foi um prédio autónomo e independente do denominado «prédio da D. …», não tendo sido incluído na compra realizada pelos RR. na escritura de compra e venda outorgada pelos mesmos em 11-12-1997 |
O prédio dos RR. tem – como sempre teve – uma implantação com a configuração de um rectângulo e não com a configuração de um «L» |
O prédio dos AA. é composto, para além do mais, por um saguão, localizado nas traseiras do mesmo, ao nível do R/Chão das traseiras do seu prédio, tal como consta da respectiva |
escritura de compra e venda outorgada em 21-08-1995 no 1º C.N. de Tomar lavrada a fls. 98v e 99 do Lº nº 510-B e do respectivo registo predial (descrição nº 2168 da CRP de …). |
Para além de ocupar o saguão do prédio dos AA., a manutenção das obras efectuadas pelo R e materiais aí deixados impede os AA. não só de procederem à reparação da fachada do seu prédio e como os impede/impossibilita de aí colocar os necessários andaimes. |
25- Os factos vertidos nos pontos II, III, IV e VI dos «FACTOS NÃO PROVADOS» da douta sentençarecorrida devem ser reapreciados e julgados nos seguintes moldes:
3.1 Factos não provados | ||
Nº do facto | Texto da sentença recorrida | Novo texto a dar ao facto |
II | O prédio dos AA. é composto, para além do mais, por um saguão, localizado nas traseiras do mesmo, ao nível do R/Chão das traseiras do seu prédio. | Deve ser dado como PROVADO que: O prédio dos AA. é composto, para além do mais, por um saguão, localizado nas traseiras do mesmo, ao nível do R/Chão das traseiras do seu prédio, tal como consta da respectiva escritura de compra e venda outorgada em 2108-1995 no 1º C.N. de … lavrada a fls. 98v e 99 do Lº nº 510-B e do respectivo registo predial (descrição nº 2168 da CRP de …). |
III | Para além de ocupar o saguão do prédio dos AA., a manutenção das obras efectuadas pelo R e materiais aí deixados impede os AA. de procederem à reparação da fachada do seu prédio; | Deve ser dado como PROVADO que: Para além de ocupar o saguão do prédio dos AA., a manutenção das obras efectuadas pelo R e materiais aí deixados impede os AA. não só de procederem à reparação da fachada do seu prédio e como os impede/impossibilita de aí colocar os necessários andaimes. |
IV | Aquela cobertura (ali instalada pelo R.) impede/impossibilita a colocação dos necessários andaimes. | |
VI | Além destes danos, as obras executadas pelo R. terão ainda causado outros danos por baixo da cobertura instalada pelo mesmo no saguão do prédio dos AA. | Além desses danos, as obras executadas pelo R. taparam uma janela do prédio dos AA. que se situava na parede poente do saguão (por baixo do terraço) e bem assim um buraco/respirador que se encontrava na parede/empena traseira do prédio dos AA. |
26- As obras executadas pelos RR. no prédio dos AA. resultaram provadas pelas fotos juntas à P.i. e à Contestação, pela INSPECÇÃO JUDICIAL realizada ao local e bem assim pelas declarações prestadas pela A. BB (Registo áudio da Sessão julg. 22-11-2023:Declarações de parte da A.: [Depoimento prestado e registado entre as 11:07 e as 11:54 do suporte digital de gravação da audiência]:), pelas testemunhas GG(Registos áudio da Sessão julg. 22-11-2023: Testemunha dos AA. GG - [Depoimento prestado e registado entre as 10:28 e as 11:07 do suporte digital de gravação da audiência]:), HH (Registos áudio da Sessão julg.20-03-2024: Testemunha dos AA. HH [Depoimento prestado e registado entre as 14:27 e as 15:38 do suporte digital de gravação da audiência]:), e pelo próprio R. CC (Registos áudio da Sessão julg. 03-04-2024:Declarações de Parte do R. marido CC: [Depoimento prestado e registado entre as 12:01 e as 13:17 do suporte digital de gravação da audiência]:), tudo Cfr. transcrições devidamente registadas supra no Artº 76º.
27- Com base em toda essa prova, o douto Tribunal a quo deu como provados os factos constantes dos pontos 4, 5, 6, 7, 8 e 9 dos «FACTOS PROVADOS», mas – em absoluta contradição consigo próprio –, deu também como não provado que ”Ao levar a cabo as obras melhor descritas em 6, o R. casou danos diversos no prédio dos AA.: Danificou a tinta das fachadas Sul/Poente do prédio dos AA; Fez buracos nas fachadas Sul/Poente do prédio dos AA; Danificou o reboco e pintura da parede Poente do saguão do prédio dos AA.; Causou infiltrações nas paredes Sul/Poente do prédio dos AA.” (Ponto V dos «Factos Não Provados»)
28- A matéria vertida no Ponto V dos «FACTOS NÃO PROVADOS» deve passar a constar dos «FACTOSPROVADOS», devendo assim acrescentar-se à lita dos «FACTOS PROVADOS» o seguinte: Ao levar a cabo as obras melhor descritas em 6, o R. casou danos diversos no prédio dos AA.: Danificou a tinta das fachadas Sul/Poente do prédio dos AA; Fez buracos nas fachadas Sul/Poente do prédio dos AA; Danificou o reboco e pintura da parede Poente do saguão do prédio dos AA.; Causou infiltrações nas paredes Sul/Poente do prédio dos AA.
29- Para fundamentar o reconhecimento do direito de aquisição dos RR. sobre o saguão sub iudice a título de usucapião, o douto Tribunal a quo deu como provado (pontos nºs 36, 37, 47, 48, 49 e 51 dos «FACTOSPROVADOS») que os RR. vêm exercendo a posse sobre o referido saguão “À vista de toda a gente”, “Convencido de o fazer no uso dum direito próprio”, “Sem ofender os direitos de ninguém” e “Sem oposição de ninguém, em especial dos A.A.”
30- Contudo, e no que concerne ao requisito da publicidade da posse, olvidou o douto Tribunal a quo que o dito saguão se encontra nas traseiras dos 3 prédios localizados entre os nºs 46 e 62 da Rua ... (sendo que do lado da referida Rua não existe qualquer visibilidade para as traseiras de tais prédios) e que, devido à doença do A. marido, os AA. acabaram por trespassar o negócio de taberna que exploravam no R/Chão e, nessa sequência, deixaram de habitar o 1º andar do prédio no ano de 2000 (v. Declarações de parte da A.BB na sessão de 22-11-2023 e bem assim dos seus filhos GG (Sessão julg. 22-11-2023) e HH (Sessão julg.20-03-2024)
31- No que concerne ao requisito da pacificidade da posse, o douto Tribunal olvidou não só o teor da certidão extraída do Processo-Crime nº 146/20.9... que correu seus termos pelo Juízo Local Criminal de ... (que evidencia os conflitos havidos entre AA. e RR. relativamente à referidas obras) mas também os depoimentos da A. BB (Registo áudio da Sessão julg. 22-11-2023: Declarações de parte da A.: [Depoimento prestado e registado entre as 11:07 e as 11:54 do suporte digital de gravação da audiência]:), das testemunhas GG (Registos áudio da Sessão julg. 22-11-2023: Testemunha dos AA. GG - [Depoimento prestado e registado entre as 10:28 e as 11:07 do suporte digital de gravação da audiência]:), HH (Registos áudio da Sessão julg. 20-03-2024: Testemunha dos AA. HH [Depoimento prestado e registado entre as 14:27e as 15:38 do suporte digital de gravação da audiência]:), e pelo próprio R. CC (Registos áudio da Sessão julg. 03-04-2024: Declarações de Parte do R. marido CC: [Depoimento prestado e registado entre as 12:01e as 13:17 do suporte digital de gravação da audiência]:), tudo Cfr. transcrições devidamente registadas supra no Artº 92º.
32- Atenta a prova produzida e supra transcrita, não podia o douto Tribunal a quo ter dado como provada a matéria vertida nos pontos 36, 37, 47, 48, 49 e 51 dos «FACTOS PROVADOS», devendo assim tal matéria ser eliminada dos Factos Provados e vertida nos «FACTOS NÃO PROVADOS».
33- Foram violados os Artºs 342º, 344º e 350º e 615º/1 al. d) do CPC e os Artºs 1260º, 1268º/1, 1278º/3,1292º e 1297º todos do C.C.
Os RR. responderam, sustentando a inexistência de nulidades e pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
Foi proferido despacho no tribunal recorrido que considerou não se verificarem as nulidades invocadas.
II. O objecto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente (art. 635º n.º4 e 639º n.º1do CPC), «só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações elevadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa».
Assim, importa avaliar:
- as nulidades imputadas à sentença recorrida.
- o mérito da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
- do mérito da decisão, à luz da pretendia alteração da matéria de facto.
III. Foram considerados provados os seguintes factos (3):
1. Encontra-se registado a favor dos AA o prédio urbano sito na Rua ..., nºs 56/62-..., composto de casa de habitação de r/chão e 1º andar, com 75m2, com 8 divisões e saguão com 30m2, dividido sob o regime da propriedade horizontal, inscrito na matriz predial urbana da UF de ... sob o Artº 6615 e descrito na CRP de ...sob o nº 2168.
2. Os AA adquiriram o referido prédio por escritura de compra e venda outorgada em 21-08-1995 no 1º C.N.de ... lavrada a fls. 98v e 99 do Lº nº 510-B.
3. Encontra-se registado a favor dos RR o prédio urbano sito na Rua ..., nºs 52 e 54-..., com 55m2, composto de casa de habitação de r/chão, 1º e 2º andares, sendo a casa de habitação composta de rés do chão com duas divisões e primeiro andar com três e segundo andar com duas, destinado a comércio, inscrito na matriz predial urbana da UF de ... sob o Artº 89 (correspondente ao anterior Artº 1832 da extinta Freguesia de ...) e descrito na CRP de... sob o nº 1449.
4. Em 2021, o R. praticou no saguão os seguintes atos e realizou as seguintes obras: Colocação de uma cobertura em vidro/acrílico; Fixação da estrutura em ferro da dita cobertura no prédio dos AA.; Realização de buracos na parede do prédio dos AA. para fixação daquela estrutura; Aplicação de uma tela impermeabilizadora; Edificação de uma parede em tijolo, desde o R/Chão até ao nível do 1º andar. Depósito de lixo diverso e materiais sobrantes das obras.
5. Sem o conhecimento, consentimento ou autorização dos AA.
6. Na sequência de tais atos, os AA. solicitaram pessoalmente ao R. não só que se abstivesse de entrar no seu prédio, mas também que dele retirasse as obras nele executadas.
7. O mesmo sempre recusou.
8. Em 12-04-2021 o Mandatário dos AA. remeteu ao R. (que a recebeu em 14-04-2021) uma comunicação nos termos da qual concedia ao R. um prazo de 8 dias para proceder à demolição e remoção das obras executadas no prédio dos AA.
9. O R. não acedeu à mesma.
Da contestação
10. Na escritura da compra do prédio por parte dos AA., consta que a área do mesmo é de 75 m2 com um saguão com 30 m2.
11. Os A.A. em 21/11/2007 apresentaram um requerimento na CRP de ..., pedindo a retificação da área desse seu prédio, declarando que “na realidade o respectivo edifício tem mais precisamente a superfície coberta de127,82 m2.”
12. O prédio dos A.A. encontra-se hoje registado com a área total igual à área coberta aí declarada de 127,18m2.
13. Embora da composição continue a constar o saguão, o prédio hoje não ter qualquer área descoberta registada.
14. Os A.A. com o referido requerimento juntaram a Planta Topográfica do prédio acompanhada duma declaração assinada pelos proprietários limítrofes, que eram respetivamente, o ora R. como proprietário limítrofe do prédio dos A.A. dos lados nascente e norte e II como Cabeça de Casal da Herança de JJ.
15. Na referida Planta assinalou-se o saguão que se discute como se encontrando todo ele fora das linhas demarcadas pelos A.A. para o seu prédio, e demarcado nessa planta como pertencendo ao R. CC.
16. O saguão que se discute nos autos não se situa no prédio identificado em 3.
17. Mas no prédio do R inscrito, atualmente, na matriz urbana da U.F de ... sob o art. 6.870 e anteriormente sob o art. 184 da freguesia de ..., e descrito na Conservatória da Registo Predial de ... sob o nº 2732.
18. Na Conservatória o prédio encontra-se descrito com a área total de 240 m2, dos quais 177 m2 referidos como a área coberta e 63 m2 aí referidos como a área saguão.
19. Com os números de polícia 46, 48 e 50.
20. Na parede norte do saguão, ao nível do rés-do-chão e do lado nascente sempre existiu uma porta de comunicação entre o prédio e o saguão.
21. O R. adquiriu este prédio por escritura de compra e venda celebrada no dia 11/12/997 no 2º Cartório Notarial de ..., no estado de casado sob o regime de comunhão de adquiridos com DD.
22. O prédio dos A.A. confronta do lado nascente com o do R. descrito no ponto 3.
23. O saguão não se encontra nas traseiras do prédio dos A.A. mas sim do lado nascente deste, constituindo aparte descoberta, ou seja, o saguão do prédio urbano do R. descrito no ponto 17, do qual o R. tem tido o uso, posse e fruição desde que adquiriu em 1997 o prédio há mais de 20 anos.
24. A cobertura realizada pelo R está toda ela construída no interior do saguão e, portanto, no interior da casado R.
25. O R. tem ocupado o saguão, nele tendo realizado obras variadas e desse espaço fazendo depósito de diversos materiais, em especial materiais sobrantes de obras e coisas velhas e já sem préstimo.
26. O R. nunca pediu qualquer autorização aos AA.
27. Esses atos têm sido praticados desde que o R. comprou o prédio de que o saguão faz parte, o que aconteceu a 11/12/1997.
28. E antes já os vendedores ocupavam aquele saguão, dele fazendo igualmente depósito de coisas velhas arcas e loiças partidas, convencidos de dele serem proprietários e dele pertencer à casa que venderam ao R. e à mulher deste.
29. O R. logo após a compra do prédio, portanto há mais de 20 anos a utilizar o saguão para nele depositar objetos velhos e sem préstimo e para aí depositar restos de obras realizadas no prédio.
30. Utilizando para o efeito a única porta então existente no prédio para acesso ao saguão na parede norte deste;
31. Logo após a compra, o R. limpou o saguão das ervas e arbustos que neles haviam nascido e crescido no período anterior à compra do prédio por ele;
32. Logo após a compra, o R. limpou o saguão das ervas e arbustos que neles haviam nascido e crescido no período anterior à compra do prédio por ele;
33. Para melhor aproveitar o espaço do saguão, colocou nele ao nível do teto do r/chão uma cobertura em vidro acrílico que resguardava esse rés-do-chão das chuvas e servia de pavimento ao 1º andar, passando assim o R. a utilizar os dois pisos, embora o piso superior fosse aberto e sem cobertura;
34. no piso inferior do saguão abriu uma porta de acesso ao prédio descrito no ponto 3 onde tinha instalado um café/bar;
35. ao longo dos anos foi rebocando e pintando e conservando as paredes;
36. fazendo tudo isto continuadamente à vista de toda a gente convencido de o fazer no uso dum direito próprio, sem ofender os direitos de ninguém;
37. Sem oposição de ninguém, em especial dos A.A., que, pela janela existente do lado do seu prédio, podiam ver o que se passava no interior do saguão;
38. Nunca os A.A. tiveram qualquer acesso ao interior do referido saguão;
39. Os AA não dispõem de qualquer porta ou outro acesso ao saguão.
40. O R. já há cerca de 15 anos que, juntamente com a sua mulher, arrenda o café instalado na casa descrita no ponto 3 e nos respetivos contratos de arrendamento além do prédio propriamente dito onde se situa o café, o R. e a mulher incluem ainda o espaço do saguão, ou seja, como escreveu nos contratos, “um espaço destinado a arrecadações com a área de 25 m2, pertencente ao prédio urbano inscrito na matriz sob o art. 184da mesma freguesia” que é precisamente o prédio onde se situa o saguão.
41. Nestes últimos 15 anos os arrendatários comerciais deste prédio do R., sempre utilizaram o espaço do saguão para nele depositarem os mais variados objetos;
42. sempre o fizeram convencidos que tal espaço pertencia ao R. e à mulher deste à vista de toda a gente em especial os clientes do estabelecimento e sem oposição de ninguém;
43. há mais de 15 e de 20 anos, quando o A. fez as obras para transformar o prédio descrito no ponto 3 num bar/café, instalou toda a aparelhagem de ar condicionado no saguão;
44. A parede na parte onde o R. colocou os aparelhos de ar condicionado é uma parede só dele entre as duas casas de que é proprietário, pois existe apenas a parte da parede do saguão do lado sul que é meeira.
45. A colocação e fixação das chapas acrílicas nas paredes do saguão, apenas ocorreram na metade das paredes do lado interior do saguão.
46. O prédio descrito na CRP de ... sob o nº 2732, onde se situa o saguão é propriedade do R. reconvinte e de sua mulher DD, uma vez que, como consta da referida certidão e da respetiva escritura de compra foi adquirido por ambos no estado de casados sob o regime da comunhão de adquiridos.
47. Durante mais de 20 anos, continuadamente, sem oposição de ninguém,
48. À vista de toda a gente em especial dos A.A. e seus familiares dada a janela existente na parede sul do saguão que o separa do prédio dos A.A.
49. Convencido de exercer um direito próprio dele e da mulher.
50. A qual tinha pleno conhecimento de tudo isto;
51. E convencido de não ofender os direitos de ninguém;
52. O prédio a que o saguão pertence encontra-se registado na Conservatória em nome dos RR, com expressa referência ao saguão como constituinte desse prédio;
53. O logradouro é hoje constituído por dois pisos separados por uma placa construída em vidro acrílico com cerca de 10,33 metros de comprimento, 1,60m de largura e uma altura de 3,20m do pavimento às chapas de vidro acrílico e depois uma altura de cerca de 3 metros até ao cimo das paredes laterais do sótão;
54. Na parede do lado sul do saguão na parte que confronta com o prédio do A.A. existia uma janela do lado esquerdo, com cerca de 70 cm de largura e 75 cm de altura, revestido de todos os lados de cantaria tendo ao meio, de alto a baixo, uma coluna em pedra dividindo a janela em duas partes praticamente iguais;
55. Os A.A. retiraram a cantaria assim como a coluna central dessa janela que substituíram por outra, composta por dois vidros foscos encaixilhados independentes um do outro conforme à fotografia junta.
56. Em 2021, os A.A. demoliram a parede poente do saguão com cerca de 60cm de espessura, levantando sobre os 30cm da metade dos caboucos mas do lado do saguão um novo muro com cerca de 1,20 metros de altura, apenas para terem um espaço maior entre o prédio deles e essa parede e partindo da ideia de que essa parede poente do saguão seria meeira.
E foram tidos por não provados os seguintes factos:
I. O supra identificado prédio dos AA. confronta do Norte/Nascente com o prédio do R. supra identificado.
II. O prédio dos AA. é composto, para além do mais, por um saguão, localizado nas traseiras do mesmo, ao nível do R/Chão das traseiras do seu prédio.
III. Para além de ocupar o saguão do prédio dos AA., a manutenção das obras efectuadas pelo R e materiais aí deixados impede os AA. de procederem à reparação da fachada do seu prédio;
IV. Aquela cobertura (ali instalada pelo R.) impede/impossibilita a colocação dos necessários andaimes.
V. Ao levar a cabo as obras melhor descritas em 6, o R. casou danos diversos no prédio dos AA.: Danificou atinta das fachadas Sul/Poente do prédio dos AA; Fez buracos nas fachadas Sul/Poente do prédio dos AA; Danificou o reboco e pintura da parede Poente do saguão do prédio dos AA.; Causou infiltrações nas paredes Sul/Poente do prédio dos AA.
VI. Além destes danos, as obras executadas pelo R. terão ainda causado outros danos por baixo da cobertura instalada pelo mesmo no saguão do prédio dos AA.
VII. Não sendo, contudo, possível ainda avaliar esses danos, na medida em que aquela cobertura impede avisão dessa área inferior; que apenas serão visíveis, qualificáveis e quantificáveis após a demolição das mesmas.
IV.1. Os recorrentes começam por assacar à sentença recorrida o cometimento de duas nulidades, por omissão e excesso de pronúncia.
De acordo com o art. 615º n.º1 al. b) do CPC:
1 - É nula a sentença quando:
(...)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
(…)
.
2. A omissão de pronúncia ocorre quando o tribunal deixe de apreciar questões que, nos termos do art. 608ºn.º2 do CPC, devia ter conhecido. A noção de questões relevante para este efeito, co-determinada pela definição do âmbito do caso julgado, corresponde às questões de direito correspondentes aos pedidos, causas de pedir e excepções formuladas (ou, nas excepções, também as oficiosamente cognoscíveis), incluindo nulidades de conhecimento oficioso. Já não abrange, porém, os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes.
Para os recorrentes a sentença seria nula por omissão de pronúncia porquanto:
i. os AA. alegaram que os RR. realizaram uma série de intervenções no saguão (que seria dos AA.) e no prédio dos AA..
ii. os AA. formularam pedidos correspondentes, a saber:
3- Reparar todos os danos causados pelas ditas obras no prédio dos AA.;
5- A pagar aos AA. a quantia de €1.500,00 a título de indemnização pela violação do seu direito de propriedade,
6- A pagar aos AA. – a título de sanção pecuniária compulsória – a quantia de €100,00 por cada dia de atraso (após trânsito em julgado) no cumprimento da douta sentença que vier a ser proferida e que ordene a demolição das ditas obras e limpeza e desocupação do prédio dos AA. por parte do R
.
iii. o tribunal não «só não apreciou as aludidas questões como – na parte decisória – não tomou qualquer decisão relativamente às mesmas», apesar de ter dado como provados factos relevantes em 4 a 7 dos factos provados.
iv. pois, mesmo que o saguão fosse propriedade dos RR., «
tal facto não lhes daria o direito de taparem janelas, abrirem buracos e fixarem ferros na parede do prédio dos AA.
.».
A nulidade vem assim imputada quer à apreciação das questões suscitadas, quer aos pedidos formulados.
No que toca aos pedidos, é manifesto que a sentença impugnada, ao absolver os RR. «de tudo o peticionado», compreende todos os pedidos formulados pelos RR.. Nenhuma omissão aqui existe.
Quanto à avaliação das questões postas, a causa de pedir corresponde aos factos jurídicos que preenchem a previsão da norma jurídica cuja estatuição faculta o efeito jurídico pretendido pelos AA.. A noção de questões, no quadro em causa, deve, contudo, ser tomada num sentido amplo, abrangendo tudo quanto diga respeito à fundabilidade ou infundabilidade da causa de pedir ou excepções (4), e assim também o fundamento jurídico ajustado aos factos alegados, quer seja invocado pela parte, quer seja mobilizável oficiosamente pelo tribunal (coisa diferente do argumento ou razão).
No caso, a causa de pedir, complexa, estrutura-se em função da propriedade que os AA. invocam, propriedade que discutem especialmente em função do saguão mas que não deixam de afirmar também quanto às paredes do seu prédio, distintas daquele saguão ou não se integrando no saguão (saguão que constitui essencialmente espaço que acresce às paredes, situado para além destas). Assim no art. 7º da PI quando alegam ao menos que os RR. realizaram buracos na parede do prédio dos AA. para fixação da cobertura. E bem assim quando, no plano dos danos, se reportam às fachadas / paredes do prédio dos AA., nas quais localizam os danos que invocam. Embora esta alegação venha amalgamada com a questão do saguão (pois é este que primacialmente se discute), ela não deixa de ter alcance próprio (autonomia), sendo assim entendível pelos destinatários da alegação. O que foi, aliás, compreendido pelos RR., que vieram afirmar que a parede do prédio dos AA. onde fixaram as chapas acrílicas seria uma parede meeira e assim que a fixação ocorreu na parte da parede de que seriam proprietários (art. 52º da contestação).
O que isto significa é que a causa de pedir não se esgota na discussão sobre a titularidade do saguão, envolvendo ainda intervenções na(s) parede(s) do prédio dos AA., intervenções estas a que correspondem pretensões equivalentes.
Existe assim uma pretensão (em sentido amplo), ou uma questão derivada da causa de pedir, que se destacada questão atinente à titularidade do saguão, subsistindo independentemente desta titularidade. E questão (ou pretensão em sentido amplo) que foi ainda apresentada com suficiente nitidez ao tribunal, podendo e devendo ser apreciada à luz da propriedade dos AA. sobre a parede em causa. É certo que os AA. são escassos na alegação das razões jurídicas (apenas invocam normas relativas à sanção pecuniária compulsória e uma regra processual), mas tal é indiferente pois cabe ao tribunal avaliar todas as perspectivas jurídicas da questão (art.5º n.º3 do CPC). Cabendo-lhe até, segundo um princípio de exaustão, o dever de esgotar todas as possíveis qualificações jurídicas dos factos alegados pelas partes (5) - poder-dever de qualificação que justifica ainda que o caso julgado que se forme contemple todas essas possíveis qualificações. Por isso que se afirme que, por exemplo, a falta de conhecimento da nulidade por vício de forma (mesmo que não invocada, e porque deve ser oficiosamente conhecida), constitui omissão de pronúncia (6).
Ora, aquela questão ou perspectiva não foi, efectivamente, ponderada pela sentença recorrida, a qual se centrou na questão da titularidade do saguão (afirmando que «No caso vertente, está em causa, em primeiralinha, a titularidade do saguão, com a configuração pelos AA alegada, e a ocupação do mesmo pelos RR, através da realização de obras»), não atendendo à paralela, mas subsistente e autónoma, questão da intervenção na(s) parede(s) dos AA.. E por isso fundou a improcedência dos pedidos formulados pelos AA.na ideia de que «não resultou provado que o saguão pertencesse ao prédio dos AA», sem atender à propriedade da(s) parede(s) intervencionada(s). Deixou, assim, de tomar posição sobre aspecto da causa de pedir, e inerentes pretensões, efectivamente colocadas na lide e que deveriam ser avaliadas.
O que mais se atesta pelo facto de a decisão final ir constituir caso julgado quanto a essas intervenções na(s)parede(s) e inerente pretensão de reparação ou outras. Existe, pois, omissão de pronúncia conducente à nulidade da sentença.
3. Os recorrentes imputam depois à sentença recorrida a nulidade por excesso de pronúncia porquanto a decisão não se ajusta ao pedido formulado na reconvenção:
- na reconvenção, foi formulado o seguinte pedido:
reconhecendo-se ser o R. reconvinte e a sua mulher DD os únicos proprietários do saguão de que tratam os autos e que constitui parte do prédio registado na Conservatória do Registo Predial de ... em nome deles (...)
- a sentença, no dispositivo, afirmou:
Declarar que os RR CC e DD são donos do prédio urbano (...) descrito na Conservatória da Registo Predial de ... sob o nº 2732 do qual faz parte o saguão.
Em termos gerais, o excesso de pronúncia surge quando o tribunal aprecie causa de pedir ou excepção não alegadas (nem de conhecimento oficioso) ou condene em excesso face ao pedido (quantidade superior ou objecto diverso). Seria esta última modalidade do excesso de pronúncia que estaria em causa.
O excesso imputado diz respeito à incongruência entre o pedido formulado e o decidido quanto a esse pedido, e coloca-se assim no âmbito do princípio do pedido. Quer se veja neste princípio manifestação do princípio do dispositivo ou se lhe atribua autonomia, ele não deixa de assentar na ideia básica de que não pode o Estado (o tribunal) substituir-se aos particulares na tutela dos seus interesses. Com efeito, como ao processo civil estão subjacentes direitos privados, em regra disponíveis, cujo exercício ou prossecução depende da vontade dos respectivos titulares, esta autonomia pessoal tem que valer também no exercício judicial desses direitos. A autonomia dos interessados atribui-lhes a exclusividade de definição dos seus interesses ou direitos, exclusividade que por sua vez se traduz numa ideia de vinculação e paralela limitação do tribunal: este está vinculado ao que foi pedido, e por isso está a isso limitado, não lhe cabendo alterar a forma como os titulares dos interesses decidem definir a tutela pretendida. Como referia M. de Andrade, «o juiz não tem de saber se, porventura, à situação das partes conviria melhor outra providência que não a solicitada». O princípio, para além do art. 3º n.º1 do CPC, tem tradução no art. 609º n.º1 do CPC e ainda na norma agora em discussão.
Atendendo aos termos do caso, o problema está em saber se existe uma diferenciação qualitativa entre as duas formulações adoptadas que cause uma disrupção da devida equivalência ou congruência entre pedido e decisão (com inerente violação da autonomia da vontade de quem pede).
Face aos termos literais do pedido e do decidido, a verificação de divergência parece sustentável: no pedido pede-se o reconhecimento da parte que se integra num todo (o saguão, que faz parte de prédio), no dipositivo reconhece-se o todo, no qual se integra a parte (o prédio, do qual faz parte o saguão).
Não obstante, o pedido, enquanto acto postulativo, também impõe uma interpretação, mormente na definição do seu âmbito ou limites, interpretação a realizar no quadro dos art. 236º/238º do CC (embora com especificidades não relevantes no caso) (
7
), determinante na fixação do exacto alcance ou amplitude do pedido formulado. Ora, considerando na globalidade aquilo que efectivamente se pede, à luz dos factos alegados, admite-se que aquela divergência seja meramente aparente, não existindo, em termos qualitativos, divergência relevante.
Com efeito, ao se afirmar que o saguão faz parte do prédio (de mais a mais inscrito na CRP em nome dos RR.), está-se igualmente a sustentar (reconhecer) que os RR. são donos do prédio. Propriedade esta do prédio descrito que os AA. nem contestaram (art. 27º da réplica), e é confirmada pelo princípio de que sobre uma coisa apenas pode incidir um direito real pleno (salvo desconexão ou separação que os RR. não pretendem, antes a excluindo quando afirmam que o saguão faz parte daquele prédio). No fundo, a formulação do pedido
tem a ver com a lógica do litígio: o que importava saber era se o saguão se integrava num ou noutro prédio, prédios alternativos cuja respectiva titularidade as partes não problematizavam (antes pressupunham e admitiam). Assim, era a propriedade, não disputada, desses prédios que em primeira linha se queria estender ao saguão. Nessa medida, quando se afiança que o saguão faz parte de um prédio, e se reconhece a propriedade do saguão apenas enquanto parte integrante de um prédio, está-se inelutavelmente, embora deforma indirecta, a afirmar a propriedade sobre esse prédio. Não há alternativa. Não pode ser dono da parte sem, inexistindo desconexão ou separação, ser dono do todo em que a parte se integra. De mais a mais quando se afirma a propriedade da parte (do saguão) como mera concretização, ou extensão, da propriedade do todo (do prédio). Pois se se define o saguão como parte integrante do prédio, a propriedade daquele é apenas expressão da propriedade deste. No fundo, apenas se alterou a ordem dos factores: no pedido, afirmava-se que a propriedade da parte era a mesma que incidia sobre o todo; na formulação final, afirma-se que a propriedade sobre o todo inclui a parte. Mas a alteração não altera a realidade subjacente ao pedido: os RR. seriam proprietários do prédio, por ser essa propriedade a mesma que se estende ao saguão. A afirmação ainda está contida no pedido, o que se mostra perceptível para os destinatários do acto e corresponde à vontade dos autores do pedido.
A afirmação parece também ajustar-se ao caso julgado. Com efeito, na formulação do pedido, os AA. ficavam vinculados ao reconhecimento da propriedade dos RR. sobre o saguão, propriedade esta que abrange, e por isso se estende, ao prédio onde se integra o saguão. Ora, o mesmo decorre da decisão proferida. Em sentido negativo, o reconhecimento da propriedade sobre o saguão, e na medida em que era extensão da propriedade sobre o prédio, sempre impediria os AA. de irem discutir também a propriedade do prédio em nova acção pois foi esta propriedade que ficou reconhecida por ela se estender ao saguão (ao menos por efeito da autoridade do caso julgado).
Decerto, poderia ser mais curial (ou prudente) seguir a formulação do pedido. Mas não se crê que a formulação adiantada se traduza realmente num excesso qualitativo: apenas deixa expresso o que já derivava do pedido, mormente em articulação com os factos provados. Não existe aqui a nulidade imputada.
4. Assente a existência da aludida nulidade, duas concretizações se justificam.
De um lado, trata-se de nulidade meramente parcial, que apenas afecta parte do decidido: a avaliação do que ocorre em paredes dos AA., não afectando outros aspectos da sentença recorrida.
De outro lado, tal nulidade não impõe o reenvio do processo ao tribunal recorrido, impedindo a avaliação do recurso. Ao invés, e por força do art. 665º n.º1 do CPC, a nulidade importa a substituição deste tribunal ao tribunal recorrido (substituindo a sentença recorrida na parte nula e conhecendo do objecto da apelação).
5. Quanto ao objecto do recurso, começam os AA. por impugnar a decisão sobre a matéria de facto. Nesta impugnação, os recorrentes indicam os factos impugnados (nas alegações e nas conclusões) e a matéria factual que pretendem ver descrita (estando subjacente à sua alegação a ideia de que os factos substituídos deveriam ser tidos por não provados), e também os momentos da prova gravada que consideram relevantes(art. 640º n.º1 al. a) e c) e 2 al. a) do CPC).
Quanto ao ónus de indicação dos meios de prova que impõem solução diferente da recorrida (al. b) do n.º1 do citado art. 640º), tem sido entendido que este ónus implica que o recorrente indique os meios de prova que determinam decisão diversa quanto a cada facto impugnado, isto é, relacionando a prova relevante com cada facto impugnado [v. A. Geraldes, O regime dos recursos no CC de 2013, in O Código de processo civil 10 anos depois, EUL 2023, pág. 243]. Com efeito, e para além do sentido literal da norma, esta é a única forma de se garantir o objectivo visado, impedindo que se devolva ao tribunal o papel de determinar, nos meios de prova genericamente indicados pelo recorrente, quais os relevantes para cada ponto factual. Pretende-se, assim, evitar uma impugnação ainda generalista, que devolvia ao tribunal de recurso o ónus de localizar aprova relevante. Não obstante, admite-se, na linha da relativização do rigor dos ónus em causa (adoptando «um critério adequado à função e conforme aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade»), que este ónus seja cumprido através da referência da prova a grupos de factos relacionados entre si (isto é, que respeitam às mesmas circunstâncias de facto problemáticas), pois, nesses casos, a finalidade legal (estabelecimento de conexão dos meios de prova com factos impugnados precisos) ainda se mostra satisfeita. Tal só vale, naturalmente, para os factos que apresentam a dita conexão entre si, que representam o mesmo «nó problemático» factual.
No caso, os recorrentes não estabelecem uma relação directa entre cada facto e certos meios de prova, aglutinando grupos, mais ou menos amplos, de factos por cada impugnação, relacionando-os com certos meios de prova. Tal será, como referido, lícito quando exista uma conexão de sentido entre os factos; onde essa conexão falhe, poderá estar em causa motivo de rejeição da impugnação (pois não existe convite ao aperfeiçoamento em sede de incumprimento dos requisitos formais de impugnação da decisão sobre a matéria de facto).
6. Os recorrentes começam por impugnar os factos 16 a 20, 23, 24, 28 e 52, que foram dados como provados na sentença recorrida. Entendem que tais factos não podiam ser tidos por provados, devendo ser substituídos por outros, que igualmente descrevem. Entendem ainda que, com base no mesmo grupo de meios de prova, se deveriam aditar outros factos, que descrevem (e que são em parte coincidentes com os factos que pretendem ver aditados em substituição dos que consideram dever ser tidos por não provados) - art. 69º e 70ºdas alegações e 23 e 24 das conclusões. Por fim, impugnam ainda factos não provados (II, III, IV e VI), entendendo que estes deveriam ser tidos por provados - art. 71º das alegações e 25 das conclusões. Estes factos estão, em termos gerais e no essencial (com excepções, porém, a seguir explicitadas), relacionados com a determinação do prédio em que se integra o saguão (ou pátio), podendo, na linha do exposto, considerar-se suficientemente cumprido, na medida em que se relacionam com a mesma realidade(titularidade predial do saguão), o ónus derivado da referida al. b) do n.º1 do CPC.
Quanto à argumentação probatória dos recorrentes, relevam os seguintes meios de prova:
- invocam a escritura de aquisição do prédio dos AA., a qual refere um saguão, o que também consta no registo predial. O valor probatório destes elementos, em si considerados, é limitado, pois apenas demonstram o que se faz constar no título e no registo, e já não que tal corresponda à real situação, ou composição, do prédio. Isso é o que falta demonstrar. Isto partindo da asserção, pacificamente aceite, de que o valor presuntivo do registo não vale para os elementos da descrição predial (8). Acresce que a descrição do prédio na escritura deriva dos dados constantes do registo (é, na verdade, aí que se colhem os dados de identificação do prédio, como é sabido), verificando-se que o prédio está descrito desde 1956 (como deriva da identificação registal do prédio/descrição: 2168/19560802 (9)). Ora, ignora-se a evolução física do prédio desde a data da inscrição registal até 1995, ano em que os AA. adquiriram o prédio, e assim a actualidade ou rigor da descrição, o que enfraquece o valor atribuído à menção registal. Acresce, igualmente enfraquecendo a menção, a circunstância de a matriz não reflectir qualquer área descoberta. Por fim, e ao contrário do que os recorrentes afirmaram em outra sede, o título não dá direitos: transmite-os, mas não garante a sua existência, o que, adaptando a afirmação à realidade física atribuída ao prédio, significa que o título afirma que o direito vale sobre um saguão, mas não garante que assim seja efectivamente.
- afirmam que, dada a situação física do prédio dos AA. (rodeado por rua pública e outros prédios), o saguã oa que o título se referia só poderia ser aquele que se discute no processo. De novo, a afirmação padece de petição de princípio: falta ainda demonstrar que o prédio incluía efectivamente um saguão.
- alegam que o R. marido se apropriou indevidamente de prédio contíguo ao segundo prédio que comprou (prédio este no qual o R. sustentou que se integraria o saguão em disputa (10)), e i. assim aquele R. integrou indevidamente esse outro prédio contíguo no prédio que efectivamente comprou e ii. seria esse outro prédio (e não o prédio que o R. comprou) que efectivamente tinha acesso por uma porta ao saguão. Trata-se de asserção, salvo o devido respeito por valoração distinta, para a qual não se consegue encontrar apoio na prova produzida, tal como trazida a esta instância de recurso. Para a sustentar, invocam os AA., de um lado, uma rectificação de áreas que os RR. efectuaram (já na pendência da acção) mas esta não prova, manifestamente, o alegado (11). Depois, invocam as declarações de parte do R., em momento em que este alegadamente teria dito que, quando comprou o tal prédio, não tinha acesso à zona onde estava a porta que dava para o saguão -assim se demonstrando que o prédio que comprou não incluía aquela parte. Trata-se de leitura parcial e enviesada das declarações de parte, omitindo quer o enquadramento da afirmação, quer a explicação cabal dada pelo declarante. Pois o que este afirmou foi que, tendo o prédio que comprou rés do chão e primeiro andar, pelo rés do chão não conseguia aceder à zona que dava acesso ao saguão por existir uma grade a separar as duas partes (12), mas que a essa zona se acedia através do primeiro andar desse prédio, através deescadas que ligavam aquele primeiro andar à zona do rés-do-chão onde se situava a porta para o saguão. Invocam também os recorrentes o depoimento da testemunha EE, mas, de novo, em termos parcelares, omitindo que a testemunha, uma das vendedoras do prédio, também afirmou que o prédio (com a forma de L) que vendeu aos RR. incluía a parte que dava acesso ao saguão. Embora depois se tenham enredado em discussões sobre prédios situados na retaguarda do prédio dos RR., e com desenhos que não constam do processo, o que se retira de tal depoimento é que esta testemunha confirmou asserção contrária à sustentada pelos recorrentes, afirmando que o prédio que vendeu incluía a parte que tinha acesso ao saguão (e mesmo quando a testemunha afirma que do ... (13) não se acedia ao saguão, falava apenas do estabelecimento instalado no rés do chão do prédio que vendeu, o qual não tinha, na verdade, acesso à parte lateral pela qual se cedia ao saguão) (14). Invocam depois o depoimento da testemunha FF, que explorava o aludido estabelecimento ..., mas o que deriva do seu depoimento é que a testemunha apenas conhecia o seu estabelecimento, desconhecendo os demais dados do problema. Assim, era evidente que tendia a identificar o prédio com o espaço ocupado pelo seu estabelecimento apenas por este corresponder ao espaço que usava, julgando que ele coincidia com todo o prédio, mas sem ter noção dos demais termos da questão. Do seu depoimento não se retiram dados relevantes para o ponto em discussão. Invocam também o depoimento da testemunha KK (que interveio em obras num dos prédios dos RR., visitando com alguma frequência o local), mas mesmo dos termos do depoimento que os recorrentes reproduzem nada se retira que suporte a sua pretensão. E dos termos gerais do depoimento da testemunha deriva que desse depoimento se não podem retirar dados probatórios pertinentes pois, pese embora a testemunha tendesse a afirmar que o saguão fazia parte do prédio dos RR. (contra o que os recorrentes sustentam), fazia-o por convicção, sem indicar dados objectivos que justificassem essa convicção. Por fim, voltam os recorrentes a invocar as declarações de parte do R., quando este afirmou que a parte de trás tem número matricial diferente. Porém, como é sabido, não são os artigos matriciais que definem os limites dos prédios ou a identidade física dos prédios, podendo, por razões várias, um prédio ter artigos diversos. Quando muito, tal dualidade poderia ser indício da disparidade, mas sempre seria frágil e, em último caso não confirmado, e até infirmado pelo depoimento da referida testemunha EE e das declarações de parte do R..
Ainda nesta sede, invocam os recorrentes os documentos 1 e 2 juntos com o seu requerimento de 05.12.2023: duas plantas apresentadas pelos RR. (ou pelo R. marido) na Câmara Municipal onde assinalam o seu prédio como sendo um rectângulo, e não com o formato de L (não abrangendo a zona onde se situa a porta para o saguão). Os AA. omitem as explicações dadas pelo R., não as discutindo e assim não avaliando o seu valor explicativo, o que enfraquece o seu argumento pois os documentos não constituem uma forma de confissão nem valem por si mas no seu contexto. Ora, as explicações do R. mostram-se plausíveis: quanto ao primeiro documento, explicitou que se visava vistoria relativa apenas à parte do prédio que ameaçava ruína; no segundo documento, afirmou que na Câmara Municipal lhe perguntaram onde era o sítio (o prédio) e ele disse que era «aqui», sendo que a marcação (de que o R. se distanciou) servia apenas para assinalar a localização e não os limites do prédio (o que também se compreende pois, como deriva do documento, visava-se obter autorização para rebocar e pintar a fachada do edifício, só interessando aquela localização).
Acresce, de outro ponto de vista, uma omissão, em certo sentido gritante, de outros meios de prova relevantes. Assim, e de um lado, fica difícil compreender que os recorrentes venham sustentar, em recurso, que o saguão faz parte do seu prédio (lhes pertence), quando a própria A. BB, nas suas declarações/depoimento de parte (15), afirmou que o saguão era de todos (ou seja, dos titulares dos prédios confinantes), o que equivale à directa negação de que o saguão fazia parte do seu prédio, ou seja, lhe era exclusivo (a lógica da afirmação, pelos termos do depoimento, seguia no sentido de que o saguão não seria próprio de ninguém, estando ali para ser usado por todos). Posição esta que foi igualmente assumida pela testemunha HH (filho dos AA., que conhecia bem o local), com relevo por confirmar a asserção da mãe e pela sua ligação aos factos. Só estes elementos parecem impedir definitivamente que, como os recorrentes pretendem, se conclua pela inclusão do saguão no seu prédio. Por outro lado, permaneceram por explicar os documentos 2 e ss. da contestação, nos quais os recorrentes, com vista à correcção de áreas do seu prédio no registo predial, delimitam o seu prédio e dele excluem de forma clara o saguão agora em disputa -documentos muito relevantes pois, visando fixar a área exacta do prédio dos AA., eram directamente dirigidos à fixação dos seus limites. Por outro lado ainda, mostra-se incongruente e ilógico sustentar que o saguão faz parte de um prédio que ao saguão não tem acesso directo (e com o qual confina de forma bastante limitada), saguão esse ao qual se acedia, há dezenas de anos, pela porta de um outro prédio (16) - prédio este que seria, precisamente, o segundo prédio dos RR. (...), de acordo com o depoimento da aludida testemunha EE e as declarações de parte do R. (depoimento e depoimento de parte estes que são, em termos materiais, corroborados pelo facto de os RR. sempre terem acedido, e usado, o saguão em causa - uso este que constados factos provados sem que os recorrentes discutam esses factos). É, na verdade, de difícil apreensão que alguém tenha o acesso ao seu quintal tapado com uma parede, a ele não podendo aceder, enquanto o vizinho da frente tem uma porta que constitui o único acesso ao quintal e só serve para a ele aceder ... mas quintal que não lhe pertence.
Assim, os meios probatórios indicados, e bem assim a leitura global dos meios de prova relevantes não sustentam a pretensão dos recorrentes: nem esses meios de prova, nem aquela análise da prova, sustentam a sua asserção factual (no essencial, de que o saguão faz parte do seu prédio), nem infirmam o juízo probatório da sentença recorrida (pese embora o carácter pouco curial da sua fundamentação). Inexiste, pois, razão para proceder à alteração dos factos tal como pretendida pelos recorrentes (tornando dispensável discutir o carácter meramente instrumental de alguns dos factos que se pretendiam aditar, o que tornaria escusado o aditamento, ou discutir o carácter inovador - não alegado - de certos factos).
7. Dentro do grupo de factos que os recorrentes discutem nesta sede, genericamente relacionados, como se referiu, com a definição do prédio onde se integra o saguão (todos submetidos ao grupo I que os recorrente sintitulam «Da titularidade do saguão»), os recorrentes pretendem ainda a modificação de factos que excedem a questão daquela integração ou titularidade. Assim quando reclamam que se dê como provado que:
Para além de ocupar o saguão do prédio dos AA., a manutenção das obras efectuadas pelo R e materiais aí deixados impede os AA. não só de procederem à reparação da fachada do seu prédio e como os impede/impossibilita de aí colocar os necessários andaimes
- que corresponde aos factos não provado III eIV.
Pois, abstraindo do momento inicial deste facto (onde se refere a ocupação, menção redundante face aos factos que pretendiam dar como provados e mesmo conclusiva (17)), o resto do artigo não tem conexão com a definição da titularidade do saguão, mas antes com os efeitos dessa titularidade. Nessa medida, a impugnação deste facto postulava que os recorrentes indicassem meios de prova especificamente relacionados com este facto específico (pois este não tem a ver com o grupo de factos relativos à titularidade), o que os recorrentes não efectuaram. Tal deveria conduzir à rejeição da impugnação, nesta parte. Aliás, essa falta de conexão entremeios de prova e este facto está patente quer na circunstância de este facto não ser discutido autonomamente na avaliação da prova que os recorrentes desenvolvem nas alegações, quer pelo facto de nenhum dos meios de prova que indicam se referir a esta matéria. Ora, não havendo prova oferecida que suporte a pretendida demonstração do facto, não cabe ao tribunal proceder a uma avaliação global da prova para suprir a omissão do recorrente. A exigência do art. 640º n.º1 al. b) do CPC visa precisamente excluir tal possibilidade. E, incumprida, justifica a rejeição da impugnação.
De qualquer modo, o facto é irrelevante, nada acrescentando à discussão sobre o mérito, já que nenhuma pretensão específica se liga ao alegado, e as pretensões gerais de demolição/reposição, desocupação do espaço e abstenção, ou mesmo de indemnização, não dependem de tal matéria (tal é assim mesmo para a pretensão de indemnização pois esta não vem associada a factos danosos que tenham surgido pelo facto de os AA. não poderem entrar no espaço em causa). O facto não alteraria, pois, o sentido da decisão nem o conteúdo (alcance) de algum dos pedidos. O que torna inútil a discussão de tal matéria (contrária ao princípio da utilidade, sendo por isso proibida pelo art. 130º do CPC (18)), devendo ficar prejudicada.
8. Ainda nesta parte, pretendem os recorrentes que o facto não provado VI passe a ser tido por provado, embora com uma nova redacção.
O facto não provado VI tem a seguinte redacção:
Além destes danos, as obras executadas pelo R. terão ainda causado outros danos por baixo da cobertura instalada pelo mesmo no saguão do prédio dos AA.
O facto que os recorrentes consideram provado teria a seguinte redacção:
Além desses danos, as obras executadas pelo R. taparam uma janela do prédio dos AA. que se situava na parede poente do saguão (por baixo do terraço) e bem assim um buraco/respirador que se encontrava na parede/empena traseira do prédio dos AA.
Também nesta parte, em que se não trata já de matéria atinente à titularidade do prédio, mas às consequências da intervenção do R. no local, os recorrentes omitem a indicação precisa de prova que a suporte, como era legalmente exigido. Em momento subsequente do recurso, quando impugnam outra matéria de facto, indicam prova que se refere a esta matéria (no «título» III do seu recurso, relativo à demolição de obras executadas no local). Mas tal não seria bastante para considerar preenchido o ónus em causa justamente por se não associar prova ao facto em discussão; essa associação deriva de indagação oficiosa do tribunal, na avaliação do recurso, o que aquele ónus pretende justamente evitar. Deve ser a impugnação rejeitada, pois, por incumprimento do disposto na al. b) do n.º1 do art. 640º do CPC.
De todo o modo, o que também se verifica é que os factos que os AA. pretendem ver aditados não poderiam ser considerados nesta sede. Com efeito, trata-se de factos não alegados no momento próprio e que, por isso, não podem ser integrados na acção por via do recurso. E factos principais no sentido de que contribuem directamente para determinar a medida de alguma ou algumas das pretensões dos AA.. Ainda que se quisesse ver aqui factos concretizadores ou complementares, aproveitáveis sem alegação nos termos do art. 5º n.º2 al.b) do CPC, entende-se, pese embora a questão não seja pacificamente resolvida, que esse aproveitamento deveria ser efectivado na primeira instância, com manifestação de vontade de aproveitamento do facto pela parte (ou equivalente afirmação oficiosa do tribunal (19)), para assim se poder exercer devidamente o contraditório (a parte contrária não tem que antecipar ou pressupor tal aproveitamento; e só pode reagir, mormente requerendo novos meios de prova, perante a afirmação de aproveitamento do facto em julgamento) (20). Também assim porquanto o tribunal de recurso julga, por efeito da reponderação, em função dos factos fixados na decisão recorrida.
Solução que se justifica também do ponto de vista dos pedidos formulados. Assim, estes novos factos poderiam enquadrar-se no pedido em que os AA. pedem que o R. seja condenado a reparar os danos causados pelas obras que fez no saguão. Trata-se de pedido associado à restauração natural (art. 562º e 566º n.º1, a contrario, do CC), pois visa impor ao R. a realização de uma prestação de facto. Apresenta-se como preciso, não genérico, por visar a reparação dos danos concretamente alegados (aliás, não é admissível a formulação de pedidos genéricos quanto a prestações de facto, salvo se estiverem em causa universalidades: tal derivados art. 556º n.º1 do CPC e 569º do CC, e 609º n.º2 do CC, os quais revelam que, fora do âmbito das universalidades, o pedido genérico, e a subsequente liquidação, visam fixar o valor ou importância da prestação, e não o objecto do que deve ser prestado). Assim, os factos agora alegados não se integram em tal pedido por não corresponderem aos danos efectivamente alegados e cuja reparação se pretende. Aliás, apretender-se que nele se integrem, estaria em causa verdadeira ampliação da causa de pedir e do próprio pedido (pois este passaria a contemplar intervenção que originalmente não foi pedida), ampliação que teria que ser realizada em moldes diversos, e não apenas pela introdução na lide, e em recurso, de novos factos danosos. Os factos poderiam ainda corresponder ao pedido genérico final, no qual os AA. pretendem ver relegada para liquidação subsequente a determinação dos danos (após eliminação das obras efectuadas) e respectivos custos de reparação. Ora, e independentemente dos termos do pedido (que, indo além da mera liquidação do dano como é próprio da liquidação, inclui a própria determinação de novos danos), os novos factos, a enquadrar-se neste pedido, deveriam ser discutidos, na lógica da posição do A. e na medida em que a legitimidade daquele pedido não foi equacionada (nem se justifica discutir nesta sede) em sede de liquidação.
Sem embargo, e a fim de clarificar a situação, ainda se adita que a única matéria que se poderia ter por demonstrada seria a existência de uma pequena abertura no prédio dos AA., a qual foi coberta (e nesse sentido tapada) por uma parede que o R. construiu no saguão, encostada à parede do prédio dos AA.. Com efeito, e pese embora a A. BB fale numa janela e numa abertura, a verdade é que as suas declarações carecem de clareza nesta parte, e são contrariadas pelos depoimentos das testemunhas GG e HH (seus filhos), os quais referiram apenas a existência de um buraco ou abertura pequena (recusando tratar-se de uma janela), o que foi também confirmado pelas declarações de parte do R.. Neste quadro, não era possível assegurar a existência de uma janela. De modo semelhante, pese embora a A. fale em tapar com cimento e tijolo, ignora-se se se reporta a pôr o cimento na abertura ou se se reporta à parede de tijolo que foi encostada à parede onde estava a abertura. Sendo que dos depoimentos das aludidas testemunhas GG e HH, e das declarações departe do R. se retira que a abertura ficou tapada apenas com a nova parede ali construída. Sendo que esta matéria não teria, como se explicita infra, relevo autónomo (não se mostrando indispensável para a decisão).
9. Pretendem, depois, os recorrentes que se adite o seguinte facto:
Ao levar a cabo as obras melhor descritas em 6, o R. casou danos diversos no prédio dos AA.: Danificou atinta das fachadas Sul/Poente do prédio dos AA; Fez buracos nas fachadas Sul/Poente do prédio dos AA;
Danificou o reboco e pintura da parede Poente do saguão do prédio dos AA.; Causou infiltrações nas paredes Sul/Poente do prédio dos AA..
Naturalmente, a pretensão só tem significado factual quanto aos actos concretos alegados, sendo descabida a menção qualificativa a «danos diversos». Assim:
- danificar a tinta e reboco das fachadas: para além do teor algo genérico (em rigor, ignora-se o que teria sido feito à tinta ou ao reboco para merecer a qualificação de dano), a verdade é que nenhum meio de prova atesta esta matéria. Mesmo os depoimentos que os recorrentes invocam (e reproduzem) não se reportam a esta matéria.
- causou infiltrações. Também aqui inexiste que prova que confirme a asserção, ausente também dos depoimentos reproduzidos pelos recorrentes. Sendo que, contrariando esta pretensão dos recorrentes, a A.BB, questionada sobre esta matéria, afirmou que por enquanto não havia infiltrações (o que equivale à negação desta matéria).
- fez buracos. A alegação só tem sentido útil se se tratar de buracos distintos dos que são resultado dac olocação da estrutura de ferro, buracos estes já descritos em 4 dos factos provados (seriam, de forma simples, buracos autónomos). Ora, nessa parte não se vislumbra prova que sustente a afirmação quanto a outros e diferentes buracos na parede. Do mesmo modo, e quanto à menção à orientação das paredes(sul/poente), também se não vislumbra prova que o sustente, nem os recorrentes a indicam (ou melhor, a que indicam não o atesta).
10. De seguida entendem os recorrentes que deveriam ser considerados como não provados os seguintes factos:
36. fazendo tudo isto continuadamente à vista de toda a gente convencido de o fazer no uso dum direito próprio, sem ofender os direitos de ninguém;
37. Sem oposição de ninguém, em especial dos A.A., que, pela janela existente do lado do seu prédio, podiam ver o que se passava no interior do saguão;
47. Durante mais de 20 anos, continuadamente, sem oposição de ninguém,
48. À vista de toda a gente em especial dos A.A. e seus familiares dada a janela existente na parede sul do saguão que o separa do prédio dos A.A.
49. Convencido de exercer um direito próprio dele e da mulher.
51. E convencido de não ofender os direitos de ninguém;
Também aqui a impugnação é realizada em grupo (aglutinando vários factos) e, pese embora todos os factos se relacionem com os pressupostos da usucapião, a verdade é que estão em causa factos com significado e alcance distintos, pois, por exemplo, a visibilidade da actuação e a convicção que preside à actuação são realidades diferentes, postulando momentos probatórios próprios. Não obstante, os recorrentes acabam por particularizar a impugnação, associando a essas parcelas prova própria, o que torna admissível a impugnação.
Assim:
i. começam por impugnar a visibilidade («à vista de toda a gente») da actuação do R., porquanto i. o saguão não é visível da rua e ii. os AA. ausentaram-se do local (pese embora os recorrentes indiquem apenas prova que tendia a demonstrar esta ausência, a localização do saguão deriva com suficiência dos elementos documentais do processo).
Quando se diz que a actuação ocorre à vista de toda a gente quer-se apenas afirmar que a actuação é feita de modo visível, ostensivo, às claras, de tal modo que qualquer pessoa (isto é, quem quer que seja, minimamente diligente e observadora, nas condições do caso), a ir ao local, a poderia observar. A referência a «toda agente» tem o significado de que «qualquer pessoa» (incluindo os AA.), a ir ao local, poderia ver a actuação dos RR. (esta seria apreensível pelos sentidos), e não o significado absoluto de que toda a gente a podia ver.
Assim, à vista de toda a gente manifesta a ideia de que a actuação em causa seria realizada de forma aberta e perceptível, de modo a poder ser conhecida pelos interessados (como se reporta no art. 1262º do CC) (21).Está em causa a tradução da ideia da cognoscibilidade, da possibilidade de apreensão de tal actuação pelos sentidos. Que exclui, ao invés, a actuação oculta, escondida, efectuada de forma a impedir que terceiros, especialmente os AA., dela se apercebam. Ora, o tipo de intervenção dos RR., descrita nos factos provados, ostenta a característica da observabilidade ou visibilidade: olhando para o saguão, a sua utilização era perceptível. De outro lado, o facto de os AA. se ausentarem do local não oculta a actuação do R., que continua a ser visível (a ter a qualidade do que pode ser visto, de quem actua naturalmente sem intenção de ocultação). Se os AA. dela se não apercebem efectivamente, tal deriva de facto seu, não da qualidade da actuação do R., da cognoscibilidade desta actuação (a argumentação dos AA., nesta parte, conduziria a impedir a usucapião de qualquer bem do qual o proprietário se ausente e ao qual nunca mais regresse pois aposse nunca seria por este visível, o que é obviamente insustentável) - sendo que, de qualquer modo, os AA. sempre teriam a possibilidade de ir ao local e se aperceber de tal actuação (aliás, que eles se apercebiam do que lá sucedia ainda deriva da demolição de parede que o R. construiu). De modo semelhante, é irrelevante que o local não seja visível da estrada. O que importa é que quem tem acesso de modo a ver o local (como ocorria com os AA.) se aperceba da actuação dos RR..
Donde que os seus argumentos não sirvam para excluir esta matéria, sendo que os recorrentes não invocam o carácter oculto ou encoberto da actuação dos RR.. Cabe ainda notar que pese embora os AA. Impugnem genericamente os factos acima indicados, nos quais se inclui a afirmação factual de que os AA. podiam ver por uma janela o que se passava no interior do saguão (factos 37 e 48), esta específica asserção factual não é directamente impugnada (não se tenta demonstrar a sua falta de sustento probatório), e ela tende justamente a revelar a visibilidade que os AA. impugnam.
ii. impugnam depois a afirmação «Convencido de o fazer no uso dum direito próprio, sem ofender os direitos de ninguém e sem oposição de ninguém, em especial dos A.A.».
Tal impugnação é sustentada na existência de conflitos entre as partes, os quais estariam traduzidos nos depoimentos e declarações que os recorrentes reproduzem. Esta impugnação volta, em grande medida, a assentar num equívoco.
Com efeito, a existência de conflitos é irrelevante para a avaliação da convicção quanto à actuação no exercício de direito próprio e sem lesar terceiros. Estes dados são compatíveis com aquele conflito pois, como parece evidente, pode existir um conflito e uma das partes estar convencida de que actua por direito próprio e por isso não prejudica terceiros (e não prejudica justamente por achar que actua legitimamente, que aquilo lhe pertence). Aliás, o conflito poderá derivar justamente dessa convicção de actuar dentro do direito que lhe cabe e contra alguém que o viola. Ora, aquela convicção é algo que deriva, por inferência, da actuação dos RR. (e das declarações do R.). E a convicção de não lesar direitos de terceiros deriva, directamente, da convicção de que exerce um direito próprio (se o direito ao espaço é seu, então está convencido de que não lesa ninguém ao dar uso àquele espaço, por mais que terceiros também se arroguem direito ao espaço).
Quanto à referência à falta de oposição, trata-se de expressão que a prática (judicial e notarial) consagrou como forma de exprimir a inexistência de violência (22): sem oposição, esta violência ficaria excluída(restaria a pacificidade). A ser entendida à letra, a expressão não é inteiramente feliz, pois não traduz directamente a falta de violência (em rigor, a violência e a oposição são realidades distintas), e a falta de oposição podia ser justamente efeito da violência. A expressão deve ser entendida, porém, na linha da corrente prática jurídica e jurisprudencial (basta consultar a jurisprudência sobre o tema da usucapião, ou posse, para ver a expressão usada de forma sistemática como manifestação da ausência de violência) como significando que o possuidor não usa coacção, física (23) ou moral (e não o faz especialmente no momento em que inicia a sua posse). Nesse sentido, as objecções probatórias são irrelevantes para a contestar: a demolição pelos filhos dos AA. de parede erigida pelo R. não revela qualquer violência por parte dos RR., e o mesmo ocorre com outras actuações dos AA..
Não se justifica, pois, alterar a descrição factual.
11. Entrando na aplicação do direito, importa aqui distinguir duas situações: o mérito, em geral, das pretensões dos AA. em função da titularidade do saguão, e o mérito das pretensões que estão abrangidas pela nulidade (parcial) da sentença recorrida.
12. Quanto à primeira situação, não foi intentada impugnação autónoma do mérito da sentença, apenas se discutindo no recurso o acerto da solução alcançada naquela sentença, para além das nulidades imputadas,em função da pretendida modificação da factualidade relevante, e assim dos efeitos que desta pretendida modificação da decisão sobre a matéria de facto resultariam. Donde que, naufragando esta forma de impugnação, inexiste avaliação (questão) subsistente a efectuar, por não ser o mérito da sentença questão autonomamente colocada a este tribunal, atenta a limitação derivada do objecto do recurso (citado art. 635ºn.º4 do CPC).
Sem embargo de se adiantar, que face aos factos provados, uma avaliação geral não conduziria a solução essencialmente distinta, pois, e em termos sintéticos, verifica-se que:
- a integração do saguão no prédio de que os AA. são proprietários significa que são também proprietários do saguão.
- de todo o modo, os factos seriam suficientes para demonstrar a sua aquisição por usucapião.
- sendo que a mera demonstração do exercício de poderes de facto sobre o saguão (que os AA. Nem impugnaram no recurso) conduziria à verificação da existência de posse (aqueles poderes de facto levariam a presumir o animus dos RR., nos termos do art. 1252º n.º2 do CC (24), e partindo de uma concepção subjectivista da posse). Posse esta que, por sua vez, faria presumir a propriedade dos RR., nos termos do art.1268º n.º1 do CC do CC (sem que tal seja afectado por conflitos com presunções registais, ou por limites decorrentes de anterior possuidor dada a ressalva final daquele art. 1252º n.º2 do CC, afirmação que a economia da decisão não justifica desenvolver (25)).
13. No que respeita à segunda situação (à nulidade parcial diagnosticada), importa, em substituição da sentença recorrida, avaliar o mérito das questões em causa.
Assim, está apurado que os RR. procederam à colocação de cobertura cuja estrutura em ferro foi fixada no prédio dos AA. através da realização de buracos na parede do prédio dos AA. (facto 4) (26). Trata-se, quanto à fixação e abertura de buracos, de actuação invasiva do prédio dos AA. (no duplo sentido que o ocupa, ainda que parcial e limitadamente, e o danifica) e por isso de violação, e ilícita, do direito de propriedade dos AA.(da obrigação de abstenção que tal direito postula, dado o poder exclusivo do proprietário: art. 1305º do CC).Segue-se que podem os AA. exigir que aquela fixação e os buracos sejam eliminados, como expressão do seu domínio sobre a coisa objecto do seu direito pleno e como forma de suprimir o ilícito e os efeitos desse ilícito(sob a veste de reparação). Pois, como nota Carneiro da Frada, a violação do direito atribui logo uma tutela eliminatória (de devolução, corporizada pela cessação de ocupação/utilização da parede dos AA.) e ressarcitória (de remoção do dano, no caso pela eliminação das intervenções no prédio dos AA.) (27).
É certo que também se refere em 44 dos factos provados que está em causa uma parede meeira (reportando-se à parede do prédio dos AA.) mas deve entender-se que a expressão vem usada num sentido não jurídico, expressando a ideia de que apenas parte da parede do prédio dos AA. confina com o saguão (o que, segundo aquele facto 44, não ocorreria com a parede onde foram colocados os ares condicionados).
Não se ignora que os RR. também alegaram que a parede poderia ser meeira, sendo que então a fixação da cobertura teria ocorrido na metade que lhes pertencia (art. 52º da contestação). Mas fizeram-no em termos nconsistentes. Com efeito, a natureza meeira de uma parede equivale à sua qualificação como uma parede que pertence, em compropriedade, aos donos dos prédios confinantes, os quais a partilham. Tal qualidade pode ser afirmada por uma de duas vias. De um lado, pela alegação e demonstração dos factos que revelam a aquisição da compropriedade sobre a parede. Tal não ocorreu, não tendo sido alegados factos pertinentes nem, por isso, eles constam do elenco de factos provados. Por esta via se não poderia afirmar qualquer compropriedade. De outro lado, aquela qualidade poderia resultar da presunção legal contida no art. 1371ºn.º1 do CC, norma na qual se estabelece que a parede ou muro divisório entre dois edifícios se presume comum em toda a sua altura, sendo os edifícios iguais, e até à altura do inferior, se o não forem. Esta presunção supõe, porém, que esteja em causa parede divisória entre dois edifícios, ou seja, parede que deita ou confina com dois edifícios, separando-os. Ou que esteja em causa parede comum a dois edifícios (em regra como resultado da construção de um deles aproveitar a parede do outro, sem edificação de parede
própria). A presunção, como decorre dos seus termos, só opera entre «entidades homogéneas» (edifícios, no caso), pois só aí «interesses iguais fazem presumir uma construção comum». Já onde estão em causa realidades distintas, a presunção fica excluída (o que também deriva do n.º2 do art. 1371º, que não contempla uma comunhão presumida entre quintais e edifícios, ou mais claramente do n.º5 do mesmo artigo, de onde deriva que a existir construção apenas num dos lados, como no caso, presume-se a propriedade exclusiva do muro - ou, adite-se, da parede). Ora, no caso não existe contiguidade entre paredes ou muros de edifícios, nem existem paredes comuns a dois edifícios, pois a parede em causa integra o edifício dos AA. e deita para o saguão (e não para outro edifício). Trata-se de situação sem homogeneidade das «entidades», em relação àqual não vale a presunção do art. 1371º n.º1 do CC - sendo que, ao invés, até poderia valer a regra contrária do art. 1371º n.º5 do CC). Assim, não se poderia considerar a parede dos AA. como meeira, em sentido técnico-jurídico. E como tal também não poderia valer a referida menção contida em 44 dos factos provados. Aliás, a pretender-se que seria esse o sentido da menção, teria que se considerar que estaria em causa menção conclusiva (contendo uma mera qualificação, jurídica, relevante no mérito da causa), que não poderia valer como facto (28).
Deve ser assim acolhido o pedido de reparação, no que às situações referidas respeita. Embora, naturalmente, interpretando aqui o pedido formulado como reportando-se aos danos efectivamente alegados e descritos e, assim, aos agora apurados, nisso se concretizando o pedido formulado.
14. Na invocação da nulidade (em sede de recurso) os AA. associam a omissão de pronúncia também ao pedido de pagamento de uma indemnização pecuniária. A tal se opõem três ordens de razões. De um lado, os danos (materiais ou patrimoniais) que foram apurados são eliminados por via da reparação (restauração natural), assim excluindo a concorrência de qualquer indemnização. De outro lado, os AA. Associaram expressamente esse pedido de indemnização à compensação de danos não patrimoniais (v. art. 22º da PI, onde se reportam expressamente a danos morais), o que não corresponde à situação factual em causa. De outro lado ainda, e do ponto de vista dos danos não patrimoniais, não consta dos factos provados qualquer dano não patrimonial, o que se explica por os AA. não os terem alegado, limitando-se, na petição inicial, a invocar genericamente o desrespeito dos RR. pelas interpelações realizadas e a violação do seu direito de propriedade (e alegação esta, atinente aos danos morais, que tinha sobretudo em vista a ocupação do saguão enão a intervenção na parede do prédio). E sem factos que descrevam tais danos, que se não presumem, inexiste obrigação de indemnização (art. 483º n.º 1 do CC, que elenca o dano como pressuposto da responsabilidade indemnizatória).
15. Associam ainda a omissão de pronúncia ao pedido de pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, nos termos do art. 829º-A n.º1 do CC. O pedido formulado nesta parte vem reportado expressamente à sentença na parte em que ordene «a demolição das ditas obras e limpeza e desocupação do prédio dos AA. por parte do R.». Articulando o pedido com a causa de pedir, vê-se que a pretensão visa a cobertura realizada(demolição) e o espaço do saguão (limpeza e desocupação), e assim os pedidos formulados em 1 (demolir e remover as obras) e 2 (retirar do prédio dos AA. os materiais ali colocados) da PI, e não o pedido formulado em 3 (reparar os danos), que não é contemplado de forma directa nesta pretensão, não podendo ser ela agora ampliada para a contemplar. Ou seja, o pedido de pagamento de sanção pecuniária compulsória não foi formulado para a pretensão agora em causa, não a podendo por isso incluir (art. 609º n.º1 do CPC).
Ainda que assim não fosse, os pressupostos do art. 829º-A n.º1 do CC não se verificariam. Literalmente, a norma invocada apenas associa a imposição da sanção pecuniária compulsória às prestações de facto infungíveis. Este tipo de prestação corresponde àquela que apenas pode ser realizada pelo devedor em virtude de convenção ou quando a realização por terceiro prejudique o credor (art. 767º n.º2 do CC). Já as prestações fungíveis são aquelas que podem ser realizadas por terceiro (art. 767º n.º1 do CC). Assim, justifica-se que para as primeiras, e não para as segundas, se preveja a imposição da sanção pecuniária compulsória, pois, «consistindo a sanção pecuniária compulsória (n)uma medida coercitiva de carácter compulsório que visa forçar o devedor a cumprir, não faz sentido que essa coercividade seja usada nas situações em que o facto possa ser prestado por terceiro ou até pelo próprio credor que depois pode fazer repercutir esse custo na esfera patrimonial do devedor» (29). Podendo ocorrer a execução sub-rogatória, prescindindo da cooperaçãodo devedor (e assim da sua vontade), já não existe motivo para forçar aquela cooperação através da sanção pecuniária compulsória.
Os AA. nada alegaram tendente à caracterização das prestações em causa como infungíveis. Quanto à existência de convenção atinente à infungibilidade, nada consta (nem, no contexto do caso, se mostraria sequer equacionável). E a natureza da prestação não apresenta características que revelem que apenas o devedor a pode realizar de modo que satisfaça o interesse do credor: retirar ferros e tapar buracos correspondem a intervenções que não exigem qualidade ou intervenção específica do devedor (30), podendo ser realizadas por terceiros de molde a satisfazer a finalidade da obrigação (e assim o interesse do credor).Falando-se ainda em infungibilidade relativa (quando a prestação pode ser realizada por terceiros mas que disponham de certas qualidades), também não seria esta categoria relevante pois não impede a substituição(está em causa prestação de facere ao alcance de muitos profissionais) e assim impede a mobilização do art.829º-A n.º1 do CPC.
Donde que, não estando em causa prestação infungível, também por esta razão não poderia ser acolhida a pretensão deduzida.
16. Por fim, ainda que para efeitos de clarificação, e ao contrário do que os AA. sustentam, nota-se que nada impedia os RR. de construir uma parede no seu prédio (no saguão), mesmo junto ao prédio dos AA. E tapando as suas aberturas. Pois seriam antes os AA. que estavam proibidos de abrir janelas ou obras semelhantes que deitassem sobre o prédio vizinho sem respeitar a distância de 1,5 metros, como deriva do art. 1360º do CC. Regime do qual resulta, em articulação com o art. 1356º do CC, que nada impede o proprietário de levantar parede ou muro, mesmo que tape as aberturas ilícitas. Só não seria assim se se tivesse constituído uma servidão de vistas, nos termos do art. 1362º do CC, o que não foi alegado (falta de alegação, mormente de factos relevantes, que também vale para outras possíveis objecções, mormente assentes no abuso de direito ou no conflito de deveres). Por outro lado, e pese embora aquela limitação decorrente do art.1360º do CC não valha para frestas ou seteiras (ou afins), a existência destas frestas ou afins não impede o vizinho de levantar a todo o tempo uma parede, mesmo tapando aquelas frestas ou seteiras (art. 1363º do CC). Por isso que esta matéria fosse, em último termo, irrelevante para o destino da acção (da pretensão dos AA.).
17. A decadência dos AA. e RR. não é susceptível de avaliação em termos aritméticos. A ponderação geral do vencimento e decaimento revela que são os AA. que, no essencial, ficam vencidos, o que justifica que se reparta a responsabilidade tributária na proporção de 10% para os RR. e 90% para os AA. - isto quer na acção quer no recurso (art. 527º n.º1 e 2 do CPC).
V. Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, decidindo-se:
- declarar a nulidade parcial da sentença recorrida e, nessa parte e em substituição daquela sentença, condenar os RR. a, em sede de reparação dos danos no prédio dos AA., retirar a fixação da estrutura em ferro do prédio dos AA. e reparar os buracos na parede do prédio dos AA. (associados à fixação daquela estrutura).
- no mais, julgar improcedente a acção (na parte em que este acórdão se substitui à sentença recorrida) e improcedente o recurso (na parte em que se não substitui a sentença recorrida), mantendo-se a sentença recorrida.
Custas pelos AA (noventa por cento) e RR. (dez por cento).
Notifique-se.
Datado e assinado electronicamente.
Redigido sem apelo ao Acordo Ortográfico (ressalvando-se os elementos reproduzidos a partir de peças processuais, nos quais se manteve a redacção original).
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1. Actualmente Artº 6870. ↩︎
2. Sito nos nºs 46, 48 e 50 da Rua .... ↩︎
3. Em reprodução literal. ↩︎
4. Na expressão plástica de A. Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina 1982, pág. 142 (a qual, porém, tem sido entendida num sentido demasiado amplo -integrando argumentos jurídicos - que aqui se não adopta). ↩︎
5. C. Mendes e T. de Sousa, Manual de processo civil, vol. II, AAFDL 2022, pág. 417. ↩︎
6. T. de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex 1997, pág. 220. ↩︎
7. A solução é praticamente pacífica, embora os exactos contornos possam ser discutidos (assim como se discute se a aplicação daquelas normas corresponde a uma aplicação directa, analógica ou por força do art. 295º do CC). ↩︎
8. Asserção a que os recorrentes aderem, na réplica. ↩︎
9. O primeiro número corresponde à denominação numérica do prédio dentro da freguesia; o seguindo corresponde à data do registo do determinou a abertura da descrição - art. 82º n.º1 al. a) do CRPredial. ↩︎
10. Posição sempre comum à R. DD, que interveio espontaneamente, a título principal, na acção. ↩︎
11. Rectificação que o R., nas declarações de parte, explicou, de forma plausível, se ter tornado necessária por a Câmara Municipal exigir a prévia correcção das áreas para permitir a realização de obras no telhado do prédio, obras que o R. precisava realizar. ↩︎
12. O que a testemunha FF (a seguir referido) também referiu, sendo compreensível por, como claramente decorreu da prova produzida, as duas partes d prédio terem usos diferentes: uma zona, que dava para a rua, era um estabelecimento comercial; a zona que dava para o saguão (e o primeiro andar) era utilizada como habitação. ↩︎
13. Nome do estabelecimento situado no r/c do prédio, nome este também usado em julgamento (e pelas testemunhas) para indicar o prédio na sua totalidade (designando o todo pela parte). ↩︎
14. Mesmo as referências a uma LL que ali habitaria não deixam de ser conformes, dado se verificar que os vendedores do prédio aos RR. são sucessores de uma LL, como os RR. revelaram com os documentos relativos a elementos registais pretérito que apresentaram. ↩︎
15. Interveio formalmente nas duas vestes. ↩︎
16. Onde releva especialmente o documento 14 da contestação (fotografia). ↩︎
17. A ocupação do espaço é, em rigor, mero juízo qualificativo do que os RR. lá fizeram. ↩︎
18. V. Acs. do TRC proc. 522/20 ou 3713/16.1T8LRA.C3, Acs. do STJ proc. 26069/18.3T8PRT.P1.S1,4420/18.6T8GMR.G2.S1 ou 8765/16.1T8LSB.L1.S2, ou A. Geraldes, Recursos em processo civil, Almedina 2022, pág. 334 nota 526, in fine. ↩︎
19. Oficiosidade que também se aceita, embora não seja igualmente pacífica. ↩︎
20. V. Ac. do STJ proc. 1408/17.8T8OLH-H.E1.S1, no texto, para situação semelhante. ↩︎
21. Não importa aqui distinguir aquisição e exercício de posse e qual o momento determinante para aferir a qualidade da posse. ↩︎
22. Art. 1261º do CC. ↩︎
23. A que se entende deverem ser equiparadas outras formas de total manipulação psíquica do visado. ↩︎
24. E da interpretação fixada no AUJ do STJ de 14.05.96, in DR II de 24.06.96, com apoio em H.Mesquita, Anot. in RLJ 132/24 e 27. ↩︎
25. Embora se note que dos factos não decorre que a posse dos RR. foi adquirida derivadamente (sendo coisa distinta a aquisição da posse e a aquisição do direito). ↩︎
26. Fala-se também em aplicação de tela impermeabilizadora mas os factos provados não revelam que afecte o prédio dos AA.. ↩︎
27. V. “Quando os lobos uivam ...” - Sobre a tríplice tutela dos direitos subjectivos (...), Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2023, n.º1 tomo 3, pág. 1504 e ss.. ↩︎
28. Também em 56 dos factos provados se fala numa parede meeira mas aí reportando-se a uma mera ideia dos AA. e de qualquer modo relacionada com outra parede. ↩︎
29. Ac. do STJ de 19.09.2019, proc. 939/14.6T8LOU-H.P1.S1 (in 3w.dgsi.pt). ↩︎
30. E de relação de confiança não pode, naturalmente, falar-se no caso. ↩︎