PERSI
COMUNICAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Sumário

Sumário1:
I. Extrai-se do estatuído nos artigos14º, n.º 4 e 17º, n.º 3 do DL 227/2012, de 25 de Outubro, que a integração do executado no PERSI e a respetiva extinção devem ser devidamente comunicadas ao devedor, em suporte duradouro, ou seja, através de um instrumento que possibilite a sua reprodução integral e inalterada.
II. Estão em causa comunicações que, para produzirem os respetivos efeitos, têm de chegar ao poder ou ser conhecidas pelo cliente bancário que está em situação de incumprimento do contrato de crédito, ou seja, declarações receptícias, nos termos do art.º 224º, n.º 1 do Código Civil. Assim, além da prova da existência dessa comunicação, importa demonstrar o seu envio ao devedor e a respetiva receção por parte deste.
III. Assim, porque a integração do devedor no PERSI e a respetiva comunicação do início de tal procedimento constituem, como se referiu, condição indispensável para o exercício do direito de crédito que a exequente pretende fazer valer, recai sobre esta o ónus da prova desses factos, por se tratar de factos essenciais à admissibilidade desta acção.

Texto Integral

Acordam na 1ª Secção Cível do tribunal da Relação de Évora,
I. Relatório.


Nos autos de execução comum para pagamento de quantia certa que Caixa Geral de Depósitos, S.A. moveu contra AA e BB, para haver daqueles Executados a quantia de € 101 103,07, acrescida de juros, e nos quais se encontrando atualmente habilitada na posição de Exequente Promontoria Mars Designated Activity Company – por despacho de 14.06.2022, foi a Exequente foi notificada para, em 10 dias, juntar aos autos PERSI, bem como os respetivos documentos comprovativos do envio das cartas em causa, designadamente registos postais e/ou respetivos avisos de receção.


A Exequente respondeu através do requerimento de 27.06.2022, referindo que:

“1. Todos os contratos que constam como títulos executivos da presente ação executiva correspondem a contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel.

2. Por esse motivo, requer-se a junção aos autos das cartas de integração e subsequente extinção do PERSI, que ora se juntam sob as designações de doc. n.º 1, doc. n.º 2, doc. n.º 3 e doc. n.º 4.

3. No que concerne aos “comprovativos do envio das referidas cartas do PERSI, designadamente registos postais (e/ou comprovativo do registo no site dos CTT), e/ou avisos de receção”, não será possível a junção dos mesmos, porquanto não existem.(…)

8. Isto é, da interpretação dos supramencionados artigos 14.º, n.º 4 e 17.º, nº 3 do DL 227/2012, tem a jurisprudência entendido que a exigência de suporte duradouro se cinge, exclusivamente, ao suporte pelo qual é transmitida a informação de integração/extinção do PERSI e não ao meio de expedição da mesma.

9. Deste modo, deve a junção dos documentos comprovativos do envio das referidas cartas ser dispensado.

10. Por último, requer-se a junção dos contratos subjacentes, que agora se juntam como doc. n.º 5, doc. n.º 6. e doc. nº 7.

Termos em que se requer muito respeitosamente a V.Exa. que se digne a admitir o presente requerimento, a admitir a junção aos autos dos documentos que se anexam, e a dispensar aora signatária da junção de comprovativos de envio das cartas do PERSI.”

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Notificada, a Executada veio pronunciar-se alegando, além do mais, que:

“(…)não comprovando a Exequente que a Executada AA foi integrada no âmbito do PERSI, bem como não comprovando que o referido processo foi extinto e que tal foi comunicado à Executada, verifica-se existir, por parte da Exequente, um incumprimento das obrigações que lhe são impostas pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro,

18.º Situação que configura uma excepção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito da causa, não suprível, de conhecimento oficioso, que deverá conduzir à absolvição da Executada da instância e à consequente extinção da execução quanto à Executada AA, o que requer, nos termos do n.º 2 do artigo 576º e do artigo 578º do Código de Processo Civil.

19.º A excepção ora invocada seria fundamento para rejeição liminar do requerimento executivo, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 726º do Código de Processo Civil, podendo ainda ser conhecida, até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados, ao abrigo do n.º 1 do artigo 734º do Código de Processo Civil.(…)”

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Por despacho de 06.10.2022 foi determinado que se constituísse “novo apenso de embargos de executado” e constituído este Apenso “D” foi, em 10.03.2023, proferido o seguinte despacho:

“Alega a exequente no requerimento executivo que:

“10 - A partir de 24/08/2015 quanto ao primeiro contrato, de 27/01/2015 quanto ao segundo contrato, e de 01/01/2013 quanto ao terceiro contrato os devedores deixaram de cumprir com as obrigações assumidas perante a exequente no âmbito do clausulado dos mesmos”.

Contudo, junta escritos de PERSI, dirigidos aos dois executados mutuários, datados de 01/01/2013 (início), para os três contratos, e 19/06/02013 (extinção).

Assim, há dois contratos (dos três, sem se saber se é o (…)385, 485, ou 585), com incumprimentos (a partir de 24/08/2015 quanto ao primeiro contrato, de 27/01/2015…) posteriores ao escrito de extinção de PERSI (de 19/06/2013) – o PERSI junto quanto a estes dois contratos não foi, assim, o PERSI que determinou a resolução desses dois contratos, faltando juntar aos autos o respetivo PERSI.

Pelo que se impõe a identificação do n.º do contrato que entrou em incumprimento em 01/01/2013, e dos outros dois, com datas de incumprimento posteriores.

E quanto aos outros dois, importa juntar aos autos o último PERSI, relativo ao último incumprimento não pago, que determinou a resolução do(s) contratos, com cartas de extinção do PERSI com fundamento em não pagamento, não colaboração, ou motivo que não seja o pagamento das quantias em dívida, bem como os respetivos documentos comprovativos do envio das cartas em causa, seja de início, bem como de extinção do PERSI, designadamente registos postais e/ou respetivos avisos de receção.

Assim, notifique as partes, sobretudo a exequente, para, em 10 dias, se pronunciarem, requererem e/ou esclarecerem o que tiverem por conveniente, bem como juntarem aos autos a necessária documentação.

E., d.s.”

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Na sequência de requerimento da Exequente para o efeito, foi a primitiva Exequente notificada para juntar os aludidos documentos, e juntos estes, por despacho de 13.03.2024 foram as partes notificadas para se pronunciarem sobre a documentação apresentada.


A Executada reiterou o requerimento de extinção da execução, posição que o Executado acompanhou.


A Exequente pronunciou-se pelo prosseguimento da execução.


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Foi então proferida decisão com o seguinte dispositivo:


“Pelo exposto, o Tribunal decide:


- rejeitar a presente execução para pagamento de quantia certa instaurada por PMDAC, julgando-se verificada a exceção dilatória inominada de falta de PERSI, extinguindo-se a execução e/ou respetivos embargos – art. 18.º, n.º 1, esp. al. b), do Decreto – Lei n.º 227/2012, arts. 7.º e 8.º do Aviso do Banco de Portugal n.º 17/2012, e arts. 726.º, 728.º, 590.º, 591.º, e/ou 595.º do NCPC;


- julgar improcedente o incidente de nulidade deduzido pela exequente – art. 195.º NCPC.


- Consequentemente, ordena-se o levantamento das penhoras.(…)”


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Inconformada, a Exequente interpôs recurso de apelação, apresentando, após alegações, a seguinte síntese conclusiva:


“A) Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida em 23/09/2024, a fls._, cujo conteúdo foi notificado à ora Recorrente em 25/09/2024, qual determinou a extinção da execução e a absolvição dos Recorridos no âmbito da presente ação, da qual o ora Recorrente não se conforma, porquanto a referida decisão padece de erro de julgamento.


B) Fundamenta o Tribunal a quo a decisão proferida por entender que o Recorrente não fundamentou legalmente a extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (doravante, PERSI) instituído pelo Decreto-Lei nº 227/2012 de 25 de Outubro.


C) Desde logo, cumpre esclarecer que o ora recorrente atuou sobre o princípio geral de boa-fé processual pelo que, tanto as comunicações da integração, bem como as comunicações de extinção em PERSI foram feitas, com a consciência de que estaria a proceder em conformidade com o legalmente admissível, como o fez e não incumpriu, muito menos desrespeitou qualquer normativo legal.


D) As comunicações de integração e de extinção do PERSI foram realizadas, através de carta, em consonância com o estabelecido do Decreto-Lei nº227/2012 de 25 de Outubro, indicando para além do mais, as causas de extinção, nomeadamente quanto ao decurso de 91 dias desde o início do procedimento.


E) Posto isto, a comunicação de extinção do PERSI remetida pela Recorrente cumpre igualmente o regulado no artigo nº 8 do aviso do Banco de Portugal nº 17/2012 Portugal, isto é, a comunicação pela qual a instituição informa o cliente bancário da extinção do PERSI deve conter, em termos claros, rigorosos e facilmente legíveis, os elementos que determinaram a extinção do PERSI.


F) Relativamente ao disposto no artigo 17.º do Decreto-Lei nº 227/2012 de 25 de Outubro, cumpre fazer a distinção entre o nº 1 e o nº 2 do artigo 17º de acordo com o aviso do Banco de Portugal supra referido.


G) Assim, no nº 1 encontram-se previstos os factos automáticos de extinção do PERSI, por sua vez, no nº 2 encontram-se elencados factos que podem motivar a extinção do PERSI por iniciativa da instituição de crédito, relativamente aos quais devem ser estar fundamentados com base no nº3 do artigo 17º.


H) Desta forma, e estando em causa a aplicação do nº 1, não pode entender o douto Tribunal a quo – como, erradamente, fez - que a carta que comunicou a extinção do PERSI por decurso do prazo estipulado no artigo 17.º, n.º 1, alínea c) não seja suficientemente clara, rigorosa e legível, em especial quando o cliente já estava devidamente informado das consequências do decurso do prazo de 91 dias (nesse sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, Processo N.º 2348/22.4T8ENT.E1, datado de 28/04/2023).


I) Porquanto, in casus, dúvidas não podem existir quanto à motivação subjacente à causa pela qual se deu a extinção do PERSI.


J) Reitere-se: as cartas remetidas pela Recorrente comunicam a extinção do PERSI por decurso do prazo legal estipulado no artigo 17.º, n.º 1, alínea c) inexistindo qualquer incumprimento daquele normativo pela Recorrente pois trata-se de um facto automático extintivo do PERSI (decurso dos 91 dias desde o início do procedimento).


K) Mais, os Recorridos tinham conhecimento e não podiam desconhecer que a consequência do decurso do prazo legal de 91 dias seria a extinção do procedimento PERSI, na medida em que a carta de integração no PERSI remetida, estava acompanhada com anexo com informação detalhada quanto ao regime do Decreto-Lei nº227/2012, em cumprimento de todos os deveres legais de informação a que a instituição bancária se encontrava adstrita.


L) Em face do supra exposto e, salvo douto e melhor entendimento, não podia o Tribunal a quo ter decidido como decidiu, porquanto, a decisão proferida consubstancia um manifesto erro de julgamento, devendo ser revogada e substituída por outra que determine o prosseguimento da instância.


Nestes termos e nos demais de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença ora recorrida por outra que determine o prosseguimento dos autos, seguindo-se os ulteriores termos da instância executiva.”


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Contra-alegou a Recorrida, concluindo, por seu turno, da seguinte forma:


1. Vem a Exequente interpor recurso da sentença proferida a fls…, a 23-09-2024, a qual determinou a rejeição da presente execução para pagamento de quantia certa, julgando-se verificada a excepção dilatória inominada de falta de PERSI, extinguindo-se a execução e/ ou os respectivos embargos, sendo a Executada absolvida da instância executiva, entendendo a Exequente/ Recorrente que a sentença em causa enferma de erro de julgamento manifesto resultante quer da qualificação jurídica dos factos, quer da desconsideração por parte do Mmo. Juiz de factos que, por si só, implicariam decisão diversa da proferida,


2. Sucede que não concorda a ora Executada com tal entendimento, sendo que as alegações apresentadas pela Exequente Promontoria Mars Designated Activity, salvo o devido respeito, não se mostram integralmente em conformidade com o que resulta dos autos.


3. Na verdade, a decisão do Tribunal a Quo teve por base, não somente o entendimento que a extinção do PERSI não foi bem fundamentada, mas também, e essencialmente, o facto de não ter sido junto pela Exequente os escritos do PERSI que lhe permitiram resolver o contrato, nos termos do artigo 18º do Decreto-Lei n.º 227/12, de 25/10, mais entendendo o Tribunal A Quo que a falta de demonstração de comunicação efectiva obsta ao prosseguimento da execução em causa, uma vez que, conforme resulta da sentença proferida a fls…, a Exequente não procedeu à junção de quaisquer documentos comprovativos do envio (registos postais ou avisos de recepção), sendo que o ónus da prova do envio das referidas missivas pertencia à Exequente, sendo certo que as cartas simples que foram juntas pela Exequente não se encontram acompanhadas dos respectivos registos postais ou Avisos de recepção, não podendo ser consideradas como princípio de prova, e que, inclusivamente, as cartas remetidas à Executada AA nem tão pouco possuem a morada inserida na carta.


4. Assim, pertencendo o ónus da prova do envio das comunicações, inicial e de extinção do PERSI, à Exequente, e não tendo a mesma logrado provar esse envio, não se encontra demonstrado o prévio cumprimento do PERSI.


5. Para além desta situação, entende o Tribunal A Quo que, também o motivo da extinção não se encontra correcto, resultando da carta junta, alegadamente remetida à Executada Arminda-“Cliente não colaborou com CGD”, contudo, e de acordo com o alegado pela Exequente, o motivo da extinção do PERSI foi o decurso do prazo de 91 dias, sendo certo que, sem prejuízo do que acima ficou a constar quanto à prova do envio das comunicações em causa, também o motivo a comunicação teria de corresponder ao efectivo motivo da extinção do PERSI, o que também não se verifica, implicando, novamente, a não demonstração do cumprimento do regime do PERSI, por parte da Exequente, com a consequente ocorrência de excepção dilatória e extinção da execução.


6. Por último, importa esclarecer que é falso que nenhum dos Executados tenha, após a junção aos autos das cartas PERSI, exercido o direito ao contraditório ou impugnado tais cartas, ao contrário do que refere a Exequente/ Recorrente, nomeadamente no artigo 12º das alegações.


7. Na verdade, a presente situação referente ao cumprimento do PERSI surgiu através de despacho de 14-06-2022 mediante o qual foi determinada a notificação da Exequente para juntar aos autos o respectivo PERSI, bem como os documentos comprovativos do envio das referidas cartas do PERSI, designadamente registos postais ou avisos de recepção.


8. Nesse seguimento, veio a Executada requerer a junção de determinada documentação, o que fez por requerimento datado de 27-06-2022, tendo de imediato, por requerimento apresentado a 08-07-2022, com a referência 8858434, a Executada AA se pronunciado quanto ao teor dos referidos documentos, e concluído pelo incumprimento do PERSI e pela ocorrência de excepção dilatória, o que motivou o novo apenso D.


9. Ora, no âmbito do apenso D, foram sendo juntas pela Exequente novos documentos referentes ao PERSI, contudo, sem nunca juntar qualquer comprovativo do efectivo envio dos documentos que fez juntar ao processo aos Executados, sendo que sempre se pronunciou a Executada AA quanto aos requerimentos e documentos apresentados pela Exequente, ao contrário do que alega agora a Exequente, em alegações, fazendo a Exequente crer ao Tribunal da Relação a não oposição e pronúncia, por parte dos Executados, quanto à situação em causa na sentença da qual recorre, referente ao eventual cumprimento do PERSI, quando ambos os Executados sempre se foram pronunciando quanto à variada documentação junta, mantendo sempre estes o entendimento de que o PERSI não havia sido cumprido por parte da Exequente.


10. Veja-se, a título exemplificativo, os requerimentos apresentados pela Executada AA a 18-01-2023, com a referência 9351335, a 11-09-2023, com a referência 9974447, de 15-01-2024, com a referência 10321746, de 08-04-2024, com a referência 10564178, e do requerimento de 01-07-2024, com a referência 10790842, bem como as alegações apresentadas pela Executada AA, a 17-06-2024, com a referência 10752398.


11. Ora, ao mencionar, no artigo 12º das alegações que “(…) apesar da junção das cartas de PERSI aos autos, nenhum dos executados veio aos autos exercer o Direito ao Contraditório ou impugnar tais documentos” entende a Executada que a mesma litiga nos presentes autos com manifesta má fé, nos termos do artigo 542º, n.º 1 e 2, alínea b) do Código de Processo Civil, por ter alterado a verdade dos factos relevantes para a decisão da causa- como o exercício do contraditório por parte dos Executados, requerendo, desde já, que seja a mesma condenada a pagar uma multa, bem como uma indemnização à Executada Arminda, ao abrigo do n.º 1 do artigo 542º do Código de Processo Civil.


12. Assim, e face ao exposto, entende a Executada AA que a sentença proferida não enferma de qualquer vício, nomeadamente o invocado pela Exequente de manifesto erro de julgamento, sendo negado provimento ao recurso e devendo manter-se na íntegra a decisão já proferida pelo Tribunal A Quo, o que requer.


Nestes Termos e nos Melhores de Direito, dado que seja por V.Exªs., Venerandos Desembargadores, o V. douto suprimento, deve ser negado provimento ao recurso interposto pela Exequente Promontoria Mars Designated Activity Company e, em consequência, deve manter-se, na íntegra, a sentença recorrida, com o que se fará a desejada JUSTIÇA!”


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II. Questões a decidir.


Sendo certo que o objeto do recurso se delimita pelas conclusões das alegações do apelante (cfr. artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil), importa apreciar e decidir se a Exequente deu cumprimento ao PERSI, condição de procedibilidade da execução, atento o disposto no artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10, o que passará por apurar se as comunicações que foram dirigidas aos Executados cumpriram os preceitos legais aplicáveis, devendo ser julgada improcedente a exceção dilatória decorrente do desrespeito, pela Exequente, da demonstração do cumprimento das obrigações decorrentes do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10 e determinado o prosseguimento dos autos.


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III. Fundamentação.


III.1. Fundamentação de facto.


Para a decisão do presente recurso relevam os factos relativos ao processamento dos autos que constam do relatório supra e o teor da decisão recorrida, que é o seguinte:

“Foi instaurada neste Tribunal Judicial a presente execução para pagamento de quantia certa.

A exequente foi notificada para, em 10 dias, juntar aos autos PERSI, bem como os respetivos documentos comprovativos do envio das cartas em causa, designadamente registos postais e/ou respetivos avisos de receção.

A exequente não coloca em causa a obrigatoriedade de cumprimento do PERSI, mas respondeu que as cartas relativas ao PERSI foram remetidas por correio simples.

A exequente respondeu da seguinte forma:

Os documentos particulares anexos ao presente requerimento executivo (identificados como doc. 2, 4 e 6) são considerados títulos executivos nos termos do disposto no art.º 703, n.º 1, alínea d) do CPC (lei n.º 41/2013) conjugado com o disposto no art.º 9º, n.º 4 do DL n.º 287/93 de 20/08. Factos: 1- A 24/06/2005 a exequente celebrou com AA, divorciada, e BB, solteiro, maior, na qualidade de mutuários, um contrato de Mútuo com Hipoteca, ao qual a exequente atribuiu o nº PT ..., no montante de € 69.274,52 (sessenta e nove mil duzentos e setenta e quatro euros e cinquenta e dois cêntimos) - vide pf. doc. 1 e 2 em anexo; 2 - Em garantia do capital mutuado, juros e despesas, foi constituída hipoteca, a favor da exequente, sobre o imóvel aqui indicado à penhora, pertencente à mutuária - vide pf. doc. 1 e 7 em anexo; 3 - O empréstimo destinou-se a liquidar ao Banco Comercial Português, S.A., o financiamento concedido por este Banco à devedora, para aquisição do imóvel hipotecado destinado a habitação própria permanente – vide pf. doc.1; 4 - Acresce que em 27/11/2007, a exequente celebrou com os mesmos executados, na qualidade de mutuários, um segundo contrato de Mútuo com Hipoteca, ao qual a exequente atribuiu o nº PT ..., no montante de € 47.000,00 (quarenta e sete mil euros) - vide pf. doc. 3 e 4 em anexo; 5 - Em garantia do capital mutuado, juros e despesas, foi constituída segunda hipoteca, a favor da exequente, sobre o imóvel aqui indicado à penhora, pertencente à mutuária - vide pf. doc. 3 e 7 em anexo; 6 - O empréstimo destinou-se a facultar recursos para o financiamento de investimentos múltiplos, não especificados em bens imóveis - vide pf. doc. 3; 7 – Ainda em 01/08/2008, a exequente celebrou com os mesmos executados, na qualidade de mutuários, um terceiro contrato de Mútuo com Hipoteca, ao qual a exequente atribuiu o nº PT ..., no montante de € 9.000,00 (nove mil euros) - vide pf. doc. 5 e 6 em anexo; 8 - Em garantia do capital mutuado, juros e despesas, foi constituída terceira hipoteca, a favor da exequente, sobre o imóvel aqui indicado à penhora, pertencente à mutuária - vide pf. doc. 5 e 7 em anexo; 9 - O empréstimo destinou-se a facultar recursos para o financiamento de investimentos múltiplos, não especificados, em bens imóveis - vide pf. doc. 5; 10 - A partir de 24/08/2015 quanto ao primeiro contrato, de 27/01/2015 quanto ao segundo contrato, e de 01/01/2013 quanto ao terceiro contrato os devedores deixaram de cumprir com as obrigações assumidas perante a exequente no âmbito do clausulado dos mesmos (…) 11 - O incumprimento das obrigações assumidas no âmbito dos contratos acima indicados, por parte dos mutuários, que deixaram de proceder ao pagamento das prestações mensais a que estavam obrigadas, confere à exequente o direito de exigir judicialmente a totalidade do valor em dívida no âmbito dos empréstimos, tendo em conta que o incumprimento do prazo de pagamento das prestações mensais determina o vencimento de todas as prestações vincendas e, por isso, a sua exigibilidade por parte da exequente (…) Promontoria Mars Designated Activity Company, Exequente nos autos acima referidos e neles melhor identificada, notificada para o efeito, vem muito respeitosamente junto de V. Exa., expor e requerer o seguinte: 1. Todos os contratos que constam como títulos executivos da presente ação executiva correspondem a contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel. 2. Por esse motivo, requer-se a junção aos autos das cartas de integração e subsequente extinção do PERSI, que ora se juntam sob as designações de doc. n.º 1, doc. n.º 2, doc. n.º 3 e doc. n.º 4. 3. No que concerne aos “comprovativos do envio das referidas cartas do PERSI, designadamente registos postais (e/ou comprovativo do registo no site dos CTT), e/ou avisos de receção”, não será possível a junção dos mesmos, porquanto não existem. 4. Porém, importa ter em consideração que tais formalidades não são exigidas pelos artigos 14.º, n.º 4 e 17.º, nº 3 do DL 227/2012. 5. O artigo 3.º, alínea h) do referido diploma, define suporte duradouro como “qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas.” (…) 8. Isto é, da interpretação dos supramencionados artigos 14.º, n.º 4 e 17.º, nº 3 do DL 227/2012, tem a jurisprudência entendido que a exigência de suporte duradouro se cinge, exclusivamente, ao suporte pelo qual é transmitida a informação de integração/extinção do PERSI e não ao meio de expedição da mesma. 9. Deste modo, deve a junção dos documentos comprovativos do envio das referidas cartas ser dispensado. 10. Por último, requer-se a junção dos contratos subjacentes, que agora se juntam como doc. n.º 5, doc. n.º 6. e doc. nº 7. (…) 1.º A 24/06/2005 a exequente celebrou com AA, divorciada, e BB, solteiro, maior, na qualidade de mutuários, um contrato de Mútuo com Hipoteca, ao qual a exequente atribuiu o nº PT .... Em 01/08/2008, a exequente celebrou com os mesmos executados, na qualidade de mutuários, um terceiro contrato de Mútuo com Hipoteca, ao qual a exequente atribuiu o nº PT ..., no montante de € 9.000,00 (nove mil euros). 2.º Acresce que em 27/11/2007, a Exequente celebrou com os mesmos executados, na qualidade de Mutuários, um segundo contrato de Mútuo com Hipoteca, ao qual a exequente atribuiu o nº PT ..., no montante de € 47.000,00 (quarenta e sete mil euros). 3.º Face ao incumprimento dos referidos contratos, a Exequente em cumprimento do procedimento de PERSI, remeteu a cada um dos executados as respetivas cartas de PERSI, em 18/11/2016, respeitantes a três operações de crédito, com os números PT ... (...), PT ... (...) e PT ... (...); 4.º O procedimento de PERSI foi extinto, quanto à executada, em 29.05.2017, por falta de colaboração, conforme comunicação de que se junta cópia 5.º Relativamente ao executado, a extinção reporta-se, a 27.07.2017, mas não se apurou informação concreta sobre o motivo de fecho. 6.º Do teor dos documentos juntos pela ora Exequente, mais especificamente as comunicações de extinção do procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI), evidencia-se que o PERSI foi extinto em decorrência da verificação de uma das circunstâncias do n.º 1 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, mais propriamente o decurso de 91 (noventa e um) dias, conforme estatuído na alínea c) do n.º 1 do artigo 17.º do diploma em apreço (…) 11.º Por tudo o exposto, os ora Executados não poderiam deixar de perceber qual o fundamento legal concreto da extinção do PERSI, quais as consequências disso advenientes e as possibilidades que ainda tinham para tentar reverter a situação. 12.º Assim, a ora Exequente cumpriu com tudo o que lhe estava legalmente imposto, por força do n.º 3 do artigo 17.º do diploma em apreço, tendo a extinção do PERSI produzido os devidos efeitos, atento o exposto no n.º 4 do artigo 17.º do diploma em apreço, não estando o Credor Originário, Banco Caixa Geral de Depósitos, impedido de intentar a presente ação executiva tendo em vista a satisfação do seu crédito, pelo que não deverá ser deferida a pretensão dos ora Executados de absolvição do mesmo da instância. 13.º No que concerne à apresentação de documentos comprovativos do envio das referidas cartas do PERSI, designadamente registos postais (e/ou comprovativo do registo no site dos CTT), e/ou avisos de receção, importa ter em consideração que tais formalidades não são exigidas pelos artigos 14.º, n.º 4 e 17.º, nº 3 do DL 227/2012 (…) 14.º O artigo 3.º, alínea h) do referido diploma, define suporte duradouro como “qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas.” (…) 17.º Assim, da interpretação dos supramencionados artigos 14.º, n.º 4 e 17.º, nº 3 do DL 227/2012, tem a jurisprudência entendido que a exigência de suporte duradouro se cinge, exclusivamente, ao suporte pelo qual é transmitida a informação de integração/extinção do PERSI e não ao meio de expedição da mesma. 18.º Nesta senda, entende a Exequente não terem sido violadas quaisquer disposições legais constantes do DL 227/2012 a respeito de formalidades legais do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, nomeadamente, os já referidos artigos 14.º e 17.º do diploma”.

Os contratos exequendos são de 24/06/2005 (…385), 27/11/2007 (…585) e 01/08/2008 (…485), respetivamente.

A mora é de, pelo menos, 24/04/2014, 24/12/2014 ou 24/08/2015 (a alegação da exequente é contraditória) para o 1.º (…385), 27/01/2015 para o 2.º (…585) e 01/01/2013 para o 3.º (…485), respetivamente.

A cessão de créditos é de 12/05/2020 (da CGD para a PMDAC).

O DL 227/12, de 25/10, entrou em vigor em 01/01/2013.

Vejamos.

Foram juntas pela cessionária PMDAC as cartas simples de PERSI de 2013 (Req. 27/06/2022 Ex.) – contudo, na sequência dos esclarecimentos ordenados pelo Tribunal, foram juntas aos autos, pela cedente CGD, cartas simples de PERSI posteriores, de 2016/2017 (Req. 17/07/2023 Ap. D), as quais são objeto da presente decisão.

Não tendo sido juntos quaisquer documentos comprovativos do respetivo envio, designadamente registos postais e/ou a/r, conforme tinha sido ordenado, incumbindo o ónus da prova documental necessária à exequente, o qual só cumpriria com a junção dos documentos comprovativos do envio, já que não é admissível a prova por testemunhas, documentos que não juntou, mesmo depois de convidada para o efeito.

Com efeito, as cartas simples de PERSI que juntou aos autos não têm registo postal ou a/r.

Alguns dos escritos de PERSI, dirigidos à executada AA, nem sequer têm morada (carta de extinção de PERSI de 29/05/2017).

Como resulta da resposta da exequente, a mesma não juntou aos autos os documentos comprovativos do envio das referidas cartas do PERSI, designadamente registos postais (e/ou comprovativo do registo no site dos CTT), e/ou avisos de receção, o que é indiscutível, seja a comunicação de início de procedimento, seja a comunicação de extinção de PERSI.

Cumpre, pois, apreciar e decidir, nada obstando, assim, em termos de instância, contraditório, tributação e/ou mérito oficioso, à sentença judicial que se segue, não havendo assim necessidade de prosseguir com o(s) processo(s).

Nos termos do Decreto – Lei n.º 227/12, de 25/10, incumbe à exequente o ónus de alegação, e prova, do cumprimento do PERSI, designadamente alegação, e prova, do envio das comunicações, inicial, e de extinção, do PERSI.

As comunicações de integração dos executados no PERSI e de extinção do PERSI têm de ser feitas num suporte duradouro, e não se podem provar com recurso a prova testemunhal – arts. 364.º, n.º 2, e 393.º, n.º 1, do Código Civil.

Com efeito, acompanhamos aqui de perto a Jurisprudência constante dos Acórdãos da Relação de Lisboa de 07/06/2018 (Relator Desembargador Pedro Martins) e de 21/05/2020 (Relatora Desembargadora Laurinda Gemas) e da Relação de Évora de 27/04/2017 (Relatora Maria João Sousa e Faro), todos disponíveis em www.dgsi.pt, segundo a qual exigindo a lei uma determinada forma para a comunicação da integração no PERSI e da sua extinção, essa forma de comunicação, não pode ser provada por testemunhas, não se podendo considerar os documentos juntos aos autos (as alegadas cartas enviadas) como princípio de prova.

No mesmo sentido, cfr.:

- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07/06/2018 (processo n.º 144/13.9TCFUN-A-2, em que foi relator Pedro Martins, in www.dgsi.pt): “I.– Não é prova suficiente da existência, na data que dela consta, e do envio e, muito menos, da recepção de uma declaração receptícia (art. 224/1 do CC), uma fotocópia da mesma ou o simples depoimento de um empregado bancário do departamento do banco onde a declaração devia ter sido emitida, que diz que assinou a carta correspondente, sem um único elemento objectivo que o corrobore, como por exemplo um a/r, um registo, um aviso ou uma referência posterior a essa carta numa outra não impugnada, quando aliás essa carta, segundo a própria decisão recorrida que a deu como provada, não faz sentido no contexto em causa. II.– As comunicações de integração dos executados no PERSI e de extinção do PERSI têm de ser feitas num suporte duradouro (que inclui uma carta ou um e-mail) – arts. 14/4 e 17/3 do DL 227/2012, de 25/10, e não se podem provar com recurso a prova testemunhal (arts. 364/2 e 393/1, ambos do CC) excepto se houver um início de prova por escrito (que não seja a própria alegada comunicação). III.– Não se demonstrando a existência da comunicação da integração dos executados no PERSI, não existe uma condição objectiva de procedibilidade da execução (art. 18/1-b do referido DL 227/2012 e ac. do TRL de 26/10/2016, proc. 4956/14.8T8ENT-A.E1), pelo que esta não pode prosseguir. IV.– No caso dos autos não existem quaisquer factos que indiciem sequer que os executados, ao invocarem a impossibilidade da execução, por força do que antecede, estejam a agir com abuso de direito (art. 334 do CC)” (o BOLD é nosso).

- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28/11/2018 (processo n.º 494/14.7TBFIG-A.C1, em que foi relator Alberto Ruço, in www.dgsi.pt): “I - Nos termos do n.º 4 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, que instituiu o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), a instituição de crédito deve informar o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro. II – O envio de uma carta, desacompanhada de aviso de receção, na ausência de prova sobre o efetivo recebimento da carta, é insuficiente para provar que a mencionada comunicação do banco ao cliente foi feita” (o BOLD é nosso).

- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07/05/2020 (processo n.º 2282/15.4T8ALM-A.L1-6, em que foi relator Adeodato Brotas, in www.dgsi.pt): “3- A extinção do PERSI só produz efeito após a respectiva comunicação (artº 17º nº 4). E, enquanto não ocorrer essa comunicação de extinção do PERSI a instituição de crédito está impedida de: (i) resolver o contrato de crédito com fundamento no incumprimento; (ii) intentar acções judiciais com vista à satisfação do crédito (artº 18º). 4- Assim, a comunicação de extinção do PERSI funciona como uma condição de admissibilidade da acção executiva: a inobservância dessa condição de admissibilidade da execução obsta a que o crédito possa ser realizado coactivamente levando, por isso, à extinção da execução instaurada contra o devedor” (o BOLD é nosso).

Mais se refere: “(…) Seja como for, a verdade é que, a instituição de crédito tinha o dever de comunicar a extinção do PERSI, como o impõe o artº 17º do DL 227/2012. E a extinção do PERSI só produziria efeito após as respectiva comunicação (artº 17º nº 4 do DL 227/2012). E enquanto não ocorrer a comunicação de extinção do PERSI e resulta do artº 18º do DL 227/2012, a instituição de crédito está impedida de: (i) resolver o contrato de crédito com fundamento no incumprimento; (ii) intentar acções judiciais com vista à satisfação do crédito. Ora, no caso dos autos, além de não ter demonstrado ter iniciado a segunda fase do PERSI, a exequente não comunicou a extinção do procedimento. Por isso, estava impedida de resolver os contratos de crédito, como fez em 09/10/2013, bem como estava impedida de instaurar a execução de que estes embargos são apenso. O mesmo é dizer, após a integração do cliente no PERSI, a instituição de crédito apenas pode resolver o contrato de crédito e executar o cliente após a comunicação de extinção do PERSI. A comunicação de extinção do PERSI funciona como uma condição de admissibilidade da acção executiva”.

- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 27/04/2017 (processo n.º 37/15.5T8ODM-A.E1, em que foi relator Maria João Sousa e Faro, in www.dgsi.pt): “I- No artº 14º nº4 do D.L. 227/2012 de 25 de Outubro exige-se que a instituição de crédito informe o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro. II- O significado de tal expressão “suporte duradouro “ é dado no artigo 3.º, alínea h) do citado diploma: “qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas”. III- Por conseguinte, e exigindo a lei, como forma de tal declaração uma “ comunicação em suporte duradouro “ ou seja a sua representação através de um instrumento que possibilitasse a sua reprodução integral e inalterada, reconduzível, portanto, à noção de documento constante do artº 362º do Cód. Civil, não poderia a omissão de tal prova da declaração da instituição bancária/embargada ser colmatada com recurso à prova testemunhal (face à ausência de confissão expressa dos embargantes )- cfr. artº 364º nº2 do Cód. Civil. IV- Além do mais, tratando-se de uma declaração receptícia, a sua eficácia estaria também dependente da sua chegada ao conhecimento do seu destinatário ( artº 224º nº1 -1ª parte do Cód. Civil que consagra a teoria da recepção), sendo sobre a instituição bancária/embargada que recaía o ónus de o provar ( artº 342º nº1 do mesmo código” (o BOLD é nosso)

- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 29/10/2020 (processo n.º 6/19.6T8GMR-A.G1, em que foi relator Raquel Baptista Tavares, in www.dgsi.pt): I- É sobre a instituição de crédito, Exequente/Embargada, que recai o ónus da prova do envio e receção de cartas atinentes à integração dos clientes bancários, Executados, no PERSI. II- Está-se, com as devidas adaptações, perante uma exceção dilatória inominada já que, não demonstrando a instituição de crédito/exequente o prévio cumprimento dos princípios e regras imperativas estabelecidos no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, a mesma não pode intentar ações judiciais com vista à satisfação do seu crédito, conforme decorre do disposto no artigo 17º, n.º 1, alínea b), faltando assim um pressuposto processual ou uma condição de procedibilidade da sua pretensão, levando, por isso, à extinção da execução instaurada” (o BOLD é nosso).

Mais se refere:

“Da análise dos referidos documentos resulta desde logo que não estarão em causa cartas registadas com aviso de receção, e nem sequer cartas registadas, pois que dos autos não consta qualquer talão de registo, prova de depósito ou aviso de entrega, comprovativo da sua expedição ou receção; mas apenas cartas que, a terem sido enviadas, seria por correio simples (resulta aliás da posição da Recorrente que envia as comunicações referentes ao PERSI por correio simples). Assim, os documentos por si só não permitem concluir pelo efectivo envio das cartas. Temos, por isso, de concluir, ao contrário do que sustenta a Recorrente, pela inexistência de prova documental demonstrativa do efetivo envio das cartas atinentes à integração no PERSI e à sua extinção, bem como para integração no Plano de Ação para o Risco de Incumprimento (PARI). Quanto à existência de prova testemunhal a questão que se coloca em primeiro lugar é a da sua admissibilidade como prova da forma de comunicação da integração no PERSI e sua extinção, uma vez que se não podem considerar os documentos juntos aos autos (as alegadas cartas enviadas) como princípio de prova. Acompanhamos aqui de perto a jurisprudência constante dos Acórdãos da Relação de Lisboa de 07/06/2018 (Relator Desembargador Pedro Martins) e de 21/05/2020 (Relatora Desembargadora Laurinda Gemas) e da Relação de Évora de 27/04/2017 (Relatora Maria João Sousa e Faro), todos disponíveis em www.dgsi.pt, segundo a qual exigindo a lei uma determinada forma para a comunicação da integração no PERSI e da sua extinção, essa forma de comunicação, não pode, por regra, ser provada por testemunhas. Como se escreve no referido Acórdão da Relação de Lisboa de 21/05/2020 “tendo em atenção o disposto nos artigos 364.º e 393.º, n.º 1, ambos do CC, pese embora não estejamos perante a exigência legal de uma certa forma para uma declaração negocial com o fim de fazer prova dela, mas antes perante a exigência legal de uma certa forma para comunicação de determinadas informações com o fim de fazer prova daquela, a razão de ser daqueles preceitos legais é a mesma, pelo que estes devem ser aplicados por analogia (cf. art. 10.º do CC). Isto é afirmado de forma categórica no referido acórdão da Relação de Lisboa: “se a lei exige uma forma para a [prova da] comunicação, não se pode saltar por cima da forma, provando a comunicação através de testemunhas. E não se poderia invocar aqui aquilo que em geral se diz sobre estas normas, isto é, que elas já admitem prova testemunhal quando há um começo de prova escrita, porque esse começo de prova escrita não pode ser o próprio documento cuja existência se está a averiguar.” Também neste sentido se afirma no citado Acórdão da Relação de Évora que “exigindo a lei, como forma de tal declaração uma “comunicação em suporte duradouro” ou seja a sua representação através de um instrumento que possibilitasse a sua reprodução integral e inalterada, reconduzível, portanto, à noção de documento constante do artº 362º do Cód. Civil, não poderia a omissão de tal prova da declaração da instituição bancária/embargada ser colmatada com recurso à prova testemunhal (face à ausência de confissão expressa dos embargantes) - cfr. artº 364º nº2 do Cód. Civil”. E no Acórdão da Relação de Lisboa de 07/06/2018 considera-se ainda que “Quem se quer prevalecer de declarações receptícias, isto é, cuja eficácia depende da prova da recepção das declarações pelos seus destinatários (art. 224/1 do CC), tem de ter o cuidado de fazer prova dessa recepção (art. 342/1 do CC). Essa prova pode fazer-se através de notificações avulsas (arts. 256 a 258 do CPC), mas faz-se normalmente com um aviso de recepção devidamente assinado de uma carta enviada pelo correio. Essa prova pode ainda ser feita, mais dificilmente, com um registo do envio da carta, junto com a prova do depósito na caixa de correio do destinatário, conjugados com as regras dos arts. 224 do CC). Toda a gente sabe isto (que são regras da experiência comum e da lógica das coisas) e sabem-no principalmente as empresas habituadas a lidar com situações em que é necessário fazer prova daquelas declarações, principalmente quando elas são feitas em negociações no âmbito de litígios ou de incumprimentos contratuais. Não lembraria a ninguém que um tribunal dissesse que notificou alguém com base apenas no facto de um juiz ou de um funcionário judicial dizer que essa pessoa foi notificada. Naturalmente que existe sempre um registo dessa notificação que pode ser exibido quando necessário. O mesmo vale para as seguradoras e para os bancos, que não podem vir dizer, em questões que podem ter consequências graves para as contrapartes, que notificaram ou comunicaram fosse o que fosse, sem prova objectiva de o terem feito (…) Ou seja, quando se quer provar o envio de uma carta, faz-se pelo menos o registo dela; quando se quer provar a recepção de uma carta, pede-se ainda o aviso de recepção ou requer-se uma notificação avulsa. Ninguém, em questões minimamente importantes, espera fazer prova do envio de cartas apenas com o depoimento de dois empregados seus que dizem tê-las enviado (o que, como se viu, nem sequer é o caso). Quer isto dizer que se num processo judicial se diz que uma declaração receptícia foi feita e enviada, se exige logo, naturalmente, a prova disso através de uma certidão de uma notificação avulsa, ou de um a/r, ou de um registo e aviso, ou pelo menos de um elemento objectivo qualquer (por exemplo, uma referência, não impugnada, numa carta posterior à carta em causa). A simples exibição de uma fotocópia de uma carta, que pode ser feita em qualquer altura, ou o depoimento de um empregado de uma empresa – que depende dos rendimentos que lhe advém do seu trabalho nela e que para além disso está a tentar provar que fez o seu trabalho como lhe é dito, agora, que devia ter feito – no sentido de ter escrito e enviado essa carta, facto que pode ser determinante para a sorte de uma acção, não têm valor probatório suficiente para convencer desse envio” (o BOLD é nosso).

- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15/12/2021 (processo n.º 930/20.3T8ACB-A.C1, em que foi relator Luís Cravo, in www.dgsi.pt):

“V – As comunicações de integração dos executados no PERSI e de extinção do PERSI têm de ser feitas num suporte duradouro (que inclui uma carta ou um e-mail) – arts. 14º, nº 4 e 17º, nº 3 do dito DL 227/2012, de 25/10 – e não se podem provar com recurso a prova testemunhal (arts. 364º, nº 2 e 393º, nº 1, ambos do C.Civil) exceto se houver um início de prova por escrito (que não seja a própria alegada comunicação.

VI – Acresce que é critério legal, acautelado no art. 607º, nº 5 do n.C.P.Civil, que também é vedado ao juiz declarar provados determinados factos para os quais a lei exija determinada formalidade especial ou por documentos sem que essa exigência legal se mostre satisfeita”.

No mesmo sentido, cfr. ainda Margarida Rocha, 'Processos de Insolvência e Acções Conexas, 'E-book 'C.E.J. 2014, pág 445.

E, por último, Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Évora proferido no processo 181/19.0T8ENT-A, de que temos conhecimento oficioso, no exercício de funções.

Acresce que as cartas de extinção do PERSI de 29/05/2017 (executada AA) e 27/07/2017 (executado BB), têm como motivo de extinção “CLIENTE NÃO COLABOROU” e “OUTRO MOTIVO”, respetivamente:

A exequente veio esclarecer que as cartas de extinção do PERSI, quanto ao motivo de extinção, padecem de lapso de escrita, porquanto os motivos de extinção são outros (“Decurso de 91 dias”):

“6.º Do teor dos documentos juntos pela ora Exequente, mais especificamente as comunicações de extinção do procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI), evidencia-se que o PERSI foi extinto em decorrência da verificação de uma das circunstâncias do n.º 1 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, mais propriamente o decurso de 91 (noventa e um) dias, conforme estatuído na alínea c) do n.º 1 do artigo 17.º do diploma em apreço” (art. 6.º das alegações de 17/06/2024 Ap. D).

Vejamos.

De acordo com os títulos executivos, estão em causa contratos de crédito, previstos no art. 2.º, n.º 1, als. a) a d), do Decreto – Lei n.º 227/2012, de 25/10, pelo que sujeitos a PERSI.

Com efeito, estão em causa contratos com consumidores abrangidos pelo art. 2.º do Decreto – Lei n.º 227/2012.

A exequente não coloca em causa que deveria ter desencadeado o PERSI quanto aos executados, nem que o motivo de extinção do PERSI, das cartas de extinção de PERSI, são incorretas.

Ora, tal não é suscetível de correção e/ou de retificação, designadamente ao abrigo das normas invocadas.

Com efeito, se o motivo é incorreto, é porque foi comunicado um motivo que não se verificava; ao invés, aqueles motivos, tipificados na Lei, que se verificavam, não foram devidamente e regularmente comunicados, como a Lei exige.

Nos termos da Lei, Decreto – Lei n.º 227/12, de 25/10 (arts. 17.º e 18.º), os motivos de extinção estão tipificados, e devem ser comunicados de forma integral, transparente e fidedigna, sob pena de não se poder concluir estar verificado o PERSI, o que impede a exequente de resolver o contrato e/ou de acionar/executar.

Pelo que existe falta de PERSI quanto aos executados, o que determina a extinção da execução.

No mesmo sentido, aponta a nossa Jurisprudência Superior, mesmo quando o motivo, tipificado, é correto, mas indevidamente/insuficientemente fundamentado, como nos casos de “Expiração”, ou “decorreram 91 dias”.

Por outro lado, o motivo de “expiração” também não serve para fundamentar a extinção e servir de escrito de extinção.

O motivo de extinção de “EXPIRAÇÃO”, ou “DECORREU MAIS DE 90/91 DIAS DESDE O INÍCIO DO PERSI”.

Ora, tal motivo não é claro, nem o escrito de extinção de PERSI se considera legalmente fundamentado dessa forma, pelo que, para os efeitos que interessa, inexistem escritos de extinção do PERSI relativamente aos executados – art. 17.º, n.os 3 e 4, e 18.º, n.º 4, do Decreto – Lei n.º 227/2012, de 25/10 (“A instituição de crédito informa o cliente bancário, através de comunicação em suporte duradouro, da extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento; a extinção do PERSI só produz efeitos após a comunicação referida no número anterior, salvo quando o fundamento de extinção for o previsto na alínea b) do n.º 1; 4 - Antes de decorrido o prazo de 15 dias a contar da comunicação da extinção do PERSI, a instituição de crédito está impedida de praticar os atos previstos nos números anteriores, no caso de contratos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, e em que a extinção do referido procedimento tenha por fundamento a alínea c) do n.º 1 ou as alíneas c), f) e g) do n.º 2 todas do artigo anterior”).

Neste sentido, cfr., por todos, entre muitos outros, o Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Évora de 07/04/2022 (processo n.º 364/21.2T8ENT.E1, em que foi relator Maria João Sousa e Faro, in www.dgsi.pt):

“I. A circunstância de o Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10 prever que a violação de um acervo de deveres por parte das instituições bancárias é susceptível de configurar a prática de uma contra-ordenação não é confundível com a necessidade da certificação oficiosa do seu cumprimento no momento da cobrança coerciva do crédito que tem lugar nos Tribunais comuns; trata-se, pois, de duas dimensões da mesma realidade mas inteiramente distintas.

II. Desconhecendo-se qual foi afinal o fundamento legal da extinção do PERSI ocorre uma excepção dilatória inominada que determina a absolvição da instância executiva”.

Mais se refere:

“Por seu turno, o Aviso do Banco de Portugal n.º 17/2012 (publicado no Diário da República, 2.ª série, Parte E, n.º 243, de 17-12-2012) no seu art.º 8.º que versa sobre a comunicação de extinção do PERSI, determina o seguinte: «A comunicação pela qual a instituição de crédito informa o cliente bancário da extinção do PERSI deve conter, em termos claros, rigorosos e facilmente legíveis, as seguintes informações: a) Descrição dos factos que determinam a extinção do PERSI ou que justificam a decisão da instituição de crédito de pôr termo ao referido procedimento, com indicação do respetivo fundamento legal; b) Consequências da extinção do PERSI, nos casos em que não tenha sido alcançado um acordo entre as partes, designadamente a possibilidade de resolução do contrato e de execução judicial dos créditos (…) Analisando as missivas dos autos parece-nos evidente que não cumprem minimamente os requisitos legais de comunicação da extinção do PERSI. Como acertadamente se afirma na sentença recorrida : “ (…) aos executados foi transmitido que aqueles procedimentos se extinguiram «em virtude de EXPIRAÇÃO», mas nenhuma palavra se acrescentou no sentido de, «em termos claros, rigorosos e facilmente legíveis», informá-los em que concretas razões se terá baseado a inviabilidade da manutenção dos procedimentos, descrevendo os factos que determinaram a extinção ou que justificaram a decisão de pôr termo aos mesmos.”.

O mesmo se conclui quando os motivos de extinção são “CLIENTE NÃO COLABOROU” e “OUTRO MOTIVO”.

Quanto à “falta de colaboração”, ou “cliente não colaborou”, alegadas/indicadas de forma abstrata, não particularizada, nos escritos de extinção, entende-se igualmente que padecem dos vícios de insuficiente fundamentação/motivação.

Neste sentido, cfr., por todos:

E mais se refere:

Entendeu, por outro lado, a sentença que a carta de extinção não respeitava as exigências do nº 3 do artigo 17º do DL 227/12, uma vez que não especificara claramente o motivo que a determinava. Concordamos. De acordo com o nº 3 do artigo 17º do DL 227/12, a instituição de crédito deve informar o cliente da extinção do PERSI, “descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento”. E que a lei pretende que tais aspectos sejam conhecidos pelo devedor resulta da circunstância de negar eficácia à extinção (à excepção do caso em que a instituição bancária e o devedor chegam a um acordo no âmbito do PERSI) enquanto lhe não for comunicada (artigo 17º nº 4 do DL 227/12). Com efeito, o cliente bancário deve ter o direito de aferir da regularidade e legalidade de todo o procedimento, em particular quando é demandado judicialmente pela instituição (como sucedeu no presente caso). E, tratando-se da extinção do PERSI, só conhecendo os concretos motivos que levaram à decisão da instituição bancária se podem, efectivamente, defender, seja no plano factual, seja em sede de cabimento legal. Neste conspecto, invocar, simplesmente, o artigo 17º do DL 227/12 – como fez a apelante - é praticamente o mesmo que nada dizer, já que tal preceito cobre todas as situações de extinção do PERSI. E invocar que o motivo da extinção do PERSI é “falta de colaboração, nomeadamente na prestação de informações ou na resposta atempada às propostas apresentadas pelo banco” é, em primeiro lugar, deixar o cliente na dúvida. Em primeiro lugar, porque fica sem saber se a sua falta de colaboração se prendeu com a prestação de informações ou com a resposta a propostas apresentadas, sendo certo que se trata de diferentes realidades; em segundo lugar, fica sem saber se a falta de colaboração se prende com omissões ou com atrasos. Sem saber exactamente quais foram as informações que deixou de prestar ou as respostas que deixou de apresentar e, no caso de as ter prestado/apresentado, o atraso com que o fez, o devedor fica, repetimos, sem poder contrariar tais factos e/ou discutir a sua subsunção jurídica.
Não é, aliás, difícil para a instituição bancária comunicar ao cliente esses concretos fundamentos de extinção, uma vez que é suposto existir um processo para cada cliente, com toda a informação relevante (artigo 20º do DL 227/12). Em consequência, temos por inválida a extinção do PERSI. E tal acarreta, como se escreveu na sentença, a absolvição dos executados da instância executiva”.

Tanto mais é assim que a própria exequente admite que:

“6.º Do teor dos documentos juntos pela ora Exequente, mais especificamente as comunicações de extinção do procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI), evidencia-se que o PERSI foi extinto em decorrência da verificação de uma das circunstâncias do n.º 1 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, mais propriamente o decurso de 91 (noventa e um) dias, conforme estatuído na alínea c) do n.º 1 do artigo 17.º do diploma em apreço” (art. 6.º das alegações de 17/06/2024 Ap. D).

Se era e foi assim, deveria a exequente ter feito constar dos escritos de extinção do PERSI tais motivos, de falta de colaboração e de entrega da documentação solicitada, de falta de resposta, com o que teria fundamentado a extinção de forma a cumprir as exigências de rigor e transparência do DL 227/2012, de 25/10.

Pelo que falta também PERSI quanto aos executados, o que determina a extinção da execução.

O regime jurídico do PERSI é imperativo e de cumprimento obrigatório, ainda que tenha havido cessão de créditos para STC (sociedade de titularização de créditos), desde que os negócios/contratos subjacentes à sua emissão estivessem submetidos à obrigatoriedade legal do PERSI, como sucede no presente caso, sob pena de fraude à Lei imperativa prevista no Decreto – Lei n.º 227/2012, de 25/10, fim proibido por lei, que incumbe a este Tribunal impedir e rejeitar – art. 612.º NCPC.

O Decreto – Lei n.º 227/2012, de 25/10, refere-se a instituições de crédito, designadamente no art. 18.º, e não quaisquer outras, é certo, mas tem de se entender abranger todo e qualquer cessionário posterior, sendo oponível a falta de cumprimento do PERSI a todo e qualquer cessionário posterior, assim o impondo (e sob pena de ficarem sem sentido então as “garantias do cliente bancário”) o disposto no art. 18.º, n.º 2, als. b) e c), do Decreto – Lei n.º 227/2012, de 25/10, que permite, mesmo no “período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento”, não apenas “c) ceder créditos ou transmitir a sua posição contratual a outra instituição de crédito”, como mesmo “b) ceder créditos para efeitos de titularização”.

Dito de outra forma, se mesmo no “período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento”, situação onde o integral cumprimento do PERSI é obrigatória, indiscutível e vinculativa, é possível não apenas “c) ceder créditos ou transmitir a sua posição contratual a outra instituição de crédito”, como mesmo “b) ceder créditos para efeitos de titularização” (para STC), então o argumento de que a cessão de créditos para entidades diversas das instituições de créditos (como as STC) não as obriga ao cumprimento do PERSI é falacioso, caindo por terra, sob pena de, então, de nada adiantar aos “clientes bancários” as “garantias” previstas no art. 18.º, n.os 1 e 2, esp. als. b) e c), do referido diploma legal.

De todo o modo, nos termos do disposto no art. 1.º (“Objeto”), n.º 3, do Decreto – Lei n.º 227/2012, de 25/10, o regime legal, obrigatório e imperativo do PERSI “é ainda aplicável, com as necessárias adaptações, às sociedades financeiras, às instituições de pagamento e às instituições de moeda eletrónica, relativamente aos contratos de crédito referidos no n.º 1 do artigo seguinte”.

Ainda que assim não se entendesse, no caso concreto, a verificação dos pressupostos para a integração do devedor no PERSI ocorreu em momento anterior à cessão de créditos pela entidade mutuante para uma sociedade de titularização de créditos, pelo que é oponível à cessionária.

Com efeito, o incumprimento contratual/mora é de, pelo menos, 24/04/2014, 24/12/2014 ou 24/08/2015 (a alegação da exequente é contraditória) para o 1.º (…385), 27/01/2015 para o 2.º (…585) e 01/01/2013 para o 3.º (…485), respetivamente (altura em que era imperativo e obrigatório o cumprimento integral do PERSI), e a cessão de créditos ocorreu apenas em 12/05/2020.

Neste sentido, cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29/09/2020 (processo n.º 1827/18.2T8ALM-B.L1-7, em que foi relator Micaela da Silva Sousa, in www.dgsi.pt):

“4 – As sociedades de titularização de créditos não são instituições de crédito, sendo reguladas pelo regime do Decreto-Lei n.º 453/99, de 5 de Novembro e não são abrangidas pelo âmbito de aplicação do regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro.

5 – A verificação dos pressupostos para a integração do devedor no PERSI ocorrida em momento posterior à cessão de créditos pela entidade mutuante para uma sociedade de titularização de créditos não é oponível à cessionária” (o BOLD e sublinhado são nossos).

Verifica-se ainda que a cedente/exequente não juntou com os escritos de PERSI os necessários formulários de comunicação obrigatória instituídos e regulamentados pelo Banco de Portugal, conforme Anexo II ao Aviso do Banco de Portugal n.º 17/2012:

Nos termos dos arts. 7.º e 8.º do Aviso do Banco de Portugal n.º 17/2012:

Nos termos dos arts. 8.º e 9.º do Aviso do Banco de Portugal n.º 7/2021 (que revogou o anterior Aviso n.º 17/2012):

E as cartas de extinção do PERSI juntas aos autos não contêm todas as informações exigidas pelos arts. 8.º do Aviso do Banco de Portugal n.º 17/2012 (art. 9.º do Aviso do Banco de Portugal n.º 7/2021).

Depois, existe uma dilação excessiva e desproporcionada entre a data da mora (que justifica o início do PERSI, o mais tardar, em 60 dias) e a data do escrito de início do PERSI, que constitui o início efetivo do mesmo, o que consubstancia uma fraude ao regime do PERSI, uma negação do próprio PERSI (formalmente existe PERSI; substancialmente o mesmo não visa facilitar, como deveria, o cumprimento, mas sim dificultar e/ou impossibilitar o cumprimento, promovendo (em vez de evitar) o incumprimento, com o avolumar de capital, juros, impostos, comissões e despesas na data em que é iniciado, muito depois da data em que deveria ter sido iniciado e não o foi), não servindo tais escritos para o efeito, violando flagrantemente a ratio legis e iuris do diploma.

Assim:

- quanto ao contrato (…385), a exequente alega que a mora é de 24/04/2014, 24/12/2014 ou 24/08/2015 (a alegação da exequente é contraditória); contudo da carta de início de PERSI de 23/03/2016 (executada AA) resulta que a mora em causa é de 24/04/2014, e da carta de início de PERSI de 18/11/2016 (executado BB) resulta que a mora em causa é de 24/12/2014, sendo as informações contraditórias (também não se concebe que, estando em causa dois mutuários nos mesmos três contratos exequendos, e sendo a data da mora a mesma para ambos os mutuários/executados, existam datas de mora diferentes consideradas pela exequente, bem como indicação de datas da mora diferentes em escritos de início de PERSI que também se iniciam em datas diferentes…); por outro lado, se a mora em causa relevante é de 24/04/2014 ou 24/12/2014 (ainda que contraditoriamente), não se concebe que o PERSI não tenha sido iniciado nos 2 meses seguintes ao início da mora, mas muito mais tarde (até mesmo se a mora fosse em 24/08/2015), cerca de 2 anos depois, apenas em 23/03/2016 (executada AA) e 18/11/2016 (executado BB), com o avolumar do capital e juros em dívida, sendo completamente distinto iniciar-se um PERSI 2 meses depois, nos termos legalmente previstos, em que se devem 2 prestações e respetivos juros e demais encargos, o que não foi feito, ou iniciar-se um PERSI 2 anos depois, com o avolumar de capital, juros remuneratórios e /ou moratórios, impostos, comissões, prémios e/ou despesas, o que seguramente torna mais difícil ou impossível evitar um incumprimento, e constitui uma negação de PERSI, criado e pensado para uma intervenção rápida e eficaz no início de uma situação de incumprimento;

- quanto ao contrato (…585), a exequente alega que a mora é de 27/01/2015; contudo da carta de início de PERSI de 23/03/2016 (executada AA) resulta que a mora em causa é de 27/01/2015, e da carta de início de PERSI de 18/11/2016 (executado BB) resulta que a mora em causa é de 27/01/2015 (também não se concebe que, estando em causa dois mutuários nos mesmos três contratos exequendos, e sendo a data da mora a mesma para ambos os mutuários/executados, existam datas de mora diferentes consideradas pela exequente, bem como indicação de datas da mora diferentes em escritos de início de PERSI que também se iniciam em datas diferentes…); por outro lado, se a mora em causa relevante é de 27/01/2015, não se concebe que o PERSI não tenha sido iniciado nos 2 meses seguintes ao início da mora, mas muito mais tarde, mais de 1 ano e 2 meses depois, apenas em 23/03/2016 (executada AA) e 18/11/2016 (executado BB), com o avolumar do capital e juros em dívida, sendo completamente distinto iniciar-se um PERSI 2 meses depois, nos termos legalmente previstos, em que se devem 2 prestações e respetivos juros e demais encargos, o que não foi feito, ou iniciar-se um PERSI mais de 1 ano e 2 meses depois, com o avolumar de capital, juros remuneratórios e /ou moratórios, impostos, comissões, prémios e/ou despesas, o que seguramente torna mais difícil ou impossível evitar um incumprimento, e constitui uma negação de PERSI, criado e pensado para uma intervenção rápida e eficaz no início de uma situação de incumprimento;

- quanto ao contrato (…485), a exequente alega que a mora é de 01/01/2013; contudo da carta de início de PERSI de 23/03/2016 (executada AA) resulta que a mora em causa é de 01/01/2013, e da carta de início de PERSI de 18/11/2016 (executado BB) resulta que a mora em causa é de 01/01/2013 (também não se concebe que, estando em causa dois mutuários nos mesmos três contratos exequendos, e sendo a data da mora a mesma para ambos os mutuários/executados, existam datas de mora diferentes consideradas pela exequente, bem como indicação de datas da mora diferentes em escritos de início de PERSI que também se iniciam em datas diferentes…); por outro lado, se a mora em causa relevante é de 01/01/2013, não se concebe que o PERSI não tenha sido iniciado nos 2 meses seguintes ao início da mora, mas muito mais tarde, neste caso mais de 3 anos e 2 meses depois, apenas em 23/03/2016 (executada AA) e 18/11/2016 (executado BB), com o avolumar do capital e juros em dívida, sendo completamente distinto iniciar-se um PERSI 2 meses depois, nos termos legalmente previstos, em que se devem 2 prestações e respetivos juros e demais encargos, o que não foi feito, ou iniciar-se um PERSI mais de 3 anos e 2 meses depois, com o avolumar de capital, juros remuneratórios e /ou moratórios, impostos, comissões, prémios e/ou despesas, o que seguramente torna mais difícil ou impossível evitar um incumprimento, e constitui uma negação de PERSI, criado e pensado para uma intervenção rápida e eficaz no início de uma situação de incumprimento;

Consequentemente, para todos os devidos e legais efeitos, a exequente não juntou os escritos de PERSI que lhe permitiriam resolver o contrato e/ou executar o mesmo – art. 18.º do Decreto – Lei n.º 227/12, de 25/10.

Acresce que, de nada adianta prosseguir uma execução para pagamento dos créditos exequendos quando a falta de PERSI, incluindo a falta de demonstração de comunicação efetiva, é uma exceção dilatória de conhecimento oficioso, que deve ser conhecida sempre, e que pode ser invocada também pelos executados, ainda que não tenham deduzido oposição à execução, como Jurisprudencialmente reconhecido.

Consequentemente, o incidente de nulidade (dos despachos de 06/10/2022 e 03/11/2022 Ex.), deduzido pela exequente (Req. Ref. 9154019 PE Ex.) improcede, porquanto estão em causa questões de conhecimento oficioso, que podiam e deviam ter sido conhecidas (não se considerando sanadas), as quais não dependem de taxa de justiça, e constituem questões de oposição à execução (razão pela qual foi constituído apenso próprio para o efeito, o Ap. D) – arts. 193.º, n.º 3, 195.º, 734.º, NCPC.

Consequentemente, por tudo o supra exposto, não tendo a exequente cumprido previamente o PERSI, nos termos impostos pelo Decreto – Lei n.º 227/2012, de 25/10, falta condição objetiva de procedibilidade, com a consequente inexigibilidade da dívida exequenda, bem como falta de admissibilidade liminar, o que constitui exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância executiva e/ou respetivos embargos (o que impede o conhecimento do mérito da relação subjacente, e produção da respetiva prova, e não afeta a relação jurídica subjacente) – art. 18.º, n.º 1, esp. al. b), do Decreto – Lei n.º 227/2012, de 25/10, e Aviso do Banco de Portugal n.º 17/2012, esp. arts. 7.º e 8.º.

Pelo que ficam prejudicadas as demais questões.

*

DECISÃO FINAL

Pelo exposto, o Tribunal decide:

- rejeitar a presente execução para pagamento de quantia certa instaurada por PMDAC, julgando-se verificada a exceção dilatória inominada de falta de PERSI, extinguindo-se a execução e/ou respetivos embargos – art. 18.º, n.º 1, esp. al. b), do Decreto – Lei n.º 227/2012, arts. 7.º e 8.º do Aviso do Banco de Portugal n.º 17/2012, e arts. 726.º, 728.º, 590.º, 591.º, e/ou 595.º do NCPC;

- julgar improcedente o incidente de nulidade deduzido pela exequente – art. 195.º NCPC.

- Consequentemente, ordena-se o levantamento das penhoras.

Fixa-se o valor processual em 101.103,07 euros – arts. 297.º, 306.º, n.º 2, NCPC.

Custas judiciais, na execução e no Ap. D, pela exequente, que decai integralmente – art. 527.º NCPC, 7.º RCP e respetiva Tabela II-A anexa.

Custas do incidente de nulidade a suportar pela exequente, que decai integralmente, fixando-se a taxa de justiça em 1 (uma) U.C., atento o processado a que deu causa – arts. 527.º NCPC, 7.º RCP, e respetiva Tabela II-A anexa.

Registe, notifique, e/ou proceda-se em conformidade.

Comunique ao AE. (…)”

*


III.3. Fundamentação jurídica.


A Apelante insurge-se contra a decisão recorrida por entender que não desrespeitou os termos da obrigatória comunicação de extinção do PERSI.


Mas não lhe assiste razão.


Vejamos porquê.


Como é sabido, e se expôs adequadamente na decisão recorrida, o Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25-10, veio instituir o Plano de Ação para o Risco de Incumprimento (PARI), bem como o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) como uma forma de promover a concessão responsável de crédito pelas instituições financeiras.


Se o cliente bancário (consumidor) estiver em situação de mora ou incumprimento de obrigações decorrente de contratos de crédito ao consumo, a entidade bancária fica sujeita a um regime procedimental imperativo, sendo obrigatória a integração de tal devedor no PERSI, sendo tal procedimento composto por três fases: inicial, de avaliação e proposta e de negociação (cfr. artigos 14.º a 17.º do diploma).


Sobre a entidade bancária incide o ónus de prova sobre a validade e eficácia da integração do devedor bancário inadimplente no âmbito do PERSI, bem como a validade e eficácia da respetiva extinção (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil), sendo as mesmas condições de admissibilidade da ação declarativa ou executiva que a instituição bancária pretender mover contra esse devedor.


Assim, se o devedor não tiver sido integrado no PERSI ou se o mesmo ainda não tiver sido extinto, está vedado à instituição bancária a instauração da execução e, tendo-a instaurado, deve a mesma ser extinta por via do funcionamento da referida exceção dilatória inominada de conhecimento oficioso de falta de PERSI.


Como resulta do respetivo preâmbulo, o Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25-10, instituiu o PERSI visando, além de tudo o mais, promover a concessão responsável de crédito pelas instituições financeiras, lendo-se no mesmo que «(…) as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objectivos e necessidades do consumidor».


Ocorrendo incumprimento das obrigações decorrentes dos contratos de crédito abrangidos pelo diploma, as instituições de crédito têm de integrar o devedor obrigatoriamente no PERSI (artigos 12.º a 17.º do diploma) em ordem a regularizar e viabilizar um mútuo acordo tendente a evitar o recurso à via judicial.


Nos termos do artigo 2.º do diploma estão abrangidos pelo PERSI o cliente bancário (consumidor) em relação a contratos de crédito abrangidos pelo Decreto-Lei n.º 133/2009, de 02-06, alterado pelo Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18-06.


No caso, conforme decorre da decisão recorrida, e não é controvertido, os contratos dados à execução inserem-se no âmbito do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10 (alterado pelo Decreto-Lei n.º 70-B/2021, de 06.08), nomeadamente face ao disposto no seu artigo 2.º, n.º 1, alínea b), na redação anterior ao citado Decreto-Lei n.º 70-B/2021, aplicando-se-lhe por isso as obrigações decorrentes do PERSI, o que não foi sequer posto em causa pela Exequente, que, como resulta da consulta dos autos, juntou documentos destinados a demonstrar o cumprimento daquele procedimento relativamente aos aqui Executados.


Em face do disposto no artigo 14.º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 227/2012, não sofre igualmente dúvidas o entendimento expresso em numerosos arestos dos Tribunais Superiores de que a integração de cliente bancário no PERSI é obrigatória sempre que se mostrem verificados os seus pressupostos, e que a falta de integração do devedor no PERSI pela instituição de crédito, a omissão da informação devida, ou a ausência de comunicação da extinção do procedimento, constituem violação de normas de caráter imperativo. Por isso, e atento o preceituado no artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do referido diploma, vem sendo reiteradamente afirmado que o cumprimento das obrigações que impendem sobre as instituições bancárias, constitui uma verdadeira condição objetiva de admissibilidade da ação (declarativa ou executiva), configurando o respetivo incumprimento uma exceção dilatória atípica ou inominada, insuprível, e de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância (artigo 576.º, n.º 2, do CPC)2.


Como tal, a sua apreciação oficiosa, encontra-se abrangida pelo artigo 578º do Código de Processo Civil.


A controvérsia no caso dos autos surge acerca da forma como as comunicações dirigidas foram realizadas, tendo o Tribunal Recorrido entendido que não foi dado cabal cumprimento ao disposto nos artigos 14º e 17º do citado diploma.


As comunicações foram juntas com os requerimentos de 17.07.2023 e de 04.01.2024, não tendo sido junto qualquer documento comprovativo do respetivo envio, designadamente registos postais e ou aviso de receção, mesmo após notificação para esse efeito.


Recordemos o teor das disposições em causa.


De acordo com o artigo 13.º do citado diploma:


«No prazo máximo de 15 dias após o vencimento da obrigação em mora, a instituição de crédito informa o cliente bancário do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida e, bem assim, desenvolve diligências no sentido de apurar as razões subjacentes ao incumprimento registado».


De harmonia, por sua vez, com o artigo 14.º:

«1 - Mantendo-se o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, o cliente bancário é obrigatoriamente integrado no PERSI entre o 31.º dia e o 60.º dia subsequentes à data de vencimento da obrigação em causa.

2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, a instituição de crédito está obrigada a iniciar o PERSI sempre que:

a) O cliente bancário se encontre em mora relativamente ao cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito e solicite, através de comunicação em suporte duradouro, a sua integração no PERSI, considerando-se, para todos os efeitos, que essa integração ocorre na data em que a instituição de crédito recebe a referida comunicação;

b) O cliente bancário, que alertou para o risco de incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, entre em mora, devendo, para todos os efeitos, considerar-se que a integração desse cliente no PERSI ocorre na data do referido incumprimento.

3 - Quando, na pendência do PERSI, o cliente bancário entre em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de outros contratos de crédito celebrados com a mesma instituição, a instituição de crédito deve procurar obter a regularização do incumprimento no âmbito de um único procedimento, informando o cliente bancário desse facto nos termos previstos no número seguinte.

4 - No prazo máximo de cinco dias após a ocorrência dos eventos previstos no presente artigo, a instituição de crédito deve informar o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro.

5 - O Banco de Portugal define, mediante aviso, os elementos informativos que devem acompanhar a comunicação prevista no número anterior».

Estabelece, por seu turno, o artigo 17º do mesmo diploma:

«1 - O PERSI extingue-se:

a) Com o pagamento integral dos montantes em mora ou com a extinção, por qualquer outra causa legalmente prevista, da obrigação em causa;

b) Com a obtenção de um acordo entre as partes com vista à regularização integral da situação de incumprimento;

c) No 91.º dia subsequente à data de integração do cliente bancário neste procedimento, salvo se as partes acordarem, por escrito, na respetiva prorrogação; ou

d) Com a declaração de insolvência do cliente bancário.

2 - A instituição de crédito pode, por sua iniciativa, extinguir o PERSI sempre que:

a) Seja realizada penhora ou decretado arresto a favor de terceiros sobre bens do devedor;

b) Seja proferido despacho de nomeação de administrador judicial provisório, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º-C do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;

c) A instituição de crédito conclua, em resultado da avaliação desenvolvida nos termos do artigo 15.º, que o cliente bancário não dispõe de capacidade financeira para regularizar a situação de incumprimento, designadamente pela existência de ações executivas ou processos de execução fiscal instaurados contra o cliente bancário que afetem comprovada e significativamente a sua capacidade financeira e tornem inexigível a manutenção do PERSI;

d) O cliente bancário não colabore com a instituição de crédito, nomeadamente no que respeita à prestação de informações ou à disponibilização de documentos solicitados pela instituição de crédito ao abrigo do disposto no artigo 15.º, nos prazos que aí se estabelecem, bem como na resposta atempada às propostas que lhe sejam apresentadas, nos termos definidos no artigo anterior;

e) O cliente bancário pratique atos suscetíveis de pôr em causa os direitos ou as garantias da instituição de crédito;

f) O cliente bancário recuse a proposta apresentada, sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo anterior; ou

g) A instituição de crédito recuse as alterações sugeridas pelo cliente bancário a proposta anteriormente apresentada, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo anterior.

3 - A instituição de crédito informa o cliente bancário, através de comunicação em suporte duradouro, da extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento.

4 - A extinção do PERSI só produz efeitos após a comunicação referida no número anterior, salvo quando o fundamento de extinção for o previsto na alínea b) do n.º 1.

5 - O Banco de Portugal define, mediante aviso, os elementos informativos que devem acompanhar a comunicação prevista no n.º 3.

O conceito de suporte duradouro encontramo-lo na al. h) do artigo 3º do diploma citado.


Em cumprimento do mencionado n.º 5 do artigo 14º foi publicado o Aviso do Banco de Portugal n.º 17/2012 (publicado no Diário da República, 2.ª série, Parte E, n.º 243, de 17-12-2012), de cujo artigo 7.º, sob a epígrafe «[c]omunicação de início do PERSI», decorre o que segue:

«1 - A comunicação pela qual a instituição de crédito informa o cliente bancário do início do PERSI deve conter, em termos claros, rigorosos e facilmente legíveis, as seguintes informações:

a) Identificação do contrato de crédito;

b) Data de vencimento das obrigações em mora;

c) Montante total em dívida, com descrição detalhada dos montantes relativos a capital, juros e encargos associados à mora;

d) Data de integração do cliente bancário no PERSI;

e) Elementos de contacto da instituição de crédito que o cliente bancário deve utilizar para obter informações adicionais e para negociar eventuais soluções para a regularização da situação de incumprimento que lhe sejam propostas.

2 - Em complemento à informação prevista no número anterior, as instituições de crédito devem fazer acompanhar a referida comunicação de documento informativo elaborado em conformidade com o modelo constante do Anexo II ao presente Aviso, de que faz parte integrante».

O objetivo do legislador do Dec.º-Lei nº 227/12, de 25.10 em estabelecer um conjunto de garantias de defesa aos clientes em situações de mora ou incumprimento, levou o Supremo Tribunal de Justiça a entender no recente Acórdão de 14.11.20243 - que aqui se cita, por de interesse para os autos, que configuram também uma situação de cedência de crédito - “a entidade bancária não pode ceder o crédito a terceiro (instituição não bancária) sem ter previamente cumprido as exigências decorrentes do regime ínsito no regime decorrente do Dec. Lei n.º 227/2012, de 25.10. De outro modo, estaria encontrada uma via expedita para as instituições de crédito se subtraírem à obrigatória sujeição ao regime decorrente do Dec. Lei n.º 227/2012 (bastando que, em violação desse diploma legal, se abstivessem de integrar obrigatoriamente o cliente bancário no PERSI e cedessem o seu crédito a um terceiro que não é uma instituição de crédito, o que permitiria que este (cessionário) não ficasse sujeito às proibições ou impedimentos elencados no art. 18º e pudesse obter de imediato a satisfação do crédito cedido), o que representaria uma autêntica fraude à lei, pois era uma forma de deixar entrar pela janela o que o legislador proibiu que entrasse pela porta, frustrando-se completamente o objectivo prosseguido com a criação do PERSI.”


Extrai-se, como se referiu, do estatuído nos artigos14º, n.º 4 e 17º, n.º 3 do DL 227/2012, de 25 de Outubro, que a integração do executado no PERSI e a respetiva extinção devem ser devidamente comunicadas ao devedor, em suporte duradouro, ou seja, através de um instrumento que possibilite a sua reprodução integral e inalterada.


Estão em causa comunicações que, para produzirem os respetivos efeitos, têm de chegar ao poder ou ser conhecidas pelo cliente bancário que está em situação de incumprimento do contrato de crédito, ou seja, declarações receptícias, nos termos do art.º 224º, n.º 1 do Código Civil. Assim, além da prova da existência dessa comunicação, importa demonstrar o seu envio ao devedor e a respetiva receção por parte deste.


Assim, porque a integração do devedor no PERSI e a respetiva comunicação do início de tal procedimento constituem, como se referiu, condição indispensável para o exercício do direito de crédito que a exequente pretende fazer valer, recai sobre esta o ónus da prova desses factos, por se tratar de factos essenciais à admissibilidade desta acção – cf. art.º 5º, n.º 1 do CPC e art.º 342º, n.º 1 do Código Civil; cf. acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 15-09-2022, processo n.º 181/19.0T8ENT.E1.


Ora, tendo as declarações de integração do devedor no PERSI e a extinção do plano, ainda que formalizadas em carta simples - como alegadamente terá sucedido na situação sub judice – de chegar ao poder do devedor ou dele serem conhecidas, a simples junção aos autos de cópia das cartas não atesta o efectivo cumprimento das exigências formais de integração no PERSI e da subsequente extinção do procedimento, dado que estão em causa declarações receptícias que adicionalmente implicam a demonstração do envio e recepção desses suportes – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11-07-2023, processo n.º 1998/17.5T8SLV-F.E1.


Constatando-se, pois, a ausência de demonstração probatória, do onerado com a respectiva prova (a exequente), de que as comunicações de integração e extinção do PERSI foram remetidas e recepcionadas pelos executados, que sempre se pronunciaram nesse sentido quando notificados da junção de documentos pela Exequente (a ora Exequente e a primitiva Exequente cedente do crédito), há que ter por não comprovada a sua integração em PERSI, nos termos em que o banco mutuante/cedente do crédito se encontrava vinculado.


Bem entendeu, pois, o Tribunal Recorrido que a invocada excepção inominada de falta de demonstração da prévia integração do executado em PERSI se mostra verificada, o que determina a absolvição da instância dos Executado e extinção da execução – cf. neste sentido, acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 20-60-2023, processo n.º 3708/22.6T8SNT.L1-7; de 14-07-2022, processo n.º 6804/14.0T8ALM-C.L1-2; do Tribunal da Relação de Coimbra de 14-06-2022, processo n.º 172/20.8T8VLF-A.C1.


O que basta para que, sem necessidade de maiores considerações, se conclua pelo naufrágio da pretensão recursiva.


Sempre se dirá que a tudo o que se expôs acresce que o documento junto para comprovar o envio da comunicação de extinção do PERSI à Executada não contém indicação de qualquer morada, e o dirigido ao Executado indica, como motivo de extinção a expressão “outro motivo”.


O que, para além de não permitir concluir que a carta foi enviada à Executada para a morada correta, ainda importa a ineficácia da comunicação extintiva dirigida ao Executado, pois, sendo certo que o PERSI impõe que a entidade bancária de comunique as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento, sob pena de ineficácia da comunicação da extinção do PERSI, uma carta em que a instituição bancária comunica ao cliente que o PERSI em que o mesmo havia sido integrado se extinguiu por “outro motivo”, sem qualquer outra menção, não tem eficácia extintiva desse procedimento, como também se entendeu na decisão recorrida.


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IV. DECISÃO.


Em face do exposto, acordam em julgar improcedente a apelação e consequentemente, em manter a decisão recorrida.


Custas pela Apelante – artigo 527º do Código de Processo Civil.


Registe e notifique.


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Évora, 27.02.2025


Ana Pessoa


Maria João Sousa e Faro


Ricardo Peixoto

1. Da exclusiva responsabilidade da relatora.↩︎

2. Cf. Ac. STJ de 13.04.2021, processo n.º 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1, Ac. STJ de 02.02.2023, processo n.º 1141/21.6T8LLE-B.E1.S1. e os Acórdãos desta Relação de 16.12.2021, processo n.º 2612/19.0T8ENT.E1 todos acessíveis em www.dgsi.pt↩︎

3. Proferido no âmbito do processo n.º 451/14.3TBMTA-C.L2.S1↩︎