Sumário1:
A impugnação da matéria de facto não pode ser feita por remissão genérica para meios de prova, sem demonstrar a sua relevância quanto a determinado facto concreto. Na indicação dos meios probatórios [sejam eles documentais ou pessoais] que sustentariam diferente decisão [art. 640º, nº 1, al. b)], deverão eles ser identificados e indicados por referência aos concretos pontos da factualidade impugnada, ou a um conjunto de factos que estejam interligados e em que os meios de prova sejam os mesmos, sempre de modo a que se entenda a que concretos pontos dessa factualidade se reportam os meios probatórios com base nos quais a impugnação é sustentada, mormente nos casos em que se pretende a alteração de diversa matéria de facto.
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I. Relatório
I. AA, veio propor e fazer seguir contra BB e marido, CC, ação declarativa de condenação em processo comum, pedindo a condenação dos Réus a eliminar as árvores e respetivas raízes que forçam o muro que delimita os logradouros das propriedades de Autora e Réus, acrescentando que mais devem os Réus ser condenados a à sua custa, procederem à reparação do dito muro, restituindo-o à sua estrutura e robustez original.
Citados, os Réus deduziram contestação pedindo a sua absolvição do pedido.
Foi proferido despacho previsto no artigo 596.º do CPC, no qual se fixou o valor da ação, se proferiu despacho de saneamento da instância, se admitiram os meios de prova, se programou e marcou a audiência de discussão e julgamento, a qual posteriormente se realizou, tendo, após, sido proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, julgo procedente por provada a presente ação e, consequentemente, decido condenar Réus, BB e marido, CC, a eliminar a referida árvore – o Ficus Benjamina - e respetivas raízes que forçam o muro que delimita os logradouros das propriedades de A., AA, e dos Réus, BB e marido, CC.
Mais decido condenar os RR. a reparação do dito muro à sua custa.
Custas a cargo dos Réus.
Valor da ação: 8.000,00 euros (oito mil euros).
Registe.
Notifique.”
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Inconformados com a sentença os Réus interpuseram recurso de apelação, apresentando, após alegações, a seguinte síntese conclusiva:
a) A presente apelação vem interposta da sentença proferido pelo Mma. Juiz a quo que julgou procedente o duplo pedido apresentado ;
b) Na sentença nomeadamente na apreciação das declarações de parte e das testemunhas, o Tribunal fez uma apreciação em que desvalorizou sistematicamente a prova apresentada pela R..
c) A árvore em causa está na propriedade da R. desde que a adquiriu em 1996;
d) Pela sua natureza a árvore em causa não pode ser responsável pela degradação do muro de separação;
e) O muro tem mais de 30 anos, tem origem em habitação social e está naturalmente degradado;
f) O muro em causa não é comum às 2 fracções mas sim parte comum de todo o edifício, tendo duas funções, a saber, delimitar e conter terras, o que conduz á ilegitimidade da decisão.
Nestes termos e com o douto provimento do Tribunal ad quem, deve ser concedido provimento ao recurso e julgada procedente as razões deduzidas pela ora recorrente, absolvendo-se a mesma do pedido, como é de inteira J U S T I Ç A.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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II. Questões a decidir.
Como é sabido, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cf. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
Assim, nos presentes autos importa apreciar:
- a impugnação da matéria de facto;
- se devem os Réus ser absolvidos dos pedidos.
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III. Fundamentação
III.1. A primeira instância considerou, com interesse para as questões a decidir, provados os seguintes factos:
1. A A. é proprietária da fração autónoma para habitação, composta de 3 assoalhadas, cozinha, casa de banho, despensa, hall, varanda e uma arrecadação situada no piso zero com 100m2 e logradouro com 72,40 m2, no Bloco C piso um, com entrada pelo n.º 6 da ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrita na CRP de ... pela ficha 690/19921102 – M e a seu favor registada pela apresentação 313 de 12/09/2012;
2. Os RR. são os proprietários da fração autónoma para habitação composto de 3 assoalhadas, cozinha, casa de banho, hall, varanda e duas arrecadações sendo uma delas situada no piso zero com a área de 100,20 m2 e logradouro com 84,40 m2 Bloco B piso um com entrada pelo n.º 8 da ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrita na CRP de ... pela ficha 690/19921102 – G e a seu favor registado pela apresentação 11 de 1996/07/29;
3. Sendo certo que os logradouros de ambas frações supra identificadas, confrontam entre si por uma parede ou muro de sustento de terras, com cerca de dez metros de comprimento e dois metros de altura;
4. Situando-se o piso do logradouro da propriedade dos RR a uma cota superior ao piso do logradouro da propriedade da A., num desnível de cerca de dois metros;
5. Sucede que, os RR. há já alguns anos, mantêm no logradouro da sua propriedade e junto ao muro que o delimita do da A., várias árvores e arbustos;
6. Essa vegetação, dado o seu natural desenvolvimento, com o passar do tempo ganhou raízes com tal dimensão que, começaram a forçar o muro que sustenta as terras e delimita ambas as propriedades;
7. A pressão exercida pelas referidas raízes sobre o muro, fizeram com que o mesmo se começasse a rachar;
8. Atualmente o muro do logradouro da fração da A. na parte em que confronta com a propriedade dos RR. apresenta uma racha em praticamente todo o seu comprimento;
9. A qual é resultante da força que as árvores plantadas no logradouro dos RR. exercem sobre o mesmo;
10.Temendo-se agora pelo colapso do muro, com o consequente desabamento de terras e, todos os prejuízos que daí possam resultar;
11. Existe grande risco para a segurança de pessoas e bens que possam encontrar-se na propriedade da A., se e quando tal vier a acontecer;
12. Os imóveis identificados e 1. e 2. tratam-se de habitação social;
13. Para além da função delimitativa do muro em causa, o mesmo serve, também, para conter um desnível existente entre as propriedades;
14. A árvore em causa já se encontrava na propriedade quando a R. a adquiriu;
15. Cresceu naturalmente e sempre foi podada.
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III.2. Na decisão recorrida foram considerados não provados os seguintes factos:
1. As construções correspondentes aos imóveis identificados em 1. e 2., implicou mais carência no material usado;
2. Foi a falta de alicerces do muro que levou a que A. e R. tenham há alguns anos acordado em o mandar reparar, projeto nunca concretizado;
3. Essa árvore é elemento de sustentação;
4. A árvore sustenta os terrenos, absorve as águas pluviais, evitando maior carga sobre o muro;
5. Sem a mesma o muro já teria caído dada a sua fraca construção;
6. O muro em causa logo nos primeiros anos já tinha alguma fendilhação.
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III.3. Da impugnação da matéria de facto.
Como é sabido, um recurso é o mecanismo jurídico de reapreciação de uma decisão e tal como sucede com a sentença ou o acórdão alvo de recurso – que têm de obedecer a uma estrutura, a um determinado número de regras e requisitos, sob pena de invalidade – também um requerimento de recurso só pode alcançar a sua função se for feito de forma a que o tribunal de recurso possa compreender, concretamente, de que é que cada recorrente discorda e porquê.
Para tanto, necessário se mostra que também os recorrentes cumpram os requisitos e pressupostos legais que enformam tal tipo de requerimento, de modo a habilitar a decisão.
Haverá que deixar claro que este poder reapreciativo da 2ª instância só determinará uma alteração à matéria fáctica provada quando, do reexame realizado dentro das balizas legais, se concluir que os elementos probatórios impõem uma decisão diversa.
Por outro lado, nos termos do artigo 607º, nº 5 do Código de Processo Civil o «juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto», de forma consentânea com o disposto no Código Civil, designadamente nos seus artigos 389º (para a prova pericial), e 396º (para a prova testemunhal), sendo que a «livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes» (II parte, do nº 5 do artigo 607º do Código de Processo Civil).
Compete, assim, ao juiz, ao decidir a matéria de facto segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador (desde que se não esteja perante prova vinculada); a livre convicção não se confunde com a íntima convicção do julgador, uma vez que a lei lhe impõe que extraia das provas um convencimento lógico e motivado, sendo que a avaliação probatória deve ser realizada com sentido da responsabilidade e bom senso.
Temos, pois, que a lei não considera relevante a pessoal convicção de cada um dos intervenientes processuais, no sentido de a mesma se sobrepor à convicção do Tribunal – até porque se assim não fosse, não haveria, como é óbvio, qualquer decisão final. O que a lei permite é que, quem entenda que ocorreu um erro de apreciação da prova, o invoque, fundamentadamente, em sede de recurso, para que tal questão possa ser reapreciada por uma nova instância jurisdicional.
Para além de a lei determinar a forma como tal reapreciação deve ser pedida, estabelece igualmente os limites de tal reapreciação – ou seja, os poderes de cognição que confere ao tribunal de apelo.
O artigo 640.º do CPC, com a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, dispõe o seguinte:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados.
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.(…)”(o destacado é nosso).
Assim, o que é pedido ao recorrente que invoca a existência de erro de julgamento é que aponte na decisão os segmentos que impugna e que os coloque em relação com as provas, concretizando as partes da prova gravada que pretende que sejam ouvidas (se tal for o caso), quais os documentos que pretende que sejam reexaminados, bem como quaisquer outros concretos e especificados elementos probatórios, demonstrando com argumentos a verificação do erro judiciário a que alude.
Entre as diversas decisões que têm versado sobre o aludido ónus, destacamos, pela respetiva clareza o recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.03.2023 (Proc. 296/19.4T8ESP.P1.S1), no qual pode ler-se:
“29. O Supremo Tribunal de Justiça tem distinguido um ónus primário e um ónus secundário — o ónus primário de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação, consagrado no n.º 1, e o ónus secundário de facilitação do acesso “aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida”, consagrado no n.º 2.
30. O ónus primário de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação, consagrado no n.º 1, analisa-se ou decompõe-se em três:
Em primeiro lugar, “[o] recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que julgou incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões” [2]. Em segundo lugar, “deve […] especificar, na motivação, os meios de prova que constam do processo ou que nele tenham sido registados que […] determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos” [3]. Em terceiro lugar, deve indicar, na motivação, “a decisão que deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”[4].
31. O critério relevante para apreciar a observância ou inobservância dos ónus enunciados no art. 640.º do Código de Processo Civil — logo, da observância ou inobservância do ónus primário de delimitação do objecto — há-de ser um critério adequado à função[5], conforme aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade[6] [7].
32. O requisito de que o critério seja adequado à função coloca em evidência que os ónus enunciados no art. 640.º pretendem garantir uma adequada inteligibilidade do fim e do objecto do recurso [8] e, em consequência, facultar à contraparte a possibilidade de um contraditório esclarecido [9]. Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade pronunciam-se sobre a relação entre a gravidade do comportamento processual do recorrente — inobservância dos ónus do art. 640.º, n.ºs 1 e 2 — e a gravidade das consequências do seu comportamento processual: a gravidade do consequência prevista no art. 640.º, n.ºs 1 e 2 — rejeição do recurso ou rejeição imediata do recurso — há-de ser uma consequência adequada, proporcionada e razoável para a gravidade da falha do recorrente[10].
33. Entre os corolários dos requisitos de que o critério seja adequado à função e conforme aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade está o de que “a decisão de rejeição do recurso […] não se deve cingir a considerações teoréticas ou conceituais, de mera exegética do texto legal e dos seus princípios informadores, mas contemplar também uma ponderação do critério legal […] face ao grau de dificuldade que [a inobservância dos ónus do art. 640.º] acarrete para o exercício do contraditório e para a própria análise crítica por parte do tribunal de recurso”[11]”.
O ónus previsto no artigo 640.º do CPC não exige que as especificações – referidas no seu n.º 1 constem todas das conclusões do recurso, sendo de admitir que as exigências das alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo. 640.º, em articulação com o respetivo n.º 2, sejam cumpridas no corpo das alegações2.
No que, em concreto respeita à indicação dos meios probatórios [sejam eles documentais ou pessoais] que sustentariam diferente decisão [artigo 640º, nº 1, al. b) supra reproduzido], deverão eles ser identificados e indicados por referência aos concretos pontos da factualidade impugnada [ou a um conjunto de factos que estejam intimamente interligados e em que os meios de prova sejam os mesmos] de modo a que se entenda a que concretos pontos dessa factualidade se reportam os meios probatórios com base nos quais a impugnação é sustentada, mormente nos casos em que se pretenda a alteração de diversa matéria de facto.
Fundando-se a impugnação em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar, na motivação, aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos.
No respeitante à designada impugnação “em bloco”, decidiu o Ac. de 01.06.2022, (Proc. nº 1104/18.9T8LMG.C1.S1):
“Tendo em conta os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade ínsitos no conceito de processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da CRP), nada obsta a que a impugnação da matéria de facto seja efetuada por “blocos de factos”, quando os pontos integrantes de cada um desses blocos apresentem entre si evidente conexão e, para além disso - tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, nomeadamente, o número de factos impugnados e a extensão e conexão dos meios de prova -, o conteúdo da impugnação seja perfeitamente compreensível pela parte contrária e pelo tribunal, não exigindo a sua análise um esforço anómalo, superior ao normalmente suposto.”3
Em princípio, pois, a impugnação da matéria de facto não pode ser feita por blocos de factos, antes tem de ser feita discriminadamente, por concreto ponto de facto. E não pode ser feita por remissão genérica para determinados meios de prova, sem demonstrar a sua relevância quanto a determinado facto concreto. Na indicação dos meios probatórios [sejam eles documentais ou pessoais] que sustentariam diferente decisão [art. 640º, nº 1, al. b)], deverão eles ser identificados e indicados por referência aos concretos pontos da factualidade impugnada, ou a um conjunto de factos que estejam interligados e em que os meios de prova sejam os mesmos, sempre de modo a que se entenda a que concretos pontos dessa factualidade se reportam os meios probatórios com base nos quais a impugnação é sustentada, mormente nos casos em que se pretende a alteração de diversa matéria de facto.
Só assim será possível ao tribunal ad quem perceber e saber quais são os concretos meios de prova que, segundo o recorrente, levariam a que determinado facto devesse ter resposta diferente da que foi dada.
Por fim, o citado artigo 640º é claro e expresso na consequência da omissão do cumprimento dos requisitos nele previstos, qual seja a imediata rejeição da impugnação, sem possibilidade de aperfeiçoamento.
Como referiu António Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, páginas 126/127/129, – em comentário ao artigo 640º do CPC/2013, com o que se concorda: “(…). a) …, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) Relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre ao recorrente indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; d) O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação critica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto; (…)” e acrescentando ainda que “(…) as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de um decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo (…)”.
Feitas estas considerações, importa desde logo referir que nas alegações, os Recorrentes não referem expressamente que pretendem impugnar a matéria de facto considerada provada ou não provada pelo Tribunal Recorrido.
Embora revelem a discordância com a decisão recorrida, e façam referência a alguns meios probatórios, o que parece indiciar que discordam do juízo probatório realizado pelo Tribunal Recorrido, o certo é que não concretizam qualquer facto concreto que pretendam ver julgado de forma diversa, nem realizam qualquer articulação entre qualquer dos referidos concretos factos e os meios probatórios a que faz referência.
Efetivamente, embora façam referência ao depoimento da testemunha DD e à prova apresentada pela Ré, de forma genérica, concluem depois que “são os factos que colocam em crise a decisão tomada em relação à árvore”, continuando sem indicar quais os factos impugnados.
O que vem a traduzir-se numa pretensão de reapreciação global e genérica da prova valorada em 1ª instância, reportada a toda a decisão, o que não se ajusta ao previsto pelo legislador.
É assim manifesto o incumprimento pelos Impugnantes da obrigação processual prevista no artigo 640º, nº 1, alíneas a), b) e c), do Código de Processo Civil, o que é por si suficiente para determinar a imediata rejeição de eventual pretensão de impugnação da matéria de facto, o que aqui se refere apenas para que não venha a ser invocada a nulidade do presente Acórdão por falta de fundamentação.
Importa ainda acrescentar que nenhuma contradição se vislumbra existir entre o facto provado vertido no ponto 12 e o não provado constante do n.º 1, porquanto a circunstância de se ter dado como provado que as construções em causa constituem “habitação social” não tem como consequência lógica e necessária que tivesse havido carência ou qualidade inferior à adequada de materiais.
Improcede, pois, este segmento da pretensão recursiva.
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III.4. Fundamentação jurídica.
Os Apelantes insurgem-se contra a decisão recorrida por entenderem que, pela sua natureza a árvore em causa não pode ser responsável pela degradação do muro de separação, que muro tem mais de 30 anos, tem origem em habitação social e está naturalmente degradado e que o muro em causa não é comum às 2 frações mas sim parte comum de todo o edifício, tendo duas funções, a saber, delimitar e conter terras, o que conduz à ilegitimidade da decisão.
Mantendo-se inalterada a factualidade provada, não pode deixar de considerar-se improcedente a pretensão dos Apelantes.
Como se refere na sentença recorrida:
“(…)Assim, estando o muro que delimita os logradouros da A. e dos RR., em risco de ruína resultante das raízes da árvore em causa existente na propriedade destes, assiste àquela o direito e exigir que os RR., eliminem a árvore e respetivas raízes causadoras dos danos no muro.
No que respeita à reparação do muro, na medida em que muro delimita os dois prédios, o da A. e o dos RR., não sendo alegada o mesmo é propriedade exclusiva dos RR., deve ser reparado à custa de todos, cabendo assim aos RR. suportar o pagamento de metade ou 50% dessa obra.
Estabelece o artigo 1350.º do Código Civil (CC) que, se qualquer edifício ou outra obra oferecer perigo de ruir, no todo ou em parte, e do desmoronamento puderem resultar danos para o prédio vizinho, é legitimo ao dono deste exigir da pessoa responsável pelos danos, nos termos do artigo 492.º, as providências necessárias para eliminar o perigo.
Na medida em que o muro delimita os dos mencionados prédios, é um muro comum ao abrigo do disposto no artigo 1371.º, n.º 1 do CC.
Estamos no âmbito da responsabilidade civil extracontratual – artigos 483.º e 1375º, n.º 4 do CC. – quanto à obrigação de reparação do muro como a causa da deterioração do muro é a existência do referido arbusto/árvore, que os RR. insistem em manter no seu logradouro junto ao mesmo muro e não se tendo alegado nem provado que a A. contribuiu também para a deterioração desse muro, cabe única e exclusivamente aos RR. suportar os custos da reparação do muro.(…)”
Em suma, tendo a Autora demonstrado os factos em que sustentava os seus pedidos e não tendo os Réus demonstrado factos impeditivos da procedência da ação, importa concluir que a sentença recorrida não merece qualquer censura, devendo ser confirmada, por serem de acolher os fundamentos de facto e de direito na mesma enunciados.
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IV. DECISÃO
Pelo exposto, acordam em julgar improcedente o recurso e, em consequência, manter a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente – artigo 527.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
Registe e notifique.
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Évora,
Ana Pessoa
Maria João Sousa e Faro
Filipe Osório
1. Da exclusiva responsabilidade da relatora.↩︎
2. Cf. ainda o recente Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 12/2023, proferido em 14.11.2023, no processo n.º Processo n.º 8344/17.6T8STB.E1-A.S1, no qual se uniformizou jurisprudência nos seguintes termos: “Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.”↩︎
3. Cf. o Ac. do STJ de 12.04.2024, proferido no âmbito do processo n.º 823/20.4T8PRT.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt.↩︎