PROCEDIMENTO CAUTELAR
APLICAÇÃO DE MEDIDA DIVERSA DA PEDIDA
DECISÃO SURPRESA
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
NULIDADE DE SENTENÇA
ARGUIÇÃO EM RECURSO
Sumário

1. - No âmbito dos procedimentos cautelares, marcados pela preocupação de celeridade e decorrente pendor sumário (de ritualismo e de prova), mas também de alguma plasticidade, não está o tribunal adstrito à providência concretamente requerida, podendo substituir-se à parte requerente na aplicação, dentro de certos limites, da medida cautelar que entender mais adequada.
2. - Porém, em tal caso, aplicando medida diversa, não poderá o tribunal deixar de, previamente, exercer o princípio do contraditório, dando conhecimento às partes, mormente ao requerido, para cabal exercício do seu direito de defesa.
3. - Doutro modo, incorre o tribunal em decisão-surpresa, gerando nulidade processual que, coberta/sancionada pela sentença, pode ser arguida tempestivamente no recurso desta.
4. - O contrato de arrendamento urbano – no caso, habitacional – está sujeito, para além do clausulado concreto adotado pelas partes, à legislação que estabelece os direitos e os deveres do senhorio e do inquilino (cfr. CCiv. e NRAU), regime legal esse que não pode ser olvidado, e cujas soluções podem não se conformar, pela especificidade e diversidade dos interesses em presença, com o que é comum num cenário de funcionamento de um estabelecimento comercial ou industrial, com a sua dinâmica e organização próprias (distintas duma normal relação de arrendamento urbano).
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

*

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

AA e BB, ambos com os sinais dos autos,

intentaram os presentes autos de procedimento cautelar não especificado (art.ºs 362.º e segs. do NCPCiv.) contra

1.º - CC, com os sinais dos autos, e

2.ª - Herança aberta e indivisa por óbito de DD, tendo como herdeiros habilitados EE, na qualidade de cabeça-de-casal, FF e GG, estes também com os sinais dos autos,

invocando factos e alinhando razões para pedir em termos de se:

«a) Ordenar a imediata proibição do exercício de atividade de alojamento ou arrendamento do imóvel dos Requeridos ou qualquer outra forma de cessão, gratuíta ou onerosa, de uso do imóvel, impedindo o referido imóvel de funcionar como alojamento estudantil ou de servir como casa de estudantes ou qualquer outra forma de acolhimento, seja a que título for e, em consequência, ordenar a imediata desocupação do imóvel

b) Conceder aos Requeridos um prazo máximo de 10 (dez) dias contados após decretamento desta providência cautelar para que os mesmos procurem alternativas para realojar os estudantes seus inquilinos, e efetivamente concretizem esse realojamento, seja em prédios pertença dos Requeridos, seja noutros imóveis.

c) Ordenar que, durante a permanência dos estudantes inquilinos no prédio dos Requeridos nesse prazo de 10 dias, os mesmos se abstenham de produzir qualquer ruido independentemente da hora do dia, não emitirem ou a não permitirem a emissão, a partir do seu prédio, de todo e qualquer ruído, atividade ou qualquer outro comportamento que perturbe ou afete significativamente os direitos de personalidade dos Requerentes, como seja o direito ao sono, à tranquilidade e ao descanso, mormente decorrentes de festas e/ou outros eventos.

d) Sem prejuízo de outras consequências legais que possam advir do não cumprimento das determinações judiciais, fixar uma sanção pecuniária compulsória de 1.500€ por cada dia de atraso do prazo previsto na alínea b) supra e por cada vez que não cumprirem com o disposto na alínea c) supra».

Alegaram, para tanto:

- serem proprietários de um prédio urbano – a casa de morada de família e única habitação dos Requerentes e dos seus dois filhos menores –, que se encontra a cerca de 4 metros de distância de um imóvel pertencente aos Requeridos;

- pelo menos desde o ano de 2016, em que os Requerentes e seus filhos começaram a habitar na sua casa, aquele edifício dos Requeridos tem vindo a ser utilizado como unidade destinada a alojamento de estudantes, servindo de habitação para grupos com cerca de 25 estudantes todos os anos;

- os quais, pelos ruídos que emitem e comportamentos que adotam, perturbam seriamente os direitos de personalidade dos Requerentes, especificamente, o direito ao sono, à tranquilidade e ao descanso, mormente na decorrência de festas e/ou outros eventos realizados no prédio pertença da parte requerida.

Indeferida a dispensa de citação da parte requerida, vieram os Requeridos, em oposição, pugnar pelo não decretamento da providência cautelar, deixando alegado, para tanto:

- serem eles os proprietários do prédio urbano aludido, embora negando que ali tenham qualquer estabelecimento ou unidade de alojamento local ou residência estudantil;

- sendo que o dito prédio é a residência habitual e casa de morada de família do requerido CC e da sua mulher, bem como da requerida EE, do seu neto HH e respetiva companheira, II;

- todavia, considerando que o mesmo é constituído por divisões suscetíveis de utilização independente, os agora proprietários aqui requeridos, desde 2012 – e os seus antecessores desde 2000, e mesmo antes –, davam de arrendamento, e ainda o fazem, o restante espaço, posto lhes ser impossível manter o imóvel, evitando a sua degradação, apenas com os seus parcos salários, arrendamento esse a pessoas singulares, maiores, que estejam interessadas em habitar o local, independentemente da nacionalidade, sexo, etnia e/ou profissão;

- no requerimento inicial não existe qualquer facto apresentado contra a pessoa de cada um dos Requeridos, uma vez que não lhes é atribuído qualquer facto produtor de alegados barulhos/ruídos, antes se aludindo aos ruídos dos estudantes, música, brincadeiras, conversas e gargalhadas, e não ao ruído dos proprietários ou dos residentes menos jovens, sem imputação a qualquer pessoa concreta, faltando a respetiva identificação;

- os Requeridos desconhecem qualquer conduta ilícita dos seus arrendatários e, mesmo que tais condutas ilícitas existissem, o que rejeitam, não seriam da sua responsabilidade, inexistindo ilicitude da parte demandada;

- o caráter definitivo do pedido dos Requerentes, que pretendem a proibição definitiva da ocupação do imóvel dos Requeridos, não pode ser obtido em modo cautelar (o litígio só poderá ser definitivamente decidido na ação principal).

Pelos Requeridos foi pedida a condenação dos Requerentes por litigância de má-fé.

Tramitados os autos e produzidas as provas, foi proferida sentença, datada de 28/10/2024, julgando parcialmente procedente o procedimento cautelar e, assim, decidindo:

«- Condeno os requeridos a não emitirem nem permitirem a emissão, a partir do prédio sito na Rua ..., de que são proprietários, de ruídos que perturbem o sono, a tranquilidade e o descanso, designadamente ruídos decorrentes de festas e/ou outros eventos ocorridos no período compreendido entre as 22 horas e as 8 horas, proibindo expressamente os seus arrendatários de aí fazerem quaisquer convívios dentro desse horário.

- Condeno os requeridos, nos termos do nº 4, in fine, do artº 879º do CPC, no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória no valor de 1500 €, por cada dia de infracção ao supra determinado.

Custas pelos requeridos.».

Inconformados com o assim decidido, recorrem os Requeridos, para o que apresentam alegação, onde formulam as seguintes

Conclusões ([1]):

«1) Por decisão proferida nos presentes autos, o tribunal a quo julgou parcialmente procedente a presente providência cautelar, condenando os Requeridos a não emitirem nem permitirem a emissão, a partir do prédio sito na Rua ..., de que são proprietários, de ruídos que perturbem o sono, a tranquilidade e o descanso, designadamente ruídos decorrentes de festas e/ou outros eventos ocorridos no período compreendido entre as 22 horas e as 8 horas, proibindo expressamente os seus arrendatários de aí fazerem quaisquer convívios dentro desse horário e ainda no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória no valor de 1500 €, por cada dia de infracção ao supra determinado.

2) Sucede, porém, que a decisão sub judice é manifestamente nula por violação do Princípio do Contraditório ínsito no n.º 3 do art. 3.º do CPC. Nulidade que expressamente se invoca para todos os devidos e legais efeitos, considerando que, ao abrigo do n.º 3 do art. 376.º do CPC, o tribunal a quo determinou a aplicação de medidas cautelares diversas das peticionadas pelo Requerente, sem antes conceder aos Requeridos o direito ao contraditório, facto que levou a que estes se deparassem com uma decisão-surpresa não foi configurada nem prevista no âmbito do presente procedimento cautelar.

3) Sem prejuízo do exposto, a prova impunha decisão diversa, porquanto resultou da matéria dada por provada que: (Parágrafo 1 da matéria dada por provada) "Os requerentes são, desde 2016, donos e legítimos proprietários de um imóvel sito na Rua ..., da União de freguesias ... (..., ..., ... e ...) ... ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... (..., ..., ... e ...) sob o artigo nº ...92 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial nº ...09, e que é composto por uma habitação unifamiliar, com rés-do-chão, primeiro e segundo andar, e logradouro. É neste imóvel que habitam quotidianamente os requerentes e os seus dois filhos menores, JJ e KK, com 13 e 16 anos de idade, respectivamente. Esta é a única habitação dos requerentes, constituindo a casa de morada de família do seu agregado familiar. (Parágrafo 3 final da matéria dada por provada) Os arrendatários que por este prédio vão passando e amigos ou conhecidos destes, realizam frequentemente convívios, festas e outras actividades no exterior e interior do dito prédio. Nesses convívios, que ocorrem em regra pela tarde e noite, põem música excessivamente alta, há gritos e gargalhadas estridentes, palavrões estridentes em diversos idiomas, garrafas a partirem-se – barulhos motivados, além do mais, pelo consumo sistemático de álcool. Tais convívios prolongam-se frequentemente até cerca das 2 horas. (Parágrafo 5 da matéria dada por provada) Ali é possível constatar a presença de grandes aglomerados de pessoas – jovens, que se na sua maioria alunos estrangeiros, de nacionalidade espanhola, do ensino superior acolhidos em Coimbra ao abrigo do programa Erasmus – que, com frequência, se reúnem até altas horas da noite para realizar festas, convívios e actividades que implicam sempre muito álcool, barulho, música alta, gargalhadas, gritos e palavrões proferidos em alta voz, garrafas partidas e actividade ruidosa e distúrbios, no exterior e interior da habitação. A situação repete-se, ano após ano. (Parágrafo 6 da matéria dada por provada) A situação criada pelos arrendatários leva a que os requerentes tenham que alterar as suas rotinas e hábitos de vida, não só em termos pessoais Recentemente os estudantes começaram a tirar fotografias aos requerentes e a filmar a partir da janela dos seus quartos (que se situam lado a lado com as janelas do prédio dos requerentes), como que a provocar os requerentes. Tais situações ocorreram, nomeadamente, nos dias 14, 15 e 26 de Setembro de 2023 e motivou a presença, mais uma vez a pedido dos requerentes, das autoridades policiais que lavraram os respectivos autos de ocorrência. (Parágrafo 6 da matéria dada por provada in fine) A actividade ruidosa dos estudantes é constante e agrava-se nos primeiros dias de estadia, nos meses de Setembro e Outubro e quando coincide com períodos festivos ou determinados dias da semana tradicionalmente “fortes” para as actividades nocturnas dos estudantes. (Parágrafo 9 da matéria dada por provada) A situação em causa nos autos determinou que o requerente AA deixasse de habitar na sua casa. (Parágrafo 10 da matéria dada por provada) A requerente BB é médica pediatra e encontra-se proibida, por indicação médica, desde Julho de 2018, de prestar serviço noturno, em consequência da apresentação de um quadro clínico de enxaqueca violenta crónica devido à falta de descanso provocada pelas perturbações já identificadas e ao stress que toda esta situação lhe provoca."

4) Contudo, tanto as declarações dos Requerentes como das testemunhas impunham que constassem da matéria provada factos diversos.

5) Assim, no que concerne ao segmento supra identificado como Parágrafo 1 da matéria dada por provada, tanto o Requerente AA, em depoimento prestado no dia 10/01/2024, gravado sob o ficheiro n.º Diligencia_4301-23.1T8CBR_2024-01-10_10-55-23, entre os minutos 26:19 a 26:30, como a Requerente BB, na audiência de julgamento de 10/01/2024, na gravação n.º Diligencia_4301-23.1T8CBR_2024-01-10_11-42-23, entre os minutos 14:49 e 16:27, 23:35 e 23:38 e 24:04 e 24:07 e como ainda a testemunha LL (...), na audiência de dia 24/01/2024, entre as 10h40m e as 11h17m, na gravação n.º Diligencia_4301-23.1T8CBR_2024-01-24_10-40-17, aos minutos 30:00 e 30:17, declaram que o Requerente AA já não habita no local, pelo menos, desde meados de setembro de 2023, tendo ido primeiro viver para o escritório, depois para casa da mãe e depois para casa da irmã, encontrando-se o casal de requerentes separado de facto e, “provavelmente” em processo de divórcio.

6) Como tal, na matéria de facto dada por provada onde consta “É neste imóvel que habitam quotidianamente os requerentes e os seus dois filhos menores, JJ e KK, com 13 e 16 anos de idade, respectivamente. Esta é a única habitação dos requerentes, constituindo a casa de morada de família do seu agregado familiar.”, deve passar a constar apenas “É neste imóvel que habita a requerente BB e os seus dois filhos menores, JJ e KK, com 13 e 16 anos de idade, respectivamente.”

7) No que concerne aos segmentos identificados como Parágrafo 3 final da matéria dada por provada, Parágrafo 5 da matéria dada por provada e Parágrafo 6 da matéria dada por provada in fine, é importante referir que tais segmentos não foram objeto de prova, porquanto o objeto dos presentes autos, limitou-se a factos ocorridos após setembro de 2023, - uma vez que sobre factos anteriores debruçou-se o processo n.º 3677/22...., Juízo Local Cível de Coimbra - Juiz ..., cuja decisão ainda não transitou em julgado, - conforme resulta, nomeadamente, do alerta da Mma. Juíza, constante das declarações do Requerente AA, prestadas no dia 10/01/2024, gravado sob o ficheiro n.º Diligencia_4301-23.1T8CBR_2024-01-10_10-55-23, entre os minutos 15:51 a 16:17.

8) Como tal, não tendo sido realizada prova que permitisse suportar os referidos segmentos constantes da matéria de facto, nomeadamente não tendo as testemunhas sido inquiridas sobre estes concretos segmentos, devem os mesmos passar a constar a da matéria de facto dada por não provada.

9) No que concerne ao segmento identificado como Parágrafo 6 da matéria dada por provada, considerando que não existe visibilidade recíproca entre os edifícios por via do muro e da barreira acústica instalada pelos Requerentes, conforme resulta dos depoimentos do Requerente AA , gravado sob o ficheiro n.º Diligencia_4301-23.1T8CBR_2024-01-10_10-55-23, entre os minutos 34:33 a 37:57 e entre os minutos 39:40 e 41:05, e do depoimento da Requerente BB, na gravação n.º Diligencia_4301-23.1T8CBR_2024-01-10_11-42-23, aos minutos 28:32 e 29:34 e ainda dos documentos juntos sob os n.ºs 5 e 6 da oposição apresentada pelos Requeridos, deve passar a constar da matéria dada por não provada o segmento que refere que “recentemente os estudantes começaram a tirar fotografias aos requerentes e a filmar a partir da janela dos seus quartos (que se situam lado a lado com as janelas do prédio dos requerentes), como que a provocar os requerentes”.

10) Deve também passar a constar da matéria dada por não provada que tais situações ocorreram, nomeadamente, nos dias 14, 15 e 26 de setembro de 2023 e motivou a presença, mais uma vez, a pedido dos requerentes, das autoridades policiais que lavraram os respetivos autos de ocorrência, sobretudo, em primeiro lugar, porque tal segmento está infirmado/desmentido pela prova documental, nomeadamente pelo auto de notícia junto pelos Requerentes que demonstra que foi a Sra. Dra. BB, que, no dia seguinte 15/09/2023, foi à polícia denunciar factos que alegadamente haviam ocorrido na noite anterior, referindo o próprio auto junto pelos Requerentes que a polícia não presenciou qualquer facto, nem se deslocou ao local e em segundo lugar, porque, crê-se nenhuma testemunha concretizou datas, falando genericamente sobre um alegado evento em setembro.

11) No que concerne ao Parágrafo 9 da matéria dada por provada não tem respaldo nas declarações da Requerente BB constantes da gravação n.º Diligencia_4301-23.1T8CBR_2024-01-10_11-42-23, aos minutos 15:05 e 15:46, porquanto esta referiu que a “altercação” que determinou a saída do Requerente de casa, não disse respeito aos Requeridos nem a barulho, mas um desentendimento com a polícia, pelo que, deve também tal facto passar a constar da matéria dada por não provada.

12) No que respeita ao Parágrafo 10 da matéria dada por provada, a Requerente BB na gravação n.º Diligencia_4301-23.1T8CBR_2024-01-10_11-42-23, aos minutos 20:31 a 20:44, entre os minutos 24:17 a 25:07 e entre 25:19 a 25:47 confessa que a sua enxaqueca é multifactorial e não consegue precisar os factores que estão na origem da mesma, pelo que deve passar a constar da matéria dada por provada que “A requerente BB é médica pediatra e encontra-se proibida, por indicação médica, desde Julho de 2018, de prestar serviço noturno, em consequência da apresentação de um quadro clínico de enxaqueca violenta crónica e multifactorial."

13) Sem prejuízo do exposto, tendo o tribunal a quo considerado na decisão sub judice que “incumbe aos proprietários/senhorios impor a ordem, quer no interior do edifício quer no seu logradouro”, acrescentando que “os requeridos devem atuar por forma a evitar a produção dos ruídos, devem tomar as medidas preventivas que se impõe”, deveria ter levado à matéria dada por provada os factos instrumentais que resultaram da prova produzida sobre esta matéria, nos termos da alínea a) do n.º 2 do art. 5.º do CPC.

14) Assim, considerando os depoimentos do requerido CC (...), prestado no dia 17/01/2024, sob a gravação n.º Diligencia_4301-23.1T8CBR_2024-01-17_10-12-13, entre os minutos 10:24 a 12:39, ainda entre os minutos 12:40 e 14:50 e entre os minutos 17:10 e 17:14; da testemunha MM (...), gravadas sob o n.º Diligencia_4301-23.1T8CBR_2024-02-14_10-42-46, entre os minutos 9:38 a 10:18; da testemunha NN (...), gravadas sob o n.º Diligencia_4301-23.1T8CBR_2024-01-24_11-55-38, entre os minutos 06:06 a 08:22 e ainda entre os minutos 28:19 a 29:00; e da testemunha OO (...), gravadas sob o n.º Diligencia_4301-23.1T8CBR_2024-01-24_11-55-38, entre os minutos 08:25 a 10:08, deve ser aditado à matéria provada que: “os Requeridos tomaram as providências adequadas à diminuição do ruído, fazendo constar dos contratos de arrendamento a obrigação de respeito pelo direito de descanso, bem como alterando a zona de convívio para o lado direito do edifício, afastado do prédio dos Requerentes, inserindo adenda contratual com limitação de horário de frequência de exterior entre as 08h00 e as 18h00, implementando iluminação exterior controlada apenas pelos próprios Requeridos e instalando câmaras de vigilância”.

15) Acresce ainda que, considerando que os presentes autos versam objetivamente sobre o ocorrido após setembro de 2023 e considerando o depoimento prestado pela Testemunha PP, gravado sob o ficheiro n.º Diligencia_4301-23.1T8CBR_2024-01-17_11-33-14, entre os minutos 03:49 e 04:03, bem como entre os minutos 05:58 e 06:20, ainda o depoimento da testemunha QQ, gravado sob o n.º Diligencia_4301-23.1T8CBR_2024-01-17_11-18-27, entre os minutos 03:49 e 04:03, bem como entre os minutos 05:06 e 05:13, e bem assim os depoimentos da Testemunha MM (...), gravadas sob o n.º Diligencia_4301-23.1T8CBR_2024-02-14_10-42-46, entre os minutos 10:30 a 10:53, o Requerente AA, gravado sob o ficheiro n.º Diligencia_4301-23.1T8CBR_2024-01-10_10-55-23, entre os minutos 33:27 a 34:10 e ainda a Requerente BB, nas declarações gravadas sob o n.º Diligencia_4301-23.1T8CBR_2024-01-10_11-42-23, aos minutos 27:40 e 28:05, deve ser aditada e passar a constar da matéria dada por provada que “desde setembro de 2023 para cá não existiram quaisquer festas, convívios ou atividades suscetíveis de incomodar terceiros nem houve necessidade de chamar a polícia.

16) Posto isto, padece a decisão de manifesto erro sobre a matéria de facto, devendo tanto a matéria dada por provada como a matéria dada por não provada ser corrigidas nos termos expostos.

17) Sem prejuízo do demais, existe ainda um claro erro quanto à matéria de direito, tanto quanto à questão da ilegitimidade substantiva passiva, como quanto à verificação dos requisitos da tutela cautelar, bem ainda quanto à fundamentação (ou inexistente fundamentação) e determinação da sanção pecuniária compulsória.

18) No que concerne à exceção de ilegitimidade substantiva passiva, a decisão sub judice equiparou a situação em apreço, na qual existem contratos de arrendamento em vigor, aos ruídos provenientes de estabelecimentos comerciais e alojamentos locais, tratando igual o que é diferente, pelo que violou o principio da igualdade ínsito no art. 13.º da CRP. Inconstitucionalidade que expressamente se invoca para todos os devidos e legais efeitos.

19) De facto, considerando que os Requerentes imputam a emissão de ruídos aos arrendatários dos Requeridos e nunca aos Requeridos, o tribunal a quo não pode olvidar tal facto e não aplicar o regime do arrendamento urbano.

20) Pelo contrato de arrendamento, os Requeridos entregaram os locados aos arrendatários, passando estes a serem equiparados a verdadeiros possuidores do imóvel, cabendo-lhe o direito de defender essa "posse" perante terceiros e até mesmo perante o senhorio (vide remessa para o art. 1276.º e seguintes), pelo que se o arrendatário passa a ter que se defender perante terceiros dos atos que perturbem os seus direitos, também será este arrendatário responsável pelos seus próprios atos perante terceiros.

21) Não incumbe ao senhorio qualquer dever de vigiar os arrendatários.

22) Como tal, a sentença sub judice laborou em manifesto erro nos pressupostos de direito, devendo ter analisado a questão levantada e declarado os Requeridos parte ilegítima na presente ação, considerando que não podem ser responsabilizados por atos de terceiros, no caso seus arrendatários.

Ilegitimidade que nesta sede se invoca para todos os devidos e legais efeitos e que sempre deverá desaguar na absolvição dos Requeridos do pedido.

23) Acresce que também no que concerne aos requisitos da tutela cautelar laborou o tribunal em manifesto erro.

Senão vejamos,

24) No que respeita à probabilidade séria da existência de um direito (Fumus Boni Iuris) as providências emergentes da tutela de direitos de personalidade pressupõe que exista da parte, no caso, dos Requeridos, uma atuação ilícita e voluntária, nos termos do n.º 1 do art. 70.º do CC.

25) Ora, a decisão sub judice não imputa aos Requeridos qualquer facto ilícito nem voluntário, sobretudo porque os Requerentes também não lhes imputam a emissão de ruído, nem invocam que os Requeridos obrigam os seus arrendatários a emitir qualquer tipo de ruído - o que sempre seria falso e se coloca por mera hipótese académica -, pelo que incorre a sentença sub judice em manifesto erro na aplicação do direito, violando expressamente do n.º 1 do art. 70.º do CC.

26) Acresce que da matéria provada também não resulta qualquer facto concreto que seja imputado aos arrendatários dos Requeridos, constando da matéria provada conclusões subjetivas impossíveis de contestar ou rebater, porquanto não se espera que seja possível os Requeridos provarem que a música não é excessivamente alta ou que as gargalhadas e os palavrões não são estridentes ou que não ocorrem frequentemente.

27) Sendo absolutamente essencial frisar que as testemunhas QQ, RR, MM e os próprios Requerentes foram claros e esclarecedores ao referirem que, desde setembro de 2023 para cá não existiu qualquer pretenso “evento” nem houve qualquer necessidade de chamar a polícia.

28) Ademais, os arrendamentos que vigoravam no âmbito da identificada ação n.º 3677/20... cessaram, conforme resulta do documento junto com o requerimento inicial sob o n.º 38, tendo a prova sido clara quanto ao facto de todos os arrendatários serem novos.

29) Posto isto, não existe qualquer facto concreto que impute aos atuais arrendatários dos Requeridos ou aos próprios Requeridos qualquer ruído de vizinhança, muito menos suscetível de afetar o sono, o descanso ou a tranquilidade dos requerentes, tanto porque o Requerente não reside na habitação sita na Rua ..., ..., desde setembro de 2023, e, portanto, se não dorme, certamente não será pelo ruído provocado pelos arrendatários dos Requeridos, como porque a Requerente encontra-se medicada para a sua enxaqueca multifactorial e, portanto, consegue dormir.

30) Assim sendo, não existe atualmente qualquer probabilidade séria da existência do direito, faltando, desde logo, um dos requisitos da tutela cautelar.

31) Sem prejuízo do exposto e considerando os mesmos factos, nomeadamente considerando que os requerentes invocaram no seu requerimento inicial, que a situação iniciou em 2016, quando compraram a habitação e, portanto nunca seria uma situação inovatória e considerando ainda que as testemunhas confirmaram a inexistência de qualquer evento, pelo menos desde setembro de 2023, ou seja, há mais de um ano, bem como ainda que o Requerente AA não reside e não dorme no local e, portanto, o seu descanso não é nem pode ser afetado por qualquer ruído presente naquela habitação sita na Rua ... em Coimbra e que a Requerente BB confessou que consegue descansar, facilmente se conclui que não existe pericullum in mora que suporte o deferimento da presente providência cautelar, devendo a decisão sub judice ser revogada.

32) Por sua vez, quanto à litigância de má fé, os Requerentes alteraram conscientemente meios probatórios, nomeadamente o vídeo de tik tok junto em 31/01/2024 subtraindo-lhe a data (26/09/2022) e fazendo crer o tribunal que se tratava de um vídeo de setembro de 2023, omitiram que o requerente marido AA já não reside no imóvel localizado Rua ..., ..., desde meados de setembro de 2023 (em data anterior à instauração da providência cautelar), conforme aliás o próprio, a requerente mulher e outras testemunhas confessaram/confirmaram, e bem assim que o casal requerente está separado de facto e em processo de dissolução do casamento e que tem à venda o imóvel de que se arrogam proprietários, conforme aliás a própria testemunha dos requerentes LL anunciou nos autos e ainda omitiram que a requerente mulher padece de enxaqueca multifactorial e que a mesma toma medicação e que, por via da mesma, consegue dormir/descansar.

33) Com o devido respeito, tais factos que resultam claramente do presente processo, demonstram a violação das alíneas b) c) e d) do n.º 2 do art. 542.º do CPC, impondo a condenação dos Requerentes como litigantes de má fé.

34) Por sua vez, no que concerne à determinação da sanção, nos termos do n.º 2 do art. 829.º-A do Código Civil, é expressamente determinado que a mesma deve ser fixada segundo critérios de razoabilidade.

35) Ora, na sentença em dissídio não existe qualquer fundamento ou justificação para a aplicação de sanção, sendo a mesma totalmente omissa nos fundamentos para a determinação da sanção, quer no que concerne ao valor, quer no que concerne à fixação de sanção aplicável aos Requeridos por atos de terceiros, pelo que a mesma é nula por falta de fundamentação, violando o art. 154.º do CPC e a alínea c) do n.º 1 do art. do art.º 615.º do CPC, nulidade que expressamente se invoca para todos os devidos e legais efeitos.

36) Acresce que o montante fixado é claramente exagerado, desproporcionado e injustificado, excedendo o dobro do salário mínimo nacional, e atendendo até aos acórdãos citados na sentença, que além do mais, até se referem a atividades comerciais, que não é sequer o caso dos Requeridos.

37) Pelo que, neste conspecto, a sentença é manifestamente ilegal por violadora, além do mais, do n.º 2 do art. 829.º-A do Código Civil, violando ainda o princípio da proporcionalidade, na modalidade de proibição do excesso, ínsito no n.º 2 do art. 18.º da Constituição da República Portuguesa. Ilegalidade e inconstitucionalidade que se invocam para todos os devidos e legais efeitos.

38) Além do mais, considerando que a aplicação da sanção determinada na decisão sub judice pode advir da conduta de terceiros - que os Réus não têm autoridade nem mecanismos para controlar -, sempre a mesma se mostra a totalmente irrazoável, não sendo esse o escopo do n.º 1 do art. 829.º-A do Código Civil, que expressamente refere que a sanção é aplicável ao devedor, no caso concreto, quem alegadamente provoca o ruído.

39) Assim sendo, também por este fundamento sempre a sentença seria manifestamente ilegal por violadora, além do mais, do n.º 2 do art. 829.º-A do Código Civil e da alínea c) do n.º 1 do art. do art.º 615.º do CPC.

Nestes termos e nos demais de direito e sempre com o douto suprimento de V/ Exc. deve ser dado provimento ao presente recurso e, assim, deve ser julgada procedente a exceção de ilegitimidade e os Requeridos absolvidos do pedido, ou quando assim não se entenda, deve a sentença sub judice que deferiu parcialmente a providência cautelar em apreço ser revogada, além do mais, por ser nula e violadora de garantias constitucionais, com todas as consequências legais.».

Não foi apresentada contra-alegação recursiva.

O recurso foi admitido como de apelação ([2]), a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foi mantido o regime assim fixado ([3]).

Cumpridos os vistos e nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.

II – Âmbito recursivo

Sendo o objeto e o âmbito do recurso delimitados pelas respetivas conclusões, está em causa na presente apelação saber ([4]) se:

a) Ocorreu nulidade processual (cfr. conclusão 2.ª), por violação do princípio do contraditório (decisão-surpresa);

b) Há nulidade da sentença por falta de fundamentação, em matéria de determinação da sanção/valor, quanto à sanção pecuniária compulsória (conclusões 34.ª e 35.ª);

c) Deve proceder a impugnação da decisão da matéria de facto, por referência ao decidido na sentença recorrida, quanto a factos dados como provados e outros como não provados (conclusões 4.ª e segs.);

d) Deve ser aditada pela Relação nova factualidade ao quadro dado como provado (conclusões 14.ª e 15.ª);

e) Por força de tal alteração fáctica ou por razões de direito (cfr. conclusões 17.ª e segs.), deve revogar-se ou alterar-se a sentença em crise:

1. - Ante a procedência da exceção de ilegitimidade (substantiva), sendo os Requeridos absolvidos do pedido;

2. - Por não estarem demonstrados os requisitos de procedência do procedimento cautelar;

3. - Perante a irrazoabilidade da sanção pecuniária compulsória, bem como desproporcionalidade do montante fixado, com decorrente ilegalidade e inconstitucionalidade;

 4. - Por se impor a condenação dos Requerentes como litigantes de má-fé.

III – Fundamentação

A) Matéria de facto

         1. - É a seguinte a factualidade que a 1.ª instância julgou sumariamente apurada:

«Os requerentes são, desde 2016, donos e legítimos proprietários de um imóvel sito na Rua ..., da União de freguesias ... (..., ..., ... e ...) ... ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... (..., ..., ... e ...) sob o artigo nº ...92 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial nº ...09, e que é composto por uma habitação unifamiliar, com rés-do-chão, primeiro e segundo andar, e logradouro. É neste imóvel que habitam quotidianamente os requerentes e os seus dois filhos menores, JJ e KK, com 13 e 16 anos de idade, respectivamente. Esta é a única habitação dos requerentes, constituindo a casa de morada de família do seu agregado familiar.

A uma distância de cerca de 4/5 metros do prédio dos requerentes, encontra-se o imóvel de que os requeridos são donos e legítimos possuidores, sito na Rua ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...19 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial nº ...79. O referido imóvel encontra-se registado em comum e sem determinação de parte a favor dos requerentes pela Ap. ...84, de 2012/02/23 (com averbamento de 2021/02/15) por sucessão testamentária, com a cláusula de não alienação e não oneração. Este edifício dos requeridos - que também se localiza em frente à Maternidade ... - é constituído por uma casa de habitação com cave, rés-do-chão, primeiro e segundo andar, garagem, pátio e quintal.

O dito prédio dos requeridos é a residência habitual e casa de morada de família do requerido CC e da sua mulher, bem como da requerida EE, do seu neto HH e respectiva companheira.

No entanto, dado que o prédio é constituído por divisões susceptíveis de utilização independente, os agora proprietários, desde 2012, - e antes de si os seus tios SS, TT e UU, desde 2000, e ainda antes desta data a sua tia, VV, - arrendavam e arrendam o restante espaço.

Considerando a dimensão do prédio, o seu valor patrimonial e a cláusula de inalienabilidade e não oneração é impossível aos requeridos manterem-no e evitarem a sua degradação apenas com os seus parcos salários. Por isso, por forma a manterem o prédio habitado e a garantirem a sua manutenção, arrendam o espaço a pessoas singulares, maiores, que estejam interessadas em habitar o local, independentemente da nacionalidade, sexo, etnia e/ou profissão. Tanto residem e/ou residiram no prédio arrendatários portugueses, como estrangeiros, como homens, como mulheres, como estudantes e/ou como trabalhadores. Todos os contratos de arrendamento celebrados são comunicados às entidades competentes, nomeadamente às finanças, cumprindo os requeridos todas as suas obrigações legais.

Assim, neste edifício, conhecido como ..., residem vários arrendatários dos requeridos - nem sempre os mesmos - em média, em cada ano lectivo, cerca de 20/25 arrendatários, na sua maioria estudantes do Programa Erasmus.

Os arrendatários que por este prédio vão passando e amigos ou conhecidos destes, realizam frequentemente convívios, festas e outras actividades no exterior e interior do dito prédio. Nesses convívios, que ocorrem em regra pela tarde e noite, põem música excessivamente alta, há gritos e gargalhadas estridentes, palavrões estridentes em diversos idiomas, garrafas a partirem-se - barulhos motivados, além do mais, pelo consumo sistemático de álcool. Tais convívios prolongam-se frequentemente até cerca das 2 horas.

Esta unidade e respectiva actividade que nela se desenvolve é divulgada e promovida online com uma página do Facebook dedicada em https://www.facebook.com/.... Encontrando-se, na data de entrada deste procedimento cautelar, lotada de estudantes, segundo informações da própria página oficial e conforme se poderá atestar através dos contratos de arrendamento que foram celebrados e participados junto da Autoridade Tributária e Aduaneira.

Ali é possível constatar a presença de grandes aglomerados de pessoas - jovens, que se na sua maioria alunos estrangeiros, de nacionalidade espanhola, do ensino superior acolhidos em Coimbra ao abrigo do programa Erasmus - que, com frequência, se reúnem até altas horas da noite para realizar festas, convívios e actividades que implicam sempre muito álcool, barulho, música alta, gargalhadas, gritos e palavrões proferidos em alta voz, garrafas partidas e actividade ruidosa e distúrbios, no exterior e interior da habitação. A situação repete-se, ano após ano. Os constantes ruídos provocados pelos estudantes perturbam, incomodam e causam má qualidade de vida aos requerentes e seus filhos, agravando-se cada vez mais.

Os requerentes desde 2016 têm realizado inúmeras denúncias e outras diligências junto das mais diversas entidades - no sentido de fazer cessar tais ruídos, mas sem qualquer efeito prático. A situação criada pelos arrendatários leva a que os requerentes tenham de alterar a suas rotinas e hábitos de vida, não só em termos pessoais, como também profissionais. Recentemente os estudantes começaram a tirar fotografias aos requerentes e a filmar a partir da janela dos seus quartos (que se situam lado a lado com as janelas do prédio dos requerentes), como que a provocar os requerentes. Tais situações ocorreram, nomeadamente, nos dias 14, 15 e 26 de Setembro de 2023 e motivou a presença, mais uma vez a pedido dos requerentes, das autoridades policiais que lavraram os respectivos autos de ocorrência. A actividade ruidosa dos estudantes é constante e agrava-se nos primeiros dias de estadia, nos meses de Setembro e Outubro e quando coincide com períodos festivos ou determinados dias da semana tradicionalmente “fortes” para as actividades nocturnas dos estudantes. Por várias vezes as autoridades policiais deslocaram-se ao prédio dos requeridos no sentido de suspender a emissão dos ruídos provocados pelos estudantes. Quando os agentes da autoridade chegam e lhes batem à porta, os estudantes acalmam, deixando de produzir ruídos. Mas, quando os agentes se ausentam, aquela actividade ruidosa prossegue, prolongando-se pela noite dentro.

Esta situação não só relacionada com os distúrbios que são constantemente provocados bem como outras questões relacionadas com a legalidade da situação do prédio dos requeridos bem como da actividade que nele é exercida já foi reportada pelos requerentes a diversas entidades: a) Junto da Universidade de Coimbra por se tratarem de alunos estrangeiros acolhidos ao abrigo do programa Erasmus; b) da ASAE c) da Câmara de Coimbra; d) do Turismo de Portugal; e) da Autoridade Tributária e Aduaneira; f) da CCDRC; g) do Gabinete de Fiscalização do Arrendamento Habitacional. Mas o certo é que não existem resposta ou actuação concretas que evitem que a situação descrita persista.

Em Julho de 2022, os aqui requerentes instauraram contra os aqui requeridos acção especial para tutela da personalidade, processo que corre termos no Juízo Local Cível de Coimbra - Juiz ..., com o número 3677/22.... e que ainda não tem decisão transitada em julgado por ter sido interposto recurso da decisão final. Nesses autos os requerentes pediram que, com a sua procedência, fossem os aqui requeridos condenados a não emitirem, ou a não permitirem a emissão, a partir do prédio sito na Rua ..., de que são proprietários, de ruídos que perturbem ou afectem significativamente os direitos de personalidade dos aqui requerentes, como seja o direito ao sono, à tranquilidade e ao descanso, mormente decorrentes de festas e/ou outros eventos ocorridos no período compreendido entre as 22 horas e as 07 horas e fossem os aqui requeridos condenados, em conformidade com o previsto no nº 4, in fine, do artº 879º do CPC, no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória no valor de 1500 €, sempre que violem a(s) injunção(ões) que venham a ser impostas pela sentença que vier a ser proferida.

O requerente AA é engenheiro civil e, no âmbito da sua actividade profissional, elabora e revê projetos de elevada complexidade e grandes infraestruturas, onde um erro, por mais pequeno que seja, pode ser fatal para a concepção de uma determinada obra. O estado de nervosismo e instabilidade em que o requerente se encontra, motivado pelo clima de falta de descanso e repouso aumenta a possibilidade de erro. Por vezes, vai para o seu gabinete tentar trabalhar, mas, devido ao cansaço, desgaste e preocupações causadas por todos os sucessivos episódios de ruídos dos estudantes, não consegue obter a necessária concentração e tranquilidade para elaborar um projecto ou, até mesmo realizar uma reunião. Isto impacta negativamente no seu trabalho e volume de facturação. A situação em causa nos autos determinou que o requerente AA deixasse de habitar na sua casa.

A requerente BB é médica pediatra e encontra-se proibida, por indicação médica, desde Julho de 2018, de prestar serviço noturno, em consequência da apresentação de um quadro clínico de enxaqueca violenta crónica devido à falta de descanso provocada pelas perturbações já identificadas e ao stress que toda esta situação lhe provoca. Tal circunstância não só comporta a possibilidade de uma desvalorização profissional, como uma significativa redução dos rendimentos que costumava auferir.

Ao descrito acresce a instabilidade familiar e os constantes danos que os requerentes e seus filhos estão a sofrer, que impactam negativamente na sua saúde e bem-estar. São muitas as discussões e aborrecimentos que começam a suceder entre os requerentes, que se sentem desgastados, nervosos e irritados com toda a situação.

Os filhos menores dos requerentes também se encontram a sofrer com os ruídos provocados pelos estudantes. Não conseguem descansar em condições, acordam frequentemente com os barulhos que são produzidos pelos estudantes, são sujeitos a ouvir constantes palavrões misturados com gritarias.

Os requerentes intentaram acção que correu termos sob o processo nº 74/20..., no Julgado de Paz de Coimbra, contra os requeridos nos presentes autos, acção essa que terminou por desistência da instância.».

         2. - E foi julgado como sumariamente não provado que:

         «(…) no prédio sito no nº ...5 da Rua ..., na cidade ... e descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...19 da freguesia ... (..., ..., ... e ...) e inscrito na matriz predial urbana sob o nº ...79 da União de freguesias ... (..., ..., ... e ...) funciona uma unidade ilegal de alojamento local.».

B) Da nulidade processual

Importa saber, desde logo, se a 1.ª instância incorreu em violação do princípio do contraditório (por via de “decisão-surpresa”), gerando a invocada nulidade processual (cfr. conclusão 2.ª e art.ºs 3.º, n.º 3, 195.º, n.º 1, e 376.º, n.º 3, todos do NCPCiv.).

Antes de mais, algumas sumárias considerações genéricas acerca desta matéria de invalidade processual.

Dispõe o art.º 3.º, n.º 3, do NCPCiv. (norma basilar do nosso edifício processual civil, decorrência de consabidas exigências constitucionais), que “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.

Como refere Abrantes Geraldes ([5]), “… só a audição de ambas as partes interessadas no pleito e a possibilidade que lhes é conferida de controlarem o modo de decisão dos tribunais permitirão que a verdade seja descoberta e que sejam acautelados os interesses dos litigantes.

Ao nosso sistema processual civil repugnam as decisões tomadas à revelia de algum dos interessados, o que apenas excepcionalmente é admitido em situações em que os restantes interesses o impõem.

Da consagração legal do princípio do contraditório decorre que cada parte processual é chamada a apresentar as respectivas razões de facto e de direito, a oferecer as suas provas ou a pronunciar-se sobre o valor e resultado de umas e outras.

Todas as fases do processo (…) decorrem segundo as regras da mais pura contraditoriedade, num diálogo entre as partes, sob a direcção do juiz, prosseguindo ainda em fase de alegações de direito e em via de recursos …”.

A estrutura de diálogo, consequentemente dialética, entre as partes, perante o Tribunal, que está, por sua vez, obrigado a ouvi-las antes de decidir sobre as questões que se suscitem ao longo da vida do processo, garante o “tratamento paritário” das partes e “uma decisão mais justa e imparcial”, evitando, ao mesmo tempo, que, mormente quanto a questões de direito, de conhecimento oficioso, sejam proferidas decisões “contra a corrente do processo, à revelia das posições jurídicas que cada uma das partes tomara nos articulados ou nas alegações de recurso” ([6]) – as chamadas decisões-surpresa.

Neste âmbito, o preceito do art.º 3.º, n.º 3, do CPCiv., visa alcançar objetivos essenciais do sistema de justiça, tais como “a boa administração da justiça, a justa composição dos litígios, a eficácia do sistema, a satisfação dos interesses dos cidadãos” ([7]).

Assim, o Tribunal, para além de assegurar, a cada passo, o cumprimento do princípio do contraditório, garantindo às partes o atempado e recíproco conhecimento dos atos processuais e das questões suscitadas, terá também, ele próprio (Tribunal), de observar esse princípio, submetendo-se às suas imposições, só podendo decidir questões de facto ou de direito, ainda que de conhecimento oficioso, depois de conceder às partes a possibilidade de pronúncia respetiva, exceto em situações de manifesta desnecessidade.

Não poderá, pois, o Tribunal, sem cuidar da prévia audição das partes, de molde a que possam elas pronunciar-se, apreciar, ex officio, questões jurídicas idóneas a projetarem-se, em termos relevantes e inovatórios, no desfecho do processo (solução jurídica da causa), mormente se ao arrepio de toda a tramitação e posições processuais anteriores, que levaram as partes a pôr de lado um desfecho que, posteriormente, o julgador vem a adotar, sem aviso prévio e contra todas as expectativas dos litigantes.

Assim, a “decisão surpresa, como os vocábulos indicam, faz supor que a parte possa ser apanhada em falta por uma decisão que embora pudesse ser juridicamente possível, não esteja prevista nem tivesse sido configurada por aquela” ([8]).

Quer dizer, haverá “decisão surpresa se o juiz, de forma absolutamente inopinada e apartado de qualquer aportamento factual ou jurídico, envereda por uma solução que os sujeitos processuais não quiseram submeter ao seu juízo, ainda que possa ser a solução que mais se adeque a uma correcta e atinada decisão do litígio” ([9]).

E, como de há muito vem entendendo a jurisprudência, “A lei, ao referir-se à decisão-surpresa, não quis excluir delas as que juridicamente são possíveis embora não tenham sido pedidas, antes estabeleceu uma relação com o pedido formulado para a concreta decisão, ter ou não sido prevista em função da pretensão colocada a quem irá decidir.” ([10]).

In casu, argumentam os Recorrentes que foram aplicadas medidas cautelares diversas das peticionadas, sem antes se “conceder aos Requeridos o direito ao contraditório, facto que levou a que estes se deparassem com uma decisão-surpresa” não “configurada nem prevista no âmbito do presente procedimento cautelar”.

Considerada a plasticidade admitida pela norma do dito n.º 3 do art.º 376.º ([11]), impõe-se, assim, antes de mais, saber se foram aplicadas medidas cautelares diversas das peticionadas (como tal, inesperadas para a parte demandada) e, em caso afirmativo, se não foi observado o princípio do contraditório a respeito.

Ora, quanto ao peticionado, temos:

1. - “proibição do exercício de atividade de alojamento ou arrendamento…”, “ordenar a imediata desocupação do imóvel” [conteúdo dirigido aos Requeridos];

2. - «Ordenar que, durante a permanência dos estudantes inquilinos no prédio dos Requeridos nesse prazo de 10 dias, os mesmos se abstenham…» ([12]).

E, recapitulando, quanto ao dispositivo, a formulação é a seguinte:

«- Condeno os requeridos a não emitirem nem permitirem a emissão, a partir do prédio sito na Rua ..., de que são proprietários, de ruídos que perturbem o sono, a tranquilidade e o descanso, designadamente ruídos decorrentes de festas e/ou outros eventos ocorridos no período compreendido entre as 22 horas e as 8 horas, proibindo expressamente os seus arrendatários de aí fazerem quaisquer convívios dentro desse horário. // - Condeno os requeridos, nos termos do nº 4, in fine, do artº 879º do CPC, no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória no valor de 1500 €, por cada dia de infracção ao supra determinado.» (itálico aditado).

Apreciando.

É certo, como visto, que é permitida alguma margem ao Tribunal quanto à concreta providência que entenda dever decretar, não estando obrigado a aplicar a medida concretamente requerida.

Mas, se aplicar medida diversa da peticionada, terá, ao menos, de observar o princípio do contraditório, para que a parte demandada se possa defender perante uma providência/medida que não foi concretamente peticionada e para a qual aquela não foi alertada nem se pôde defender.

Doutro modo seria surpreendida por uma providência com que não podia contar, por não pedida, nem perspetivada antes da sentença.

No caso, a providência essencial peticionada não foi concedida: “proibição do exercício de atividade de alojamento ou arrendamento…”, “ordenar a imediata desocupação do imóvel”. O que foi concedido foi coisa diversa.

Em primeiro lugar, trata-se, como resulta do teor literal do dispositivo cautelar, de uma “condenação” (mais ao jeito, se bem se vê, enquanto juízo condenatório, de uma ação definitiva do que de uma tutela provisória).

Ora, nenhuma condenação havia sido peticionada, nem seria, à partida, de perspetivar como admissível, sem mais, uma tal “condenação” em simples procedimento cautelar, marcado pela celeridade e assente numa prova meramente sumária. Portanto, uma condenação nestes termos era algo inesperado.

Em segundo lugar, aplicou-se uma medida diversa do que se esperaria perante o pedido: os Requeridos saem condenados a não emitirem nem permitirem a emissão, a partir do seu prédio, de ruídos que perturbem o sono, a tranquilidade e o descanso, designadamente ruídos decorrentes de festas e/ou outros eventos ocorridos no período compreendido entre as 22 horas e as 8 horas.

Ora, não foi pedido que os Requeridos não emitissem, eles próprios, ruídos (era perspetivado que quem emitia os ruídos eram os “estudantes”).

E saem condenados a proibir expressamente os seus arrendatários de aí fazerem quaisquer convívios dentro desse horário.

Ora, se são arrendatários [prova-se que os Requeridos “arrendavam e arrendam o restante espaço”, para além daquele onde alguns deles próprios residem/habitam], então estamos perante uma típica relação contratual de arrendamento urbano (para fim habitacional), em que as partes devem cumprir os seus deveres de senhorio e de inquilino, conformando-se com a lei e o contrato.

A essa luz, é problemático, até pela amplitude da formulação, que o senhorio proíba “os seus arrendatários de aí fazerem [no locado] quaisquer convívios”, “entre as 22 horas e as 8 horas”.

Esta proibição total de convívios no espaço locado pelo senhorio ao seu arrendatário, pela sua problematicidade perante o contrato e as normas legais que o regulam ([13]), não deixa de ser surpreendente/inesperada para os aqui Requeridos/Recorrentes, enquanto senhorios. Por isso, estes teriam de poder defender-se antes da sentença.

Como dito nesta: “(…) fazendo referência ao princípio da adequação, poderá o juiz, apesar da proporcionalidade da medida requerida, decretar uma outra que se que se revele mais adequada (…)”.

É certo que pode. Mas tinha de ser permitido aos Requeridos/demandados defenderem-se, exercendo, de antemão, o princípio do contraditório (a ser concedido pelo Tribunal), perante uma decisão com claro elemento inovatório (decretou-se uma outra medida, diversa da peticionada, optando-se abertamente “por outra medida cautelar”).

Se não lhes foi permitido o exercício efetivo do princípio do contraditório, então estamos, realmente, perante uma decisão-surpresa, importando violação do disposto no art.º 3.º, n.º 3, do NCPCiv., assim levando à nulidade do art.º 295.º, n.º 1, do mesmo Cód., tempestivamente arguida no recurso, por coberta/sancionada pela decisão recorrida.

Ora, compulsadas as diversas atas das sessões de audiência de produção de prova e o demais processado anterior à sentença, constata-se que não foi observado o princípio do contraditório nesta matéria: não foi dado conhecimento às partes da possibilidade de opção “por outra medida cautelar”, como a que veio a ser aplicada, e em relação à qual, por isso, os Requeridos, e aqui Recorrentes (e arguentes da invalidade processual), não tiveram oportunidade de defesa, acabando surpreendidos por um dispositivo com que logicamente não contavam.

Como defendido pela doutrina – e é, desde logo, manifesto –, o exercício do poder conferido pelo art.º 376.º, n.º 3, do NCPCiv. (um «poder de adequação») “deve ser precedido do exercício do contraditório (…)” – cfr. Abrantes Geraldes e outros, Código de Processo Civil Anot., vol. I, Almedina, Coimbra, 2018, p. 444 ([14]).

Termos em que, salvo o muito respeito devido, tem de proceder a arguição de nulidade processual, anulando-se o processado correspondente à sentença, para que, previamente, na 1.ª instância, se cumpra o contraditório, dando-se às partes, especialmente aos Requeridos, a possibilidade de se pronunciarem/defenderem a respeito, após o que, só então, se poderá proferir nova decisão final do procedimento cautelar.

Ficam prejudicadas, obviamente, todas as demais questões suscitadas.

                                               ***

IV – Sumário ([15]): (…)

                                               ***
V – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação, na procedência da apelação, em julgar procedente a arguição de nulidade processual, anulando-se, em consequência, o processado correspondente à sentença, para que, previamente, na 1.ª instância, se cumpra o princípio do contraditório, dando-se às partes, especialmente aos Requeridos, a possibilidade de se pronunciarem/defenderem para os efeitos a que aludem os art.ºs 376.º, n.º 3, primeira parte, e 3.º, n.º 3, ambos do NCPCiv., com subsequente prolação de nova decisão final do procedimento cautelar.

Custas da apelação pela parte vencida a final.

Coimbra, 25/02/2025

Escrito e revisto pelo relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.

Vítor Amaral (relator)

Fonte Ramos

Luís Cravo

        


([1]) Cujo teor se deixa reproduzido, com destaques retirados.
([2]) Mencionou ainda a 1.ª instância que, «Nos termos e para os efeitos do artigo 617.º, n.º 1 do CPC, considero que inexiste nulidade da sentença».
([3]) Entendeu o Relator, diversamente do pretendido pela parte recorrente, ser «adequado e legal o efeito meramente devolutivo, como fixado pela 1.ª instância, posto não se discutir in casu a posse ou a propriedade de casa de habitação [cfr. art.º 647.º, n.º 3, al.ª b), a contrario, do NCPCiv.]».
([4]) Seguindo-se uma ordem lógico-sistemática de conhecimento e caso a apreciação de nenhuma das questões recursivas resulte prejudicada pela decisão das precedentes, para além de caber, como é consabido, ao Tribunal conhecer de matérias que sejam de conhecimento oficioso, desde que não obviado por ocorrido trânsito em julgado.
([5]) Cfr. Temas da Reforma do Processo Civil, I vol., Almedina, Coimbra, 2.ª ed., 1998, pág. 75, que se cita.
([6]) Assim, Abrantes Geraldes, op. cit., págs. 75 e 77.
([7]) Continua a seguir-se Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 79.
([8]) Cfr. Ac. STJ, de 24/02/2015, Proc. 116/14.6YLSB (Cons. Ana Paula Boularot), em www.dgsi.pt..
([9]) Vide Ac. STJ, de 19/05/2016, Proc. 6473/03.2TVPRT.S1 (Cons. António da Silva Gonçalves), em www.dgsi.pt, explicitando que “apenas estamos perante uma decisão surpresa quando ela comporte uma solução jurídica que as partes não tinham obrigação de prever”.
([10]) Assim já o Ac. STJ, de 14/05/2002, Proc. 02A1353 (Cons. Lopes Pinto), em www.dgsi.pt.
([11]) Sem as restrições e rigidez que resultam, fora do âmbito cautelar, do n.º 1 do art.º 609.º do NCPCiv..
([12]) Conteúdo este (ponto 2.-) dirigido aos “estudantes”, não aos Requeridos, o que parece assumir dimensão de alguma inviabilidade: não se poderia ordenar (o Tribunal) aos “estudantes” que se abstivessem, já que não são parte no processo, nem nele têm qualquer intervenção.
([13]) É manifesto que o contrato de arrendamento urbano – no caso, habitacional – está sujeito, para além do clausulado concreto adotado pelas partes, à legislação que estabelece os deveres e os direitos do senhorio e do inquilino (cfr. CCiv. e NRAU), regime legal esse que não pode ser olvidado, e cujas soluções podem não se conformar, pela especificidade e diversidade dos interesses em presença, com o que é comum num cenário de funcionamento de um estabelecimento comercial ou industrial, com a sua dinâmica e organização próprias (bem distintas duma normal relação de arrendamento urbano).
([14]) No mesmo sentido, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anot., vol. 2.º, 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, p. 85. Afirmam enfaticamente estes Autores, quanto ao dito art.º 376.º, n.º 3, que, «Embora o preceito não o diga, o requerido deve, por força do princípio do contraditório, ser ouvido antes de decretada providência diversa da requerida, embora o juiz não esteja dependente duma sua atuação positiva» (destaque aditado, sendo que tais Autores citam ainda Lopes do Rego, in Comentários …, I, art.º 392, III).
([15]) Da responsabilidade do relator, nos termos do disposto no art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv..