Inexistindo falta de independência, conjugados os arts. 31º-A, nº 2, b), e 4, do RGICSF (Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras), art. 414º, nº 5, do Código das Sociedades Comerciais, art. 3º, nº 2, c), do RJSA (Regime Jurídico da Supervisão de Auditoria) e 35º, nº 1 a 3, dos Estatutos da R. CAIXA DE CRÉDITO AGRICOLA MÚTUO DE COIMBRA, CRL, e os factos provados 14. e 17., dos membros que compõem a lista candidata ao Conselho Fiscal da R., a candidatura não podia ser recusada, arrastando na recusa a mesma lista à Mesa da Assembleia Geral, o que acarreta que a deliberação que aprovou o resultado das eleições ocorridas para os órgãos sociais padeça de anulabilidade, nos termos do art. 58º, nº 1, do CSC.
(Sumário elaborado pelo Relator)
I - Relatório
1. AA, residente em ..., intentou contra CAIXA DE CRÉDITO AGRICOLA MÚTUO DE COIMBRA, CRL, com sede em ..., acção declarativa de impugnação/anulação de deliberação, pedindo:
a) a anulação da deliberação relativa à eleição dos órgãos sociais da ré – Mesa da Assembleia Geral e Conselho Fiscal - tomada na Assembleia Geral de 30 de Junho de 2022;
b) a anulação da decisão do Presidente da Mesa da Assembleia Geral que não admitiu a sufrágio as listas candidatas à Mesa da Assembleia Geral e ao Conselho Fiscal apresentadas pelos associados e sob o lema “DEVOLVER AOS SÓCIOS E A COIMBRA” a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Coimbra, CRL., devendo ser admitidas;
c) subsidiariamente, peticionou a admissão da lista por si apresentada candidata à Mesa da Assembleia Geral.
Alegou, em suma, a violação de disposições estatutárias, regulamentares e legais que especificou.
A Ré contestou, defendendo não se verificar tal violação, pugnando pela improcedência da acção.
*
Foi proferido despacho saneador-sentença que julgou improcedente a acção e absolveu a R. do pedido.
*
2. O A. recorreu, tendo formulado as seguintes conclusões:
1- A candidatura ao Conselho Fiscal da Ré apresentada pelo Autor, órgão composto por três membros efectivos satisfaz o requisito do nº 2 do artº 35º dos Estatutos: “A maioria dos membros efectivos do Conselho Fiscal, aqui se incluindo o seu Presidente, terá de ser independente nos termos e para os efeitos do disposto no número cinco do artigo 414º do Código das Sociedades Comerciais…”.
2 - Entre os candidatos efectivos ao órgão Conselho Fiscal apresentado ao Autor inexiste qualquer incompatibilidade, inelegibilidade ou inadequação, candidatura que tem candidatos a todos os cargos e funções.
3 - Nem o avaliado candidato suplente A..., Ldª., nem o avaliado candidato efectivo, BB, exercem ou exerceram na CCAM ou noutra instituição pertencente à SICAM, ou outras do grupo ou têm quaisquer relações de parentesco ou análogas ou profissionais ou de natureza económica com outros membros do Órgão de Administração ou Fiscalização, pelo que não estão incursos na previsão das alíneas a) e b) do ponto 3.1.1 da “Política Interna de Selecção e Avaliação da Adequação dos Membros dos Órgãos de Administração e Fiscalização da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Coimbra, CRL”.
4 - Nem o avaliado candidato suplente A..., Ldª. nem o avaliado candidato efectivo BB ao órgão Conselho Fiscal, nem isso vem provado, se encontram em situações que eventualmente configurem ausência de “independência” abrangidas na tipificação previstas nas alíneas a), b) e c) do nº 2 do artigo 31-A. do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.
5 - Nem o candidato efetivo, nem o candidato suplente da candidatura apresentada pelo Autor ao órgão Conselho Fiscal – nem isso vem provado – tem qualquer participação social na sociedade Ré (cooperativa) nem eles foram reeleitos para qualquer mandato, não tem “interesses específicos na sociedade” na cooperativa Ré.
6 – O facto de o candidato BB, candidato efectivo ao órgão Conselho Fiscal, ser sócio minoritário da sociedade comercial candidata suplente a esse mesmo órgão e que não é do ramo financeiro e que ali não exerce quaisquer funções remuneradas, nem é administrador ou gerente, não é apto a “colectivamente” ferir de inadequação a referida e apresentada candidatura.
7 – O requisito de “independência” tipificado na lei e instrumentos legislativos aplicáveis é apenas exigido “a pessoa …com interesses específicos na sociedade” ou seja na Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Coimbra e não na sociedade candidata suplente ao Conselho Fiscal A..., Ldª e ainda não “Ser titular ou actuar em nome ou por conta de titulares de participação qualificada igual ou superior a 2% do capital social da sociedade” ou seja da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Coimbra.
8 - O requisito de adequação colectiva, ou seja com os candidatos efectivos no que ao candidato suplente ao órgão Conselho Fiscal respeita, só são necessária e obrigatoriamente exigidos, só terão de se verificar quando tenham de “subir à efetividade de funções”.
9 - A candidata suplente A..., Ldª à candidatura ao órgão Conselho Fiscal apresentada pelo Autor, só aquando “subir à efetividade de funções” se deve avaliar se á data é ou não sócia do candidato efectivo BB, e bem assim se é chamada em substituição do candidato efectivo ao órgão Conselho Fiscal, seu sócio.
10 - Foi dado como provado nos pontos 14 e 17 da matéria de facto assente que foram considerados adequados pela Comissão de Avaliação os candidatos ao órgão Conselho Fiscal desta candidatura apresentada pelo Autor a Presidente, o Dr. CC e a Vogal, a B..., Ldª, ou seja a maioria dos seus três membros efectivos.
11 – As normas do artº 21º dos Estatutos, dos nºs 4 e 7 do artº 5 do Regulamento Eleitoral, e também dos seus números 1 e 3, não consentem a leitura, a interpretação e a decisão recorrida, só por si ou conjugadas entre si ou ainda também que sejam com o nº 3 do artº 8º e 11º do mesmo Regulamento Eleitoral, disposições que assim se mostram violadas.
12 – É direito dos cooperadores “Eleger e ser eleitos para os órgãos da Cooperativa” estabelecido no artº 21º, nº 1 da alínea c) da Lei 119/2015, direito também fixado na da alínea a) do art.º 38º do mesmo Código, disposições que devem ser compreendidas e interpretadas em conjugação também com o n.º 2 do artigo 33º, ou seja, que “Participam na assembleia geral todos os cooperadores e membros investidores no pleno gozo dos seus direitos” se mostram violadas, disposições integralmente acolhidas nos Estatutos da Ré.
13 - As conclusões e decisões da Comissão de Avaliação da Ré são apenas vinculativas (n.º 1 do art.º 9 do Regulamento Eleitoral) individual ou colectivamente relativamente aos “Órgãos de Administração e Fiscalização” (art.º 7º, n.º 1 do Regulamento Eleitoral) – e não também da avaliação colectiva (ou mesmo individual) “da adequação” relativamente aos candidatos do órgão Mesa da Assembleia Geral.
14 – O facto de uma sociedade ser membro suplente do Conselho Fiscal de sociedade anónima (é o caso da A..., Ldª) uma vez que não está no exercício efectivo de funções, não lhe são aplicáveis as competências, os poderes e os deveres impostos no CSC aos membros do Conselho Fiscal dessa sociedade anónima, o que afasta, assim no caso dos autos qualquer tipo de incompatibilidade entre o candidato a membro efectivo, BB e aquela sociedade candidata A..., Ldª ao órgão Conselho Fiscal.
15 - É o direito constituído - al. c) do n.º 2 do artigo 3º da Lei 148/2015 - que “A maioria dos seus membros, incluindo o seu presidente, deve ser considerada independente…” direito constituído que não inclui o membro suplente.
16 - O princípio da “Gestão democrática pelos membros” ínsito no art.º 3º do Código Cooperativo não consente a leitura e entendimento manifestado e adoptado na douta decisão recorrida, como ainda os artigos 61º, nº 2 e 3 (e art.º 46º e 51º) da CRP que consigna o direito fundamental de iniciativa cooperativa que são direitos de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias aplicáveis por força do art.º 17º
e 18º da Constituição da República.
17 – Sendo a Lei nº 119/2015 de 31 de Agosto, uma lei da Assembleia da Republica, o seu canône interpretativo fundamental é o de que as suas disposições devem ser interpretadas de acordo com as normas superiores da Constituição.
18 - O art.º 18º, n.º 2 da CRP estabelece que “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição ….” Não podendo ainda as leis restritivas “…diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.”
19 – Deve o Tribunal recusar ex officio a interpretação em absoluto restritiva, que a douta sentença faz dos supra referidos instrumentos legislativos com os quais fundamentou a sua douta decisão recorrida.
20 – O nº 2 do artº 31º da Lei 119/2015 estabelece uma restrição para a candidatura ao Conselho Fiscal que não é exigida à candidatura para a eleição da Mesa da Assembleia Geral, requisitos de admissão em função dos órgãos a eleger, acolhido também no nº 3 do artº 23º dos Estatutos que dispõe: “Os cônjuges e as pessoas que vivam em união de facto não podem ser eleitos para o mesmo Órgão Social ou ser simultaneamente titulares de Órgãos de Administração e de Fiscalização”.
21 - A Mesa da Assembleia Geral não é um órgão social sendo havido órgão estatutário para efeitos eleitorais, pelo que os candidatos aos seus cargos podem fazer parte ao mesmo tempo, os conjugues, ou pessoas que vivem em união de facto, o que é proibido para os órgãos da Administração e de Fiscalização, restrição só aplicável a estes órgãos, como acontece com outras diferenciadoras de que se salienta a da competência exclusiva da Comissão de Avaliação e o carácter vinculativo das suas decisões, que não tem aplicabilidade à candidatura e eleição da Mesa da Assembleia Geral.
22 - De fora da esfera de competência da avaliação individual e colectiva dos candidatos a “todos os cargos e funções” da Mesa da Assembleia Geral está a Comissão de Avaliação, como ainda a “…avaliação da adequação individual dos candidatos aos Órgãos de Administração e Fiscalização e colectiva desses mesmos respectivos Órgãos …”, conexionada com os candidatos ao órgão a Mesa da Assembleia Geral.
23 – Tendo sido pelo Autor em nome de todos os sócios “…indicados os nomes e cargos a desempenhar…” a “todos os cargos e funções” seja para o órgão Conselho do Fiscal, seja para o órgão Mesa da Assembleia Geral, as disposições legislativas invocadas na douta sentença não consentem a leitura de que elas tenham de ser apresentadas conjuntamente a sufrágio, aglutinadas ou justapostas de tal forma que a rejeição de uma, contamine ou afaste as demais, ainda que individualmente preencham todos os requisitos legais, estatutários e regulamentares, como é o caso da candidatura apresentada pelo Autor ao órgão Mesa da Assembleia Geral.
24 - A ter de ser, como conclui a douta sentença que “…a eleição não é feita órgão a órgão…” mas de forma unitária temos que a candidatura apresentada pela Administração (Provisória), entidade fiscalizada, apresenta a sufrágio a candidatura da entidade fiscalizadora, ou seja o Conselho Fiscal, que a vai fiscalizar, conclusão que se tem por absurda por ferir a independência exigida a tais órgãos.
25 – O legislador dos instrumentos legislativos pela douta sentença invocados para rejeitar as candidaturas pelo Autor apresentadas não pode ter querido ser tão exigente no requisito da “independência” entre candidatos individual ou colectivamente conexionados com os da Mesa da Assembleia Geral e depois ignorar e afastar esse mesmo requisito de “independência”, que em primeira linha a natureza das coisas terá de exigir: do órgão fiscalizador perante o órgão fiscalizado.
26 - Na interpretação da lei o intérprete deve presumir que o legislador consagrou a melhor das soluções e por isso não pode ter querido consagrar soluções absurdas como seria essa, acolhida na douta sentença recorrida de só poder ser aceite uma candidatura ao órgão fiscalizador (Conselho Fiscal) desde que ela fosse apresentada pelo próprio órgão fiscalizado (Administração) e sujeita a sufrágio aglutinadas ou de forma unitária. A sentença viola pois o artº 12º, nº 3 do Código Civil.
27 - Ainda que razão houvesse e não há para a rejeição da candidatura ao órgão Conselho Fiscal apresentada pelo Autor e por qualquer inadequação individual ou colectiva, sempre subsiste, perfeitamente legal, estatutária e regulamentar a candidatura apresentada ao órgão Mesa da Assembleia Geral.
28 - Resulta claro e à evidência que quer as disposições estatutárias quer as disposições regulamentares do Regulamento Eleitoral estabelecem que as candidaturas – dos sócios ou da Administração Provisória - apresentam “listas” e não uma lista para todos os órgãos sociais.
29 - A Lista de candidatos à Mesa da Assembleia Geral é independente da lista de candidatos ao Conselho Fiscal e como tal devem ser colocadas a sufrágio de forma autónoma e independente, e para que os cooperadores eleitores tenham a liberdade de votar numa ou noutra sem condicionalismos não fixados nos Estatutos, na lei e nos Regulamentos.
30 - Ainda que se tenha de recorrer à interpretação das disposições regulamentares e estatutárias e nenhuma razão há dada a sua clareza – in claris non fit interpretativo – sempre o sentido de tal interpretação terá de ser levada a efeito de acordo com o princípio constitucional da mais ampla participação dos associados na vida democrática da cooperativa Ré, princípio que a decisão de rejeição e não admissão da candidatura à Mesa da Assembleia Geral não observa, ofendendo também aqui o art.º 9º do Código Civil.
31 – A douta sentença viola entre outros:
. os artºs 31-A, nº 3 e 4 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras;
. o artº 3º do Dec. Lei 148/2015, de 9 de Setembro;
. o artº 414º, nº 5 do Código das Sociedades Comerciais;
. os artºs 13º, al c), 18º al. a), 21º, nº 1 e 2, 23º, nº 5, 25º, 27º al. a) dos Estatutos;
. os artºs 1º nº 2, 5º, nº 1, 3, 4 e 7, 8, nº 3, 11º do Regulamento Eleitoral;
. os artºs 21º, nº 1 al. c), artº 31, nº 2 da Lei 119/2015 de 31 de Agosto;
. o artº 9º do Código Civil;
. os artºs 18º, nº 2, 56º, 51º e 62º da Constituição da Republica Portuguesa.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e em consequência anular- se a douta sentença recorrida.
V.ªs Ex.ªs farão, como sempre, a costumada justiça!
3. A R. contra-alegou, concluindo que:
A. O facto de o Candidato a membro efetivo do Conselho Fiscal ser Sócio da Candidata a membro suplente do mesmo órgão insere-se nas situações suscetíveis de afetar a independência, descritas no ponto 3.1.2. do Anexo II da PISAA e 31.º- A, n.º 2, al. b) do RGICSF, como bem entendeu a douta sentença recorrida.
B. A independência dos membros do Conselho Fiscal tem de ser avaliada e estar verificada quanto a todos os seus membros, efetivos e suplentes, devendo assegurar-se, no momento próprio de avaliação da respetiva adequação, que a maioria dos membros de tal órgão é independente e imparcial entre si, como decorre dos pontos 3.1 e 6.12 da PISAA.
C. A competência para analisar situações suscetíveis de gerar inelegibilidades e incompatibilidades do órgão de fiscalização apenas reverte para a Mesa da Assembleia Geral na pendência do mandato, tratando-se, aí, de situações novas e não de situações que pudessem e devessem ter sido conhecidas ab initio pela Comissão de Avaliação, sendo certo que não substitui a análise por esta empreendida, uma vez que o objeto da avaliação empreendida pela Mesa da Assembleia Geral e pela Comissão de Avaliação não se confunde.
D. A douta sentença recorrida não viola os direitos protegidos pelo Código Cooperativo, nem pela Constituição, pois os direitos não são ilimitados nem podem ser exercidos sem a observância do cumprimento das normas que regulam a disciplina própria da Recorrida, sendo certo que as limitações decorrentes do preceituado nos artigos 18.º, 23.º, 35.º dos Estatutos, 3.1., 6 e 7 da PISAA, ponto 3. Do Anexo II da PISAA, e nos artigos 1.º, 5.º, 8.º, 9.º, 11.º, 13.º do Regulamento Eleitoral, não consubstanciam qualquer violação do preceituado nos artigos 3.º, 21.º, 33.º, n.º 2 e 38.º do Código Cooperativo, nem nos artigos 17.º, 18.º, 46.º e 61.º
da Constituição da República Portuguesa.
E. Os juízos de adequação e de independência têm de ter em consideração não só o órgão que a pessoa avaliada vai integrar, como também o conjunto dos candidatos que se propõem ao exercício de funções, pelo que, tendo sido verificada pela Comissão de Avaliação uma situação de conflito de interesses entre os membros do Conselho Fiscal, juízo e avaliação que são vinculativos, conforme decorre do disposto no artigo 9.º, n.º 1 do Regulamento Eleitoral, não podia a Comissão de Avaliação considerar a lista representada pelo Recorrente adequada coletivamente, exigindo-se o juízo de desadequação.
F. Esta conclusão é reforçada pelo facto de a eleição dos órgãos sociais ser feita por meio de listas unitárias e não de forma uninominal, ou órgão a órgão, ou seja, no momento da eleição, não há uma votação para cada órgão, mas sim para cada lista, razão pela qual a rejeição da candidatura ao Conselho Fiscal implica, necessariamente, a rejeição coletiva da lista representada pelo Recorrente e, bem assim, a rejeição da candidatura à Mesa da Assembleia Geral.
Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, deverá o presente recurso de apelação ser julgado totalmente improcedente, e em consequência ser a decisão do Tribunal a quo mantida nos exatos termos em que foi proferida, com todas as legais consequências.
Ao julgardes assim, Venerandos Juízes Desembargadores, estareis uma vez mais a fazer JUSTIÇA!__
II – Factos Provados
1. A Ré é uma cooperativa de âmbito local que compreende a área de município de Coimbra e de Miranda do Corvo e que se integra no ramo do crédito do sector cooperativo, como consta dos art.ºs 1º e 2º dos seus Estatutos (Doc. nº 1 da providência cautelar) (art. 1º da p.i.).
2. A Ré é uma Instituição de Crédito (alínea c) do art.º 3.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras) (art. 2º da p.i.).
3. O Autor é o sócio nº ...17 da Ré, em pleno gozo dos seus direitos (art. 3º da p.i.).
4. A Ré fez publicar anúncio no Diário de Coimbra de 18 de Janeiro de 2022, assinado pelo Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Coimbra, CRL. (DD), nos termos do qual “…encontra-se em curso, nos termos do previsto no artigo 5º do Regulamento Eleitoral, prazo para entrega de listas candidatas às eleições à Mesa da Assembleia Geral e ao Conselho Fiscal da Caixa de Crédito Agrícola, prazo esse que termina às 16 horas do dia 3 de Março de 2022.” (Doc. n.º 2 da providência cautelar) (art. 15º e 16º da p.i.).
5. O Autor, na qualidade de sócio, acompanhado de outros, no total de 245 associados do qual foi mandatário, apresentaram até às 16 horas do dia 3-3-2022, candidatura aos órgãos Mesa da Assembleia Geral e Conselho Fiscal (art. 17º, 36º e 37º da p.i.).
6. Para o órgão Mesa da Assembleia Geral foram indicados os seguintes candidatos:
- a Presidente, Dr. EE;
- a Vice-presidente, BB e
- a Secretário, FF (art. 38º da p.i.).
7. Para o órgão de fiscalização – Conselho Fiscal foram indicados os seguintes candidatos:
- a Presidente, Dr. CC;
- a Vogal, Dr. GG;
- a Vogal, HH;
- e a Suplente, C..., Ldª, representada por II (art. 39º da p.i.).
8. Por carta datada de 4-3-2022, o Presidente da Mesa da Assembleia Geral notificou o A. para suprir uma candidata que era inelegível, por não ser associada da Ré, em violação do disposto nos artigos 23.º, n.º 1 e 13.º, al. b) dos Estatutos (Documento n.º 5) (art. 82º da contestação).
9. Por anúncio datado de 11-3-2022, assinado pelo Sr. Presidente da Mesa da Assembleia Geral e afixado na sede da Ré, a candidatura supra referida foi preliminarmente admitida (Doc. n.º 11 da providência cautelar) (art. 49º da p.i.).
10. O Sr. Presidente da Mesa da Assembleia Geral, em cumprimento do disposto no art.º 7º, n.º 7 do Regulamento Eleitoral, enviou à Comissão de Avaliação a candidatura apresentada pelo A. (art. 50º da p.i.).
11. Por carta datada de 4-4-2022, a Comissão de Avaliação notificou o A. para suprir omissões e incongruências e/ou rasuras da documentação apresentada, ao abrigo do disposto no artigo 6.9. da Política Interna de Selecção e Avaliação da Adequação dos Membros dos Órgãos de Administração e de D... (Documento n.º 12 da providência cautelar) (art. 53º da p.i. e 83º da contestação).
12. Por carta datada de 9-5-2022, a Comissão de Avaliação notificou o A. para proceder à substituição de candidatos que havia indicado, ao abrigo do disposto nos artigos 6.10. e 6.11. da PISAA, considerando que nenhum dos membros candidatos ao órgão de fiscalização possuía experiência bancária, requisito essencial ao abrigo do disposto no artigo 3.º, n.º 2, al. b) da Lei n.º 148/2015 (Documento n.º 13 da providência cautelar) (arts. 53º da p.i. e 84º e 85º da contestação).
13. Em resposta à notificação referida em 12., o A. propôs “… a recomposição dos respetivos órgãos, substituindo o candidato a Vice-Presidente à Mesa da Assembleia Geral, BB, e que possui experiência bancária e que foi já eleito membro suplente ao Conselho Fiscal desta Caixa Agrícola e em consequência já aferida a sua capacidade e idoneidade eleitoral por essa Comissão de Avaliação.
Outrossim, o até aqui candidato a Vogal do Conselho Fiscal, GG, passará a candidato substituindo aquele, como candidato a Vice-Presidente da Mesa da Assembleia Geral.” (Doc. n.º 14 da providência cautelar) (art. 55º da p.i.).
14. Por carta datada de 31-5-2022, o Sr. Presidente da Mesa da Assembleia Geral notificou o Autor nos seguintes termos:
“…nos exatos termos do anúncio que, no dia 30 de Maio de 2022, publiquei no átrio da sede, a Candidatura apresentada para a eleição para a Mesa da Assembleia Geral e para o Conselho Fiscal desta Caixa Agrícola, de que V. Ex.ª é representante, foi rejeitada, definitivamente, com base no seguinte:
Relativamente aos candidatos ao Conselho Fiscal:
a) Considerou a Comissão de Avaliação como adequados:
i) Presidente: CC;
ii) Vogal: B..., Lda, representada por HH.
b) Considerou a Comissão de Avaliação como não adequados:
i) Vogal: BB;
ii) Suplente: A..., Lda, representada por II;
c) Fundamentos da falta de adequação:
O candidato a vogal efectivo do Conselho Fiscal, BB, é sócio da candidata a suplente desse mesmo órgão, A..., Lda, o que configura uma situação insanável de conflito de interesses.
Colectivamente, a lista candidata ao Órgão de Fiscalização não pode ser considerada como adequada, atenta a não existência de uma maioria de membros considerados independentes, nos termos do n.º 5 do art. 414º do Código das Sociedades Comerciais, inclusive o seu suplente, não se encontra reunida a condição exigida na alínea c) do n.º 2 do art. 3º da Lei n.º 148/2015, de 9 de setembro, o que determina que a presente lista candidata ao Conselho Fiscal não preenche os requisitos que lhe são aplicáveis e exigíveis, nos termos da lei e da política interna de seleção e avaliação de adequação dos membros dos órgãos de administração e de fiscalização desta Caixa Agrícola, sendo considerada não adequada” (Doc. n.º 7 da providência cautelar) (art. 57º, 73º e 74º da p.i.).
15. O Autor reclamou nos termos do art.º 10º do Regulamento Eleitoral para o Sr. Presidente da Mesa da Assembleia Geral da rejeição da candidatura à Mesa da Assembleia Geral (Doc. n.º 5 da providência cautelar) (art. 58º e 59º da p.i.).
16. O Autor reclamou nos termos do art.º 10º do Regulamento Eleitoral para o Sr. Presidente da Mesa da Assembleia Geral da “rejeição das candidaturas apresentadas aos órgãos de fiscalização, o Conselho Fiscal, e à Mesa da Assembleia Geral” (Doc. n.º 6 da providência cautelar) (art. 19º da p.i.).
17. Por carta datada de 6-6-2022, o Sr. Presidente da Mesa da Assembleia Geral notificou o Autor de que “a reclamação apresentada é indeferida” nos seguintes termos:
“Na sequência da exposição enviada em anexo ao e-mail de V. Ex.ª. enviado no dia 2 de Junho de 2022, pelas 18:00, nos termos do qual veio reclamar “da rejeição das candidaturas apresentadas aos órgãos de fiscalização, o Conselho Fiscal, e à Mesa da Assembleia Geral” (…) venho informar o seguinte:
(…)
5. Assim, no tocante à decisão de admissão e rejeição das candidaturas apresentadas, com fundamento na avaliação da adequação dos candidatos, tal matéria é da exclusiva competência da Comissão de Avaliação, cujas decisões são vinculativas (…), não podendo os membros da Mesa da Assembleia Geral intervir, modificar, por qualquer forma, as referidas conclusões.
6. Por sua vez, e sem prejuízo da delimitação do objecto da avaliação da Comissão incidir sobre os candidatos a membros do Órgão de Fiscalização, tal facto terá indubitavelmente consequências sobre a lista candidata à eleição para a Mesa da Assembleia Geral e para o Conselho Fiscal da CCAM de Coimbra para o triénio 2022-2024…
7. …em função da avaliação efectuada pela Comissão de Avaliação, concluindo pela falta de adequação individual de dois dos candidatos ao Órgão de Fiscalização, bem como a falta de adequação em termos colectivos desse Órgão, a lista apresentada por V. Ex.ª deixou, consequentemente, de cumprir os requisitos previstos nos Estatutos e Regulamento Eleitoral da Caixa Agrícola, uma vez que a lista a ser submetida a escrutínio dos Associados deverá indicar candidatos elegíveis (e, portanto, adequados) para todos os cargos e funções de todos os órgãos sociais a serem eleitos, em conformidade com o disposto, designadamente nos n.ºs 4 e 7 do art. 5º e alínea c) do n.º 2 do art. 7º do Regulamento Eleitoral, sendo no caso desta Caixa Agrícola, todos os membros para a Mesa da Assembleia Geral e para o Conselho Fiscal, conforme anúncio previamente publicado pela Caixa Agrícola.
8. … de outro modo não poder-se-ia dar seguimento ao demais trâmites previstos na lei, designadamente quanto ao regime de escrutínio previsto na secção II do Regulamento Eleitoral, uma vez que os votos incidirão sobre cada lista (e não sobre cada Órgão) … lista(s) que será(ão) identificada(s), por sua vez, no boletim de voto” (Doc. n.º 4 da providência cautelar) (art. 18º, 60º, 61º e 67º da p.i.).
18. No dia 30 de Junho de 2022 realizou-se a Assembleia Geral Extraordinária da Ré, a qual foi convocada por anúncio publicado no dia 30 de Maio de 2022 no Diário de Coimbra (Doc. n.º 15 da providência cautelar) (arts. 4º e 5º da p.i.).
19. O Autor não participou na referida Assembleia Geral Extraordinária (art. 6º da p.i.).
20. O ponto “1.” da ordem de trabalhos era a “1. Eleição dos Membros da Assembleia Geral e do Conselho Fiscal da Caixa Agrícola para o triénio dois mil e vinte e dois a dois mil e vinte e quatro” (Doc. nº 1) (art. 8º da p.i.).
21. Foi submetida a sufrágio a lista única apresentada pela Administração Provisória da Ré (art. 9º da p.i.).
22. Consta da respectiva acta:
“(…)
Findo o apuramento dos votos, foram contados trinta e sete votos na lista única apresentada a sufrágio e um voto em branco e verificada a existência de dezasseis boletins correspondentes aos Pontos Dois e Três da ordem de trabalhos, pelos motivos atrás referidos, que foram postos de parte, conforme igualmente atrás referido, para serem contemplados apenas quando os respectivos pontos, não sujeitos a voto secreto, forem submetidos a votação. O Senhor Presidente em Exercício questionou a assembleia sobre a existência de alguma reclamação e, não tendo existido, declaro eleita a lista única para a Mesa da Assembleia Geral e para o Conselho Fiscal da Caixa Agrícola para o triénio dois mil e vinte e dois a dois mil e vinte e quatro, composta pelos seguintes associados, que foram eleitos para os cargos que se passam a indicar, para o referido triénio: --
Presidente da Mesa da Assembleia Geral: JJ, casado, contribuinte número ...91, com domicílio em Rua ..., em ....
Vice-Presidente da Mesa da Assembleia Geral: KK, casado, contribuinte número ...59, com domicílio em Rua ..., em ....
Secretário da Mesa da Assembleia Geral: LL, casado, contribuinte número ...28, com domicilio em Beco ..., em ....
Presidente do Conselho Fiscal: MM, casado, contribuinte número ...14, com domicílio em Rua ..., em ....
Vogal do Conselho Fiscal: NN, casada, contribuinte número ...68, com domicílio em Rua ..., em ....
Vogal do Conselho Fiscal: OO, solteira, contribuinte número ...09, com domicílio em Rua ..., ..., em ....
Suplente do Conselho Fiscal: PP, casado, contribuinte número ...34, com domicílio em Rua ..., em ...” (Doc. n.º 1) (art. 10º da p.i.).
23. Antes do início da Assembleia Geral, o Autor comunicou à Mesa da Assembleia Geral, através de e-mail dirigido ao seu Presidente, que “em representação da candidatura apresentada por associados sob o lema “DEVOLVER AOS SÓCIOS E A COIMBRA” a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Coimbra, CRL.” e dos respectivos sócios que as subscreveram vem informar V. Ex.ª que não irão participar no acto eleitoral constante da ordem de trabalhos da Assembleia Geral de 30 de Junho de 2022, porque a consideram irregulares, ilegais e inválidos os seus resultados por exclusão da lista apresentada pelos associados que representam” (Doc. n.º 1) (art. 11º da p.i.).
III – Do Direito
1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.
Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.
- Anulação da decisão do Presidente da Mesa da Assembleia Geral que não admitiu a sufrágio as listas candidatas à Mesa da Assembleia Geral e ao Conselho Fiscal apresentadas pelos associados, e consequente anulação da deliberação relativa à eleição dos órgãos sociais da R. – Mesa da Assembleia Geral e Conselho Fiscal - tomada na Assembleia Geral de 30.6.2022.
- Subsidiariamente, admissão da lista por si apresentada a candidata à Mesa da Assembleia Geral.
2. Na decisão recorrida escreveu-se que:
“Resulta da matéria factual dada como provada que o autor apresentou candidatura aos órgãos sociais da Mesa da Assembleia Geral e Conselho Fiscal da ré Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Coimbra, CRL, para o triénio 2022-2024. Mais resulta que tal candidatura veio a ser rejeitada, vindo, posteriormente, a ser eleita a lista única apresentada pela Administração Provisória da ré.
Na versão apresentada pelo autor a rejeição da candidatura carece de fundamento, inquinando a mesma todo o processo eleitoral subsequente, designadamente a eleição concretizada no dia 30 de junho de 2022, peticionando, nessa medida, a anulação das deliberações.
Ressalve-se, a título prévio, que uma eventual discussão quanto à natureza do ato que determinou a não admissão da lista sob o lema “DELVOLVER AOS SÓCIOS E A COIMBRA a Caixa Agrícola Mútuo de Coimbra, CRL” mostra-se, nesta fase processual e em face do decidido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, largamente ultrapassada, cumprindo, somente, analisar eventuais vícios alegados.
As Caixas de Crédito Agrícola Mútuas, CRL, são instituições de crédito, sob a forma cooperativa, cujo objeto é o exercício de funções de crédito agrícola em favor dos seus associados, bem como a prática dos demais atos inerentes à atividade bancária (artigo 1.º da Lei n.º 142/2009, de 16 de junho).
Por força do preceituado no 9.º do Código Cooperativo a disciplina legal das cooperativas fica sujeita às disposições legais do Código das Sociedades Comerciais – mais concretamente, ao regime das sociedades anónimas – em tudo o que não esteja especificamente previsto, como é, adiante-se, desde já, o regime das invalidades das deliberações sociais.
As deliberações dos sócios regem-se pela lei geral, e em particular pelo Código das Sociedades Comerciais e legislação conexa, assim como pelos seus estatutos. Assim, em caso de violação da lei ou dos estatutos, as deliberações são inválidas, funcionando a anulabilidade como regra geral na matéria, e a nulidade como exceção para casos mais graves taxativamente enumerados (artigos 56.º e 58.º, ambos do Código das Sociedades Comerciais).
Vejamos, então, se as deliberações em discussão padecem dos apontados vícios.
Em parte, os fundamentos adiantados pelo autor coincidem com a ilegalidade e desconformidade estatutária do juízo de inadequação relativamente a candidatos para o Conselho Fiscal, motivadora da decisão de exclusão da lista por si representada.
A candidatura sob o lema “DEVOLVER AOS SÓCIOS E A COIMBRA a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Coimbra, CRL.” apresentada pelo autor e por outros associados da ré foi rejeitada com fundamento na inexistência de uma maioria de membros considerados independentes, designadamente pela circunstância de o candidato a vogal efetivo do Conselho Fiscal, BB ser sócio da candidata a suplente desse mesmo Órgão (A..., Lda.), originando uma situação insanável de conflito de interesses.
Na Política Interna de Seleção e Avaliação da Adequação dos Membros dos Órgãos de Administração e Fiscalização da Caixa de Crédito Agrícola de Mútuo de Coimbra, CRL e respetivos Anexos são feitas múltiplas referências à independência enquanto requisito necessário a um juízo de adequação sobre os membros dos órgãos que compõem a ré. Do mesmo modo, é também patente a existência de medidas tendentes a obviar a conflitos de interesses.
No que respeita à independência, e no que para o caso importa, impõe-se realçar o ponto 3.1.1 da Política Interna de Seleção e Avaliação da Adequação dos Membros dos Órgãos de Administração e Fiscalização da Caixa de Crédito Agrícola de Mútuo de Coimbra, CRL que ali impõe à Comissão de Avaliação que tenha em conta “o comportamento passado e presente do avaliado bem como verificar se existem situações suscetíveis de afetar a independência do avaliado no exercício das suas funções, por força de influência indevida de outras pessoas ou entidades, designadamente em resultado de: a) cargos que o avaliado exerça ou tenha exercido na CCAM ou noutra instituição pertencente ou não ao SICAM, bem como em sociedades pertencentes ou não ao Grupo Crédito Agrícola; b) relações de parentesco ou análogas, bem como relações profissionais ou de natureza económica que o avaliado mantenha com outros membros dos Órgão de Administração ou Fiscalização ou com titular de função essencial da CCAM.”.
A enunciação prevista naquele instrumento surge idêntica ao preceituado no artigo 31.º-A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras – “1 - O requisito de independência tem em vista prevenir o risco de sujeição dos membros dos órgãos de administração e fiscalização à influência indevida de outras pessoas ou entidades, promovendo condições que permitam o exercício das suas funções com isenção. 2 - Na avaliação são tomadas em consideração todas as situações suscetíveis de afetar a independência, nomeadamente as seguintes: a) Cargos que o interessado exerça ou tenha exercido na instituição de crédito em causa ou noutra instituição de crédito; b) Relações de parentesco ou análogas, bem como relações profissionais ou de natureza económica que o interessado mantenha com outros membros do órgão de administração ou fiscalização da instituição de crédito, da sua empresa-mãe ou das suas filiais; c) Relações de parentesco ou análogas, bem como relações profissionais ou de natureza económica que o interessado mantenha com pessoa que detenha participação qualificada na instituição de crédito, na sua empresa-mãe ou nas suas filiais. 3 - O exercício de funções em entidades associadas não é indicador, por si só, que o membro do órgão atue sem independência. 4 - O órgão de fiscalização deve dispor de uma maioria de membros independentes, na aceção do n.º 5 do artigo 414.º do Código das Sociedades Comerciais.”.
Por sua vez, o artigo 414.º, n.º 5 do Código das Sociedades Comerciais dispõe que “considera-se independente a pessoa que não esteja associada a qualquer grupo de interesses específicos na sociedade nem se encontre em alguma circunstância suscetível de afetar a sua isenção de análise ou de decisão, nomeadamente em virtude de: a) Ser titular ou atuar em nome ou por conta de titulares de participação qualificada igual ou superior a 2% do capital social da sociedade; b) Ter sido reeleita por mais de dois mandatos, de forma contínua ou intercalada.”
Da análise comparativa dos normativos em análise extrai-se que o conceito de independência e seus critérios concretizadores é suscetível de enquadrar várias hipóteses distintas – como sejam a existência de relações familiares, profissionais ou com relações com a própria entidade (in casu, cooperativa).
Revertendo ao caso concreto, no que concerne ao fundamento adiantado pela Comissão Avaliadora relativo à existência de relações profissionais entre os elementos dos candidatos ao Conselho Fiscal da ré dir-se-á que o mesmo encontra respaldo nos instrumentos legislativos enunciados. Significa, portanto, que a independência (ou uma sua ausência) não se afere somente na relação entre o ente individual e o coletivo, sendo disso sintomático e compreensível o previsto para as situações de relações de parentesco e profissionais entre membros de um mesmo órgão.
Tal critério não se nos afigura excessivo na restrição de direitos ou liberdades na medida em que os interesses que subjazem à adequação a determinada função – de forma particularmente evidente quando em causa estão órgãos com competências de fiscalização de entidades no ramo financeiro – justificam a limitação no acesso a qualquer cargo ou função.
Por outra parte, tal independência carece necessariamente de ser aferida também quanto aos candidatos em posição de suplência. Ainda que a posição a que se candidatam não permita, em caso de sucesso eleitoral, o imediato exercício da função, a verdade é carece de sentido que o juízo de adequação não tenha, também, de ser realizado relativamente aos cargos suplentes. Não só porque existem várias situações passiveis de conduzir à necessidade de substituição de cargos, como também porque é lógico que a avaliação de adequação deva ocorrer em momento prévio de controlo, destinado precisamente a esse efeito.
Aliás, não se extrai de qualquer normativo integrante dos diplomas mencionados que a avaliação de adequação seja realizada apenas quanto a candidatos a lugares efetivos.
Carece, em absoluto, de razoabilidade que um procedimento de avaliação tendente a aferir da idoneidade e adequação ao desempenho de um cargo seja apenas realizado quanto a parte dos seus membros, independentemente da efetividade da função. De outro modo, a restrição dessa avaliação aos membros efetivos conduziria a que, na prática, um determinado órgão já eleito pudesse ficar numa situação de falta de elementos em face da constatação posterior de uma falta de adequação que podia ter sido, em momento anterior, conhecida.
Deste modo, não se vislumbra que a decisão de rejeição, fundamentada nos termos descritos (e cujo fundamento factual não é sequer questionada pelo autor) seja contrária a qualquer disposição legal, procedimental ou estatutária. Ao invés, a mesma surge como enquadrada na disciplina definida nos estatutos e política da ré (estas, frise-se, decorrentes de imposições legislativas aplicáveis ao setor), pelo que nenhuma das causas previstas no artigo 58.º do Código das Sociedades Comerciais tem aplicação ao caso.
Entende o autor que, mesmo em cenário de rejeição da candidatura por falta de adequação dos membros do Conselho Fiscal, sempre haveria que ter sido a mesma admitida relativamente à Mesa da Assembleia Geral. Argumenta e ainda que à Comissão de Avaliação não assiste competência para a rejeição dos candidatos àquele órgão.
A discussão emergente das posições assumidas pelas partes resume-se ao facto de saber se as listas apresentadas a eleições são unitárias e se essa eventual unidade é suscetível de conduzir à rejeição da candidatura em bloco uma vez constatada a existência de irregularidades num dos órgãos a eleger.
A controvérsia a dirimir passa, novamente, pela análise do regime estatutário e regras relativas ao procedimento eleitoral vigentes no quadro organizativo da ré.
Nos termos do artigo 21.º dos Estatutos da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Coimbra, CRL a Mesa da Assembleia Geral e o Conselho Fiscal são órgãos estatutários e sociais, respetivamente. No que respeita à eleição dos seus membros, temos que o artigo 5.º, n.º 4 do Regulamento Eleitoral da ré dispõe “cada umas das candidaturas a ser apresentada nos termos dos números anteriores tem de indicar candidatos para todos os cargos e funções de todos os órgãos sociais que sejam apresentados a eleições e que surjam mencionados na advertência a que se refere o artigo 2º supra, devendo, para tanto, cada candidatura ter em consideração o disposto nos Estatutos, na Política de Sucessão e na Política Interna de Seleção e Avaliação de Adequação dos Membros dos Órgãos de Administração e Fiscalização da Caixa Agrícola”, acrescentando o n.º 7 que “as candidaturas serão apresentadas em listas que, nos termos do disposto no número quatro supra, indiquem os candidatos para todos os cargos e funções de todos os órgãos sociais a serem eleitos de acordo com o expresso na advertência a que se refere o Artigo 2º supra, com a menção discriminada, no respeito pelo disposto nos Estatutos da CCAM de: a) Candidatos à eleição para a Mesa da Assembleia Geral e os cargos que cada um desempenhará; b) Candidatos à eleição para o Órgão de Administração e os cargos que cada um desempenhará; c) Candidatos à eleição para o Órgão de Fiscalização e os cargos que cada um desempenhará.”.
Com relevância para a questão em apreço é ainda o artigo 7.º, n.º 1 do mesmo Regulamento que sobre a admissão e rejeição de candidaturas dispõe “na data de abertura dos sobrescritos, e pela ordem de registo, o Presidente da Mesa da Assembleia Geral apreciará, nos termos no n.º 3 infra, a admissibilidade formal de cada uma das candidaturas apresentadas, sem prejuízo de posterior avaliação da adequação individual dos candidatos aos órgãos de Administração e Fiscalização e coletiva desses mesmos respetivos órgãos, de acordo com o definido na Política Interna de Seleção e Avaliação da Adequação dos Membros dos Órgãos de Administração e Fiscalização da Caixa Agrícola”, acrescentando o n.º 2, alínea c) “somente serão admitidas as candidaturas que preencham todos os seguintes requisitos: c) indiquem número suficiente de candidatos elegíveis para o preenchimento de todos os cargos dos órgãos sociais da Caixa Agrícola a serem eleitos nesse processo eleitoral e identificados na advertência a que se refere o artigo 2.º, incluindo membros efetivos e suplentes, se exigíveis”.
A par dos normativos em apreço são convocáveis outros (por exemplo, os artigos 8.º, n.º 3 e 11.º daquele Regulamento) que apontam no mesmo sentido. Da leitura conjunta dos preceitos enunciados resulta que as listas a apresentar são-no obrigatoriamente por referência a todos os órgãos a submeter a sufrágio. Isto é, a eleição não é feita órgão a órgão, mas sim como um todo – em bloco. Só assim tem sentido a imposição de indiciação de candidatos a todos os órgãos, ficando arrendada a possibilidade de admissão parcial da candidatura.
Nessa medida, não colhe a fundamentação expendida pelo autor quanto a uma usurpação de funções por parte da Comissão de Avaliação, uma vez que a posição por si adotada no sentido de rejeição da lista apresentada resulta da constatação do incumprimento de requisitos quanto a um órgão a submeter a eleições.
Não se vislumbra, também aqui, qualquer vício suscetível de conduzir à anulabilidade da deliberação adotada. Do mesmo modo, não se perspetiva que o procedimento eleitoral da ré (vigente à data dos factos) configure uma restrição injustificada aos princípios ínsitos no artigo 3.º do Código Cooperativo. De facto, qualquer procedimento eleitoral carece da observância de trâmites específicos, impondo, naturalmente restrições e requisitos, não significando, porém, que os mesmos coartem de forma injustificada o direito de participação na estrutura organizativa.”.
O A. discorda, pelas razões constantes das suas conclusões de recurso, enquanto a R. pugna pela manutenção do decidido.
Avançamos já, que temos por bem fundada a apelação do A. Vejamos então, convocando os normativos pertinentes aplicáveis ao nosso caso.
DL 298/92 (de 31.12) - REGIME GERAL DAS INSTITUIÇÕES DE CRÉDITO E SOCIEDADES FINANCEIRAS – e seu art. 31º-A.
Independência
1 - O requisito de independência tem em vista prevenir o risco de sujeição dos membros dos órgãos de administração e fiscalização à influência indevida de outras pessoas ou entidades, promovendo condições que permitam o exercício das suas funções com isenção.
2 - Na avaliação são tomadas em consideração todas as situações suscetíveis de afetar a independência, nomeadamente as seguintes:
(…)
b) Relações de parentesco ou análogas, bem como relações profissionais ou de natureza económica que o interessado mantenha com outros membros do órgão de administração ou fiscalização da instituição de crédito, da sua empresa-mãe ou das suas filiais;
(…)
4 - O órgão de fiscalização deve dispor de uma maioria de membros independentes, na aceção do n.º 5 do artigo 414.º do Código das Sociedades Comerciais.
Lei 148/2015 (de 31.8) - Regime Jurídico da Supervisão de Auditoria – e seu art. 3º.
Fiscalização das entidades de interesse público
(…)
2 - Sem prejuízo de outras exigências legais aplicáveis em razão do setor de atividade, do tipo societário ou de outras especificidades, o órgão de fiscalização das entidades de interesse público está sujeito pelo menos aos seguintes requisitos de composição:
(…)
c) A maioria dos seus membros, incluindo o seu presidente, deve ser considerada independente, nos termos do n.º 5 do artigo 414.º do Código das Sociedades Comerciais.
DL 262/86 (Cód. Socie. Comerciais) e seu art. 414º, nº 5, sobre a Fiscalização.
Composição qualitativa
(…)
5 - Considera-se independente a pessoa que não esteja associada a qualquer grupo de interesses específicos na sociedade nem se encontre em alguma circunstância susceptível de afectar a sua isenção de análise ou de decisão, nomeadamente em virtude de:
a) Ser titular ou actuar em nome ou por conta de titulares de participação qualificada igual ou superior a 2% do capital social da sociedade;
b) Ter sido reeleita por mais de dois mandatos, de forma contínua ou intercalada.
Estatutos da R., e arts. abaixo indicados.
Artigo 18º (Eleição)
Os membros da Mesa da Assembleia Geral, do Conselho de Administração e do Conselho Fiscal são eleitos pela Assembleia Geral, que poderá ser Ordinária ou Extraordinária, por maioria simples dos votos, de entre os Associados no pleno gozo dos seus direitos, por escrutínio secreto, de entre listas que satisfaçam, além dos demais requisitos legais e estatutários, os seguintes:
a) indiquem os nomes e cargos a desempenhar para a Mesa da Assembleia Geral e para o Conselho de Administração e Conselho Fiscal;
b) sejam subscritas pela maioria dos membros do Conselho de Administração ou Administração Provisória em funções ou por um mínimo de cinco (5) por cento dos Associados no pleno gozo dos seus direitos, sendo que cada Associado, bem como os Administradores, só poderão subscrever uma lista;
(…)
Artigo 20º (Comissão de Avaliação)
1. A Caixa Agrícola disporá de uma Comissão de Avaliação constituída por três membros independentes que terá como competência, nos termos do disposto na Política Interna de Selecção e Avaliação de Adequação dos Membros dos Órgãos de Administração e de Fiscalização da Caixa Agrícola, aprovada em Assembleia Geral, efectuar, nos termos da lei e sempre que necessário, a avaliação de adequação dos membros dos Órgãos de Administração e de Fiscalização.
(…)
Artigo 21º (Órgãos Sociais e Estatutários)
1. São Órgãos Sociais da Caixa Agrícola a Assembleia Geral, o Conselho de Administração, o Conselho Fiscal e o Revisor Oficial de Contas.
2. São órgãos estatutários da Caixa Agrícola a Mesa da Assembleia Geral e a Comissão de Avaliação.
(…)
Artigo 23º (Inelegibilidades e incompatibilidades)
(…)
5. Durante o mandato, as situações susceptíveis de gerar inelegibilidades, bem como incompatibilidades, serão verificadas pelo Conselho Fiscal e as respeitantes aos seus membros pela Mesa da Assembleia Geral.
(…)
Artigo 35º (Conselho Fiscal)
1. O Conselho Fiscal é composto por três membros efectivos e, pelo menos, um suplente, sendo atribuído ao seu Presidente voto de qualidade.
2. A maioria dos membros efectivos do Conselho Fiscal, aqui se incluindo o seu Presidente, terá de ser independente nos termos e para os efeitos do disposto no número cinco do artigo 414º do Código das Sociedades Comerciais, devendo um desses membros independentes deter curso superior adequado ao exercício da função e conhecimentos em auditoria ou contabilidade.
3. Os membros suplentes terão, em função da composição colectiva do Órgão, de dispor dos requisitos de adequação que, em qualquer circunstância, lhes permitam subir à efectividade de funções.
(…)
Regulamento Eleitoral da R., e arts. abaixo indicados.
ARTIGO 5º (Apresentação de Candidaturas)
(…)
3. Cada associado, bem como cada membro do Órgão de Administração, só poderá subscrever uma única lista.
4. Cada uma das candidaturas a ser apresentada nos termos dos números anteriores tem de indicar candidatos para todos os cargos e funções de todos os órgãos sociais que sejam apresentados a eleições e que surjam mencionados na advertência a que se refere o artigo 2º supra, devendo, para tanto, cada candidatura ter em consideração o disposto nos Estatutos, na Política de Sucessão e na Política Interna de Selecção e Avaliação de Adequação dos Membros dos Órgãos de Administração e Fiscalização da Caixa Agrícola. (…)
(…)
7. As candidaturas serão apresentadas em listas que, nos termos do disposto no número quatro supra, indiquem os candidatos para todos os cargos e funções de todos os órgãos sociais a serem eleitos de acordo com o expresso na advertência a que se refere o Artigo Regulamento Eleitoral da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Coimbra, C.R.L. 2º supra, com a menção discriminada, no respeito pelo disposto nos Estatutos da CCAM, de:
a) Candidatos à eleição para a Mesa da Assembleia Geral e os cargos que cada um desempenhará;
b) Candidatos à eleição para o Órgão de Administração e os cargos que cada um desempenhará;
c) Candidatos à eleição para o Órgão de Fiscalização e os cargos que cada um desempenhará.
ARTIGO 7º (Admissão ou Rejeição de Candidaturas)
(…)
7. Caso inexistam quaisquer insuficiências e/ou irregularidades ou tendo as mesmas sido sanadas, o Presidente da Mesa da Assembleia Geral remete, de imediato, toda a documentação à Comissão de Avaliação em funções, com vista a que esta proceda à realização de reunião que terá por objectivo a avaliação da adequação individual de cada membro, efectivo ou suplente, candidato aos Órgãos de Administração e Fiscalização e colectiva desses respectivos Órgãos, nos termos do disposto no artigo 8º.
ARTIGO 8º (Intervenção da Comissão de Avaliação)
1. Recebida a documentação expedida pelo Presidente da Mesa da Assembleia Geral, o Presidente da Comissão de Avaliação convocará os restantes membros para reunião, a realizar com a maior brevidade possível, para efeitos da avaliação prévia ao exercício de funções dos candidatos aos Órgãos de Administração e Fiscalização da Caixa Agrícola. 2. A avaliação individual da adequação de cada candidato, efectivo ou suplente, aos Órgãos de Administração e Fiscalização da Caixa Agrícola, bem como a avaliação colectiva desses mesmos Órgãos, serão feitas nos termos da Política Interna de Selecção e Avaliação de Adequação dos Membros dos Órgãos de Administração e Fiscalização da Caixa Agrícola.
3. Concluída a avaliação nos termos e prazos da referida Política Interna de Selecção e Avaliação da Adequação dos Membros dos Órgãos de Administração e Fiscalização da Caixa Agrícola, a Comissão de Avaliação remeterá ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral o(s) relatório(s) de avaliação definitivo(s), do(s) qual(ais) constará(ão):
a) Qual(ais) a(s) lista(s) admitida(s) ou rejeitada(s);
(…)
c) Quanto à(s) lista(s) rejeitada(s), a fundamentação da rejeição.
ARTIGO 9º (Publicidade da decisão)
1. Recebido o relatório da Comissão de Avaliação, cujas conclusões são vinculativas, o Presidente da Mesa da Assembleia Geral afixará, em lugar visível, no átrio da Sede da Caixa Agrícola, a relação das candidaturas admitidas às eleições e das que o não foram, com a indicação dos fundamentos da rejeição.
(…)
Prosseguindo.
No que respeita à independência, conjugando o art. 31º-A, nº 2, b), e 4, do RGICSF, com o art. 414º, nº 5, do CSC, acima transcritos, e face aos factos provados 14. e 17., não se divisa a sua falta, de acordo com a fundamentação apresentada pela Comissão de Avaliação e MAG. Na verdade, não se descortina nenhuma relação de parentesco ou análoga, entre os identificados BB e II, nem relações profissionais ou de natureza económica que aquele BB mantenha com outros membros do órgão fiscalização da R., designadamente a A..., Lda, pois ser sócio desta não significa, de per si, ter uma relação profissional ou económica com a mesma. Pergunta-se, mas afinal de contas qual será a relação profissional entre aquele e esta, como se afirma na fundamentação de direito da decisão recorrida ? Não se sabe, pois nada se provou neste âmbito.
Desta sorte, verifica-se que o órgão de fiscalização pode vir a dispor de uma maioria de membros independentes, 3 efectivos, mais 1 suplente, na acepção do nº 5 do art. 414º do CSC, e art. 3º, nº 2, c), do RJSA, atrás mencionados, já que, da matéria provada apurada, decorre, também, que o BB e a A... não estão associados a qualquer grupo de interesses específicos na R. nem se encontram em alguma circunstância susceptível de afectar a sua isenção de análise ou de decisão, nomeadamente em virtude de serem titulares ou actuarem em nome ou por conta de titulares de participação qualificada igual ou superior a 2% do capital social da R. ou terem sido reeleitos por mais de dois mandatos, de forma contínua ou intercalada.
O mesmo se verificando quanto à independência do Conselho Fiscal, de acordo com o art. 35º, nº 1 a 3, dos Estatutos da R.
Como a Comissão de Avaliação e a MAG considerou adequados desde logo, dois dos seus três candidatos a efectivos - o Presidente, o Dr. CC e o Vogal, B..., Ldª, representada por HH -, segundo o facto provado 14., então, sendo, também, adequados as duas pessoas que foram rejeitadas, temos uma maioria, em rigor, unanimidade de candidatos adequados.
De modo que, ao contrário do referido pela Comissão de Avaliação e MAG (factos 14. e 17.), esta por adesão àquela, fazendo sua a fundamentação da primeira, a lista candidata ao Órgão de Fiscalização era individual e colectivamente adequada, atenta existência de uma maioria de membros considerados independentes, nos termos dos precitos atrás citados, o que devia ter determinado que a referida lista candidata ao Conselho Fiscal, apresentada pelo A., preenche os requisitos que lhe são aplicáveis e exigíveis, devia ter sido admitida.
Dado igualmente a mesma lista ter indicado aos 2 órgãos a eleger a totalidade dos candidatos (factos 6. e 7.), a separação que se operou como lista unitária/bloco ou lista por órgão não tinha razão de ser, como motivo de rejeição da lista candidata do A.
2.2. Vejamos as consequências da errada fundamentação da Comissão de Avaliação e errada decisão da MAG. Para isso, voltemos atrás, ao acórdão proferido anteriormente nos autos, por este Colectivo.
Como explica Pedro Maia (em Estudos de Direito das Sociedades, 11ª Ed., págs. 237/238), o regime da invalidade das deliberações assenta na distinção entre vícios ocorridos no procedimento deliberativo (vícios de procedimento) e vícios do conteúdo da deliberação (vícios de conteúdo). O procedimento deliberativo – ou “modo ou processo de formação” – constitui “uma sucessão de actos ordenados de certo modo em vista da produção de determinado efeito final”. Integram-se, pois, entre outros, no procedimento de uma deliberação a convocação da reunião, a reunião dos sócios, a discussão e apresentação de propostas, a votação, a contagem dos votos, o apuramento do resultado, etc. Existindo um vício em qualquer um destes aspectos, uma desconformidade com o disposto na lei ou no contrato de sociedade a respeito, por exemplo, da convocação (da sua “forma”, do seu conteúdo, da sua antecedência, da sua autoria, ou da reunião (onde deve ocorrer, quem lhe deve presidir, quem tem o direito de estar presente ou fazer-se representar, quem não pode estar presente, qual a percentagem de capital necessária para que a assembleia possa reunir), da discussão e apresentação de propostas (quem e que termos pode intervir na discussão, quem pode apresentar propostas), da votação (quem pode votar, a quantos votos tem direito cada sócio ou o seu representante), da contagem dos votos, do apuramento do resultado (qual a maioria necessária para se considerar aprovada determinada proposta de deliberação), etc, existindo um vício em qualquer um destes aspectos, dizíamos, teremos um vício no procedimento da deliberação.
Nestes vícios procedimentais, incluímos, por óbvio, actos praticados após a convocação da assembleia, como a rejeição de listas candidatas, como é o nosso caso, por parte do Presidente da MAG ou desta.
Pelo mesmo diapasão alinha Coutinho de Abreu, em CSC em Comentário, 1ª Ed., anotação ao referido artigo 58º, nota 2.1., e 3., respectivamente, págs. 671/675 e 676/677.
O mesmo sucede com L. Brito Correia (em D. Comercial, 3º vol., 2ª Tiragem, pág. 55) que professa que um acto do Presidente da Mesa está também sujeito a recurso para o tribunal, umas vezes especificamente, outras levado a cabo na acção de impugnação da deliberação social afectada na sua validade pelo acto do Presidente.
No nosso caso, como os estatutos da R. não preveem a impugnação de acto do presidente da MAG, que não admitiu lista de candidaturas, para a assembleia geral, deve seguir-se o regime de recurso, nos termos gerais da lei, para o tribunal, que no caso é a acção de impugnação/anulação de deliberação, prevista nos aludidos arts. 58º e 59º do CSC.
No caso concreto, defrontamo-nos com uma anulabilidade, a prevista no art. 58º, nº 1, a), do CSC, que dispõe que são anuláveis as deliberações que violem disposições quer da lei (quando ao caso não caiba a nulidade, nos termos do artigo 56º) quer do contrato de sociedade, pois o vício verificado ocorreu no procedimento deliberativo (vícios de procedimento), como atrás se explicitou.
3. Face ao exposto e ao que vamos decidir, queda prejudicado o conhecimento da 2ª questão acima elencada no ponto 1.
4. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC): (…)
IV - Decisão
Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, assim se revogando a decisão recorrida, e, consequentemente se anula a deliberação da R., em apreço nestes autos, de 30.6.2022 (eleição dos órgãos sociais da R. – Mesa da Assembleia Geral e Conselho Fiscal).
*
Custas a cargo da R.
*
Coimbra, 25.2.2025
Moreira do Carmo
Carlos Moreira
Fernando Monteiro