i) O depoimento de parte visa a obtenção de confissão de factos desfavoráveis ao confitente e que favoreçam a parte contrária, sendo esse o fim pretendido com o depoimento de parte (arts. 352º do CC, 452º e 463º do NCPC);
ii) O anterior CPC não admitia que o depoimento de parte pudesse ser probatoriamente valorado na parte em que lhe fosse favorável, mas o novo CPC de 2013 admite a prova por declarações de parte, a serem valoradas livremente pelo julgador; assim, a parte pode é aspirar a que o seu depoimento na parte que lhe seja favorável seja aproveitável, mas para que isso aconteça tem que manifestar, no acto de produção deste, que as declarações favoráveis que faça sejam valoradas como prova sujeita a livre apreciação do julgador, desde que a parte contrária esteja presente, ou lhe seja dada a possibilidade de igualmente ser ouvida;
iii) Afirmando o tomador do seguro, para efeito de contrato celebrado, ser ele o condutor habitual da viatura objecto do seguro, escondendo da Seguradora que o verdadeiro condutor habitual era o seu filho, jovem encartado ainda em regime probatório, nos termos do C. Estrada, com o intuito de obter um prémio muito mais barato do que o seu filho devia pagar, caso fosse ele a efectuar o seguro, este comportamento gera a anulabilidade desse contrato de seguro por inexactidão dolosa quanto à declaração de risco, nos termos do art. 25º, nº 1, da L. Contr. Seguro.
(Sumário elaborado pelo Relator)
I – Relatório
1. AA, residente em ..., intentou acção declarativa contra A... S.A., com sede em ..., peticionando que: i) se declare que a autora era a condutora habitual do veículo ..-..-DM; ii) se declare que a viatura beneficiava de seguro válido, à data do acidente, através da apólice nº ...77; iii) declare ilícita e de nenhum efeito a anulação/resolução do contrato seguro operada pela ré através do documento n.º 4 da petição inicial; iv) se condene a ré a pagar à autora a quantia de 52.440 €, a título de pagamento dos danos patrimoniais e morais sofridos e de imobilização do veículo; v) se condene a ré a pagar à autora ainda a título de imobilização o pagamento de todo o período que decorra desde esta data até à efectiva indemnização da autora no valor diário de 58 €; e todos os montantes acrescidos de juros de mora desde a citação até efectivo pagamento.
Para tanto, alegou, em síntese, que no dia 11.12.2022, o seu filho BB, conduzia o seu veículo ligeiro Nissan, tendo-se atravessado um javali na frente do veículo, no qual embateu, entrando em despiste, rodopiando e capotando, o que originou vários danos no veículo que foi transportado para uma oficina, não tendo reparação possível. Que transferiu a responsabilidade civil, por danos próprios e contra terceiros, resultantes da circulação do aludido veículo para a ré com início em 31.5.2022, não tendo a ré assumido a responsabilidade do acidente.
A ré contestou, invocando, em suma, a extinção do contrato de seguro por anulabilidade uma vez que a autora na declaração inicial do risco referiu que a condutora habitual seria ela e a ré veio a apurar após a ocorrência do sinistro que o mesmo era o seu filho, o referido BB, o qual se encontrava em regime probatório, pelo que a celebração do contrato nunca teria sido feita nos mesmos termos, com um prémio igual. No mais, impugnou a generalidade dos factos alegados, pugnando pela improcedência da acção.
*
A final foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção e decidiu:
1) Declarar ilícita e de nenhum efeito a anulação/resolução do contrato de seguro operada pela R. através da carta datada de 10.2.2023 referida no facto provado 34) e vertida no documento n.º 4 junto com a petição inicial (a fls. 12);
2) Declarar que a viatura de matrícula ..-..-DM beneficiava de seguro válido, a 11.12.2022, através da apólice nº ...77;
3) Condenar a R. a pagar à A. a quantia de 13.749 €, acrescida de juros civis de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, a título da perda total do veículo em face do valor seguro, deduzido do valor da franquia e do salvado;
4) Condenar a R. a pagar à A. a quantia de 13.500 € a título de dano de privação do uso do veículo, à qual acrescerão juros de mora civis contados desde a data da sentença até efectivo pagamento;
5) Condenar a R. a pagar à A. a quantia de 1.250 €, a título de danos não patrimoniais por esta sofridos, quantia à qual acrescerão juros de mora civis contados desde a data da sentença até efectivo pagamento;
6) Absolver a R. do demais peticionado.
*
2. A R. recorreu, formulando as seguintes conclusões:
1. Não se conformando com o teor da decisão proferida pelo Tribunal a quo, vem a Recorrente, por via do presente recurso, contestar tal decisão.
2. É do entendimento da Recorrente que jamais deveria ter sido considerada responsável pela regularização do sinistro em apreço.
3. Efectivamente, e com o devido respeito, a Sentença proferida pelo Tribunal a quo não procedeu a uma adequada valoração das declarações de parte da Autora e dos depoimentos prestados pelas Testemunhas BB e CC, em conjugação com a prova documental junta nos presentes autos, o que se reflectiu na factualidade dada como provada e não provada.
4. Por um lado, andou mal o Tribunal a quo ao julgar como não provado que o condutor habitual do veículo sinistrado, no momento da celebração do contrato de seguro in casu, era BB, filho da Recorrida.
5. De acordo com as declarações de parte da Recorrida, o veículo automóvel em apreço era utilizado pela própria, no decorrer do dia-a-dia, sendo que, em situações ocasionais emprestava tal viatura aos seus filhos, conforme aqueles necessitavam (00:01:49 a 00:02:03, 00:04:52 a 00:05:00, em sede de sessão de audiência de julgamento realizada a 10.05.2024).
6. Não obstante, é de salientar que tais declarações de parte deverão ser analisadas com especial cuidado, em conjugação com a restante prova produzida em sede dos presentes autos, dado que quem as produz não é isento ou parcial, mantendo um interesse no desfecho da causa.
7. Ora, pese embora a Testemunha BB ter, num momento inicial do seu depoimento, afirmado que o veículo em apreço pertencia à Recorrida (00:05:47 a 00:05:56, 00:22:30 a 00:22:40, em sede de sessão de audiência de julgamento realizada a 10.05.2024), a verdade é que aquele, em duas circunstâncias diferentes, acaba mesmo por admitir, inconscientemente, que tal viatura era, efectivamente, sua (00:29:42 a 00:29:48, 00:49:22 a 00:50:15, em sede de sessão de audiência de julgamento realizada a 10.05.2024).
8. O que, por seu turno, foi desconsiderado, por completo, pelo Tribunal a quo.
9. A par dessa questão, a Testemunha BB afirma, em sede de depoimento prestado, que toda a documentação respeitante ao veículo em apreço estava na sua posse, nomeadamente no seu telemóvel (00:39:52 a 00:40:58, em sede de sessão de audiência de julgamento realizada a 10.05.2024), sendo certo que tal comportamento, de acordo com as regras de experiência comum, é característico de um condutor habitual de um veículo automóvel e não de um mero utilizador.
10. Numa outra ordem de consideração, cumpre salientar que, tando a Recorrida (00:17:44 a 00:18:31, em sede de sessão de audiência de julgamento realizada a 10.05.2024), como a Testemunha BB (00:51:33 a 00:53:15, em sede de sessão de audiência de julgamento realizada a 10.05.2024) ofereceram respostas bastantes distantes quando confrontados com determinada prova documental junta aos autos, nomeadamente, uma factura e uma declaração para efeitos de seguro, ambas emitidas pela “B..., S.A”, em virtude da aquisição do veículo em apreço que, por seu turno, se encontram endereçadas a BB e um contrato de financiamento de crédito realizado, conjuntamente, no nome de ambos.
11. Sendo certo que, a sobredita Testemunha acabou por não demonstrar, de forma minimamente plausível, a razão pela qual a factura de aquisição da viatura sinistrada e a declaração para efeitos de recurso estarem endereçadas ao próprio.
12. Assim, sempre se dirá, que tais imprecisões e contradições detectadas no decurso dos depoimentos prestados pela Recorrida e pela Testemunha BB não permitem concluir que os mesmos decorreram de forma espontânea, clara e lógica, sendo notória a parcialidade e, consequentemente, a defesa dos interesses da Recorrida.
13. Motivo pelo qual, as declarações de parte prestadas pela Recorrida e o depoimento prestado pela Testemunha BB não merecem qualquer credibilidade.
14. Efectivamente, dúvidas não subsistem de que o condutor habitual do veículo sinistrado, aquando da celebração do contrato de seguro em apreço, era BB, filho da Recorrida, tanto é que os próprios assim o admitiram, em sede de declarações escritas, na sequencia da averiguação de tal sinistro.
15. Por outro lado, e nesse seguimento, considera a Recorrente que foi incorrectamente julgado como provado o facto das supra mencionadas declarações prestadas pela Recorrida e pelo seu Filho, em sede de averiguação do sinistro em causa, terem sido redigidas com base numa alegada coacção moral do Perito Averiguador.
16. Veja-se que, o Perito Averiguador CC, em sede de depoimento prestado, negou, de forma peremptória, ter tido qualquer tipo de interferência nas declarações prestadas por escrito pela Recorrida e pelo
seu filho (00:12:56 a 00:13:03 em sede de sessão de audiência de julgamento realizada a 10.05.2024).
17. A Testemunha CC, esclareceu, ainda, de forma clara, perceptível e convicta, que apenas solicitou à Recorrente e ao Senhor BB que descrevessem o acidente de viação conforme este tinha ocorrido (00:12:56 a 00:13:03 em sede de sessão de audiência de julgamento realizada a 10.05.2024).
18. Sendo certo que, tais declarações prestadas, no que diz respeito a outros aspectos que não a dinâmica do Sinistro in casu, resultaram, de uma forma natural, de perguntas colocadas pelo Perito Averiguador e nunca por uma “alta recreação” do Senhor BB e pela Recorrida, conforme afirma o Tribunal a quo (00:13:13 a 00:13:36, 00:15:03 a 00:16:39, em sede de sessão de audiência de julgamento realizada a 10.05.2024).
19. Em acréscimo, e em sede da acareação realizada no âmbito dos presentes autos, a Testemunha CC, reiterou, de forma firme e convicta, a posição anteriormente assumida (00:03:39 a 00:03:49 em sede de sessão de audiência de julgamento realizada a 10.05.2024).
20. Ora, cumpre, ainda, salientar que contrariamente à Recorrida e ao seu filho, BB, o Perito Averiguador não detém qualquer interesse no desfecho desta causa, o que lhe confere uma maior credibilidade em comparação com os restantes.
21. Efectivamente, a Recorrida e o seu filho admitiram, em sede de averiguação do sinistro in casu, por corresponder à verdade, que o condutor habitual do veículo sinistrado, aquando da celebração do contrato de
seguro em apreço, era BB, sendo certo que, a Recorrida não facultou deliberadamente tal informação à Recorrente, com o intuito de obter um prémio de seguro mais reduzido.
22. Assim, dúvidas não subsistem que a Recorrida actuou com dolo, visando, com a sua conduta fraudulenta, retirar para si uma vantagem patrimonial, em prejuízo da Recorrente, sendo, por essa razão, o presente contrato de seguro anulável, nos termos da Cláusulas 6.º e 7.º das condições gerais aplicáveis in casu, e, bem assim, nos termos do disposto no artigo 25.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro.
23. Por essa razão, jamais poderia a Recorrente ter sido considerada responsável pela regularização do sinistro em apreço.
24. Na verdade, a Recorrente julga ser manifesto que, no caso em apreço, a apreciação e valoração das declarações de parte da Recorrida e dos depoimentos prestados pelas Testemunhas BB e CC, em conjugação com a prova documental produzida no âmbito dos presentes autos, ofende as regras da experiência comum, restando ao Tribunal ad quem proceder à alteração da decisão de facto.
25. Pelo que, considerando os segmentos supra transcritos, aliados às explicações ora prestadas, se impugna a decisão relativa à matéria de facto, e se requer a reapreciação da prova gravada pelo Tribunal ad quem, na esteira do consignado no artigo 640.º do CPC.
26. Termos em que se impõe a alteração da matéria dada como provada e não provada, nos seguintes termos:
Os factos n.º 23, 24, 25, 26, 28 e 33 dos factos dados como provados deverão ser dados como não provados;
O facto n.º 31 dos factos dados como provados deverá ser alterado para: “No encontro atrás referido em 30), BB aditou por escrito à descrição da ocorrência do acidente melhor ilustrada a fls. 148 dos autos físicos, a seguinte passagem: «Adquiriu o veículo no dia 31-05-2022, tendo-se adaptado bem à sua condução, sendo o condutor habitual da viatura desde essa data. A participação do sinistro foi feita por sua mãe que assinou como condutora. Sendo induzida em erro para que o prémio fosse mais barato».”;
O facto n.º 32 dos factos dados como provados deverá ser alterado para: “32. No encontro atrás referido em 30), a Autora aditou por escrito à descrição da ocorrência do acidente melhor ilustrada a fls. 148 dos autos físicos, a seguinte passagem: «Confirmo as declarações acimas descritas pelo meu filho, não tendo mais nada a acrescentar. AA».”;
O facto n.º 38 dos factos dados como provados deverá ser alterado para: “38. Devido à circunstância de ter o carro destruído, a Autora encontra-se nervosa, sofre de insónias, dores de cabeça, acordando em sobressalto quando se encontra em descanso.”;
Os factos al. f) e g) dos factos dados como não provados deverão ser dados como provados”.
27. Sem conceder de tudo o supra exposto, e apenas por mero dever e cautela de patrocínio, cumpre sempre evidenciar que andou mal o Tribunal a quo ao condenar a Recorrente no pagamento da quantia de 13.500,00€ (treze mil e quinhentos euros), a título de indemnização pela privação do uso do veículo sinistrado, e no pagamento do valor de 1.250,00€ (mil duzentos e cinquenta euros), a título de danos não patrimoniais alegadamente sofridos.
28. Ora, o contrato de seguro automóvel assume a natureza jurídica de um contrato formal, cujo conteúdo é integrado pelo teor das condições gerais, especiais e particulares da apólice que o titula.
29. No que concerne ao seguro automóvel, nas condições particulares da apólice encontram-se elencadas as coberturas obrigatórias e facultativas contempladas pelo contrato, as quais se regem, não só pelo que aí está consignado, como, também, pelo regime jurídico constante do DL 291/200738, e, ainda, pelo clausulado que integra as condições gerais e especiais da apólice.
30. Nesse sentido, e da análise das condições particulares da apólice em apreço constata-se terem sido contratadas, entre outras, a cobertura facultativa de “choque, colisão e capotamento”.
31. Deste modo, analisada as condições do seguro, e atendendo ao facto dado como provado n.º2 da Sentença sub judice, constata-se que indemnização por privação do uso do veículo e indemnização por danos patrimoniais se encontram excluídas da cobertura do contrato de seguro celebrado entre a Recorrente e a Recorrida.
38 Regime do sistema de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel
32. Acresce que, a Recorrente não violou qualquer dever acessório de conduta atinente à execução do contrato de seguro em apreço.
33. Veja-se, inclusive, que caso não fosse lícita a averiguação das circunstâncias respeitantes aos sinistros participados às Seguradoras, não estaria previsto o regime de anulabilidade por declarações dolosas, ou o próprio crime de burla relativa a Seguros, previsto e punido do Código Penal.
34. Por conseguinte, jamais deveria ter sido condenada ao pagamento de uma indemnização pela privação do uso do veículo sinistrado e de uma indemnização a título de danos não patrimoniais alegadamente sofridos.
NESTE TERMOS, E NOS QUE V. EXAS. MUITO DOUTAMENTE
Deve ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, e, consequentemente:
Os factos n.º 23, 24, 25, 26, 28 e 33 dos factos dados como provados deverão ser dados como não provados;
O facto n.º 31 dos factos dados como provados deverá ser alterado para: “No encontro atrás referido em 30), BB aditou por escrito à descrição da ocorrência do acidente melhor ilustrada a fls. 148 dos autos físicos, a seguinte passagem: «Adquiriu o veículo no dia 31-05-2022, tendo-se adaptado bem à sua condução, sendo o condutor habitual da viatura desde essa data. A participação do sinistro foi feita por sua mãe que assinou como condutora. Sendo induzida em erro para que o prémio fosse mais barato».”;
O facto n.º 32 dos factos dados como provados deverá ser alterado para: “32. No encontro atrás referido em 30), a Autora aditou por escrito à descrição da ocorrência do acidente melhor ilustrada a fls. 148 dos autos físicos, a seguinte passagem:
«Confirmo as declarações acimas descritas pelo meu filho, não tendo mais nada a acrescentar. AA».”;
O facto n.º 38 dos factos dados como provados deverá ser alterado para: “38. Devido à circunstância de ter o carro destruído, a Autora encontra-se nervosa, sofre de insónias, dores de cabeça, acordando em sobressalto quando se encontra em descanso.”
Os factos al. f) e g) dos factos dados como não provados deverão ser dados como provados”.
Assim como,
Deve ser a Recorrente absolvida do pagamento das quantias a que foi condenada, a título de regularização do sinistro em apreço.
Sem prescindir,
Sempre deverá a Sentença sub judice ser revogada, absolvendo-se a Recorrente do pagamento das quantias a que foi condenada, a título da privação do uso do veículo sinistrado e a título danos não patrimoniais.
3. A A. contra-alegou, concluindo que:
1ª As conclusões do recurso não são apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações, mas são sobretudo as definidoras do objeto do recurso e balizadoras do âmbito do conhecimento do tribunal.
2ª As alegações da recorrente no sentido de interpretar de modo distinto os depoimentos das partes e das testemunhas mais não se trata de uma análise que permite uma decisão diversa, mas não consubstanciam, em si, um erro de julgamento impondo uma decisão distinta.
Em suma, os depoimentos das testemunhas ressalvados pela recorrente nas suas alegações, mais não se tratam do que uma versão diferente da que foi considerada provada e não provada pelo tribunal “a quo”.
Não resultando qualquer erro de julgamento que imponha uma decisão diversa, terá de improceder o recurso da matéria de facto mantendo-se inalterada a matéria considerada provada e a não provada.
3ª A R. alicerça a impugnação da matéria de facto no depoimento do filho da A., o Sr. BB, com depoimento gravado no sistema informático no dia 10/05/2024, desde as 11:36h a 12:55h.
Do depoimento desta testemunha resulta claro que o veículo é propriedade da A., em nome de quem está registada na conservatória do registo automóvel, que o utilizava, por vezes, com autorização da mãe para se deslocar às aulas no ensino superior, quando não tinha boleia ou necessitava de alguma coisa urgente.
Aliás, esclareceu que ia quase sempre de autocarro para a escola. (o que se retira das passagens de 15 min. a 27.33min e de 01.08.12h a 01.12.33h.)
4ª Alicerça, ainda, a impugnação da matéria de facto no depoimento da testemunha, CC, que foi acareado com a A.. A acareação foi gravada desde 16.20h às 16.26h com o título, “Autor: AA”, da passagem 00 min. a 04.30 min. resulta que a testemunha, DD, quando acareado com a A. em vez de responder às questões que lhe eram colocadas ameaçou-a, de imediato, com uma queixa crime, que queria uma certidão e que iria avançar com uma queixa crime de denuncia caluniosa.
O que leva a formar a convicção de que terá utilizado a mesma forma de actuação quando recolheu os depoimentos do BB e da mãe aquando da averiguação de sinistro. Não se coibindo de ameaçar com queixas crime.
5ª Conclui-se que bem andou o tribunal “a quo” e que não existe qualquer erro de julgamento quanto à matéria de facto.
Não existindo as imprecisões e contradições que a R. pretende “levantar” nas suas alegações de recurso.
Devendo manter-se inalterada a matéria de facto.
6ª A R. anulou o seguro por meio de comunicação escrita, datada de 10/02/2023, invocando que a cliente/tomadora do seguro não era condutora habitual do veículo sinistrado e que tal tem influência ao nível da celebração do contrato de seguro e da determinação do valor do prémio, ao abrigo do art.25º do DL nº72/2008 de 16 de abril.
O que se veio a verificar ser falso, pois a A. é a condutora habitual de tal veículo, é proprietária do mesmo e no dia do acidente limitou-se a “emprestar” o veículo ao filho.
Tal anulação do contrato de seguro pela R. consubstancia uma resolução ilícita do contrato.
7ª Constitui-se, deste modo, na obrigação de indemnizar a A. por todos os danos que lhe foram causados por tal actuação, designadamente privação de uso e danos morais.
8ª Constitui-se a R. na obrigação de indemnizar a A. no valor do veículo à data do acidente, no período que mediou entre o acidente e a presente data por não ter veículo nem lhe ter sido disponibilizada a indemnização, e ainda por todas as angústias e sofrimentos derivados do incumprimento do contrato por serem graves e que merecerem a tutela do direito.
9ª A actuação da R., uma empresa seguradora de prestígio, não pode acontecer tal como o fez ultrapassando os danos causados pela sua acção as fronteiras da banalidade, que, segundo as máximas da experiência, do bom senso, e das regras do homem médio, torne inexigível a sua aceitação.
Nestes termos requer a V.Exªs se dignem considerar improcedente e não provado ao recurso. Confirmando a douta sentença recorrida na íntegra.
II – Factos Provados
1) A 31-05-2022, Autora e Ré celebraram entre si um contrato de seguro do ramo Automóvel, titulado pela apólice nº ...77, mediante o qual a Autora transferiu para a Ré a responsabilidade civil relativa à circulação do veículo automóvel ligeiro de passageiros da marca Nissan, com a matrícula ..-..-DM, sendo a primeira matrícula datada de 03-2021.
2) Nesse contrato de seguro, para além das obrigatórias respeitantes à responsabilidade civil, foram igualmente contratadas, entre outras, as seguintes coberturas facultativas:
Assistência
- Veículo de substituição, pelo período imobilização, em caso de: (…) Acidente (máx. 30 dias, 2 ocorrências/ano). Máx. 5 dias entre imobilização e início da reparação;
Proteção de ocupantes e condutor
- Despesas de tratamento do condutor com o capital seguro de € 1.500,00;
- Despesas de tratamento de ocupantes com o capital seguro de € 1.000,00;
Danos próprios
- Choque, colisão ou capotamento, capital seguro até € 17.000,00, com franquia de € 250,00.
3) Das condições gerais e especiais do contrato referido em 1) constam, entre outras, as seguintes cláusulas:
«CAPÍTULO II
Declaração do risco, inicial e superveniente
Cláusula 6.ª - Dever de declaração inicial do risco
1. O Tomador do Seguro ou o Segurado está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exatidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo Segurador.
2. O disposto no número anterior é igualmente aplicável a circunstâncias cuja menção não seja solicitada em questionário eventualmente fornecido pelo Segurador para o efeito.
3. O Segurador que tenha aceitado o contrato, salvo havendo dolo do Tomador do Seguro ou do Segurado com o propósito de obter uma vantagem, não pode prevalecer-se:
a) Da omissão de resposta a pergunta do questionário;
b) De resposta imprecisa a questão formulada em termos demasiado genéricos;
c) De incoerência ou contradição evidente nas respostas ao questionário;
d) De facto que o seu representante, aquando da celebração do contrato, saiba ser inexato ou, tendo sido omitido, conheça;
e) De circunstâncias conhecidas do Segurador, em especial quando são públicas e notórias.
4. O Segurador, antes da celebração do contrato, deve esclarecer o eventual Tomador do Seguro ou o Segurado acerca do dever referido no n.º 1, bem como do regime do seu incumprimento, sob pena de incorrer em responsabilidade civil, nos termos gerais.
Cláusula 7.ª - Incumprimento doloso do dever de declaração inicial do risco
1. Em caso de incumprimento doloso do dever referido no n.º 1 da cláusula anterior, o contrato é anulável mediante declaração enviada pelo Segurador ao Tomador do Seguro.
2. Não tendo ocorrido sinistro, a declaração referida no número anterior deve ser enviada no prazo de três (3) meses a contar do conhecimento daquele incumprimento.
3. O Segurador não está obrigado a cobrir o sinistro que ocorra antes de ter tido conhecimento do incumprimento doloso referido no n.º 1 ou no decurso do prazo previsto no número anterior, seguindo-se o regime geral da anulabilidade.
4. O Segurador tem direito ao prémio devido até ao final do prazo referido no n.º 2 salvo se tiver concorrido dolo ou negligência grosseira do Segurador ou do seu representante.
5. Em caso de dolo do Tomador do Seguro ou do Segurado com o propósito de obter uma vantagem, o prémio é devido até ao termo do contrato.
Cláusula 8.ª - Incumprimento negligente do dever de declaração inicial do risco
1. Em caso de incumprimento com negligência do dever referido no n.º 1 da cláusula 6. o Segurador pode, mediante declaração a enviar ao Tomador do Seguro, no prazo de três (3) meses a contar do seu conhecimento:
a) Propor uma alteração do contrato, fixando um prazo, não inferior a catorze (14) dias, para o envio da aceitação ou, caso a admita, da contraproposta;
b) Fazer cessar o contrato, demonstrando que, em caso algum, celebra contratos para a cobertura de riscos relacionados com o facto omitido ou declarado inexatamente.
2. O contrato cessa os seus efeitos trinta (30) dias após o envio da declaração de cessação ou vinte (20) dias após a receção pelo Tomador do Seguro da proposta de alteração, caso este nada responda ou a rejeite.
3. No caso referido no número anterior, o prémio é devolvido pro rata temporis atendendo à cobertura havida.
4. Se, antes da cessação ou da alteração do contrato, ocorrer um sinistro cuja verificação ou consequências tenham sido influenciadas por facto relativamente ao qual tenha havido omissões ou inexatidões negligentes:
a) O Segurador cobre o sinistro na proporção da diferença entre o prémio pago e prémio que seria devido, caso, aquando da celebração do contrato, tivesse conhecido o facto omitido ou declarado inexatamente;
b) O Segurador, demonstrando que, em caso algum, teria celebrado o contrato se tivesse conhecido o facto omitido ou declarado inexatamente, não cobre o sinistro e fica apenas vinculado à devolução do prémio.
Clausula 9.ª - Agravamento do risco
1. O Tomador do Seguro ou o Segurado tem o dever de, durante a execução do contrato, no prazo de catorze (14) dias a contar do conhecimento do facto, comunicar ao Segurador todas as circunstâncias que agravem o risco, desde que estas, caso fossem conhecidas pelo Segurador aquando da celebração do contrato, tivessem podido influir na decisão de contratar ou nas condições do contrato.
2. No prazo de trinta (30) dias a contar do momento em que tenha conhecimento do agravamento do risco, o Segurador pode:
a) Apresentar ao Tomador do Seguro proposta de modificação do contrato, que este deve aceitar ou recusar em igual prazo, findo o qual se entende aprovada a modificação proposta;
b) Resolver o contrato, demonstrando que, em caso algum, celebra contratos que cubram riscos com as características resultantes desse agravamento do risco.
3. A resolução do contrato produz efeitos quinze (15) dias a contar da data do envio da declaração nesse sentido, prevista na alínea b) do número anterior.
Cláusula 10.ª - Sinistro e agravamento do risco
1. Se antes da cessação ou da alteração do contrato nos termos previstos na cláusula anterior ocorrer o sinistro cuja verificação ou consequência tenha sido influenciada pelo agravamento do risco, o Segurador:
a) Cobre o risco, efetuando a prestação convencionada, se o agravamento tiver sido correta e tempestivamente comunicado antes do sinistro ou antes de decorrido o prazo previsto no n.º 1 da cláusula anterior;
b) Cobre parcialmente o risco, reduzindo-se a sua prestação na proporção entre o prémio efetivamente cobrado e aquele que seria devido em função das reais circunstâncias do risco, se o agravamento não tiver sido correta e tempestivamente comunicado antes do sinistro;
Pode recusar a cobertura em caso de comportamento doloso do Tomador do Seguro ou do Segurado com o propósito de obter uma vantagem, mantendo direito aos prémios vencidos. 2. Na situação prevista nas alíneas a) e b) do número anterior, sendo o agravamento do risco resultante de facto do Tomador do Seguro ou do Segurado, o Segurador não está obrigado ao pagamento da prestação se demonstrar que, em caso algum, celebra contratos que cubram riscos com as características resultantes desse agravamento do risco
(...)
Cláusula 39.ª – Coberturas facultativas
1. Conforme estabelecido no ponto 3 da Cláusula Preliminar, o presente Contrato poderá garantir, nos termos estabelecidos nas Condições Especiais e relativamente àquelas que expressamente constem das Condições Particulares, o pagamento das indemnizações, para além do âmbito do seguro obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, devidas por:
a) Responsabilidade civil facultativa;
b) Choque, colisão e capotamento;
c) Choque, colisão, capotamento e Quebra isolada de vidros;
d) Incêndio, raio e explosão;
e) Furto ou roubo;
f) Complemento de indemnização por perda total;
g) Quebra de vidros Prestador Indicado;
h) Quebra de vidros Plus;
i) Quebra de vidros Mais;
j) Fenómenos da natureza;
k) Atos de vandalismo;
l) Danos em fatos e capacetes quando o veículo seguro for um motociclo;
m) Privação de uso - VIP;
n) Automóvel de substituição;
o) Proteção dos ocupantes e condutor;
p) Proteção especial do condutor;
q) Assistência a pessoas e/ou ao veículo;
r) Viatura de substituição em Portugal.
2. Quando tal for expressamente acordado e constar das Condições Particulares, as garantias conferidas pelas Condições Especiais a que se referem as alíneas b), c), d), e), j) e k) do número anterior somente darão cobertura ao risco de Perda Total do veículo seguro, não havendo consequentemente lugar a qualquer pagamento de indemnização quando se verificar uma perda parcial no referido veículo.
(…)
Cláusula 43.ª – Regras de desvalorização
1. Após a determinação do valor seguro nos termos da cláusula anterior, e salvo se outro regime de desvalorização for acordado e expresso nas Condições Particulares, o valor do veículo seguro para efeitos de determinação do montante a indemnizar em caso de perda total, será, nos meses e anuidades seguintes aos da celebração do contrato, automática e sucessivamente alterado de acordo com a tabela de desvalorização aplicável.
(…)
Cláusula 46.ª – Franquias
1. As franquias aplicáveis em relação a cada uma das coberturas serão as estipuladas nas Condições Particulares.
2. O valor da franquia será sempre deduzido no momento do pagamento da indemnização, ainda que o Segurador o realize diretamente à entidade reparadora ou a qualquer outra.
(…)
CONDIÇÕES ESPECIAIS
A estas Condições Especiais aplicam-se as Condições Gerais do Seguro Automóvel Facultativo
RESPONSABILIDADE CIVIL FACULTATIVA
Cláusula 1.ª – Definição
RESPONSABILIDADE CIVIL FACULTATIVA: Cobertura complementar de Responsabilidade Civil para além do montante legalmente exigido quanto à obrigação de segurar ou a que for contratada para veículos não sujeitos àquela obrigação.
Cláusula 2.ª – Âmbito da cobertura
A presente Condição Especial garante, até ao limite definido nas Condições Particulares, o pagamento das indemnizações que excedam o capital garantido pelo seguro de Responsabilidade civil obrigatória e que, de acordo com a lei, sejam exigíveis ao Segurado, em consequência de responsabilidade civil extracontratual, por danos causados a terceiros, decorrente da circulação do veículo ou veículos seguros.
Cláusula 3.ª – Exclusões
1. Para além das exclusões previstas nas cláusulas 5.ª e 40.ª das Condições Gerais, não ficam garantidas ao abrigo da presente Condição Especial as seguintes situações:
a) Danos causados a terceiros, em consequência de acidente de viação resultante de furto, roubo ou furto de uso;
b) Os danos causados por um veículo rebocado a um veículo rebocador ou por este àquele ainda que ao contrato se aplique a Cláusula Particular de Inclusão do Serviço de Reboque;
c) Danos ou lesões causados a pessoas transportadas, quando o veículo seguro não esteja oficialmente autorizado para o transporte de pessoas;
d) Responsabilidade civil contratual.
2. Salvo quando expressamente previsto nas Condições Particulares, não ficarão igualmente garantidos ao abrigo da presente Condição Especial quaisquer danos causados a terceiros em consequência de acidentes ocorridos com o veículo seguro no perímetro interior de aeroportos ou aeródromos.
Cláusula 4.ª – Capital seguro
O capital seguro garantido ao abrigo desta cobertura é o indicado nas Condições Particulares da Apólice, o qual já integra o valor correspondente ao capital mínimo obrigatório.
(…)
CHOQUE, COLISÃO E CAPOTAMENTO
Cláusula 1.ª - Definições
Para efeito da presente Condição Especial considera-se:
CHOQUE: Danos no veículo seguro resultantes do embate contra qualquer corpo fixo ou sofrido por aquele quando imobilizado;
COLISÃO: Danos no veículo seguro resultantes do embate com qualquer outro corpo em movimento;
CAPOTAMENTO: Danos no veículo seguro resultantes de situação em que este perca a sua posição normal e não resulte de Choque ou Colisão.
Cláusula 2.ª - Âmbito da cobertura
Em derrogação do disposto na alínea a) do n.º 4 da cláusula 5.ª, a presente Condição Especial garante ao Segurado o ressarcimento dos danos que resultem para o veículo seguro em virtude de choque, colisão ou capotamento.
A presente Condição Especial é exclusivamente aplicável a veículos ligeiros.
COMPLEMENTO DE INDEMNIZAÇÃO POR PERDA TOTAL
Cláusula 1.ª – Âmbito da cobertura
1. A presente Condição Especial garante ao Segurado o pagamento de um Complemento de indemnização, em caso de perda total do veículo seguro causada por um sinistro cuja responsabilidade seja exclusivamente imputada a intervenientes distintos do Tomador do Seguro, do Segurado e/ou do Condutor do veículo seguro.
2. Quando tenham sido contratadas as coberturas de Choque, colisão e capotamento, de Incêndio, raio e explosão e/ou de Furto ou roubo, Fenómenos da natureza e Atos de vandalismo a presente Condição Especial garante igualmente o pagamento do Complemento de indemnização em caso de perda total do veículo seguro quando a mesma for consequência de qualquer facto garantido ao abrigo das referidas coberturas.
Cláusula 2.ª – Limites de indemnização
O valor do Complemento de indemnização a pagar em caso de perda total do veículo seguro será determinado em função das seguintes regras:
a) Durante os primeiros 36 meses a contar da data de primeira matrícula do veículo seguro e desde que a subscrição da presente cobertura tenha ocorrido nos 12 meses seguintes a contar dessa mesma data, o Complemento de indemnização a pagar corresponderá à diferença entre o valor venal e o valor de aquisição em novo de um veículo idêntico, à data do sinistro;
b) Após o 37.º mês, inclusive, a contar da data da primeira matrícula do veículo seguro, ou sempre que a subscrição da presente cobertura ocorra após o 12.º mês a contar daquela mesma data, o Complemento de indemnização a pagar corresponderá a 20% do valor venal do veículo seguro à data do sinistro (…)».
4) Das condições particulares da apólice nº ...77 consta, para além de que a tabela de desvalorização é o «01», o seguinte:
«O Veículo Seguro atrás indicado, encontra-se sujeito à tabela de desvalorização a seguir apresentada:
Tabela de Desvalorização (01) do Veiculo Valores expressos em percentagem
1.º ANO 2.º ANO 3.º ANO
01 01,60 20,00 29,60 (…)
02 03,20 20,80 30,40 (…)
(…)
A partir do início do período de vigência após o 10º ano de construção o objeto seguro não sofrerá desvalorização.
O valor do capital seguro do veículo indicado nas condições particulares corresponde ao do início do período de vigência do contrato e sofrerá até ao termo do mesmo período a desvalorização mensal prevista na tabela.
VMP - Percentagens a aplicar sobre o valor correspondente ao do início de cada período de vigência para determinação do Valor Médio Ponderado sobre o qual incidiu a taxa para cálculo do prémio.
O prémio das coberturas de danos próprios desta anuidade foi calculado com base no Valor Médio Ponderado de 16 082,00 €».
5) A proposta de seguro automóvel, bem como o contrato definitivo, foram realizados através da C..., Lda., no exercício da sua actividade comercial como mediadora de seguros.
6) Aquando da celebração do aludido contrato de seguro, a Autora AA, na qualidade de Tomadora de Seguro, identificou-se como condutora habitual do veículo, tendo sido esta circunstância considerada pela aqui Ré para avaliação do risco.
7) Previamente à celebração do contrato de seguro, a Autora indicou o dia 15 de Outubro de 1970 como data de nascimento e o dia 15 de Outubro de 1990 como data de emissão da carta de condução, tendo sido com base nessas informações que a Ré realizou a avaliação do risco por si assumido e, por consequência, a quantificação do prémio.
8) Por força da Apresentação 06338 de 04/08/2022, mostra-se registada na Conservatória do Registo Automóvel a propriedade do veículo com a matrícula ..-..-DM, marca Nissan, a favor de AA, estando igualmente registada a reserva de propriedade a favor de Banco 1..., S.A..
9) BB nasceu no dia ../../2001 e encontra-se registado como filho de EE e de AA.
10) No dia 11-12-2022, pelas 23h30, na Estrada Nacional n.º ...53, ao Km 9,500, União das freguesias ... e ..., concelho ..., BB conduzia o veículo ligeiro de passageiro, marca Nissan, com a matrícula ..-..-DM.
11) Era de noite, chovia, o piso estava molhado, o local trata-se de uma recta, com duas vias de trânsito separada por linha longitudinal descontínua, sem obstáculos, com o pavimento em alcatrão, e a largura da faixa de rodagem de 6,20 metros.
12) O veículo ligeiro de passageiro, marca Nissan, com a matrícula ..-..-DM, seguia no sentido ... - ....
13) BB conduzia o referido veículo ..-..-DM pela hemi-faixa direita de rodagem direita, a cerca de 80 km/h.
14) No aludido veículo seguia FF como passageira.
15) No momento referido em 10), um javali de grande porte atravessou-se na frente do veículo de marca Nissan, com a matrícula ..-..-DM, vindo a correr do mato e quintas que ladeiam a via de trânsito.
16) O veículo ..-..-DM embateu com a frente no javali, matando-o.
17) O veículo ..-..-DM entrou em despiste, rodopiando e capotando, até que se imobilizou fora da via, a cerca de 9 metros do limite da berma da hemi-faixa de rodagem do sentido contrário (... - ...).
18) Como consequência directa e necessária do embate referido em 16), a frente direita e esquerda, a lateral direita frente, centro e traseira, a traseira direita e esquerda, a lateral esquerda frente, centro e traseira, o tejadilho e capot do veículo ..-..-DM ficaram destruídos.
19) Ao local acorreu uma ambulância dos Bombeiros Voluntários ... que prestou primeiros socorros a BB e FF, que os transportou para a Unidade Local de Saúde ....
20) O veículo ..-..-DM foi transportado para a oficina da B..., S.A.
21) Até à data, a Ré não assumiu a responsabilidade do acidente, não paga o valor do veículo, não assume nem disponibiliza veículo de substituição, apesar de a Autora a ter interpelado desde o acidente para que assuma os prejuízos do veículo.
22) Entre a data da celebração do contrato de seguro e do acidente, BB estudou na Escola Superior ..., sendo o período de leccionação de aulas de segunda a quinta-feira.
23) Em data não concretamente apurada, mas seguramente após a celebração do contrato de seguro referido em 2), e até à data do acidente, a Autora emprestou o veículo ..-..-DM ao filho BB, um número não concretamente determinado de vezes, mas sempre inferior a catorze, com uma periodicidade irregular e frequência até ao máximo de duas vezes por mês, por um período que decorria entre domingo e quinta-feira, e apenas quando o mesmo não se deslocava de autocarro ou apanhava boleia para ....
24) Os empréstimos referidos em 23) eram realizados com a finalidade de BB se poder deslocar para ..., a fim de poder frequentar as aulas na Escola Superior ....
25) No dia referido em 10), a Autora emprestou o veículo ..-..-DM ao filho para este se deslocar de ... à localidade de ....
26) O veículo sinistrado era utilizado e conduzido pela Autora, diariamente, para se deslocar para o trabalho, para ir às compras, para as suas deslocações em férias e fins-de-semana, com excepção nos períodos em que emprestava o carro ao seu filho, referidos em 23) e 25).
27) A Autora tem o seu carro imobilizado desde a data do acidente em virtude do descrito em 17), por não poder circular.
28) A Autora comprou o veículo sinistrado com recurso a crédito pessoal, tendo sido reclamada pela Banco 2... o valor total da dívida de € 13.021,99.
29) Na sequência da participação do sinistro, a Ré procedeu à abertura do processo de sinistro e ordenou a averiguação das circunstâncias em que o mesmo ocorreu, nomeando para o efeito o Perito Averiguador CC, que elaborou o competente relatório de averiguação junto aos autos como documento n.º 3 com a contestação, cujo teor se dá aqui como reproduzido.
30) Em data não concretamente apurada, após 11-12-2022 e seguramente antes de 10-02-2023, o perito averiguador CC, em representação da Ré, encontrou-se com a Autora e com BB no Centro Comercial ....
31) No encontro atrás referido em 30), BB apôs pelo seu punho, aditando por escrito à descrição da ocorrência do acidente melhor ilustrada a fls. 148 dos autos físicos, após instruções e sugestão do perito averiguador, a seguinte passagem:
«Adquiriu o veículo no dia 31-05-2022, tendo-se adaptado bem à sua condução, sendo o condutor habitual da viatura desde essa data. A participação do sinistro foi feita por sua mãe que assinou como condutora. Sendo induzida em erro para que o prémio fosse mais barato».
32) No encontro atrás referido em 30), a Autora apôs pelo seu punho, aditando por escrito à descrição da ocorrência do acidente melhor ilustrada a fls. 148 dos autos físicos, após instruções e sugestão do perito averiguador, a seguinte passagem:
«Confirmo as declarações acimas descritas pelo meu filho, não tendo mais nada a acrescentar.
AA».
33) A Autora e BB declararam por escrito o referido em 31) e 32) após o perito averiguador CC lhes ter referido que os enganos na descrição do nome e data de nascimento do condutor, nos segmentos «DD» e «../../1991», na declaração amigável junta aos autos a fls. 147 constituía a prática de um crime e que a forma de não haver qualquer problema nem consequência junto da seguradora seria escrever as declarações referidas em 31) e 32).
34) A Ré remeteu carta datada de 10-02-2023 à Autora, por esta recebida, com o seguinte teor:
«Assunto:
Contrato n.º ...77
..., 10 de fevereiro de 2023
Exmo/a.(s) Senhor/a(s):
Reportando-nos ao assunto em referência, informamos termos constatado que da proposta de seguro subscrita por V. Exa. constam inexatidões, nomeadamente quanto ao condutor habitual da viatura segura, com influência ao nível da celebração do contrato e da determinação do valor do prémio.
As referidas inexatidões subsumem-se no disposto no artigo 25º do Decreto-Lei 72/2008 de 16 de Abril, pelo que, nos termos desta norma, o contrato titulado pela apólice acima indicada considera-se ANULADO E DE NENHUM EFEITO, desde o seu Início.
Com os nossos melhores cumprimentos».
35) A Autora remeteu à Ré carta datada de 12-02-2023 com o seguinte teor:
«Assunto: ...51
..., 12/02/2023
Boa tarde,
Em resposta à vossa correspondência de dia 10 de fevereiro no qual alegaram como motivo para anulação do contrato e consequentemente recusa da assunção de responsabilidade no sinistro em assunto, que eu não sou condutora habitual da viatura, vou pelo seguinte a informar que efetivamente sou a condutora habitual da viatura e que no dia em questão a mesma tinha sido emprestada ao meu filho.
Desta forma solicito que assumam a responsabilidade pelo sinistro em apresso por forma a evitar prejuízos maiores.
Sem outro assunto de momento
Melhores cumprimentos».
36) A 17-02-2023, a Autora, através do seu Advogado Dr. GG, remeteu à Ré, para o endereço electrónico «..........@.....» uma mensagem de correio electrónico com o seguinte teor:
«Exmºs Srs
A..., s.a
Apresento os meus mais respeitosos cumprimentos
A M/ cliente, AA, incumbiu-me de transmitir o seguinte:
O contrato de seguro nº ...77 foi anulado por V.Exªs invocando pata tanto inexatidões na proposta de seguro, designadamente quanto ao condutor habitual da viatura segura.
A M/ cliente já tinha tido oportunidade de esclarecer que é efectivamente a condutora habitual da viatura. Sendo que na data do acidente a viatura era tripulada pelo filho o que fazia pontualmente com autorização da mãe.
O Veiculo é da propriedade da M/ cliente, por ela sempre conduzido, a qual é a tomadora do seguro.
Face ao exposto, requer-se a V.Exªs se dignem reconsiderar a V/ posição e assumir a responsabilidade no sinistro.
Cumprimentos cordiais.
GG».
37) A 22-02-2023, a Ré respondeu à mensagem atrás referida em 32) através de mensagem de correio electrónico com o seguinte teor:
«OCORRÊNCIA Nº: ...43
SINISTRO Nº: ...51
Exmo. Senhor Dr. GG,
Temos presente o seu email de 22-02-2023.
Pelo presente informamos que com base em todos os elementos que constituem o nosso processo encontra-se provado quem efetivamente era o condutor habitual da viatura.
Face ao exposto, mantemos posição transmitida à sua cliente.
Com os melhores cumprimentos
HH
Direção de Sinistros Unidade Automóvel/Motor
Avenida ..., ... ... ...
T:...10
E-mail: ..........@.....».
38) Devido à circunstância de ter o carro destruído, em face dos fundamentos usados pela Ré para anular o seguro descritos em 34) e da atitude do perito da Ré descrita em 32) e 33), a Autora encontra-se nervosa, sofre de insónias, dores de cabeça, acordando em sobressalto quando se encontra em descanso.
39) O valor de mercado do veículo ..-..-DM antes do embate referido em 16) era de cerca de € 16.655,50.
40) Quanto ao veículo ..-..-DM, a estimativa do orçamento de reparação é de € 20.704,65.
41) O valor do veículo ..-..-DM, com os danos resultantes do embate (salvado), é de € 3.001,00.
42) BB é titular da carta de condução ... – ...58 9 Classe B, emitida e válida desde 29-01-2022.
43) AA é titular da carta de condução ...18 3 Classe B, emitida em ../../1992.
44) Caso figurasse o BB como condutor habitual do contrato referido em 1), o prémio total anual rondaria os € 927,12, em vez de € 305,86.
45) À data do acidente, o capital seguro, aplicada a actualização prevista no contrato de seguro, era de € 15.969,70.
*
Factos Não Provados
(…)
Da contestação:
f) Contrariamente ao indicado pela Autora aquando da celebração do contrato de seguro, o condutor habitual do veículo era BB.
g) A Autora, tendo conhecimento do verdadeiro e efectivo condutor habitual do veículo, não facultou deliberadamente essa informação à aqui Ré, identificando-se, por sua vez, como tal, visando retirar da sua actuação uma vantagem patrimonial para si, em prejuízo da Ré.
(…)
*
III - Do Direito
1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC).
Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.
- Alteração da decisão da matéria de facto.
- Anulação do contrato de seguro facultativo, por danos próprios, por falsas declarações na declaração inicial do risco por parte da A.
- Do direito à A. às quantias peticionadas, com base na responsabilidade civil contratual decorrente de contrato de seguro automóvel, na modalidade de danos próprios, por ocorrência de danos no veículo segurado na R.
2. A R. impugna a decisão da matéria de facto, relativamente aos factos provados 23., 24., 25. 26., 28. e 33., que pretende passem a não provados, 31., 32. e 38., nos quais pretende aditamento/alteração, e factos não provados f) e g), que pretende passem a provados, com base nas declarações de parte da A., e depoimentos testemunhais de BB e CC e prova documental (docs. 1 e 3 da contestação e 9 da p.i.), conforme as suas conclusões de recurso (as 3. a 26.). Enquanto a recorrida defende a improcedência das mesmas, com base no depoimento da testemunha BB e acareação entre a testemunha CC e a A. (cfr. conclusões 2ª a 5ª).
O julgador exarou a seguinte motivação quanto à matéria impugnada:
“O julgador tem de apreciar e valorar a prova na sua globalidade, estabelecendo conexões, conjugando os diferentes meios de prova e não desprezando as presunções simples, naturais ou lógicas, que são meios legalmente admitidos para a valorização das provas e de formação da convicção.
(…)
No que respeita aos factos 22) a 28), atinentes à utilização do veículo ..-..-DM, o Tribunal ponderou o teor do depoimento de parte de AA, na parte não desfavorável, e do depoimento de BB.
Não se ignora que o teor das declarações de parte ou do depoimento de parte na parte em que o mesmo não seja desfavorável à própria parte que o emite deve ser sempre atendido e valorado cum grano salis. Aliás, não se pode negligenciar que não são, pela sua própria natureza, declarações desinteressadas, uma vez que quem as emite tem um manifesto interesse na causa. Na verdade, «nada obsta a que as declarações de parte constituam o único arrimo para dar certo facto como provado desde que as mesmas logrem alcançar o standard de prova exigível para o concreto litígio em apreciação» (LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, Prova Testemunhal, Almedina, 2017, p. 366). Neste sentido, também sustenta ESTRELA CHABY (O Depoimento de Parte em Processo Civil, Coimbra Editora, 2014, p. 50) que, em relação ao valor probatório das declarações de parte, afirma que «vale a regra da livre apreciação, nada se dispondo quanto à possibilidade/impossibilidade de as declarações fundarem, por si só, a convicção do julgador, o que, a suceder não constituiria caso inédito na legislação portuguesa». Também no Acórdão do TRL, 26-04-2017, processo n.º 18591/15.0T8SNT.L1-7, (disponível em www.dgsi.pt) se afirma ser incorrecto degradar «o valor probatório das declarações de parte só pelo facto de haver interesse da parte na sorte do litígio» (e na jurisprudência, neste mesmo sentido, ver Acórdão do TRG, de 01-10-2020, Proc. 3461/16.2T8BRG.G2, «[é] valorizado, credibilizado pelo princípio da livre apreciação das provas, valendo por si, mesmo que não haja outros elementos de prova coadjuvantes», e da mesma Relação, de 13-09-2018, Proc. 159/17.8T8FAF.G1). Mas também não se pode ignorar que as declarações de parte isoladas em si serão, por princípio, insuficientes para dar como provados determinados factos. Assim, é «normalmente insuficiente à prova de um facto essencial à causa de pedir a declaração favorável que surge desacompanhada de qualquer outra prova que a sustente ou sequer indicie», Acórdão do TRP, 23-03-2015, Processo n.º 1002/10.4TVPRT.P1 (disponível em www.dgsi.pt.), devendo atender-se às regras da racionalidade, da experiência, da normalidade do acontecer e às circunstâncias concretas que se oferecem no caso 2No sentido de que, por si só, não têm expressão probatória («As declarações de parte devem ser valoradas autonomamente, mas de forma integrada com os demais elementos de prova», «[s]endo as declarações de parte o único suporte probatório nesse sentido, não se pode dar como provados os factos constitutivos do direito alegado pelo A. unicamente com base nas suas declarações de parte», Acórdão do TRL, 28-05-2019, Processo n.º 97280/18.4YIPRT.L1-7, disponível em www.dgsi.pt, e v. no mesmo sentido Acórdãos do TRC, de 08-07-2021, Proc. 5281/19.3T8VIS.C1, do TRP, de 12-07-2021, Proc. 1016/20.6T8PNF.P1).. A contextualização do relato e a existência de corroborações periféricas constituem critérios adicionais que, de forma válida, poderão sedimentar a credibilidade do testemunho (de parte) prestado, neutralizando o argumento do interesse do testemunho.
No caso em apreço, o depoimento de parte da Autora foi coincidente com o depoimento da testemunha BB (filho da Autora) no que respeita à utilização do carro. Estamos perante familiares próximos (mãe e filho) e poder-se-ia dizer que, por esse facto, o filho quereria beneficiar a posição processual da mãe. Contudo, isso é um argumento genérico e abstracto, e que no caso merece ser afastado não só por a prova produzida em sentido contrário ser remota (a lá chegaremos), mas também por haver elementos nos autos que indiciam que efectivamente havia uma utilização habitual do carro pela Autora.
Por um lado, temos o depoimento de parte da Autora no sentido de que utilizava o carro ..-..-DM diariamente, sendo certo que esporadicamente emprestava o mesmo ao seu filho (nas idas à ..., local onde o mesmo estudava), e apenas tão-só quando o mesmo não obtinha boleia, apanhava autocarro ou mesmo quando a mãe não o levava até lá.
O depoimento do filho secunda o da Autora, concretizando-o em determinados aspectos, designadamente a quantidade de vezes que o carro lhe era cedido pela Autora para se deslocar a ..., deixando assente na instrução da causa que o empréstimo do carro era feita de forma residual e excepcional, apenas tão-só quando não conseguia ir de boleia com amigos ou ir de autocarro. Este último era, aliás, o meio de transporte preferencial do depoente, conforme deu nota, precisando os horários por si utilizados e a companhia de autocarro na qual seguia viagem.
Naturalmente surge prova que pode causar algumas dúvidas a esta versão trazida pela Autora.
Em sentido dissidente, surge o depoimento de CC, perito averiguador da Ré. Ora, relacionado com esta testemunha surgem duas declarações escritas da Autora e do filho BB, vertidas a fls. 148, nos quais estes supostamente admitiriam que o condutor habitual do veículo era o filho e que apenas indicaram à mediadora de seguros que o condutor habitual era a mãe para obter um prémio mais reduzido.
Este depoimento carece de aprofundamento.
O perito averiguador da Ré referiu, em primeira linha, que as declarações escritas a fls. 148 tinham sido lavradas pela Autora e respectivo filho por iniciativa destes e sem qualquer intervenção externa, sendo certo que havia apenas orientado ao nível da descrição do acidente. Após, confrontado com a singularidade de se escrever numa «descrição de acidente» elementos completamente estranhos (designadamente que o filho da Autora era o condutor habitual e que a Autora se havia indicado como condutora habitual para conseguir um prémio mais barato), inflectiu referindo que apenas havia dito àqueles para escrever aquilo que tinham dito ao perito.
Este depoimento há que ser contemporizado pelos seguintes factores. Em primeiro lugar, o perito averiguador tem naturalmente interesse em demonstrar o que é favorável à seguradora. E não é uma entidade equidistante ou sequer naturalmente imparcial ou isenta. Em segundo lugar, a natureza das declarações referidas em 31) e 32) surgem enxertadas num corpo de texto que apenas tem que ver com a descrição do acidente. Logo, são inusitadas. E nem sequer nos parece ser de cogitar, de acordo com as regras da experiência comum, que um segurado/sinistrado preste declarações por escrito, por sua alta recreação, e num campo alusivo à dinâmica do acidente, que sejam respeitantes a outros aspectos externos (e que, por acaso, eram favoráveis à seguradora e à possibilidade de se eximir da responsabilidade de indemnizar pelo sinistro). Em terceiro lugar, os depoimentos da Autora e de BB dão nota de que o perito averiguador utilizou estratagema para arrancar as supostas declarações confessórias daqueles, aludindo à possibilidade de aqueles terem incorrido na prática de um crime, ao ter dado informações erradas na declaração amigável do acidente. Ora, essa advertência por parte do perito poderá ter causado nos declarantes medo e ter atiçado a chama inflamante motora e causadora dos textos em causa, com a promessa de que tudo se resolveria se assinassem nos termos que, a final, ficaram vertidos a fls. 148.
O perito averiguador, no encontro referido nos factos provados, referiu ainda ter tido acesso aos documentos respeitantes a uma factura da B..., em nome de BB, e à declaração para efeitos de seguro (o que foi confirmado pela testemunha BB), o que foi o móbil para que aquele arrancasse à Autora e ao seu filho as aludidas declarações confessórias.
Ademais, é consabido que a Ré (leia-se o perito averiguador CC) utilizou no respectivo relatório de averiguação o argumento de que a Autora havia preenchido erradamente a declaração amigável em pelo menos três pontos (nome do condutor e sua data de nascimento, dia e hora diferentes da participação da GNR, vd. fls. 5 do relatório junto como documento n.º 3 da contestação), pelo que é totalmente crível que o perito averiguador tenha lançado desses argumentos anteriormente para confrontar a Autora e o seu filho, e que tenha até sugerido que os mesmos teriam problemas com a seguradora e, até mesmo, problemas criminais por falsificarem documento.
Por outro lado, em sede de acareação determinada em audiência final, entre a Autora, a testemunha BB e a testemunha CC, os primeiros souberam manter convictamente as suas versões, e o último cedeu a um nervosismo estranhamente revelador (sendo certo que apresentou uma postura em Tribunal estranhamente medrosa ao longo de todo o seu depoimento), resvalando para uma inicial ameaça de que iria participar criminalmente dos primeiros, sem defender ou manter convicta e objectivamente a sua versão dos acontecimento.
Tudo concatenado, a convicção do Tribunal é que, não só ocorreram os factos 29) a 33), que vão provados em face do que acima se disse, como também que as declarações apresentadas a fls. 148 não representam uma confissão de que o filho da Autora é que era o condutor habitual – antes foram fabricadas e maquinadas intelectualmente pelo perito averiguador da Ré, que entreviu uma possibilidade de alcançar uma posição vantajosa para a Ré, cominando e advertindo a Autora e filho que poderiam ter incorrido na prática de um crime.
Mas mais, nessa declaração estaria não a confissão de um facto naturalístico, mas de um facto conclusivo (o que é afinal condutor habitual? – um facto conclusivo, e até pode ser um conceito variável de pessoa para pessoa). Qual é o conceito de condutor habitual? É um conceito ao qual se chega através de factos concretos: frequência de utilização do veículo por alguém. Assim, tal confissão seria sempre de uma conclusão, sendo certo que, como se verá à frente, nem sequer há elementos para referir que o filho da Autora tinha uma compreensão robusta do conceito de condução habitual.
Não pode tal documento de fls. 148 representar uma confissão extrajudicial, no sentido de, atento o seu teor, constituir uma declaração confessória, dotada de força probatória plena contra a confitente, a Autora, pelas seguintes razões que a seguir se irão explanar. Confissão é, nos termos do preceituado no artigo 352.º do Código Civil, «o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária», não permitindo a lei ao confitente impugnar a confissão mediante a simples alegação de não ser verdadeiro o facto confessado.
Tanto a Autora como o depoente BB assumiram a redacção pelo seu punho do que está escrito em tal documento de fls. 148 (na parte declarativa, propriamente dita) e, portanto, não se pode imputar à Ré qualquer contrafacção ou desarmonia autoral em relação ao mesmo, em termos formais.
O que se poderá questionar – e é aquilo que a Autora pretenderia verdadeiramente atingir – é a autoria intelectual de tais declarações; ou seja, saber se elas, efectivamente, correspondem àquilo que foi declarado e querido por aqueles depoentes e, nessa medida, se retrata as suas vontades.
Ora, neste ponto, depois de ouvir toda a prova presencial produzida, mas particularmente os depoimentos da Autora, do seu filho já indicado e do perito averiguador CC, não ficámos com qualquer dúvida de que a resposta a esta questão só pode ser negativa.
O referido documento não retrata aquilo que a Autora e o seu filho quiseram efectivamente declarar.
Como referimos, na audiência final, os mesmos imputaram a responsabilidade por aquilo que está escrito no referido documento ao perito que, em nome da Ré, os contactou para lhe tomar declarações. Fizeram-no, desde logo, em harmonia.
Por muito que se refira que, à luz das regras da experiência comum, não seja crível que a Autora e o seu filho se dispusessem a escrever um texto e a assiná-lo declarando, no fundo, que era o dito filho e não a Autora quem conduzia habitualmente o veículo em causa e, além do mais, que a declaração na proposta de seguro tinha tido por fito conseguir que o prémio do seguro ficasse mais barato, se essa declaração não correspondesse à verdade, o que é certo é que o caso tem contornos que explicam essa aposição de declarações alegadamente confessórias: o perito averiguador recorreu à subtil ameaça e advertência silenciosa de que aqueles poderiam estar a incorrer na prática de um crime e que tudo seria melhor caso fizessem como ele sugeria.
Assim, conclui-se que houve dolo, no sentido civil do termo, de ter havido um artifício empregue pelo perito averiguador com a intenção ou consciência de induzir ou manter em erro o autor da declaração, isto é, que os mesmos evitariam problemas criminais e quaisquer adversidades com a seguradora. Até se dirá mesmo que pode haver uma coacção moral insustentavelmente leve do perito, ao aludir a supostas consequências criminais.
Cremos, assim, que face ao que referimos, razão há para julgar verificada a desconformidade entre aquilo que consta da declaração de fls. 148, referida nos factos 31) e 32), e a vontade dos seus subscritores.
Pelo que se tem de ter tal «confissão» nula/anulável, por vício da vontade dos seus subscritores (artigos 376.º, n.º 1, 245.º a 257.º e 359.º do Código Civil), não relevando, pois, o documento de fls. 148 para abalar os depoimentos de parte da Autora (na sua dimensão não confessória) e depoimento de BB.
É ainda de estranhar estarmos a perante a única diligência levada a cabo pelo perito averiguador (obter as declarações ditas «confessórias» da Autora e do filho), quando o normal nestes casos é complementarmente o perito fazer perguntas a vizinhos, colegas de trabalho, às pessoas que costumam ir de boleia (no caso em apreço a pessoa referida em 14)), ou ainda tentar saber em que locais é que o carro costuma ficar estacionado, diligências essas que não se encontram plasmadas no relatório de averiguação elaborado pelo perito averiguador, e por isso inexistentes.
Mais ainda, e para contribuir para a discussão de quem é, afinal, o condutor habitual do veículo, a Autora trouxe aos autos a certidão do registo automóvel, da qual consta que o mesmo estava registado a favor da mesma desde 04-08-2022, ou seja, muito antes do acidente.
Esta certidão é certo que não prova quem é o condutor habitual.
Mas confere alguma verosimilhança à tese da Autora.
É certo que também há elementos no sentido da tese propugnada pela Ré: existem indícios que apontam no sentido alegado pela Ré, como seja o envolvimento do filho na aquisição/financiamento do carro (vide os já referidos documentos da B... inscritos no relatório junto como documento n.º 3 da contestação), mas essa prova não é absolutamente convincente, porque a prova produzida pela Autora a torna duvidosa, isto é, os depoimentos da Autora e do filho neutralizaram os indícios/os princípios de prova trazidos pela Ré.
O(s) contrato(s) de financiamento aparentemente realizados conjuntamente em nome da Autora e do filho (documento n.º 9 junto com a petição inicial), o registo do veículo e o seguro em nome da Autora, uma factura da B... (concessionária/vendedora) em nome do filho da Autora a titular a venda por € 16.665,50, e o documento emitido pela B... em nome do filho da Autora a referir que lhe havia vendido o carro, para efeitos de realização de seguro, tornam a produção de prova ambivalente – isto é, existe prova indiciária a suportar a tese da Ré de que o carro foi vendido ao filho, para ser conduzido por este, mas que a mãe registou o carro em seu nome e se inscreveu como condutora habitual para assegurar um prémio mais reduzido. Mas isso não significa, contudo, que a Autora não tenha feito prova a afastar tais indícios. Vejamos: i) o depoimento de parte da Autora e o depoimento do filho da mesma, nos termos já acima expendidos; ii) os importantes contributos trazidos por II, JJ, KK, que abaixo serão analisados.
Dilucidemos então. No que respeita a JJ, director/proprietário da mediadora de seguros na qual a Autora realizou o contrato de seguro, e que trabalha com várias seguradoras, designadamente a Ré, afiançou ao tribunal de que a prática habitual naquela mediadora é pedir o contrato de financiamento e questionar quem é o condutor habitual, procurando-se sempre saber para quem se vai destinar o carro. Por outro lado, adiantou que a regra instituída na sua mediadora de seguros é a de o sinistrado fazer a participação, a não ser que não consiga ou necessite de auxílio.
No mais, revelou apenas que quem assessorou e auxiliou a Autora a contratar o seguro havia sido o funcionário KK, desconhecendo mais quaisquer pormenores, mas revelando ter muita confiança neste funcionário (que ali trabalha há mais de 12 anos), designadamente no aspecto de não permitir que se indicasse como condutor habitual alguém que não o fosse.
Por ter sido um depoimento feito sem que demonstrasse intenção de beneficiar ou prejudicar qualquer uma das partes, revelando equidistância, o mesmo foi credibilizado favoravelmente.
No que respeita ao depoimento de II, cuja inquirição foi determinada oficiosamente por este Tribunal, a mesma revelou ser funcionária da C..., Lda., revelando a este Tribunal ter auxiliado a Autora na participação/realização da declaração amigável do acidente, referindo ter elaborado/escrito aquela declaração amigável (com excepção da assinatura da Autora), o que o fez conjuntamente com a Autora.
Este depoimento foi importante na estrita medida em que permitiu ao Tribunal compreender que, afinal, não foi a Autora a escrever a declaração amigável, o que facilita a percepção de ter sido escrito um nome não inteiramente coincidente do filho (o erro na inclusão do nome «DD» no nome completo de BB e o erro na sua data de nascimento), porquanto é muito comum haver erros quando se escreve algo que é ditado ou referido por outros. Não será alheio a estes erros o facto de a depoente em causa ser uma funcionária nova (nascida em 1997), em início de carreira, com cerca de 25 anos à data da realização da declaração amigável, podendo ser perfeitamente explicitável os erros vertidos na declaração amigável.
Foi um depoimento credível atenta a forma equidistante e isenta com que prestou depoimento, referindo apenas aquilo que se lembrava e havia presenciado.
Finalmente, no que concerne à testemunha KK, pese embora a mesma tenha sido vaga na concretização do espaço e tempo da realização e feitura do contrato de seguro, o mesmo apenas revelou que se lembra de sugerir à Autora a contratação da cobertura de danos próprios, tendo aditado que se recorda de ver o contrato de financiamento em nome da Autora, e tendo visto que a Autora era proprietária do automóvel, não se recorda de ter havido qualquer discussão em torno de quem era condutor habitual, recordando-se apenas de ter sugerido a contratação de cobertura de danos próprios por haver contrato de financiamento.
Não obstante a vagueza deste depoimento, o mesmo prender-se-á com a circunstância de se estar perante um funcionário que lida anualmente coma realização de inúmeros contratos de seguro. De qualquer modo, o mesmo não revelou qualquer circunstância que permita concluir que o mesmo quis beneficiar ou prejudicar uma das partes. Certamente não quererá prejudicar a Ré, visto que trabalha numa mediadora de seguros que lida directamente com a Ré. Mas certamente não se pode retirar do depoimento que a Autora solicitou abertamente ao mediador de seguros a realização de um seguro para que a mesma pagasse um prémio mais barato. E deste depoimento também se retirará que a mediadora não induziu em erro a Autora conforme se encontra declarado por escrito a fls. 148 («sendo induzida em erro pela mediadora para que o prémio fosse mais barato»), o que adensa a conclusão a que já chegámos acima, isto é, de que o perito averiguador CC ditou um texto, sem qualquer adesão à realidade, para prejudicar a Autora e beneficiar a Ré.
Mais ainda, o depoente confrontado com o problema em causa nos autos acabou por referir que emprestar o carro a familiares é algo normal, pelo que atenta a sua asserção, se parece presumir que aquando da celebração dos contratos de seguro, este operador não alerta para a importância de o tomador de seguro avisar ou não se fará empréstimos com alguma habitualidade.
Foi, pois, um depoimento credibilizado na estrita medida do pouco que acrescentou (visto que não se recordava de muitos elementos de factos) e atenta a equidistância e serenidade que revelou.
Destes últimos depoimentos, de KK e de II, chega-se também à conclusão de que foi sempre a Autora que tratou da burocracia atinente ao veículo em causa (realização do seguro e da declaração amigável ou participação do acidente).
Chegados aqui, dos autos não temos mais qualquer depoimento que densifique a versão defendida pela Ré (de que o condutor habitual era o filho da Autora) – e isso prender-se-á também com a deficiente averiguação do sinistro (nenhuma testemunha no âmbito da averiguação foi inquirida para além da Autora e do filho).
O depoimento de LL, profissional de seguros da Ré desde 1999, referiu apenas o que estava plasmado no relatório de averiguação elaborado por CC, não tendo feito qualquer diligência adicional, tendo contudo confirmado o teor do facto 44), valor ao qual acedeu e que foi calculado na sequência do sinistro, razão pela qual vai esse facto dado como provado, atenta a forma serena, equidistante e objectiva com que depôs.
Quanto ao depoimento de MM, perito averiguador da Ré desde 2013, também nada acrescentou, cingindo-se a reproduzir o que constava do relatório de averiguação elaborado por CC.
Tal documento de fls. 148, por si só, é consequentemente incapaz de atestar o pretendido pela Ré Seguradora, pois que nenhuma outra prova – testemunhal ou outra – atesta que fosse efetivamente o filho da Autora quem utilizava, no seu dia a dia, com maior regularidade que a Autora, o veículo aqui em causa, ou seja, que seria, consequentemente, o condutor habitual de tal veículo (facto não provado f)).
Em suma, vão provados os factos 22) a 33), por tudo aquilo que ficou acima exposto, visto que a prova acima referida, globalmente considerada, pende para a versão trazida para os autos pela Autora, de que o filho da mesma apenas conduzia o carro quando lhe é emprestado esporadicamente o carro para o mesmo se deslocar à ..., sendo certo que a prejudicar a versão da Ré surge uma averiguação muito escassa, somítica e empobrecida, que se bastou, afinal, com duas declarações «confessórias» escritas à base da coacção moral do perito averiguador (e disso o Tribunal tem a serena convicção da sua verificação atento o acima exposto).
Por outro lado, atente-se que se está perante factos instrumentais quanto aos factos 22) a 24) e 30) a 33), que se podem ser livremente colhidos da instrução da causa (artigo 5.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Civil), porquanto são indiciários ou ajudam a descortinar os factos essenciais alegados pelas partes.
(…)
O facto 38) relativo ao estado emocional da Autora em virtude da anulação do seguro pela Ré e da actuação do perito averiguador vai provado atento o depoimento de parte da Autora e depoimento de BB (tendo-se também em conta o teor da acareação realizada em sede de audiência final), por tudo o que acima se disse, tendo ficado patente que ocorreu o teor desse facto, sobretudo em face do depoimento de BB.
(…)
A decisão proferida a respeito dos factos considerados não provados ficou a dever-se à circunstância de não ter sido produzida prova suficientemente consistente relativamente aos mesmos.
Explicitemos.
(…)
Quanto aos factos f), g), h) e i), provou-se antes os factos 23), 24) e 26), sendo certo que só com muita benesse foi levada a expressão condutor habitual aos factos não provados uma vez que é um facto conclusivo, sendo certo que atento o referido na motivação relativa aos factos provados, provou-se apenas que a Autora fazia empréstimos ocasionais, periódicos mas com frequência irregular, e sujeito à condição de o filho da Autora não ter boleia ou autocarro para ..., pelo que não se reputa que tal faça do mesmo condutor habitual. Consequentemente queda igualmente a intenção de a Autora prejudicar a Ré.”.
Relativamente à A., ouvimos o seu depoimento de parte, gravado em CD. O tribunal ponderou e a recorrente pretende ponderar o mesmo. Acontece que o depoimento de parte da A. foi requerido aos arts. 10º e 11º da contestação que retratavam a alegação do que está hoje plasmado nos factos não provados f) e g), este em parte. Todavia a A. não confessou estes factos, como se pode constatar da audição do seu depoimento, nem por isso existe qualquer assentada. Portanto, do seu depoimento de parte não resultou qualquer confissão de factos desfavoráveis que favoreçam a parte contrária, sendo esse o fim visado com o depoimento de parte (arts. 352º do CC, 452º e 463º do NCPC).
O anterior CPC não admitia que o depoimento de parte pudesse ser probatoriamente valorado na parte em que lhe fosse favorável. Entretanto o novo CPC de 2013 admite a prova por declarações de parte, a serem valoradas livremente pelo julgador.
Assim, a parte pode é aspirar a que o seu depoimento na parte que lhe seja favorável seja aproveitável, mas para que isso aconteça tem que manifestar, no acto de produção deste, que tal depoimento se volva em declarações de parte, isto é, que as declarações favoráveis que faça sejam valoradas como prova sujeita a livre apreciação do julgador, desde que a parte contrária esteja presente, ou lhe seja dada a possibilidade de igualmente ser ouvida (vide neste sentido Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum, à LUZ do CPC de 2013, 3ª Ed., págs. 259/260).
O que não aconteceu, pois não está registado na acta da audiência de julgamento, nem consta da gravação, tal requerimento ou pretensão. Daí que, não havendo confissão relativamente a tais 2 factos, o que a A. disse no seu depoimento de parte, com carácter favorável a ela não podia ser apreciado livremente pelo tribunal a quo, nem pode clamar qualquer valor probatório, de apreciação livre, que traga alguma vantagem à R./recorrente.
A testemunha BB, filho da A., disse o que o julgador consignou na motivação da decisão de facto. É estudante e trabalha em part-time. Mais precisou que foi a mãe que comprou o veículo, com um valor de entrada e a prestações. Houve um empréstimo da Banco 2... para tanto, feito à mãe e a ele. Foi o perito da R. que disse para fazer os acrescentos, porque havia enganos na declaração amigável (nome da testemunha e sua data de nascimento) e que era melhor fazer o acrescento pois podia ser crime tais enganos. Mais à frente disse que após o acidente ficou sem carro, acrescentando a seguir que ele e a mãe ficaram sem carro. Quando esteve com a mãe e o perito, e fez o acrescento, confirmou os dados da aquisição do veículo porque todos os papéis que eram do carro eu tenho no telemóvel e exibiu os mesmos ao perito. E exibiu uma foto do dia em que “eu comprei o carro”, que também trazia a data nos detalhes da fotografia, e foi o documento de compra do veículo. Chamado à atenção do pormenor da sua linguagem corrigiu para “Ah, eu comprei… a minha mãe, não é”. Tentou comprar o carro sozinho, e fui ao stand para oferecer o carro à mãe, mas não tinha dinheiro para dar de entrada nem era possível fazer nada para o comprar. A minha mãe depois soube que eu queria comprar o carro e ela aí comprou o carro. Perguntado se foi a sua mãe que o comprou, porque é que a factura de venda estava em nome dele, respondeu porque no início eu tentei fazê-lo e depois respondeu “não sei”, nem sabia também porque isso acontecia para efeitos de seguro. Referiu, ainda, que o empréstimo da Banco 2... era pago da conta bancária dele, mas o dinheiro era da mãe.
A testemunha CC, perito averiguador da R., declarou o que o julgador de facto referiu na sua motivação. Precisou que falou com a A. e filho para lhe descreverem como foi o sinistro quem o condutor habitual, quando tinha sido adquirida a viatura, o porquê de terem feito o seguro em nome da mãe. Eles escreveram o acrescento no auto de descrição do acidente. É normal perguntar isso às pessoas, designadamente jovens sobre adaptação ao carro, pois o despiste podia ser por inadaptação. E o condutor confirmou-me isso, o que la está descrito. Perguntei, quem é que usa, utiliza habitualmente o carro e ele disse que era o condutor habitual.
A parte na declaração em que diz “induzir em erro” foi o condutor que medisse relativamente à assinatura na declaração do acidente quanto à pessoa do condutor que era ele e não a mãe que aí consta. Ele disse que o seguro assim ficava mais barato. Ele testemunha nunca mencionou à A. e filho a existência de qualquer crime. O filho disse-lhe que o carro era dele e que usava o carro diariamente para ir para a faculdade. O acrescento deveu-se ao facto de o BB ter perfil de risco. Declararam os 2 o acrescento por serem o condutor e a tomadora do seguro.
Quanto à acareação entre A., filho e perito todos mantiveram o que tinham dito. O perito acusado pela A. de ter falado em crime respondeu à mesma que era uma denúncia caluniosa.
Analisando.
Para dirimir a presente impugnação da decisão de facto é essencialmente de relevar os depoimentos das testemunhas BB e CC e a prova documental indicada pela recorrente (esta também considerada na motivação do julgador de facto).
Antes de a avaliarmos, convém afastar alguns postulados afirmados pelo tribunal a quo e obstáculos pelo mesmo erguidos.
Assim, se “o perito averiguador tem naturalmente interesse em demonstrar o que é favorável à seguradora. E não é uma entidade equidistante ou sequer naturalmente imparcial ou isenta.”, o mesmo podemos exactamente dizer do filho da A. Por outro lado, não se vislumbra, da sua audição, que o perito tivesse inflectido o seu depoimento, ao invés do que afirma o tribunal a quo. Igualmente o perito negou ter referido que a A. e o seu filho poderiam ter cometido qualquer crime, nem sequer mencionando isso ou qualquer ameaça contra os mesmos de queixa criminal, por terem dado 2 informações erradas na declaração do acidente (nome do condutor e data de nascimento do mesmo). De outra parte, ao contrário do que diz o tribunal a quo, da audição gravada do perito não resulta que na acareação o mesmo “cedeu a um nervosismo estranhamente revelador” ou que “apresentou uma postura em Tribunal estranhamente medrosa ao longo de todo o seu depoimento” !?. Não se notou nada. De outro lado, sendo certo que o perito na acareação afirmou que a A. estava a fazer uma denúncia caluniosa relativa à suposta ameaça dele com uma queixa criminal pelos enganos na declaração de acidente, e que pretendia que fosse extraída certidão para lhe ser entregue, não tem peso de relevo. É normal que as pessoas que sintam que estão a ser denunciadas caluniosamente tenham tal reacção. Igualmente temos por normal que, na sequência de perguntas de qualquer perito que investigue um acidente rodoviário, se faça constar no auto de declarações menções espontâneas sobre quem era o condutor habitual da viatura - não há sítios específicos ou sagrados para fazer tais menções espontâneas num auto. Consequentemente não se divisa maquinação intelectual pelo perito. Por fim, não acompanhamos a convicção da 1ª instância quando refere “os importantes contributos trazidos por II, JJ, KK”. Na realidade, lida a motivação da decisão de facto, em relação ao que cada um referiu, têm valor nenhum ou ínfimo para dilucidar as versões em confronto.
Prosseguindo, diremos que na raiz da questão que nos ocupa está a circunstância de saber se o filho da A. era o condutor habitual e que a A. se havia indicado como condutora habitual para conseguir um prémio mais barato ? Basta ver o facto 44. para perceber que é assim, certo que o BB tinha carta em regime probatório (como se evidencia do auto de participação policial, doc. junto com a p.i.) – regime decorrente do art. 122º do C. Estrada.
Compulsando os depoimentos do filho da A. e do perito realiza-se que são discrepantes. Mas o depoimento do BB contém incongruências e indícios contra o mesmo.
É estudante universitário e por isso precisa de carro para se deslocar regularmente à escola superior ... até .... O empréstimo da Banco 2... para adquirir a viatura tanto foi feito à mãe como a ele. Foi ele que fez os acrescentos na declaração do acidente. Disse que após o acidente ficou sem carro, mas depois inflectiu para dizer que ele e a mãe é ficaram sem carro. Era ela que tinha, no telemóvel, todos os papéis que eram do carro e os exibiu os mesmos ao perito. E exibiu até uma foto do dia em que “eu comprei o carro”, embora depois, chamado à atenção do pormenor da sua espontânea linguagem tivesse inflectido para “a minha mãe, não é”. Tentou comprar o carro sozinho, e foi ao stand (mas era para oferecer à mãe). Perguntado se foi a sua mãe que o comprou, porque é que a factura de venda estava em nome dele, respondeu porque no início eu tentei fazê-lo e depois respondeu “não sei”, nem sabia também porque isso aconteceu, igualmente, para efeitos de seguro. Referiu, ainda, que o empréstimo da Banco 2... era pago da conta bancária dele, mas o dinheiro era da mãe.
Além destas incongruências e indícios, temos o que resulta dos documentos. Temos o doc. nº 9 (junto com a p.i.) no qual a Banco 2..., financiadora da aquisição da viatura, reclama o pagamento de uma determinada quantia à A. e ao filho, vindo em 1º lugar indicado o BB. Temos o doc. nº 3 (junto com a contestação), do qual consta a factura da venda do veiculo, pela B... ao BB, datada de 30.5.2022, e a declaração do vendedor para efeitos de seguro também passada ao BB, de 27.5.2022, ou seja, 1 dia e 4 dias antes de a A, ter celebrado o seguro a 31.1.2022. E temos, por fim, a declaração do mesmo BB, no auto de descrição do acidente, que é o condutor habitual da viatura, desde o dia da aquisição da mesma.
Ou seja, temos indícios probatórios claros que apontam no sentido alegado pela R., de que o carro foi vendido ao filho, para ser conduzido habitualmente por este, mas que a mãe registou o carro em seu nome e se inscreveu como condutora habitual para assegurar um prémio mais reduzido, sabendo isso desde o momento em que celebrou o contrato de seguro.
E as regras da experiência também apontam claramente para tal conclusão, pois é sabido de todos nós, quer de casos que passam nos tribunais, quer relatados na comunicação social, quer do círculo social de familiares, amigos e conhecidos, que esta é uma prática vulgar, quando jovens condutores compram carros, mas dado o número curto de anos de carta, que os remete para o regime probatório, se confrontam nessa situação com prémios de seguro elevados ou elevadíssimos, a que só conseguem fugir, através do esquema simples de o veículo ficar registado em nome dos pais e estes como tomadores do seguro.
Portanto, formulando nós livremente esta convicção (arts. 607º, nº 5, 1ª parte, do NCPC, ex vi do art. 663º, nº 2, do mesmo código) há que julgar procedente a impugnação da decisão de facto, fazendo-a reflectir, correspondentemente, nos factos impugnados, que passarão a ficar como segue (os provados a não provados ou alterados, em letra minúscula, e os não provado f) e g), que ficam em letra minúscula, a provado sob 46) e 47) a negrito):
46) Contrariamente ao indicado pela Autora aquando da celebração do contrato de seguro, o condutor habitual do veículo era BB.
47) A Autora, tendo conhecimento do verdadeiro e efectivo condutor habitual do veículo, não facultou deliberadamente essa informação à aqui Ré, identificando-se, por sua vez, como tal, visando retirar da sua actuação uma vantagem patrimonial para si, em prejuízo da Ré.
3. Relativamente à anulação do contrato de seguro por parte da R. plasmada no facto 34).
Nos termos do art. 24º, nº 1, da Lei do Contrato de Seguro, “O tomador do seguro ou o segurado está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador”.
A identidade do condutor habitual do veículo e o empréstimo regular do veículo a terceiro jovem, filho ou não, ainda por cima em regime probatório, constituem circunstâncias que, em termos objectivos, e por referência ao homem médio, deverão ter-se, seguramente, por significativas para a apreciação do risco pelo segurador.
O incumprimento doloso do dever referido no nº 1 do referido art. 24º torna o contrato anulável mediante declaração enviada pelo segurador ao tomador do seguro (art. 25º, nº 1, da mesma Lei).
O segurador não está obrigado a cobrir o sinistro que ocorra antes de ter tido conhecimento do incumprimento doloso referido no nº 1, nos termos do referido art. 25º, seu nº 3.
Decorre dos factos provados que: a 31.5.2022, A. e R. celebraram entre si um contrato de seguro do ramo Automóvel, com condições facultativas para colisão, cujas cláusulas 6ª e 7ª das condições gerais do contrato são idênticas à lei do contrato de seguro (nos seus arts. 24º e 25º); aquando da celebração do aludido contrato de seguro, a A., na qualidade de Tomadora de Seguro, identificou-se como condutora habitual do veículo, tendo sido esta circunstância considerada pela aqui R. para avaliação do risco; previamente à celebração do contrato de seguro, a A. indicou o dia ../../1970 como data de nascimento e o dia ../../1990 como data de emissão da carta de condução, tendo sido com base nessas informações que a R. realizou a avaliação do risco por si assumido e, por consequência, a quantificação do prémio; entre a data da celebração do contrato de seguro e do acidente, BB estudou na Escola Superior ..., sendo o período de leccionação de aulas de segunda a quinta-feira; BB declarou na descrição da ocorrência do acidente que adquiriu o veículo no dia 31.5.2022, sendo o condutor habitual da viatura desde essa data, o que a A confirmou; a R. remeteu carta à Autora, por esta recebida, a anular o contrato ao abrigo do disposto no referido art. 25º, desde o seu início, conforme teor da mesma; caso figurasse o BB como condutor habitual do contrato de seguro contratado, o prémio total anual rondaria os 927,12 €, em vez de 305,86; contrariamente ao indicado pela A. aquando da celebração do contrato de seguro, o condutor habitual do veículo era BB; a A., tendo conhecimento do verdadeiro e efectivo condutor habitual do veículo, não facultou deliberadamente essa informação à aqui R., identificando-se, por sua vez, como tal, visando retirar da sua actuação uma vantagem patrimonial para si, em prejuízo da R. (cfr. os factos 1. a 3., 6. e 7., 22., 31., 32., 34., 44., 46. e 47.)
De todos estes factos, resulta que a R. resolveu/anulou bem, com fundamento legal, o contrato existente.
Procede, pois, o recurso nesta parte.
4. Quanto às quantias fixadas a favor da A. na sentença recorrida, a titulo de danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos e de imobilização do veículo.
Face à anulação válida do contrato de seguro é obvio que a A. não tem que ser indemnizada por qualquer valor com fundamento nos três títulos indemnizatórios indicados.
5. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):
i) O depoimento de parte visa a obtenção de confissão de factos desfavoráveis ao confitente e que favoreçam a parte contrária, sendo esse o fim pretendido com o depoimento de parte (arts. 352º do CC, 452º e 463º do NCPC);
ii) O anterior CPC não admitia que o depoimento de parte pudesse ser probatoriamente valorado na parte em que lhe fosse favorável, mas o novo CPC de 2013 admite a prova por declarações de parte, a serem valoradas livremente pelo julgador; assim, a parte pode é aspirar a que o seu depoimento na parte que lhe seja favorável seja aproveitável, mas para que isso aconteça tem que manifestar, no acto de produção deste, que as declarações favoráveis que faça sejam valoradas como prova sujeita a livre apreciação do julgador, desde que a parte contrária esteja presente, ou lhe seja dada a possibilidade de igualmente ser ouvida;
iii) Afirmando o tomador do seguro, para efeito de contrato celebrado, ser ele o condutor habitual da viatura objecto do seguro, escondendo da Seguradora que o verdadeiro condutor habitual era o seu filho, jovem encartado ainda em regime probatório, nos termos do C. Estrada, com o intuito de obter um prémio muito mais barato do que o seu filho devia pagar, caso fosse ele a efectuar o seguro, este comportamento gera a anulabilidade desse contrato de seguro por inexactidão dolosa quanto à declaração de risco, nos termos do art. 25º, nº 1, da L. Contr. Seguro.
IV - Decisão
Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, assim se revogando a decisão recorrida, indo a R. absolvida.
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Custas pela A./recorrida.
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Coimbra, 25.2.2025
Moreira do Carmo
Vítor Amaral
Fonte Ramos