INVENTÁRIO
PROCURAÇÃO
IRREVOGABILIDADE
AMPLIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
Sumário

i) A outorga de procuração não é irrevogável (art. 265º, nº 3, do CC) apenas por da mesma constar uma cláusula de irrevogabilidade; relevante é que da relação basilar/subjacente resulte a existência de um interesse conferido também no interesse do representante que incorpore uma pretensão autónoma de execução ou de cumprimento, o direito a uma qualquer prestação por parte do representante que funcione como contrapartida de outra que tivesse efectuado;

ii) O que não ocorre em procuração para efectivar partilhas entre o R., o A., seu irmão, e sua mãe, partilhas em inventário que por definição e imposição legal visam igualar as quotas de cada um no património hereditário e alcançar os correspondentes benefícios jurídicos e económicos, nenhuma vantagem em abstracto trazendo para o R./representante;

iii) Tanto mais que o R. e o A. participaram no respectivo inventário, onde na conferência de interessados houve acordo e licitações entre os irmãos, para distribuir as verbas que aí estavam relacionadas; pelo que depois, apesar do acordado no inventário, o R. ao acionar a procuração, quando já não tinha nenhum interesse próprio, objectivo, específico e directo em usar a mesma, que o legitimasse a exercer contra o outorgante da procuração, o A., uma pretensão de execução ou de cumprimento, dado a partilha já estar em marcha, faltando apenas homologar o mapa da partilha, usou a procuração apenas com o fito de se avantajar, abarbatando bens a que não tinha direito;
iv) Caso a irrevogabilidade tenha sido convencionada sem ocorrerem os pressupostos que deveriam estar na sua base, subsiste a procuração, sem a irrevogabilidade, pelo que pode ser livremente revogada.

v) A ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido não pode ser admitida, se o recorrido devia ter interposto recurso independente ou subordinado, ou se não há necessidade de prevenir a sua apreciação.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

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1. AA, residente em ..., intentou a presente acção declarativa contra BB, residente em ... e Banco 1... SA, com sede em Lisboa, pedindo (tomando-se em consideração a ampliação do pedido formulada por requerimento de 9.2.2021, devidamente admitido):

1) Declarar-se que as procurações que o réu BB conseguiu extorquir ao A. e à sua falecida mãe, foram revogadas com justa causa e estão extintas nos seus efeitos e já o estavam quando foram ilícita e abusivamente utilizadas por aquele.

2) Declarar-se, consequentemente, a nulidade e ou a anulabilidade quer das procurações, quer dos actos, mormente da partilha e negócio consigo mesmo celebrado pelo réu BB, mediante o qual fez a adjudicação a si próprio do imóvel identificado no artigo 2º desta PI., mas também todos os imóveis que da mesma constam e que o R. adjudicou a si mesmo, e melhores identificados no item 5) do requerimento de ampliação do pedido.

3) Declarar-se que a propriedade do imóvel do artigo 2º da PI pertence de modo singular e exclusivo ao autor, na sequência da sentença homologatória da partilha celebrada nos autos de inventário supra referidos e transitada em julgado, e que os demais não podiam ter sido objeto da “partilha” de 5.2.2018, que tem de ser tida por nula e de nenhum efeito.

4) Condenar os réus a reconhecerem os efeitos das invocadas nulidades e ou anulabilidades.

5) E a reconhecerem que o imóvel penhorado e que está para venda judicial, não é propriedade do réu BB – executado, e a reconhecer que os demais imóveis da escritura de 5.2.2018 não são de sua propriedade singular e exclusiva.

6) A reconhecerem que o autor não pode ver agredido o seu património com penhora e eventual venda do imóvel identificado no artigo 2º da PI.

7) A reconhecerem que, quer a penhora, quer eventual venda que venha a ter lugar, sejam tidas por nulas ou anuláveis e tudo sempre sob as legais consequências.

8) E a reconhecerem que têm de ser canceladas todas as inscrições de registo predial que foram efetuadas em todos os imóveis identificados nos artigos 5º, 7º e 8º do requerimento de ampliação do pedido, em nome do réu BB, tendo por fundamento e base documental a escritura de partilhas de 5.2.2018 e eventuais actos anteriores e ou posteriores e correspondentes inscrições subsequentes, em nome de terceiros e decorrentes de actos de alienação por parte do réu, sejam onerosos, sejam gratuitos, e em cuja subjacência estejam as procurações de que o réu se serviu e serve.

Para tanto alegou, em síntese, que em 19.3.2004 requereu inventário para partilha da herança aberta por morte de seu pai, no qual foram interessados também o réu, seu irmão, e a mãe de ambos, CC, que exerceu as funções de cabeça de casal. Desde há vários anos que o autor tinha diagnosticada uma doença do foro neurológico que se manifestava, e manifesta, através de afetações graves ao nível das suas faculdades mentais e limitações de vontade e iniciativas próprias, com períodos de agravamento e descompensação, tanto assim que no âmbito do inventário foi-lhe nomeado um curador. Também por essa razão, aquando do falecimento da cabeça de casal na pendência do inventário, foi o réu nomeado para tais funções. No exercício das mesmas, o réu foi-se furtando a prestar declarações e, em 12.10.2011, requereu o encerramento do processo. No entanto, o mesmo não foi aceite, vindo o réu a declarar em 18.10.2012 que os bens já haviam sido partilhados extrajudicialmente, acordo que foi convidado a juntar, só o tendo feito em 2015, mediante junção do mesmo subscrito pelo próprio, pela sua mãe e pelo autor, datado de 29.7.2002, redistribuindo por ambos os vários imóveis integrantes do acervo hereditário, e anexando aos autos procurações irrevogáveis, conferidas por sua mãe e pelo autor, respectivamente em 6.5.2003 e 1.7.2004, data em que não se encontrava no pleno uso das suas faculdades intelectivas e volitivas. Mais alega que na procuração do autor fez consignar serem-lhe conferidos poderes para administrar todos os bens das heranças, incluindo as contas bancárias, para contrair empréstimos e para movimentar as próprias contas na titularidade deste, sendo que no próprio dia em que outorgou a procuração, conseguiu que o autor lhe entregasse um cheque no valor de 75.000 € que o réu fez seus. Alega ainda que nos autos de inventário, em 6.5.2015, foi proferido despacho a remover o réu do cargo de cabeça de casal, entregando-o ao autor e fez cessar as funções do curador que lhe fora nomeado.  Na conferência de interessados, o autor licitou vários imóveis, entre os quais a fracção R do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...5, pelo valor de 69.667 €. Porém, o réu fazendo uso das procurações em causa, apesar de revogadas pelo autor e por sua mãe, respectivamente em 9.12.2009 e 3.10.2008, após a sentença proferida nos autos de inventário, efectuou partilha extrajudicial, em 5.2.2018, adjudicando a si não apenas aquele imóvel, mas mais 22 prédios, conseguindo desse modo obter registo em seu nome, o que permitiu a penhora do primeiro a favor do réu Banco 1... na acção executiva 1058/14..... Consequentemente a partilha atrás referida enferma de nulidade porque o seu objeto era legalmente impossível, nos termos do artigo 280º, nº 1 do CC. A “partilha” feita pelo A depois do trânsito em julgado da sentença proferida no processo de inventário, atento tudo quanto fica exposto, é também e claramente, um negócio ofensivo dos bons costumes (art. 280º, nº 2, do CC). O réu BB valeu-se da situação de fragilidade do estado mental do autor seu irmão, pelo que, quer quando lhe extorquiu a procuração, quer quando, após a partilha judicial, manda lavrar escritura pública extrajudicial de negócio consigo próprio, pratica actos/negócios usurários, nos termos do art. 282º do CC, como assim, tais atos são anuláveis. O comportamento do réu integra conduta dolosa que faculta anulação dos referidos atos praticados (arts. 253º e 254º do CC). Além do mais, a suposta declaração do autor constante da procuração forense, jamais reflete a vontade deste à data, por estar incapacitado de entender o conteúdo, alcance e efeitos das declarações que ficaram inseridas no texto do escrito, as quais não refletem nem reproduzem a sua vontade, não sendo, nem podendo ser, à data, de sua própria autoria. Neste sentido a procuração que serviu de base ao negócio consigo mesmo celebrado pelo réu BB e a declaração negocial pretensamente atribuível ao autor é anulável (art. 257º do CC). Pressupondo claro está que o Tribunal sufrague entendimento no sentido de inexistir extinção, fruto da revogação que foi exercitada pelo A. O negócio consigo mesmo, celebrado pelo autor adjudicando a si próprio o imóvel identificado no art. 2º da PI e os demais bens imóveis é anulável nos termos do art. 261º do CC.

Contestou o Banco 1..., alegando ser portador de uma livrança subscrita pelo réu, no valor de 23.256,86 €, a qual, apresentada a pagamento não foi paga pelo mesmo, o que motivou a instauração da acção executiva, no âmbito da qual foi penhorado o imóvel referido na p.i., que se encontrava inscrito a favor daquele. Que a eventual declaração de nulidade não lhe poderá ser oponível, porquanto, nos termos do disposto no art. 291º, nº 3, do CC é terceiro de boa fé. Quanto ao mais, impugna, por desconhecimento, os factos alegados.

Contestou o réu BB, alegando, em síntese, que as procurações em causa nos autos foram outorgadas para garantir que o autor não dissiparia a herança do pai, estando o autor plenamente consciente quando assinou a que lhe dizia respeito, uma vez que o mesmo tinha períodos de lucidez e estava consciente das suas limitações. Mais alega que tais procurações foram outorgadas também no interesse do mandatário, pelo que não poderiam ser revogadas unilateralmente, dependendo sempre do acordo do réu para o efeito. Em consequência, defende a validade da partilha extrajudicial efectuada, a qual, ao contrário do alegado pelo autor, é anterior ao trânsito em julgado da sentença proferida no processo de inventário, pois que aquela teve lugar em 5.2.2018 e esta em 19.9.2018, o que deveria ter determinado a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, o que só não ocorreu por desconhecimento do réu. Conclui pela validade das procurações outorgadas e consequente partilha efectuada, cujo pedido de anulabilidade sempre seria extemporâneo por caducidade desse direito (nº 1 do art. 287º do CC).

O autor apresentou resposta, entendendo que o facto de o réu Banco 1... ter registado a penhora antes do registo da acção não denega ao autor o direito que exerce nos autos, uma vez que apresentou na execução protesto pela reivindicação

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A final foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e consequentemente:

I- Julgou validamente revogada a procuração outorgada pelo A. a favor do R., com efeitos a partir de 10.12.2009;

II- Em consequência:

A) Declarou ineficaz em relação ao A. a escritura pública outorgada no dia 5.2.2018, na qual interveio o R., por si e na qualidade de procurador do A. e de CC, descrita no facto 28.

B) Ordenou o cancelamento de todos os registos efectuados a favor do R. referentes aos prédios descritos na escritura mencionada em A), com excepção das verbas 9 e 24.

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2. O R. recorreu, tendo formulado as seguintes conclusões:

Decisão de facto

Factos Incorretamente Julgados

1º A sentença deu como provado que à data da outorga da procuração referida em 24, o autor encontrava-se numa fase de descompensação da sua patologia, não tendo capacidade para entender o alcance total dos poderes conferidos, nem dispunha do livre exercício da sua vontade para os assumir (número 46 dos Factos Provados).

2.º A sentença teve por não provado o facto constante na alínea e) O Réu outorgou a escritura referida em 28 com o propósito de salvaguardar os bens das heranças de seus pais.

3.º Existem meios de prova que constam do processo quer documentais, quer testemunhais, e estes gravados, que impõem decisão diversa quanto aos pontos da matéria de facto, ora impugnados.

A testemunha DD, cujo depoimento foi gravado aos 17/01/2024, com inicio pelas 14:49 e termo pelas 15:14, deixou dito que, conforme tempos de gravação infra: “(… transcrição); A testemunha EE, cujo depoimento foi gravado aos 22/01/2024, com início pelas 14:26 e termo pelas 14:59, deixou dito que conforme tempos de gravação infra:”(… transcrição); A testemunha FF, cujo depoimento foi gravado aos 17/01/2024, com inicio pelas 11:12 e termo pelas 11:53, deixou dito que, conforme tempos de gravação infra:”(…)

4.º Havia um acordo entre os três, a mãe, o A. e o R.

5.º Este acordo não se reporta ao dia da outorga da procuração.

6.º Foi um acordo estabelecido entre os três, a mãe e os filhos, o AA e o BB, muito tempo antes da outorga da procuração.

7.º E foi durante o referido período estando o A. numa fase estável da doença que foi efetuado o acordo entre a mãe, o A, e o R., no sentido de ser o R. a administrar a herança e de serem outorgadas as procurações da mãe e do A. a favor do R.

8.º De acordo com o depoimento da testemunha FF, médico psiquiatra, diretor de serviço do Hospital ..., conhecendo alguns relatórios clínicos e alguma documentação referentes ao A. que o mesmo lhe facultou, (como é referida na sentença), tendo explicado detalhadamente e com clareza a patologia de que padece o A. e as diversas fases da mesma, afirmou que a doença de que padece o A. não apaga a memória, afirmando também que é próprio da doença a irritação e até a agressividade, e agitação.

9.º Importa salientar que a procuração outorgada em um de julho de 2004 foi outorgada num Cartório Notarial, nomeadamente no Cartório Notarial ..., perante oficial público em que foi lido e explicado o conteúdo dessa mesma procuração ao mandante, ao ora A.

10.º Se eventualmente o Autor não estivesse capaz de entender, proceder ou querer o seu conteúdo, o oficial público teria percebido e a procuração não se teria realizado.

11.º Deste modo, estes concretos meios de prova impõem decisão de facto diversa da que foi tomada e por consequência o Tribunal.

Na sentença/factos provados/ponto 46, deveria ter sido dado como provado que à data da outorga da procuração referida em 24, o Autor encontrava-se numa fase estável, tendo capacidade para entender o alcance total dos poderes conferidos e dispunha do livre exercício da sua vontade para os assumir.

Na sentença/factos não provados/alínea e), deveria ter-se dado como provado que o Réu outorgou a escritura referido em 28, com o propósito de salvaguardar os bens das heranças de seus pais.

DE DIREITO

12.º CONDENAÇÃO DA SENTENÇA EM OBJETO DIVERSO DO PEDIDO

Na Petição Inicial o A. no seu pedido - «Deve declarar-se que as procurações foram revogadas com justa causa»

Por sua vez, a sentença julgou validamente revogada a procuração outorgada pelo Autor AA a favor do Réu BB porque apesar de a mesma ter sido outorgada no interesse do R., uma vez que como é referido na sentença do Tribunal «à quo».

«Ora, não obstante estes vastos poderes, não se vislumbra aqui qualquer interesse do Réu BB nas procurações em causa, no sentido de lhe conferir qualquer direito uma prestação dos próprios mandantes com reflexos na sua (dele mandatário) esfera jurídica.»

13.º De acordo com o preceituado no art.º 609.º do CPC, a sentença não pode condenar em objeto diverso do pedido.

14.º Dispõe a alínea e) do n.º 1 do art.º 615.º do C. P. C., que:

«É nula a sentença quando: o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido».

PROCURAÇÃO IRREVOGÁVEL

15.º A procuração ora em causa foi outorgada no interesse do mandatário, ora Réu, o qual poderia efetuar negócio consigo mesmo, nos termos do artigo 261.º do Código Civil e irrevogável nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 265.º, do n.º 2 do artigo 1170.º e ainda nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1175.º, todos do Código Civil, ficando o Réu dispensado de prestar contas no âmbito da procuração outorgada pelo Autor.

16.º Consequentemente, na medida em que a procuração em causa foi outorgada também no interesse do mandatário, ora Réu, jamais poderia ter sido revogada unilateralmente, como aliás dela consta expressamente, pois tal revogação sempre dependeria do acordo expresso do Réu.

VALIDADE DA PROCURAÇÃO

17.º O Autor consciente das suas limitações, após o óbito do seu pai e em concordância com a mãe do Autor e com o Réu, entenderam que o melhor para todos seria que o réu ficasse munido de poderes para administrar e poder, sobretudo, garantir que em nenhum “desvaneio” do Autor, a herança do pai ficaria comprometida. E foi nesse contexto que foi outorgada a procuração em causa.

18.º O Autor assinou a procuração em questão estando plenamente consciente do ato que praticava, tal como o atestaram a ajudante do cartório de ..., perante a qual o negócio jurídico foi praticado.

19.º Importa olvidar que a procuração em causa foi outorgada perante oficial público e que a mesma foi lida em voz alta e explicada ao outorgante, ou seja, se o Autor não estivesse lúcido e estável no dia e hora da outorga da procuração, o oficial público ter-se-ia apercebido, o que não aconteceu.

PODERES CONFERIDOS PELA PROCURAÇÃO

20.º A procuração em causa foi outorgada no interesse do mandatário, ora Réu, o qual poderia efetuar negócio consigo mesmo, nos termos do artigo 261.º do Código Civil, irrevogável nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 265.º, n.º 2, artigo 1170.º e ainda nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1175.º, todos do Código Civil, ficando o Réu dispensado de prestar contas no âmbito da procuração outorgada pelo Autor.

21.º Não obstante a Meritíssima Juiz «a quo» entender que: (… transcrição de texto da sentença)

22.º Consideramos que o Réu tem um interesse direto, na escritura de partilha por óbito de seu pai, outorgada em 05/02/2018, uma vez que o mesmo é parte nessa escritura e dela também beneficia.

23.º Conforme Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo 1051/08.2TCSNT L1-7 de 19 de outubro de 2010, (… transcrição de texto do acórdão)

24.º (transcrição de texto do acórdão) Vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18/02/2014, processo 3083/11.4TBFARE.E.S1.

VALIDADE DA REVOGAÇÃO DA PROCURAÇÃO

25.º Mesmo admitindo a livre revogabilidade da procuração em apreço, isto é, sem necessidade de aceitação do procurador, o que não se verifica in casu, sempre essa revogação teria de ser levada ao conhecimento deste, pois trata-se de uma declaração reptícia (neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1987, p. 247) – e, conforme resulta

do artigo 224.º, n.º1 do Código Civil, as declarações que se dirigem a alguém não são eficazes pela sua simples emissão, antes têm de ser recebidas pelo destinatário, o que não se verificou.

26.º Por sua vez, essa comunicação deve obedecer ao disposto no artigo 258.º do CPC que, sob a epígrafe “Notificação para revogação de mandato ou procuração”, impõe o formalismo da notificação pessoal ao mandatário ou procurador para que se produza o efeito revogatório pretendido, não tendo o Autor procedido à notificação pessoal do R.

27.º Notificação pessoal, que seria indispensável para produzir, em relação ao Réu / Procurador o efeito revogatório pretendido da procuração em causa.

28.º Com efeito, estabelece-se no n.º 1 daquela disposição que “se a notificação tiver por fim a revogação de mandato ou procuração, é feita ao mandatário ou procurador e também à pessoa com quem ele devia contratar, caso o mandato tenha sido conferido para tratar com pessoa certa.

29.º No entanto a carta datada de 09/12/2009, registada com aviso de receção, enviada pelo Autor em 10/12/2009, não foi recebida pelo Réu, logo o mesmo não teve conhecimento da revogação da procuração.

30.º (… transcrição de texto) vide Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 14/10/2009, Processo 2122/07.8TBLLE.E1.

31.º Neste sentido, também o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 31/10/2019, Processo 597/17.6T8LSB.L1-8.

32.º A revogação da procuração também não foi averbada no próprio documento, neste caso ao original arquivado no Cartório Notarial ....

33.º Pelo que, se conclui que o Autor estava representado pelo Réu, à data da outorga da escritura de partilha, em 05/02/2018.

34.º Não existindo fundamento para que a referida escritura seja declarada ineficaz e consequentemente os registos de aquisição efetuados a favor do Réu, referentes aos prédios descritos na mesma, não sejam válidos.

As normas jurídicas que no entender do Recorrente, foram violadas:

- Artigos 608.º, n.º 2 / 2.ª parte, 609.º n.º 1 do Código de Processo Civil.

- Artigos 258.º n.º 1, do Código de Processo Civil.

- Artigos 265.º, n.º 3, 1170.º, n.º2 e 1175.º todos do Código Civil.

A correta interpretação e aplicação das normas atrás referidas e ainda da jurisprudência citada, induz à proferição de decisão que considere que a sentença seja nula porquanto houve condenação em objeto diverso do pedido,

Ou se assim não se entender,

Deveria ter sido proferida decisão em que a procuração outorgada pelo Autor a favor do Réu, se encontra válida estando o Autor representado pelo Réu, na escritura de partilha outorgada em 05/02/2018 e consequentemente a mesma válida, bem como válidos os registos de aquisição efetuados a favor do Réu.

Nestes termos, com o douto suprimento de V. Exas., que se invoca, deve o presente recurso merecer provimento, revogando-se a douta sentença, com as devidas consequências legais.

Só assim decidindo se fará justiça!

3. O A. contra-alegou e ampliou o âmbito do recurso, concluindo que:

1ª No item 46) dos Factos Provados, a decisão de facto tem por demonstrado que o A., à data da outorga da procuração referida no item 24) também dos Factos Provados, encontrava-se numa fase de descompensação da sua patologia, não tendo capacidade para entender o alcance total dos poderes conferidos, nem dispunha do livre exercício da sua vontade para os assumir.

2ª O R. pretende que o Tribunal forme convicção em sentido oposto, convocando para o efeito, extratos dos depoimentos das testemunhas DD, EE e FF, mas sem que estes tenham qualquer virtualidade para tanto.

3ª A decisão de facto contida no item 46) dos Factos Provados, tem de manter-se inalterável porque está mais do que bem cimentada, primacialmente nos relatórios da 1ª perícia médico legal, nos subsequentes esclarecimentos prestados e no relatório da 2ª perícia (esclarecimentos à 2ª perícia levados a cabo a solicitação do R. pelo facto do A ter memória do que ocorreu no dia 01.07.2004 e nos dias imediatamente seguintes, sendo certo que o 1º relatório já explicitara que nesta patologia - doença bipolar – a memória a curto e longo prazo mantém-se), no depoimento da testemunha Dr. FF, na necessidade de internamento volvidos 20 dias após a outorga da procuração, que ocorreu aos 01.07.2004 no .../Coimbra e que perdurou até 13.08.2004, e necessidade, para compensação da crise maníaco depressiva que o tinha acometido e que se foi

agravando até ao 1º internamento, de um reinternamento que reiniciou volvida uma semana após a alta, mais precisamente aos 20.08.2004 e com termo aos 03.09.2004.

4ª Relevam também nesta matéria, extratos do depoimento da testemunha GG que vão transcritos no corpo destas contra-alegações, e que acompanhou o A e o R. quando foram ao Cartório Notarial ... aos 01.07.2004 para lavrar a procuração, e que, de acordo com as regras da experiência comum, percecionou/diagnosticou, pelos diálogos mantidos com o A, o estado de insanidade mental em que este à data se encontrava.

5ª As perícias médico legais e esclarecimentos prestados (mediante avaliação clínica e psiquiátrica do A., história pregressa, exame mental e relatórios clínicos existentes), convergem “una voce” para a conclusão técnico científica, firme e segura de que o A., sem margem para dúvida, aos 01.07.2004, data em que assinou a procuração, não se encontrava capacitado para entender o alcance dos poderes pretensamente conferidos, e não dispunha do livre exercício da sua vontade para os assumir, apresentando nessa data, insanidade mental incapacitante.

ITEM E) – FACTOS NÃO PROVADOS

6ª O Tribunal, na decisão de facto consigna nesta alínea, não se ter provado que o R. tenha outorgado na escritura de partilhas referida no item 28) dos Factos Provados, com o propósito de salvaguardar os bens das heranças de seus pais.

7ª O R. pretende que a afirmação contida nesta alínea e) dos Factos Não Provados se tenha por demonstrada, e para alcançar este desiderato apela aos extratos das mesmas testemunhas já mencionadas e de que fez transcrição, mas também sem qualquer margem de procedência desta sua pretensão porque, e como corretamente consigna e com pleno acerto a sentença na motivação da decisão de facto, não obstante possa resultar dos depoimentos das testemunhas DD e HH, a preocupação da mãe de ambos quanto à doença do A. e consequências que podia acarretar, não resultou provado que igual preocupação fosse partilhada pelo R. porque, este, no porte das procurações de sua mãe e do A. seu irmão, fez escritura de partilhas locupletando-se com todo o acervo das heranças e com todos os dinheiros que sua mãe tinha em depósito bancário, e de resto, nenhuma prova foi feita no sentido de que a doença do A tivesse motivado qualquer esbanjamento de bens da herança/heranças.

8ª A realidade tida por não demonstrada na alínea e) dos Factos Não Provados, não pode sair dali, que é o lugar devido, e onde tem de permanecer.

DE DIREITO

NULIDADE

9ª A sentença, como sustenta o R., no dispositivo não condenou em objeto diverso do pedido e ou em mais do que vem peticionado pelo A (bem pelo contrário), inexistindo a pretensa e invocada nulidade, por desrespeito do consignado no artigo 609º do CPC.

DA PROCURAÇÃO

REVOGABILIDADE

VALIDADE

AMPLITUDE

10ª As procurações outorgadas pela mãe do R. e pelo A., à superfície, no seu texto, e à letra, vem escrito que (uma e outra) são outorgadas no interesse do R., que permitem negócio consigo mesmo, que são irrevogáveis e que não caducam nem por morte, nem por interdição e ou inabilitação.

11ª Estamos perante conceitos abstratos, superficiais e que têm de ser interpretados, quanto à sua validade e eficácia, no subsolo negocial dos interesses primários entre representados e representante e a relação material subjacente à procuração é que é a pedra de toque para se aferir da real existência ou não, da verificação do interesse do procurador, e no caso, como melhor se expressa a sentença, apesar dos vastos poderes conferidos pelas procurações, inexiste qualquer direito ou vantagem, que estes fossem suscetíveis de lhe proporcionar, para além do intuito comum aos três, mas paritário, deste substituir aqueles na outorga de escritura de partilhas comumente aceites, isentas de abusos de representação e movimentar contas bancárias alheias sem se locupletar com os dinheiros, receber tornas mas restituindo-as aos seus verdadeiros titulares.

12ª As procurações não conferiam ao R. qualquer interesse na subjacência dos negócios jurídicos subjacentes àquelas, vale por dizer que aqueles instrumentos não ficavam ao serviço de quaisquer interesses próprios do R, conferindo-lhe qualquer vantagem, ou contrapartida debitória a cargo dos mandantes e seus constituintes, não podendo afirmar-se que, no âmbito da relação material e negocial subjacente às procurações, existisse qualquer interesse de que o R., na qualidade de procurador pudesse tirar partido, ou contrapartida.

13ª Daqui que ambas as procurações de que o R “deitou a mão” para celebrar a escritura de partilhas, fossem, como foram, livremente revogáveis pelos constituintes que nelas outorgaram e foram-no ao abrigo do disposto no artigo 265º/2 e 3 do CC.

14ª O R. recebeu a carta registada com AR que lhe foi enviada por sua mãe, ainda enquanto viva, com declaração de revogação da procuração e recusou receber a carta com aviso de receção que o A oportunamente lhe enviou, com declaração igualmente revogatória da procuração, e se o escrito enviado pela mãe desencadeou eficácia extintiva da procuração assim que recebida pelo R., a que foi enviada a este pelo A, com igual intuito, e não obstante a recusa de receção, surtiu de igual modo os seus efeitos extintivos.

15ª O legislador numa justa medida de proteção ao declarante, perante declaração receptícia, no artigo 224º/2 do CC, ficciona que a declaração é tida por rececionada quando é recusada a sua receção.

16ª De acordo com o texto e o espírito do que vem estatuído no artigo 224º/1 do CC, a declaração negocial que tem um destinatário, torna-se eficaz logo que chegue ao seu poder ou é dele conhecida, e a primeira das alternativas é aplicável ao caso, porque a carta, contendo a declaração revogatória da procuração de iniciativa do A, entrou na órbita do poder e alcance do R e se este não a recebeu, uma tal omissão é-lhe imputável.

AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO

NULIDADE DA SENTENÇA

17ª Salvo o devido respeito e que é sempre muitíssimo, a sentença proferida enferma da nulidade prevista no artigo 165º/1 c) e ou 165º/1 d) do CPC, porque não emitiu pronúncia no dispositivo, no que concerne à procuração que fôra outorgada pela mãe do R. a este, na medida em que inexistia na relação material subjacente, interesse próprio dele R., carente de salvaguarda, sendo revogável e à data da escritura de partilhas de 05.02.2018, tendo a constituinte sua mãe falecido aos 09.02.2010, a procuração caduca mercê deste óbito.

18ª Na modesta opinião do A., a alínea I) do dispositivo da sentença, deveria ter jurisdicionalizado de modo explícito, a caducidade da procuração outorgada pela mãe do R., em favor deste, acrescentando no texto do item “e julgo extinta por caducidade a procuração outorgada pela mãe do R. a este, com efeitos a partir de 09.02.2010, data em que aquela faleceu.”.

VALIDADE DA PARTILHA JUDICIAL

SEUS EFEITOS

REIVINDICAÇÃO

19ª Diz a sentença e bem, que a escritura de partilhas mandada lavrar pelo R. aos 05.02.2018, mercê da caducidade da procuração que sua mãe lhe outorgara e da revogação da que lhe foi outorgada pelo A, sendo ineficaz relativamente a este, mantém de pé a validade da partilha judicial, homologada por sentença proferida no processo de inventário 693/04...., tendo ficado para o A., em preenchimento do seu quinhão hereditário, as verbas 2, 19, 24, 25 e 30 da relação de bens ali em partilha, sendo que esta última verba é exatamente a fração R do prédio urbano com referência de matriz ...13, sito em Praia ..., descrito na Conservatória/... sob o nº ...5... e que o Réu, com suporte na escritura de 05.02.2018 fez ali inscrever em seu nome, mediante Ap. ...03 de 21.02.2018.

20ª Todavia, e salvo o devido respeito, menos bem esteve a sentença quando na fundamentação e no dispositivo, abstém-se de declarar a propriedade do A, relativamente aos imóveis referenciados na anterior conclusão, sob pretexto de que uma tal jurisdicionalização ofenderia a autoridade do caso julgado, que é consubstanciado pela sentença homologatória da partilha judicial realizada no inventário 693/04.....

21ª E, relativamente à penhora constituída pelo R. Banco 1... registada aos 08.08.2018, sobre o imóvel urbano que é propriedade do A e identificado no corpo destas alegações e na anterior conclusão 19ª, e em correspondência com a verba 30 da relação de bens do inventário judicial, com apelo ao princípio da validade do registo do artigo 291º/1 do CC, nada decide quanto ao levantamento da penhora e cancelamento do registo desta.

22ª Sem prejuízo, no entanto, conforme reconhece e acrescenta, das ilações que se possam retirar em sede de processo executivo decorrentes designadamente do protesto pela reivindicação feita pelo A. no processo de execução 1058/14.....

23ª Salvo o devido respeito por opinião contrária, o disposto no artigo 291º do CC, não torna inoponível aos RR (BB e Banco 1...) os efeitos, seja da ineficácia, seja das nulidades negociais (como veremos infra quanto à nulidade), quer das procurações, quer da escritura de partilhas que o R. BB celebrou em negócio consigo mesmo aos 05.02.2018.

24ª O A. confrontado com a execução no processo 1058/14...., e com a penhora e registo sob imóvel que tinha por seu, reagiu através de ação de reivindicação prevista no artigo 1311º do CC, sendo certo que poderia, como terceiro, deduzir embargos, porventura ter feito uso de ambos os meios ao seu alcance.

25ª Socorreu-se da ação de reivindicação, que é o mecanismo mais solene de defesa da propriedade, e tem direito a ver jurisdicionalizado o seu direito de propriedade singular e exclusivo sobre o imóvel penhorado na execução, porque o disposto no artigo 291º do CC, mormente o que se dispõe no nº2 do preceito, não obsta ao reconhecimento deste seu direito (de terceiro) e demais consequências, porque o R. celebrou negócio consigo mesmo, de partilha extrajudicial aos 05.02.2018, a penhora do R. Banco 1... foi registada aos 08.08.2018, mas o A. na ação de execução fez protesto pela reivindicação aos 04.03.2019, instaurou a ação de reivindicação aos 03.04.2019, que foi a registo aos 09.10.2019 (ex officio) e o R. Banco 1... foi citado para contestar a presente ação aos 12.04.2019, não estando assim ultrapassado o triénio previsto no artigo 291º/2 do CC.

26ª Caindo o negócio que serviu de título ao R. BB para inscrição no registo do imóvel em seu favor, cai inevitavelmente esta inscrição (de resto com cancelamento já ordenado na sentença) e a inscrição da penhora em benefício do R. Banco 1... fica no “vácuo” sem sedimentação negocial que a sustente e importa que a decisão, no dispositivo, declare que o direito de propriedade do imóvel é de modo singular e exclusivo do A, e ordene a sua imediata restituição a este, livre de ónus ou encargos e ordene por consequência o cancelamento das inscrições de registo em favor do R. BB (este já ordenado) e a extinção/levantamento da penhora e cancelamento da inscrição de registo da mesma (que ainda está por ordenar, sendo que se impõe que tal aconteça).

NULIDADE NEGOCIAL

27ª O R. congeminou um plano para se locupletar com todos os bens que constituíam o acervo patrimonial de seus ascendentes diretos, que iniciou com a obtenção de procuração plenipotenciária de sua mãe, com a obtenção nas circunstâncias sobejamente conhecidas de idêntica procuração do A. seu irmão, valendo-se para tanto do estado mental deficitário deste e próprio da patologia de que é portador, sem escrúpulos alguns, servindo-se da procuração outorgada por sua mãe levantou todas as economias que esta tinha depositadas na Banco 2.../..., levantamentos que se iniciaram no próprio dia em que ela faleceu, esteve no Tribunal, perante o Juiz no âmbito do inventário e participativo na conferência de interessados, e menos de ano volvido, servindo-se das procurações no seu porte, manda lavrar escritura extrajudicial de partilhas e em negócio consigo mesmo, locupletando-se com todos os imóveis das heranças de seus pais e declara tornas simbólicas para preenchimento dos quinhões do A e de sua mãe (falecida há já tantos anos) e que estes já as haviam recebido.

28ª Estas condutas negociais do R. (obtenção das procurações e partilha extrajudicial) consubstanciam negócios sequenciais que culminam neste último de 05.02.2018 e que são a todos os títulos impossíveis, nos termos do artigo 280º/1 do CC, e nulos porque contrários à ordem pública e ofensivas dos bons costumes (artigo 280º/2 do CC), impossibilidade e nulidade invocável a todo o tempo, e de declaração judicial oficiosa, cujos efeitos são em tudo iguais aos da ineficácia negocial por que optou a sentença, sendo que o A tem interesse que esta nulidade seja apreciada.

LEGISLAÇÃO INFRINGIDA

29ª No que respeita à ampliação do objeto do recurso, a sentença fez incorreta interpretação e aplicação do que dispõem os artigos 165º/1 c) e 165º/1 d) do CPC; 291º do CC; 1311º do CC; 291º/2 do CC; e artigos 280º/1 e 280º/2 do CC e a correta interpretação e aplicação de tais normas é indutora de decisão que conheça da nulidade da sentença (conclusões 17ª e 18ª), da validade da partilha judicial, seus efeitos e efeitos da ação de reivindicação de iniciativa do A (conclusões 19ª a 26ª) e da nulidade negocial (conclusões 27ª e 28ª).

São termos em que deve ser julgado improcedente o recurso interposto pelo R., denegando-se provimento à Apelação, mantendo inalterada a decisão de facto e denegando fundamento à matéria de direito versada nas doutas alegações do Réu e tudo sob as legais consequências.

Relativamente à ampliação do âmbito do recurso de iniciativa do A, faculdade exercida ao abrigo do artigo 636º do CPC, deve o Tribunal conhecer das questões suscitadas (prevenindo até a hipótese, por absurdo, de procedência das questões de facto e de direito suscitadas pelo R. recorrente) mormente da nulidade da sentença (I) aditando no item I do dispositivo “e julgo extinta por caducidade a procuração outorgada pela mãe do Réu a este, com efeitos a partir de 09.02.2010, data do seu óbito”, conheça também da validade da partilha judicial, seus efeitos e dos efeitos reivindicativos do A (II) declarando que o imóvel sito na Praia ... e identificado no item 21) dos Factos Provados, é propriedade do A (III), ordene a sua imediata restituição a este, livre de ónus ou encargos (IV) ordene consequentemente o cancelamento da inscrição de registo na Conservatória em favor do R. BB (cancelamento que em bom rigor, nesta parte, já vem ordenado na sentença) - (V) ordene a extinção e levantamento da penhora promovida pelo R. Banco 1... (VI) ordene o consequente cancelamento da inscrição do seu registo (VII) e conheça do comportamento do Réu que congeminou, prosseguiu e concretizou um itinerário negocial para se apoderar de todos os bens das heranças de seus pais, com total exclusão do A, valendo-se dos efeitos da doença de que é portador, declarando “ex officio” que todos os negócios em que intervém (procurações e partilha extrajudicial) são nulos porque legalmente impossíveis (artigo 280º/1 do CC) e contrários à ordem pública e ofensivos dos bons costumes (artigo 280º/2 do CC).

Só assim decidindo se fará Justiça.

II - Factos Provados

1- O autor e o réu BB são irmãos, sendo filhos de II e de CC.

2- II faleceu no dia ../../1999.

3- Em consequência do facto referido em 2, em 19.03.2004, o autor requereu inventário para partilha da herança, o qual correu termos sob o nº 693/04.... do Juízo Local Cível ..., tendo sido nomeada cabeça de casal CC.

4- No inventário referido em 3 foi designada conferência de interessados para o dia 19.01.2010, a qual foi adiada em consequência da invocada incapacidade de que padecia o autor.

5- Em face da incapacidade do autor, no âmbito do mesmo inventário, foi nomeado curador ad litem JJ, que prestou juramento em 06.11.2011.

6- CC faleceu no dia 09.02.2010, tendo sido nomeado o réu BB cabeça de casal, por despacho de 09.05.2011 e designado dia 09.06.2011 para prestação de compromisso de honra e declarações.

7- O réu BB, na data designada não compareceu, pelo que foi designado o dia 08.09.2011 para o mesmo efeito, não tendo, de novo comparecido, o que voltou a suceder em 27.06.2012.

8- Em 18.10.2012, o réu BB prestou compromisso de honra e declarou, entre o mais, que os bens que haviam sido relacionados, tinham sido partilhados extrajudicialmente.

9- Em 03.12.2012 foi ordenada a notificação do cabeça de casal para juntar aos autos documento comprovativo da realização extrajudicial da partilha, vindo a carta devolvida por não ter sido reclamada no serviço postal.

10- Em 07.02.2013 foi ordenada a notificação do cabeça de casal, através de entidade policial, para os efeitos referidos em 9, a qual teve lugar em 26.02.2015.

11- Por despacho de 06.05.2015, o réu BB foi removido do cargo de cabeça de casal e em sua substituição, atenta a situação clínica estabilizada, foi nomeado o autor, com a consequente cessação de funções do curador mencionado em 5.

12-O autor prestou compromisso de honra e declarações no dia 01.06.2015.

13- Em 20.10.2016 foi junta aos autos de inventário uma avaliação dos bens relacionados.

14- Na conferência de interessados ocorrida em 27.03.2017, foi decidido por acordo, adjudicar ao réu BB a verba nº 17 pelo valor de € 2.000,00, tendo o autor licitado a verba nº 2, pelo montante de € 44.961,00, a verba nº 19 pelo valor de € 15.001,00, a verba nº 24, pelo montante de 14.501,00, a verba nº 25, pelo montante de € 12.501,00 e a verba nº 30 pelo valor de € 69.667,00.

15- Por despacho de 03.05.2017 foi dada a forma partilha, elaborado mapa informativo em 12.07.2017, mapa da partilha em 27.06.2018 e proferida sentença homologatória em 19.09.2018.

16- A verba nº 17 corresponde ao prédio sito em ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo nº ...64.

17- A verba nº 2 corresponde ao prédio sito em ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo nº ...60, descrita na ... Conservatória do Registo Predial ..., pela Ap. ...03 de 21.02.2018, a favor do réu BB sob o nº ...48.

18- A verba nº 19 corresponde ao prédio sito em ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo nº ...45, descrita na ... Conservatória do Registo Predial ..., pela ap. ...73 de 15.02.2018, a favor do réu BB sob o nº ...58.

19- A verba nº 24 corresponde ao prédio sito em ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo nº ...50, descrita na ... Conservatória do Registo Predial ..., pela ap. ...92 de 18.10.2017, a favor de KK por doação do réu BB, sob o nº ...33.

20- A verba nº 25 corresponde ao prédio sito em ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo nº ...93, descrita na ... Conservatória do Registo Predial ..., pela ap. ...73 de 15.02.2018, a favor do réu BB sob o nº ...54.

21- A verba nº 30 corresponde à fracção R do prédio sito em Praia ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo nº ...13, descrito na ... Conservatória do Registo Predial ..., pela Ap. ...03 de 21.02.2018, a favor do réu BB sob o nº ...5....

22- Por procuração outorgada no dia 06.05.2003 no Cartório Notarial ..., CC constituiu seu procurador o réu BB conferindo-lhe poderes para, além do mais, a representar nas partilhas por óbito de seu marido II (…), nela acordar quanto à composição dos quinhões, dar ou receber tornas, pagar sisas, dar ou receber quitações, outorgar e assinar as respectivas escrituras de partilhas (…), mais lhe concedendo poderes para movimentar quaisquer contas em quaisquer bancos ou Caixas.

23- Na procuração referida em 22 mais se consignou que a presente procuração é passada no interesse do mandatário, o qual poderá efectuar negócio consigo mesmo, nos termos do artigo duzentos e sessenta e um do Código Civil, é irrevogável, nos termos do número 3 artigo duzentos e sessenta e cinco, número dois do artigo mil cento e setenta e mil cento e setenta e cinco, ambos do código civil, não caduca por morte, interdição ou inabilitação da mandante, nos termos do artigo mil cento e setenta e cinco do mesmo Código Civil.

24- Por procuração outorgada no dia 01.07.2004 no Cartório Notarial ..., o autor constituiu seu procurador o réu BB conferindo-lhe poderes para, além do mais, abrir e movimentar contas em quaisquer Bancos, Banco 3... ou Banco 2..., levantando ou depositando importâncias e assinando os respectivos recibos ou cheques (…) em especial para junto da Banco 3... – ... movimentar a sua conta nº ...30 e no Banco 4... – ... movimentar a sua conta nº ...01, levantar ou depositar importâncias, passar cheques; proceder a quaisquer partilhas, nomeadamente por óbito de seu pai, II, outorgar e assinar as respectivas escrituras, receber quaisquer importâncias a que tenha direito seja qual for a sua proveniência, passando e assinando os respectivos recibos (…)

25- Na procuração referida em 24 mais se consignou que a procuração, é irrevogável, por ser constituída no próprio interesse do mandatário, nos termos do artigo 265, nº 3 e 1.170º, nº 2 e ainda, nos termos e para os efeitos do disposto no artº 1.175, todos do Código Civil, não caducando por morte, interdição ou inabilitação do mandante, ficando o mandatário dispensado de prestar contas, e ainda podendo o procurador fazer negócio consigo mesmo nos termos do artº 261º do Código Civil.

26- Por carta registada com aviso de recepção, recebida pelo réu BB em 03.10.2008, CC procedeu à revogação da procuração referida em 22, o que foi publicitado em jornal de 23.10.2008.

27- Por carta datada de 09.12.2009, registada com aviso de recepção, enviada ao réu BB em 10.12.2009 e recusada, o autor revogou a procuração referida em 24.

28- Por escritura pública outorgada no dia 05.02.2018, o réu BB, por si e na qualidade de procurador de CC e do autor, declarou proceder à partilha dos bens por óbito de seu pai, constituídos por 23 verbas, mais declarando:

A ele outorgante BB, são adjudicados todos os imóveis atrás identificados, no indicado valor de dez mil e quinhentos euros, que é reduzido ao da sua quota com as tornas de oito mil setecentos e cinquenta euros que já pagou aos seus constituintes e estes dele já receberam.

A meação e a quota hereditária da sua constituinte CC ficam integralmente preenchidas com as tornas de sete mil euros que ele outorgante já lhe pagou e ela dele já recebeu no dia 06.05.2003, data em que esta outorgou a referida procuração a seu favor.

E a quota hereditária do seu restante constituinte AA ficam integralmente preenchida com as tornas de mil setecentos e cinquenta euros que ele outorgante igualmente já lhe pagou e aquele dele já recebeu no dia 1 de Julho de 2004, data em que outorgou a também referida procuração a seu favor.

Que as tornas foram pagas em numerário, sendo a moeda utilizada o euro.

Que da herança não fazem parte outros prédios rústicos, contíguos com os ora partilhados e que as fracções dos imóveis dessa natureza objecto da presente partilha são as únicas pertencentes à mesma herança.

29- A verba do inventário descrita no facto 17 consta da escritura mencionada em 28 sob a verba nº 2.

30- A verba do inventário descrita no facto 18 consta da escritura mencionada em 28 sob a verba nº 14.

31- A verba do inventário descrita no facto 20 consta da escritura mencionada em 28 sob a verba nº 21.

32- A verba do inventário descrita no facto 21 consta da escritura mencionada em 28 sob a verba nº 1.

33- Além dos prédios referidos de 29 a 32, foram objecto da escritura mencionada em 28, os seguintes prédios:

a) Verba 3, correspondente ao prédio sito em ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo nº ...99, descrita na ... Conservatória do Registo Predial ... pela ap. ...73 de 15.02.2018, a favor do réu BB sob o nº ...49.

b) Verba 4, correspondente ao prédio sito em ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo nº ...17, descrita na ... Conservatória do Registo Predial ... pela ap. ...73 de 15.02.2018, a favor do réu BB sob o nº ...50.

c) Verba 5, correspondente ao prédio sito em ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo nº ...36, descrita na ... Conservatória do Registo Predial ... pela ap. ...73 de 15.02.2018, a favor do réu BB sob o nº ...16.

d) Verba 6, correspondente ao prédio sito em ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo nº ...88, descrita na ... Conservatória do Registo Predial ... pela ap. ...73 de 15.02.2018, a favor do réu BB sob o nº ...51.

e) Verba 7, correspondente ao prédio sito em ... - ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo nº ...86, descrita na ... Conservatória do Registo Predial ... pela ap. ...73 de 15.02.2018, a favor do réu BB sob o nº ...52.

f) Verba 8, correspondente ao prédio sito em Arneiro ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo nº ...31, descrita na ... Conservatória do Registo Predial ... pela ap. ...73 de 15.02.2018, a favor do réu BB sob o nº ...53.

g) Verba 9, correspondente ao prédio sito em ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo nº ...71, descrita na ... Conservatória do Registo Predial ..., pela ap. ...03 de 29.06.2022, a favor de LL sob o nº ...54, no processo de execução nº 2272/16.... em que foi executado o réu BB.

h) Verba 10, correspondente ao prédio sito em Outeiro ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo nº ...75, descrita na ... Conservatória do Registo Predial ... pela ap. ...73 de 15.02.2018, a favor do réu BB sob o nº ...55.

i) Verba 11, correspondente a metade do prédio sito em Outeiro ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo nº ...08, descrita na ... Conservatória do Registo Predial ... pela ap. ...73 de 15.02.2018, a favor do réu BB sob o nº ...61.

j) Verba 12, correspondente ao prédio sito em Valinho ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo nº ...94, descrita na ... Conservatória do Registo Predial ... pela ap. ...73 de 15.02.2018, a favor do réu BB sob o nº ...56.

l) Verba 13, correspondente ao prédio sito em ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo nº ...36, descrita na ... Conservatória do Registo Predial ... pela ap. ...73 de 15.02.2018, a favor do réu BB sob o nº ...57.

m) Verba 15, correspondente ao prédio sito em ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo nº ...46, descrita na ... Conservatória do Registo Predial ... pela ap. ...73 de 15.02.2018, a favor do réu BB sob o nº ...59.

n) Verba 16, correspondente ao prédio sito em ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo nº ...57, descrita na ... Conservatória do Registo Predial ... pela ap. ...73 de 15.02.2018, a favor do réu BB sob o nº ...60.

o) Verba 17, correspondente a metade do prédio sito em ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo nº ...80, descrita na ... Conservatória do Registo Predial ... pela ap. ...73 de 15.02.2018, a favor do réu BB sob o nº ...63.

p) Verba 18, correspondente a metade do prédio sito em ... - ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo nº ...88, descrita na ... Conservatória do Registo Predial ... pela ap. ...73 de 15.02.2018, a favor do réu BB sob o nº ...80.

q) Verba 19, correspondente ao prédio sito em ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo nº ...54, descrita na ... Conservatória do Registo Predial ... pela ap. ...73 de 15.02.2018, a favor do réu BB sob o nº ...61.

r) Verba 20, correspondente ao prédio sito em ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo nº ...38, descrita na ... Conservatória do Registo Predial ... pela ap. ...73 de 15.02.2018, a favor do réu BB sob o nº ...62.

s) Verba 22, correspondente a uma quinta parte do prédio sito em ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo nº ...44, descrita na ... Conservatória do Registo Predial ... pela ap. ...73 de 15.02.2018, a favor do réu BB sob o nº ...32.

t) Verba 23, correspondente a uma terça parte do prédio sito em ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo nº ...93, descrita na ... Conservatória do Registo Predial ... pela ap. ...73 de 15.02.2018, a favor do réu BB sob o nº ...56.

34- Com data de 21.02.2018, o réu BB procedeu ao registo da propriedade dos prédios referidos em 29, 30, 31, 32, 33 a), 33 b), 33 c), 33 d), 33 e), 33 f), 33 g), 33 h), 33 j), 33 l), 33 m), 33 n), 33 q), 33 r) e da quota parte do 33 i), o), p), s) e t) a seu favor.

35- O réu Banco 1... SA instaurou contra o réu BB execução, que corre termos sob o nº 1058/14...., tendo por título executivo uma livrança subscrita por este no montante de € 22.868,84, perfazendo a quantia exequenda o valor de € 23.256,86.

36- No âmbito da execução referida em 35, em 08.08.2018, foi penhorado o prédio descrito na ... Conservatória do Registo Predial ..., sob o nº ...5..., encontrando-se registada tal penhora a favor do réu Banco 1... SA na mesma data.

37- Em 04.03.2019, o autor apresentou na execução referida em 35 termo de protesto pela reivindicação, nos termos do disposto no artº 840º do Código de Processo Civil.

38- Na data referida em 24, o autor emitiu a favor do réu o cheque nº ...78, no valor de € 75.000,00.

39- À data do falecimento de CC, mencionada em 6, a conta poupança da mesma, na Banco 2... de ... com o nº ...15, tinha o saldo de € 60.000,00.

40- Em 16.12.2010 a conta referida em 39 tinha o saldo de € 0,00, tendo os respectivos movimentos a débito sido efectuados pelo réu BB.

41- À data do falecimento de CC, mencionada em 6, a conta de depósitos à ordem da mesma, na Banco 2... de ... com o nº ...48, tinha o saldo de € 45,00, sendo creditada até 27.05.2011 com quantias provenientes da conta poupança referida em 39, data em que apresentava o saldo de € 0,00, tendo os respectivos movimentos a débito sido efectuados pelo réu BB.

42- Em 16.08.2012, o réu BB instaurou a acção de interdição por anomalia psíquica do autor, que correu termos sob o nº 1701/2... alegando para o efeito que em 1980/1981 o mesmo começou a apresentar comportamentos psicóticos que originaram diversos internamentos, sobretudo desde 1998, sendo que desde 2012 as crises têm sido mais acentuadas, por falta de medicação.

43- O autor é portador de um quadro de doença bipolar, caracterizada por fases depressivas alternadas com fases eufóricas, de evolução, por vezes lenta, e que devidamente medicada permite uma vivência estabilizada ao nível psíquico.

44- Em consequência do facto referido em 43, o autor esteve internado no Hospital ...:

- De 27.01.1998 a 17.02.1998;

- De 25.09.1998 a 02.10.1998;

- De 21.01.1999 a 28.02.1999;

- De 21.07.2004 a 13.08.2004;

- De 20.08.2004 a 03.09.2004;

- De 06.01.2010 a 25.02.2010.

45- Em consequência do facto referido em 43, o autor esteve internado no serviço de psiquiatria do Centro Hospitalar ...:

- De 22.05.2009 a 25.06.2009;

- De 16.09.2009 a 12.10.2009, tendo ainda recorrido ao serviço de urgência em 05.01.2010 e 22.03.2012.

46- À data da outorga da procuração referida em 24, o autor encontrava-se numa fase de descompensação da sua patologia, não tendo capacidade para entender o alcance total dos poderes conferidos, nem dispunha do livre exercício da sua vontade para os assumir.

47- A procuração mencionada em 24 foi outorgada com conhecimento de CC, com o propósito de conferir ao réu BB poderes de administração para que o autor não dissipasse património, face à patologia descrita em 43.

48- A presente acção foi registada no dia 09.10.2019 por referência ao pedido inicialmente formulado e em 01.07.2022 por referência à ampliação do pedido de 09.02.2021.

*

Factos não provados:

(…)

e) O réu outorgou a escritura referida em 28 com o propósito de salvaguardar os bens das heranças de seus pais;

(…)

*

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Nulidade da sentença.

- Impugnação da decisão da matéria de facto.

- Validade da procuração do A. (e suas consequências).

- Ampliação do objecto do recurso (questões aí suscitadas).

2. O recorrente veio arguir a nulidade da sentença, porque o A. pediu - «Deve declarar-se que as procurações foram revogadas com justa causa» - e a sentença julgou validamente revogada a procuração outorgada pelo A. a favor do R., apesar de a mesma ter sido outorgada no interesse do R., não podendo a sentença condenar em objeto diverso do pedido, de acordo com o preceituado nos arts. 609º e 615º, nº 1, e), do NCPC, rezando este que é nula a sentença quando o juiz condene em objeto diverso do pedido (cfr. conclusões de recurso 12º a 14º).

Não se alcança bem a arguição desta nulidade (ou então o recorrente não a explicitou bem, dada a singeleza da justificação no corpo das alegações, igual às conclusões). Assim, atendo-nos aos termos com que se invoca tal nulidade a mesma não existe.

Na realidade o A. pediu, sob 1) da p.i., que se declarasse que a procuração que o R. BB emitida pelo A. foi revogada (com justa causa e está extinta nos seus efeitos).

A sentença julgou validamente revogada a procuração outorgada pelo A. a favor do R.

Não se divisa, assim, qualquer condenação ultra petitum. Não se verifica, pois, qualquer nulidade.

3. O R. impugna a decisão da matéria de facto, quanto ao facto provado 46., que pretende passe a não provado, e o facto não provado e), que pretende que passe a provado, com base nos depoimentos de A. DD, EE e FF (cfr. conclusões de recurso 1º a 11º, 17º a 19º), contrapondo o R. com os relatórios da 1ª e 2ª perícia médica legal, nos subsequentes esclarecimentos prestados, no depoimento da testemunha Dr. FF, necessidade de internamento em Julho de 2004, volvidos 20 dias após a outorga da procuração, que perdurou até 13.8.2004, para compensação da crise maníaco depressiva que o tinha acometido e que se foi agravando, e de um reinternamento que reiniciou volvida uma semana após a alta, mais precisamente aos 20.8.2004 e com termo aos 3.9.2004, e depoimento da testemunha GG (cfr. conclusões 1ª a 8ª das suas contra-alegações).

A julgadora de facto exarou a seguinte motivação:

“A factualidade acima descrita assenta numa apreciação crítica e global dos seguintes meios de prova, os quais se conjugaram com as regras da experiência comum:

A) Relatório médico legal a fls 1352 ss;

B) Declarações de parte do réu BB na medida em que as mesmas se conjugaram com a demais prova produzida;

C) Depoimentos das testemunhas:

- HH, apenas e tão somente quanto ao património dos pais do autor e do réu e quanto à residência actual do primeiro, uma vez que foi emigrante de 1971 a 2000 e de 2006 a 2012, apenas vindo a Portugal em Agosto, tendo apenas um conhecimento indirecto dos factos, porque fundamentado naquilo que lhe diziam, o que aliás, frisou;

- FF, médico psiquiatra, director de serviço do Hospital ..., conhecendo os relatórios clínicos referentes ao autor e que o mesmo lhe facultou, tendo explicando detalhadamente e com clareza a patologia de que padece o autor e as diversas fases da mesma, situando-as temporalmente;

- JJ, que exerceu as funções de tutor no processo de inventário que correu termos sob o nº 693/04...., quanto ao património dos pais do autor e do réu, as circunstâncias em que foi nomeado tutor e aquilo que lhe foi transmitido pelo autor no que se refere à outorga da procuração em causa nos autos;

- GG, funcionário do réu de 2002 a 2005, tendo acompanhado o mesmo e o autor a ..., aquando da outorga da procuração. Apesar de, na altura não se ter apercebido do que ali foi feito, relatou as motivações mencionadas pelo réu, bem como o comportamento errático do autor;

- MM, companheira do autor desde Novembro de 2011, que apesar de tal qualidade, prestou um depoimento, sereno e isento, referente ao relacionamento entre o autor e o réu, bem como estado físico-psíquico do primeiro, confirmado aliás pela testemunha FF, de que presentemente se encontra bem porque segue rigorosamente a medicação, não tendo sofrido qualquer internamento desde 2012;

- DD, solicitador, amigo da família do autor e réu que conhece desde a adolescência, relatando o seu relacionamento enquanto os pais foram vivos e após o seu falecimento. Mais relatou a preocupação dos pais quanto à doença do autor e à forma como esta se manifestava e às motivações da mãe, CC, que estiveram subjacentes à outorga das procurações, as quais foram feitas a conselho seu;

- EE, companheira do réu há 24 anos;

- NN, motorista de pronto socorro, conhece o autor e o réu desde a sua juventude, tendo relatado diversas circunstâncias em que foi chamado pelo réu, no exercício da sua profissão, quando autor tinha acidentes e era necessário ir em seu auxílio.

Deixa-se consignado que a testemunha OO nada sabia dos factos em causa nos autos, tendo assumido uma postura desafiante e desrespeitosa para com o Tribunal, não tendo sido relevado o seu depoimento.

(…)

- Elementos clínicos a fls 840 a 891.

*

(…)

Os factos … a 46 fundamentam-se, em primeira mão, no teor do relatório médico legal que se conjugou ainda com os elementos clínicos que fazem fls 840 a 891. Tal meio de prova, atentos os especiais conhecimentos técnicos que envolve, foi particularmente relevante para darmos como provada a factualidade descrita no facto 46.

De todo o modo, as testemunhas ouvidas, conhecidas do autor e do réu desde a sua juventude, ou que com o mesmo privaram e privam, HH, JJ, GG, MM, DD, EE e NN, não deixaram também de aludir a situações reveladoras da patologia de que o autor padece e as consequências que a mesma acarretava. De sublinhar, a este propósito, o depoimento da testemunha FF, médico psiquiátrica, também ele claro e convincente quanto às características da doença do autor e a fase em que a mesma se encontraria à data da outorga da procuração, designadamente por referência aos internamentos sofridos poucas semanas depois.

Por último, quanto ao facto descrito em 47, o mesmo resulta da conjugação dos depoimentos ouvidos, mas essencialmente do depoimento da testemunha DD, isento e lógico e por isso credível, o qual, pelo facto de ser amigo da família, acompanhou as preocupações sentidas pela mãe do autor e do réu, quanto à patologia que afectava o primeiro, com as fragilidades inerentes à sua (in)capacidade de reger a sua pessoas e bens, tendo sido a conselho seu que foi feita a procuração em causa nos autos.  

No entanto, deu-se como não provada a factualidade descrita em e) porque se resultou deste depoimento e também de HH, a preocupação da mãe quanto à doença do autor e às consequências que a mesma acarretava não resultou que igual preocupação fosse sentida pelo réu. Na verdade, apenas a testemunha EE depôs nesse sentido, aludindo ainda NN a situações pontuais, relacionadas com acidentes rodoviários em que o autor se via envolvido e para os quais, no exercício da sua profissão, era chamado pelo réu.

Porém, da conjugação de toda a prova produzida, designadamente dos actos posteriores praticados pelo réu e dados por provados no âmbito do inventário, subsequente escritura de partilha e levantamentos bancários das contas da mãe de ambos, após o seu falecimento, sem que daí resultasse qualquer benefício para o autor, não podemos considerar demonstrado um particular cuidado ou cautela manifestado com o património dos pais de ambos e que fosse prejudicado pela doença do autor. Acresce que, não resultou de qualquer prova que esta doença tivesse alguma vez motivado um esbanjamento inusitado de bens que haveria que acautelar…”.

Ouvimos a prova gravada em CD, indicada pelas partes, em relação aos factos impugnados.

A testemunha FF, arrolado pelo A., psiquiatra, além do que a julgadora exarou na sua motivação, mencionou que o A. esteve internado num serviço em que era Director, e teve acesso como supervisor de serviço à situação dele.  Conhece alguns elementos clínicos e alguma documentação. A psicose maníaco depressiva ou doença bipolar, de que o A. padece, não apaga a memória, ele pode conservar a memória. Eu tenho a noção e a experiencia de que com muitos outros doentes depois da crise nós conversamos com os doentes sobre os actos praticados sem crítica e os doentes lembram-se de tudo. A agitação é comum. Eu perguntei-lhe se viu o que lá tinha escrito e ele disse que não, nem olhei para aquilo. Não é normal numa pessoa que vai assinar uma procuração sem sequer ter lido, não é. Porque as pessoas nesse estado perdem o sentido crítico e avaliação. Quando assinou a procuração já não estava bem, estava sem sentido crítico, e depois foi-se agravando até aos internamentos. Quem conviver com a pessoa regularmente vai-se apercebendo, o mesmo não acontecendo se for só num momento único, como num cartório notarial no momento do acto aí praticado.

A testemunha GG, arrolado pelo A., ex-empregado do R., referiu que no dia 1 de julho de 2004 foi ao Cartório Notarial ..., a pedido do R. Entrou no carro e estava lá o A. e a companheira do R. Eu estava lá quando eles estavam a fazer a leitura, eu percebi que o A. não estava bem e que o R. lhe disse que tinha de tomar conta das coisas do AA, do irmão. Ele quando  vinha pelo caminho, vinha a falar assim coisas, pronto, assim um bocado estúpidas, não tinham nexo, coisa com coisa, e chegámos a ..., o que mais me impressionou foi ele puxar por 50 euros que tinha no bolso e dizia-me: ó GG, toma lá este dinheiro, toma lá este dinheiro, vai tomar um cafezinho, beber um chá com o teu, com o teu melhor amigo, com a tua namorada, tu só trabalhas, tu não vives, tu tens de conversar, tentar ir ver a natureza, olhar horizontes, assim de uma forma, e eu vou então assim: isto não está a bater o boto com o perdigoto. Com uma expressão muito esquisita. E ele dá-me 50 euros e eu vou assim: ó AA, para tomar um café, 50 euros? Tu és doido? Então isso é 1 euro, 1 euro chega e sobra. Ele queria-me dar, toma, toma, toma. Não, pagas tu um café, vamos ao café e pagas tu, bebemos um café juntos e ele queria-me obrigar a aceitar o dinheiro. Aquilo era uma coisa fora do normal, não tinha jeito nenhum. E as conversas completamente desconchavadas. Percebeu que ele não estava bem da cabeça. Foi uma procuração que ele foi assinar no cartório.

A testemunha DD, solicitador, arrolado pelo R., deixou dito o que consta da motivação da julgadora de facto. Mais aditou que a família tinha noção de qual era o problema do A. e alguns acontecimentos que aconteceram com ele que punham em causa a gestão do património que era aquilo que mais preocupava a família, tendo relatado a venda de um carro, pertença do pai, por 25 tostões como se diz portuguesmente falando. Houve acordo entre a mãe e A. e R. que este iria ficar a gerir os bens e então foi passada a procuração a favor do R. para fazer a administração da herança, como ele próprio sugeriu.

A testemunha EE, companheira do R., desde 2000, declarou que o R. de 1998 a 2000, teve seis surtos psiquiátricos. Quando a D. CC ficou sozinha, viúva, ouviu várias vezes a mesma dizer para que o R. fizesse a gestão do património da família, no sentido de tomar conta das coisas todas, dos bens para os quais eles tinham trabalhado a vida inteira devido à doença do A. Havia períodos em que ele estava estável. Quando veio de Lisboa, 2000/2001, veio com uma coisa psiquiátrica da Dr.ª PP em que diz que está apto para o trabalho. Ele estabilizou quando regressou a casa da mãe. Em Julho de 2004, o R. estava normal, era intenção dele por conselho da mãe, que fosse o irmão também a gerir os bens da herança. Quando outorgou a procuração ele estava bem.

Analisando.

Em relação ao facto provado 46., dos depoimentos acima transcritos, com excepção da companheira do R., é patente que ninguém afirma que o A. à data da outorga da procuração referida no facto 24., se encontrava numa fase normal e estável da sua patologia, com capacidade para entender o alcance total dos poderes conferidos, e dispondo do livre exercício da sua vontade para os assumir. Antes pelo contrário, como decorre dos depoimentos do psiquiatra Dr. FF e da testemunha QQ que acompanhou o A. e o R. ao cartório notarial, no falado dia 1.7.2024, quando a procuração foi emitida.

E não há sequer suficientes dúvidas sobre o facto 46., face ao 1º relatório pericial do INML (de 26.11.2021), onde assim se conclui “sem margem para dúvida” - o negrito é do relatório pericial -, confirmado, após reclamação do R., nos esclarecimentos periciais (de 18.1.2021), onde se exara que “não deixam dúvida ao perito”, e reconfirmado no 2º relatório pericial do INML (21.2.2023), onde se conclui, igualmente, “como muito provável”, relatórios esses conjugados e em consonância com os elementos clínicos de fls. 840/891 (juntos aos autos em 18.1.2020), como a julgadora de facto acertadamente compatibilizou.        

No respeitante ao facto não provado e), apesar do testemunho da companheira do R., único que poderia servir para o demonstrar, mas sobre o qual se tem de manter distanciamento por poder ser abertamente favorável ao mesmo, dada a ligação vivencial e afectiva, entendemos dever socorrer-nos da motivação da julgadora de facto, por ser mais adequada, lógica e compreensível. Ou seja: se resultou deste depoimento e um pouco do depoimento da testemunha A. DD, a preocupação da mãe quanto à doença do A. e às consequências que a mesma acarretava não resultou que igual preocupação fosse sentida pelo R. É que a conjugação de toda a prova produzida, designadamente dos reveladores actos posteriores praticados pelo R., e dados por provados no âmbito do inventário, subsequente escritura de partilha e levantamentos bancários das contas da mãe de ambos, após o seu falecimento, sem que daí resultasse qualquer benefício para o A., não permite considerar demonstrado um particular cuidado ou cautela manifestado com o património dos pais de ambos e que fosse prejudicado pela doença do A. Longe disso !

Formulando nós, idêntica convicção à da 1ª instância (arts. 663º, nº 2, ex vi do art. 607º, nº 5, 1ª parte, do NCPC), o resultado é julgar improcedente a impugnação deduzida pelo R. à matéria de facto.

4. Na sentença recorrida escreveu-se que:

“Pretende o autor, em primeiro lugar, que se reconheça que as procurações outorgadas a favor do réu BB foram revogadas com justa causa e estão extintas nos seus efeitos, o que já sucedia quando foram utilizadas pelo réu BB.

Desta forma, não obstante o autor aludir às condições psíquicas em que se encontrava aquando da outorga da procuração, direcciona o seu primeiro pedido para um momento posterior, a saber a revogação da procuração em causa, prevenindo eventualmente um pedido de anulabilidade já extinto por caducidade.

Posto isto, resulta dos factos 22 a 24, que respectivamente com data de 06.05.2003 e 01.07.2004, CC, mãe do autor e do réu BB, e o autor constituíram aquele seu procurador conferindo-lhe os diversos poderes que das mesmas constam.

Preceitua o artº 262º do Código Civil (diploma a que pertencerão as restantes disposições adiante citadas, sem menção em contrário) que:

1. Diz-se procuração o acto pelo qual alguém atribuiu a outrem, voluntariamente poderes representativos.

(…)

Procuração é, pois, o acto jurídico unilateral, pelo qual alguém confere a outrem poderes de representação, de que resulta que, se o procurador celebra negócio jurídico no âmbito dos poderes conferidos, tal negócio produz os seus efeitos em relação ao representado, como determina o artº 258º.

Quanto à extinção da procuração estabelece, por sua vez, o artº 265º que:

1. A procuração extingue-se quanto o procurador a ela renuncia, ou quando cessa a relação jurídica que lhe serve de base, excepto se outra for, neste caso, a vontade do representado.

2. A procuração é livremente revogável pelo representado, não obstante convenção em contrário ou renúncia ao direito da revogação.

3. Mas, se a procuração tiver sido conferida também no interesse do procurador ou de terceiro, não pode ser revogada sem acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causa.

Encontra-se demonstrado nos autos (factos 26 e 27) que, por carta registada com aviso de recepção, recebida pelo réu BB em 03.10.2008, CC procedeu à revogação da procuração referida em 22, o que foi publicitado em jornal de 23.10.2008.

No que concerne à procuração outorgada pelo autor, por carta datada de 09.12.2009, registada com aviso de recepção, enviada ao réu BB e recusada, revogou o mesmo a procuração referida em 24.

Em face do teor das procurações que lhe foram conferidas, entende o réu BB que as mesmas não poderiam ser revogadas unilateralmente, carecendo do seu acordo para o efeito, porque também foram outorgadas no seu interesse.

E com efeito, como decorre dos factos 23 e 25, nas procurações outorgadas por CC e pelo autor é mencionado que são passadas no interesse do mandatário, sendo irrevogáveis, nos termos do artº 265º nº 3, não caducando por morte dos mandantes.

A propósito da (ir)revogabilidade da procuração diz-nos o Acordão da Relação de Coimbra de 31.05.2011 2Colectânea de Jurisprudência, nº 231, III/2011, pg 38 que no direito português, estão expressamente previstas no artº 265º do C.Civil, a procuração no “interesse” exclusivo do dominus (nº 2) que é livremente revogável, e a procuração ”também no interesse do procurador ou terceiros” (nº 3) que é irrevogável, salvo acordo do interessado ou justa causa.

(…)

É o “interesse” que funciona e estabelece o critério de acção/actuação do procurador no exercício dos poderes de representação outorgados; o que logo exige e supõe um modo de determinação do interesse.

(…)

Através da procuração, o dominus outorga poderes de representação; e, em consequência os actos praticados pelo procurador no exercício desses poderes produzem efeitos jurídicos directamente na esfera jurídica do dominus.

No entanto, da procuração não resulta nenhuma obrigação do procurador exercer esses poderes, nem resulta, normalmente, qualquer indicação sobre como os deverá exercer.

É na relação subjacente à procuração 3Realce nosso que se encontra o conteúdo, que está estabelecido e de onde resulta o critério de comportamento de cada um, dominus e procurador, no que respeita aos poderes de representação; é da relação subjacente que se pode inferir qual é o interesse, quais os fins que se pretende atingir com a procuração; quais as necessidades que se pretende ver satisfeitas.

Como se analisa da factualidade descrita de 22 a 24, foram conferidos ao réu BB, por sua mãe, poderes para, outorgar e assinar as respectivas escrituras de partilhas, para acordar quanto à composição dos quinhões, dar ou receber tornas, pagar sisas, dar ou receber quitações, bem como poderes para movimentar quaisquer contas em quaisquer bancos ou Caixas.

O autor, por sua vez, conferiu poderes ao réu para abrir e movimentar contas em quaisquer Bancos, Banco 3... ou Banco 2..., levantando ou depositando importâncias e assinando os respectivos recibos ou cheques (…) em especial para junto da Banco 3... – ... movimentar a sua conta nº ...30 e no Banco 4... – ... movimentar a sua conta nº ...01, levantar ou depositar importâncias, passar cheques; proceder a quaisquer partilhas, nomeadamente por óbito de seu pai, II, outorgar e assinar as respectivas escrituras, receber quaisquer importâncias a que tenha direito seja qual for a sua proveniência, passando e assinando os respectivos recibos.

Ora, não obstante estes vastos poderes, não se vislumbra aqui qualquer interesse do réu BB nas procurações em causa, no sentido de lhe conferir qualquer direito a uma prestação dos próprios mandantes com reflexos na sua (dele mandatário) esfera jurídica. Com efeito, como referido por Pedro Pais Vasconcelos 4Apud AC. RL. 05.11.2020, www.dgsi.pt/jtrp.nsf a irrevogabilidade da procuração só é admissível quando esta desempenhe a função de possibilitar o cumprimento ou a execução da relação subjacente, e dessa relação subjacente resulte para o procurador ou para o terceiro, ou para ambos, uma pretensão cuja satisfação implique o exercício do poder representativo do procurador, como um poder próprio, mesmo contra o representado e contra a sua vontade.

Refere, ainda a este propósito, o mesmo autor 5In Procuração irrevogável, pg 83, que o interesse em causa não pode ser um interesse que resulte pura e simplesmente de um estado psicológico, subjectivo do procurador. O interesse tem de resultar objectivamente desta relação subjacente. Um interesse meramente subjectivo na conclusão do negócio não pode fundar a irrevogabilidade da procuração, pois se assim não fosse, cair-se-ia num caos de interesses em que caberia a cada pessoa definir em que é que tinha interesse, sem qualquer conexão com a realidade.

Ora, ainda que, no caso concreto possamos descortinar um interesse subjectivo, económico ou jurídico do réu BB em alguns dos actos para que foi mandatado, rectius a outorga de partilhas em que também é interessado, não se vislumbra aqui o direito a uma qualquer prestação por parte dos mandantes que funcione como contrapartida de outra que tivesse efectuado.

Se assim é, ao contrário do defendido em sede de contestação, as procurações em causa não foram conferidas também no interesse do mandatário, pelo que são livremente revogáveis nos termos do disposto no artº 265º nº 2, não obstando a este facto, a circunstância de nas mesmas ter sido estabelecida uma cláusula de irrevogabilidade pois, esta, não obedecendo aos pressupostos que possibilitam essa mesma irrevogabilidade, é ineficaz 6Cf. Ibidem, nota 3.

Como tal, e sem necessidade de apelar a qualquer revogação fundamentada em justa causa, como fez o autor nesta acção, poderiam CC e aquele revogar livremente as procurações em causa.

Em consonância com o disposto no artº 224º, a revogação tem a natureza de uma declaração negocial receptícia, pelo que apenas se torna eficaz quando chega ao poder do destinatário ou é dele conhecida.

Em face do supra exposto, sem necessidade de grandes considerandos, é inequívoca a eficácia da revogação da procuração outorgada por CC, desde o dia 03.10.2008.

Entendemos, todavia, que o autor não tem legitimidade para peticionar o reconhecimento da revogação desta procuração, pois que tratando-se de um acto intuitus personae, apenas poderia ser peticionada pela própria CC.

De todo o modo, tendo esta falecido em 09.02.2010 e dadas as características da procuração em causa que supra descrevemos, mormente que não assume as características de procuração irrevogável, sempre a mesma, à data da outorga da escritura de partilha de 05.02.2018, havia caducado 7Cf. a este propósito AC.RP.20.04.2023, www.dgsi.pt/jtrp.nsf.

Quanto à revogação da procuração pela banda do autor, há que fazer apelo ao disposto no artº 224º nº 2, segundo o qual também é considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida.

Ora, tendo o autor remetido carta em 09.12.2009, a mesma só não foi recebida pelo réu porque foi recusada. Assim sendo, ainda que não tivesse tido conhecimento directo da revogação, tal desconhecimento só a si é imputável, pelo que não deixa aquela de ser plenamente eficaz.

Assim, pelas razões expostas, procede parcialmente o primeiro dos pedidos formulados pelo autor.

*

Quanto aos demais pedidos, prendem-se eles com as consequências das revogações das procurações nos actos praticados após as mesmas, dentro dos poderes conferidos.

Em bom rigor, o único acto posto em causa pelo autor e que aqui cabe apreciar é a escritura descrita no facto 28, outorgada no dia 05.02.2018, pela qual o réu BB, por si e na qualidade de procurador de sua mãe e do autor, declarou proceder à partilha dos bens por óbito de seu pai, e adjudicou a si próprio todos os imóveis que constituíam as verbas descritas nos factos 29 a 33, tendo subsequentemente procedido ao registo dos mesmos a seu favor, o que permitiu, entre o mais, penhora do imóvel que constitui a verba 1 da aludida escritura, pelo réu Banco 1....

Como vimos, pediu o autor que a declaração de nulidade ou anulabilidade da referida escritura, argumentando por um lado, com a revogação da procuração e por outro, com o facto de anteriormente, em sede de inventário, ter sido feita determinada partilha, pela qual, entre o mais, o imóvel que se encontra penhorado a favor do réu Banco 1..., lhe ter sido adjudicado.

Antes de mais, importa considerar que no âmbito daquele inventário, como decorre dos factos 14 e 15, não obstante ter sido acordada a partilha em 27.03.2017, a mesma apenas vem a ser homologada por sentença de 19.09.2018, a significar, portanto, que se a procuração conferida ao réu fosse válida, a realização da escritura de 05.02.2018 não ofenderia a força de caso julgado da aludida sentença.

No entanto, verificada a revogação da procuração, com os fundamentos supra expostos, determina o artº 268º nº 1 que o negócio que uma pessoa sem poderes de representação, celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a este, se não for ratificado.

Refere a este propósito o AC. STJ de 09.03.2004, que a consequência da representação sem poderes, nos termos da citada norma é a de ineficácia em relação à pessoa em nome de quem o negócio é celebrado, a menos que por ela seja ratificado, e não a da nulidade, se bem que esta não deixe de ser uma forma de ineficácia do negócio jurídico, mas procedente de um vício de formação desse negócio, consistente na falta ou irregularidade de qualquer dos seus elementos internos ou essenciais: ali se estatui, com efeito, que o negócio que uma pessoa, sem poderes de representação, celebre em nome de outrem, é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado, sendo ainda de notar que não se trata de uma ineficácia meramente relativa por não só o pseudo representado mas também a própria parte que contrata com o representante sem poderes ter o direito de arguir a ineficácia, podendo esta parte (nº. 4 daquele art. 268º) revogar ou rejeitar o negócio com base nessa ineficácia enquanto a ratificação não tiver lugar, o que mostra claramente a evolução da intenção do legislador no sentido de permitir que a ineficácia resultante da representação sem poderes seja invocada por qualquer interessado, até para evitar possíveis conluios.

Quer isto dizer que um contrato celebrado com intervenção de um representante sem poderes integra uma situação equivalente à de um contrato celebrado sob condição suspensiva, sendo a condição, neste caso, a ratificação sem a qual o negócio não produzirá os efeitos a que tende.

Posto isto, concluímos que a escritura de 05.02.2018 pela qual o réu declarou proceder à partilha dos bens deixados por óbito do seu pai e do autor, adjudicando-os na totalidade a si próprio, não se encontra ferida de nulidade, mas sim de ineficácia.

Tal ineficácia, pela sua banda, acarreta a plena validade da partilha realizada no âmbito do inventário que correu termos sob o nº 693/04...., no qual foram adjudicadas ao autor as verbas 2, 14, 21 e 1 da aludida escritura (cf. factos 17 a 21 e 29 a 32).

No entanto, e entrando no pedido formulado sob o nº 3, não nos cabe repetir, sob pena de ofender a autoridade de caso julgado, o que já foi decidido na sentença homologatória proferida no aludido processo, quanto aos bens por esta abrangidos.

Quanto aos bens objecto da escritura de 05.02.2018, a mesma é abrangida pela declaração de ineficácia que a final se determinará.

Também pelo exposto, fica prejudicada a apreciação da excepção da caducidade invocada pelo réu BB, visto que a consequência da revogação da procuração não se traduz em qualquer anulabilidade, mas sim em ineficácia.

*

“A questão que se coloca de seguida é saber em que medida, essa ineficácia atinge a penhora constituída a favor do réu Banco 1..., registada em 08.08.2018, sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...5... , o qual constitui a verba 1 da aludida escritura de 05.02.2018, com o que entramos nos pedidos formulados sob os nºs 5, 6 e 7.

Na contestação apresentada, o réu Banco 1... faz apelo ao princípio da validade registral e ao disposto no artº 291º nº 1, ao abrigo dos quais não pode ver prejudicada a garantia que lhe é conferida pela penhora. Entendemos, todavia, que tal solução não é aqui aplicável, porquanto, como supra se disse, não estamos no âmbito da nulidade/anulabilidade de qualquer negócio, mas apenas da sua ineficácia.

No entanto, preceitua o artº 266º nº 1 que as modificações e a revogação da procuração devem ser levadas ao conhecimento de terceiros por meios idóneos, sob pena de lhes não serem oponíveis senão quando se mostre que delas tinham conhecimento no momento da conclusão do negócio.

Ora, nada há nos autos, desde logo porque não foi alegado, que demonstre que o réu Banco 1... quando nomeou à penhora o imóvel em causa tivesse conhecimento que o negócio por meio do qual o mesmo chegou à esfera jurídica do réu BB tinha sido por este realizado sem poderes para o efeito, porque munido de uma procuração que já se encontrava extinta por revogação.

Como referido no AC.RL 10.05.2011 8www.dgsi.pt/jtrl.nsf se os interesses do procurador são dignos de protecção, não o serão menos os dos terceiros que com o procurador contrataram, sem conhecimento (ou sem prova do conhecimento) de que a procuração entretanto fora revogada.

Por conseguinte, servindo-nos mais uma vez da justificação que se encontra nos Trabalhos Preparatórios constantes do BMJ 138º, pág. 112, é “razoável que a extinção da procuração seja inoponível àqueles terceiros que, ao concluírem o negócio com o representante, não tiveram nem estavam obrigados a ter conhecimento dessa extinção – àqueles terceiros que ignoravam, sem culpa, esse facto.

Desta forma, sem prejuízo das ilações que se possam retirar em sede de processo executivo, designadamente do protesto pela reivindicação feito pelo autor no processo 1058/14...., não podem proceder, nesta acção, os pedidos formulado em 6 e 7.”.

*

Por último, pede o autor o cancelamento de todas as inscrições de registo que foram efectuadas no imóvel referido, bem como nos imóveis que constam da escritura de 05.02.2018, mormente as inscrições a favor do réu BB ou terceiros decorrentes de actos e alienação daquele a inscrição de penhora em benefício do réu Banco 1... e de hipotéticas e futuras inscrições decorrentes de eventual venda judicial que possam vir a ter lugar.

Como supra se disse, a consequência da outorga da escritura em causa, sem poderes de representação, acarreta a sua ineficácia em relação ao autor, não significando com isso que tal ineficácia se repercuta na esfera de terceiros, como sucede com o réu Banco 1..., pelas razões que expusemos.

Como se constata também dos factos 19 e 33 g), os imóveis aqui descritos, encontram-se inscritos em nome de terceiros que não tiveram qualquer intervenção na acção, nada tendo sido alegado a esse respeito.

Desta forma, e quanto a eles não pode nesta sede ser ordenado qualquer cancelamento de inscrições, mas tão somente quanto aos demais imóveis.”.

O A. discorda, pelas razões constantes das suas conclusões de recurso (as 15º a 34º), pugnando para que se decida que a procuração outorgada pelo A. a favor do R. se encontra válida estando o A. representado pelo R. na escritura de partilha outorgada em 5.2.2018 e consequentemente a mesma válida, bem como válidos os registos de aquisição efetuados a favor do R.

Vejamos então.

- quanto ao argumento que a procuração em causa foi outorgada também no interesse do R., e jamais poderia ter sido revogada unilateralmente, por o R. ter um interesse direto, na escritura de partilha por óbito de seu pai, outorgada em 5.2.2018, uma vez que o mesmo é parte nessa escritura e dela também beneficia, conforme Ac. da Relação de Lisboa, Proc.1051/08.2TCSNT, de 19.10.2010, e Ac. do STJ de 18.2.2014, Proc.3083/11.4TBFARE, desde já se diga, quanto ao da Rel. Lisboa, que o seu caso concreto e o nosso não são comparáveis, pois naquele discute-se a hipótese de a procuração ser emitida exclusivamente no interesse do procurador, para realização de um contrato de compra e venda (o que não foi admitido) e no nosso estar em jogo eventual interesse do procurador R. conjuntamente com o representado A.

Avançando, dizemos que estamos com a decisão recorrida, pela argumentação aí desenvolvida e a que aditamos, ainda, a nossa.

Doutrinou o Acórdão do STJ, de 13.2.1996, em BMJ 454, pág. 635 e segs. que:

“O princípio geral da livre revogabilidade da procuração assenta na ideia de que esse acto jurídico unilateral de atribuição de poderes representativos é um “acto de confiança” do dador de poderes, que “se entrega a uma certa dependência do procurador”, uma vez que os efeitos dos negócios realizados nos limites desses poderes se produzem na esfera jurídica do representado, o qual deve por isso ficar inteiramente livre, em regra, de recuperar a autonomia da sua vontade pondo termo àquela relação de confiança.

A lei não define o “interesse do procurador ou de terceiro” que se deva ter como relevante para exclusão daquele princípio geral e, normalmente, será de atender à “relação jurídica em que a procuração se baseia”, sendo caso típico daquele interesse o de qualquer deles ter “contra o dador de poderes uma pretensão à realização do negócio” ou “o direito a uma prestação” (cfr. Vaz Serra, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 109. °, pág. 124, e Acórdão deste Tribunal de 24 de Janeiro de 1990, Boletim, n. °393, pág. 588).    

… O problema deverá ser apreciado em função de cada caso concreto… de tal modo que o interesse do procurador… deve ter-se como relevante sempre que, auferindo, alguma vantagem de ordem económica ou jurídica, não seja posta em causa a relação de confiança entre o representante e o representado ou a autonomia da vontade deste”.

Este apelo à consideração da relação subjacente à procuração para aferir o interesse do procurador é também propugnado por Oliveira Ascensão (em D. Civil, Teoria Geral, Vol. II, 2ª Ed., págs. 276/277), ao defender que ele deve resultar da análise da relação fundamental em causa, e não da própria relação de representação. Nomeadamente, o interesse do representante não pode consistir no mero interesse pecuniário na percepção de uma remuneração pelo exercício dos poderes. Deve ser um interesse no próprio objecto do negócio. É preciso que os actos jurídicos o beneficiem directamente.

O mesmo faz Menezes Cordeiro (em Tratado de D. Civil, I, Parte Geral, Tomo IV, pág. 97) ao doutrinar que é o contrato-base, subjacente à procuração, que deve determinar a vantagem para o representante.

Mais desenvolvidamente, Pedro L. Pais de Vasconcelos (em A Procuração Irrevogável, Ed. 2002, págs. 79/85), professa que, para aferir o interesse comum de procurador e representado, o interesse primário é, em concreto, a execução do negócio jurídico que constitui a relação subjacente.

Assim, deverá ser um interesse próprio do procurador, uma pretensão própria à execução da relação subjacente, para perseguir fins próprios. E tem de ser um interesse objectivo, não meramente subjectivo, na execução do negócio eu constitui a relação subjacente. E deverá ser um interesse específico na conclusão do negócio que constitui a relação subjacente, não um mero interesse genérico. E tem de ser um interesse directo na conclusão do negócio, o que só acontecerá se o procurador for parte no negócio que constitui a relação subjacente ou beneficiar directamente desse negócio, quer em termos patrimoniais, quer noutros termos. Concluindo que se a procuração for conferida para legitimar o procurador a exercer contra o outorgante da procuração uma pretensão de execução ou de cumprimento, então desta resultará para o procurador um poder próprio e autónomo para realizar um interesse próprio, poder este que é específico, objectivo e directo na conclusão do negócio, de tal modo que existindo um interesse relevante do procurador na outorga da procuração o dominus não possa revogar a mesma sem o acordo do procurador.      

Ora, como se assinala na decisão recorrida, ainda que no caso concreto se possa descortinar um interesse subjectivo, económico ou jurídico do R. para a outorga de partilhas em que também é interessado, não se vislumbra aqui o direito a uma qualquer prestação por parte do mandante A. que funcione como contrapartida de outra que tivesse efectuado.

E como sublinha o recorrido, nas suas contra-alegações, a procuração não conferia ao R. qualquer interesse relevante nos negócios jurídicos subjacentes àquela, vale por dizer que aquele instrumento não ficava ao serviço de quaisquer interesses próprios do R., conferindo-lhe qualquer vantagem ou contrapartida debitória a cargo dos mandante, não podendo afirmar-se que, no âmbito da relação material e negocial subjacente à procuração, existisse interesse de que o R., na qualidade de procurador pudesse tirar partido, ou contrapartida.

Repare-se que se tratava de procuração, designadamente para efectivar partilhas entre o R., o A., seu irmão, e sua mãe, partilhas em inventário que por definição e imposição legal visam igualar as quotas de cada um no património hereditário e alcançar os correspondentes benefícios jurídicos e económicos, nenhuma vantagem em abstracto trazendo para o R.

E como se viu o R. até participou inicialmente no respectivo inventário, onde na conferência de interessados houve acordo e licitações entre os irmãos, A. e R., para distribuir as verbas que aí estavam relacionadas. Ou seja, negócio paritário e feito em igualdade, sem vantagem ou satisfação de interesses próprios do R./procurador.

Só que depois, como os autos demonstram, apesar do acordado no inventário, o R. usou acionou a procuração, quando já não tinha nenhum interesse próprio, objectivo, específico e directo em usar a mesma, que o legitimasse a exercer contra o outorgante da procuração, o A., uma pretensão de execução ou de cumprimento, pois a partilha já estava em marcha, faltando apenas homologar o mapa da partilha entre os irmãos, ele e o A. Usou a procuração apenas com o fito de se avantajar, abarbatando bens a que não tinha direito ! 

Sendo assim, pelo explicitado, a procuração em causa não foi conferida também no interesse do procurador, o R., pelo que era livremente revogável nos termos do disposto no referido art. 265º, nº 2, pois a cláusula de irrevogabilidade, não obedecendo aos pressupostos que possibilitam essa mesma irrevogabilidade, é ineficaz.  

Por esta parte, portanto, a revogação da procuração levada a cabo pelo A. operou bem.

- no respeitante ao argumento de que mesmo admitindo a livre revogabilidade da procuração em apreço, isto é, sem necessidade de aceitação do procurador, sempre essa revogação teria de ser levada ao conhecimento deste, pois trata-se de uma declaração receptícia (neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1987, p. 247) – e, conforme resulta do art. 224.º, nº1, do CC, as declarações que se dirigem a alguém não são eficazes pela sua simples emissão, antes têm de ser recebidas pelo destinatário, o que não se verificou, e por sua vez, essa comunicação deve obedecer ao disposto no art. 258.º do NCPC que, sob a epígrafe “Notificação para revogação de mandato ou procuração”, impõe o formalismo da notificação pessoal ao procurador para que se produza o efeito revogatório pretendido, não tendo o A. procedido à notificação pessoal do R.

Neste aspecto, basta lembrar o que o tribunal a quo já disse, e que o apelante parece não ter lido.

Segundo o art. 224º, nº 2, do CC, é considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida. Ora, tendo o autor remetido carta, com A/R, ao R. em 9.12.2009, a mesma só não foi recebida pelo réu porque foi recusada. De modo que, ainda que não tivesse tido conhecimento directo da revogação, tal desconhecimento só a si é imputável, pelo que não deixa aquela de ser plenamente eficaz.

- por fim, relativamente ao argumento de que a revogação da procuração não foi averbada no próprio documento, neste caso ao original arquivado no Cartório Notarial ..., é argumento que não leva a lado nenhum.

Na verdade, dessa afirmação o recorrente não extrai consequência nenhuma. Nem ela se divisa, face ao que dispõe no C. Notariado, concretamente seu art. 131º, nº 1, b), onde se prevê tal averbamento, mas sem qualquer implicação para o caso que nos ocupa.

Desta sorte, se pode concluir que existiu fundamento para que a referida escritura fosse declarada ineficaz e consequentemente os registos de aquisição efetuados a favor do R., referentes aos prédios descritos na mesma, não fossem válidos.

Não procede o recurso do R.

5. Relativamente à ampliação do âmbito do recurso, dispõe o art. 636º do NCPC que:

“1 - No caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação.

2 - Pode ainda o recorrido, na respetiva alegação e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas.”.

O A. pretende, então, a procedência das questões por si suscitadas, mormente a nulidade da sentença (I) aditando no item I do dispositivo “e julgo extinta por caducidade a procuração outorgada pela mãe do Réu a este, com efeitos a partir de 09.02.2010, data do seu óbito”, a validade da partilha judicial, seus efeitos e dos efeitos reivindicativos do A (II) declarando que o imóvel sito na Praia ... e identificado no item 21) dos Factos Provados, é propriedade do A (III), ordene a sua imediata restituição a este, livre de ónus ou encargos (IV), ordene consequentemente o cancelamento da inscrição de registo na Conservatória em favor do R. BB (cancelamento que em bom rigor, nesta parte, já vem ordenado na sentença) - (V), ordene a extinção e levantamento da penhora promovida pelo R. Banco 1... (VI), ordene o consequente cancelamento da inscrição do seu registo (VII), e conheça do comportamento do R. que congeminou, prosseguiu e concretizou um itinerário negocial para se apoderar de todos os bens das heranças de seus pais, com total exclusão do A, valendo-se dos efeitos da doença de que é portador, declarando “ex officio” que todos os negócios em que intervém (procurações e partilha extrajudicial) são nulos porque legalmente impossíveis (artigo 280º/1 do CC) e contrários à ordem pública e ofensivos dos bons costumes (artigo 280º/2 do CC). - conferir conclusões 17ª a 27ª das suas contra-alegações e conclusão final das mesmas.

Em relação à invocada nulidade da sentença – omissão de pronúncia do art. 615º, nº 1, d), 1ª parte, do NCPC -, com o aditamento indicado expressamente pelo recorrido na parte (I), se a nulidade existisse então o mesmo teria ficado vencido. Nessa situação cabia ao R. apelar independentemente ou subordinadamente, nos termos do art. 633º, nº 1, do NCPC.

O mesmo acontece em relação à parte (II) e consequentes declarações pretendidas nas partes (III) e (IV). Um parêntesis aqui para corrigir uma afirmação do recorrido, a de que intentou acção de reivindicação, o que não é correcto, pois o esquema desta acção, a coberto do art. 1311º do CC, compreende 2 pedidos concomitantes, o do reconhecimento do direito de propriedade e o de entrega da coisa objecto desse direito, e este pedido não foi formulado em nenhum dos 8 pedidos apresentados na p.i., designadamente no 3) ou subsequentes.

Assim, também nas aludidas partes se impunha recurso independente ou subordinado.

Quanto à parte (V), ordenar consequentemente o cancelamento da inscrição de registo na Conservatória em favor do R. BB, não faz sentido, pois o próprio recorrido reconhece expressamente que tal cancelamento em bom rigor já foi ordenado na sentença. 

No respeitante às partes (VI) e (VII), ordenar a extinção e levantamento da penhora promovida pelo R. Banco 1... e ordenar o consequente cancelamento da inscrição do seu registo, também cabe aqui a aplicação do referido normativo do art. 633º, nº 1, devia o mesmo ter recorrido de modo independente ou subordinado.

Finalmente quanto às nulidades negociais, impossibilidade legal (art. 280º, nº 1, do CC) e contrariedade à ordem pública e ofensa dos bons costumes (art. 280º, nº 2, do CC), de facto o recorrido invocou-as como fundamentos da acção, juntamente com outros, numa pluralidade de causas de pedir (veja-se o Relatório supra em I). E, portanto, em princípio, podiam ser as mesmas objecto da ampliação do âmbito do recurso.

Importa, porém, atentar à parte final do apontado art. 633º, nº 1, que sublinhamos: prevenindo a necessidade da sua apreciação (o mesmo acontece, também, na parte final do nº 2, em relação às nulidades da sentença, que o recorrido, igualmente, invocou).

Doutrina Abrantes Geraldes (em Recursos Em Processo Civil, Novo Regime, Ed. 2008, em nota 5. ao anterior artigo 684º-A do CPC = ao actual art. 636º do NCPC, pág. 101) que o tribunal apenas terá de se pronunciar sobre as questões da ampliação se, acolhendo os argumentos suscitados pelo recorrente, tal se repercutir na modificação do resultado declarado na decisão impugnada em termos de prejudicar o recorrido.

Ora, isso como vimos e sabemos não aconteceu. Sendo assim, a ampliação do âmbito do recurso não pode ser admitida.

6. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC): (…).

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, assim se confirmando a decisão recorrida.

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Custas pelo Recorrente/R. e pelo Recorrido/A. na proporção, respectivamente de 3/4 e 1/4. 

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                                                                                Coimbra, 25.2.2025

                                                                                                           

Moreira do Carmo

 Vítor Amaral

Fonte Ramos