1. O ex-cônjuge pode ser chamado a prestar alimentos àquele que deles careça, opção legislativa que tem como fonte um dever particular de recíproca solidariedade social para com uma pessoa com quem já se teve laços diferenciados e reside na circunstância do legislador ter considerado que não pode obnubilar-se a realidade de uma antecedente vida em comum, independentemente da responsabilidade individual de cada um dos cônjuges na ruptura da relação matrimonial.
2. Com a redacção do art. 2016.º do Código Civil, operada pela Lei n.º 61/2008, de 31-10, a despeito de se continuar a afirmar a existência deste direito a alimentos pós-conjugais, foi vincado o princípio geral segundo o qual, decretado o divórcio ou a separação judicial de pessoas e bens, cada ex-cônjuge deve prover à sua própria subsistência.
3. A jurisprudência tem acentuado o carácter subsidiário, excepcional, delimitado e tendencialmente temporário desta prestação assistencial.
4. No que à cessação da obrigação alimentícia entre ex-cônjuges respeita, o Código Civil tem um sistema dual, plasmando uma cláusula genérica (art. 2013.º), e uma cláusula própria para o domínio das relações na pós-conjugalidade (art. 2019.º), bastante compreensivas e a serem densificadas casuisticamente, inexistindo omissão legislativa que careça de ser preenchida pelo Tribunal ex officio.
5. Deste modo, não cabe ao Tribunal construir novos fundamentos de extinção do dever alimentar, não alegados, substituindo-se às partes/intervenientes processuais no impulso processual, seja para o aumento, seja para a redução, seja ainda para a sua cessação.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra,[1]
AA instaurou acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge – entretanto convolada para divórcio por mútuo consentimento – contra BB.
Relativamente aos acordos previstos nos arts. 1775.º, n.º 1, do Código Civil, e 994.º do Código de Processo Civil, pelos mesmos foi dito que:
1. Inexistem filhos menores cujas responsabilidades parentais necessitem de ser reguladas;
2. Inexistem animais de companhia cujo destino cumpra aqui decidir (art.º 1793.º - A do Código Civil, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 8 de 2017);
3. A casa de morada de família, de natureza litigiosa enquanto bem próprio ou comum, correspondente à morada de residência do Réu fica atribuída para utilização ao Réu;
4. A Autora apresentou relação de bens comuns do casal, tendo o Réu declarado que todas as verbas constituem verbas de natureza litigiosa, nomeadamente quanto à descrição, natureza e valor.
O réu impugnou e excepcionou, nomeadamente no que respeita à situação económica, laboral, social e familiar da contraparte e à sua disponibilidade económica, mais concretizando factos relativos à indignidade da mesma.
“Pelo exposto, nos termos das disposições legais citadas e com os fundamentos expostos, Julgo Parcialmente Procedente o Presente Incidente de Alimentos, e, em consequência, condeno o Réu a pagar à Autora o valor mensal de 225,00€ (duzentos e vinte e cinco euros) a título de alimentos definitivos e como efeito do decretamento do divórcio, a atualizar anualmente à taxa de 2,00€ por ano, em julho de cada ano, a pagar por transferência/depósito bancário, até ao primeiro dia 8 de cada mês, sujeito às seguintes condições de cessação:
i) Obtenção do direito a receber pensão social do regime não contributivo;
ii) Pagamento/recebimento de tornas no valor correspondente a 3 anos de pensão alimentos;
iii) Obtenção de emprego e recebimento de primeiro vencimento, ainda que parcelar.”.
“Conclusões:
1. Da matéria de facto
2. Conforme anunciado, o presente recurso visa a reapreciação da matéria de facto «provada».
3. Neste segmento, tem o presente recurso por objecto o ponto 17 (parte final) dos factos «provados» e constante da fundamentação de facto.
4. Assim, resulta da fundamentação de facto o ponto 17, parte final, aqui posto em crise, que aqui se transcreve na integra, a saber:
“17. Após a separação do casal, o Réu procedeu à transferência de 14.500,00€ de conta bancária comum co-titulada pela Autora, para a conta do filho de ambos, quantia relativa á devolução do IVA pela compra de veículo de cerca de 60.000,00€, com dinheiro proveniente de herança do Réu.”
Assim, o segmento aqui objecto de censura no que ao referido facto diz respeito, tem por objecto unicamente a parte do aludido facto que menciona a: “quantia relativa á devolução do IVA pela compra de veículo de cerca de 60.000,00€, com dinheiro proveniente de herança do Réu.”
5. Salvo o devido respeito, esta parte dada como provada está incorrectamente julgada.
6. Com efeito, entende a Recorrente que se mostra incorrectamente julgado a indicada parte final e concreta do mencionado facto 17, nos termos e para os efeitos consignados na alínea a) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, devendo apenas considerar-se como provado o seguinte:
Ponto 17.: “Após a separação do casal, o Réu procedeu à transferência de 14.500,00€ de conta bancária comum co-titulada pela Autora, para a conta do filho de ambos.”
7. Na motivação especificada dos núcleos dos factos alegados pelas partes, melhor constante também da douta sentença sob recurso (pag.10) pode ler-se que:
“ix) O ponto 17) dos factos provados não corresponde exatamente a matéria factualmente alegada no que respeita a rendimentos do Réu, todavia, o principio de aquisição probatória determina que as respostas do Réu quanto à aquisição de veículo sejam vertidas por configurarem, em nosso entender, a confissão de factos acessórios mas favoráveis à Autora e no sentido em que o Réu dispõe ou dispôs de rendimentos, na constância do casamento, que os provenientes da pensão de reforma, ainda que tal factualidade não tenha auferido do melhor esclarecimento;”
8. Já na página 23 no seu ponto xxxvi), constata-se que: “…e encontra-se na situação de reforma, admite recebimento de quantia de herança que aplicou num veículo que integra o seu património (e até eventualmente o património comum) e dispõe de poupanças de milhares de euros;”
9. Ou seja, é a própria sentença que lança uma neblina sobre um facto, pois ao dar o mesmo como assente, não sabe se este integra o património próprio ou comum, o que se mostra em desconformidade com as finalidades e objecto do incidente em questão.
10. Posto isto, propõe-se a Apelante demonstrar que, à razão da prova produzida, deveria ter sido dado como «não provado» a ultima parte do ponto 17 dos factos como provados, neste caso o aspecto concreto que refere a: “quantia relativa á devolução do IVA pela compra de veículo de cerca de 60.000,00€, com dinheiro proveniente de herança do Réu”, mantendo-se como provado a primeira parte da redacção de tal facto.
11. Outra não poderá ser a leitura, já que nenhuma prova documental, designadamente qualquer escritura de partilha, de venda, ou qualquer outro instrumento de natureza contratual, sob a forma de escritura publica ou documento particular autenticado consta dos autos.
12. Por outro lado, dos autos também não resulta qualquer comprovativo bancário, comprovativo financeiro, ou qualquer outro documento idóneo e dotado do inerente valor probatório.
13. Acresce que, nem sequer aquele facto concreto foi alegado em sede de articulados, o que também resulta da douta sentença sob recurso na parte. (Cfr. pagina 10)
14. Sem embargo, caso assim não se entenda, a renovação dos meios de prova seguidamente enunciados sempre impunham concluir nos indicados termos, senão vejamos:
15. Em sede de prova por declarações de parte, atente-se nas declarações do Réu BB, declarações essas gravadas no respectivo sistema digital de suporte na audiência de julgamento de 26/06/2024, pelas 15h10, designadamente na aplicação informática em uso no Tribunal "Habilus Media Studio", durante 9min e 41 seg com inicio às 15:09 e conclusão às 15:19
16. Para esse efeito atente-se as passagens da gravação, devidamente assinaladas de Rotações 6:18: a 7:58, que se transcrevem:
(Rotações 6:18 a 7:58)
Mandatário da A.: Sotor…Com a devida vénia. Relativamente à história das contas bancárias. Ah… O Senhor na outra…e se o Mm. Juiz me permitir, referiu a compra de um carro. Que essa compra teria advindo de uma herança. Eu gostaria de saber de quem era essa herança? Se fez escritura de partilha? Se não houve escritura de partilha, de onde é que veio o dinheiro?
Réu BB: Houve escritura de partilha. Quando se vendeu os terrenos, houve uma partilha (imperceptivel)…
Mandatário da A.: E tendo havido escritura de partilha e tendo estado o senhor casado…recorda-se da senhora… da dona AA ter assinado essa escritura?
Réu BB: Não!
Mandatário da A.: Não?
Réu BB: A herança era minha!
Mandatário da A: Mas era casado?
Réu BB: (Imperceptivel)
Mandatário da A: Muito bem. Diz o senhor que isso depois foi para aproveitar uma questão da sua actividade. Mas o valor saiu da conta comum do casal? Esta conta comum do casal…
Réu BB: (Imperceptivel) Eu abri uma conta individual para… (imperceptivel)
Mm. Juiz: Foi uma conta no Banco 1... ou na agrícola… Banco 2...…
Réu BB: Banco 2...…
Mandatário da A: Recorda-se do montante que recebeu dessa suposta herança?
Réu BB: Recebeu por duas… duas ou três vezes…uma vez foi sessenta e qualquer coisa…
Mandatário da A.: Quanto?
Réu BB: (…) Eu assim não sei. Mas existe uma escritura (…) com os valores.
Mandatário da A.: E em que data é essa escritura?
Réu BB: (Imperceptível).
17. Assim, os meios de prova que impunham uma decisão diversa da recorrida são os seguintes:
a. Declarações de parte do R. gravadas no respectivo sistema digital de suporte na audiência de julgamento de 26/06/2024, pelas 15h10, declarações essas que se encontra gravadas nos autos no sistema gravado na aplicação informática em uso no Tribunal "Habilus Media Studio"., durante 9min e 41 seg na sessão de julgamento, com início às 15:09 e conclusão às
b. Extrato bancário de conta bancária com o nº ...44, entre 01-09-2021 e 12-05-2024, junto com o requerimento de 24-06-2024 [10918323];
c. Registos com identificação de contas bancárias tituladas pelo Réu, juntos com o requerimento de 26-06-2024 [107684540].
18. Quanto a estes dois últimos meios probatórios constantes do processo, também dos mesmos nada resulta que possa levar à conclusão que a: “quantia relativa á devolução do IVA pela compra de veículo de cerca de 60.000,00€, com dinheiro proveniente de herança do Réu.”
19. Acresce que as declarações do Réu, além de não poderem constituir qualquer meio de prova nesta parte para o efeito, foram, imprecisas, incoerentes e sem qualquer espontaneidade ou nexo, nada trazendo de concreto ao processo.
20. Salvo o devido respeito, a supra indicada parte final do facto dado como provado 17) deveria ter sido dada como não provada, já que dos autos não resulta de qualquer prova suficiente e concreta que pudesse ser alvo de merecida credibilidade por parte do tribunal recorrido.
21. Impõe-se assim reapreciar e reanalisar a parte das declarações do R. acima referidas, além dos documentos supra alegados e juntos aos autos.
22. Em conclusão: face à efectiva falta de prova documental e testemunhal produzida nos autos, o Tribunal “a quo” no que ao segmento de recurso em apreciação diz respeito, errou, salvo o devido respeito, na avaliação, interpretação e julgamento que fez da parte final do ponto 17 dos factos provados, que aqui se impugna e que na sentença foi dado como provado, pugnando-se aqui pela consideração de mesma parte daquele facto como não provada, pelo que o ponto 17 dos factos dados como provados, deverá ter apenas a seguinte redacçao:
a. “Após a separação do casal, o Réu procedeu à transferência de 14.500,00€ de conta bancária comum co-titulada pela Autora, para a conta do filho de ambos.”
23. Caso não se perfilhe o entendimento supra mencionado, ainda se considerará que a resposta dada pelo Tribunal ao facto 17 da fundamentação de facto, constitui pronuncia excessiva, não devendo, assim, tal facto ser considerado na decisão, porquanto nem sequer foi alegado.
24. Neste conspecto, há que ter presente que, no processo civil, vigorando o princípio do dispositivo, o juiz está impedido de levar em consideração factos que não foram alegados pelas partes, nos termos do estabelecido nos artº 664 e 264 do C.P.C. com as excepções aí previstas, o que vem agora sistematizado no artº 5º do C.P.C. com a epígrafe “ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal”.
25. Conclui-se por isso que o Exmo Juiz “a quo” excedeu-se na pronúncia que lhe é permitida sobre os factos, dando como provado um facto que não foi alegado.
26. É assim forçoso concluir que o ponto de facto elencado sob o nº17º (parte final da decisão recorrida e que tem por objecto a: “quantia relativa á devolução do IVA pela compra de veículo de cerca de 60.000,00€, com dinheiro proveniente de herança do Réu.”) e considerado como provado pelo Tribunal é excessivo, pelo que não pode ser considerado, atenta a violação do artigo 608º, nº2 do CPC e que o tribunal “a quo” deveria ter respeitado.
27. Sem prescindir, sempre se consideraria que a sentença, nesta parte objecto do ora recurso, seria nula, nulidade essa que expressamente aqui se invoca e suscita, de acordo com o artigo 615º, nº1, al. d) do CPC.
28. Violou, assim, o Mm. Juiz os artigos 608, nº2 e 615º, nº1, al. d) ambos, do CPC.
29. Da Matéria de Direito
30. Na sentença que julgou parcialmente o incidente de alimentos em apreço, verteu o Tribunal “a quo”, um capitulo que identificou como a: “Transitoriedade do direito”.
Já na sua decisão o Tribunal “a quo consignou o seguinte:
“Pelo exposto, nos termos das disposições legais citadas e com os fundamentos expostos, Julgo Parcialmente Procedente o Presente Incidente de Alimentos, e, em consequência, condeno o Réu a pagar à Autora o valor mensal de 225,00€ (duzentos e vinte e cinco euros) a título de alimentos definitivos e como efeito do decretamento do divórcio, a atualizar anualmente à taxa de 2,00€ por ano, em julho de cada ano, a pagar por transferência/depósito bancário, até ao primeiro dia 8 de cada mês, sujeito às seguintes condições de cessação:
iv) Obtenção do direito a receber pensão social do regime não contributivo;
v) Pagamento/recebimento de tornas no valor correspondente a 3 anos de pensão alimentos;
vi) Obtenção de emprego e recebimento de primeiro vencimento, ainda que parcelar.”
31. Ora, salvo melhor opinião, o Tribunal “a quo”, não poderia “ab initio” e desde logo por sentença, sujeitar a cessação da pensão alimentícia a condições “pré-definidas”.
32. Não se percebe nem se sabe, se aquelas condições são alternativas ou cumulativas, sendo que quanto às mesmas, nenhum elemento concreto e objecto existe para se poder formar, nesta fase, premissas de natureza extintiva.
33. Salvo o devido respeito, não pode uma sentença judicial substituir-se ao devedor da prestação de alimentos, numa conduta processual futura, ao arrepio do que decorre da lei, concretamente do artigo 2013º do CPC, norma esta que foi violada pelo tribunal “a quo” ao estabelecer na decisão desde logo condições que levam à cessação da prestação de alimentos, sem se saber como é que se vai operar tal cessação, quais as respectivas condições e qual a forma para se concretizar a mesma.
34. A situação é de resto equiparável, no seu espírito geral, à que ocorre no âmbito das providências de jurisdição voluntária, como se depreende do disposto no artigo 988.º do CPC.
35. Portanto, nestes casos, o caso julgado não é imutável n.º 2, do artigo 619.º e 936.º do CPC.
36. Recairá sobre quem invoca a alteração das circunstâncias determinantes da fixação dos alimentos, neste caso ao Réu, o ónus de alegação e prova dessa alteração, o que deverá fazer em acção judicial autónoma para o efeito, comportamento processual esse que tem em vista o reconhecimento dessa alteração (n.º 1, do artigo 342.º do CC).
37. Simultaneamente à violação do artigo 2013º do CC, violou ainda a sentença recorrida, nesta parte concreta, o artigo 342º, nº1 do CC que estabelece que: “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.”
38. Ora, considera a Recorrente que este segmento da decisão sob recurso e respectiva fundamentação de direito, deve ser alterado, por aplicação errónea do direito e como tal deverá ser objecto da respectiva censura jurídica.
39. Deste modo a decisão proferida nos presente autos deve conter unicamente a seguinte redacção:
“Pelo exposto, nos termos das disposições legais citadas e com os fundamentos expostos, Julgo Parcialmente Procedente o Presente Incidente de Alimentos, e, em consequência, condeno o Réu a pagar à Autora o valor mensal de 225,00€ (duzentos e vinte e cinco euros) a título de alimentos definitivos e como efeito do decretamento do divórcio, a atualizar anualmente à taxa de 2,00€ por ano, em julho de cada ano, a pagar por transferência/depósito bancário, até ao primeiro dia 8 de cada mês.”
40. Impõe-se assim a procedência do recurso da matéria de direito, nesta parte, tudo com as legais consequências.
Nestes termos deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser:
a) Alterada a matéria de facto, dando-se como não provado o facto 17 (parte final) da fundamentação de facto no segmento que refere a: “quantia relativa á devolução do IVA pela compra de veículo de cerca de 60.000,00€, com dinheiro proveniente de herança do Réu”, dando-se como provado o demais constante neste ponto.
b) Revogar-se a parte decisória na parte respeitante à sujeição do pagamento da pensão de alimentos a condições de cessação, mantendo-se o demais vertido na douta sentença sob recurso, fazendo-se desse modo”
“Conclusões:
“1. No que concerne o recurso da matéria de facto, a Apelante poe em crise o ponto 17 dos factos provados de douta sentença, que se dá para todos os efeitos por aqui integralmente reproduzida, ponto que ora se transcreve: “Após a separação do casal, o Réu procedeu à transferência de 14.500,00€ de conta bancária comum co-titulada pela Autora, para a conta do filho de ambos, quantia relativa á devolução do IVA pela compra de veículo de cerca de 60.000,00€, com dinheiro proveniente de herança do Réu.“;
2. O R. admite tal facto, por declarações de parte prestadas por aquele, nas sessões de audiência de julgamento, em 18.06.2024 que se encontram registadas no “H@bilus” Media Studio à rotação 00:00:01 e findo 00:30:50, prestadas entre as 15h28 e as 15h59, em concreto, passagem 24:42 a 25:02 e 25:53 a 26:02;
3. E audiência de julgamento em 26.06.2024, e em 26.06.2024, disponível na aplicação informática no “H@bilus” Media Studio, com o seu início ocorreu pelas 15:10 horas e o seu termo pelas 15:18 horas, passagem 06:18 a 07:01.
4. E ao contrário do que afirma, o Réu foi consistente na sua resposta, teve um discurso coerente, seguro e que transmitiu confiança.
5. Ora, perante alegações da Autora e confirmação por parte do Réu daquele facto nas suas declarações, nada mais poderia o MM. Juiz do tribunal ad quo do que julgar tal facto como assente, por admissão, como impõe o disposto no art.574º do CPC.
6. Acresce que, foi a Apelante que juntou o extrato bancário do Banco 2..., conta da qual era co-titular, com o seu requerimento de 24.06.2024, no qual se verifica o cheque da saída do montante mencionado pelo Réu para a compra do veículo, documento não contestado e que faz, diga-se e, bem, parte da motivação de facto de douta sentença, conforme alínea xiii) da mesma;
7. Não se pode conformar o Recorrido com as Alegações da Apelante porquanto ignoram prova documental junta pela própria e declarações prestadas perante a própria e pela mesma nunca impugnadas, em duas sessões de audiência de julgamento;
8. Assim, andou bem o douto tribunal ad quo quando deu como assente tal facto (ponto 17) por admissão, conforme lhe impunha o disposto no art.547º do CPC;
9. Pelo que, o ponto 17 dos factos provados em douta sentença deverá ser mantido como facto provado, mantendo-se a decisão proferida pelo MM. Juiz do tribunal ad quo.;
10. Relativamente ao recurso da matéria de Direito, importa ter em conta que, com o divórcio, a regra geral é a de que, “Cada cônjuge deve prover à subsistência, depois do divórcio”, conforme dispõe o art.2016º do CC;
11. Como bem se refere na douta sentença e aqui citamos, “ (…) a obrigação alimentar na cessação do vínculo matrimonial, sendo excecional, deve estar limitada no tempo e modo, evitando o prolongamento do dever de assistência conjugal, remanescente do dever de solidariedade familiar no casamento, para lá da razoabilidade.”;
12. Pelo que, andou bem o MM. Juiz do tribunal ad quo ao limitar no tempo e modo, o dever de assistência à Apelante, sob pena de violação do disposto no nº3 do art.2016º do CC;
13. E de tal não tem existido dúvidas na douta jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, vide nesta senda o douto Acórdão de 31.01.2023, “ III - Cada ex-cônjuge deve prover à sua subsistência, nesse sentido a obrigação de alimentos assume-se como excecional e necessariamente transitória, com decorrentes implicações no seu conteúdo, mais restrito, inexistindo o direito a exigir a manutenção de um padrão de vida de que beneficiava na pendência do casamento.
IV - O dever de alimentos deve durar durante um curto período transitório, necessário para adaptação do ex-cônjuge mais necessitado, a uma vida economicamente independente, sendo sua, a responsabilidade de prover ao seu sustento, afastando expectativas de perpetuidade.”;
14. Pelo exposto, deverá negar-se provimento ao Recurso de Apelação da Apelante, tanto da matéria de facto como da matéria de direito, mantendo-se o ponto 17 de douta sentença como facto provado e a douta decisão proferida na mesma pelo do tribunal ad quo.
Nestes termos e nos melhores de Direito, requer a V. Exas. que se dignem a negar provimento ao Recurso de Apelação da Apelante e a manter a decisão proferida por douta sentença do tribunal ad quo”.
I. Impugnação da matéria de facto – alteração do facto n.º 17, dando-se como não provada a parte final do mesmo, no segmento que se refere a “quantia relativa à devolução do IVA pela compra de veículo de cerca de 60.000,00€, com dinheiro proveniente de herança do Réu”.
II. Nulidade da sentença, à luz do art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC.
III. Violação dos arts. 2013.º e 342.º, n.º 1, ambos do Código Civil, pela sentença, ao sujeitar-se o pagamento da pensão de alimentos a condições de cessação.
Na sentença sob recurso consideraram-se os seguintes factos provados e não provados (sublinhando-se a parte impugnada pela recorrente):
“4.1. Da discussão da causa resultaram provados, com interesse para a causa, os seguintes factos:
1. A Autora contraiu com o Réu, casamento civil, sob o regime da comunhão de adquiridos, a 14 de setembro de 2002.
2. Autora contraiu com o Réu encontram-se separados desde 29 de novembro de 2023, data em que a Autora saiu da casa que ambos habitavam.
3. Autora e Réu tiveram um filho, nascido a ../../1997, atualmente maior de idade.
4. A Autora sempre dependeu financeiramente do Réu, durante os 21 anos em que esteve casada com o mesmo.
5. A Autora tem 63 anos de idade.
6. A Autora foi diagnosticada com depressão crónica, pós-parto, à qual foi fixada uma incapacidade de 0,600.
7. A Autora encontra-se inscrita no instituto de emprego e formação Profissional, IP. como desempregada à procura de primeiro emprego desde 20-12-2023, e antes disso, no período de 18-10-2022 a 27-02-2023 e de 28-08-2023 a 29-11-2023.
8. A Autora carece de acompanhamento médico regular, com aquisição mensal de medicamentos.
9. A Autora tem ainda necessidade de alimentação, vestuário, calçado e despesas com a habitação, incluindo serviços de comunicações, consumo de eletricidade e consumo de água.
10. A Autora paga mensalmente a renda de 350,00€.
11. A Autora aufere rendimento de social de inserção no montante mensal de 237,25€.
12. Desde a data em que saiu de casa, a Autora tem sobrevivido da ajuda de amigos, que lhe cedem quantias em dinheiro para pagamento de renda, despesas correntes e encargos de subsistência.
13. O Réu é um contabilista reformado.
14. O Réu aufere declarou, em 2022, rendimentos no valor de 9.477,64€ de reforma, e rendimentos da categoria B / Regime Simplificado no montante anual de 5.223,61€.
15. O Réu não entregou qualquer valor à Autora, a título de pensão de alimentos, desde que a mesma saiu da casa.
16. O Réu vive sozinho desde a separação do casal.
17. Após a separação do casal, o Réu procedeu à transferência de 14.500,00€ de conta bancária comum co-titulada pela Autora, para a conta do filho de ambos, quantia relativa á devolução do IVA pela compra de veículo de cerca de 60.000,00€, com dinheiro proveniente de herança do Réu.
18. Autora abriu conta bancária, titulada exclusivamente por si, na qual eram depositadas as pensões de abono de família do filho comum, que a Autora utilizava nos seus gastos e encargos pessoais e familiares.
19. Autora e Réu detinham conta bancária durante a constância do casamento, em regime de cotitularidade, na Banco 2... com o nº ...44....
20. A Autora passava longos períodos ausente de casa em tratamento da sua depressão crónica.
21. Quando se encontrava em casa, a Autora passava a maior parte do tempo prostrada sem contribuir para as lides domésticas ou cuidados do filho menor.
22. A Autora prestou trabalho remunerado, pelo menos por 2 ocasiões, e por breves períodos inferiores a 1 semana.
23. Por cerca de 2-3 anos, no período precedente do nascimento do filho comum, a Autora prestava trabalho para o Réu de apoio à atividade de contabilista, na gestão de documentos e lançamento de faturas, tendo apresentado registos de vencimento.
24. No período que antecedeu a coabitação comum, ainda antes do casamento, a Autora prestou trabalho remunerado.
25. Durante o período da coabitação, as lides domésticas eram asseguradas com o serviço de empregada doméstica, 1/2 vezes por semana, suspensa durante alguns períodos de pandemia covid-19 em Portugal.
26. A partir de 2020, a Autora cessou os internamentos e passou a dedicar mais tempo as lides domésticas.
27. O Réu aufere rendimento mensal correspondente a reforma mensal de 751,07€ (setecentos e cinquenta e um euros e sete cêntimos).
28. Durante o período da coabitação sempre foi o Réu a contribuir para os encargos da família como para a gestão familiar.
29. Os cuidados a prestar a então filho menor eram assegurados pelo progenitor, com o apoio da família paterna, vizinhos e amigos.
30. O Réu tem despesas fixas mensais, com despesas com a habitação, incluindo serviços de comunicações, consumo de eletricidade e consumo de água, e com seguro vida e seguro saúde, com despesas de gasóleo, bens alimentares, empregada doméstica, farmácia e cuidados de animais.
- - -
4.2. Da discussão da causa não resultaram provados, com interesse para a causa, os seguintes factos:
31. Desde que casou com o Ré que a Autora nunca trabalhou, nem efetuou quaisquer descontos, porquanto o Réu, sempre lhe disse que ganhava o suficiente e preferia que a mesma não trabalhasse fora de casa.
32. A Autora dedicou-se exclusivamente a cuidar da casa e do filho comum.
33. A Autora padece de vários problemas de saúde com bastante gravidade.
34. A Autora, atenta a sua idade, habilitações e falta de experiência, não consegue arranjar trabalho que lhe permita sustentar-se.
35. Para se alimentar, vestir e calçar, a Autora carece de 300,00€ mensais.
36. A Autora gasta em média 54,30 € em medicação.
37. No que concerne a consumo de eletricidade, a Autora gasta, em média, a quantia mensal de 60,00 €.
38. Por conta do consumo de água na sua habitação a Autora gasta, em média, mensalmente, o montante de 25,00€.
39. No que respeita a comunicações a Autora despende a quantia média mensal de 18,00€.
40. O Réu continua a prestar a sua atividade profissional de contabilista a diversos clientes, dos quais recebe rendimentos.
41. A Autora nunca quis trabalhar, por vontade própria.
42. A Autora não cuidava da casa, não cuidou da alimentação, nem da roupa, nem das limpezas, quanto menos do filho.
43. Os filhos de um anterior casamento anterior do Réu cuidaram mais do filho deste casal do que a própria mãe.
44. A Autora tem sério problemas com o álcool.
45. A Autora não contribuiu para o provento da família, nem logisticamente, nem financeiramente.
46. A Autora fez seus os abonos de família recebidos, num valor que se estima em 10.000,00 (dez mil euros).
47. O Réu tentou várias vezes arranjar trabalho à Autora.
48. A Autora realizou cursos de formação no IEFP, remunerados.
49. A Autora dissipou dinheiro comum entregues para o provento da família em saídas à noite e álcool.
50. O Réu vê a Autora nos bares em ... a consumir bebidas como cerveja e Gin, em grandes quantidades.
51. A Autora, antes e após a separação, mantinha e mantém consumo abusivo de álcool.
52. Por várias vezes, durante o período da coabitação marital, a Autora ausentava-se de casa.
53. O que veio a intensificar-se nos últimos anos.
54. Com a saída de 29-11-2024, o Réu ficou abandonado, sem saber da mulher, com novidades sobre a Autora, através de amigos, que viam na festa em ..., na ..., em ....
55. O Réu iniciou diligências no sentido de oficializar o divórcio deste casal, através de mandatário, pois não conseguia aguentar mais esta rotina disfuncional da Autora.
56. A Autora tentou apropriar-se da quantia de 14.500,00€ da conta conjunta do casal.
57. O Autor fez queixa pois a Autora tentou retirar um cheque com todo o valor de 14.500,00€ na conta comum do casal, antes de sair de casa.
58. O Réu tem o montante global de 1227,40€ (mil duzentos e vinte e sete euros e quarenta cêntimos) em despesas fixas mensais.
No que concerne à impugnação da matéria de facto, constata-se que os ónus impostos pelo art. 640.º do CPC assentam nos princípios da cooperação, lealdade e boa-fé processuais, e têm por finalidade garantir a seriedade do recurso.
Destarte, sendo impugnada a decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto, o recorrente, além de ter de cumprir os ónus de alegação, de especificação e de conclusão, deve obrigatoriamente circunscrever, no requerimento recursivo, sob pena de rejeição: (i) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, (ii) os concretos meios probatórios para proferir nova decisão, (iii) e a decisão substitutiva sobre a matéria de facto que deverá ser proferida, de harmonia com o art. 640.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), do CC – cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 08-02-2024, Proc. n.º 7146/20.7T8PRT.P1.S1, de 17-09-2024, Proc. n.º 4667/20.5T8VIS.C1.S1, de 18-06-2019, Proc. n.º 152/18.3T8GRD.C1.S1, e de 07-03-2019, Proc. n.º 2293/10.6TBVIS.C1.S1, e Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, pp. 165-169.
Por conseguinte, a exigência legal imposta ao recorrente de enunciar “os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação”, indicando “com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso”, importa a necessidade de se assinalar as passagens relevantes do depoimento, “não se satisfazendo com o consignar o início e o termo de cada depoimento considerado relevante para a alteração da matéria de facto visada” (sic) – passagens do citado aresto de 17-09-2024, consonante, também, com os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 10-12-2015, Proc. n.º 724/09.7TBAMT.P1.S1, e de 26-01-2017, Proc. n.º 599/15.7T8CLD.C1.S1.
(I) Volvendo ao recurso interposto, verifica-se que foi delimitado o âmbito da impugnação da matéria de facto (facto provado n.º 17, 2.ª parte) e trazidas as provas (declarações de parte e elementos bancários juntos em 26 de Junho de 2024) que, em seu entender, impõem decisão diversa, pelo que cabe analisar e decidir.
O facto em questão tem a seguinte redacção:
“17. Após a separação do casal, o Réu procedeu à transferência de 14.500,00€ de conta bancária comum co-titulada pela Autora, para a conta do filho de ambos, quantia relativa á devolução do IVA pela compra de veículo de cerca de 60.000,00€, com dinheiro proveniente de herança do Réu.”.
Vejamos, então, esta questão.
No que respeita à impugnação da matéria de facto, eis como o Tribunal a quo enquadrou esta questão:
“viii) Os pontos 13) a 17) dos factos provados correspondem a matéria factual alegada pela Autora e que se tem por assente por acordo e/ou falta de motivação especificada, não havendo qualquer reserva quanto à admissão, por articulado e declarações, da profissão do Réu , dos seus rendimentos declarados e sustentando por ampla prova declarativa, coincidente entre as partes, e sobre as suas atuais circunstâncias pessoais;
ix) O ponto 17) dos factos provados não corresponde exatamente a matéria factualmente alegada no que respeita a rendimentos do Réu, todavia, o principio de aquisição probatória determina que as respostas do Réu quanto à aquisição de veículo sejam vertidas por configurarem, em nosso entender, a confissão de factos acessórios mas favoráveis à Autora e no sentido em que o Réu dispõe ou dispôs de rendimentos, na constância do casamento, que os provenientes da pensão de reforma, ainda que tal factualidade não tenha auferido do melhor esclarecimento;
x) Sobre a quantia de 14.500,00€, o Réu admitiu tal facto na medida da narração do ponto 17), soçobrando das alegações e prova um evidente non liquet quanto às equívocas pretensões das partes sobre tal quantia e quanto à alusão a condutas de dissipação, não se vislumbrando em que medida a instrução, prova e demonstração desta factualidade possa importar ao presente objeto incidental;”.
Como pano de fundo invoca a recorrente a infracção ao princípio do dispositivo, corporizado pelo art. 264.º do CPC.
Uma das traves mestras do regime civil adjectivo é o princípio do dispositivo, que faz impender sobre aquele que se arroga a titularidade de um direito, a invocação dos “factos essenciais que constituem a causa de pedir”, sendo que são todos aqueles sem os quais a acção não poderá proceder.
O pedido é “o direito para que [o Autor] solicita ou requer a tutela jurisdicional e o modo por que intenta obter essa tutela (a providência judiciária requerida), o efeito jurídico pretendido pelo Autor», enquanto que a causa de pedir é «o acto ou facto jurídico (simples ou complexo, mas sempre concreto) donde emerge o direito que o Autor invoca e pretende fazer valer” – cf. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 111.
Em tese (art. 5.º, n.º 1, alínea a), do CPC), compete às partes, nos articulados principais – petição inicial e contestação –, alegar os factos essenciais e aqueles que digam respeito às excepções.
Operada a convolação da instância de divórcio sem consentimento do outro cônjuge para a de divórcio por mútuo consentimento (arts. 931.º, n.ºs 5 e 6, e 994.º, n.º 1, al. d), ambos do CPC), e subsistindo um segmento em que não houve conciliação – prestação de alimentos a (ex-)cônjuge –, estavam em discussão todos os factos atinentes a este aspecto, os “factos necessitados de prova”, no dizer do art. 410.º do CPC.
Após terem sido tomadas as declarações das partes (1.ª vez), entendendo o Tribunal subsistirem divergências após a produção da prova testemunhal, ordenou que as mesmas voltassem a prestar declarações, o que determinou no âmbito do princípio do inquisitório, com o escopo concretizado de apurar a verdade material e obter a justa composição do litígio, como alude o art. 411.º do CPC.
Aquando da prolação da Sentença, o Tribunal valorou todas as provas produzidas, independentemente de quem as produziu, atendendo às regras do ónus de prova, já que essas provas foram admitidas e produzidas em observância ao princípio do contraditório, ao abrigo dos arts. 341.º e 342.º do CC, e 3.º, n.º 3, 4.º, 5.º, n.º 2, 413, 414.º e 415.º, n.º 1, do CPC.
Aquilo que sucedeu foi que das próprias declarações de parte – quer da 1.ª vez, em 18 de Junho de 2024 (24:40 ss.), como da 2.ª vez, em 26 de Junho de 2024 (06:28 ss.) –, emergiu a questão do recebimento da herança materna e da sua aplicação na aquisição de uma viatura automóvel.
Da audição das declarações, após ter-se referido às contas bancárias, ao uso do cartão multibanco e ao abono do filho comum, resulta que o mesmo (“por duas ou três vezes… 60 e tal mil euros…”), confirmou a partilha da herança da respectiva mãe, por si e irmãos, a referida aquisição e a dedução do IVA, o que vem ao encontro do extracto bancário da Banco 2..., que a própria recorrente juntou em 24 de Junho de 2024, de onde consta a palavra manuscrita “carro” em frente ao movimento registado em 7 de Novembro de 2022, reportado ao cheque n.º ...02, no montante de 59 000 € (cinquenta e nove mil euros).
Tais declarações foram sujeitas a múltiplos esclarecimentos dos ils. Mandatários e, bem assim, sobre os elementos bancários as partes tiveram oportunidade de se debruçar, com o que ficou respeitado o processo equitativo, na dimensão das garantias de defesa, como preconiza o art. 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.
Do que se conclui que a recorrente laborou num primeiro lapso, qual seja o de que, não tendo sido invocado tal facto, o mesmo não poderia ter sido tomado em consideração pelo Tribunal, e num segundo lapso, posto que não houve qualquer alteração nem do pedido, nem da causa de pedir.
Da leitura do excerto da motivação do Tribunal a quo, com as considerações ora tecidas, surge como inequívoco que a redacção do facto provado (n.º 17, 2.ª parte) deve manter-se nos precisos termos em que se encontra formulada.
Improcede, desta feita, a impugnação da factualidade.
(II) Conexa com esta apreciação é a da nulidade da sentença.
Ainda por reporte ao facto n.º 17, parte final, da matéria de facto provada, na óptica da recorrente ocorre excesso de pronúncia, posto que a decisão recorrida deu como provado um facto que não havia sido alegado, assim infringindo os arts. 5.º, 264.º, 608.º, n.º 2, e 664.º, todos do CPC.
Na perspectiva do recorrido este facto surgiu em virtude da sua própria admissão aquando da prestação de declarações de parte.
Conforme se expendeu foi precisamente isto que aconteceu.
As nulidades prevenidas no art. 615.º, n.º 1, do CPC, são privativas da sentença e dos despachos, ex vi art. 613.º, n.º 3, sendo que com excepção das previstas na sua al. a), estas nulidades respeitam ao teor do acto decisório, nomeadamente ao cumprimento das normas processuais que determinam a estrutura, objecto e limites do julgamento, porém, não quanto ao mérito desse julgamento – cf., neste sentido, Rui Pinto, Os meios reclamatórios comuns da decisão civil (artigos 613.º a 617.º CPC), Julgar Online, Maio de 2020, p. 10.[2]
De acordo com o art. 615.º, n.º 1, al. d), “é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”, e se a sentença admitir recurso ordinário – como é o caso em apreço –, o recurso pode ter como fundamento esta nulidade, nos termos do seu n.º 4.
“Trata-se de uma clara manifestação do princípio dispositivo quanto ao thema decidendum: a decisão deve ter por objeto o mesmo objeto que as partes deduziram – nem mais, nem menos, nem outro.” – Rui Pinto, op. cit., p. 21.
Adiantando, “[p]or seu lado, o excesso de pronúncia decorre de duas situações: a primeira afere o excesso de pronúncia por relação com o objeto processual colocado pelas partes; a segunda afere, especificamente, o excesso de pronúncia por relação com os pedidos das partes.”.
E especificando, «“o juiz “conhe[cer] de questões de que não podia tomar conhecimento” (segunda parte da al. d) do n.º 1 do artigo 615.º), …por violação da segunda parte do n.º 2 do artigo 608.º (por força do qual, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, “não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes”.» – Rui Pinto, op. cit., p. 27.
O enfoque tem que ser colocado na palavra questões, como aludindo a questões de direito correspondentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções deduzidas, e não já as razões ou argumentos sustentados pelas partes.
Razão pela qual, improcede esta tese recursiva.
(III) Avançando para o conhecimento da última questão recursiva, a mesma prende-se com a possibilidade da sentença sujeitar o recebimento da prestação alimentar a determinadas condições que desde logo enuncia, ou dito por outras palavras, identificar três condições para a sua cessação, a saber: i) Obtenção do direito a receber pensão social do regime não contributivo; ii) Pagamento/recebimento de tornas no valor correspondente a 3 anos de pensão alimentos; iii) Obtenção de emprego e recebimento de primeiro vencimento, ainda que parcelar.”.
Para tanto, impõe-se recuperar a fundamentação da sentença:
“5.3. Da transitoriedade do direito.
Já o dissemos, por citação, que a obrigação alimentar na cessação do vínculo matrimonial, sendo excecional, deve estar limitada no tempo e modo, evitando o prolongamento do dever de assistência conjugal, remanescente do dever de solidariedade familiar no casamento, para lá da razoabilidade.
Reconhecemos o direito.
Fixámos a medida desse direito.
Falta agora, trazer tal obrigação à sujeição de critérios que tornem esse mesmo direto como correspetivo de um dever subsidiário, temporário, transitório e excecional, negando-lhe perenidade ou perpetuidade, e sem desincentivar o ex-cônjuge necessitado a velar pela adaptação a uma vida economicamente independente.
Nas circunstancias pessoais da Autora (63 anos), a obtenção do direito à pensão social do regime não contributivo serve de limite imanente à duração de obrigação alimentar.
O valor da pensão social do regime não contributivo foi fixado em 245,79€ mensais, para 2024, de acordo com a Portaria n.º 424/2023, de 11 de dezembro, sendo certo que a idade normal de acesso à pensão social de velhice do regime geral de segurança social é de 66 anos e 4 meses em 2024 e 66 anos e 7 meses em 2025. Ora, a Autora só atingirá os 66 anos a partir de setembro de 2026 podendo esperar a atribuição do direito à pensão social de velhice, tendencialmente, a partir de 2027, e não antes (sem prejuízo da obtenção de outras prestações sociais).
Depois, prevendo-se a pendência de processo de inventário, cabe reconhecer que o pagamento global de tornas à Autora pode configurar circunstância modificativa desse direito, sendo que qualquer valor correspondente a 3 anos de pensão alimentos no valor fixado de 225,00€, equivalente a 7.200,00€ deve implicar a cessação do direito.
No mais, estando a Autora inscrita no instituto de emprego e formação Profissional, IP. como desempregada à procura de primeiro emprego, a obtenção de emprego e o recebimento do primeiro vencimento, ainda que parcelar, implicará a cessação da obrigação.
Estes três critérios servem a certeza, previsibilidade e segurança jurídica das partes e atendem ao art.º 2016.º, n.º 3 do Código Civil, além de que oferecem imediata operacionalidade, sem que dependam de nova pronúncia judicial.
Claro que não esgotam o mesmo art.º 2016.º, n.º 3 do Código Civil e no sentido em que, além do que ficar transitado, pode as parte sindicar outras causas de extinção da obrigação.”
Compete analisar da bondade desta pretensão recursiva.
Partindo das premissas constitucionais dos arts. 13.º, n.º 1, e 36.º, n.ºs 1 a 3, todos têm o direito de contrair casamento em condições de plena igualdade, regulando a lei os requisitos e os efeitos do casamento e da sua dissolução, por morte ou divórcio, independentemente da forma de celebração.
O casamento, enquanto fonte de relações jurídicas familiares (art. 1576.º do Código Civil), perspectivado pela lei substantiva como tendencialmente duradouro, aporta para os cônjuges iguais em direitos e obrigações (art. 1671.º, n.º 1), um conjunto de deveres recíprocos, taxativos, imperativos e legalmente enumerados no art. 1672.º, entre os quais avulta o da assistência.
Tal qual decorre do art. 1675.º, n.º 1, o dever de assistência decompõe-se em duas parcelas, a obrigação de prestar alimentos – reafirmada no art. 2015.º –, e a de contribuir para os encargos da vida familiar – cf. Código Civil, Livro IV – Direito da Família, Fevereiro de 2020, Coordenação de Clara Sottomayor, anotação aos arts 1576.º (Maria Clara Sottomayor), pp. 11/12, 1672.º (Rosa Cândido Martins), pp. 199 a 205, e 1675.º (Paula Távora Vítor), pp. 211 a 218, e Jorge Duarte Pinheiro, O Direito da Família Contemporâneo, 6.ª Edição, Reimpressão, 2019, pp. 368/369 e 509/510.
Com a dissolução, por divórcio (em qualquer das suas modalidades[3]), da vida conjugal, este paradigma altera-se profundamente.
Com efeito, a dissolução faz cessar as relações pessoais e patrimoniais dos cônjuges e, consequentemente, os deveres inerentes ao matrimónio, incluindo o da assistência, o que se retira dos arts. 1688.º, 1788.º e 1789.º, todos do Código Civil.
Não obstante, em linha com o referido art. 1688.º, na parte segundo a qual “… sem prejuízo das disposições deste Código relativas a alimentos;…”, o ex-cônjuge pode ser chamado a prestar alimentos àquele que deles careça, figurando até em primeiro lugar na lista dos obrigados ex lege à prestação de alimentos, o que encontra respaldo no art. 2009.º, n.º 1, al. a).
Em ambos os casos consagrados na al. a), a obrigação de alimentos está sujeita ao regime especial previsto nos arts. 2015.º ss.
A opção de política legislativa subjacente a esta obrigação entre ex-cônjuges – desconhecida noutros ordenamentos jurídicos europeus –, tem como fonte um dever particular de recíproca[4] solidariedade social para com uma pessoa com quem já se teve laços diferenciados e reside na circunstância do legislador ter considerado que não pode obnubilar-se a realidade de uma antecedente vida em comum, independentemente da responsabilidade individual de cada um dos cônjuges na ruptura da relação matrimonial.
Se bem que a lei estabeleça que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio” – princípio da auto-suficiência[5] consagrado no art. 2016.º, n.º 1, enquanto tradução na lei ordinária do princípio da igualdade constitucional, agora visto na ruptura pós-conjugal –, logo acrescenta que “qualquer dos cônjuges tem direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio” – n.º 2 daquele normativo – e que só excepcionalmente, “por razões manifestas de equidade”, o direito a alimentos poderá ser negado, a quem, à partida, deles careceria – seu n.º 3.
Ainda que assim seja, o que deve realçar-se é que com a redacção operada pela Lei n.º 61/2008, de 31-10, ao Código Civil, a despeito de se continuar a afirmar a existência deste direito a alimentos pós-conjugais, ter sido vincado o princípio geral segundo o qual, decretado, após o divórcio ou a separação judicial de pessoas e bens, cada ex-cônjuge deve prover à sua própria subsistência (art. 2016.º, n.ºs 1 e 2).
Mas se a um deles tal não for possível, poderá ter direito a receber alimentos do outro, sublinhando-se três aspectos fundamentais (arts. 2016.º e 2016.º-A):
– por um lado, qualquer obrigação alimentar que impenda sobre um filho do cônjuge devedor prevalece legalmente sobre a obrigação emergente do divórcio em favor do ex-cônjuge;[6]
– por outro lado, o ex-cônjuge credor não pode exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio;[7]
– e ainda que este direito pode ser negado por razões manifestas de equidade.
Destes elementos a jurisprudência tem acentuado o carácter subsidiário, excepcional,[8] delimitado e tendencialmente temporário desta prestação assistencial.[9]
Com base na proclamada, mas aparente, igualdade formal e auto-suficiência dos ex-cônjuges, pode também caracterizar-se esta nova obrigação de alimentos, como frágil.
Do que vem de ser dito extrai-se que, no que tange ao segmento alimentar, a fonte que titula esta obrigação, a fundamentação jurídica e a sua concessão e extensão, assentam em pressupostos distintos consoante vigore ou não o casamento.
Insurge-se a recorrente com a fixação de condições pré-estabelecidas para a cessação da obrigação, quando é certo que a lei substantiva já contém uma norma especial – para além da disposição geral do art. 2013.º –, que a isso se refere, mormente o art. 2019.º, detalhando como factos com essa virtualidade extintiva, do lado do alimentando, o novo casamento, o início de união de facto ou o comportamento moral que o torne indigno do benefício.
Percorridos os autos, consta:
– que no articulado em que se opôs ao deferimento da pretensão de prestação de alimentos, o recorrido adiantou que “… a existir, deverá o mesmo ter um limite temporal fixo, nunca maior do que a idade da reforma da A., designadamente os 66 anos” (art. 76.º);
– na Acta (final) da Audiência de Discussão e Julgamento, que remonta a 26 de Junho de 2024, antes da produção de alegações orais, que:
“Concluída a produção de prova, considerando a natureza do processo e a idiossincrasia das partes (idade, duração do casamento, atual condição de rendimentos), o Tribunal propõe a seguinte proposta de consensualização, seguida imediatamente de decretamento de divórcio nos seguintes termos:
i) Fixação de pensão de alimentos a pagar pelo réu à autora no valor entre €130,00 (cento e trinta euros) e €509,00 (quinhentos e nove euros), a pagar até ao dia 08 de cada mês, com início no mês de julho de 2024 por transferência/depósito bancário com as seguintes condições:
a) Manutenção de inscrição no IEFP em procura ativa de emprego;
b) Cessação em caso de início de trabalho remunerado;
c) Términus final obtenção de prestação social de reforma.
No que à cessação da obrigação alimentícia é atinente, o Código Civil tem um sistema dual, plasmando uma cláusula genérica (art. 2013.º), e uma cláusula própria para o domínio das relações na pós-conjugalidade (art. 2019.º), bastante compreensivas e a serem densificadas casuisticamente.
O que claramente não há é uma omissão legislativa que careça de ser preenchida pelo Tribunal ex officio.
Se bem que até se possa compreender a finalidade das condições apostas na sentença em crise, o certo é que não cabe ao Tribunal construir novos fundamentos de extinção do dever alimentar, não alegados, nem queridos (cf. supra), substituindo-se às partes ou aos intervenientes processuais no impulso processual, seja para o aumento, seja para a redução, seja ainda para a sua cessação.
Paralelamente, não se descortina a razão de ser de terem sido escolhidos aqueles três fundamentos e não quaisquer outros, nem o modo da sua concreta operacionalização.
Mais a mais quando a todo o tempo os envolvidos podem vir a Tribunal com novos fundamentos da sua situação vivencial, procurando rever uma anterior decisão, estando o caso julgado funcionalmente ligado à noção rebus sic stantibus.
Assiste, pois, plena razão à recorrente, com o que se deve revogar o excerto relativo às três condições de cessação da obrigação alimentícia.
As custas processuais são encargo do apelado – cf. arts. 527.º, 607.º, n.º 6, e 663.º, n.º 2, todos do CPC.
(…)
Decisão:
Nestes termos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação procedente, revogando a sentença recorrida na parte respeitante à fixação de três condições para a cessação da obrigação alimentar, mantendo no demais o decidido.
Atento o vencimento, o pagamento das custas processuais recai sobre o apelado.
Notifique.
Coimbra, 25 de Fevereiro de 2025
Luís Miguel Caldas
Luís Manuel Carvalho Ricardo
Francisco Costeira da Rocha
[8] Maria João Vaz Tomé, op. cit., anotação ao art. 2009.º, p. 1075, nota V, acrescenta “Talvez se possa dizer que as diversas normas legais que impõem a um sujeito a obrigação de prestar alimentos a outro sujeito são normas excecionais (ius singulare), se se entender que o regime regra é o da auto-suficiência.”.
[9] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Proc. n.º 2649/14.5TBALM-A.L1.S1, de 23-01-2024; Proc. n.º 3589/15.6T8CSC-A.L1.S1, de 19-06-2019; Proc. n.º 3608/07.0TBSXL-B.L1.S1, de 06-06-2019; Proc. n.º 1412/14.8T8VNG.P1.S1, de 27-04-2017; Proc. n.º 2836/13.3TBCSC.L1.S1, de 03-03-2016, e Proc. n.º 320/10.6TBTMR.C1.S1, de 23-10-2012; do Tribunal da Relação de Guimarães, Proc. n.º 2649/21.9T8VCT.G1, de 19-01-2023, da Relação de Coimbra, Proc. n.º 487/18.5T8CLD.C1, de 14-12-2020, e da Relação de Lisboa, Proc. n.º 3070/12.5TBBRR, de 12-07-2017.
Quanto ao carácter temporário, cf. “Principle 2:8 Limitation in time:
The competent authority should grant maintenance for a limited period, but exceptionally may do so without time limit.”.
Com interesse, Cristina Araújo Dias in, Uma Análise do Novo Regime do Divórcio, Almedina, 2009, 2.ª Edição, p. 79, Tomé d´Almeida Ramião in, O Divórcio e Questões Conexas, Quid Juris, 2011, 3.ª Edição, p. 92, e Maria João Vaz Tomé, op. cit., anotação aos arts. 2016.º, pp. 1099/1100, notas IV, V (“O carácter temporário da obrigação de alimentos parece ser implicado pela própria consagração do referido princípio da auto-suficiência, pela consideração da unidade e coerência jurídico-sistemáticas, pela compreensão da norma em função do seu contexto. Este parece ser o sentido que melhor satisfaz a concordância objetiva e a congruência sistemático-prática das opções legislativas. Todavia, daquele princípio de auto-suficiência não resulta, necessariamente, uma duração determinada da obrigação de alimentos.”), VI, VII e VIII, e 2016.º-A, p. 1110, nota II.