1. Sendo os requeridos e filhos cidadãos brasileiros, as matérias do divórcio e da regulação do exercício das responsabilidades parentais, caso a(s) acção(ões) tivesse(m) sido proposta(s) em Portugal, seriam regidas pela lei nacional comum – lei brasileira (cf. arts. 52.º, n.º 1, ex vi 55.º, n.º 1, e 57.º, n.º 1, todos do Código Civil).
2. Em Portugal vigora o sistema da revisão ou controlo prévio da sentença estrangeira por um tribunal nacional – exequatur – sendo tal verificação meramente formal, limitando-se o tribunal competente para esse reconhecimento a verificar se a sentença satisfaz certas condições de regularidade extrínseca, conforme arts. 978.º e segs. do CPC.
3. A sentença revidenda consiste na homologação do acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais dos filhos menores de idade dos requeridos, em sede de acção de divórcio; como essa acção foi proposta pelos próprios requeridos, carece agora de fundamento a alegação, pela requerida, de desrespeito dos princípios do contraditório, proporcionalidade e igualdade.
4. As alegadas circunstâncias em que a requerida conferiu mandato no processo judicial em que foi proferida a sentença revidenda extravasam o objecto da presente acção de revisão de sentença estrangeira.
5. O reconhecimento da sentença estrangeira só deve ser denegado quando a incompatibilidade com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português for flagrante ou significativa por ferir normas jurídico-constitucionais do ordenamento jurídico nacional.
6. Uma vez revista e confirmada a sentença revidenda, nada obsta a que a requerida, na qualidade de progenitora, solicite na instância própria a alteração dos termos desse acordo, para lograr obter, se se justificar, uma nova decisão que melhor salvaguarde na actualidade os interesses dos filhos comuns.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (3.ª Secção),[1]
O Digno Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal da Relação de Coimbra, veio, em representação dos menores AA e BB, instaurar acção de revisão e confirmação de sentença estrangeira contra CC e DD, ambos divorciados.
“1. Aquando do pedido de divórcio e da regulação do exercício das responsabilidades parentais, os menores e os seus progenitores já se encontravam a residir em Portugal.
2. Contudo, aproveitando-se da fragilidade emocional e socioeconómica da requerida, o progenitor que já coabitava com outra mulher contratou advogado para intentar pedido de divórcio e regulação do exercício das responsabilidades parentais não no país onde efetivamente residiam, mas e de modo propositado no Brasil, onde a realidade socioeconómica é indiscutivelmente distinta de Portugal.
3. Com fraca habilidade emocional, sozinha e sem qualquer apoio económico financeiro para arrendar casa para si e para os seus filhos, a requerida sofria, à data do pedido de divórcio e de regulação do exercício das responsabilidades parentais de ansiedade e depressão, estando por isso a ser medicada, cfr. Doc. 1.
4. Sem qualquer capacidade de discernimento para análise do pedido e defesa dos seus interesses e dos seus filhos ou mesmo qualquer capacidade de pedir apoio jurídico para essa análise de facto e de direito, a requerida quando contactada pela advogada limitou-se a assinar digitalmente o que lhe estava a ser proposto e enviado por email.
5. A requerida nem constatou que no pedido de divórcio que lhe fora apresentado estava propositadamente declarado que os únicos bens comuns do casal eram bens móveis, quando na verdade haviam adquirido no Brasil e na constância do casamento um bem imóvel/casa de habitação.
6. Situação que a impediu, de igual modo, de usar do direito de defesa e contraditório para salvaguarda dos seus interesses e dos seus filhos em relação à proposta de regulação do exercício das responsabilidades parentais, homologada por sentença, objeto do presente pedido de confirmação.
7. Além de ter sido desrespeitado o princípio do contraditório, da proporcionalidade e de igualdade na defesa dos direitos da requerida, a sentença de homologação da regulação e ora pendente de confirmação, não salvaguarda tão pouco o superior interesse dos menores.
8. Não conseguindo, como o progenitor bem sabe, mais do que trabalhos precários no nosso país, com rendimentos nunca superiores ao salário mínimo nacional, confirmar-se uma regulação que exige 30% dos seus rendimentos líquidos incluindo o subsídio de férias e de Natal e de horas extras e a fixação de 40% do salário mínimo nacional em caso de desemprego ou emprego informal (?!) é impedir que esta mãe consiga arrendar uma casa e ter condições físicas e económicas suficientes para estar efetivamente e de modo condigno com os seus filhos, pelo menos ao fins de semana e durante as suas férias.
9. Além disso, não prevê a regulação qualquer mecanismo de controlo, desde logo documental, que assegure que o valor das prestações seja efetivamente para a alimentação, vestuário e despesas com educação, médicas e medicamentosas dos menores. (…)”.
“(…) 5. As alegadas circunstâncias em que conferiu mandato no processo em que foi proferida a sentença revidenda extravasam o objeto desta ação de revisão de sentença estrangeira.
6. A sentença revidenda não desrespeita, nem contraria qualquer princípio da ordem jurídica portuguesa, limitando-se a dispor sobre a guarda, regime de visitas e alimentos relativamente aos menores, de acordo com a vontade declarada dos requeridos, e que em nada atenta contra qualquer princípio da ordem jurídica portuguesa.
7. Restará dizer que, revista e confirmada que seja a sentença revidenda (que é o que está em causa nesta ação) nada obstará a que a mãe dos menores requeira, se assim o entender, na instância própria, a alteração do acordado, nos termos e com os fundamentos que entender adequados, e obter, desse modo, se assim se justificar, decisão que melhor salvaguarde os interesses dos menores.
Deve, pois, a oposição formulada ser julgada improcedente, prosseguindo os autos os legais termos.
Não há nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do pedido.
*
I. Fundamentação de Facto.
Com base na prova documental junta com os articulados, está provado, com relevo para a decisão a proferir:
1. AA, nasceu no dia ../../2008, em .../SP, na República Federativa do Brasil (doc. n.º 1 junto à petição inicial).
2. BB, nasceu no dia ../../2012, em .../SP, na República Federativa do Brasil (doc. n.º 2 junto à petição inicial).
3. AA e BB são filhos de CC e de DD, ambos de nacionalidade Brasileira (docs. nºs 1, 2, 3 e 4 juntos à petição inicial).
4. AA e BB, residem, actualmente, com o seu pai DD, na Rua ..., lugar..., ..., ..., concelho e distrito ... (docs. nºs 5, 6 e 7 juntos à petição inicial).
5. Por sentença de 8 de Fevereiro de 2024, lavrada no processo n.º ...29, da 3ª Vara Cível, da Comarca de Hortolândia, Justiça de Primeira Instância, do Estado de São Paulo, República Federativa do Brasil, foi homologado o acordo formulado entre CC e DD, sobre o exercício das responsabilidades parentais [guarda, visitas e alimentos] relativo a AA e BB, nos termos seguintes:
“(…)
5. Dos Filhos Menores
Conforme apresentado, as partes possuem três filhos em comum, sendo que deles, dois são menores de idade, carecendo deste modo de regularização.
a) Da Guarda e da Convivência
As partes se compuseram que a guarda dos filhos em comum será compartilhada com residência fixa com o genitor, permitindo que a genitora visite os filhos, de forma livre. E em cado de litígio, prevaleça as visitas no seguinte formato:
1. A genitora poderá retirá-lo aos fins de semana alternados, e a cada 15 dias na sexta após as 18.00 e devolvendo domingo até às 20.00.
2. Nas férias escolares, ficará os menores metade das férias com a genitora e metade das férias com o genitor, começando por este.
3. No dia dos pais e no aniversário do genitor em companhia dele; no dia das mães e no aniversário da genitora em companhia dela;
4. No aniversário dos menores alternadamente a cada ano em companhia do genitor ou da genitora, iniciando-se com este;
5. No natal e no ano novo alternadamente a cada ano em companhia do genitor ou da genitora, sendo os anos pares o ano novo com a genitora e nos ímpares o ano novo com o genitor.
6. Que o período de convivência ocorra com ambos os filhos.
7. No período em que os menores estiverem com o genitor, a genitora poderá ver os menores e vice-versa, desde que previamente acordado.
b) Dos Alimentos
Na composição a Requerente Varoa pagará a título de alimentos em caso de emprego o equivalente a 30% (trinta por cento) dos seus rendimentos líquidos, assim entendidos os rendimentos brutos deduzidos dos descontos legais, incluindo versas rescisórias, abonos, férias, décimo terceiro, horas extras, adicionais. Em caso de desemprego ou emprego informal a fixação na importância do equivalente a 40% (quarenta por cento) do salário mínimo nacional vigente.
Em se tratando de rendimentos auferidos por moeda estrangeira, a Requerente Varoa pagará a título de alimentos em caso de emprego, desemprego ou emprego informal, o equivalente a 30% (trinta por cento) do salário mínimo do país residente, nunca inferior a € 300 (trezentos euros) ou a $ 300 (trezentos dólares).
Referido valor deverá ser depositado em conta bancária do genitor, a ser indicado por este diretamente à parte.
(…)
Sentença
(…)
Fundamento e Decido
Com o advento da Emenda n. 66/2010, o casamento civil é dissolvido pelo divórcio, e forma direta e sem necessidade de prévia separação judicial ou de separação de facto por mais de dois anos.
Tais requisitos foram excluídos do artigo 226, parágrafo 6º da Constituição Federal, não estando a procedência do pedido a ela subordinada.
Portanto, Homologo, por sentença o acordo a que chegaram as partes fls. 01/09.
(…)
Não havendo interesse recursal, fica esta sentença transitada nesta data” (doc. n.º 8 junto à petição inicial).
6. Aquela sentença transitou em julgado nesse mesmo dia 8 de Fevereiro de 2024 (doc. n.º 8 junto à petição inicial).
7. A petição inicial da acção referida em 5. foi apresentada, conjuntamente, por CC e por DD, devidamente representados por advogada (pp. 4-7, do doc. n.º 8 junto à petição inicial).
Questão prévia: Na sua contestação, no art. 1.º, a requerida invocou, sem apresentar qualquer prova, que “aquando do pedido de divórcio e da regulação do exercício das responsabilidades parentais, os menores e os seus progenitores já se encontravam a residir em Portugal” (sic).
Nas alegações apresentadas, vem agora a requerida alegar, ex novo, “o Acordo da Regulação das Responsabilidades Parentais era matéria da competência exclusiva dos Tribunais Nacionais, desde logo, por força, disposto no artigo 274º-A do Código do Registo Civil e artigos 6º alínea c), 8º e 34º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível”.
Além de tal alegação não ter sido feita no momento processual próprio a verdade é que não foi apresentado qualquer comprovativo documental da mesma.
Em todo o caso, adianta-se que, sendo os requeridos e filhos cidadãos brasileiros, as matérias do divórcio e da regulação do exercício das responsabilidades parentais, caso a(s) acção(ões) tivesse(m) sido propostas em Portugal, sempre seriam regidas pela lei nacional comum – lei brasileira –, conforme ditam as normas de conflitos portuguesas, concretamente os arts. 52.º, n.º 1, ex vi 55.º, n.º 1, e 57.º, n.º 1, todos do Código Civil.
A revisão e confirmação de sentenças estrangeiras é uma acção judicial destinada a atribuir exequibilidade em Portugal às decisões proferidas por tribunais estrangeiros, estabelecendo o art. 978.º do CPC que as sentenças proferidas por tribunais estrangeiros, para serem eficazes na ordem jurídica portuguesa, carecem de ser revistas e confirmadas.
Em Portugal vigora o sistema da revisão ou controlo prévio da sentença estrangeira por um tribunal nacional – exequatur – sendo tal verificação meramente formal, limitando-se o tribunal competente para esse reconhecimento a verificar se a sentença satisfaz certas condições de regularidade extrínseca, nos termos do disposto nos arts. 978.º e seguintes do CPC.
Como refere Manuel Lopes – cf. O reconhecimento de sentença estrangeira, “Revista Jurídica Portucalense”, 2023, n.º 34, p. 156 –, “o sistema português de revisão de sentenças estrangeiras inspira-se no chamado sistema de delibação. Isto é, de revisão meramente formal, o que significa que o tribunal, em princípio, se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma, não conhecendo do fundo ou mérito da causa” (…); por isso, “o reconhecimento das sentenças estrangeiras, no ordenamento português, é outorgado por via do exequatur, controlo ou revisão simplesmente formal sem necessidade de decisão de mérito por não atender ao conteúdo ou à justiça da decisão estranea”.
Nesta mesma linha, dirimiu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23-03-2021, Proc. n.º 2652/19.9YRLSB.S1: “A revisão de sentença estrangeira ou acto equiparado com vista a operar efeitos jurisdicionais na ordem jurídica nacional é de natureza formal, envolvendo tão só a verificação da regularidade formal ou extrínseca da sentença revidenda, não pressupondo, por isso, a apreciação dos fundamentos de facto e de direito da mesma. Trata-se, pois, de um sistema de simples revisão formal em que o princípio do seu reconhecimento reside na aceitação da competência do órgão de onde emana, limitando-se o tribunal a verificar se a sentença estrangeira está em condições de produzir em Portugal os mesmos efeitos que lhe são atribuídos no sistema de origem, impondo-se, para o efeito, a observância dos requisitos previstos no artigo 980.º, do CPC, sendo de conhecimento oficioso a verificação dos pressupostos a que se referem as alíneas a) e f) do citado artigo 980.º.”.
Para a revisão e confirmação é competente o Tribunal da Relação da área em que esteja(m) domiciliada(s) a(s) pessoa(s) contra quem se pretende fazer valer a sentença e no que tange aos requisitos necessários à confirmação rege o art. 980.º do CPC, prevendo que:
“Para que a sentença seja confirmada é necessário:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a sentença nem sobre a inteligência da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do país em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal estrangeiro cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses;
d) Que não possa invocar-se a exceção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afeta a tribunal português, exceto se foi o tribunal estrangeiro que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a ação, nos termos da lei do país do tribunal de origem, e que no processo hajam sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português”.
Mesmo nos casos de não dedução de oposição, o tribunal não pode dispensar-se de conhecer oficiosamente das condições ou requisitos de confirmação, atento o disposto no art. 984.º do CPC.
Explana-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, desta mesma 3.ª Secção, de 13-12-2023, Proc. n.º 264/22.9YRCBR: “O sistema português de reconhecimento da eficácia da sentença estrangeira combina (…) o princípio da revisão formal e da revisão de mérito (artºs 980º e 984º do CPC). A revisão tem, em certa medida, o carácter de mérito quando o tribunal português verifica se a sentença não contém uma decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado português (artº 980º, al. f) do CPC) (cfr. António Marques dos Santos, Revisão e Confirmação de Sentenças Estrangeiras no Novo Código de Processo Civil de 1997 (Alterações ao Regime Anterior), Aspectos do Novo Processo Civil, Lisboa, 1997, págs. 108 e 109; Alberto dos Reis, Processos Especiais, vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 1982, págs. 142 e 143 e Ac. Rel. de Lisboa, de 27 de outubro de 2020, proc.º n.º 639/20.8YRLSB-1, relatado por Fátima Reis Silva)”.
Isto dito, na situação sob análise a requerida CC pretende que a revisão seja recusada com os seguintes fundamentos que invocou na oposição: “fragilidade emocional e socioeconómica da requerida” (art. 2.º), “ansiedade e depressão, estando por isso a ser medicada” (art. 3.º), falta de “capacidade de discernimento para análise do pedido e defesa dos seus interesses e dos seus filhos ou mesmo qualquer capacidade de pedir apoio jurídico para essa análise de facto e de direito” (art. 4.º), “incapacidade de discernimento de análise e de defesa dos seus direitos” (art. 5.º), falta de uso do “direito de defesa e contraditório” (art. 6.º), desrespeito do “princípio do contraditório, da proporcionalidade e de igualdade na defesa dos direitos da requerida” e falta de salvaguarda do “superior interesse dos menores (art. 7.º), impedimento da requerida conseguir “arrendar uma casa e ter condições físicas e económicas suficientes para estar efetivamente e de modo condigno com os seus filhos, pelo menos ao fins de semana e durante as suas férias” (art. 8.º), falta de mecanismo de controlo “que assegure que o valor das prestações seja efetivamente para a alimentação, vestuário e despesas com educação, médicas e medicamentosas dos menores” (art. 9.º) e, por fim, o facto de que a sentença revidenda “contraria e desrespeita os princípios fundamentais da ordem jurídica portuguesa” (art. 10.º).
Quid juris?
Tal como promana do teor da contestação não ocorre, nem é invocada, qualquer situação susceptível de configurar algum dos casos de Revisão especificados nas alíneas a), c) e g) do art. 696.º do CPC – cf. 2.ª parte do n.º 1 do art. 983.º do CPC.
Por outro lado, a requerida também não põe em causa os requisitos previstos nas alíneas a), b), c), e d) do art. 980.º do CPC.
Por conseguinte, dúvidas não se suscitam sobre o facto da decisão ter sido exarada por tribunal estrangeiro; sobre a autenticidade dos documentos carreados aos autos, onde consta a sentença revidenda; sobre a inteligibilidade dos seus termos; sobre o facto da decisão não versar sobre matéria da exclusiva competência dos Tribunais portugueses; e sobre a insusceptibilidade de recurso dessa sentença.
Há, assim, que indagar se não se mostram cumpridos os requisitos das alíneas e) e f) do citado art. 980.º do CPC.
Refere a alínea e) deste preceito legal que, para que a sentença revidenda seja confirmada é necessário: “Que o réu tenha sido regularmente citado para a ação, nos termos da lei do país do tribunal de origem, e que no processo hajam sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes”.
A sentença cuja revisão é requerida, consiste na decisão judicial que homologou o acordo formulado entre CC e DD, sobre o exercício das responsabilidades parentais (guarda, visitas e alimentos relativos aos filhos menores de idade AA e BB) pelo que a alegação formulada no art 7.º da oposição – desrespeito dos princípios do contraditório, proporcionalidade e igualdade – carece de qualquer fundamento, porquanto foi ela própria, conjuntamente com o requerido, quem instaurou, devidamente patrocinada, “ação de divórcio consensual cumulada com regulamentação de guarda, período de convivência e fixação de alimentos provisórios e definitivos” (sic).
Acresce que a oponente reconhece – cf. art. 4.º da oposição – que a Advogada que requereu a “ação de divórcio consensual cumulada com regulamentação de guarda, período de convivência e fixação de alimentos provisórios e definitivos”, em cujo âmbito foi proferida a sentença revidenda, actuou em sua representação e do requerido, sendo inequívoco, como bem assinala o Ministério Público, que as alegadas circunstâncias em que a requerida conferiu mandato no processo judicial em que foi proferida a sentença revidenda extravasam o objecto desta acção de revisão de sentença estrangeira.
No que tange à alínea f) do art. 980.º do CPC estipula que, para que a sentença revidenda seja confirmada, é necessário: “Que não contenha decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português”.
A ordem pública internacional integra um “conceito que tem de ser densificado e concretizado de acordo com os princípios básicos do ordenamento constitucional português” – cf. Gomes Canotillho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª edição, 2003, p. 822.
Nas palavras de Manuel Lopes – op. cit., p. 169 –, “a doutrina tem aperfeiçoado a sua pesquisa sobre o princípio da ordem pública internacional, buscando a sua origem na falta de comunidade de direito entre os vários ordenamentos jurídicos e é entendida como um mecanismo de Direito Internacional Privado de âmbito internacional, desempenhando duas funções simultâneas: uma defensiva, afetada à salvaguarda de conceções fundamentais do foro; outra corretiva, comprometida na defesa dessas conceções quando colocadas em causa pelo direito estrangeiro competente para regular a relação privada controvertida. / Através do seu efeito negativo ou de proibição, reage ao intolerável, a institutos ou conceitos contrários à axiologia da ordem pública internacional por chocarem com o núcleo inviolável e irredutível do ordenamento nacional; de modo oposto, movimenta o seu efeito positivo na direção do acolhimento de diferenças de valores fundamentais de qualquer cidadão seja qual for a sua nacionalidade.”.
E prossegue o citado autor – op. cit., p. 170: “. Por exemplo, as normas construtivas que garantem a liberdade da constituição familiar, a igualdade dos cônjuges no seio da família, a manutenção do regime jurídico pessoal dos cônjuges, a estabilidade das relações patrimoniais fixadas, a não descriminação dos filhos nascidos fora do casamento, integram a ordem pública internacional do Estado Português (CRP, art.º 36.º), por constituírem normas jurídico-constitucionais ‘estruturantes das relações de família’ eficientes para refletir a ‘consideração dos direitos absolutos ou essenciais dos elementos da família’, conjugados com os princípios basilares da ordem jurídica do pavilhão português”.
Nesta conformidade, é evidente que a sentença revidenda não desrespeita, nem contraria qualquer princípio da ordem jurídica portuguesa, limitando-se a dispor sobre a guarda, regime de visitas e alimentos relativamente aos filhos menores de idade, segundo a vontade declarada pelos requeridos, através da sua mandatária, não atentando, reitera-se, contra qualquer princípio fundamental e imperativo da ordem jurídica portuguesa.
Por fim, como bem assinalado pelo Digno Procurador-Geral Adjunto, uma vez revista e confirmada que seja a sentença revidenda, nada obstará a que a requerida, na qualidade de progenitora, solicite, como parece decorrer da sua alegação, na instância própria, a alteração do acordado, nos termos e com os fundamentos que entender adequados, de modo a obter, se assim se justificar, uma nova decisão que melhor salvaguarde os interesses dos filhos comuns.
Concluindo, não tendo sido postergados os princípios do contraditório e da igualdade das partes, nem afrontando a decisão revidenda os princípios da ordem pública internacional do Estado Português, impõe-se a concessão da requerida revisão e confirmação.
*
Sumário
(…)
Decisão:
Nestes termos, decide-se conceder a revisão e confirmar a sentença proferida a 08-02-2024, no âmbito do processo n.º ...29, da 3.ª Vara Cível, da Comarca de Hortolândia, Justiça de Primeira Instância, do Estado de São Paulo, República Federativa do Brasil, pela qual foi homologado o acordo obtido entre CC e DD, sobre o exercício das responsabilidades parentais [guarda, visitas e alimentos] atinente aos filhos comuns, AA e BB.
Pelo decaimento, o pagamento das custas processuais impende sobre a requerida, sendo o valor da acção de € 30 000,01 (trinta mil euros e um cêntimo), de acordo com os arts. 527.º, 301.º, n.º 2, 303.º, n.º 1, e 306.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC.
Registe e notifique.
Comunique-se ao registo civil – arts. 1.º, n.º 1, al. f), 7.º, n.º 1, 69.º, n.º 1, al. e), e 78.º, n.ºs 1 e 2, do Código do Registo Civil.
Luís Miguel Caldas
Hugo Meireles
Anabela Marques Ferreira