Os juros moratórios vincendos, no âmbito de uma ação executiva, apenas podem ser considerados quando o exequente, no requerimento executivo, formula um pedido expresso nesse sentido.
(Sumário elaborado pelo Relator)
I – RELATÓRIO.
“BB, mandatária da executada AA, após indicação junto da exma A.E de lapso na liquidação provisória da conta ordenada pelo douto tribunal para saber o valor ainda a dívida na execução, recebeu em resposta o detalhe do cálculo de juros por forma
a esclarecer a executada.(doc.1)
Conforme resulta do detalhe do cálculo de juros, foram calculados juros vincendos sobre o a quantia exequenda (capital inicial
89.733,58€+ juros desp.e imp. 10.610,37€) e, posteriormente, após a venda/adjudicação do imóvel à exequente ( - 72.250,00€), sobre o remanescente em dívida no valor de 216.838,99€, utilizando a taxa de juros de 13,544%.
Ora,
Não há na execução pedido para pagamento de juros vincendos.
A exequente não apresenta no relatório dos factos, matéria onde discrimine a responsabilidade do pagamento de juros vincendos, tal como o não faz no pedido o pagamento. Consequentemente, a exequente também não indica a taxa, certa e líquida, para cálculo de juros vincendos.
Inexistindo pedido de pagamento de juros vincendos, bem como, adiante-se, a indicação discriminativa da taxa de juros para o seu cálculo, não são os mesmos devidos, nem a A.E se pode substituir-se à exequente e proceder ao seu cálculo, devendo a conta provisória do processo ser corrigida em conformidade.”.
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Em 23/9/2024, foi proferido o seguinte despacho:
“Requerimentos de 27.05 e 04.06.2024
A executada AA, notificada da liquidação provisória do processo apresentada pela agente de execução, veio alegar que os juros vincendos calculados sobre a quantia exequenda não se mostram devidos, porquanto não peticionados.
Sucede que, o cálculo desses juros deriva do disposto no artigo 716º, n.º2 do Código de Processo Civil. Aliás, nos artigos 4º e 5 do requerimento executivo mostram-se espelhados os juros, a taxa de juro devida , incluindo em caso de mora.
Nos termos e com os fundamentos expostos, indefere-se a reclamação apresentada à liquidação provisória do processo.”.
“A) O objeto do presente recurso incide sobre o douto despacho proferido em primeira instância, que indeferiu a reclamação da conta de liquidação provisória do processo apresentada pelo A.E, que liquidou juros de mora vencidos ( sobre o valor de 89.733,58€), a partir da data do requerimento executivo, até data do cálculo ( 26-04-2024), à taxa de 13,544%, apurando um valor de juros vincendos de 216.838,98€ .
Isto, não obstante:
a) A inexistência no requerimento executivo da data em que a obrigação se vence e os executados se constituíram em mora, torna incerto e inexigível a obrigação exequenda e obrigações acessórias.(cfr artº 10º/5, 713º, 724º C.P.C)
b) O título executivo não prever o pagamento de juros de mora vincendos;
c) A exequente ter confessado ( no artº 5º da sua resposta ref nº 49110282 de 04.06.2024)
-“É verdade que, do requerimento executivo datado de 25/09/2006, a Exequente não faz referência aos juros de mora vincendos devidos.”.
d) A exequente não ter invocado, nem ou pedido, juros de mora desde a entrada do requerimento executivo até efetivo e integral pagamento, no requerimento executivo, nem ter alegado factos no campo reservado aos “FACTOS”,
e) A exequente só ter pedido juros de mora até à entrada do requerimento executivo, não tendo pedido juros de mora desde a entrada do requerimento executivo até efetivo e integral pagamento, no requerimento executivo, no campo reservado à “LIQUIDAÇÃO DA OBRIGAÇÃO”,
B) Ora,
Nos termos do art.º 10.º, n.º 5 do CPC, o título executivo é pressuposto indispensável da execução porquanto:
i) possibilita o recurso imediato à ação executiva,
ii) define o seu fim e
iii) fixa os seus limites.
C) Por conseguinte, estabelecendo o título executivo os limites e o fim da execução, é manifesto que este, não pode ser utilizado para realizar coativamente outra obrigação, que não aquela que o título documenta.
D) Em consequência, porque os juros de mora vincendos não constam do título executivo, e sobretudo, porque a exequente confessou que também não constam do requerimento executivo, uma vez que o seu pagamento não foi reclamado nem no pedido, nem na causa de pedir, a instância ficou estabilizada nesses termos - ao abrigo do art.º 260º CPC.
E) Confissão que a executada aceita plena e integralmente, por forma a não poder ser retirada pela exequente ( artº 352º e 358º/1 C.C; artº 465º/1 -C.P.C).
F) Ou seja, o processo executivo deverá prosseguir os seus termos, exclusivamente, com vista com à realização das diligências adequadas à satisfação coerciva do direito invocado pela exequente, no requerimento executivo, isto é, o pagamento da quantia de €100.343,95.
G) Não poderia a decisão sob recurso remeter para a fórmula processual do artº 716º/2C.P.C, sem antes verificar a existência de factos no título executivo, na fundamentação material do requerimento executivo e da existência ou não do pedido de pagamento de juros vincendos, e desde logo, a própria confissão da exequente que não alegou nem pediu juros vincendos.
H) O despacho sob recurso desatendeu ao que, desde logo são, realidade jurídicas distintas:
- a existência substantiva do direito a juros vincendos;
- a liberdade e a vontade de exercer (ou não) o direito e pedir o pagamento dos
juros ( vencidos e/ou vincendos),
- a concretização do seu cálculo nos termos do processo executivo pelo A.E se e “quando (conjunção subordinativa) a execução compreenda juros que continuem a vencer-se, a sua liquidação é feita a final, pelo agente de execução, em face do título executivo e dos documentos que o exequente ofereça em conformidade com ele ou, sendo caso disso, em função das taxas legais de juros de mora aplicáveis.(artº 716/2 C.P.C)”
I) A obrigação de juros tem carácter acessório (art. 561.º do CC) à obrigação
de capital e de acordo com a lei substantiva é direito de carácter disponível, o
credor pode abdicar de exercer.
Contudo,
J) para exigir o seu pagamento, a exequente tem de alegar factos da alegada violação do direito; trazer aos autos o respetivo título executivo; formular expressamente o pedido de pagamento de pagamento de juros vincendos até integral pagamento da dívida, sujeitando-se à obrigação legal de liquidação desses juros, nos termos do artº 716.º, n.º 1 e 4 CPC.
K) O que, a exequente, confessadamente, não fez.
L) Ora, ao contrário do alegado no douto despacho recorrido, o art.º 716.º n.º 2
do CPC só atribui ao agente de execução o encargo de liquidação “quando a execução compreenda juros que continuem a vencer-se”. Precisamente por falta da formulação do correspondente pedido, a presente execução não compreende juros posteriores aos liquidados no requerimento executivo.
M) O Agente de Execução não é parte, pelo que não legitimidade para se substituir à exequente e acrescentar ao pedido o montante de 216.838,98€ ( aplicação da taxa de 13,544% que não consta do título nem da execução), alegadamente devido a título de juros de mora vincendos, quando, repita-se, tais juros nunca foram pedidos no requerimento executivo. Tal atuação extravasa por completo as suas competências, que se encontram definidas no artigo 720.º do CPC.
N) O título executivo fixa os limites e o fim da execução, não podendo ser utilizado para realizar coativamente outra obrigação, que não aquela que o título documenta, cfr artigo 10.º, n.º 5, do CPC)
O) E, ainda que, da aquisição de um direito a uma prestação resulte a obrigação dos juros de mora, (artigo 703.º, n.º 2, do CPC), impõe-se a compatibilização desta obrigação com o princípio do pedido ou do dispositivo, (cfr. artigo 3.º, n.º 1, do CPC).
P) É o pedido da exequente que limita o objecto do processo e condiciona o conhecimento do tribunal na sua decisão, não podendo a executada ser condenado a pagar um valor a que a exequente renunciou – cf. arts. 609.º e 615°, nº 1, e) do CPC, “ex vi” arts. 551.º, art. 724.º e), f) do CPC;
Q) O tribunal a quo no despacho sob recurso desatendeu à obrigação da exequente de expor os factos que sustentam o pedido, formular o pedido e liquidar a obrigação (cfr. Artº 724/1 e),f) e h) C.P.C), o que esta, confessadamente, não fez, ficando assim condicionada a decisão a proferir não podendo a executada ser condenada a pagar um valor que objetivamente, a exequente prescindiu/abdicou de pedir, sob pena de violação dos arts. 3.°, n.° 1; 8.°, n.° 2; 10.°, n.° 5; 260.°, 609.° e 615°, n° 1, e) do CPC, "ex vi" dos arts. 551.° e 724.° e), f) do CPC e 20.°, n.° 4 da CRP.
R) O que significa que, nem a Sr. Agente de Execução pode pedir o pagamento,
nem o Tribunal pode condenar, a executada ao pagamento de juros de mora vincendos, sem que na presente ação, tenha sido formulado o respetivo pedido. É ilegal, por violar o princípio do dispositivo, a inclusão, na nota de liquidação final da obrigação exequenda, de juros de mora vencidos após a instauração da execução.
S) Ao não admitir a reclamação a decisão do tribunal viola frontalmente os princípios do dispositivo ou da disponibilidade objetiva e com o princípio da estabilidade da instância – art.º 260.º do CPC.
T) Não podendo a falta da exequente, ser justificada pelo recurso ao teor do art.º 716.º, n.º 2 do CPC, conforme perfilha a decisão recorrida, porque o facto de ao agente de execução estar deferido o encargo de liquidação, ( “quando a execução compreenda )não implica que a exequente não tenha de os pedir na ação executiva!
U) É que: i) uma coisa é a obrigação legal de pedir os juros; ii) outra coisa é a
obrigação legal de liquidar juros: isto é, de contabilizar os juros que - depois de
expressamente pedidos - é possível contabilizar (juros mora vencidos) e relegar
para liquidação futura, os juros que expressamente se pedirem, em virtude de no momento do requerimento executivo, não ser possível determinar a data do integral pagamento data (juros mora vincendos).
W) E, contrariamente ao referido no despacho sob recurso, os juros não se mostram espelhados no requerimento executivo, tão pouco, a taxa de juro devida.
X) O tribunal na sua decisão remete para artºs 4º e 5º do requerimento executivo para a verificação de juros, esquecendo que não há apenas um mútuo bancário a ser executado, mas dois com obrigações contratuais distintas – vide artº 17 e 18 Re.Exec. -, e ainda assim, tal articulado não substitui o ónus da exequente deduzir o pedido de juro ( na sua disponibilidade), nem permite a liquidação da obrigação juros vincendos por simples cálculo aritmético (cfr artº 716/4C.P.C).
Y) A exequente não pode escusar-se à necessidade de uma demonstração contabilística sustentada em pressupostos cuja averiguação só será segura fazer em incidente de liquidação, mediante a alegação e prova dos factos correspondentes.(Cfr artº 716/4 C.P.C à contrário e artº 713 C.P.C), só depois, suprida a iliquidez dessa obrigação, poderá constituir t´titulo executivo para a cobrança coerciva de juros de mora vincendos.
Z) Não o tendo feito, deverá o juiz oficiosamente determinar a extinção da execução nessa parte, desde que o faça até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados (Art. 734.º n.º 1 conjugado com o Art. 726.º n.º 1 al. a) do Código de Processo Civil).
AA) Termos em que se considera que o despacho proferido está ferido de nulidade, prevista nos termos do artigo 615.º, n.º 1 al. b),c),d) e e) “ex vi” dos artºs 613/3 , 852º e 853º nº1 e nº2 a) do CPC., e em violação frontal dos disposto nos artºs 10º/5, 713º, 724º C.P.C (Inexigibilidade da obrigação exequenda); artº 260ºCPC (estabilidade dos limites da execução); arts. 3.°, n.° 1; 8.°, n.° 2; 10.°, n.° 5; 609.° e 615°, n° 1, e) do CPC, "ex vi" dos arts. 551.° e 724.° e), f), h) do CPC e 20.°, n.° 4 da CRP.(violação do p. do dispositivo e do pedido), Artº 713º, 716º/1, 2 3 e 4, 724º/1 e),f) e h) C.P.C (formular o pedido e liquidar a obrigação ), artº 720º CPC (competência do A.E)”.
“A. A Recorrente, não se conformou com a douta decisão, porquanto entende que o despacho proferido está ferido de nulidade, prevista nos termos do artigo 615.º, n.º 1 al. b),c),d) e e) “ex vi” dos artºs 613/3 , 852º e 853º nº1 e nº2 a) do CPC., e em violação frontal dos disposto nos artºs 10º/5, 713º, 724º C.P.C (Inexigibilidade da obrigação exequenda); artº 260ºCPC ( estabilidade dos limites da execução); arts. 3.°, n.° 1; 8.°, n.° 2; 10.°, n.° 5; 609.° e 615°, n° 1, e) do CPC, "ex vi" dos arts. 551.° e 724.° e), f), h) do CPC e 20.°, n.° 4 da CRP.(violação do p. do dispositivo e do pedido), Artº 713º, 716º/1, 2 3 e 4, 724º/1 e),f) e h) C.P.C (formular o pedido e liquidar a obrigação ), artº 720º CPC (competência do A.E).
B. Porém, tal não é propugnado nem aceite pela Recorrida, que entende que não merece qualquer reparo o douto despacho recorrido, o qual deverá ser mantido nos precisos termos em que foi exarada pelo mui douto Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Juízo de Execução de Ansião – Juiz ....
C. Ora, na data de 27/05/2024, a Executada/Recorrente juntou requerimento aos autos de execução alegando e requerendo que, “Inexistindo pedido de pagamento de juros vincendos, bem como, adiante-se, a indicação discriminativa da taxa de juros para o seu cálculo, não são os mesmos devidos, nem a A.E se pode substituir-se à exequente e proceder ao seu cálculo, devendo a conta provisória do processo ser corrigida em conformidade.”, e que “Não há na execução pedido para pagamento de juros vincendos.”.
D. É claro e retira-se do requerimento executivo em apreço que no mesmo a Exequente não faz referência aos juros de mora vincendos devidos.
E. No entanto, a Recorrente está a tentar atribuir um significado diferente ao dito pela Exequente/Recorrida.
F. Não obstante a não petição de juros de mora vincendos no requerimento executivo, prescreve o artigo 703.º, n.º 2 do Código de Processo Civil que “Consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal,
da obrigação dele constante.”.
G. O que nada mais quer dizer a não ser que o título executivo, enquanto obrigação principal, abarca os juros de mora devidos como obrigação secundária, sendo que não há qualquer distinção no preceito supra entre juros de mora vencidos e juros de mora vincendos.
H. Concluindo-se que se consideram abrangidos pelo título executivo todos os
juros de mora, sejam eles vencidos ou vincendos.
I. Ademais, dispõe o artigo 806.º, n.º 1 do Código Civil que “Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora.”.
J. Com a entrada do requerimento executivo, os Executados constituíram-se devedores, nos autos de execução de que se recorre, quer do capital, quer também dos valores a título de juros de mora vencidos, mas também de juros de mora que se vencem até efetivo e integral pagamento, os tais juros de mora vincendos.
K. Se tal não sucedesse, e meramente a título exemplificativo, os Executados seriam devedores à Exequente da mesma quantia exequenda, quer na data de entrada do requerimento executivo, quer volvidos 10 anos sem liquidarem qualquer valor, o que não se concebe.
L. Quer o requerimento da Executada no processo de execução, quer as alegações de recurso após ser proferido despacho contra a sua posição, nada mais não são do que um expediente dilatório, porquanto bem sabe a Recorrente que deve à Recorrida a quantia em dívida nos presentes autos e que resulta da conta discriminativa da nota discriminativo provisória junta pela Sr.ª Agente de Execução, tentando a todo o custo escapulir-se à dívida que contraiu.
M. O processo de execução corre já desde a data de 25/09/2006 e só agora é que a Recorrente, volvidos quase 18 anos, entende não serem devidos os juros de mora vincendos.
N. A aqui Recorrida concorda na íntegra com o despacho proferido pelo Tribunal a quo na data de 23/09/2024, quando refere que: “(…) o cálculo desses juros (vincendos) deriva do disposto no artigo 716º, n.º2 do Código de Processo Civil. Aliás, nos artigos 4º e 5 do requerimento executivo mostram-se espelhados os juros, a taxa de juro devida, incluindo em caso de mora.”.
O. A taxa de juro resulta dos artigos 4.º e 5.º, 17.º e 18.º do requerimento executivo, fazendo a Exequente/Recorrida menção à taxa de juro aplicável a ambos os contratos executados.
P. E ainda, resulta do artigo 716.º, n.º 2 do Código de Processo Civil que “Quando a execução compreenda juros que continuem a vencer-se, a sua liquidação é feita a final, pelo agente de execução, em face do título executivo e dos documentos que o exequente ofereça em conformidade com ele ou, sendo caso disso, em função das taxas legais de juros de mora aplicáveis.”.
Q. Como já visto, de acordo com o artigo 703.º, n.º 2 CPC, o título executivo, enquanto obrigação principal, abarca os juros de mora devidos como obrigação secundária, sendo que não há qualquer distinção no preceito supra entre juros de mora vencidos e juros de mora vincendos.
R. Sendo que a liquidação dos juros vincendos é feita a final pelo agente de execução, o que foi.
S. Se tal não acontecesse, a execução poderia demorar anos a findar (que é o caso) e a Executada não teria qualquer responsabilidade no pagamento tardio da quantia exequenda, sendo que esta figuraria o mesmo valor, aquando da entrada do requerimento executivo, como volvidos que estivessem 10 anos.
T. Pelo que bem esteve o douto Tribunal a quo em proferir o douto despacho em 23/09/2024, considerando indeferida a reclamação apresentada à liquidação provisória do processo pela Executada.
U. Por tudo quanto se encontra exposto, apenas poderá ser indeferida a pretensão da Recorrente, mantendo-se o despacho proferida.”.
2.1. Factos provados.
Com relevância para a apreciação do recurso em análise, importa levar em linha de conta a tramitação processual que vem descrita no antecedente relatório, bem como o requerimento executivo que deu origem aos presentes autos, cujo teor é o seguinte:
“1º.Por escritura de 12/07/2002, celebrada no Primeiro Cartório Notarial de Competência Especializada de ..., a Exequente concedeu aos Executados um empréstimo, no montante de €64.850, importância da qual estes se confessaram e constituíram devedores (doc 1).
2º.
O prazo do empréstimo foi fixado em 30 anos, a contar da data daquela escritura (cfr. claus. 5ª. do doc. complementar anexo à referida escritura).
3º.
O dito empréstimo devia ser amortizado em 360 prestações mensais constantes, com bonificação decrescente de capital e juros, tendo-se vencido a primeira,, um mês após a realização da escritura (Cfr. claus. 6ª. nº. 1 do dito doc. complementar)
4º.
O capital mutuado vence juros a uma taxa nominal resultante da taxa de referência (média
mensal das taxas Euribor a 6 meses, calculadas com base num ano de 360 dias, que estiverem em vigor no mês imediatamente anterior ao início do período de contagem de juros, arredondada por excesso para 1/16%), acrescida de 1,25%.
5º
Em caso de mora, os respectivos juros seriam contados dia a dia e calculados à taxa mais
elevada de juros remuneratórios que estiver em vigor na Banco 1... para operações activas da mesma natureza, acrescida de uma sobretaxa até 4%, ao ano, a título de cláusula penal.
6º.
Acontece que os executados deixaram de pagar as prestações mencionadas em 3º,
7º.
Pelo que devem, actualmente, por conta do referido empréstimo, a importância de € 70.847,69, sendo:
CAPITAL:________________________________________________ € 63.057,36
JUROS (calculados de 12/01/2004 a 12/08/2006):_________________ € 6.614,34
JUROS (calculados de 13/08/2006 a 25/09/2006): _________________ € 850,08
DESPESAS: _______________________________________________ € 325,91
(Doc. 2)
8º.
Pela mesma escritura aludida no anterior artº. 1º., os Executados constituíram, a favor da
Exequente, hipoteca sobre o seguinte prédio:
- “fracção autónoma, designada pela letra “M”, correspondente ao 3º andar direito, para
habitação, com uma arrecadação privada no sótão e 2 aparcamentos de automóvel na sub – cave, do prédio urbano, sito no lugar ..., ..., na Rua ..., ..., Freguesia ..., Concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o nº ...02 / ....
9º.
Esta hipoteca foi constituída para garantia do pagamento:
a) Do capital mutuado;
b) dos respectivos juros à taxa anual de 9,544%, acrescida, em caso de mora de uma sobretaxa até 4%, a título de cláusula penal;
c) das despesas extrajudiciais que a ora Exequente fizesse, incluindo despesas de segurança ou reembolso dos seus créditos e as emergentes da celebração do contrato de empréstimo, acima referido.
10º.
Esta hipoteca encontra-se definitivamente registada a favor da exequente na Conservatória do Registo Predial ..., através do Averbamento – Ap. ...3 de 2002/10/14 da Apresentação 14 de 2002/04/30 (doc. nº. 3).
11º.
Ainda no mesmo dia (12/07/2002), a Exequente celebrou com os ora Executados um outro Contrato de Mútuo, no montante de € 27.500, de que estes se reconheceram devedores (Doc.4).
12º
Aquela quantia foi entregue aos Executados na data da celebração do mencionado contrato de mútuo, através de transferência para a conta de depósito à ordem nº 2...0.0, de que os
Executadaos são títulares, na Agência da Exequente, em ....
13º
O prazo do empréstimo foi fixado em 30 anos, a contar da data da utilização do crédito.
14º
O pagamento do capital e dos juros contratuais seria liquidado em 360 prestações mensais, sucessivas e iguais de capital e juros, acrescidos estes do correspondente imposto de selo, tendo-se vencido a primeira prestação no mês seguinte ao da celebração do referido contrato, ou seja, em 12/08/2002 (Cfr. Cláus. 6ª do contrato).
15º
Os referidos pagamentos seriam efectuados através de débito na conta dos Executados, tendo-se estes obrigado a manter a referida conta devidamente provisionada para o efeito.
16º
Acontece que os Executados deixaram de provisionar a respectiva conta à ordem, pelo que não foi possível satisfazer as obrigações de capital, juros ou demais encargos.
17º
O capital mutuado vence juros a uma taxa nominal resultante da taxa de referência (média mensal das taxas Euribor a 6 meses, calculadas com base num ano de 360 dias, que estiverem em vigor na semana imediatamente anterior ao início do período de contagem de juros, arredondada por excesso para 1/16%), acrescida de 1,75%.
18º
Em caso de mora, os respectivos juros seriam calculados à taxa mais elevada de juros remuneratórios que estiver em vigor na Banco 1... para operações activas da mesma natureza, acrescida de uma sobretaxa de 4%, ao ano, a título de cláusula penal.
19º
Assim, os Executados devem, relativamente a este empréstimo, a importância de € 29.496,26,
sendo:
CAPITAL:_________________________________________ € 26.676,22
JUROS (calculados de 12/06/2005 a 12/08/2006) __________ € 2.341,28
JUROS (calculados de 13/08/2006 a 25/09/2006) __________ € 356,84
Despesas: _________________________________________ € 14
IMPOSTO DE SELO: ________________________________ € 107,92
20º
A quantia exequenda no montante de € 100.343,95 é certa, líquida e exigível.”.
***
2.2. Enquadramento jurídico
Veio a apelante sustentar que a decisão impugnada padece de nulidade, invocando, para o efeito, que se mostra violado o art. 615º, nº1, alíneas b), c), d) e e), do C.P.C..
A norma em apreço apresenta o seguinte teor:
“É nula a sentença quando:
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;”.
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”.
Compulsada a decisão posta em crise, é manifesto que não ocorre a invocada nulidade, uma vez que o despacho em apreço limitou-se a analisar a questão suscitada pela ora apelante no requerimento de 27/5/2024, nos seus precisos termos, não existindo omissão de pronúncia nem qualquer ambiguidade que afecte a decisão proferida.
A circunstância de a recorrente não concordar com o teor do despacho situa-se noutro plano, que diz respeito ao fundamento legal para indeferir a pretensão que a mesma formulou.
Sendo essa a matéria que cabe analisar, vejamos se lhe assiste razão.
É pacífico, no caso vertente, que no requerimento executivo não é feita menção, de modo expresso, a juros moratórios vincendos, o que não sucede relativamente aos vencidos, dado que é indicado o respectivo montante e a taxa que foi utilizada para o efeito [2].
Poderá considerar-se, como defende a exequente, que não é necessário formular um pedido que incida sobre juros vincendos, face ao regime previsto nos arts. 703º, nº2, e 716º, nº2, ambos do C.P.C. ?
O art. 703º, nº2, dispõe que “Consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante.”.
Por sua vez, o art. 716º, nº2, estabelece que “Quando a execução compreenda juros que continuem a vencer-se, a sua liquidação é feita a final, pelo agente de execução, em face do título executivo e dos documentos que o exequente ofereça em conformidade com ele ou, sendo caso disso, em função das taxas legais de juros de mora aplicáveis.”.
As normas em apreço, em nosso entender, apenas procuram regular o âmbito ou extensão do título executivo, no que se refere a juros moratórios, e a forma ou o modo como os mesmos são calculados, não interferindo com as disposições que se ocupam do respectivo pedido em sede executiva.
Com efeito, o art. 724º, nº1, alínea f), do C.P.C, impõe que o exequente formule determinado pedido [3], menção esta que não assume um carácter facultativo, pois não pode presumir-se, a partir da simples junção do título, qual o montante que mesmo pretende obter por via executiva.
Como salienta Rui Pinto (“A Acção Executiva”, 2018, reimpressão de 2023, pág. 165) “(..) o credor, agora manifestamente desonerado de deduzir o pedido de juros na acção de condenação, continua a ter de, expressamente, deduzir o respectivo pedido executivo de juros.”
Neste mesmo sentido se tem pronunciado a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, podendo citar-se, a título meramente exemplificativo, o Acórdão da Relação de Lisboa de 25/2/2021 (Aresto que se encontra disponível em https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/6c69a096d3df0b148025869a003586b8?OpenDocument), cujo sumário contém a seguinte observação: “Só há lugar ao pagamento de juros de mora, à taxa legal, se expressamente peticionados, não dispensando a formulação pelo exequente, no processo executivo, em sede própria, do respetivo pedido, no quadro do princípio geral do dispositivo (cfr. arts. 3.º, n.º 1 e 609.º, n.º 1, do CPC).”.
O princípio vigente nesta matéria, que tanto vigora no domínio da acção declarativa como no âmbito da acção executiva, foi devidamente explanado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 9/2015, de 24 de Junho (publicado no Diário da República n.º 121/2015, Série I, de 24/6/2015), o qual uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos «Se o autor não formula na petição inicial, nem em ulterior ampliação, pedido de juros de mora, o tribunal não pode condenar o réu no pagamento desses juros.» [4].
Deste modo, merece provimento o recurso interposto, devendo decidir-se em conformidade.
Pelo exposto, julga-se a apelação procedente e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido, determinando-se, nesta conformidade, que a Srª Agente de Execução reformule a nota discriminativa (liquidação provisória) apresentada, de forma a excluir os juros moratórios vincendos.
Custas pela apelada.
Coimbra, 25 de Fevereiro de 2025
Luís Manuel de Carvalho Ricardo
(relator)
Francisco Costeira da Rocha
(1º adjunto)
Hugo Meireles
(2º adjunto)
(…)
[1] A execução também corre termos contra CC.
[2] Taxa contratual, como resulta claramente do requerimento executivo.
[3] Art. 724º, nº1, alínea f), do C.P.C.: “No requerimento executivo, dirigido ao tribunal de execução, o exequente: (,,,) f) Formula o pedido;”.
[4] O sublinhado é nosso.