A decisão de arquivamento de um processo de promoção e proteção deve conter a factualidade considerada provada e não provada e especificar, relativamente ao acervo factual, os elementos probatórios que motivam ou fundamentam a decisão proferida.
(Sumário elaborado pelo Relator)
I – RELATÓRIO.
“Declara-se encerrada a instrução
I –1. Os presentes autos tiveram a sua origem na certidão extraída do processo de alteração da regulação das responsabilidades parentais- processo principal – na sequência da petição inicial aí apresentada na qual o progenitor, entre o mais, invocava que os filhos se encontravam numa situação de perigo, solicitando a urgente intervenção judicial.
Foi então solicitada à EMAT a elaboração de relatório com vista a averiguar da existência da situação de perigo que justifique a intervenção judicial e em caso afirmativo se se impõe a aplicação de uma medida de promoção e proteção.
2. Relatório da EMAT que foi junto a – refª 6289861 - no qual foi emitido o seguinte parecer técnico “Pelo exposto, apesar do processo de promoção e proteção ter como sujeitos ambas as crianças, não temos dúvidas de que são, por agora realidades distintas e que a preocupação dos pais e, em razão disso, a nossa avaliação se centrou nas questões específicas relacionadas com a jovem AA.
Por isso, e antes de mais, consideramos que para o BB não se justificará a aplicação da medida de promoção e proteção uma vez que não existe um perigo específico e manifesto. Ao mesmo tempo, qualquer intervenção que se venha a decidir a favor da jovem AA também o beneficiará, ainda que de forma vicariante.
Quanto à jovem AA, ainda que os comportamentos de risco sejam próprios da afirmação da autonomia e, por isso, normativos, é certo que compete aos pais supervisionar e regular esses comportamentos sempre que eles possam ser desajustados e prejudiciais ao desenvolvimento saudável e harmonioso, porquanto, são legítimas as preocupações enumeradas pelo progenitor que, ao não terem eco na progenitora, fez aumentar o conflito filio-parental, conduzindo a um maior afastamento da jovem AA ao invés do pretendido.
Salvo melhor opinião, a intervenção no âmbito da promoção e proteção, in casu, não poderá ser um tudo ou um nada: a postura desculpabilizadora adotada pela mãe prejudicial para a jovem AA e reforçadora até de alguns comportamentos excessivos que a colocam em perigo ao nível da saúde, formação e desenvolvimento integral, não deverá, opor-se o radicalismo de uma medida de acolhimento residencial como sugere o pai, desde logo, porque esta é uma medida de ultima ratio que deve ser adotada nos casos em que os pais não querem, não sabem ou não conseguem assumir as responsabilidades parentais o que, quanto a nós, não é o caso, desde logo porque, apesar do conflito parental manifesto resultante da divergência na forma e conteúdo da educação e formação, é certo que a jovem iniciou já acompanhamento psicológico e pedopsiquiátrico, que só ainda não mostrou mais frutos atenta a sua precocidade.
Acresce que é, quanto a nós, essencial que ambos os progenitores sejam sujeitos a um processo de mediação familiar, caso voluntária, ou a audição técnica especializada, com o intuito de se projetarem sempre como pais da AA e do BB de forma a serem capazes de centrar o diálogo nos interesses das crianças e adotarem padrões de educação e formação comuns.
Tal sujeição permitirá não só diminuir o conflito parental como impossibilitará que a jovem AA se alie a um dos progenitores, tirando o proveito desse conflito. Eliminar esse padrão de funcionamento é condição imprescindível para ultrapassar os comportamentos desajustados e prejudiciais já identificados.
Assim, consideramos que a medida mais adequada é, por agora, a medida de Apoio Junto dos Pais de forma a que ambos os pais se comprometam perante o douto Tribunal a garantir e fazer cumprir, além da dimensão da formação e educação formal, a frequência de consultas de pedopsiquiatria e psicologia de que deve continuar a beneficiar a jovem AA. Os pais deverão comprometer-se em, aconselhando-se e apoiando-se na opinião técnica destes profissionais, na procura ativa de soluções urgentes para minimizar os comportamentos disruptivos. Além disso, recomendamos, como já referido, a procura de soluções de mediação familiar que ambos devem frequentar. Não sendo expectáveis mudanças radicais num curto espaço de tempo, propomos a aplicação desta medida por 12 meses, com a revisão trimestral.
Não sendo viável o acompanhamento da execução da medida manter-se no SATT de Aveiro, atenta à distância geográfica do contexto desta família e bem assim da sua rede formal de suporte, atrevemo-nos a sugerir que, nos termos do n.º 3 do artigo 53.º da LPCJP, o Tribunal designe como Gestor do Processo o técnico ou equipa que venha a ser incumbida de realizar a mediação familiar ou a Audição Técnica Especializada ou, em alternativa, uma vez que foi concluída a avaliação diagnóstica e que está ultrapassada a questão da imparcialidade que motivou que a solicitação desse Tribunal fosse dirigido a este SATT, o acompanhamento da medida seja efetuado pela equipa do SATT competente que é o de Viseu.”
3. Na sequência da junção aos autos deste relatório foi proferido o despacho de 15.12.2023 – refª 9438053 - no que se determinou o arquivamento dos autos quanto à criança BB e se declarou aberta a fase de instrução relativamente à jovem AA.
Nesse mesmo despacho, além do mais, foi determinada a audição dos progenitores, da jovem e da técnica da EMAT, bem como determinado o cumprimento do nº 3 do art. 107º, da LPCJP.
4. Notificado do mesmo veio o progenitor pronunciar em 29.12.2023 – refª 6314781 – pronunciando-se, em suma, quanto ao arquivamento e quanto ao relatório social de avaliação diagnóstica.
Requereu, ao abrigo do disposto no artigo 107º, nº 3 da LPCJP que se proceda à audição dos profissionais de saúde subscritores das informações juntas com o relatório social; e a audição da criança BB.
5. Veio a progenitora pronunciar-se – refª 6315635 – sobre a audição da criança BB, pugnando, no sentido de não ter sido alegado que a criança tenha capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em conta a sua idade e maturidade.
6. A 26.01.2024 foi proferido despacho – refª 9461875 – no qual nos pronunciamos quanto às diligências instrutórias requeridas pelo progenitor (admitindo-se a audição do pedopsiquiatra EE e da Psicóloga, FF que acompanham a jovem AA; e solicitando à EMAT de Aveiro que proceda às diligências que considerar necessárias, nomeadamente à audição do BB, para averiguar da capacidade do mesmo para prestar depoimento em Tribunal, utilidade de tal depoimento em Tribunal e, em caso afirmativo, se daí não poderá resultará qualquer dano emocional ou psicológico para o mesmo).
7. A EMAT veio pronunciar-se a 08.02.2024 – refª 6392318 - O processo do menor BB foi arquivado a 15/12/2023, tendo em consideração “… os princípios decorrentes do artigo 4º, designadamente, os da proporcionalidade e atualidade, do interesse superior da criança e da intervenção mínima…”. A audição da criança em sede judicial justificar-se-ia, nos termos do artigo 84º da LPCJP, se existisse processo de promoção e proteção, o que já não é o caso. Não sendo possível com certeza aferir quais os efeitos da audição, sempre se poderá afirmar que, sujeitar a criança a essa audição seria envolve-lo ainda mais no conflito parental e filio- parental.
Conclusão / Parecer técnico
Assim, salvo douta decisão em contrário, reiteramos o nosso parecer quanto à desnecessidade de, por ora, envolver o menor neste processo de promoção e proteção.”
8. Em 05.03.2024 procedeu-se à audição da técnica da EMAT, Drª GG, o Pedopsiquiatra Dr. EE, da psicóloga Drª FF, do Progenitor e iniciou-se a audição da Progenitora – ata refª 94947463.
9. Em 11.03.2024 continuou-se com a audição da progenitora e procedeu-se à audição da jovem - ata refª 94993448.
10. Na sequência do determinado em 11.03.2024 vieram as partes pronunciar-se:
a)- A jovem - refª 6461450 – AA, pugnando pelo arquivamento dos autos, em suma, por resultar da prova produzida nos autos, que, à data, não foram identificados factores de perigo ou qualquer comportamento desviante, que não sejam normais no seu normal desenvolvimento; os presentes autos estão a perturbar profundamente a estabilidade emocional e psicológica da Rqte, o que resulta, por demais evidente, do decorrer das diligências já realizadas, que são, indubitavelmente, um potencial causador do sofrimento, angústia e ansiedade, que ela vivência atualmente, podendo, aliás, vir a prejudicar gravemente a relação entre progenitores e Rqte, o que se pretende evitar.
b) - A progenitora – refª 6462562 - pugnando pelo arquivamento dos presentes autos.
c) – O progenitor – refª 6462775 – veio requerer a aplicação de medida cautelar de apoio junto do pai a favor da menor primogénita.
Para tanto alega, em síntese que:
I – Da questão prévia: da falta de objectividade e de imparcialidade denotadas durante a audição da Técnica da E. M. A. T. de Aveiro: as afirmações da Técnica da E. M. A. T. de Aveiro durante a sua audição não podem ser consideradas objectivas e imparciais desde logo porque são contraditórias com o teor do relatório social de avaliação diagnostica pela mesma elaborado e não são suportadas por qualquer elemento concreto e circunstanciado; verifica-se que na sua actuação funcional a Técnica da E. M. A. T. de Aveiro não cumpriu as recomendações e as boas práticas relevantes em matéria de avaliação diagnostica instituídas pela própria Segurança Social, nomeadamente: Quando se limitou à abordagem dos consumos de álcool e de droga, sem se debruçar nos demais comportamentos sinalizados, mormente, as condutas de cariz sexual e os relacionamentos tóxicos vivenciados pela menor primogénita; quando não entregou o relatório social de avaliação diagnostica dentro dos prazos sucessivamente determinados pelo Tribunal, nem justificou a razão para tal, tendo o feito somente após advertência de aplicação de multa, remetendo para as chefias a respectiva justificação durante a sua audição; quando durante a sua audição relativamente à medida proposta, afirmou que “no relatório não disse qual era a medida concreta”, quando o deveria ter feito e quando não o tendo feito, não apresentou qualquer justificação de uma deliberada omissão.
II – Da factualidade indiciariamente provada, são elencados os factos que o progenitor considera indiciariamente provados e os meios probatórios que lhe permitem chegar a tal conclusão.
III – Da necessidade de aplicação de medida cautelar, os autos contêm elementos suficientes para que seja proferida uma decisão de aplicação de medida cautelar a fim de assegurar a situação da menor primogénita até que seja decidida a aplicação de medida de promoção e proteção a título definitivo.
Face aos factos indiciariamente provados e às próprias alegações da progenitora, o Tribunal já deveria ter retirado a menor primogénita de casa da mesma e aplicado uma medida cautelar de apoio junto do pai para assim evitar, eventual e nomeadamente, uma gravidez indesejada, qualquer doença sexualmente transmissível, um coma alcoólico, um surto psicótico pelo consumo de drogas, e até um atentado à sua liberdade sexual em consequência das relações obscenas permitidas pela progenitora, inclusive no interior da própria habitação.
Retira-se objectivamente da audição dos referidos profissionais de saúde é que a menor necessita de vigilância e acompanhamento face ao quadro depressivo e ansioso relacionado com a situação.
Da audição da menor primogénita ficou evidente que a mesma recusa contactos com o requerente porque o mesmo lhe impõe regras e limites, e porque beneficia da permissividade da progenitora.
Termina requerendo que se determine a aplicação da medida cautelar de apoio junto do pai pelo período máximo de 6 meses com revisão obrigatória no prazo de 3 meses, nos termos 37º-1 e 3 e 35º-1/a da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo; e para efeitos de execução imediata da medida cautelar a notificação da progenitora para proceder à entrega da menor na residência do requerente no prazo de 24 horas.
11. Na sequência da douta promoção de 20.03.2024 – refª 9504173 – foi proferido despacho no mesmo dia – refª 95072331 - determinando “ dê conhecimento à Técnica da EMAT de Aveiro dos requerimentos apresentados pelo Ilustres Patrono da jovem, o Ilustre Mandatário da progenitora e pelo progenitor, bem como da promoção que antecede e deste despacho e notifique-se a mesma para, no prazo máximo de 2 dias, se pronunciar quanto subsistência ou não de uma situação de perigo da jovem que justifique a intervenção; em caso afirmativo, quanto à necessidade ou não de aplicação de uma medida cautelar, qual e em que termos.”
12. A EMAT pronunciou-se a 25.03.2024 – refª 6483057 – em suma, nos seguintes termos: “ aquando da avaliação diagnóstica constatamos a existência de factores que estariam a colocar a jovem AA em perigo. À data do relatório consideramos importante, no âmbito da medida de apoio junto dos pais, a criação de um conjunto de intervenções de especialidade que cumprissem as finalidades da medida, designadamente, acautelar os interesses da jovem e garantir-lhe a recuperação psicológica.
Em sede de conferência ficou para nós claro que a jovem se encontra devidamente acompanhada quer do ponto de vista de psicologia e pedopsiquiatria, como sublinhamos ser importante no nosso Relatório;
O conflito parental existente dificilmente será possível dirimir em sede de promoção e proteção e a aplicação da medida de proteção não trará mais benefícios diretos à jovem AA do que aqueles que ela já beneficia.
Não obstante, caso o douto Tribunal, considere fundamental a aplicação de medida de proteção, funcionando como cincho sobre as ações já em curso, somos da opinião de que a medida mais adequada é aquela que anteriormente propusemos por ser a que melhor respeita o superior interesse da jovem.”
13. Pronunciou-se o Ministério Público, nos termos da douta promoção que antecede – refª95241590 - em suma, quanto à retificação da ata; promovo que se solicite, com urgência, ao DIAP ... que apure o número do inquérito crime instaurado na sequência da certidão remetida e, após, se solicite a remessa urgente de tais autos para consulta em algum dos apensos em que for determinado o prosseguimento dos autos; que seja dado conhecimento à EMAT de Aveiro, com cópia do ofício vindo da Procuradoria Regional de Coimbra, bem como ás partes; concluindo que a atualmente a AA não se encontra numa situação de perigo a exigir o seu acompanhamento com medida de promoção e proteção no âmbito de um Processo Judicial de Promoção e Proteção, promovo o arquivamento dos presentes autos, sem prejuízo da sua reabertura caso seja necessário (nomeadamente por sinalização das entidades de primeira linha ou denuncia fundamentada de que a jovem mantem os consumos de drogas e/ou álcool e/ou uma atividade sexual não saudável, nomeadamente com diversos parceiros sexuais, sem acautelar uma gravidez indesejada ou uma doença sexualmente transmissível).
14. –Em 24.04.2024 foi proferido despacho a, entre o mais, entender que não estavam ainda recolhidos todos os elementos que permitam com segurança ao tribunal proferir a decisão de encerramento de instrução, tendo sido determinada a junção aos autos de informações a solicitar.
15. Por despacho de 04.06.2024- refª95592577- foi determinada a audição da criança BB, o que veio a suceder a 08.08.2024.- cfr ata de 08.07.2024.
Assim, a Digna Magistrada do Ministério Público emitiu o parecer a que alude o art. 110º da LPCJP – refª 96300902 e 96338893
Temos neste momento de analisar se foram recolhidos nos autos elementos que permitem ou não o prosseguimento dos mesmos.
Vejamos.
Segundo o n.º 1 do artigo 1878.º do Código Civil, “compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens”.
Deste preceito decorre que as responsabilidades parentais devem ser exercidas na prossecução do “interesse dos filhos”, e nos casos em que é demandada a intervenção do poder judicial, este deve decidir assegurando igualmente o interesse do menor, ainda que o faça em prejuízo dos pais ou de terceiros (cfr. Acórdão da Relação de Coimbra, 19.04.88, C.J., tomo II, pág. 68.) A ter em consideração ainda o artigo 3.º, n.º 1 da Convenção Sobre o Direito da Criança, de 1989, quando determina: “todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança”.
A criança é reconhecida como um verdadeiro sujeito de direitos, pelo que todas as decisões que a envolvam devem sempre ser norteadas em ordem à satisfação do seu interesse.
As responsabilidades parentais constituem uma resposta, a dar por quem está mais próximo da criança e por isso também melhor habilitado a conhecer as suas necessidades, a uma situação de imaturidade (física, emocional, psíquica) decorrente da menoridade.
Ou seja, compete aos pais, em primeira linha, desempenhar esse papel protetivo, exercendo os poderes funcionais que integram as responsabilidades parentais, zelando pelo desenvolvimento integral da criança, proporcionando-lhe alimentação, afeto, condições de saúde, de educação, de segurança, promovendo a sua autonomia e independência.
Quando as responsabilidades parentais não são exercidas no interesse dos filhos, porque os pais não querem, ou são incapazes de fazê-lo, deve o poder judicial intervir de forma activa, tomando as medidas adequadas à tutela do interesse da criança/jovem.
Como se escreveu no Acórdão da Relação de Coimbra 03.05.2006, in www.dgsi.pt, “quando os pais não cumprem com tais deveres fundamentais, a ordem jurídica confere às crianças, enquanto sujeitas de direito, mecanismos de protecção, podendo os filhos deles serem separados, como determina o n.º 6 do art.36 da CRP”.
Veja-se o Acórdão da Relação do Porto, de 06.03.2012, in www.dgsi.pt onde se refere que “o interesse da criança ou jovem deve ser realizado na medida do possível no seio do seu grupo familiar. Porém, em caso de colisão, sempre sobrelevará o interesse em se alcançar a plena maturidade física e intelectual da criança/jovem, ainda que, o interesse de manter a criança/jovem no agregado familiar seja postergado (…).
O tribunal deve assumir a defesa do interesse superior da criança e do jovem, tal como lho confia o artigo 4º, a), LPCJP, fazendo-o prevalecer sobre quaisquer outros interesses envolvidos, atendendo “prioritariamente aos interesses da criança e do jovem, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto”.
A Lei de Protecção das Crianças e Jovens em Perigo ( Lei nº147/99 de 1/9 ), cujo art.35 prevê um conjunto de medidas de promoção e protecção, com o objectivo, expressamente assinalado no art.34, de afastar o perigo em que estes se encontram / ), proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral( alínea b/), garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso ( alínea c/ ).
Dispõe o nº1 do art.3º da LPCJP que a intervenção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo tem lugar “ quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de acção ou omissão de terceiros ou da própria criança ou jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo “.
Como decorre de tal preceito legal, para que situação de perigo ali prevista ocorra não se torna sequer necessário que tenha havido lugar a uma efetiva lesão de alguns dos “bens ou valores” ali referidos, bastando tão só que esteja criada uma situação de facto que seja realmente potenciadora desse perigo de lesão, ou seja, tal normativo basta-se com a criação de um real ou muito provável perigo, ainda longe de dano sério. (Vide, a propósito e nesse sentido, Tomé d´Almeida Ramião, in “Lei de Protecção de Crianças e Jovens e Perigo, Comentada e anotada, 9ª. Ed., Quid Juris, págs. 31/36”).
Perigo esse que, todavia, tem de ser atual (cfr. artºs. 4º al. e) e 111º).
O legislador, embora de forma exemplificativa ou não taxativa, no nº. 2. do citado artº. 3º, elencou algumas das situações que devem ser consideradas como configurando uma situação em que a criança ou jovem está perigo, reclamando a intervenção do Estado (direta ou indiretamente) com vista a removê-lo (pois só perante uma situação objetiva de perigo é que se justifica ou legitima tal intervenção).
Das situações, exemplificativamente, enumeradas no n.º 2 do artigo 3.º da LPCJP, destacam-se (por mais ligadas ao caso em apreço), as referidas nas suas alíneas f) comportamentos que afectam a sua segurança ou o equilíbrio emocional e g) assunção de comportamentos que afectem gravemente a sua formação, educação ou desenvolvimento, sem que os pais se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação.
As situações previstas na als. f) e g), abrangem tanto comportamentos dos progenitores como do próprio menor/jovem, com as consequências nelas referidas e que têm consequências nefastas no desenvolvimento físico e psíquico das crianças e jovens.
Como refere Beatriz Marques Borges, in Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, Almedina, 2007, a pág.s 37 e 38, verifica-se o perigo para a segurança de uma criança ou jovem quando se verifica que estes são colocados numa situação de incerteza física ou psicológica sobre o seu bem-estar, não se sentindo garantida nas suas necessidades e desejos; quanto à saúde, está em risco o seu equilíbrio físico/psíquico, a sua capacidade de resistência e o seu próprio equilíbrio mental e social, com diminuição do seu sentido de auto-estima ou o valor e utilidade como membro da comunidade em que se insere; o perigo para a formação revela-se em situações que podem fazer distorcer o seu desenvolvimento integral da personalidade, a sua equilibrada maturação afectiva, emocional e social; o perigo para a educação nasce da circunstância de existindo uma educação incompleta e carente, com a inconsequente incapacidade de o visado se poder afirmar com todo o seu potencial, sendo que uma boa educação escolar é, cada vez mais, imprescindível para obter condições de sucesso na sociedade e no mercado de trabalho futuro, do que, em grande parte, depende a integração e coesão social com todos os reflexos e consequências que daí advêm; por fim, o perigo para o seu desenvolvimento é o corolário de todos os anteriores itens visando o crescimento, quer físico quer psíquico das crianças e jovens, com vista ao seu desenvolvimento são e harmonioso.
Por outro lado, tal situação de perigo, tem de resultar de uma situação de facto que comporte a provável e actual violação da boa educação em qualquer dos factores ora enunciados, bastando-se com uma situação de um real ou muito provável perigo, actual – neste sentido, Tomé d`Almeida Ramião, Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, Anotada e Comentada, Quid Juris, 5.ª Edição Revista e Aumentada, 2007, a pág. 27.
No artº. 4º da LPCJP encontram-se enunciados os diversos princípios que devem nortear ou orientar qualquer intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e jovem em perigo, sendo o principal o interesse superior da criança e do jovem, e ao qual se deve atender prioritariamente. Princípio esse que, aliás, já se encontra plasmado na acima aludida Convenção sobre os Direitos da Criança (cfr. artºs 3º, nº. 1, e 9º, nº. 1).
O “ interesse superior da criança “, enquanto conceito jurídico indeterminado carece de preenchimento valorativo, cuja concretização deve ter por referência os princípios constitucionais, como o direito da criança à protecção da sociedade e do Estado com vista ao seu desenvolvimento integral (art.69 nº1 da CRP ), reclamando uma análise sistémica e interdisciplinar da situação concreta de cada criança, na sua individualidade própria e envolvência.
Como escreve Almiro Rodrigues (in “Interesse do Menor, Contributo para uma Definição, Revista Infância e Juventude, nº 1, 1985, págs. 18/19”), ele só poderá definir-se através de uma perspetiva sistemática e interdisciplinar, mas sem nunca poder esquecer e deixar de ponderar o grau de desenvolvimento sócio-psicológico do menor, já que o processo de desenvolvimento é uma sucessão de estádios, com características e necessidades próprias. Mesmo assim, vem, todavia, constituindo entendimento prevalecente que o interesse superior da criança deve reportar-se ao direito da mesma “ao seu desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.” (cfr ainda Ac. do STJ de 05/04/2018, proc. 17/14.8T8FAR.E.S2, e o Ac. da RC de 25/06/2019, proc. 239/14.1TMCBR-C.C1, in www.dgsi.pt).
No mesmo sentido, Maria Clara Sottomayor, in Regulação do Exercício do Poder Paternal, nos Casos de Divórcio, 2.ª edição, a pág.s 36 e 37, onde se refere que o interesse do menor constitui um conceito vago e genérico utilizado pelo legislador, por forma a permitir ao juiz alguma discricionaridade, bom senso e alguma criatividade, e cujo conteúdo deve ser apurado em cada caso concreto.
Pode concluir-se que os grandes princípios em que assenta a LPCJP são:
- o referido interesse superior da criança;
- a intervenção precoce: entendido no sentido de que intervenção das entidades competentes para o efeito (cfr. artºs. 4º, al. c), e 6º) deverá ter lugar logo que a situação de perigo seja detetada ou noticiada;
- a atualidade e proporcionalidade: entendidos no sentido de que a medida adotada deverá ser necessária e adequada à situação concreta de perigo em que o menor se encontra (cfr. artº. 4º al. e)).
Como sublinha o acórdão da Relação de Coimbra de 22.05.2007, in www.dgsi.pt, o conceito de perigo deve ser entendido como o risco actual ou iminente para a segurança, saúde, formação moral, educação e desenvolvimento do menor.
Segundo o referido artigo 111.º, “O juiz decide o arquivamento do processo quando concluir que, em virtude de a situação de perigo não se comprovar ou já não subsistir, se tornou desnecessária a aplicação de medida de promoção e proteção, podendo o mesmo processo ser reaberto se ocorrerem factos que justifiquem a referida aplicação”.
O artigo 34.º da LPCJP define deste as finalidades das medidas de promoção dos direitos e de protecção das crianças e dos jovens em perigo:
“a) Afastar o perigo em que estes se encontram;
b) Proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral;
c) Garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso”.
No caso em apreço, foi proferido o despacho de abertura de instrução no decurso do qual foram levadas a cabo diligências legalmente previstas, ou seja, audição obrigatória da jovem e dos pais – arts 84º, 85º e 107º, nº 1, da LPCJP – audição de técnicos que conheçam a situação da jovem – nº 2 do art. 107º, da LPCJP e informações e relatórios sociais - da LPCJP.
Os intervenientes processuais pronunciaram-se, a progenitora, a jovem e o Ministério Público, no sentido de ser proferido despacho de arquivamento dos autos por, em suma, entenderem que inexiste uma situação de perigo atual para a jovem; o progenitor no sentido a existência de situação de perigo atual, inclusive que o perigo é justificador da aplicação de medida de promoção e proteção a titulo cautelar.
No caso em apreço, neste momento e com os elementos que constam dos presentes autos e que resultam da prova documental junta e das declarações prestadas, podemos afirmar:
- que a jovem AA durante o verão de 2023 consumiu produtos estupefacientes, bebidas alcoólicas em excesso e teve relações sexuais sem que a progenitora tenha tomado as providências necessárias para acautelar que tal não iria acontecer, nomeadamente, impondo regras restritivas quanto ao cumprimento de horários e deslocações da filha sozinha ou na companhia do namorado ou amigos e sem supervisionar a mesma de forma a garantir que esta não consumia drogas, álcool em excesso ou iniciava a sua vida sexual prematuramente, pondo dessa forma em risco a sua saúde, segurança e desenvolvimento;
- a progenitora quando teve conhecimento dos factos tomou as medidas necessárias para acautelar o bem-estar da filha, tendo-lhe imposto restrições de saída e diligenciando para que a mesma fosse de imediato acompanhada em pedopsiquiatria e psicologia;
- o pedopsiquiatra e a Psicóloga que acompanham a jovem entendem que a mesma está em sofrimento, que os autos que correm termos no Tribunal lhe causam grande ansiedade, sofrimento e mau estar e que a AA recusa ter qualquer contacto com o progenitor, necessitando a mesma de manter o acompanhamento em pedopsiquiatria e psicologia;
- a Técnica da EMAT concluiu que a jovem neste momento está a ser devidamente acompanhada pela primeira linha, no caso, por pedopsiquiatra e por uma psicóloga, a mãe demonstrou ter recursos internos e externos ao acautelar de imediato a situação de perigo da AA, que o conflito entre os progenitores dificilmente será possível dirimir no âmbito de um processo de promoção e proteção e que a aplicação de uma medida de promoção e proteção não trará mais benefícios à jovem AA do que aqueles que ela já beneficia;
- a jovem deseja manter o acompanhamento a nível de pedopsiquiatria e psicologia, manifesta o desejo de continuar a residir com a progenitora e recusa terminantemente ter qualquer contacto com o progenitor, mostrando-se muito magoada e em sofrimento;
- o progenitor considera que o perigo continua a existir, uma vez que a jovem continua a consumir drogas e a namorar com o mesmo individuo que a colocou numa situação de perigo com consumo de drogas e álcool e relações sexuais prematuras que a põem em risco de ter uma gravidez não planeada ou de contrair uma doença sexualmente transmissível, tendo apresentado testemunhas para serem ouvidas nos presentes autos;
- correm termos inquéritos crime, em que são denunciados, num deles o progenitor e que corre termos na Procuradoria-Geral Distrital de Coimbra, atento o facto de o progenitor ser Magistrado do Ministério Público e onde figuram como denunciantes a progenitora e a filha AA e o outro, corre termos no DIAP ..., na sequência de certidão remetida nos presentes autos para averiguação da pratica de eventuais ilícitos criminais.
A jovem revela uma adaptação positiva à vivência no agregado familiar materno, onde demonstra estar bem inserida, achando-se bem adaptada à escola que frequenta, mantendo boa relação com pares e adultos. Beneficia de apoio psicológico e pedopsiquiátrico, sentindo-se motivada pelo mesmo.
Neste momento, tudo considerando temos de concluir que a jovem AA tem asseguradas as suas necessidades, recebendo todos os cuidados adequados à sua situação especifica, sendo que o conflito existente dificilmente será possível dirimir no âmbito de um processo de promoção e proteção.
A situação que subsiste é a relutância da jovem em manter contatos com o progenitor, o que por si só não indicia uma situação de perigo, mas algo que terá de ser dirimido e ultrapassado no âmbito da providência tutelar cível de alteração das responsabilidades parentais.
Só dos progenitores depende contribuírem para a estabilidade da jovem AA, devendo ser preservada de cenários de discordância, com os qual tem sido obrigada a debater-se e lhe vêm causando evidente desgaste emocional.
Assim, como se referiu, para que exista legitimidade para a intervenção é necessária a existência de uma situação de perigo atual para a jovem, porém, dos elementos recolhidos em sede de instrução concluímos que o perigo alegado não subsiste, não existindo indícios que neste momento exista perigo para a segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento da jovem AA que justifique a aplicação de uma medida de promoção e proteção.
Não se vislumbram quaisquer outras diligências a efectuar, pois estas só se justificariam caso houvesse indícios de que a menor está em risco, o que manifestamente não se verifica no caso em apreço.
Resulta dos autos que a jovem não corre qualquer perigo, a não ser o inerente à situação de instabilidade certamente gerada pela existência do conflito inicial com o progenitor e posterior entre os progenitores e bem assim a instabilidade próxima de uma jovem de 15/16 anos, mas que não justifica ou legitima a intervenção do Tribunal.
Pelo exposto, e atento o estabelecido na Lei nº147/99, de 1 de Setembro, nos artigos 3º, nº2 “à contrário”, os princípios decorrentes do artigo 4º, designadamente, os da proporcionalidade e actualidade, do interesse superior da criança e da intervenção mínima, previstos nas alíneas a), d) e e), e 110º, alínea a) e 111º, decide-se determinar o arquivamento do processo.”.
“1. Declarando encerrada a instrução, o Tribunal a quo decidiu determinar o arquivamento do processo de promoção e protecção agora relativamente à menor primogénita por entender que “resulta dos autos que a jovem não corre qualquer perigo, a não ser o inerente à situação de instabilidade certamente gerada pela existência do conflito inicial com o progenitor e posterior entre os progenitores e bem assim a instabilidade próxima de uma jovem de 15/16 anos, mas que não justifica ou legitima a intervenção do Tribunal”.
2. Ora, verifica-se que desde a instauração do presente apenso no dia 13 de Setembro de 2023 com base na certidão extraída dos presentes autos principais, isto é, há quase 14 meses nesta data, o Tribunal a quo, para além de não ter lhes ter dado um rumo processual célere e os ter orientado por uma tramitação anómala, não tem acautelado a situação de perigo a que tem estado sujeita a menor primogénita.
3. Por outro lado, em vez de se basear em premissas factuais e probatórias concretas, o Tribunal a quo enveredou pelo arquivamento do processo de promoção e protecção com base em meras opiniões sem qualquer validade técnica.
4. Contudo, desde logo tal despacho está ferido de nulidade por violação do princípio do contraditório, uma vez que o Tribunal a quo determinou o arquivamento do processo de promoção e protecção sem antes notificar o recorrente para se pronunciar e sem sequer dar conhecimento das promoções antagónicas exaradas pelo mesmo Ministério Público em três dias de intervalo.
5. No âmbito da sua atribuição legal em matéria de representação dos menores, o Ministério Público não é uma “entidade neutra”, sendo que mesmo no caso de os presentes autos não terem por sua iniciativa instaurados, não deixa de assumir a posição de verdadeira parte em defesa dos interesses da menor primogénita.
6. E o direito a um processo justo e equitativo na vertente do contraditório, implicava a possibilidade de o recorrente tomar ciência das promoções do Ministério Público, independentemente do impacto na decisão proferida, tanto da primeira em que entendia que os autos deviam seguir para debate judicial na falta de acordo de promoção e protecção como da segunda três dias depois em que já se posicionava pelo arquivamento que veio a ser decidido.
7. E por maioria de razão, o direito a um processo justo e equitativo na vertente do contraditório, implicava a possibilidade de o recorrente de sobre tais promoções susceptíveis de influenciar a decisão se pronunciar e inclusivamente de discutir as posições ambivalentes manifestadas porque prejudicais no seu conjunto à menor primogénita por quem era suposto defender o seu superior interesse.
8. E o próprio Tribunal devia ter respeitado o princípio do contraditório, especialmente quando decidiu uma questão com base num motivo invocado oficiosamente, residindo a observância de tal princípio a confiança no funcionamento da Justiça, e sobretudo quando a última posição do Ministério Público sustentou-se no apoio à pretensão da progenitora.
9. Por outro lado, perlustrado o despacho recorrido, constata-se mais uma vez, à semelhança do anterior despacho recorrido, a inobservância, pelo menos, de um rigor processual quanto à enunciação da matéria de facto indiciariamente provada porquanto o Tribunal a quo não pontuou os factos por si considerados, não os motivou em termos probatórios, amalgamouos com considerações e voltou a não apreciar a factualidade enumerada pelo recorrente no requerimento apresentado com a referência 6462725 nem os elementos probatórios indicados que os corroboram, constantes do Primeiro Articulado Superveniente com a referência 6145698, do Segundo Articulado Superveniente com a referência 6175472, do Articulado do Contraditório com a referência 6248573, do Terceiro Articulado Superveniente com a referência 6248563, das declarações prestadas pela progenitora em sede de conferência e do Relatório Social de Avaliação Diagnóstica com a referência 6289861.
10. Aliás, o Tribunal a quo não enumerou no despacho recorrido factos indiciariamente provados no anterior despacho proferido com a referência 95266038 e aditou um outro que dele não constava sem sequer fundamentar as divergências factuais operadas entre ambos;
11. Voltando a faz constar da matéria de facto indiciariamente provada alguns dos entendimentos do pedopsiquiatra, da psicóloga e do progenitor, uma das conclusões da Técnica da E.M.A.T. e um dos desejos da menor primogénita, quando tais considerações não são factos, e que opiniões e outros argumentos constantes dos últimos 5 hífens não podem nem devem ser servir de base factual.
12. E nesta matéria, necessário se torna sufragar o teor do douto acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra que anulou a anterior decisão por o despacho recorrido padecer do mesmo vício de completa omissão de resposta em sede de julgamento da matéria de facto, a qual acarreta a anulação da decisão proferida.
13. Quanto à factualidade indiciariamente provada, o Tribunal a quo deveria ter reproduzido os seguintes factos anteriormente dados como indiciariamente provados uma vez que nenhum elemento probatório superveniente os infirmou, nem se mostra justificado qualquer alteração quanto à respectiva relevância:
1 – “A partir do mês de Fevereiro de 2023, a jovem tem vindo a alterar os seus comportamentos”;
2 – “Desde 3 de agosto de 2023 que a jovem AA se recusa a ir para casa do progenitor”;
3 – “No dia 11 de Setembro de 2023, o requerente ao tomar conhecimento que a jovem se encontrava junto do Centro Multiusos de ... na companhia de jovens do sexo masculino, a fumar um charro deslocou-se ao local e revistou os pertences da jovem, tirou-lhe o telemóvel e ordenou-lhe que o acompanhasse tendo a mesma recusado agarrando-se ao namorado e gritando que não queria ir para sua casa”;
4 – “Após o progenitor levou a jovem consigo até casa, onde aí ligou para a progenitora para a vir buscar”;
5 – “Já no interior da residência, o progenitor pediu à menor primogénita o código de acesso ao telemóvel, tendo a mesma recusado”.
14. De acordo com os elementos probatórios constantes dos autos principais e seus apensos, para além do primeiro facto referido no despacho recorrido, o Tribunal a quo deveria ter dado como indiciariamente provados, pelo menos, pelo menos, os factos constantes nos pontos 33 a 50, 54 a 56, 63 a 65 e 68 a 71 do aludido requerimento, ou seja:
15. “33 – No mesmo dia [11 de Setembro de 2023], e passada pouco mais de uma hora [19 horas], a progenitora deu o telemóvel pertencente à menor primogénita como perdido, utilizando para o efeito o número ...44 de que é titular, não obstante saber que o aparelho estava nas mãos do requerente e dos motivos pelos quais estava por si retido”, com base no teor do documento 1 junto com o primeiro articulado superveniente apresentado nos autos principais, correspondendo à fotografia do ecrã do referido telemóvel na qual se constata que foi dado como perdido pelo número titulado pela progenitora;
16. “34 – A progenitora sabia que na memória interna do referido telemóvel existiam registos digitais, mensagens, fotografias e vídeos, que comprovavam os consumos de álcool e de droga por parte da menor primogénita bem como os relacionamentos de cariz sexual entre a mesma e o namorado e duas amigas, também menores”, com base nas regras da experiência e da normalidade, uma vez que ao bloquear remotamente o respectivo acesso, a progenitora tinha conhecimento do conteúdo do telemóvel e por isso quis ocultá-lo ao requerente, pois, se assim não fosse, perante a conduta da menor primogénita e as suspeitas de comportamentos desviantes e promíscuos, a progenitora seria a primeira, como qualquer boa mãe de família, a diligenciar pelo acesso ao conteúdo do telemóvel no intuito de as confirmar ou de as infirmar, e de tomar, em consequência, as medidas educacionais necessárias e adequadas em articulação com o requerente, o que não fez, manifestando antes receio de que o mesmo pudesse lá encontrar;
17. “35 - A menor primogénita publicou, entre outros, durante os meses de Julho e Agosto de 2023, na rede social denominada Instagram através do perfil registado com o nome ..., fotografias e vídeos nos quais é retratada a consumir tabaco e droga na companhia do namorado e de outros menores, inclusive do enteado da progenitora durante o período em que esteve sob a guarda da mesma e após se ter recusado a voltar para casa do requerente”, com base no teor do documento 10 junto com o primeiro articulado superveniente, do documento 3 junto com o segundo articulado superveniente e do documento 1 junto com o terceiro articulado superveniente apresentados nos autos principais;
18. “36 - A menor primogénita tem assumido comportamentos promíscuos tanto em espaços públicos e na presença de outros menores como no interior da residência da progenitora, onde o namorado tem frequentado o quarto da mesma, deitando-se na sua cama, e mantendo com ela contactos de cariz sexual”;
19. “37 - A menor primogénita tem mantido contactos da mesma natureza com outras duas menores do sexo feminino na cama do seu quarto no interior da residência da progenitora”;
20. “38 – Na presença da menor primogénita e na sua cama, no interior da residência da progenitora, o enteado da mesma praticou actos da mesma natureza com outra menor”;
21. Sendo tais factos (36 a 38) corroborados pelo teor do documento 12 junto com o primeiro articulado superveniente; do documento 2 junto com o segundo articulado superveniente; e do documento 1 junto com o terceiro articulado superveniente apresentados nos autos principais, correspondendo às fotografias publicadas pela menor primogénita na rede social denominada Instagram através do perfil registado com o nome ..., bem como às mensagens trocadas com uma das menores em causa;
22. “39 - A menor primogénita tem mantido com o namorado relações sexuais, praticando actos libertinos e trocando fotografias intimas”;
23. “40 - A menor primogénita tem sido sujeita a uma posição de domínio por parte do namorado, diminuindo-a na sua dignidade ao epitetá-la de “mamalhuda” e de “bomboca” e ao expressar-lhe: “fala a gaja q[ue] me quer fazer um broxe só por um shot e uma caipirinha” e “eu sei q[ue] já queres ir mostrar as mamas a outros e chupar outras piças”, que “quer[…] um animal de estimação”, e após a menor lhe responder “e eu quero pila”, retorque-lhe “tens a do HH”, referindo-se ao marido da progenitora”;
24. Sendo tais factos (39 e 40) corroborados pelo teor dos documentos 13 a 16 juntos com o primeiro articulado superveniente e pelos documentos 5 e 6 junto scom o segundo articulado superveniente apresentados nos autos principais, correspondendo às mensagens trocadas entre a menor primogénita e o namorado através da rede social denominada Instagram
25. “41 - O consumo de droga pela menor primogénita foi incentivado pelo namorado, após o mesmo lhe ter dito que “a droga pode resolver os [s]eus problemas” e que deveria “consum[ir] lá um bocadinho só p[a]ra ficar[…] mais chill”, o que fez, nomeadamente, durante o evento denominado ... Fest realizado entre os dias 10 e 13 de Agosto de 2023 no Parque ...”, com base no teor dos documentos 9 e 11 juntos com o primeiro articulado superveniente apresentado nos autos principais, correspondendo às mensagens trocadas entre a menor primogénita e o namorado através da rede social denominada Instagram, sendo que a mesma veio confirmar o consumo de droga durante as tardes do evento;
26. “42 - No dia 11 de Agosto de 2023, por altura do referido evento, a menor primogénita já era consumidora de bebidas alcoólicas, nomeadamente, ingerindo os denominados “shots”, durante saídas nocturnas”, com base no teor do documento 7 junto com o primeiro articulado superveniente apresentado nos autos principais correspondendo às fotografias publicadas pela menor primogénita na rede social denominada Instagram através do perfil registado com o nome ...;
27. “43 - Durante a noite anterior, de 11 para 12 de Agosto de 2023, a menor primogénita ficou à beira de um estado de coma alcoólico quando se encontrava na companhia de outros menores, nomeadamente, do enteado da progenitora, o qual é conhecido nas redes sociais com as alcunhas II e JJ”, com base no teor do documento 9 junto com o primeiro articulado superveniente apresentado nos autos principais, correspondendo às mensagens trocadas entre a menor primogénita e o namorado através da rede social denominada Instagram, sendo que por referência ao aludido evento, da conversa tida pela menor primogénita com o namorado no dia 12 de Agosto de 2023, pela 1 hora e 42 minutos, afirmou a mesma que “tava [a] revirar a merda dos olhos” e que “sempre q[eu] fic[a] bêbada f[az] merda, mas que não obstante “amanhã [iria] voltar a beber e a fumar”;
28. “44 - A progenitora autorizou saídas nocturnas da menor primogénita, pelos menos, nos três dias anteriores ao seu aniversário, 6 a 8 de Setembro de 2023, durante as quais a mesma consumiu droga e bebidas alcoólicas, designadamente, sangria e vinho do porto, na companhia de outros menores, e se embriagou”, com base no teor do documento 6 junto com o primeiro articulado superveniente apresentado nos autos principais, correspondendo às fotografias publicadas pela menor primogénita na rede social denominada Instagram através do perfil registado com o nome ..., bem como às mensagens trocadas entre ela e o namorado através da mesma rede social, nomeadamente quando afirma na conversa que “estava toda cega e com uma pequena pinga de álcool no sangue” no dia 6 de Setembro de 2023, quando anunciou na rede social que a bebida em conjugação com a fumaça, “lhe bateu” no dia 7 de Setembro de 2023 e quando surge notoriamente alcoolizada nas fotografias publicadas no dia 8 de Setembro de 2023;
29. “45 - A menor primogénita tem consumido droga não só com o namorado senão também com outras menores, nomeadamente, na noite do dia 8 de Setembro de 2023, véspera do seu aniversário”, com base no teor dos documentos 1 a 3 juntos com o segundo articulado superveniente apresentados nos autos principais correspondendo às fotografias publicadas pela menor primogénita e pelo seu namorado na rede social denominada Instagram através dos perfis registados com os nomes, respectivamente, ... e ..., bem como às mensagens trocadas entre ela e outra menor com quem consome droga através da mesma rede social;
30. “46 - No dia 9 de Setembro de 2023, a menor primogénita festejou o seu aniversário numa festa organizada pela progenitora em casa da tia materna, e na qual juntou o menor cadete, a família materna, o namorado da menor primogénita e outros oito menores, colegas da mesma”;
31. “47 - Na referida festa, a progenitora disponibilizou bebidas alcoólicas para consumo dos menores, concretamente cerveja, da marca ..., que os mesmos ingeriram na presença dos adultos e à vista do menor cadete”;
32. “48 - Os menores ingeriram ainda outras bebidas espirituosas, nomeadamente, a denominada vodka preta, de marca ..., com teor alcoólico de 40% que a menor primogénita guardara para o efeito”;
33. “49 - Maior parte dos menores acabaram por se embriagar no sótão da referida casa onde continuaram a festejar o aniversário da menor primogénita sem supervisão nem controlo”;
34. “50 - Nessa sequência o no interior do aludido sótão, todas as menores do sexo feminino vomitaram, sendo que uma delas ficou estendida no chão da casa de banho, e aí a menor primogénita teve relações sexuais com o namorado”;
35. Sendo tais factos (46 a 50) corroborados pelo teor do documento 3 junto com o primeiro articulado superveniente apresentado nos autos principais correspondendo às fotografias publicadas pela menor primogénita na rede social denominada Instagram através do perfil registado com o nome ...; e ainda pelo teor do documento 7 junto com o segundo articulado superveniente correspondendo às mensagens trocadas na mesma rede social entre a menor primogénita e um dos menores que participou na festa de aniversário; sendo que se constata que a menor primogénita consumiu também bebidas alcoólicas na presença, pelo menos, da progenitora e da tia materna, uma vez que numa das fotografias publicadas, as mesmas estão retratadas por trás dela bebendo uma garrafa de cerveja;
36. “54 - Em data não concretamente determinada, mas após a ocorrência dos factos descritos, a menor primogénita criou outras duas contas na mesma rede social tendo registado os perfis com os nomes daligraca_ e dalidels”, com base no teor do documento 8 junto com o segundo articulado superveniente apresentado nos autos principais;
37. “55 - A progenitora tem contribuído para a degradação social e da própria dignidade da menor primogénita ao permitir que a mesma tenha frequentações nocivas e publique nas redes sociais fotografias e comentários degradantes, fazendo com que seja apelidada de puta e cuspida na cara”, com base no teor do documento 19 junto com o primeiro articulado superveniente e do documento 4 junto com o segundo articulado superveniente apresentados nos autos principais, correspondendo às mensagens trocadas entre a menor primogénita e o namorado e outra menor na rede social denominada Instagram através do perfil registado com o nome ..., sendo que afirma que teve um “breakdown” à frente da progenitora após ter sido apelidada de puta e cuspida na cara por dois indivíduos chamados KK e LL;
38. “56 - A progenitora manteve relações intimas com o marido sem o necessário resguardo dos três menores, filhos e enteado”, com base no teor do documento 18 junto com o primeiro articulado superveniente apresentado nos autos principais, correspondendo às mensagens trocadas entre a menor primogénita e o enteado da progenitora, com o perfil registado com o nome JJ associado ao número ...72 de que é titular, quando o mesmo afirma que estava a espera que o pai e a madrasta adormecessem para ir fumar porque estavam a “dar uma queca”;
39. “63 - A menor primogénita tem frequentado desde data não concretamente determinada e até à actualidade o Parque ... em ..., conhecido como ... nas imediações do Liceu ... por diversas vezes com outros menores onde aí fumaram droga, tendo a progenitora disso conhecimento”;
40. “64 - Durante o mês de Fevereiro de 2024, a menor primogénita foi avistada no referido local a fumar droga com outros menores, tendo a progenitora disso conhecimento”;
41. Sendo tais factos (63 e 64) corroborados pelo teor das declarações da progenitora em sede de conferência (confrontar gravação 20240311114922_3640618_2871944: 14:27 a 14:33, 15:48 a 16:07 e 16:51 a 18:42), quando a mesma na sequência da resposta do requerente ao requerimento ditado pelo seu Ilustre Mandatário em que identificou a pessoa que vira a menor primogénita a fumar droga, a mesma afirmou “a MM estava a fumar tabaco nesse dia” e a seguir confirmou que era habitual a menor frequentar o Café da.... Ora, a primeira afirmação comprova que a progenitora sabia que a menor primogénita fora vista a fumar droga no dia em questão desde logo porque conhece a pessoa que a viu, por ser filha da sua antiga empregada e por isso lhe veio ao conhecimento pela própria menor primogénita, e que fez tal afirmação no intuito de desvalorizar a credibilidade da mesma.
Pois se não fosse verdade, não teria lançado uma afirmação com a espontaneidade com que o fez com o propósito de apontar à referida pessoa, maior de idade, um comportamento suspeito semelhante à da menor primogénita. Por outro lado, quanto à segunda afirmação, e como bem frisou o Tribunal a quo, o local em questão é notoriamente conhecido como sendo onde os jovens se reúnem em ... para consumir droga. Ora, não obstante a negação da menor primogénita quanto ao consumo de droga juntamente com o namorado e outros menores, o certo é que de acordo com as regras da experiência e da normalidade, sabendo a mesma que os presentes autos correm termos entre outros por essa razão, é obvio que a mesma ali não se deslocaria se não fosse para esse mesmo efeito, sendo certo que probatoriamente está comprovado que a menor tem consumido droga juntamente com o namorado que a incentivou e outros menores. E quanto à progenitora, é obvio que, pelo conhecimento funcional inerente ao exercício das suas funções profissionais, sabe que a menor primogénita continua a consumir droga, pois se assim não fosse jamais permitiria que a mesma frequentasse um local conhecido como sendo onde os jovens se reúnem para tal finalidade;
42. “65 - A progenitora logrou incutir na menor primogénita que perdeu o pai, tendo sido substituído pelo seu marido, aniquilando desta forma as referências familiares da mesma”, com base no teor do documento 20 junto com o primeiro articulado superveniente apresentado nos autos principais, correspondendo às mensagens trocadas entre a menor primogénita e o namorado através da rede social denominada Instagram; e pelo teor das declarações prestadas pela progenitora quando após ser questionada sobre quem costumava ir buscar a menor primogénita afirmou que era o pai referindo-se ao marido (confrontar gravação 20240311112819_3640618_2871944: 4:20 a 4:26);
43. “68 - A postura desculpabilizadora adoptada pela progenitora é prejudicial para a menor primogénita e reforçadora até de alguns comportamentos excessivos que a colocam em perigo ao nível da saúde, formação e desenvolvimento integral”;
44. “69 - A menor tem-se aliado à progenitora tirando proveito do conflito filio-parental e que eliminar esse padrão de funcionamento é condição imprescindível para ultrapassar os comportamentos desajustados e prejudiciais já identificados”;
45. “70 - É necessária a procura activa de soluções urgentes para minimizar os comportamentos disruptivos, não sendo expectáveis mudanças radicais num curto espaço de tempo”;
46. Sendo tais factos (68 a 70) corroborados pelo teor do relatório social de avaliação diagnostica;
47. “71 - A menor primogénita está ciente que o requerente tem exercido a sua responsabilidade parental para a proteger”, com base no teor do documento 4 junto com o articulado do contraditório apresentado nos autos principais, correspondendo às mensagens trocadas entre a menor primogénita e uma amiga através da rede social denominada Instagram.
48. Por outro lado, e face às declarações prestadas pelo menor cadete em sede de audição (confrontar referência 95851347), o Tribunal a quo deveria ainda ter dado como indiciariamente provado os seguintes factos:
49. 1 - A menor primogénita recusa-se a voltar para casa do pai por não querer se submeter à imposição de regras educacionais que visam sobretudo evitar o consumo de droga e de álcool (confrontar gravação 20240708115514_3640618_2871944: 7:28 a 10:00);
50. 2 - A progenitora não deixa a menor primogénita aproximar-se do pai (confrontar gravação 20240708115514_3640618_2871944: 14:00 a 14:32);
51. 3 - A progenitora não deixou a menor primogénita ira a casa do pai no dia do falecimento do avô paterno (confrontar gravação 20240708150606_3640618_2871944: 2:06 a 2:57);
52. 4 - No dia 14 de Abril de 2024 no interior da habitação da progenitora e na sua presença assim como da menor primogénita, o seu namorado expressou ao menor cadete “a tua irmã é uma vadia”, limitando-se a progenitora a responder “não se diz isso à frente da criança” (confrontar gravação 20240708150606_3640618_2871944: 0:05 a 1:56).
53. Ora, a factualidade indiciariamente provada assim densificada demonstra uma gravidade que a genérica referência efectuada pelo Tribunal a quo diluiu para obstar a tomar uma posição que até ao longo de 14 meses nunca tomou neste processo, nos autos principais e restantes apensos.
54. A intervenção para a promoção dos direitos dos menores em perigo só é legítima quando os pais ou quem tenha a sua guarda de facto, neste caso a progenitora, puserem em situação de perigo actual a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento.
55. Para a aferição da subsistência da actualidade do perigo basta desde logo o historial da situação e a prognose de que os comportamentos desviantes da menor primogénita e a postura da progenitora não se inverteram nem existe a probabilidade de se vir a inverter num futuro próximo, o que se verifica pelos factos indiciariamente provados supra enumerados.
56. E não obstante, nada tem sido decidido pelo Tribunal a quo em tempo útil num processo considerado legalmente urgente, quando demora quase 3 meses para assegurar a apresentação do relatório social de avaliação diagnostica, mais quase 3 meses para efectivar a primeira conferência, e mais de 1 mês para se pronunciar sobre o requerimento de aplicação de medida cautelar, em suma mais de 13 meses para encerrar a instrução, pelo que escudar-se na falta de actualidade do perigo não passa de uma forma enviesada de afastar os pressupostos das normas legais aplicáveis e de sustentar erradamente a erradicação de um perigo que persiste e se agrava.
57. Aliás, em vez de o Tribunal a quo ter exercido na plenitude a sua função jurisdicional, afastando desde logo o perigo a que estão sujeitos os menores, levou-se por uma tramitação anómala que só veio exponenciar a gravidade da situação e fragilizar a sua resolução.
58. E a actuação do Tribunal a quo não pode deixar de causar indignação na administração da justiça no âmbito deste processo no seu conjunto, principal e apensos, quando no âmbito do Apenso E em pouco mais de 24 horas decidiu autorizar uma menor ““em declínio progressivo do quadro clinico” com historial de consumo de drogas e de álcool e de relacionamentos tóxicos e obscenos, a ausentar-se do território nacional durante um mês sem supervisão parental, psicológica nem pedopsiquiátrica, e nenhuma decisão tomou, nem a titulo cautelar, em sede de promoção e protecção que o próprio instaurou durante mais de um ano.
59. E afirmar que inexiste perigo actual a acautelar porque a menor tem acompanhamento pedopsiquiátrico e psicológico, e que por isso estão satisfeitas as suas necessidades recebendo todos os cuidados adequados, é no mínimo um argumento simplista que não a afasta dos comportamentos desviantes nem os impede.
60. Em jeito de conclusão sempre se poderá afirmar que este processo no seu conjunto merece figurar nos anais jurídicos como o exemplo da desconsideração da justiça pela vida de dois menores, e da sua incapacidade em tomar uma única decisão que seja para evitar danos irreversíveis que devia e podia ter evitado, acautelando o seu superior interesse.
61. E para além de o Tribunal a quo nada ter feito para salvaguardar dois menores, ainda lançou a confusão nas suas vidas, quando podia e devia ter resolvido a situação nos autos principais num prazo razoável, o que nem isso fez relativamente ao menor cadete, que viu o seu estado emocional piorar ao longo dos meses, estando ainda a aguardar que o Tribunal a quo se digne proferir uma decisão provisória e cautelar.
62. E quanto à menor primogénita, andou o Tribunal a quo com um processo de promoção e protecção durante mais de um ano, que com ele nada promoveu nem protegeu, piorando a situação da mesma, acabando por determinar o arquivamento, quando ainda tem pendente uma decisão do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra por cumprir.
63. E pior ainda, o Tribunal a quo veio determinar o arquivamento de um processo de promoção e protecção supostamente por a menor primogénita beneficiar de apoio psicológico e pedopsiquiatra quando nunca pediu sequer uma informação clinica actualizada sendo certo que da informação constante dos autos a mesma apresenta um declínio do quadro clinico e cujo acompanhamento clinico nem sempre tem sido cumprido.
64. Mas péssimo mesmo é o Tribunal a quo determinar o arquivamento de um processo de promoção e protecção com base na adaptação positiva da menor primogénita no agregado familiar materno quando ouviu da boca do próprio menor cadete durante a sua audição que a irmã é apelidada de vadia pelo namorado na presença da mãe e no interior da sua habitação, não se olvidando a conduta permissiva da progenitora relativamente ao historial de consumo de drogas e de álcool e de relacionamentos tóxicos e obscenos.
65. Enfim, não obstante duas decisões anuladas pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, o Tribunal a quo continua a navegar no mesmo limbo processual aguardando seguramente a subida de outros recursos até que pelo menos a menor primogénita atinja a maioridade, faltando nesta data 1 ano e 10 meses para arquivar o processo.
66. Por conseguinte, violou o Tribunal a quo o disposto no artigo 6º-1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, nos artigos 20º-1 e 202º-1 e 2 da Constituição da República, no artigo 8º-1 do Código Civil, nos artigos3º-3, 6º-1, 152º-1, 195º-1 e 607º-3 e 4 do Código de Processo Civil e nos artigos 34º/a e /b, 110º-1/c, 111º a contrario e 114º-1 da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo.”.
“1 – O Tribunal de tudo fez para que a tramitação do processo decorresse de forma célere e usou a tramitação que se impunha no caso concreto de modo a poder acautelar qualquer situação de perigo a que a jovem estivesse sujeita, tratando-se os presentes autos de um processo de jurisdição voluntária, que não está sujeito a critérios de legalidade estrita e cujas resoluções são proferidas segundo critérios de conveniência ou oportunidade.
2 – Se o processo não teve uma tramitação mais célere, tal não se deveu a incúria do Tribunal mas sim porque o aqui recorrente repetidamente fez chegar a estes autos e aos demais apensos (que também têm de ser tramitados) variadíssimos requerimentos, articulados supervenientes e recursos, que determinaram uma tramitação muito mais difícil, com notificações, prazos para o exercício do contraditório e para contra-alegações.
3 – O progenitor apresentou, ainda, no inicio e no decurso das diligências, requerimentos que obrigavam ao cumprimento do contraditório e o arrastar das diligências e, no decurso das mesmas e por várias vezes, os Ilustres Mandatários do progenitor aqui recorrente, solicitavam tempo para se ausentarem e conversarem com o mesmo, o que sempre lhes foi concedido, prolongando ainda mais as diligências durante horas ou mesmo dias.
4 – O Tribunal fez o que era suposto fazer no âmbito de um Processo de Promoção e Proteção, tendo logo na primeira diligência, tentado um consenso, ainda mais após a audição do Pedopsiquiatra e da Psicóloga que acompanham há anos a AA e que foram escolhidos pelos dois progenitores, de onde resultou que a AA estava a ser e devia manter tal acompanhamento, sendo opinião dos profissionais que a única solução passaria sempre por um trabalho conjunto envolvendo ambos os progenitores e a jovem, num processo de mediação familiar, que a Psicóloga disponibilizou-se logo a fazer, mas o pai não aproveitou.
5 – As situações que determinaram, segundo o aqui recorrente, a propositura de uma ação em Tribunal, que deu origem aos presentes autos, já não se verificam, em absoluto, pelo menos, desde este último verão.
6 - Após a progenitora ter tomado medidas para que tais situações não ocorressem, passando a restringir e a supervisionar de forma mais incisiva as saídas da filha e ter, no imediato reiniciado as consultas de Pedopsiquiatria e Psicologia, que se mantêm, neste ultimo verão, a jovem deixou o namorado, que era quem, segundo o pai, incentivava a AA a ter os comportamentos perniciosos ao seu saudável desenvolvimento.
7 - Se, após a primeira conferência em que foram ouvidos os progenitores, o Pedopsiquiatra e a Psicóloga da AA, os progenitores tivessem aproveitado a disponibilidade demonstrada por estes dois profissionais da confiança de ambos, sobretudo da Psicóloga da AA, para desbloquear, através da mediação, a situação de recusa da AA em ter contatos com o pai, o processo terminaria rapidamente e sem provocar mais danos no desenvolvimento saudável da AA e também do seu irmão, pois este, que se encontrava perfeitamente bem aquando do inicio deste processo, mantendo contactos com ambos os progenitores, veio a desenvolver, após as férias do ultimo verão em que passou com o progenitor, uma recusa em ter convívios com a mãe.
8 – A decisão judicial recorrida está devidamente fundamentada e é a que se impõe atenta a factualidade apurada nos autos, de onde se retira que, neste momento, a jovem AA não se encontra numa situação de perigo, como atesta o Parecer da Técnica da EMAT, que no seu relatório concluiu que “(…) a aplicação de uma medida de promoção e proteção não trará mais benefícios à jovem AA do que aqueles que ela já beneficia” e também as declarações prestadas neste Tribunal pelos especialistas que acompanham a jovem AA, o seu Pedopsiquiatra e a sua Psicóloga;
9 – Não podemos deixar de concluir de forma clara que a jovem AA não se encontra numa situação de perigo atual, não existindo qualquer prova nos autos que a mesma bebeu álcool, fumou drogas ou manteve relações sexuais, pelo menos, desde agosto de 2024, altura em que deixou o namorado, pelo que, sem mais delongas e sem necessidade de mais diligências e o arrastamento nefasto do processo de promoção e proteção que, a manter-se, em vez de proteger causará mais danos à jovem, bem andou a Mm.ª Juiz ao determinar o arquivamento dos autos, respeitando os princípios da proporcionalidade, da atualidade, do interesse superior da jovem e da intervenção mínima.
10 – o Tribunal a quo não violou qualquer disposição legal, nomeadamente os art.ºs 60, n.º 1 a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, nem qualquer artigo da Constituição da Republica, do Código Civil ou do Código do Processo Civil, nem qualquer artigo da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, uma vez que a jovem não se encontra atualmente numa situação de perigo, a determinar a aplicação de uma medida de promoção e proteção, pois já existem elementos suficientes nos autos que o permitam concluir, atentas as declarações, informações/relatórios do Pedopsiquiatra, da Psicóloga e da Técnica da EMAT;
11 – a violação da Lei ocorreria caso o Tribunal procedesse à aplicação da medida de apoio junto do progenitor, como o mesmo pretende, pois se o fizesse, tendo em conta a violência e trauma causada por uma retirada forçada da jovem à sua mãe, com os problemas de saúde que a mesma apresenta e a sua entrega ao seu progenitor, contra a sua vontade e contra a opinião dos especialistas que a acompanham, em Pedopsiquiatria e em Psicologia e pela Técnica da EMAT, seria o Tribunal que estaria a pôr em causa e de forma grave o bem estar físico, psíquico e emocional da AA, colocando-a numa situação de perigo eminente para a sua saúde e até a sua própria vida, violando os Princípios do Interesse Superior da Jovem (de continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas com a mãe), da Privacidade (respeito pela sua intimidade, direito à imagem e reserva da sua vida privada), da Intervenção Mínima (intervenção indispensável à sua proteção em caso de perigo), do Primado da Continuidade das Relações Psicológicas Profundas (preservação das relações afetivas estruturantes e a continuidade de uma vinculação securizante); da Participação da jovem (na definição das decisões sobre a mesma) e da Subsidiariedade (intervenção dos Tribunais apenas em ultima instância)
12 – Assim sendo, deverá ser confirmada a douta decisão proferida pela Mm.ª Juiz, determinando-se o arquivamento dos autos, pois não verificam os pressupostos para a aplicação de qualquer medida de promoção e proteção, uma vez que a jovem AA não se encontra numa situação de perigo, pelo que, o recurso não merece provimento, desse modo se fazendo JUSTIÇA.”.
- Nulidade da decisão recorrida;
- Alteração da matéria de facto dada como provada, caso se considere que o despacho impugnado não padece de nulidade.
2.1. Factos provados.
Com interesse para a apreciação do presente recurso, importa considerar a tramitação processual que vem descrita no relatório antecedente.
Sustenta o apelante nas conclusões supra referidas – as quais, nos termos previstos no art. 639º, nº1, do C.P.C., delimitam o objecto do recurso – que a decisão proferida pelo Tribunal a quo padece de nulidade, em virtude de ter sido violado o princípio do contraditório e atenta a circunstância de não ter sido enumerada ou especificada a matéria de facto que o Tribunal recorrido considerou provada, incluindo a deduzida em articulados supervenientes.
Relativamente ao primeiro aspecto suscitado em sede de alegações, defende o recorrente que deveria ter sido notificado de promoções exaradas pelo Ministério Público, em obediência ao regime previsto no no art. 3º, nº3, do C.P.C. [2].
A tese defendida pelo apelante, salvo melhor opinião, carece de fundamento legal, uma vez que o despacho colocado em crise foi proferido ao abrigo da norma estabelecida no art. 110º, nº1, alínea a), da LPCJP [3], a qual não exige que se proceda à notificação em causa [4].
Embora não tenha sido violado o princípio do contraditório, já se afigura, também sem prejuízo de melhor entendimento, que a decisão recorrida é nula em virtude de não ter sido enumerado/especificado o acervo factual considerado provado e não provado, enumeração que não, dispensa, de acordo com o quadro legal vigente, a indicação, de forma crítica, dos elementos probatórios que foram relevantes ou decisivos para formar a convicção do julgador.
A este propósito, importa levar em consideração o disposto no art. 607º, nºs 2, 3 e 4, do C.P.C., norma que apresenta a seguinte redacção:
“2 - A sentença começa por identificar as partes e o objeto do litígio, enunciando, de seguida, as questões que ao tribunal cumpre solucionar.
3 - Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
4 - Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.” [5].
A consequência para a inobservância da norma em apreço é nulidade da correspondente peça processual, atento a disposição inserida no art. 615º, nº1, alínea b), do C.P.C. [6].
Pelas razões indicadas, procede o recurso em análise, devendo proferir-se decisão em conformidade.
Pelo exposto, decide-se julgar a apelação procedente e, em consequência, anular a decisão recorrida, devendo a 1ª instância proferir nova decisão em que especifique os factos provados e não provados e os elementos probatórios que os sustentam.
Sem custas.
(assinado digitalmente)
Luís Manuel de Carvalho Ricardo
(relator)
Cristina Neves
(1ª adjunta)
Luis Miguel Caldas
(2º adjunto)
(...).
[1] Processo de promoção e protecção que corre termos sob o nº926/23.... no Juízo de Família e Menores de Lamego.
[2] Dispõe o art. 3º, nº3, do C.P.C. que “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.”.
[3] Art. 110º, nº1, alínea a), da LPCJP: “O juiz, ouvido o Ministério Público, declara encerrada a instrução e:
a) Decide o arquivamento do processo;”.
[4] Como se salientou no Acórdão da Relação de Évora de (Aresto disponível em https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/3273445ba46b4781802588e50031c903?OpenDocument) “A lei impõe apenas a audição do Ministério Público.”.
[5] O sublinhado é nosso.
[6] Art. 615º, nº1, alínea b), do C.P.C.. “É nula a sentença quando: (…) b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;”.