A questão a decidir começa por ser factual e passa por julgar a divergência quanto à valoração da prova, indagando sobre sinais de comunhão de vida.
Depois, juridicamente, verificar que a separação de facto não tem um ano consecutivo e que a rutura definitiva do casamento não é clara à data da petição, como apresentada.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
AA intentou ação de divórcio contra BB, alegando, em síntese, que casaram no dia 2 de setembro de 1995; do referido casamento não existem filhos; encontram-se separados de facto desde janeiro de 2020; com a doença do Autor, a Ré alterou o seu comportamento, deixou de se preocupar com a saúde e bem-estar daquele, não confecionando as refeições para ambos e não cuidando da roupa dele, deixando de lhe dar atenção e carinho, passando a dormir separada, deixando de ter qualquer relacionamento íntimo e sexual; a Ré deixou também de comparticipar no pagamento das despesas domésticas e comuns do casal, pelo que não tinha o Autor intenção de manter o vínculo matrimonial ou restabelecer a vida em comum.
Falecido o Autor na pendência da causa, foram habilitados os seus filhos, CC e DD.
A Ré apresentou contestação, alegando, em síntese, que não existia uma separação desde o ano de 2020, pois os cônjuges viviam em comunhão em junho de 2022, data em que o Autor regressou a Portugal, por causa da sua reforma, sendo que a Ré teria permanecer na Suíça mais quatro anos, até 26/5/2026, quando perfará 64 anos.
Por sentença proferida a 29 de agosto de 2024 foi a ação considerada improcedente e a Ré absolvida do pedido.
3º Devia ter sido considerado demonstrado porque alegado na PI, e resultar das declarações de parte prestadas pela Ré BB, gravado em suporte digital em uso neste tribunal entre as 10 : 03 e as 10: 57 no dia 7 de Março de 2024 gravadas em suporte digital em uso neste tribunal, entre os 30 ,01 min e os 31, 37 min, entre os 42, 25 min e os 42, 35 min, entre os 46, 09 min e os 46, 20 min entre os 46, 25 min e os 46, 38 min , entre os 46, 59 min e os 47, 11 min, entre os 47, 45 min e os 48, 20 min , entre os 49,40 min e os 50 min, e entre os 52, 50 min e os 53, 12 min que, desde 2021, a qual referiu era vontade do Autor e também sua divorciarem-se amigavelmente, só não tendo ocorrido tal divorcio porque a ré discordava da partilha dos bens,
4º E ainda referiu entre os 49, 40 min e os 50, 14min desse seu depoimento que pouco tempo antes de sair definitivamente da Suíça para Portugal, o autor enervado deu um muro na mesa e disse que queria o divorcio, tendo apenas acrescentado a ré em defesa da sua tese que ainda assim não assinaram papel nenhum nem nada,
5º Por resultar ainda da circunstância do o autor ter intentado a presente acção de divorcio em 06.06.2022, tendo outorgado ainda a 23.04.2022 procuração para esse efeito, e não tendo dela desistido até à data do seu óbito.
6º Bem como dos depoimentos de EE, gravados em suporte digital em uso neste tribunal, prestado a 7.03.2024 entre as 12:16 - 12:27, o qual ouvido entre os 3 min e os 3, 51 min, entre os 5min e os 6,15min referiu que o autor AA lhe disse em 2020, que se iria divorciar, e que a esposa no ano de 2021, veio sozinha a Portugal e que antes de regressar a Suíça lhe entregou, para por sua vez entregar aquele, as chaves da habitação do casal sita na ....
7º E do depoimento do FF gravado em suporte digital em uso neste tribunal, prestado igualmente nesse dia 7: 03: 2024, mas entre as 12:01 - 12:14, o qual referiu entre os 2,30 min e os 2, 38 min entre os 4, 50 min e os 6, 18 min entre os 6,50 min e os 8,38min entre os 8, 45 min e os 9,19 min que pouco antes da Pascoa do ano de 2020/2021, a Ré veio sozinha a Portugal e que lhe comunicou pessoalmente que se iria divorciar, sendo esta uma firma intenção sua, informação que o autor AA veio confirmar quando o mesmo veio sozinho a Portugal passado dois meses,
8º Devia ter sido demonstrado que «A rutura conjugal é definitiva, não existindo, por parte do Autor, o propósito de a restabelecer»» e ainda que «pelo menos desde Junho de 2022 e até ao falecimento do auto AA, autora e reu viviam separadamente, não partilhando mesa, leito, habitação, preocupações». Sem conceder
9º Porque relevante para a boa decisão da causa, porque correspondem a factos que completam o inicialmente alegado, porque foi junto com o requerimento com a refª. 48018895 de 19.02.2024 uma citação do autor acompanhada de um requerimento inicial apresentado pela re a 4 de Novembro de 2021 no sentido de aquele comparecer no Tribunal Distrital Palais de Court de Montbenon no dia 20.12.2021 pelas 15h30 numa tentativa de conciliação por forma a que a separação de facto, porque foi junto pela Ré por requerimento com a refª nº 48139371 de 29.02.2024 a sentença estrangeira que declarou a separação de facto entre os cônjuges e a obrigação do autor AA abandonar até dia 1 de Junho de 2022,
10º Deveria ter sido considerado demonstrado que Autor e ré se encontravam judicialmente separados por decisão proferida a 11 de Março de 2022 pelo Tribunal Distrital Palias de Court de Montbenon, na sequência de requerimento proposto pela Ré a 4 de Novembro de 2021. Sem prescindir
11º Porque resulta inequivocamente do documento junto pelo autor com o seu requerimento refª 47814983 de 30 de janeiro de 2024 correspondente a uma declaração de advogado segundo a qual no dia 24.03.2021, a ré esteve no seu escritório no sentido de obter aconselhamento jurídico para obter divorcio por mutuo consentimento ou divorcio litigioso contra o autor,
12º Porque resulta do depoimento gravado em suporte digital em uso neste tribunal, da testemunha EE prestado a 7.03.2024 entre as 12:16 - 12:27, o qual ouvido entre os 3,min e os 3, 51 min , entre os 5min e os 6,15min referiu que o autor AA lhe disse em 2020, que se iria divorciar , e que a esposa no ano de 2021 , veio sozinha a Portugal e que antes de regressar a Suíça lhe entregou, para por sua vez entregar aquele, as chaves da habitação do casal sita na ...
13º Porque resulta do depoimento do FF prestado igualmente nesse dia 7: 03: 2024 entre as 12:01 - 12:14, depoimento gravado em suporte digital em uso neste tribunal, o qual referiu entre os 2,30 min e os 2, 38 min entre os 4, 50 min e os 6, 18 min entre os 6,50 min e os 8,38min entre os 8, 45 min e os 9,19 min que pouco antes da Pascoa do ano de 2020/2021 , a Ré veio sozinha a Portugal e que lhe comunicou pessoalmente que se iria divorciar, sendo esta uma firma intenção sua, informação que o autor AA veio confirmar quando o mesmo veio sozinho a Portugal passado dois meses.
14º Porque resulta das declarações de parte da Ré prestadas pela entre as 10 : 03 e as 10: 57 no dia 7 de Março de 2024 gravadas em suporte digital em uso neste tribunal , entre os 30 ,01 min e os 31, 37 min, entre os 42, 25 min e os 42, 35 min, entre os 46, 09 min e os 46, 20 min entre os 46, 25 min e os 46, 38 min , entre os 46, 59 min e os 47, 11 min, entre os 47, 45 min e os 48, 20 min , entre os 49,40 min e os 50 min, e entre os 52, 50 min e os 53, 12 min que desde 2021 , era vontade do Autor e também da ré divorciarem-se amigavelmente, só não tendo ocorrido tal divorcio porque a ré discordava da partilha dos bens.
15º Porque resulta ainda de forma inequívoca do documento junto pela autora habilitada por requerimento com a refª 48018895 de 19.02.2024 correspondente a uma citação do autor AA acompanhada de um requerimento inicial apresentado pela re no Tribunal da Suíça a 4 de Novembro de 2021, complementado com a sentença complementada pela sentença junta pela re através do seu requerimento com a refª nº 48139371 de 29.02.2024,
16º Deveria ter sido nos termos do artº 5º nº 2 al. B) do CPC considerado demonstrado que «pelo menos desde 2020/2021 era vontade de ambos os cônjuges divorciarem-se, sendo irreversível a vontade de não restabelecer a vida em comum»
17º Tendo presente a materialidade considerada demonstrada e aquela que não deixará de o ser, tendo presente ainda que o autor e Ré se encontravam judicialmente separados desde 11 de Março de 2022, e encontravam-se separados de facto desde 10 de Junho de 2022, tendo deixada de existir casa de morada de família desde então
18º Tendo cada um deles manifestado desde 2021 e até ao decesso do autor em 21 de Dezembro de 2021, vontade de divorciarem-se e de não mais restabelecer a vida em comum, verificando-se de facto a rutura da vida conjugal,
19º Deveria ter sido decretado, e deverá ser decretado o divorcio entre os cônjuges por força do disposto no artº 1781 al. D), 1676º e 1673 ambos do CC.
A legitimidade da Recorrente;
A reapreciação da matéria de facto impugnada;
A rutura definitiva do casamento.
Habilitada que estava, a mesma podia recorrer sem estar acompanhada do irmão.
Quanto a esta solução, remetemos para o decidido por esta secção, no acórdão de 16.12.2015, proc. 29/11, em www.dgsi.pt.
A Recorrente não respeita integralmente o disposto no art.640, nº 1, a) e c), do Código de Processo Civil, não sendo clara quanto aos factos mal julgados.
De qualquer maneira, por serem relativos a factos instrumentais, que poderão ser aditados ou não, retira-se um sentido útil à impugnação.
Aquela invoca as declarações da Ré, de EE e de FF.
A prova disponível, a reconsiderar, está sujeita à livre apreciação do julgador.
Na reapreciação dos factos, o Tribunal da Relação altera a decisão proferida sobre a matéria de facto se a prova produzida, reapreciada a pedido dos interessados, impuser decisão diversa (art.662, nº1, do Código de Processo Civil).
Este tribunal forma a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos impugnados.
Lembremos que a aplicação do regime processual em sede de modificação da decisão da matéria de facto conta necessariamente com a circunstância de que existem fatores ligados aos depoimentos que, sendo passíveis de influir na formação da convicção, não passam nem para a gravação nem para a respectiva transcrição. É a imediação da prova que permite detetar diferenças entre os depoimentos, tornando possível perceber a sua maior ou menor credibilidade.
Vejamos:
Os testemunhos de EE e FF servem para certificar que houve manifestações de vontade para o divórcio.
E, conforme as declarações da Ré, principal fonte de prova, como o admite a Recorrente, sem que haja razões sérias para as colocar em causa, adquirimos:
O divórcio amigável, em 2021, chegou a ser vontade dos cônjuges. Porém, tal ideia não foi concretizada e eles mantiveram-se a viver juntos, como até aí, até 10.6.2022.
Apesar de manifestações de vontade, especialmente do falecido, este apenas em junho de 2022 sai de casa, porque se reformou e voltou para Portugal, e deixa de viver com a Ré.
A doença do falecido alterou o comportamento deste, não o da Ré (vários testemunhos asseguram isto e que a Ré era submissa), mas, pelo menos, foi de sua conveniência manter-se a ser apoiado por ela, a viver com ela, como o fazia antes.
Já antes o falecido era autoritário e verbalmente rude para com a Ré e, com dias piores, chegou a manifestar vontade de se divorciar. Porém, numa posição que nos parece dúbia, mantinha a relação do dia a dia como até aí, sendo ainda certo que o relacionamento tinha dificuldades. Aventamos a hipótese, mas como mera dúvida, de que, só com o distanciamento físico posterior a junho de 2022, o falecido poderá ter consolidado a ideia de realmente se divorciar.
Apesar das consultas de 2021 e do acordo homologado na Suíça em 11.3.2022, os cônjuges terão feito as pazes (declarações da Ré), continuado a viver como até aí, só saindo o falecido em junho porque se reformou. A aparência de vida comum suporta as declarações da Ré.
Ou porque antes não foi claro para com a Ré ou porque a distância física posterior a junho de 2022 o ajudou, a sua atitude parece seguir um caminho diferente apenas depois daquela data.
Note-se que o falecido não revoga o testamento que fez antes a favor da Ré.
Em conclusão, neste contexto, a nossa convicção manifesta-se no mesmo sentido do decidido, com os seguintes esclarecimentos:
A vontade de divórcio antes manifestada (anterior a junho de 2022) não teve correspondência numa alteração da vida do dia a dia dos cônjuges, sendo correta a decisão recorrida quando afirma que não se provam os factos A) a G) dos não provados;
Depois de junho de 2022, durante 6 meses, até ao falecimento do Autor, os cônjuges apenas mantiveram contatos telefónicos;
Apesar do declarado no processo suíço, os cônjuges mantiveram a vida em comum até 10.6.2022.
Autor e Ré contraíram casamento católico, sem convenção antenupcial, no regime de comunhão de adquiridos, em 02 de setembro de 1995.
2) Deste casamento não nasceram filhos.
3) O Autor sofreu um enfarte do miocárdio em 6 de janeiro 2013.
4) Em 23 de setembro de 2019 foi diagnosticado ao Autor um adenocarcinoma do apêndice.
5) Com o aparecimento desta doença o Autor foi sujeito a diversos tratamentos de saúde do foro oncológico que lhe provocaram grande sofrimento físico e psicológico.
6) Desde pelo menos o ano de 1997/1998 que o Autor nunca foi visitado pelo filho.
7) O Autor via a filha e o neto nas férias de Verão em ... com quem sempre teve boas relações.
8) Até ao dia 10 de Junho de 2022 era a Ré quem confecionava as refeições, quem
cuidava da roupa e quem limpava a casa.
9) O Autor pretendia regressar a Portugal – ... – na hora da reforma estimada para 4 de junho de 2022, quando faria 65 anos.
10) A Ré teria que ficar na Suíça mais cerca de quatro anos – até 26/5/2026 – quando fizer 64 anos.
11) O Autor obteve a reforma em 4 de junho de 2022.
12) Saiu da casa do casal na Suíça no dia 10 de junho de 2022.
13) No dia 8 de Junho de 2022, a Ré ainda acompanhou o Autor ao médico – consulta de oncologia- em Lausanne.
14) No dia 30 de setembro de 2013, no Cartório Notarial ..., o Autor fez testamento a favor da Ré esposa, deixando-lhe por conta da quota disponível o usufruto vitalício de todos os seus bens, deixando à filha CC o remanescente da mesma quota.
15) O Autor faleceu em 21de dezembro de 2022.
16) A presente acção deu entrada em 06 de junho de2022.
A separação, só posterior à petição, teve 6 meses.
Se é possível, mas não provado, que o falecido, após a vinda para Portugal, tivesse firmado (até pelo hábito) a certeza da rutura (os contatos passaram a ser apenas telefónicos), isso só ocorre em momento posterior a junho de 2022, não tendo sido esse o fundamento do divórcio.
Factos essenciais posteriores a junho de 2022 não foram alegados.
A rutura invocada na petição é a que decorre da separação alegada – desde janeiro de 2020, mas não provada.
O facto rutura, proposto na conclusão 8 do recurso, é conclusivo e deveria resultar de factos graves que a expressassem. Estes factos (graves) são essenciais e necessitam de alegação, em momento próprio.
Não foi o que se passou depois de junho de 2022 que alguma vez foi invocado pelo Autor no processo.
Julga-se o recurso improcedente e confirma-se a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente, vencida (art.527º, nº 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
Coimbra, 2025-02-25
(Fonte Ramos)
(Carlos Moreira)