IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CONTRATO DE SEGURO DEFICIÊNCIA DE ACONDICIONAMENTO DA CARGA
DIREITO DE REGRESSO DA SEGURADORA CONTRA O SEGURADO
CULPA PRESUMIDA
Sumário

I - A censura sobre a convicção do julgador em sede de apreciação da prova, apenas pode ser concedida – máxime perante prova pessoal e considerando os benefícios da imediação e da oralidade – se tal convicção se revelar manifestamente desconforme à prova invocada, e, assim, os meios probatórios aduzidos pelo recorrente e a exegese deles operada não apenas sugiram, mas antes imponham tal censura – artº 640ºdo CPC.
II - O artº artº 27º nº1 al. e), do DL n.º 291/2007, de 21.08, consagra o direito de regresso da seguradora «Contra o responsável civil por danos causados a terceiros em virtude de queda de carga decorrente de deficiência de acondicionamento;».
III - Tal direito assume-se como direito autónomo, por reporte ao direito do lesado, nasce ex novo com o pagamento da indemnização a este, e tem a sua génese e fundamento, não na responsabilidade aquiliana do lesante, a qual, em princípio, deve estar já determinada, mas na responsabilidade oriunda do contrato de seguro com este firmado.
IV - Por conseguinte, para obter ganho de causa, a seguradora, que pagou, tem de fazer prova da verificação dos requisitos previstos do aludido artº 27º, vg. o da sua al. e).
V - A responsabilidade do lesante tanto pode ser subjetiva – com culpa provada: artº 483ºnº1, 487º e 342º nº1 do CC, ou com culpa presumida: artº 503º nº3 do CC - , como objetiva, pelo risco: artº 503º nº1 do CC; sendo que esta apenas emerge se aquela não se provar, e se o lesado a admitir.
VI - A deficiência de acondicionamento que provoca a queda da carga, a que alude o citado segmento normativo, não se reporta apenas ao incorreto acondicionamento da carga em si mesma, - vg. por altura exagerada: artº 56º nº3 al. i) do CE - , mas antes abrange toda a má atuação que possa, direta ou indiretamente, provocar tal queda; como, vg., o não acionamento dos sistemas de segurança do fecho dos taipais, o que provocou a abertura destes, e originou a queda da carga.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Relator: Carlos Moreira
Adjuntos: Luís Cravo
    Fernando Monteiro

ACORDAM OS JUIZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

A..., S.A., intentou contra  B..., LDA e AA, todos com os siais dos autos, a presente ação declarativa, de condenação, com  processo comum.

Pediu:

Que sejam os réus solidariamente condenados no pagamento à autora da quantia de € 16.597,19, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento, com todas as consequências legais.

Para tanto, alegou, em síntese:

No dia 19 de Dezembro de 2018, AA, segundo réu e sócio-gerente da primeira ré, conduzia o veículo constituído pelo trator pesado de mercadorias de matrícula ..-AZ-.., e o semi-reboque, de matrícula L-......, no IP3, sentido Viseu-Coimbra, transportando uma carga de várias toneladas de cubos de granito.

Cerca das 21h00m, ao km 88,100 do IP3, na freguesia ..., concelho ..., o taipal do semi-reboque abriu-se e daí caíram cubos de granito, sendo que o condutor manteve o veículo em circulação com o taipal do semi-reboque aberto durante mais de 18 quilómetros, distância durante a qual foram caindo mais cubos para a faixa de rodagem, com maior incidência aos kms 83,500 e 77,500.

Mais alega que, por circularem nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar os veículos que identifica, vieram a colidir com os cubos caídos na faixa de rodagem provindos do AZ, sofrendo os danos que descreve, cuja reparação se cifrou nos valores que identifica.

Alega ainda que, por ter celebrado contrato de seguro com a primeira ré, pelo qual foi transferida para a autora a responsabilidade civil por danos causados a terceiros emergente da circulação do AZ, procedeu aos pagamentos aos veículos que vieram a embater com os cubos.

Termina alegando que a carga do AZ caiu na faixa de rodagem porque o taipal se encontrava mal fechado e de os paralelos se encontrarem mal acondicionados, tendo o carregamento sido realizado pelo segundo réu, razão pela qual são solidariamente responsáveis pelo reembolso das quantias despendidas pela autora.

Os réus contestaram.

Invocaram a prescrição do direito da autora.

Mais impugnaram os factos alegados pela autora, pugnando que o veículo não levava carga a mais e que a carga ia bem acondicionada, dando-se a abertura do taipal por causas desconhecidas.

2.

Prosseguiu a ação os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido:

«decide-se julgar a acção totalmente procedente e, em consequência, decidese CONDENAR solidariamente os réus B..., LDA. e AA no pagamento à autora A..., S.A. da quantia de € 16.597,19 dezasseis mil quinhentos e noventa e sete euros e dezanove cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos, desde a data da respectiva citação – 19/04/2023 – , e vincendos, ambos à taxa legal supletiva para os juros civis, no montante actual de 4%, até efectivo e integral pagamento.»

3.

Inconformados recorreram os réus.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

Considerou a douta sentença como factos provados que:

49. Os fechos e os reforços de fecho do taipal não se encontravam devidamente colocados/fechados o que ocasionou a abertura do taipal e a consequente queda da carga.

54. Quando o 2º Réu percebeu que o veículo que conduzia se encontrava a perder carga, parou o veículo, deslocou-se à parte de trás e constatou que as roscas do taipal não estavam fechadas, pelo que fechou o taipal, enroscou as roscas com chaves próprias e seguiu viagem, não tendo o taipal voltado a abrir.

Para tal apresentou a sua motivação baseada, em primeiro lugar no depoimento da testemunha BB e em segundo lugar no depoimento do 2º Réu (que estranhamente não entrou no seu quadro de convicção, embora o tenha tido em conta).

No que ao depoimento da testemunha BB diz respeito, exara a douta sentença na sua motivação que aquela disse expressamente que o 2º Réu não foi apertar o taipal, nem foi apertar nada e que a carga não foi pesada.

Ora, o que a testemunha disse expressamente foi: 

Meretíssima No fim do senhor carregar a carga o Sr. AA o que fez foi ir-se embora? Testemunha Sim. Meretíssima Não fez mais nada? Testemunha Não. Carregou… Meretíssima Então não foi apertar…apertar o taipal? Testemunha Não porque não era preciso…é que esses taipais, aquilo tem um engate…ele não era preciso ele fazer aquilo…aquilo não é de passar cordas nem cintas nem nada… Meretíssima O senhor tem a certeza que ele não foi apertar… Testemunha Não… Meretíssima Os fechos… Testemunha Os fechos já estavam fechados…o taipal já estava fechado.

 Na sequência do depoimento foram mostradas à testemunha as fotos de fls 48 a 49 onde a Meretíssima questionou:

Meretíssima O Sr. AA foi ou não apertar essas porcas? Testemunha Eh…as porcas? Não Meretíssima Ele não foi lá atrás apertar nada? Testemunha Ele não tinha que apertar, não era preciso apertar, elas já estavam fechadas…elas já estavam fechadas ele não foi apertar nada, elas já estavam fechadas não é? Porque se elas estivessem abertas eu ao botar a primeira pazada de paralelos no camião a porta abria-se logo, não é? Eu carreguei o camião e não se abriu porta nenhuma. (cfr. ver acta do dia 13.05.2024, das 16h04m às 16h28m, 5:41 a 23:47).

Daí que, não se pode afirmar – nem ao nível da convicção – que a testemunha disse que o 2º Réu não foi apertar o taipal, nem foi apertar nada.

Resulta indubitavelmente do depoimento da testemunha BB, devidamente contextualizado, que o 2º Réu não apertou os taipais porque já estavam apertados. Aliás, a testemunha diz textualmente que os fechos já estavam fechados, que o taipal já estava fechado.

Por outro lado, resulta claramente da motivação da douta sentença que as “(…) roscas não foram bem apertadas antes do início da carga, pois que, caso o tivessem sido ou não teria ocorrido a abertura do taipal ou, não obstante as mesmas terem sido apertadas, voltariam a abrir. O que o próprio réu assevera que após as ter enroscado devidamente, não voltou a ocorrer(…)”.

Isto é, dá como assente que como o taipal se abriu é porque as roscas não foram bem apertadas, logo a carga estava mal acondicionada.

Todavia, as causas que originaram a abertura do taipal não ficaram indubitavelmente apuradas (aliás, como muito bem declarou a douta sentença proferida no P. N. 5/19.... que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, Juízo de Competência Genérica de Santa Comba Dão – Juiz ... que concluiu “Por razões não apuradas, cerca das 21h00m, ao km 88,100 do IP3, o taipal do semirreboque abriu-se e daí caíram cubos de granito em número não apurado, para a faixa de rodagem que ocuparam cerca de 200 metros)”- cfr. doc. 1 junto com a contestação e 14 Ponto 52 da Fundamentação de Facto.

10ª

De facto, que o taipal se abriu não há dúvidas; que, quando se apercebeu da queda da carga o 2º Réu parou o veículo, deslocou-se à parte de trás e constatou que as roscas do taipal não estavam fechadas, pelo que fechou o taipal, enroscou as roscas com chaves próprias e seguiu viagem não tendo o taipal voltado a abrir, também não existem dúvidas.

11ª

Todavia, que as causas da abertura do taipal estejam apuradas tal não resulta da prova: foi o movimento do veículo? Foi defeito de material? Foi outra coisa qualquer? Não se sabe.

12ª

Daí que não se possa concluir como o fez a douta sentença que os fechos e os reforços de fecho do taipal não se encontravam devidamente colocados/fechados no sentido de que tal situação se deve a uma omissão de acção por parte do 2º Réu. O que deve ser modificado em conformidade.

13ª

 E tanto assim é que mesmo a douta sentença, implicitamente, ao fazer apelo ao disposto no artigo 503º nº 1 do Código Civil – presunção de culpa dos RR – considerou que os factos dados como provados não eram suficientes para responsabilizar aqueles.

14º

Acontece que o disposto no artigo 503º nº 1 do Código Civil não pode ser aplicável ao presente caso.

15º

O artigo 27º nº 1 alínea e) do Decreto-Lei Nº 291/2007 confere um direito de regresso à Seguradora a dirigir contra o responsável civil se a carga estiver deficientemente acondicionada.

16º

Sendo que, o direito de regresso ali regulado é um direito “ex novo” sujeito às regras probatórias do artigo 342º nº 1 do Código Civil, não estando previstas quaisquer presunções quer de deficiência de acondicionamento de carga quer presunções de culpa, isto é, não altera o ónus da prova.

17º

Logo, não cabe aos RR alegar e provar que a carga seguia devidamente acondicionada; pelo contrário, cabe à Seguradora alegar e provar que a carga seguia deficientemente acondicionada.

18º

Ora, a Seguradora, além de não ter alegado factos que pudessem ser integrados no “conceito de deficiência de acondicionamento em contravenção das normas legais” que pode ser retirado do disposto no artigo 56º nº 2, alínea i) do Código da Estrada, do disposto no DL Nº 144/2017 de 29 de Novembro (Anexo III) alterado pelo DL Nº 68/2022 – sendo que a douta sentença também não faz referência a tal conceito e normas legais – também não conseguiu provar que a carga ia deficientemente acondicionada.

19º

Na verdade, o facto de o 2º R, após se ter apercebido da queda da carga, ter apertado as roscas e ter fechado o taipal , por si só não é suficiente para se concluir que a carga ia mal acondicionada.

20º

A queda da carga poderia ter sido originada ou pelo movimento do veículo, ou por defeito do material ou por outra razão não apurada. E cabia à Seguradora provar que, efectivamente, a carga ia mal acondicionada, o que conseguiria, nomeadamente, se afastasse aquelas várias hipóteses/causas através de prova pericial a realizar ao veículo, o que não foi requerido.

21ª

Logo, não poderão os RR ser condenados como na realidade o foram.

Contra alegou a autora pugnando pela manutenção do decidido com os seguintes argumentos finais:

1. Os danos cujo valor a recorrida suportou ao abrigo do contrato de seguro titulado pela apólice nº ...44 foram causados em virtude da queda da carga transportada no veículo propriedade da ré/recorrente.

2. A matéria de facto constante de 49 dos Factos Provados foi acertadamente julgada.

3. A deficiente aplicação de sistemas de segurança que visam suportar cargas transportadas em veículos cabe no conceito de carga mal acondicionada.

4. “O sujeito passivo da obrigação de regresso é quem responde pelos danos provocados pela queda da carga, a título de culpa (directa ou presumida) ou pelo risco” – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 02.11.2004, no qual foi Relator o Exmo Senhor Desembargador Coelho de Matos, disponível em www.dgsi.pt.


4.
Sendo que, por via de regra: artºs  635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas  são, lógica e metodologicamente,  as seguintes:

1ª – Alteração da decisão sobre a matéria de facto.
2ª-  Improcedência da ação.

5.

Apreciando.

5.1.

Primeira questão.
No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5  do CPC.
Perante o estatuído neste artigo, exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação – cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.
O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente;  mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed.  III, p.245.
Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.
Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.
Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.
Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.
Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.
Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.
O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.
E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis.
Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade– a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 19.05.2005  e de 23-04-2009  dgsi.pt., p.09P0114.
Nesta conformidade  constitui jurisprudência sedimentada, que:
«Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela. – Ac. do STJ de.20.05.2010,, p. 73/2002.S1.  in dgsi.pt pt; e, ainda, Ac. STJ de 02-02-2022 - Revista n.º 1786/17.9T8PVZ.P1.S1.
5.2.2.
Por outro lado, e como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, o recorrente não pode limitar-se a invocar mais ou menos abstrata e genericamente, a prova que aduz em abono da alteração dos factos.
 A lei exige que os meios probatórios invocados imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida.
Ora tal imposição não pode advir, em termos mais ou menos apriorísticos, da sua, subjetiva, convicção sobre a prova.
Porque, afinal, quem  tem o poder/dever de apreciar/julgar é o juiz.
Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve o recorrente efetivar uma análise concreta, discriminada – por reporte de cada elemento probatório a cada facto probando - objetiva, crítica, logica e racional, do acervo probatório produzido, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão.
 A qual, como é outrossim comummente aceite, apenas pode proceder se se concluir que o julgador apreciou o acervo probatório  com extrapolação manifesta dos cânones e das regras hermenêuticas, e para além da margem de álea em direito probatório permitida e que lhe é concedida.
E só quando se concluir que  a  natureza e a força da  prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção,  se podem censurar as respostas dadas.– cfr. neste sentido, os Acs. da RC de 29-02-2012, p. nº1324/09.7TBMGR.C1, de 10-02-2015, p. 2466/11.4TBFIG.C1, de 03-03-2015, p. 1381/12.9TBGRD.C1 e de 17.05.2016, p. 339/13.1TBSRT.C1; e do STJ de 15.09.2011, p. 1079/07.0TVPRT.P1.S1., todos  in dgsi.pt;
5.2.3.
O caso decidendo.
Pretendem os recorrentes que não se provou o teor do ponto 49, mais precisamente  que «Os fechos e os reforços de fecho do taipal não se encontravam devidamente colocados/fechados…»

Tal ponto tem o seguinte e completo teor:

49. Os fechos e os reforços de fecho do taipal não se encontravam devidamente colocados/fechados o que ocasionou a abertura do taipal e a consequente queda da carga.

Alegam para tanto que  o 2º réu negou tal, e do depoimento da testemunha  não se pode retirar o não fecho ou o fecho deficiente dos taipais do camião.

A Srª juíza fundamentou este ponto nos seguintes termos:

«…não se valorizou o depoimento de parte do 2.º réu…porquanto o mesmo se revelou parcial e contido, afirmando factos sem lograr apresentar uma justificação convincente para os mesmos, entrando ainda em absoluta contradição com o teor do depoimento da testemunha BB.

Vejamos com mais pormenor.

Pelo 2.º réu foi referido ter sido a testemunha AA a carregar a carga, tendo sido o próprio réu a acondicionar e a fechar o taipal antes de ser carregado, asseverando ter verificado os fechos de segurança do taipal, estando todos bem fechados e em bom estado de conservação.

Mais referiu que a carga foi pesada, apresentando por volta de 30 toneladas, garantindo ter documento de transporte.

Descreve ainda que quando se apercebeu e parou viu que o taipal estava aberto cerca de 15 cm, sendo que as roscas não estavam fechadas, razão pela qual fechou o taipal, enroscou as roscas com umas chaves próprias, tendo continuado viagem sem que o taipal tenha aberto mais.

Por outro lado, a testemunha AA, apesar de ter adoptado uma postura de defesa do réu, acabou por referir expressamente a carga não foi pesada, asseverando, ao contrário do afirmado pelo 2.º réu, que este não foi apertar o taipal, nem foi apertar nada.

Donde, resultou a convicção para o tribunal de que, efectivamente, o 2.º réu, ao contrário do que era o seu dever, não garantiu o regular acondicionamento da carga que viria a transportar, tanto mais que não procedeu à verificação de que o taipal estava devidamente fechado através do aperto total das roscas que garantem que o taipal não tenha qualquer folga e possa abrir-se em andamento e com a pressão do peso da carga, como efectivamente veio a ocorrer.

Mais se refira que tal é referido pelo próprio réu, tanto mais que apesar de garantir que antes da carga ser feita fechou o taipal e verificou os fechos de segurança, estando tudo em bom estado de conservação, admite que quando parou as roscas do taipal estavam desenroscadas e que, após as enroscar devidamente, as mesmas não mais voltaram a abrir.

Ora, do exposto pelo próprio réu apenas uma conclusão se pode tirar: as roscas não foram bem apertadas antes do início da carga, pois que caso o tivessem sido ou não teria ocorrido a abertura do taipal ou, não obstante as mesmas terem sido apertadas, voltariam a abrir. O que o próprio réu assevera que após as ter enroscado devidamente, não voltou a ocorrer.

Donde, se concluiu que o motivo pelo qual o acidente/perda da carga na via ocorreu se deveu efectivamente ao mau acondicionamento da carga por parte do 2.º réu, ou seja, a circunstância de não ter verificado correctamente que as roscas do taipal se encontravam bem apertadas antes de iniciar a carga…»

Foi apreciada a prova.

Atentemos.

O ponto encerra teor conclusivo: para se concluir pelo «(in)devidamente» têm de se saber, a montante, quais os concretos factuais requisitos para que tal aconteça.

Porém, vistos os autos, as posições das partes e a prova aduzida, verifica-se que o que está em causa é apurar se os sistemas de fechamento dos taipais, da  caixa de carga do camião quais sejam: o sistema de cavilha de encaixe e o sistema de rosca – vistos nas fotos de  fls. 48 e 49 -, foram , ou não, acionados; e se o foram, se o foram adequadamente, ou seja, com completo encaixe  e suficiente enroscamento, no momento da carga.

É nesta ótica se admite e escalpeliza esta impugnação.

Assim:

As declarações do 2º réu valem o que valem, ou seja, muito pouco.

Na verdade, ele tem interesse - material ou mesmo que apenas moral: não ficar com a sua imagem profissional afetada pelo desleixo ou falta de cuidado quanto ao fecho adequado dos taipais -  em que o desfecho da causa não seja favorável à autora.

Pelo que as suas declarações apenas poderiam significativamente relevar se fossem escoradas em razão de ciência inatacável ou fossem corroboradas por outros elementos de prova.

Ora nenhum destes  requisitos se verificou.

Antes pelo contrário, estes elementos probatórios  contrariando a versão do réu.

Assim, e desde logo, há que atentar, como atentou a julgadora, nas contradições entre o verbalizado pelo réu e pela testemunha AA no que tange à pesagem da carga e ao apertar do taipal.

Obviamente que pelo desinteresse, ou maior desinteresse,  relativamente ao objeto da causa, da testemunha, a versão desta tem de ser a acolhida.

Pelo que tem de se concluir que o 2º réu nem pesou a carga, nem fechou os taipais, nem verificou se eles estavam bem fechados.

Os recorrentes defendem que esta testemunha verbalizou que o 2º réu não foi fechar os taipais porque estes já estavam fechados.

Pois podiam estar.

Mas a questão  central e relevante era saber se estavam adequadamente fechados.

O que, naturalmente, passaria por verificar se os sistemas para o efeito, quais sejam o sistema de cavilha de encaixe e o sistema de rosca – vistos nas fotos de  fls. 48 e 49 -,  da caixa de carga do camião, estavam bem encaixado e bem enroscado, no momento da carga.

E, vista e devida e sagazmente interpretada a prova,  a conclusão é que não estavam.

Como o próprio réu admitiu, estes sistemas são fiáveis.

Tal resulta desde logo também das fotografias dos autos, a cavilha de encaixe é forte e profunda e o sistema de rosca é extenso.

Assim, total e firmemente encaixada a cavilha e enroscada a rosca até ao limite possível, muito dificilmente os sistemas falharão e o taipal se abrirá.

Tal dimana  ainda do facto provado 54 que os recorrentes aceitam – conclusão 10ª.

Tem ele o seguinte teor:

54. Quando o 2º Réu percebeu que o veículo que conduzia se encontrava a perder carga, parou o veículo, deslocou-se à parte de trás e constatou que as roscas do taipal não estavam fechadas, pelo que fechou o taipal, enroscou as roscas com chaves próprias e seguiu viagem, não tendo o taipal voltado a abrir.

Ora se as roscas do painel não estavam fechadas, obviamente que nunca estiveram desde o início e momento da carga.

É que  é quase impossível, ou muitíssimo difícil, que as roscas desenroscassem por elas próprias.

Tal exigira a superveniência de circunstâncias excecionais, vg., de persistentes e duradouros  movimentos circulares, que, de todo em todo,  não estão provadas, e nem sequer foram alegadas.

O taipal abriu-se, segundo a testemunha CC, que circulava atrás do camião, quando este passou por uma lomba ou socalco.

É intuitivo, do senso e da experiência comuns, e quase obvio, que este facto, só por si, se revela manifestamente insuficiente para provocar o desencavilhamento e, mais ainda, e pelo que supra se disse,  provocar o  total desenroscamento,  com a consequente abertura do taipal.

Por conseguinte, a normal e lógica conclusão é que os sistemas de segurança e fechamento do taipal, o encavilhamento e o enroscamento, não foram, aquando da carga, - ou, mesmo que o réu tivesse verificado tais sistemas de segurança, como alega foram  menos adequada e corretamente -, acionados e efetivados.

5.2.4.

Por conseguinte, e no indeferimento desta pretensão, os factos a considerar são os apurados na 1ª instância, a saber:

1. No dia 19 de Dezembro de 2018, AA, segundo réu e sócio-gerente da primeira ré, conduzia o veículo constituído pelo tractor pesado de mercadorias da marca Daimler Chrysler, de matrícula ..-AZ-.., e o semi-reboque, de matrícula L-...... (conjunto tractor/semi-reboque adiante abreviadamente designado por AZ), no IP3, sentido Viseu-Coimbra, transportando uma carga de várias toneladas de cubos de granito, vulgarmente conhecidos por paralelos.

2. Cerca das 21h00m, ao km 88,100 do IP3, na freguesia ..., concelho ..., o taipal do semi-reboque abriu-se e daí caíram cubos de granito para a faixa de rodagem, que ocuparam em cerca de 200 metros.

3. A queda dos cubos de granito produziu barulho intenso e poeira.

4. Não obstante, o condutor do AZ manteve o veículo em circulação com o taipal do semi-reboque aberto durante mais de 18 quilómetros, distância durante a qual foram caindo mais cubos para a faixa de rodagem, com maior incidência aos kms 83,500 e 77,500.

5. Por circularem no IP3, nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, vieram a colidir com os cubos caídos na faixa de rodagem provindos do AZ os seguintes veículos:

i. Ao km 88,100: o veículo ligeiro de mercadorias da marca Citroen, modelo Berlingo, de matrícula ..-IE-.. (adiante abreviadamente designado por IE), propriedade de C... Unipessoal, Lda e conduzido por DD, no sentido Coimbra-Viseu; o veículo ligeiro de passageiros da marca Mercedes, modelo CLA, de matrícula ..-TA-.. (adiante abreviadamente designado por TA), propriedade de EE e conduzido por CC, no sentido Viseu-Coimbra; o veículo ligeiro de passageiros da marca Peugeot, modelo 407, de matrícula ..-..3-EY (adiante abreviadamente designado por AP), propriedade e conduzido por FF, no sentido Coimbra-Viseu; o veículo ligeiro de passageiros da marca BMW, modelo 320, de matrícula ..-OM-.. (adiante abreviadamente designado por OM), propriedade de GG e conduzido por HH, no sentido Coimbra-Viseu; o veículo ligeiro de passageiros da marca Renault, modelo Megane, de matrícula ..-IA-.. (abreviadamente designado por IA), propriedade de D..., S.A. e conduzido por II, no sentido Coimbra-Viseu.

ii. Ao km 83,500: o veículo ligeiro de passageiros da marca Mercedes, modelo C 220, de matrícula ..-SZ-.. (adiante abreviadamente designado por SZ), propriedade e conduzido por JJ, no sentido Viseu-Coimbra; o veículo ligeiro de passageiros da marca Renault, modelo Megane, de matrícula ..-RC-.. (adiante abreviadamente designado por RC), propriedade e conduzido por KK, no sentido Viseu-Coimbra.

iii. Ao km 77,500: o veículo ligeiro de passageiros da marca Citroen, modelo C – Elysee, de matrícula ..-OE-.. (adiante abreviadamente designado por OE), propriedade e conduzido por LL, no sentido Viseu-Coimbra.

6. Cada um dos condutores dos veículos identificados em 5. circulava pela hemifaixa de rodagem correspondente ao seu sentido de marcha, e nenhum deles contribuiu, nem nada pôde fazer, para evitar as colisões.

7. O condutor do IE, após efecutar uma curva para a direita, atento o seu sentido de marcha, foi surpreendido por uma série de cubos de granito, que compunham a carga do AZ, espalhados pela faixa de rodagem, não tendo logrado evitar a colisão do IE nos cubos de granito.

8. O condutor do TA circulava na traseira do AZ quando a carga de cubos de granito transportada no AZ caiu na sua frente, em plena faixa de rodagem, não dando ao condutor do TA possibilidade de evitar a colisão do veículo que conduzia com os cubos de granito.

9. O condutor do AP foi surpreendido, em plena circulação pelo IP3, com o aparecimento de cubos de granito, que compunham a carga do AZ, espalhados pela faixa de rodagem, não conseguindo evitar a colisão do AP nos cubos de granito.

10. O condutor do OM, que circulava atrás do IE, foi surpreendido, em plena circulação pelo IP3, com o aparecimento de cubos de granito, que compunham a carga do AZ, espalhados pela faixa de rodagem, não tendo conseguido evitar a colisão do OM nos cubos de granito.

11. O condutor do IA foi surpreendido, em plena circulação pelo IP3, com o aparecimento de cubos de granito, que compunham a carga do AZ, espalhados pela faixa de rodagem, não tendo conseguido evitar a colisão do IA nos cubos de granito.

12. O condutor do SZ foi surpreendido, em plena circulação pelo IP3, com o aparecimento de cubos de granito, que compunham a carga do AZ, espalhados pela faixa de rodagem, não tendo conseguido evitar a colisão do SZ nos cubos de granito.

13. A condutora do RC foi surpreendida, em plena circulação pelo IP3, com o aparecimento de cubos de granito, que compunham a carga do AZ, espalhados pela faixa de rodagem, não tendo conseguido evitar a colisão do RC nos cubos de granito.

14. O condutor do OE foi surpreendido, em plena circulação pelo IP3, com o aparecimento de cubos de granito, que compunham a carga do AZ, espalhados pela faixa de rodagem, não tendo conseguido evitar a colisão do OE nos cubos de granito.

15. Em toda a extensão do IP3 onde ocorreram as colisões acima descritas era de noite e não existia iluminação pública.

16. Na mesma extensão do IP3 o piso, na altura, era composto de asfalto e encontrava-se em bom estado de conservação.

17. Das colisões acima descritas foi elaborada uma Participação de Acidente de Viação com o NUIPC 000005/19...., pelo Destacamento de Trânsito da GNR ....

18. Em consequência directa e necessária do acidente o IE sofreu danos na parte da frente e na parte lateral direita, designadamente no resguardo do guarda lamas da frente esquerda, no resguardo do guarda lamas da frente direita, no bloco da frente direita, no deflector do pára choques da frente, na embaladeira direita, no pára choques da frente, no painel frontal, no radiador de água, no moto ventilador, no radiador turbo, no braço da frente direita, no charriot frontal, numa jante de chapa e na travessa do radiador.

19. O custo da reparação dos danos do IE, incluindo material e mão de obra, foi orçado em € 2.064,55 por um perito da autora e por um representante da oficina Auto Jomar de MM, para onde o veículo foi transportado após o acidente.

20. O IE foi reparado na oficina Auto Jomar de MM e o valor da reparação correspondeu ao valor orçamentado de € 2.064,55.

21. Em consequência directa e necessária do acidente o TA sofreu danos na parte da frente, designadamente no revestimento do pára choques, no friso lateral esquerdo, no friso lateral direito, no friso inferior, na protecção anti-gravilha, na grelha ventiladora, na grelha de radiador, no resguardo do motor, no amortecedor esquerdo do para choques (tubo), no amortecedor direito do pára choques (tubo), no suporte da chapa da matrícula, no capot, no suporte transversal inferior, na chapa de suporte do radiador da lateral direita, na jante do pneu da frente direita, no pneu da frente direita e no apoio da frente interior.

22. O custo da reparação dos danos do TA, incluindo material e mão de obra, foi orçado em € 3.687,45 por um perito da E... e por um representante da oficina F..., S.A., para onde o veículo foi transportado após o acidente.

23. O TA por reparado na oficina F..., S.A. e o custo da reparação correspondeu ao valor orçamentado de € 3.687,45.

24. Em consequência directa e necessária do acidente, o AP sofreu danos na parte da frente e na parte lateral esquerda, designadamente no resguardo traseiro do guarda lamas da frente esquerda, na embaladeira esquerda, na grelha do pára choques frontal, no pára choques frontal, no friso do pára choques frontal, no insono frontal, na jante do pneu da frente esquerda, na jante do pneu da traseira esquerda, no pneu da frente esquerda, no pneu da traseira esquerda e no vidro do retrovisor exterior esquerdo.

25. O custo da reparação dos danos do AP, incluindo material e mão de obra, foi orçado em € 1.256,61 por um perito da autora e por um representante da oficina G..., Lda, para onde o veículo foi transportado após o acidente.

26. O AP foi reparado na oficina G..., Lda e o custo da reparação correspondeu ao valor orçamentado de € 1.256,61.

27. Em consequência directa e necessária do acidente, o OM sofreu danos na parte da frente e na parte lateral direita, designadamente no resguardo frontal do guarda lamas da frente direita, no resguardo traseiro do guarda lamas da frente direita, no para choques frontal, na saia da embaladeira direita, na protecção do piso frontal esquerda, na protecção do piso frontal direita, na protecção do motor, na protecção do túnel frontal, na caixa de direcção, na rótula da direcção frontal direita, no braço inferior frontal direito, na jante do pneu da frente direita, no pneu da frente direita e no resguardo traseiro direito.

28. O custo da reparação dos danos do OM, incluindo material e mão de obra, foi orçado em € 4.191,85 por um perito da autora e por um representante da oficina H..., Lda, para onde o veículo foi transportado após o acidente.

29. O OM foi reparado na oficina H..., Lda e o custo da reparação correspondeu ao valor orçamentado de € 4.191,85.

30. Em consequência directa e necessária do acidente, o IA sofreu danos na parte lateral direita e na parte lateral esquerda, designadamente na embaladeira esquerda, na embaladeira direita e no charriot frontal.

31. O custo da reparação dos danos do IA, incluindo material e mão de obra, foi orçado em € 1.333,54 por um perito da autora e por um representante da oficina I..., para onde o veículo foi transportado após o acidente.

32. O IA foi reparado na oficina I... e o custo da reparação correspondeu ao valor orçamentado de € 1.333,54.

33. Em consequência directa e necessária do acidente, o SZ sofreu danos na parte lateral direita e na parte lateral esquerda, designadamente na saia da embaladeira direita, na jante do pneu traseiro esquerdo e na válvula da jante do pneu traseiro esquerdo.

34. O custo da reparação dos danos do SZ, incluindo material e mão de obra, foi orçado em € 1.269,58 por um perito da autora e por um representante da oficina J..., Lda, para onde o veículo foi transportado após o acidente.

35. O SZ foi reparado na oficina J..., Lda e o custo da reparação correspondeu ao valor orçamentado de € 1.269,58.

36. Em consequência directa e necessária do acidente, o RC sofreu danos na parte da frente e na parte lateral esquerda, designadamente na protecção inferior esquerda, na protecção do piso frontal esquerda, no pára choques da frente, na jante do pneu da frente esquerda, na protecção do eixo traseiro esquerda, na válvula da jante do pneu da frente esquerda, na protecção de motor, no pneu da frente esquerda e na válvula da jante do pneu da frente direita.

37. O custo da reparação dos danos do RC, incluindo material e mão de obra, foi orçado em € 1.264,82 por um perito da autora e por um representante da oficina K..., S.A., para onde o veículo foi transportado após o acidente.

38. O RC foi reparado na oficina K..., S.A. e o custo da reparação correspondeu ao valor orçamentado de € 1.264,82.

39. Em consequência directa e necessária do acidente, o OE sofreu danos na parte da frente e na parte lateral esquerda, designadamente na embaladeira esquerda, no para choques da frente na jante do pneu da frente esquerda, na válvula da jante do pneu da frente esquerda e no pneu da frente esquerda.

40. O custo da reparação dos danos, incluindo material e mão de obra, foi orçado em € 658,57 por um perito da autora e por um representante da oficina L..., Lda, para onde o veículo foi transportado após o acidente.

41. O OE foi reparado na oficina L..., Lda e o custo da reparação correspondeu ao valor orçamentado de € 658,57.

42. A autora é uma sociedade comercial que se dedica ao exercício da actividade seguradora.

43. No exercício da sua actividade comercial, entre a autora (na altura denominada de M..., S.A.), na qualidade de seguradora, e a primeira ré, na qualidade de segurada e tomadora do seguro, foi celebrado em 13.07.2018 o contrato de seguro titulado pela apólice nº ...44, mediante o qual foi transferida para a autora a responsabilidade civil por danos causados a terceiros emergente da circulação do AZ.

44. Contrato que, à data dos acidentes acima descritos, se encontrava válido e em vigor.

45. Considerando que os acidentes (e os danos por eles provocados) ocorreram por culpa única e exclusiva do condutor do AZ, aqui segundo réu, a autora, procedeu aos pagamentos das seguintes quantias:

i. À oficina Auto Jomar de MM, da quantia de € 2.064,55, correspondente ao custo da reparação do IE, em 14.02.2019.

ii. À E..., da quantia de € 3.687,45, correspondente ao custo de reparação do TA, em 22.08.2019, por esta, na qualidade de seguradora do TA e por a proprietária do TA ter accionado a cobertura de danos próprios do seguro, ter procedido ao pagamento à oficina reparadora, sendo depois reembolsada pela autora.

iii. À oficina G..., Lda, da quantia de € 1.265,61, correspondente ao custo da reparação do AP, em 14.03.2019.

iv. À oficina H..., da quantia de € 4.191,85, correspondente ao custo da reparação do OM, em 14.02.2019.

v. À oficina I..., da quanta de € 1.333,54, correspondente ao custo da reparação do IA, em 28.02.2019. À oficina J..., Lda, da quantia de € 1.269,58, correspondente ao custo da reparação do SZ, em 28.03.2019.

vi. À oficina K..., S.A., da quantia de € 1.264,82, correspondente ao custo da reparação do RC, em 28.03.2019.

vii. À oficina L..., Lda, da quantia de 658,57, correspondente ao custo da reparação do OE, em 28.02.2019.

viii. À N..., Lda, da quantia de € 131,36, em 23.02.2019, correspondente ao valor de aluguer de veículo de substituição disponibilizado à proprietária do IA durante o período de reparação do veículo.

ix. À O..., Lda, da quantia de € 102,82, em 21.03.2019, correspondente ao valor de aluguer de veículo de substituição disponibilizado ao proprietário do AP.

x. Da quantia de € 636,00 ao proprietário do SZ, em 07.05.2019, correspondente a despesas de deslocação/transporte durante o período em que o SZ, por força do acidente e até à sua reparação, esteve impossibilitado de circular.

46. O valor total dos pagamentos realizados pela autora ascendeu, assim, a € 16.597,19.

47. A autora procedeu à notificação judicial avulsa dos réus para pagamento da quantia referida em 46. em 10.02.2022.

48. O taipal do semi-reboque de matrícula L-...... dispõe de dois fechos de segurança e de dois reforços de fecho.

49. Os fechos e os reforços de fecho do taipal não se encontravam devidamente colocados/fechados, o que ocasionou a abertura do taipal e a consequente queda da carga.

50. O carregamento do AZ foi supervisionado pelo seu condutor, aqui segundo réu, enquanto sócio gerente da primeira ré e no exercício da sua actividade profissional.

51. Foi o segundo réu quem, no exercício da sua actividade de motorista, acompanhou e supervisionou o acondicionamento da carga no AZ.

52. Por força dos acidentes e das consequências que deles resultaram, por sentença proferida em 14.12.2020 no Processo Comum Singular que, sob o nº 5/19...., correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, Juízo de Competência Genérica de Santa Comba Dão – Juiz ..., foi o segundo réu, ali arguido, condenado na pena de 1 ano e 5 meses de prisão pela prática de um crime de atentado à segurança de transporte rodoviário, previsto e punido pelo art.º 290º, nº 1, alínea d), do Código Penal.´

53. O veículo foi carregado por BB, funcionário da firma em cujas instalações foi efectuada a carga.

54. Quando o 2.º réu percebeu que o veículo que conduzia se encontrava a perder carga, parou o veículo, deslocou-se à parte de trás e constatou que as roscas do taipal não estavam fechadas, pelo que fechou o taipal, enroscou as roscas com chaves próprias e seguiu viagem, não tendo o taipal voltado a abrir.

5.2.

Segunda questão.

A julgadora decidiu, de jure, nos seguintes, sinóticos e essenciais, termos:

«A autora peticiona a condenação dos réus pelo pagamento das quantias que pagou a terceiros, em virtude da existência de apólice de seguro que garantia a responsabilidade civil inerente à circulação do veículo de matrícula ..-AZ-.., e o semi-reboque, de matrícula L-......, na sequência dos acidentes de viação que foi única e exclusivamente da responsabilidade dos réus, com fundamento no direito de regresso.

Nos termos do disposto no artigo 27.º, n.º 1, alínea e), do Decreto-Lei n.º 291/2007, relativo ao regime do sistema do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, que veio a suceder ao Decreto-Lei n.º 522/85:

«Satisfeita a indemnização, a empresa de seguros apenas tem direito de regresso:

(…)

e) Contra o responsável civil por danos causados a terceiros em virtude de queda de carga decorrente de deficiência de acondicionamento;” (sublinhado nosso).

Como nos dá conta Antunes Varela o direito de regresso «é um direito nascido ex novo na titularidade daquele que extinguiu (no todo ou em parte) a relação creditória anterior».

A norma legal em referência institui tal direito a favor das seguradoras, estabelecendo, assim, um desvio ao ónus que sobre elas recai, no âmbito do regime do seguro obrigatório, de suportar exclusivamente os danos causados pelos condutores do veículo segurado, a terceiros.

Tal desvio assenta no facto de o risco contratualmente assumido pelas seguradoras não se compaginar com as condutas tipificadas nas situações elencadas nas diversas alíneas do normativo citado.

Ora, da factualidade provada decorre que dos acidentes objecto dos autos, no qual foi interveniente o veículo de matrícula ..-AZ-.., seguro na autora, resultaram danos para vários terceiros, que determinaram o pagamento, por aquela, a esta última, da quantia global € 16.597,19, a título de indemnização pelos danos sofridos.

A questão que se coloca é a de saber se assiste à autora, …direito de regresso sobre o réu, condutor do veículo seguro naquela….

Para tanto, mostra-se necessário que o condutor do veículo segurado tenha provocado danos causados a terceiros em virtude de queda de carga decorrente de deficiência de acondicionamento.

Assim, diremos que, em face da factualidade provada, dúvidas não restam que foi o veículo conduzido pelo réu que causou danos a terceiros e que tais danos ocorreram em virtude de queda de carga decorrente de deficiência de acondicionamento.

Com efeito, no dia 19 de Dezembro de 2018, AA, segundo réu e sócio-gerente da primeira ré, conduzia o veículo constituído pelo tractor pesado de mercadorias da marca Daimler Chrysler, de matrícula ..-AZ-.., e o semi-reboque, de matrícula L-......, quando cerca das 21h00, ao km 88,100 do IP3, na freguesia ..., concelho ..., o taipal do semi-reboque abriu-se e daí caíram cubos de granito para a faixa de rodagem, que ocuparam em cerca de 200 metros.

Mais se provou que, quando o 2.º réu percebeu que o veículo que conduzia se encontrava a perder carga, parou o veículo, deslocou-se à parte de trás e constatou que as roscas do taipal não estavam fechadas, pelo que fechou o taipal, enroscou as roscas com chaves próprias e seguiu viagem, não tendo o taipal voltado a abrir.

Perante tal demonstração objectiva, verifica-se uma presunção de culpa por parte dos réus que, manifestamente, não lograram ilidir.

Veja-se que, nos termos do disposto no artigo 503.º n.º 1 do Código Civil “Aquele que tiver a direcção efectiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo (…).”.

Pelo que, importa concluir pela responsabilidade solidária entre os réus pelos danos causados pela queda da carga na via.»

Já os recorrentes entendem que in casu não é aplicável o artº 503º nº1 do CC, com presunção de culpa contra eles.

Pois que, sendo o direito de regresso um direito “ex novo” sujeito às regras probatórias do artigo 342º nº 1 do Código Civil, não estando previstas quaisquer presunções de culpa , cabendo à Seguradora alegar e provar que a carga seguia deficientemente acondicionada, não tendo ela alegado factos que pudessem ser integrados no “conceito de deficiência de acondicionamento em contravenção das normas legais” que pode ser retirado do disposto no artigo 56º nº 2, alínea i) do Código da Estrada, do disposto no DL Nº 144/2017 de 29 de Novembro (Anexo III) alterado pelo DL Nº 68/2022.

Perscrutemos.

Estatui o artº 524º do CCivil:

«O devedor que satisfizer o direito do credor além da parte que lhe competir tem direito de regresso contra cada um dos condevedores, na parte que a estes compete.»

Vemos assim que o direito de regresso consiste numa figura legal que permite a  quem pagou por algo que deveria ter sido pago por outra pessoa, obter desta o reembolso  do que pagou.

O direito de regresso distingue-se da sub-rogação.

Nesta,  segundo o disposto no nº 1 do artigo 593º do Código Civil, “o sub-rogado adquire, na medida da satisfação dada ao direito do credor, os poderes que a este competiam”,  poderes estes acompanhados das “garantias e outros acessórios do direito transmitido, que não sejam inseparáveis da pessoa” do credor  -nº 1 do artigo 582º, aplicável por força do disposto no artigo 594º -, o que significa que o direito do credor se transmite para o sub-rogado, conservando a extensão, os poderes, as garantias e outros “acessórios”  -que, naturalmente, sejam suscetíveis de mudar de titular.

Já o direito de regresso constitui-se ex novo, sendo  autónomo em relação ao direito do lesado e independente da fonte da obrigação extinta.

Efetivamente:

«O direito de regresso determina a constituição de um direito novo na esfera do devedor que satisfez integralmente a prestação extinguindo o direito creditício, enquanto a sub-rogação se enquadra na transmissão de dívidas, ou seja, na transmissão de um crédito do credor para o devedor que lho satisfez.» -  Ac. TRL de 17.02.2022, p. 1631/21.0T8PDL-A.L1-6, in dgsi.pt, como os infra cits.

O regime do sistema de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel,  estabelecido pelo DL n.º 291/2007, de 21 de Agosto, prevê, no artigo 27.º nº1 al. e), sob a epígrafe  

Direito de regresso da empresa de seguros

1 - Satisfeita a indemnização, a empresa de seguros apenas tem direito de regresso:

e) Contra o responsável civil por danos causados a terceiros em virtude de queda de carga decorrente de deficiência de acondicionamento;

Aqui urge ter presente que no exercício do direito de regresso, não está em causa, em termos diretos e imediatos, a responsabilidade civil extracontratual derivada do facto voluntário, culposo, ilícito, causal e lesivo, a qual, em rigor, já deverá estar definida.

Mas antes  um segundo momento, subsequente à definição, em concreto, da dita responsabilidade, em que só está em aberto o direito da seguradora ao reembolso do que pagou ao lesado e não a determinação da responsabilidade extracontratual do lesante.

É que o direito da seguradora não se alicerça – e, por isso, não depende - no factualismo consubstanciador da responsabilidade aquiliana.

Pagando a seguradora com base no contrato de seguro, o seu direito de regresso nada tem que ver com a fonte da obrigação que a seguradora extinguiu, antes radica e tem a sua origem na responsabilidade contratual – Cfr. Ac. do STJ de 29.11.2011, p. 1507/10.7TBPNF.P1.S1.

O direito de regresso em causa é  pois também um direito autónomo em relação ao direito do lesado, nascido, “ex novo”, com o pagamento do direito à indemnização ao ofendido, que assim se extinguiu, e fazendo nascer aquele direito apenas pelo quantum indemnizado.

Quanto à responsabilização dos réus, hoc sensu.

A nossa lei  consagra, por via de regra, a responsabilidade de índole subjetiva, exigindo, para além de outros pressupostos, a ilicitude e a culpa –  artº 483º do CCivil.

  Certos casos existem porém, para os quais, devido à sua especial natureza, e, até, acrescida perigosidade, a lei consagra uma responsabilidade objetiva, ou pelo risco, isto é, situações independentes de qualquer dolo ou culpa da pessoa obrigada à reparação – cfr., vg. artº 493º nº2 do CCivil.

São pressupostos desta modalidade de responsabilidade civil:

i) a prática pelo agente de um facto;

ii) a existência de um dano reparável na esfera jurídica de um terceiro;

iii) o nexo de causalidade adequada entre o referido facto e o dano: arts. 499.º, 563.º e 564.º, n.º 1, do CC – cfr. Ac. do STJ de 02.07.2008,  Proc. n.º 2156/08.

De entre os casos de responsabilidade objetiva pelo risco consta também o previsto no artº 503º nº1 do CC, a saber:

1. Aquele que tiver a direcção efectiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação.

Ora:

« A responsabilidade pelo risco, no caso de veículo de circulação terrestre, depende de dois requisitos : ter a direcção efectiva do veículo causador do dano e estar o veículo a ser utilizado no seu próprio interesse.

Tem a direcção efectiva do veículo aquele que, de facto, goza ou frui as vantagens dele, e quem, por essa razão, especialmente cabe controlar o seu funcionamento. Ac. STJ de 21.01.2014, p. 258/08.7TCGMR.G1.S1.

É o caso dos autos.

Tanto o 2º réu, diretamente,  como a primeira ré, por representação – já que aquele é o sócio gerente desta -  tinham a direção efetiva do camião e usavam-no no seu próprio interesse, pois que dele adquiriam as vantagens inerentes ao transporte efetuado.

Ademais, a sua atuação provocou danos que a autora ressarciu no âmbito da sua – dela – responsabilidade  contratual.

Assim, se mais não houvesse -  que há, como infra se verá – sempre os réus seriam responsáveis perante a autora, desde logo ao abrigo deste segmento normativo.

E é apenas nesta perspetiva, que não por chamamento de qualquer presunção de culpa – que esta norma não comporta ou exige – que se deve interpretar a alusão ao mesmo na sentença.

 Porém, a responsabilidade objetiva pelo risco é excecional e residual.

Até porque  o quantum da  sua indemnização comporta limites que podem impedir o total ressarcimento do dano – artº 508º do CCivil.

Pelo que apenas deve ser chamada à colação e atendida quando a responsabilidade subjetiva  - quer baseada na culpa efetiva quer na culpa presumida – não seja provada.

Efetivamente:

« Mesmo que se não faça a prova da culpa do demandado, o tribunal pode averiguar se o pedido procede à sombra da responsabilidade pelo risco, salvo se dos autos resultar que a vítima só pretende a reparação se houver culpa do réu.» -  Ac. STJ de 21.01.2014, sup. cit.

Ou, por outras palavras:

«Afastada a culpa presumida e não permitindo os factos considerar verificada a culpa efectiva do condutor do veículo, há que recorrer ao regime da responsabilidade pelo risco, tal como a define o artigo 506º do Código Civil, como fundamento legal do direito à indemnização invocado pelo lesado deste acidente.» -  Ac. TRL de 17.02.2005, p. 827/2005-6.

Porém, no caso sub judice, o recurso à responsabilidade objetiva não é necessário, pois que a culpa do condutor do camião, 2º ré, no âmbito e para o efeito do aludido artº 27º nº1 al. e), do  DL n.º 291/2007, de 21 de Agosto, provou-se.

Tem-se entendido, e é do senso comum que:

«A aferição da adequação ou da desadequação e da deficiência de acondicionamento de carga deve ser feita face às características do veículo, da carga, do pavimento, das condições climatéricas e com a finalidade de prevenção do perigo de lesão de direitos fundamentais de terceiros.

Neste âmbito, é deficiente o acondicionamento de madeira de eucalipto entre os fueiros de um reboque com plataforma aberta, apenas retida por uma cinta colocada a meio da carga, quando desta foi projetado um ramo de eucalipto que atingiu um peão que circulava na mesma estrada…» - Ac. TRG de 10.09.2020, p. 2567/19.0T8VCT.G1.

Decidiu-se ainda que:

«Cabe direito de regresso à seguradora que pagou indemnização a terceiro lesado se o acidente ocorreu por causa de mau acondicionamento da carga, ou seja, por se ter partido um “fogueiro” ao qual estavam presas as cordas que seguravam a carga e esta se espalhou no solo, atingindo o veículo que circulava à sua traseira.» -  Ac. TRP de 03.11.2008, p. 0855385.

No caso decidendo provou-se que:

54. Quando o 2.º réu percebeu que o veículo que conduzia se encontrava a perder carga, parou o veículo, deslocou-se à parte de trás e constatou que as roscas do taipal não estavam fechadas, pelo que fechou o taipal, enroscou as roscas com chaves próprias e seguiu viagem, não tendo o taipal voltado a abrir.

Ora como já dimana do supra expendido quanto à primeira questão, o teor deste ponto, devida e sagazmente interpretado, clama a conclusão que, no momento da carga, os sistemas de fechamento do taipal não tinha sido acionados, ou foram-no deficientemente. 

Pois que, à luz das regras da lógica, da experiência comum e do normal devir, seria impossível ou de muito difícil consecução que as roscas desenroscassem por elas próprias, ou  até por outra causa externa.

Tal exigira a superveniência de circunstâncias excecionais, que, de todo em todo,  não estão provadas, e nem sequer foram alegadas.

Não sendo seguramente suficiente alguns movimentos mais bruscos ou alguns solavancos oriundos da menor regularidade da estrada, decorrente de algumas lombas ou socalcos.

Do que resulta que se deu como admissível a prova do teor  do ponto 49:

49. Os fechos e os reforços de fecho do taipal não se encontravam devidamente colocados/fechados, o que ocasionou a abertura do taipal e a consequente queda da carga.

O  dever de cuidado de acionar, ou acionar adequadamente,  os mecanismos de segurança do fechamento dos taipais impendia naturalmente sobre o segundo réu, porque  condutor do camião, o qual até circulava no seu próprio interesse, e, assim, por ele  sendo responsável.

Ao ter postergado tal dever de cuidado o réu não apenas agiu com culpa, lato sensu, que inclui a negligência, como acabou por provocar a queda  parcial da carga  que transportava, o que ocorreu  por deficiência no seu adequado acondicionamento.

Efetivamente, e como ressuma dos arestos supra citados, esta expressão  de acondicionamento deficiente não pode ser interpretada em sentido restrito, como parecem entender os recorrentes, ao remeter para o artº 56º nº3 al. i) do Código da Estrada, o qual prescreve:

 i) Tratando-se de transporte de mercadorias a granel, aquela não exceda a altura definida pelo bordo superior dos taipais ou dispositivos análogos;

Antes devendo este conceito ser interpretado mais latamente no sentido de poder ser substanciado com outros  factos, ocorrências ou aspetos que vão para além da carga  em si mesma considerada, como seja o modo como ela é arrumada no espaço do semi reboque, vg. em altura.

Aliás, esta interpretação adequa-se e coaduna-se com o conceito de causa adequada consagrado na nossa lei.
Como é consabido, constitui jurisprudência pacífica do nosso mais Alto Tribunal que:
 «O artigo 563º do C.Civil consagrou a doutrina da causalidade adequada, na formulação negativa de Enneccerus-Lehman, nos termos da qual a inadequação de uma dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a produção dele, que, por isso mesmo, só ocorreu por circunstâncias excepcionais ou extraordinárias.
Esta doutrina …deve interpretar-se de forma mais ampla, com o significado de que não pressupõe a exclusividade da condição, no sentido de que esta tenha só por si determinado o resultado».
«O artigo 563 do Código Civil consagra a doutrina da causalidade adequada na sua formulação negativa, que não pressupõe a exclusividade do facto condicionante do dano, nem exige que a causalidade tenha de ser directa e imediata, pelo que admite:
-- não só a ocorrência de outros factos condicionantes, contemporâneos ou não;
-- como ainda a causalidade indirecta, bastando que o facto condicionante desencadeie outro que directamente suscite o dano.
Na concepção mais criteriosa da doutrina da causalidade adequada, para os casos em que a obrigação de indemnização procede de facto ilícito culposo, quer se trate de responsabilidade extracontratual, quer contratual - a «formulação negativa», acolhida no artigo 563.º do Código Civil segundo a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal de Justiça - o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente para a verificação do mesmo, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que intercederam no caso concreto»- Cfr, entre outros, os Acs. do STJ de 20.10.2005, de  07.04.2005 e de 29.06.04, ps.05B2286, 03B4474 e 05B294,  in dgsi.pt
«…do conceito de causalidade adequada pode extrair-se, desde logo, como corolário, que para que haja causa adequada, não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano. Essencial é que o facto seja condição do dano, mas nada obsta a que, como frequentemente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano. - A. Varela, in Das Obrigações em Geral”, 10.ª ed, I, 893, 899, 890/1, cit. In Ac. do STJ de 13-03-2008, dgsi.pt, p. 08A369.
(negrito e sublinhado nosso).

Assim sendo, é óbvio que a falta de acionamento, ou o acionamento deficiente, dos meios de fechamento dos taipais, foram causa, pelo menos indireta, da queda da carga.

Pois que tal falha originou a abertura parcial dos taipais, e esta abertura  descambou na queda da carga.

E assim se concluindo que os elementos constitutivos da responsabilidade aquiliana, vg. a ilicitude e a culpa, se encontram, não presumidamente, mas antes  efetivamente provados.

E que a previsão do citado  segmento normativo do artº 27º do DL n.º 291/2007, está preenchida.

Por isto, e porque, como se disse,  essencial e determinantemente, o direito de regresso da seguradora assenta a sua génese  no contrato de seguro, tendo ela satisfeito os valores aos lesados do sinistro, à mesma assiste jus ao seu reembolso pelos réus.

Improcede o recurso.

6.

Deliberação.

Termos em que se acorda julgar o recurso improcedente, e, consequentemente, se confirma a sentença.

Custas pelos recorrentes.

Coimbra, 2025.02.25.