OMISSÃO DE PRONÚNCIA
ÓNUS DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REJEIÇÃO PARCIAL DO RECURSO
ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
SERVIDÃO DE PASSAGEM POR DESTINAÇÃO DO PAI DE FAMÍLIA
REQUISITOS
SINAIS VISÍVEIS E PERMANENTES
RENÚNCIA À SERVIDÃO
EXTINÇÃO PELO NÃO USO
EXTINÇÃO POR DESNECESSIDADE
SERVIDÃO DE AQUEDUTO
MÁ FÉ
REQUISITOS
PEDIDOS LÍQUIDOS OU NÃO MONETARIAMENTE MENSURÁVEIS
REPARTIÇÃO DE CUSTAS
Sumário

I - Não deve confundir-se omissão de pronúncia, vício formal intrínseco da sentença, com a sua ilegalidade, vício substantivo, que se verifica quando, existindo tal pronúncia, ela, por menos adequada subsunção ou exegese, desatende uma pretensão.
II - Só existe nulidade por omissão de pronúncia quando o tribunal não a emita relativamente a «questões» colocadas pelas partes atinentes aos pedidos formulados, e não quando ela apenas falte relativamente a considerações, argumentos, motivos, ou razões por elas invocadas.
III - Só existe condenação em objeto diverso do pedido, por alteração da qualificação jurídica, desde que a convolação qualificativa seja tão ampla que conduza a um modo de tutela de conteúdo essencialmente diferente.
IV - A não indicação, em sede conclusiva, dos concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados, bem como a não indicação dos concretos meios probatórios que impunham decisão diversa, e desta própria decisão, implica a rejeição do recurso na parte afetada – artº 640º nº1 do CPC.
V - A censura sobre a convicção do julgador em sede de apreciação da prova, apenas pode ser concedida – máxime perante prova pessoal e considerando os benefícios da imediação e da oralidade – se tal convicção se revelar manifestamente desconforme à prova invocada, e, assim, os meios probatórios aduzidos pelo recorrente e a exegese deles operada não apenas sugiram, mas antes imponham tal censura – artº 640ºdo CPC.
VI - São requisitos da servidão por destinação do pai de família - artº 1549º do CCivil:
i) que os dois prédios, ou as duas frações do mesmo prédio, tenham pertencido ao mesmo dono;
ii) que tenha existido uma separação dos prédios ou frações em relação ao domínio, inexistindo qualquer declaração no respetivo documento contrária à constituição do encargo;
iii) que exista uma relação estável de serventia de um prédio a outro ou de uma fração a outra correspondente a uma servidão aparente revelada por sinais visíveis e permanentes
VII - A existência de sinais visíveis e permanentes deve reportar-se ao tempo da separação do domínio dos prédios, sendo que a visibilidade dos sinais respeita à sua materialidade, no sentido de serem percecionáveis e interpretáveis pela generalidade das pessoas que se confrontem com eles, e a permanência consiste na manutenção dos sinais, com a aludida visibilidade, ao longo do tempo, sem interrupções.
VIII - A clara existência, ao longo de mais de 15 - 20 anos, de um rego para conduzir as águas usadas de um poço e de um caminho para aceder a este poço e rego, consubstanciam tais sinais.
IX – A extinção, por renúncia - expressa: por escrito, ou tácita: deduzida de factos concludentes: artº 1569º nº1 al. d) e nº5 do CC - ao direito de servidão, consiste na declaração unilateral entre vivos pela qual o sujeito ativo da servidão concretiza a sua decisão de deixar de ser titular desse direito.
Já a sua extinção pelo não uso – artº1569ºnº1. al. b) - pressupõe um ato voluntário de inércia ou demissão por parte do dono do prédio dominante , abrangendo atos tanto materiais como jurídicos.
X – A servidão constituída pelo pai de família – artº 1549º do CC – pode ser extinta por desnecessidade.
XI - Provado que inicialmente as autoras usavam a água de um poço, sito em fração rústica alheia, através de nora ou motor nele colocado, passando depois a fruí-la através de motor elétrico colocado no seu terreno e com ligação ao poço através de mangueira subterrânea, o direito à água, que detinham através de servidão de passagem, passou a ser titulado mediante simples servidão de aqueduto; a qual pode/deve ser declarada, porque um minus relativamente ao pedido inicial.
XII – Efetivamente, nesta servidão, o proprietário do prédio dominante apenas pode exercer o seu direito no âmbito dos designados «adminicula servitutis», que só integram atos de fiscalização e conservação/ limpeza/reparação do poço e da conduta de água, a efetivar quando necessário.
XIII – A condenação por litigância de má fé apenas pode ser declarada, - vg. atentos os efeitos infamantes da mesma -, se se provarem factos dos quais se possa concluir, sem margem para dúvidas, que a parte agiu com dolo ou negligência grave, não bastando a simples «falta de cuidado», ou, por via de regra, a não prova de certos factos alegados ou o decaimento em alguns pedidos.
XIV – A regra geral quanto a custas é que paga as mesmas a parte vencida, na proporção em que o for – artº 527º do CPC.
XV - Formulando as partes vários pedidos, iniciais e reconvencionais, tendo elas ficado vencidas parcialmente nos mesmos, não sendo alguns líquidos ou monetariamente mensuráveis, e, assim, não sendo possível fixar com rigor quantitativo o decaimento de cada uma das partes, pode a repartição de custas ser fixada com auxílio do juízo équo.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Relator: Carlos Moreira
Adjuntos:  Fonte Ramos
Luís Cravo


*

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

HERANÇA ILÍQUIDA E INDIVISA DE AA, representada por BB, cabeça de casal, e  CC, instauraram contra  DD e esposa EE,  FF e esposa GG, todos com os sinais dos autos, ação declarativa, de condenação, com processo comum.

        

       Pediram:

a- Serem as sucessoras declaradas habilitadas para prosseguirem com a presente causa;

b - Serem os RR condenados a: 

 b.1.- Reconhecer o direito de propriedade da A. sobre o seu prédio descrito no artigo 6 desta petição inicial.

b.2. - Reconhecer o direito constituído por via da destinação de pai de família ao uso da água do poço actualmente implantado no terreno correspondente ao quintal da casa de habitação dos 1ºs RR, bem como à servidão de passagem para os herdeiros do de cujus, ao mesmo poderem aceder, conservar e manter, com o alcance e conteúdo acima descritos, eliminando o muro na parte em que este obsta à passagem daqueles.

b.3. - Que os identificados direitos oneram o prédio dos 1ºs RR a favor do prédio da A.
b.4 – Retirar

b.4 - Retirar toda a terra, objectos e materiais, seja do interior do poço, seja do rego que antes existia, das manilhas e do caminho de passagem pedonal para acesso ao poço.

b.5. - Repor o leito daquela servidão de passagem no estado em que se encontrava previamente à sua destruição, de forma a torná-lo transitável em toda a sua extensão e largura.

b.6. - Absterem-se de, no futuro, voltar a lavrar ou por qualquer meio destruir, tanto o rego de encaminhamento das águas, como as manilhas e como o leito da servidão de passagem constituídos com as configurações descritas.

b.7. - Absterem-se praticar quaisquer actos que perturbem ou impeçam, seja o encaminhamento das águas, seja o livre acesso ao poço por parte dos herdeiros da A.

b.8. - Indemnizarem a A. por todos os prejuízos relevantes, já ocorridos e/ou que previsivelmente ainda venham a ocorrer e por isso ainda não determináveis, que tenham resultado e resultarem da impossibilidade de usufruir da água do poço, da dificuldade ou impossibilidade de acesso ao mesmo, com a reparação ou aquisição de um motor, a liquidar em sede de execução de sentença. 

       Para tanto alegaram em síntese que:

 Os autores são donos e legítimos possuidores de uma casa de habitação com respetivo logradouro sendo que o terreno resultou da divisão de um prédio maior que foi, em tempos, propriedade de uma só pessoa.

 Que nesse prédio mãe, existia um poço do qual era extraída água para a totalidade da propriedade.

 Tal poço situa-se na parcela que hoje é dos réus.

 Após a divisão os autores continuaram a retirar a água do poço, inicialmente para consumo doméstico e rega do espaço não construído, e nos últimos tempos, apenas para rega da horta e jardim.

 Para acederem ao poço os autores, saindo por um portão da sua propriedade, usavam uma faixa de terreno perpendicular à EN, sito na parcela hoje dos réus, e com o auxílio de um motor faziam a água chegar à sua propriedade por um rego em terra.

 Em 2012 os réus iniciaram construção de uma casa de habitação, e movimentaram terras, na parcela.

 Algumas das terras caíram dentro do poço soterrando-o, parcialmente, e elevaram a cota das terras circundantes.

 Com tais movimentos de terras por diversas vezes as águas pluviais inundaram o rés-do-chão da habitação estragando bens.

 Nos últimos tempos, não obstante o uso da água mediante um motor elétrico, o armazenamento não é o suficiente para as necessidades de rega.

       Os réus construíram um mudo que impede os autores de aceder ao poço.

 Os réus contestaram.

Alegaram, no que ora releva:

O poço encontra-se coberto.

Não foi o poço soterrado, continuando a recolher água.

Há muito que o autor da sucessão colocou um motor elétrico na sua propriedade para rega das suas culturas.

Foi o autor da sucessão quem procedeu à vedação da sua propriedade.

As inundações são causadas pela água pluvial que provem da estrada e não das águas que correm no rego que se situa nas traseiras da casa.

Não tem qualquer necessidade o prédio da autora, da água do poço.

A autora pela prática de atos, renunciou à água.

Pediram:

A improcedência da ação.

Em reconvenção pediram:

Que seja declarada extinta a servidão de água por  desnecessidade, por não uso e pede a condenação da autora como litigante de má-fé.

2.

Prosseguiram os autos a sua tramitação, tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido:

«Por tudo o exposto o tribunal julga parcialmente procedente a presente acção e parcialmente procedente a reconvenção e em consequência disso:

 A . Condena os réus DD e esposa EE a:

a. Reconhecer o direito de propriedade da A. sobre o prédio descrito em 5 dos factos provados;

b. Reconhecer o direito constituído por via da destinação de pai de família ao uso da água do poço actualmente implantado no terreno correspondente ao quintal da casa de habitação dos 1ºs RR, que é extraída mediante uma mangueira e um motor eléctrico instalado na propriedade da autora, para rega do terreno da autora;

c. Declarar que tal água não se encontra, actualmente partida;

d. A reconhecer a passagem forçada momentânea para, a eventualidade de conservar e manter o poço e equipamentos de extracção de água;

B . Condena a autora a reconhecer que a servidão de rego foi alterada, por ela mesma, há mais do que 20 anos, para uma servidão de aqueduto;

C. Condena a autora a reconhecer a extinção da servidão de passagem adminicula correspondente ao rego;

D. Absolver os réus dos restantes pedidos formulados pela autora;

E. Absolver a autora dos restantes pedidos reconvencionais;

F. Condenar a autora como litigante de má-fé na multa de 4 UC.

**

Custas a cargo da autora.»

3.

Inconformadas recorreram ambas as partes.

3.1.

Conclusões dos réus.

1ª) Entre outros vícios, a decisão recorrida padece da violação da norma do art. 607º, nº 4 do CPC e da norma do art. 205º, nº1 da Constituição da República Portuguesa;

2ª) Resulta da sentença recorrida que o Tribunal a quo não procedeu à análise crítica das provas, não procedeu à especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador ou, melhor dizendo, não explicitou o processo de formação da sua convicção ou referiu o substrato racional que conduziu à sua convicção;

3ª) De facto, tal norma deve ser interpretada e aplicada no sentido de que o Tribunal deve especificar os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a sua convicção se formasse em determinado sentido, ou a que valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência;

4ª) Como tal não ocorreu com a decisão recorrida, deve a mesma ser anulada e revogada com as legais consequências;

5ª) A sentença recorrida elencou os factos que considerou provados e realçou os que entendeu como não provados.

 6ª) Porém, é flagrante a falta de análise crítica das provas e a falta de especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.

7º) N caso dos autos, nenhuma das partes, sejam os AA sejam os RR, pediram a condenação ou o reconhecimento da existência de uma servidão de aqueduto.

8º) Os AA pediram que se reconhecesse, e que os RR fossem condenados a reconhecer o direito à servidão de passagem para os herdeiros do de cujus, ao poço para poderem aceder, conservar e manter, eliminando o muro na parte em que este obsta à passagem daqueles.

9º) Por sua vez, os RR, em sede de reconvenção, apenas pediram a extinção, por renúncia e não uso, da referida servidão de passagem, pelo facto de os AA se terem colocado numa situação de impossibilidade de acederem  daquele forma ao poço, ao construírem os mudos de vedação da casa que construíram em 1986 e posteriormente ampliaram em 1997.

10º) Apesar da condenação de reconhecimento na servidão de aqueduto não ser contra os aqui recorrentes, o certo é que a mesma extravasa, largamente, o âmbito e objecto destes autos, bem como o que foi pedido pelas partes.

11º) De acordo com o disposto no artigo 615º, nº 1, al. e) do CPC, é nula a sentença que condene em quantidade superior ou objecto diverso do pedido, pelo que, deverá ser reconhecida e declarada a nulidade da sentença, porquanto a mesma condena uma das partes em objecto diverso do que foi pedido.

12º) O tribunal a quo não deu aos RR qualquer oportunidade de liquidar os prejuízos sofridos com a litigância de má-fé por parte dos AA, quando na contestação/reconvenção estes pediram a condenação dos AA no pagamento de indemnização correspondente aos prejuízos sofridos com todos os transtornos, deslocações e demais despesas que os RR tiveram que suportar para se defender na presente lide, cuja liquidação se relegou para liquidação de sentença – vide artigo 152º da contestação / reconvenção

13º) O que no caso, fazia todo o sentido, já que quando tal pedido foi formulado, os autos em questão estavam a iniciar-se – o que ocorreu no ido ano de 2019 - tendo os mesmos acabado por durar mais de 5 anos, não sendo por esse motivo expectável que no momento em que deduziu o pedido de condenação dos AA como litigantes de má fé, os RR conseguissem apurar a real dimensão dos prejuízos sofridos com esta litigância de má fé.

14º) Na sentença é ainda referido que os autos não contêm qualquer informação sobre o número de deslocações que os RR tiveram que efectuar a ... por causa deste processo, quando na verdade até têm, pois constam ou pelo menos deveriam constar dos autos as presenças dos RR, nas diligências judiciais que foram levadas a cabo, sendo que dos mesmos constata-se a presença do RR DD nas diligências de 05-06-2024, 06-05- 2022, 03-09-2020 e 13-05-2021.

15º) Em face do exposto, bem como do disposto nos artigos 609º, nº 2 do CPC e 615º, nº 1, alínea d) do CPC, deve a sentença considerar-se nula, porquanto o Tribunal a quo deveria ter procedido à condenação dos AA como litigantes de má fé, em indemnização a pagar aos RR, em quantia que se viesse a apurar em sede de liquidação, tudo conforme os RR haviam expressamente pedido em sede de contestação/reconvenção.

16º) Violou, por esse motivo, o Tribunal a quo as referidas disposições legais referentes aos limites da condenação, previstos no artigo 615º, nº 2 do CPC, tendo-se pronunciado sobre questões que não deveria conhecer, por não ter elementos suficientes para proferir uma decisão, pelo que se impunha a condenação dos AA no que viesse a ser liquidado.

17º) Quanto à matéria de facto, da sentença recorrida resulta que o Tribunal a quo considerou que os AA, por si e através dos anteriores ante possuidores vinham tendo direito à água do poço, que actualmemte se encontra localizado no prédio do Réu DD, a qual era retirada do poço, tanto por aqueles AA, como por outros herdeiros e proprietários de prédios confinantes, primeiramente através de uma nora e posteriormente através de motores de cada um dos herdeiros transportava até ao poço, em dias e horas pré-determinadas, com o intuito de retirarem a água do poço e após a encaminharem por um rego até às parcelas que deveriam regar.

18º) Considerou ainda o Tribunal a quo que até à construção da casa e muros de vedação dos AA, o acesso ao poço e à água se fazia através de um caminho que passava na parcela de terreno que hoje é propriedade do Réu DD.

19º) Reconheceu ainda o Tribunal a quo que a partir da construção dos muros de vedação dos AA, o que ocorreu em 1986 e foi objecto de ampliação em 1997, os demais herdeiros passaram a não utilizar a água do poço, estando impossibilitados de ali aceder por causa dos referidos muros construídos pelos AA.

 20º) O Tribunal a quo reconheceu e aceitou, tanto que até verteu tal factualidade nos factos provados, que existiu uma alteração relevante na forma como o direito à água e ao poço passou a ser exercido (ou não) pelos AA após estes se terem colocado numa posição de impossibilidade de acesso ao poço, assim como os demais herdeiros.

21º) O que vale por dizer que, a partir desse momento – pelo menos desde 1986 – que deveriam existir evidências e factos que demonstrassem esta alegada nova forma de exercício do direito dos AA na utilização da água.

22º) Os factos dados como provados pelo Tribunal a quo não contêm a descrição desta concreta nova forma de exercício do direito de acesso à água por parte dos AA, de forma ininterrupta, de forma pacífica e à vista de todos, sem a oposição de quem quer que seja desde 1986 em diante, nos 20, 30 anos que se lhe seguiram.

23º) O único ponto que se refere a um período temporal de há mais de 15, 20, 30 anos nem sequer identifica os concretos usos que foram efectuados nessa janela temporal, sendo que do encadeamento dos factos provados, também não se consegue alcançar ao que é que o Tribunal a quo se pretende referir, nomeadamente se este período é até à construção da casa, se também é depois e por quem é que tais usos foram praticados, se pelos AA, se por quem …?

24º) A matéria de facto dada como provada na sentença recorrida é assim manifestamnete insuficiente para que o Tribunal a quo tenha chegado à conclusão e à condenação a quem chegou, isto é, que tenha reconhecido a existência de um direito, a favor dos AA, que desde 1986 tem vindo a ser exercido de forma significativamente distinta, tão distinta que até deu origem a que o Tribunal a quo tivesse declarado a extinção do acesso ao poço, que se vinha fazendo pela parcela de terreno propriedade do Réu DD.

25º) O Tribunal a quo julgou ainda incorrentamente os pontos 22), 33), 36), 37), 38), 40) a 42), 55), 57) e 61) dos factos provados, assim como o ponto 13 dos factos não provados, que ao invés, deveria estar no rol dos factos provados e deveria ter incluído pelo menos mais um facto no rol dos provados.

26º) No que ao ponto 22) dos factos provados considerou o Tribunal a quo que a casa do réu DD se encontra edificada no artigo ...07º, mas sem qualquer apoio nos documentos juntos aos autos, nomeadamente no processo de licenciamento camarário, bem como nas diversas certidões prediais juntas aos autos, sendo que no ponto 25 dos factos provados é referido que o licenciamento da casa foi solicitado para o prédio ...08 e não para o 9207º.

27º) Nos pontos 33) e 38) é referido que os AA retiravam a água do poço com recurso a um motor, ao que parece, colocado primeiramente e até à construção da casa junto ao poço (daí a alegada necessidade de utilizarem ocaminho de acesso ao poço) e depois de 1986 junto à parcela dos próprios AA..

28º) No entanto, percorrida toda a prova testemunhal, nomeadamente as testemunhas a quem o Tribunal a quo decidiu conferir credibilidade e que conheciam bem o local, nenhuma conseguiu referir a existência de qualquer motor por parte dos AA, quer junto ao poço, quer na parcela de terreno daqueles.

29º) Na descrição que o Tribunal a quo faz do depoimento de cada uma das testemunhas às quais conferiu credibilidade, nomeadamente das testemunhas HH, II e JJ, nenhuma delas conseguiu referir a existência de qualquer motor, quer junto ao poço, quer junto à casa dos AA, que fosse propriedade destes e fosse ou tivesse sido utilizado por estes para retirar água daquele poço, seja antes, seja depois da construção da casa e muros dos AA.

30º) Nesse sentido, vejam-se os depoimentos das referidas testemunhas, concretamente:

Testemunha HH, cujo depoimento se encontra gravado na audiência de julgamento no dia 30-01m-2024, entre as 09h50 e as 10h18m, concretamente os minutos 07m00s e 08m00s, 09m30s e os 10,59s, 18m00s e os 18m50s, 21m50s e os 23m50s.

Testemunha II, cujo depoimento se encontra gravado na audiência de julgamento do dia 30-01-2024, entre as 18h18m e as 10h38m, concretamente minutos 04m00s a 05m00s e em todo o seu depoimento.

Testemunha KK, cujo depoimento se encontra gravado no sistema citius na audiência de julgamento do dia 30-01-2024, entre as 10h39m e as 11h00, concretamente entre os minutos 05m00s e os 07m30s e durante todo o depoimento em que esta nunca refere a existência do motor ou saber sequer que os AA retirassem água do poço por alguma forma ou meio.

31º) Por sua vez, a testemunha LL, arrolada pelos AA, cujo depoimento se encontra gravado no sistema citius no dia 22-06-2022, entre as 15h45m e as 16h14m, foi a única a referir a existência de um motor a gasolina, propriedade dos AA antes e durante a construção da casa, que depois terá sido substituído por um motor eléctrico, tendo ainda referido que os AA não tinham quaisquer culturas no quintal aquando da construção da casa, só depois.

32º) Ainda assim, a referida testemunha não foi capaz de referir se tal forma de extração da água do poço de manteve ou não longo dos anos por parte dos AA, nomeadamente nos anos subsequentes, até aos dias de hoje, de forma a que se pudesse extrair a conclusão que os AA, após a construção da casa passaram a retirar a água do poço através daquele motor eléctrico e umas mangueiras de forma ininterrupta, à vista de todos e sem oposição de quem quer que seja.

33º) O depoimento desta testemunha é contrariado pelo depoimento da testemunha HH, já identificado supra, pessoa bastante conhecedora do local em questão, tanto antes, como durante e depois da construção da casa dos AA e foi peremptório em afirmar nunca ali ter visto qualquer motor pertença dos AA.

34º) O mesmo já não sucedendo com a testemunha LL que apenas revelou ter um melhor e maior conhecimento dos factos no período de construção da casa dos AA, que ocorreu já no remoto ano de 1986…

35º) Já a testemunha MM, cujo depoimento se encontra gravado no sistema citius na audiência de julgamento do dia 22- 46 06-2024, entre as 15h08m e as 15h36m, e relativamente a quem o Tribunal a quo optou (e mal) por conferir credibilidade, nunca referiu a existência de qualquer motor por parte dos AA para retirar água do poço – cfr. todo o depoimento da testemunha no qual não é feita qualquer referência ao motor.

36º) Além disso, a testemunha MM nunca deveria ter merecido qualquer credibilidade por parte do Tribunal, já que manifestou em diversas ocasiões, sentimentos de inimizade e animosidade relativamente aos RR, sobretudo ao Réu FF, pai do Réu DD, de quem a testemunha é irmão e tio respectivamente – cfr. minutos 01m00s e 01m50s e 14m00 e 15m00s.

37º) Sendo que o clima de animosidade foi detectado e presenciado pelo Meritíssimo Juiz que dirigiu os trabalhos – vide minutos 14m00 e 15m00 da gravação.

38º) Além disso, esta testemunha referiu ter estado emigrado no estrangeiro entre 1974 e o ano de 2007 – cfr. depoimento entre os minutos 17m00s e 19m00s.

39º) Circunstância que a coloca fora do conhecimento dos factos aqui em discussão, nomeadamente sobre a existência ou não de motor e forma de extração da água do poço por parte dos AA e período temporal em que o alegado direito dos AA se estaria novamente a constituir, desta feita, por recurso a uma extração mecânica.

40º) O mesmo se diga relativamente aos pontos 36. e 61 dos factos provados, que resultou de uma deficiente apreciação da prova, não só testemunhal, mas também documental e pericial produzida em audiência de julgamento.

41º) Quanto à prova testemunhal, resulta do depoimento das testemunhas HH, cujo depoimento se encontra gravado na audiência de julgamento no dia 30-01m-2024, entre as 09h50 e as 10h18m, concretamente os minutos 07m00s e 08m00s, 09m30s e os 10,59s, 18m00s e os 18m50s, 21m50s e os 23m50s, II, cujo depoimento se encontra gravado na audiência de julgamento do dia 30-01-2024, entre as 18h18m e as 10h38m, concretamente minutos 04m00s a 05m00s e em todo o seu depoimento e KK, cujo depoimento se encontra gravado no sistema citius na audiência de julgamento do dia 30-01-2024, entre as 10h39m e as 11h00, concretamente entre os minutos 05m00s e os 07m30s e durante todo o depoimento, que após a construção da casa e muros por parte dos AA, tanto os próprios AA como os demais herdeiros utilizadores habituais da água e do poço que o deixaram de fazer, porquanto os mesmos passaram a estar impedidos, por acção dos AA, de acederem ao poço e ali retirarem água.

42º) Nenhuma das testemunhas se referiu à existência de qualquer motor com o qual os AA pudessem retirar água do poço, facto este que seria impossível à testemunha NN não ter presenciado, atento o enorme conhecimento directo dos factos que este demonstrou ter do local, durante os últimos 40 a 50 anos.

43º) Por sua vez, a testemunha LL, arrolada pelos AA, cujo depoimento se encontra gravado no sistema citius no dia 22- 06-2022, entre as 15h45m e as 16h14m, foi a única a referir a existência de um motor a gasolina, propriedade dos AA antes e durante a construção da casa, que depois terá sido substituído por um motor eléctrico, com o propósito de os AA retirarem água do poço, sendo que antes e durante a construção da cada aqueles não tinham ali quaisquer culturas.

44º) Ainda assim, a referida testemunha não foi capaz de referir se tal forma de extração da água do poço de manteve ou não longo dos anos por parte  dos AA, nomeadamente nos anos subsequentes à construção da casa e muros, até aos dias de hoje, de forma a que se pudesse extrair a conclusão que os AA, após a construção da casa passaram a retirar a água do poço através daquele motor eléctrico e umas mangueiras de forma ininterrupta, à vista de todos e sem oposição de quem quer que seja, o que fazem há mais de 20, 30 anos.

45º) Sendo certo, repete-se, que o depoimento desta testemunha é contrariado pelo depoimento da testemunha HH, já identificado supra, pessoa bastante conhecedora do local em questão, tanto antes, como durante e ainda depois da construção da casa dos AA, tendo sido peremptório em afirmar nunca ali ter visto qualquer motor pertença dos AA e que após a construção da casa, os AA nunca mais tiraram água do poço.

46º) Além disso, nenhuma das testemunhas, refere a existência de qualquer tubo chupador no local, nem mesmo tal tubo é referido na primeira inspeção ao local realizada em Março de 2015 – vide acta de 20-05-2015 do processo nº 58/14.....

47º) Ora, se não se provou – como não de deveria ter provado - a existência de qualquer tubo chupador no local, ligado ao poço e ao motor, capaz de extrair água do mesmo, como pôde o Tribunal a quo dar como provado que era e é dessa forma que os AA desde a construção da casa e muros têm vindo a extrair água do referido poço?

48º) O Tribunal a quo considerou ainda, no ponto dos factos provados, que o Réu DD, na construção da sua casa, retirou toneladas de terra do terreno onde a mesma foi edificada – ponto 40.

49º) No entanto, nos autos inexiste qualquer prova a esse respeito.

50º) Nos pontos 41 e 42 dos factos provados é referido que os primeiros RR construíram um muro, confinante e paralelo com o muro de vedação da autora, com a finalidade de vedar a sua propriedade e que nessa construção foi mantido o tubo (chupador) do motor da autora no poço.

51º) Os RR desconhecem em que provas é que o Tribunal a quo alicerçou esta concreta convicção, já que, nenhuma testemunha referiu a existência do tubo chupador quer antes, quer depois da construção do muro.

52º) A prova pericial realizada é totalmente omissa a esse respeito.

53º) As inspeções judiciais realizadas, quer nos presentes autos, no dia 05- 06-2024, quer em processo judicial anterior, em 20-03-2015, cuja acta se encontra junta a este processo (concretamente no âmbito do processo nº 58/14.... que correu termos no Tribunal de Tondela – Instância Local – Secção de Competência Genérica – J...) não confirmam a existência no local de qualquer tubo chupador que pudesse estar ligado ao motor.

54º) O que se estranha – considerando a posição assumida pelo Tribunal a quo nos factos dados como provados, pois que a inspecção judicial realizada no âmbito do processo 58/14.... ocorreu em Março de 2015, isto é, em data muito próxima da data em que terá sido construído o muro de vedação dos RR (meados 2012), pelo que se algum tubo chupador ali existisse ou tivesse sido deixado, o mesmo certamente teria sido verificado no âmbito da referida inspecção judicial, o que não sucedeu.

55º) Na inspecção feita ao local realizada no dia 05-06-2024 foi constatada a existência no prédio dos AA de um motor que, após ter sido ligado, foi  possível verificar ter saído alguma água de uma mangueira à qual o motor se encontrava ligado.

56º) No entanto, nada garante ao Tribunal que aquela água, que saiu daquela mangueira, provinha efectivamente do poço localizado no prédio dos RR., já que não foi possível verificar no poço a existência de qualquer ligação ao referido motor.

57º) No que diz respeito ao ponto 57 dos factos provados, entendem os RR que o mesmo se encontra em contradição com os factos constantes dos pontos 55 e 56 do mesmo rol de factos provados.

58º) Da prova documental, a saber, da escritura pública junta aos autos relativa ao prédio ...07 resulta que este prédio apenas tinha direito a 1 dia de água do poço por semana.
59º) Também a testemunha que nos parece ter maior e melhor conhecimento de causa sobre este assunto, a saber a testemunha HH, cujo depoimento se encontra gravado na audiência de julgamento no dia 30-01-2024, entre as 09h50 e as 10h18m, concretamente entre os minutos 16m00s e 17m30s e 18m00s e 19m00s, também referiu que a água se encontrava dividida entre os vários utilizadores, não fazendo qualquer sentido ser doutra forma, caso contrário os utilizadores da água do poço corriam o risco de terem o trabalho em transportar o motor para retirar a água do poço e chegarem ao local e não terem água ou encontrarem alguém já a utilizar previamente a água, o que impedia ou pelo menos comprometia a extração da mesma.

60º) Pelo que, mal andou o Tribunal a quo em não ter considerado o depoimento da referida testemunha, que considerou credível, tendo ao invés optado por incluir factos provados contraditórios entre si.

61º) Nos factos dados como não provados o Tribunal a quo inclui um facto que, na verdade, deveria constar nos factos provados, a saber, o seguinte “a partir do momento em que o A. construiu o dito muro junto ao caminho romano – o que ocorreu em 1986 e foi depois objecto de ampliação em finais de Julho de 1997 – o poço e a respectiva água deixou de ser utilizada pela A., bem como pelos restantes herdeiros.»

62º) No que concerne à prova testemunhal diz respeito, reitera-se aqui tudo o que já foi referido anteriormente sobre os depoimentos das testemunhas HH, cujo depoimento se encontra gravado na audiência de julgamento no dia 30-01m-2024, entre as 09h50 e as 10h18m, concretamente os minutos 07m00s e 08m00s, 09m30s e os 10,59s, 18m00s e os 18m50s, 21m50s e os 23m50s, II, cujo depoimento se encontra gravado na audiência de julgamento do dia 30-01-2024, entre as 18h18m e as 10h38m, concretamente minutos 04m00s a 05m00s e em todo o seu depoimento e KK, cujo depoimento se encontra gravado no sistema citius na audiência de julgamento do dia 30-01-2024, entre as 10h39m e as 11h00, concretamente entre os minutos 05m00s e os 07m30s e durante todo o depoimento em que esta nunca refere a existência do motor ou saber sequer que os AA retirassem água do poço por alguma forma ou meio.

63º) Por sua vez, a testemunha LL, arrolada pelos AA, cujo depoimento se encontra gravado no sistema citius no dia 22- 06-2022, entre as 15h45m e as 16h14m, foi a única a referir a existência de um motor a gasolina, propriedade dos AA antes e durante a construção da casa, que depois terá sido substituído por um motor eléctrico, com o propósito de os AA retirarem água do poço, sendo que antes e durante a construção da  cada aqueles não tinham ali quaisquer culturas. Ainda assim, a referida testemunha não foi capaz de referir se tal forma de extração da água do poço de manteve ou não longo dos anos por parte dos AA, nomeadamente nos anos subsequentes, até aos dias de hoje, de forma a que se pudesse extrair a conclusão que os AA, após a construção da casa passaram a retirar a água do poço através daquele motor eléctrico e umas mangueiras de forma ininterrupta, à vista de todos e sem oposição de quem quer que seja.

64º) Sendo certo que o depoimento desta testemunha é contrariado pelo depoimento da testemunha HH, já identificado supra, pessoa bastante conhecedora do local em questão, tanto antes, como durante e depois da construção da casa dos AA e foi peremptório em afirmar nunca ali ter visto qualquer motor pertença dos AA e que após a construção da casa, os AA nunca mais tiraram água do poço.

65º) O mesmo já não sucedendo com a testemunha LL que apenas revelou ter um melhor e maior conhecimento dos factos no período de construção da casa dos AA, que ocorreu já no remoto ano de 1986…

66º) Contrariamente ao que é referido na sentença recorrida, os autos continham já, parcialmente alguns elementos sobre os prejuízos sofridos pelos RR a propósito da litigância de má fé dos AA, concretamente quanto às deslocações que pelo menos o Réu DD teve que efectuar à cidade ... por causa deste processo, sendo que as mesmas estão devidamente documentadas nas actas das diligências processuais levadas a cabo nos dias 03-09-2020, 13-05-2021, 06-05-2022, 05-04-2024.

67º) Em face do exposto, deve passar a constar dos factos como provados o seguinte facto que resulta das actas de audiência de parte e julgamento realizadas no âmbito deste processo:

- o Réu DD, para se poder defender nestes autos, teve que se deslocar ao Tribunal de Tondela, onde esteve presente, nos dias 03-09-2020, 13-05-2021, 06-05-2022 e 05-06- 2024.

68º) Devendo, em consequência da prova documental junta aos autos, a saber, actas das audiência realizadas tanto nestes autos, como no processo nº 58/14...., escritura pública referente ao prédio ...07º, bem como das testemunhas inquiridas e referidas supra, os pontos da matéria de facto dada como provada e não provada passar a ter a seguinte redação:

Dos factos provados:

22) No artigo matricial urbano nº ...23 da freguesia ..., concelho ..., correspondente à casa de habitação e terreno propriedade do Réu DD está incluída parte do artigo rústico inscrito na matriz sob o nº ...07.

33) Por forma a poderem aceder às paredes do poço, a fim de aí procederem ao acionamento dos mecanismos de extracção da água e toda a manutenção e conservação necessárias do poço, a cabeça de casal, até à construção da casa e muros, acediam directamente pela antiga estrada, seguindo depois no sentido norte/sul ao longo do rego pelo qual se deslocava água, por um pequeno caminho em terra batida, bem delimitado, calcado e visível, com a extensão de cerca 5 mt (o mesmo do rego condutor da água) e uma largura não apurada, mas que permitia a passagem de um animal para puxar a nora.

36) Com tal construção/vedação/ocupação do antigo leito da estrada, o que ocorreu em 1986 impediu, o autor da sucessão, que os restantes proprietários cujas parcelas confinam com a EN ...30, assim como se auto impediu de acederem ao poço e consequentemente à água e dela usufruírem, daí em diante.

38) deve ser eliminado e passar para os não provados.

40) deve ser eliminado e passar para os não provados.

42) deve ser eliminado e passar para os não provados.

52) deve ser eliminado e passar para os não provados.

61) A partir do momento que o A. construiu o dito muro junto ao caminho romano – o que ocorreu em 1986 e foi depois objecto de ampliação em finais de Julho de 1997 – o poço e a respectiva água deixaram de ser utilizados pelos restantes herdeiros, bem como pelos próprios AA.

65) o Réu DD, para se poder defender nestes autos, teve que se deslocar ao Tribunal de Tondela, onde esteve presente, nos dias 03-09-2020, 13-05-2021, 06-05-2022 e 05-06-2024.

 Dos factos não provados:

 - deve eliminar-se o ponto correspondente ao 13, devendo o mesmo transitar para os provados, o que equivale ao ponto 61 de acordo com as alterações a introduzir.

- Em momento não apurado, mas já depois de 1986, o autor da sucessão e a cabeça de casal, colocaram um motor eléctrico na sua parcela, mas com o chupador no poço, referido, conduzindo a água por mangueiras, regando a propriedade.

 - Para o que desenterraram e removeram toneladas de terra existentes no terreno onde a mesma seria edificada.

- Nessa construção foi mantido o tubo /(chupador) do motor da autora no poço.

- A água do poço nunca foi “partida” entre os sucessores das parcelas divididas.

69º) Independentemente das alterações a introduzir na matéria de facto dada como provada, o certo é que da matéria de facto já assente como provada, NÃO constam factos suficientes para se concluir e reconhecer, conforme o fez o Tribunal a quo, da existência de direito a favor dos AA constituído pela via da destinação de pai de família ao uso da água do poço actualmente implantado no terreno correspondente ao quintal da casa de habitação do Réus DD e EE, que é extraída mediante uma mangueira e um motor eléctrico instalado na propriedade da Autora, para rega do terreno desta.

70º) O Tribunal a quo reconheceu que existiram alterações muito relevantes na forma como o exercício do alegado direito passou (ou não) a ser exercido após a construção da casa e muros de vedação por parte dos AA., tão relevantes que levaram mesmo o Tribunal a quo a declarar a extinção da servidão de passagem adminicula correspondente ao rego que se encontrava associada à utilização da água daquele poço por parte dos AA e demais herdeiros utilizadores da água.

71º) Nesse sentido, impunha-se que dos factos dados como provados constassem os concretos factos que descrevessem que os AA, desde então e nos 15, 20, 30 anos subsequentes, de forma ininterrupta, a retirar a água do poço através de um motor e um tubo chupador que se encontrava ligado ao poço, em qualquer dia da semana, mês e a qualquer hora, sem qualquer limitação de tempo, o que vêm fazendo à vista de todos ,de forma pública e pacífica, sem oposição de quem quer que seja, na convicção de estarem a exercer um direito legítimo e próprio.

72º) Só que tais factos não constam na sentença recorrida.

73º) Acresce que, nem a A., nem a cabeça de casal, nem o marido contribuíram alguma vez na proporção da respectiva quota para as despesas, encargos ou o que quer que seja, para a limpeza e manutenção do poço, sobretudo depois de terem procedido à vedação dos limites da sua propriedade, o que também deve ser entendido como um acto de renúncia à utilização do poço e respectiva água, já que, é normal que alguém beneficie da utilização de um poço e respectiva água contribua ou diligencie de alguma forma para a manutenção e reparações do mesmo.

74º) Pelo que, mal andou o Tribunal a quo em não ter reconhecido e condenado os AA no reconhecimento da extinção da servidão de águas dos AA, por renúncia e/ou não uso.

75º) Pois resulta claro, quer da matéria de facto já dada como provada, bem como da que se pretende incluir e retirar do rol dos factos provados e não provados, que há mais de 20, 30 anos que os AA deixaram, por mote próprio, de utilizar a água do referido poço, nomeadamente quando procederam à construção da respectiva casa, bem como dos muros de vedação, sendo absolutamente fantasioso e destituído de qualquer racionalidade, razoabilidade e fundamento, sendo totalmente contrário às regras da experiência comum, que se possa sequer equacionar, em face dos elementos visíveis no local actualmemente, bem como há 10 anos atrás, que no local exista um motor ligado a um tubo chupador através do qual os AA procedem à extração de água do poço.

76º) Não contendo os autos, conforme não contêm, provas, nem factos que evidenciem de forma clara e objectiva que os AA, desde que construíram a respectiva casa e muros de vedação alteraram a forma de acesso ao poço e à água, tendo eliminado qualquer possibilidade de outros utilizadores ali acederem, assim como eles próprios, deveria o Tribunal a quo ter declarado a extinção daquele direito, quer por não uso, o que ocorre há mais de 20 anos, conforme prescreve o artigo 1569º, nº 1, alínea a) do CC, quer por via da renúncia ao direito, conforme previsto na alínea d) do nº 1 do artigo 1569º também do CC.

77º) Ao assim não ter procedido, violou o Tribunal a quo o disposto no artigo 1569, nº 1, alíneas b) e d) do Código Civil, assim como fez uma deficiente análise da prova produzida em audiência de julgamento, tanto documental, como pericial e testemunhal, assim como efectuou uma errada interpretação e integração dos factos dados como provados no direito….

Nos termos expostos e nos mais de direito aplicável, deve o presente recurso ser julgado de acordo com as premissas supra expostas, procedendo-se à anulação/revogação da decisão recorrida, reconhecendo-se e declarando-se, a final, a extinção da servidão de água constituída a favor dos AA sobre o prédios dos RR, dando-se ainda oportunidade aos RR para procederem à liquidação dos prejuízos sofridos com a litigância de má fé dos AA, tudo com as demais consequências legais.

3.2.

Conclusões da autora Herança Ilíquida e Indivisa.

I. O Recorrente discorda da decisão de facto do Tribunal recorrido quanto aos pontos 31, 36, 60, 61, 53 e 64 dos factos considerados provados.

II. No que toca ao ponto 31, propomos a sua alteração de modo que dele passe a constar que a canalização de manilhas servia não apenas para conduzir a água de rega, mas também para escoar águas pluviais e os sobrantes do poço, sugerindo-se a seguinte redacção: “31- Posteriormente, em data não apurada, o autor da sucessão, na zona da sua propriedade colocou uma canalização de manilhas em cimento para conduzir a água de rega, para as parcelas que ficavam após a parcela da autora, bem assim como as águas pluviais e as águas sobrantes quando o poço transbordasse.”

III. Já no tocante ao ponto 36., antolha-se-nos que inexistem razões para que o Tribunal recorrido considerasse provado que o autor da sucessão impediu o acesso ao poço e, consequentemente à água, atento o facto de esse acesso sempre se ter processado a partir da Rua ..., pelo que o troço do caminho público ocupado em decorrência da permuta com a JAE não obstaculizou o acesso, da forma como este sempre se processou.

IV. Em consequência, deve o ponto 36. do elenco de factos provados passar a referir: “36- Com tal construção/vedação/ocupação do antigo leito da estrada, o autor da sucessão impediu a continuação da utilização do caminho público a partir do muro da sua propriedade, continuando, porém, os restantes proprietários a poder aceder ao poço e, consequentemente, à água a partir da Rua ..., continuando pelo caminho público até ao muro da casa da A., onde podiam flectir para a esquerda, em direcção ao poço, trajecto que já anteriormente era utilizado para esse acesso.”

V. Pela mesma ordem de razões, os pontos 60. e 61. devem ver a sua redacção alteradas expurgando-se do ponto 60. o seu segmento final, passando tão somente a dizer: “60. Já em 1986 a cabeça de casal e o falecido marido tinham vedado a respectiva propriedade fazendo uma permuta de terrenos com a direcção de estradas”.

VI. O ponto 61. deve ser alterado, por não ser possível estabelecer qualquer nexo de causalidade entre a construção do muro da A. e a cessação da utilização da água pelos demais proprietários, desde logo por não se ter provado quando esta ocorreu.

VII. Assim, sugere-se que este ponto passe a conhecer a seguinte redacção: “61. A A. construiu o dito muro junto ao caminho romano em 1986, com uma ampliação em finais de Julho de 1997, tendo o poço e a respectiva água deixado de ser utilizada pelos restantes herdeiros em data não concretamente apurada.”

VIII. Para se conformar com a prova produzida, designadamente os depoimentos antecedentemente transcritos, deve o ponto 63. passar a ter a seguinte redacção: “63. Ao construírem o muro do logradouro, a cabeçe de casal e o marido deixaram uma abertura no muro, constituída por um portão de rede, na estrema norte do seu prédio, que confina com o prédio do Réu DD, que utilizavam para aceder ao poço.”

 IX. O ponto 64. deve ser suprimido do elenco dos factos provados, por se ter provado realidade oposta à que dali consta.

X. Ao elenco dos factos provados, devem ser acrescentados os seguintes pontos, do nosso ponto de vista incorrectamente julgados como não provados:

 i) “63-A. No ano de 2013, ignorando por completo os mencionados direitos do de cujus e da cabeça de casal, os RR aquando da realização das escavações para a construção da casa aí edificada, com a movimentação de terras inerentes a tais tarefas, começaram a introduzir terra no interior do dito poço.”

ii) “63-B. De tal forma que, acabaram por cobrir também o motor ali existente, impedindo assim o seu funcionamento, utilização e aproveitamento por parte do de cujus e da cabeça de casal.”

iii) “63-C. Os réus com a construção do muro começaram a eliminar os vestígios existentes, tanto do rego de condição das águas do poço, como do caminho de acesso ao mesmo a partir do portão implantado no muro de divisão entre os dois logradouros, entupindo de terra as referenciadas manilhas de canalização.”

iv) “63-D. A autora, pelos actos dos réus, encontra-se impedida de aceder e usufruir da água do poço para os supra indicados fins, faz com que tenha de gastar, e pagar, mais água proveniente da rede pública de abastecimento.”

v) “63-E. O motor utilizado para a extracção da água do poço encontrase impedido de poder funcionar de modo a extrair de forma normal a água que até aí sempre foi obtida de forma regular.”

XI. Diferentemente do que concluiu o Tribunal recorrido, a servidão de rego só foi substituída por uma servidão de aqueduto, através da colocação de manilhas, no trajecto posterior ao portão da A., não estando verificada essa, ou outra substituição no troço entre o poço e esse portão.

XII. Pelo que, mantém-se o direito da A. ao acompanhamento da água ao longo do rego, devendo os RR. ser condenados a reconhecer o direito da A. à servidão adminicula de passagem nesse troço, eliminando o muro que impede essa passagem.

 XIII. Ainda que assim não se entenda, falece flagrantemente o pressuposto em que o Meritíssimo Juiz a quo baseou a condenação da A. como litigante de má fé: o de que estaria a pedir o reconhecimento de uma servidão que ela própria substituiu por uma servidão de aqueduto, uma vez que esta se situa num troço diferente daquele em que a A. pede esse reconhecimento.

XIV. Devem ainda os RR. ser condenados a retirar toda a terra, objectos e materiais, seja do interior do poço, seja do rego que antes existia, das manilhas e do caminho de passagem para o poço.

XV. Devem, outrossim, repor o leito daquela servidão de passagem no estado em que se encontrava previamente à sua destruição, de forma a torna-lo transitável em toda a sua extensão e largura.

XVI. Devem abster-se de, no futuro, voltar a lavrar ou por qualquer meio destruir as manilhas e de praticar quaisquer actos que perturbem ou impeçam o encaminhamento das águas para o prédio da A..

XVII. O pedido reconvencional deve ser julgado improcedente, por não provado, in totum, ou, quando muito, deve apenas a A. ser condenada a reconhecer que a servidão de rego foi alterada no troço situado a jusante do seu portão e do seu muro, em direcção a sul, parte em que foi substituída por uma servidão de aqueduto, extinguindo-se a servidão de passagem adminicula correspondente ao rego mas tão só nesse segmento.

XVIII. Deve a A. ser absolvida do pedido da sua condenação em litigante de má fé, que não se pode manter, até porque o Tribunal recorrido se socorre de putativos comportamentos da A. que não se materializam nos presentes autos.

XIX. Deve a condenação da A. no pagamento da totalidade das custas, proferida em 1ª instância, ser revoagada, ante a parcial procedência da acção e substituída por outra que condene as partes em função do seu decaimento.

XX. Ao decidir em sentido contrário, a, aliás douta, sentença recorrida, interpretou incorrectamente os comandos dimanados dos artigos 527.º 1 e 2 com o n.º 6 do artigo 607.º, 542º todos do CPC, 1549º e 1564º do CC.


4.
Sendo que, por via de regra: artºs  635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas  são, lógica e metodológicamente,  as seguintes:
A - Do recurso dos réus:
1ª – Nulidade da sentença, devendo dar-se oportunidade aos RR para procederem à liquidação dos prejuízos sofridos com a litigância de má fé dos AA.
B – Dos dois recursos:
2ª- Alteração da decisão sobre a matéria de facto.
C – Do recurso dos réus:
3ª – Inexistência do direito ao uso da água do poço sito no terreno dos réus ex vi de  servidão constituída a favor dos AA.  por destinação do pai de família; ou extinção da mesma pela renúncia ou não uso.
C – Do recurso da autora Herança Jacente:
4ª – Procedência da ação e improcedência da reconvenção.
5ª – Absolvição da sua condenação como litigante de má fé.
6ª – Custas a cargo dos réus ou repartição de custas.
5.
Apreciando.
5.1.
Primeira questão.
Os réus invocam a nulidade da sentença por omissão de pronúncia e   por  condenação em objeto diverso, ao abrigo do artº 615º nº1 als.  d) e  e) do CPC.
Dizem, para tanto, que o tribunal  condenou numa servidão de aqueduto, quando ninguém a pediu, e  que não se pronunciou sobre o seu pedido de indemnização por litigância de má fé, a liquidar oportunamente no respetivo incidente.
Prescreve o artº 615º do CPC que a sentença é nula quando:
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
e) e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
O segmento normativo da al. d) conexiona-se com o estatuído nos arts. 154º e 608º do mesmo diploma, ou seja, com o dever do juiz administrar a justiça proferindo despachos ou sentenças sobre as matérias pendentes – artº 152º - e com a necessidade de o juiz dever conhecer das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica.
E, bem assim,  de resolver todas as questõese apenas estas questões, que não outras, salvo se de conhecimento oficioso - que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras –artº608º.
Porém, como é consabido e constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, não se devem confundir «questões» a decidir, com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes.
A estes não tem o tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas às pretensões formuladas e aos elementos inerentes ao pedido e à causa de pedir –cfr. Rodrigues Bastos, in Notas ao CPC, 2005, p.228; Antunes Varela in RLJ, 122º,112 e, entre outros, Acs. do STJ de 24.02.99, BMJ, 484º,371 e de 19.02.04, dgsi.pt.
Quanto à al. d) verifica-se, versus o entendido pelos réus recorrentes, que o julgador se pronunciou quanto à questão da má fé, e, no âmbito de tal pronúncia, aludiu à impossibilidade de fixação de valor na vertente indemnizatória/compensatória, tendo apenas condenado na vertente sancionatória.
O que fez nos seguintes termos:

«Dos autos resulta claramente que a autora, pelo autor da sucessão praticou actos contrários ao direito que pretende ver declaro nos presentes autos, sendo um conjunto de actos tendentes a obstaculizar o direito dos réus construírem a sua habitação.

Assim ter-se-á que concluir que o autor não procedeu com o cuidado devido. 

Os réus pedem que seja a autora condenada, para além das taxas de justiça devidas e encargos processuais que serão reclamados em sede de custas de parte, importam essencialmente no tempo por si despendido com as necessárias viagens a esta cidade ... por causa da acção e bem assim nos custos das mesmas viagens feitas em viatura própria.

       Dou autos não resulta quantas e em que data foram efectuadas.

       Assim não é possível fixar o valor dos mesmos.»
Logo, inexistiu omissão de pronúncia quanto a esta questão e a esta vertente indemnizatória.

Pode é ter existido ilegalidade, por menos adequada interpretação da abrangência  do pedido indemnizatório dos réus ao abrigo da má fé e do disposto no artº 543º do CPC.

Ou seja, por entender que o pedido ressarcitório dos réus se resumia essencialmente às viagens.

Sendo que ele ia para além destas, como dimana do artº 152º da contestação e é permitido pela al. b) do artº 543º.

Efetivamente este preceito estatui:

Conteúdo da indemnização

«1 - A indemnização pode consistir:

a)- No reembolso das despesas a que a má-fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos;

b)- No reembolso dessas despesas e na satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência direta ou indireta da má-fé.

Vemos assim que ele abrange  «duas modalidades de indemnização: a indemnização simples, prevista na al. a) “que abarca apenas as despesas diretamente relacionadas com a conduta maliciosa do litigante.”, e a indemnização agravada, prevista na al. b), que, a par dessas despesas, cobre ainda outros prejuízos “correspondentes a danos emergentes e lucros cessantes que tenham, direta ou indiretamente, por fonte o comportamento doloso ou gravemente negligente, sem exclusão dos danos de natureza patrimonial, desde que com a litigância tenham o nexo de causalidade exigido por lei.» - Ac. TRL 14.12.2023, p. 2071/13.0TYLSB-C.L1-1.

E, outra vertente, por eventualmente menos bem ter interpretado o disposto nos  seus nºs 2 e 3, a saber:

2 - O juiz opta pela indemnização que julgue mais adequada à conduta do litigante de má-fé, fixando-a sempre em quantia certa.

3 - Se não houver elementos para se fixar logo na sentença a importância da indemnização, são ouvidas as partes e fixa-se depois, com prudente arbítrio, o que parecer razoável, podendo reduzir-se aos justos limites as verbas de despesas e de honorários apresentadas pela parte.

Destarte, reitera-se que neste particular conspeto, a invocada omissão de pronúncia inexiste.
Pode  é existir aqui ilegalidade da sentença.
O que se apreciará em sede de apreciação das questões relativas à matéria de facto e à litigância de má fé.
Já quanto à al. e) urge ter presente que:

«Só pode equacionar-se a hipótese de haver nulidade por condenação em objecto diverso do pedido, por alteração da qualificação jurídica, desde que a convolação qualificativa seja tão ampla que conduza a um modo de tutela de conteúdo essencialmente diferente do pretendido pelas partes. - Ac. STJ de 08.03.2022, p. 21074/18.2T8PRT.P1.S1, in dgsi.pt.

(sublinhado nosso)
Acresce que o recurso apenas é admissível para a parte ou interessado que tenha ficado vencido, ou, ao menos negativamente afetado, prejudicado,  pela decisão– artº 631º do CPC.
Por outro lado,  não se pode olvidar e/ou confundir a destrinça entre decisão nula e decisão ilegal.
As nulidades  da sentença são vícios formais intrínsecos da mesma que a inquinam, desde logo como instrumento jurídico comunicante primordial do processo que se pretende clara, congruente e completa, porque decisora de todas as questões postas pelas partes.
Já a ilegalidade da mesma,  é vício substantivo que emerge quando o juiz, decidindo, o que se impõe na causa, não o faz de acordo com os factos provados e/ou a lei aplicável, na melhor subsunção e exegese exigíveis.
Assim sendo,  in casu, a aventadas nulidades inexistem.
A da alínea e) porque, tendo os recorrentes admitido  que a «condenação de reconhecimento na servidão de aqueduto não ser contra si,», obviamente são eles próprios a reconhecer que com tal decisão não ficaram prejudicados.
Logo, não têm legitimidade para, nesta parte, recorrerem ou arguirem nulidades, porque a tal impede o disposto no artº 631º do CPC.
Depois, mesmo que assim não fosse, tal condenação não extravasa, essencial e intoleravelmente, o objeto dos autos, rectius o pedido feito pelas autoras.
Antes se podendo considerar um minus perante tal pedido.
Pois que a servidão de aqueduto é menos onerosa e pesada para o prédio serviente do que a servidão adminicula para acompanhamento do rego, a qual inclui o direito irrestrito de passagem até ao poço; e mostrando-se ainda idónea a tutelar os interesses prosseguidos pela demandante quanto  ao uso da água do poço.
Pelo que não extravasa intoleravelmente o módulo jurídico dentro do qual as partes se movimentam, bem como os pedidos por elas formulados, rectius o pedido das autoras relativo à fruição da água do poço.
5.2.
Segunda questão.
5.2.1.
No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5  do CPC.
Perante o estatuído neste artigo, exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação – cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.
O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente;  mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed.  III, p.245.
Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.
Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.
Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.
Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.
Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.
Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.
O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.
E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis.
Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade– a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 19.05.2005  e de 23-04-2009  dgsi.pt., p.09P0114.
Nesta conformidade  constitui jurisprudência sedimentada, que:
«Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela. – Ac. do STJ de.20.05.2010,, p. 73/2002.S1.  in dgsi.pt pt; e, ainda, Ac. STJ de 02-02-2022 - Revista n.º 1786/17.9T8PVZ.P1.S1.
5.2.2.
Por outro lado, e como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, o recorrente não pode limitar-se a invocar mais ou menos abstrata e genericamente, a prova que aduz em abono da alteração dos factos.
 A lei exige que os meios probatórios invocados imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida.
Ora tal imposição não pode advir, em termos mais ou menos apriorísticos, da sua, subjetiva, convicção sobre a prova.
Porque, afinal, quem  tem o poder/dever de apreciar/julgar é o juiz.
Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve o recorrente efetivar uma análise concreta, discriminada – por reporte de cada elemento probatório a cada facto probando - objetiva, crítica, logica e racional, do acervo probatório produzido, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão.
 A qual, como é outrossim comummente aceite, apenas pode proceder se se concluir que o julgador apreciou o acervo probatório  com extrapolação manifesta dos cânones e das regras hermenêuticas, e para além da margem de álea em direito probatório permitida e que lhe é concedida.
E só quando se concluir que  a  natureza e a força da  prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção,  se podem censurar as respostas dadas.– cfr. neste sentido, os Acs. da RC de 29-02-2012, p. nº1324/09.7TBMGR.C1, de 10-02-2015, p. 2466/11.4TBFIG.C1, de 03-03-2015, p. 1381/12.9TBGRD.C1 e de 17.05.2016, p. 339/13.1TBSRT.C1; e do STJ de 15.09.2011, p. 1079/07.0TVPRT.P1.S1., todos  in dgsi.pt;
5.2.3.
Finalmente urge  ter presente os requisitos formais da impugnação.
Neste sentido, estatui o artº 640º do CPC:
«1 — Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;»
Certo é que o cumprimento destes requisitos formais  deve ser avaliado em função de critérios de razoabilidade e proporcionalidade.
Pelo que, presentemente, é entendimento maioritário dos tribunais de recurso – Relações e STJ -  que o não cumprimento, apenas  nas conclusões, do requisito da al. a) do nº2 – indicação com exatidão das passagens da gravação dos depoimentos em que se estriba – não é motivo de indeferimento liminar se tal foi cumprido no corpo alegatório. – cfr. Ac. do STJ de 19.06.2019, p. 7439/16.8T8STB.E1.S1.
De notar que a falta  de cumprimento destes requisitos formais não admite convite ao aperfeiçoamento das conclusões recursivas.
Na verdade, não pode aqui fazer-se uma equiparação com o estatuído no artº 639º nº3, pois que o caso não é de deficiência, mas antes de omissão de um requisito legal.
E, máxime quanto à não indicação das passagens precisas da gravação respeita, a lei é clara e imperativa; tal omissão implica a «imediata rejeição do recurso», não  concedendo, pois,  a lei mais tempo para o aperfeiçoamento -  Neste sentido  cfr. Ac. do STJ S 27.10.2016, p. 110/08.6TTGDM.P2.S1 e Henrique Antunes, ob. e loc. cits.
Assim, tais exigências que «devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.» - A . Geraldes  in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, ps. 126 /128.
(sublinhado nosso)
A ratio interpretativa é a seguinte:
«Esta solução é inteiramente compreensível e tem a sustentá-la a enorme pressão (geradora da correspondente responsabilidade) que durante décadas foi feita para que se modificasse o regime de impugnação da decisão da matéria de facto e se ampliassem os poderes da Relação a esse respeito, a pretexto dos erros de julgamento que o sistema anterior não permitiria corrigir. Além disso, pretendendo o recorrente a modificação da decisão da 1ª instância e dirigindo uma tal pretensão a um tribunal que nem sequer intermediou a produção da prova, é compreensível uma maior exigência no que concerne à impugnação da matéria de facto, impondo, sem possibilidade de paliativos, regras muito precisas.» - A . Geraldes, ob. e loc. cits.
5.2.4.
In casu.
5.2.4.1.
Os réus insurgem-se contra os pontos de facto 22), 33), 36), 37), 38), 40) a 42), 55), 57) e 61) dos factos provados, e, bem assim, contra o ponto 13 dos factos não provados.
Têm eles o seguinte teor:

33. Por forma a poderem aceder às paredes do poço, a fim de aí procederem ao accionamento dos mecanismos de extracção da água e toda a manutenção e conservação necessárias, seja do poço, seja do motor ali colocado, a cabeça de casal, até certo momento, acediam directamente pela antiga estrada, seguindo depois no sentido norte/sul ao longo do rego pelo qual se deslocava a água, por um pequeno caminho em terra batida, bem delimitado, calcado e visível, com a extensão de cerca de 5 mt (o mesmo do rego condutor da água) e uma largura não apurada, mas que permitia a passagem de um animal para puxar a nora.

Resposta pretendida:

33) Por forma a poderem aceder às paredes do poço, a fim de aí procederem ao acionamento dos mecanismos de extracção da água e toda a manutenção e conservação necessárias do poço, a cabeça de casal, até à construção da casa e muros, acediam directamente pela antiga estrada, seguindo depois no sentido norte/sul ao longo do rego pelo qual se deslocava água, por um pequeno caminho em terra batida, bem delimitado, calcado e visível, com a extensão de cerca 5 mt (o mesmo do rego condutor da água) e uma largura não apurada, mas que permitia a passagem de um animal para puxar a nora.

36. Com tal construção/vedação/ocupação do antigo leito da estrada, impediu, o autor da sucessão, que os restantes proprietários cujas parcelas confinam com e EN ...30, acedessem ao poço e consequentemente à agua.

Resposta pretendida:

36) Com tal construção/vedação/ocupação do antigo leito da estrada, o que ocorreu em 1986 impediu, o autor da sucessão, que os restantes proprietários cujas parcelas confinam com a EN ...30, assim como se auto impediu de acederem ao poço e consequentemente

37. Os identificados usos foram efectuados há bem mais de 15, 20 e 30 anos, pública e pacificamente, à frente de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja, com exclusão de outrem, continuada e ininterruptamente, a qualquer hora dos sete dias da semana, sempre e em qualquer dos casos na convicção de exercerem um direito legítimo e próprio.

Resposta pretendida:

Não indicada.

38. Em momento não apurado, mas já depois de 1986, o autor da sucessão e a cabeça de casal, colocaram um motor eléctrico na sua parcela, mas com o chupador no poço, referido, conduzindo a água por mangueiras, regando a propriedade.

Resposta pretendida:

Não provado.

40. Para o que desenterraram e removeram toneladas de terra existentes no terreno onde a mesma seria edificada.

Resposta pretendida:

Não provado.
41. Os 1ºs RR construíram um muro, confinante e paralelo com o muro de vedação da autora, com a finalidade de vedar a sua propriedade. 
Resposta pretendida:
Não indicada.
42. Nessa construção foi mantido o tubo (chupador) do motor da autora no poço.
 Resposta pretendida:
Não provado.
55. À data da outorga da escritura de partilha do prédio originário, tinha natureza rústica e pertencia a três herdeiros, de entre os quais se contava a cabeça de casal BB, tal significa que o artigo 9207 tinha um dia de água por semana, o qual era dividido pelos 3 herdeiros.
Resposta pretendida:
Não indicada.
57. A água do poço nunca foi “partida” entre os sucessores das parcelas divididas.
Resposta pretendida:
Não provado.
61. A partir do momento em que a A. construiu o dito muro junto ao caminho romano – o que ocorreu em 1986 e foi depois objecto de ampliação em finais de Julho de 1997 - o poço e a respectiva água deixou de ser utilizada pelos restantes herdeiros.
Resposta pretendida:
61) A partir do momento que o A. construiu o dito muro junto ao caminho romano – o que ocorreu em 1986 e foi depois objecto de ampliação em finais de Julho de 1997 – o poço e a respectiva água deixaram de ser utilizados pelos restantes herdeiros, bem como pelos próprios AA.
13- a partir do momento em que a A. construiu o dito muro junto ao caminho romano – o que ocorreu em 1986 e foi depois objecto de ampliação em finais de Julho de 1997 - o poço e a respectiva água deixou de ser utilizada pela A., bem como pelos restantes herdeiros – cfr. – cfr. docs. nºs 6 a
Resposta pretendida:
Provado.
Já a autora impugna os factos dados como provados  nos seguintes pontos: 31, 36, 60, 61, 53 e 64.
O que pretende nos seguintes termos:
II. No que toca ao ponto 31, propomos a sua alteração de modo que dele passe a constar que a canalização de manilhas servia não apenas para conduzir a água de rega, mas também para escoar águas pluviais e os sobrantes do poço, sugerindo-se a seguinte redacção:
“31- Posteriormente, em data não apurada, o autor da sucessão, na zona da sua propriedade colocou uma canalização de manilhas em cimento para conduzir a água de rega, para as parcelas que ficavam após a parcela da autora, bem assim como as águas pluviais e as águas sobrantes quando o poço transbordasse.”

III. Já no tocante ao ponto 36., antolha-se-nos que inexistem razões para que o Tribunal recorrido considerasse provado que o autor da sucessão impediu o acesso ao poço e, consequentemente à água, atento o facto de esse acesso sempre se ter processado a partir da Rua ..., pelo que o troço do caminho público ocupado em decorrência da permuta com a JAE não obstaculizou o acesso, da forma como este sempre se processou.

IV. Em consequência, deve o ponto 36. do elenco de factos provados passar a referir:

“36- Com tal construção/vedação/ocupação do antigo leito da estrada, o autor da sucessão impediu a continuação da utilização do caminho público a partir do muro da sua propriedade, continuando, porém, os restantes proprietários a poder aceder ao poço e, consequentemente, à água a partir da Rua ..., continuando pelo caminho público até ao muro da casa da A., onde podiam flectir para a esquerda, em direcção ao poço, trajecto que já anteriormente era utilizado para esse acesso.”

V. Pela mesma ordem de razões, os pontos 60. e 61. devem ver a sua redacção alteradas expurgando-se do ponto 60. o seu segmento final, passando tão somente a dizer:

“60. Já em 1986 a cabeça de casal e o falecido marido tinham vedado a respectiva propriedade fazendo uma permuta de terrenos com a direcção de estradas”.

VI. O ponto 61. deve ser alterado, por não ser possível estabelecer qualquer nexo de causalidade entre a construção do muro da A. e a cessação da utilização da água pelos demais proprietários, desde logo por não se ter provado quando esta ocorreu.

VII. Assim, sugere-se que este ponto passe a conhecer a seguinte redacção:

61. A A. construiu o dito muro junto ao caminho romano em 1986, com uma ampliação em finais de Julho de 1997, tendo o poço e a respectiva água deixado de ser utilizada pelos restantes herdeiros em data não concretamente apurada.”

VIII. Para se conformar com a prova produzida, designadamente os depoimentos antecedentemente transcritos, deve o ponto 63. passar a ter a seguinte redacção:

“63. Ao construírem o muro do logradouro, a cabeçe de casal e o marido deixaram uma abertura no muro, constituída por um portão de rede, na estrema norte do seu prédio, que confina com o prédio do Réu DD, que utilizavam para aceder ao poço.”

 IX. O ponto 64. deve ser suprimido do elenco dos factos provados, por se ter provado realidade oposta à que dali consta.

X. Ao elenco dos factos provados, devem ser acrescentados os seguintes pontos, do nosso ponto de vista incorrectamente julgados como não provados:

 i) “63-A. No ano de 2013, ignorando por completo os mencionados direitos do de cujus e da cabeça de casal, os RR aquando da realização das escavações para a construção da casa aí edificada, com a movimentação de terras inerentes a tais tarefas, começaram a introduzir terra no interior do dito poço.”

ii) “63-B. De tal forma que, acabaram por cobrir também o motor ali existente, impedindo assim o seu funcionamento, utilização e aproveitamento por parte do de cujus e da cabeça de casal.”

iii) “63-C. Os réus com a construção do muro começaram a eliminar os vestígios existentes, tanto do rego de condição das águas do poço, como do caminho de acesso ao mesmo a partir do portão implantado no muro de divisão entre os dois logradouros, entupindo de terra as referenciadas manilhas de canalização.”

iv) “63-D. A autora, pelos actos dos réus, encontra-se impedida de aceder e usufruir da água do poço para os supra indicados fins, faz com que tenha de gastar, e pagar, mais água proveniente da rede pública de abastecimento.”

v) “63-E. O motor utilizado para a extracção da água do poço encontra-se impedido de poder funcionar de modo a extrair de forma normal a água que até aí sempre foi obtida de forma regular.”

O Sr. Juiz fundamentou a decisão factual em toda a prova produzida, e que foi abundante, qual seja:  a prova documental, pessoal, pericial, e por inspeção ao local.

Fê-lo, porém, de um modo algo genérico e indiferenciado, não reportando, como devia, cada um dos concretos meios probatórios aos concretos pontos de facto probandos a que dizem respeito.

O que constitui má técnica jurídica,  ficando no limiar da falta de fundamentação, ou  na   fundamentação insindicável; e, em todo o caso,  dificultando a apreciação  desta matéria por este  tribunal ad quem.

Já as partes pugnam pela sua pretensão, essencialmente por apelo à prova pessoal.

Foi apreciada a prova.

Perscrutemos, pois.

5.1.4.2.

Do recurso dos réus.

Facto do ponto 22.

A referência ao artº 9207 é algo incongruente com o teor do ponto 25, no qual se refere que:

No referenciado procedimento administrativo, DD declarou que a sua casa de habitação deveria ser edificada no prédio rústico inscrito na matriz da freguesia ..., sob o artigo ...08.

Mas, acima de tudo, está em contradição com o teor do ponto 15, no qual se plasma que:

 os RR. DD e esposa EE são os proprietários de uma casa de habitação, onde residem, construída em partes dos artigos rústicos ...07 e ...08.

Assim, perante este ponto, que é aceite pelas partes, o ponto 22, é contraditório e excrescente, pelo que se impõe a sua eliminação, ficando apenas a constar o teor daqueles pontos.

O que se efetivará.

Pontos 33 e 38.

É obvio que a água do poço, para que este seja útil, tem dele ser retirada por qualquer meio ou forma.

Houve testemunhas como o LL e o MM que verbalizaram ter sido usada, inicialmente, uma nora, até puxada por animais.

Depois outras, como o HH e o II, disseram que mais tarde foi usado um motor, pelos vistos, a gasolina, de combustão interna, e, mais tarde, um motor elétrico.

O motor foi visto nas inspeções.

Na inspeção de fls. 343 vº ficou inclusive consignada:

 «a existência de um motor elétrico, o qual extrai água do poço que se situa na  propriedade dos réus.»

Por conseguinte, a convicção do julgador quanto à existência do motor e ao seu uso pelo AA e pela autora para retirar a água do poço, não pode ser censurada.

Ademais, é também apodítico que o motor, para ser útil e tirar a água do poço, necessita  de a ele estar ligado através de uma mangueira, ou de  tubo chupador, que entre dentro do poço.

O facto de não se ter visto não quer dizer que inexista.

Antes pelo contrário, como se viu: se o motor existe, o normal é que o tubo exista, senão o motor é inútil.

Acresce que o tubo pode estar dentro do poço e soterrado, o que, à partida, não permite a sua observação.

Se na inspeção se pôs o motor a trabalhar, se dele saiu água, e se não se provou que o motor estava ligado a outra fonte de água, a lógica e normal conclusão a retirar - tendo, inclusive, em consideração, que o fito da inspeção era averiguar deste concreto poço e saber como a água  dela era retirada  -  é que tal água provinha do poço  - como aliás ficou a constar na assentada da inspeção -, e era conduzida pelo tubo a ele ligado.

E competindo aos réus, logo em sede de inspeção e no local, contrariar essa presunção, ou insurgir-se contra o teor da assentada, exigindo que se verificasse a existência do tubo chupador/mangueira no poço e a sua ligação ao motor dos autores, e, se tal não acontecesse, provando que a água provinha doutra fonte de abastecimento.

Assim não tendo acontecido, e perante o teor da assentada e tal  lógica conclusão e presunção, que não foi contrariada ou ilidida, o teor destes pontos tem de manter-se.

Pontos 36 e 61.

Para a prova  do teor destes pontos  pretendido os réus repetem,  nas conclusões 40º a 47º, que não se fez prova do motor e do tubo chupador.

O que menos bem se compreende, pois que estes pontos contêm matéria, ao menos parcialmente, diversa da dos  pontos anteriores, não sendo assim tal argumentação idónea, ou, ao menos, suficiente, para que se conceda a alteração para tais pontos impetrada.

Mas as alegações, e, sobretudo, as conclusões do recurso, definem o seu objeto, podendo nestas este ser, vg.,  restringido, pelo que apenas em função delas se pode decidir.

Quanto  aqueles aspetos da prova do motor e do tubo já supra se expendeu.

Invocam porém ainda nestas conclusões que não se fez prova de que a extração da água do poço se manteve, ou não, ao longo dos anos por parte  das AA, nomeadamente nos anos subsequentes à construção da casa e muros, até aos dias de hoje.

No atinente a  este último  este aspeto emerge do depoimento de algumas testemunhas, como seja o MM que a água do poço tem sido aproveitada, para diversos usos, ao longo de muitos anos.

Ademais, e no atinente às autoras, o facto de terem utilizado diversos métodos de extração da água do poço, cada um mais moderno e recente – nora, motor a combustão, motor elétrico – demonstra, ou indicia suficientemente, que também o AA e elas  próprias  têm vindo a fruir da água ao longo de muitos anos, naturalmente desde a década de oitenta.

Ponto 37.

Apesar de os recorrentes impugnarem este ponto, eles, mais uma vez, nem no corpo das alegações, nem, principal e relevantemente, nas conclusões, fundamentam tal irresignação, indicando os meios probatórios e o sentido pretendido provar.

Sentido ou decisão  esta que, aliás, nem sequer mencionam.

Por conseguinte, e por preterição das formalidades essenciais do artº 640º do CPC, liminarmente e ipso facto, este ponto tem de quedar imodificado.

Ponto 40.

Efetivamente, este ponto não resulta fundamentado por qualquer tipo de prova.

Nem o  julgador indica qualquer prova  para sufragar o seu teor.

Por conseguinte, ele não poderá ser dado como provado.

Pontos 41 e 42.

Os réus continuam a insistir, nas suas conclusões 50ª a 56ª, na não prova da existência do tubo chupador.

Vale, pois, aqui, o já expendido no referente aos pontos 33 e 36 quanto à admissibilidade da prova deste teor.

Acresce que quanto ao ponto 41 os réus não indicam o sentido da sua irresignação – vide conclusão 68ª.

Ponto 55.

Não obstante indicarem tal ponto como impugnado, seguidamente nem referem a resposta que para o mesmo pretendem, nem, outrossim, aduzem a prova para fundamentar a sua pretensão de alteração do mesmo.

Ponto 57.

Entendem os RR que o mesmo se encontra em contradição com os factos constantes dos pontos 55 e 56 do mesmo rol de factos provados.

Estes pontos têm o seguinte teor:

55. À data da outorga da escritura de partilha do prédio originário, tinha natureza rústica e pertencia a três herdeiros, de entre os quais se contava a cabeça de casal BB, tal significa que o artigo 9207 tinha um dia de água por semana, o qual era dividido pelos 3 herdeiros.

56. O prédio da A. apenas tinha direito a umas horas de água, semanalmente, apenas para fins agrícolas de rega e não para fins domésticos ou de qualquer outra índole.

Houve testemunhas, como o HH e o II  que disseram que a água foi «partida», sem, contudo, precisarem em que concretos termos.

 Dos pontos 55 e 56 resulta que a água foi «partida», isto é, partilhada.

Por conseguinte, o teor do ponto 57 é contraditório com tais depoimentos e com o teor dos aludidos pontos, pelo que tem de ser dado como não provado, eliminando-se do rol dos factos provados.

Ponto 61 dos factos provados e 13 dos não provados.

Nestes pontos pretendem os recorrentes que se dê como provado que, desde 1986, e com a construção do muro, os autores não apenas impediram o acesso à água do poço pelos restantes herdeiros, como também se impediram a si próprios.

Mais uma vez alicerçam essencialmente esta sua pretensão no facto de não se ter provado a existência de motor e do tubo puxador.

E mais uma vez se reitera que a existência do motor  elétrico pertencente aos autores, bem como a retirada por este de água do poço em causa  está cabalmente provada – vide explanação supra quanto aos pontos 33 e 38.

Ora se os autores  continuam a aceder à água do poço, é obvio que a construção do muro não os impediu do seu uso.

Uma coisa é o modo de acessão à água.

Outra, diversa,  é se, independentemente do modo, os autores continuam a fruir, ou não, da água.

Antes da construção do muro podia ser através da deslocação até ao poço e a retirada da água através da nora ou do motor a combustão que estavam junto a ele.

Depois da construção do muro, e através do motor elétrico e da mangueira de ligação ao poço, a acessão à água efetiva-se à distância, sem estrita e permanente necessidade de deslocação física ao poço.

Mas tanto de um modo como do outro os autores continuam a querer usufruir da água.

Assim, não se pode concluir que, com a construção do muro, os autores se colocaram na situação de, de todo em todo,  não poderem aceder e fruir da água do poço.

Antes, pelo contrário, se tendo  provado que continuam, ainda que de maneira diversa, a aceder à mesma.

Por conseguinte, a alteração do ponto 61 e a prova do ponto 13 não podem ser concedidas.

Do aditamento.

Pretendem os réus que se dê como provado que:

65) o Réu DD, para se poder defender nestes autos, teve que se deslocar ao Tribunal de Tondela, onde esteve presente, nos dias 03-09-2020, 13-05-2021, 06-05-2022 e 05-06-2024.

Para tanto alegam que tal facto é relevante para se apurar  o quantum indemnizatório relativo ao pedido de litigância de má fé dos autores a liquidar no respetivo incidente, como inicialmente peticionado.

Efetivamente foi efetivado pelos réus o pedido de condenação dos autores como litigantes de má fé, com multa e indemnização a seu favor, a liquidar posteriormente.

Na sentença condenaram-se os autores a tal título, mas apenas em multa.

Quanto à indemnização expendeu-se que não se provaram as  «necessárias viagens a esta cidade ... por causa da acção e bem assim nos custos das mesmas viagens feitas em viatura própria.»

Porém, como dizem os recorrentes, algumas viagens, as ora pretendidas como provadas, estão devidamente documentadas nas atas das diligências processuais realizadas.

Destarte, porque tal facto  está provado e pode ter interesse para a decisão da causa, ele deve ser aditado.

5.1.4.3.

Do recurso da autora.

Ponto 31.

Provados, ou não provados, apenas podem ser os factos alegados; assim o exigem os princípios do dispositivo, da substanciação e da auto responsabilidade das partes.

Ora vista a petição inicial, nela não se vislumbra a alegação de que as manilhas serviam para escoar as águas pluviais, mas apenas  serviam para escoar as referentes ao poço.

Assim, e porque quanto ao uso das manilhas para o escoamento das  águas do poço, tal resultou da prova invocada pela recorrente – e é até facto notório, pois que se as manilhas estão ligadas ao poço, elas escoarão as suas águas transbordantes -  este ponto terá o seguinte teor:

 “31- Posteriormente, em data não apurada, o autor da sucessão, na zona da sua propriedade colocou uma canalização de manilhas em cimento para conduzir a água de rega para as parcelas que ficavam após a parcela da autora, bem assim como  para escoar as águas sobrantes quando o poço transbordasse.

Ponto 36.

No ponto 33 ficou assente o modo de acesso ao poço, antes de o muro ter sido erigido pelo AA.

Dos pontos 34 e 35 resulta que o AA construiu um muro e só mais tarde nele abriu um portão.

A ora recorrente não impugna estes factos que têm de dar-se como assentes.

Daqui decorre que, pelo menos numa fase inicial, o acesso ao poço, quer para o AA quer para os restantes herdeiros, ficou impedido.

Decorre ainda que com tal atuação o AA  impediu o acesso ao poço, pelo menos através do modo como vinha sendo feito e descrito no ponto 33.

Por outro lado, o depoimento da testemunha OO foi claramente desvalorizado pelo julgador, por genérico e tendencioso, porque em desavenças com o réu DD.

Ora esta convicção não pode ser censurada por este tribunal ad quem, pois que, para aferir de tal, a imediação e a oralidade, que nesta instância inexistem, assumem um papel fundamental para aquilatar da verdade e eticidade do verbalizado.

O modo como se depõe e verbaliza, os esgares, os jeitos e trejeitos, muitas vezes  transmitem e comunicam mais e melhor, convencendo ou deixando de convencer, do que as palavras proferidas.

O julgador mais infirmou tal depoimento, aduzindo que ele se mostra:

 «desconforme com a documentação junta aos autos e elaborada pelo falecido AA, desde o licenciamento da casa até à construção do muro bem como a zona de acesso ao poço.

.  Com  efeito resulta dos documentos que inicialmente o acesso ao poço era realizado numa linha perpendicular à EN ...30, onde se localizava o rego e a servidão de passagem, mas não do interior do prédio da autora para o prédio do réu DD.»

Ademais, esta testemunha, a instâncias do julgador, acabou por referir que, depois da construção do muro, o acesso ao poço passou a ser feito apenas pelo terreno do AA, que, para o efeito, nele deixou uma porta.

O que foi confirmado pela testemunha LL.

Porém, de toda a prova produzida,  devida e sagazmente interpretada, fica a convicção de que a porta mais era para uso  privado e único do AA do que para uso dos outros proprietários.

O que faz até sentido pelas regras da experiência e da normalidade das coisas.

Na verdade, se os outros donos, mesmo após o muro ser edificado pelo AA, ainda continuavam a aceder ao poço por outro lugar, a partir da Rua ..., mal se compreende que o AA tivesse feito a porta para eles por ela acederem.

Acresce que esta impossibilidade de acesso ao poço por terceiros resulta de ter-se provado que a água do mesmo deixou de ser utilizada pelos outros herdeiros – ponto 61.

Efetivamente, da prova produzida, não resulta o convencimento de que esta não utilização tenha ocorrido por qualquer causa específica, vg., a desnecessidade da água.

Pelo que, à míngua de prova de que tal não utilização tenha resultado de outros motivos, é admissível que se conclua que tal resultou do impedimento, ou intolerável e grave condicionamento, de acesso ao poço.

Condicionamento com jaez este que emerge, aliás, do modo como a autora alega que o AA concedeu tal acesso aos restantes herdeiros, ou seja, através de uma porta no muro.

É que sendo a porta feita no muro de sua propriedade, e, assim, também ela sua, poderia a seu bel talante conceder, ou impedir, a passagem para o poço, abrindo-a ou fechando-a, quando  bem lhe aprouvesse.

Finalmente há que relevar a argumentação do Julgador quanto expendeu:

«…resulta das fotografias que além de ter ocupado o espaço que outrora foi via publica, em frente à sua parcela, acabou por ocupar uma parte que ficava em frente à parcela dos réus, zona onde existia o rego desde a valeta ao poço e por onde se fazia o acesso ao mesmo.

 Ora, tais actos de manifesta ocupação revelam que o mesmo não queria que houvesse acesso ao poço. »

Estas observações e conclusão fazem sentido, têm alguma lógica, e não foram, pelo menos adrede e claramente, impugnadas e infirmadas pela recorrente.

Por conseguinte se concluindo que a prova invocada não é a bastante para impor a censura da convicção do julgador quanto a este ponto e aos dele dependentes, 60, 61 e 63.

Alteração do ponto 64.

Perante a alteração do ponto 31, este ponto 64, necessariamente terá a seguinte redação:

64. Nunca a manilha teve como função drenar águas pluviais.

Dos fatos aditandos.

Pretende a recorrente que se dê como provado que o poço e a manilha foram entupidos com terra pelos réus, que o motor foi coberto com terra e se encontra impedido de funcionar e que se encontra impedida de aceder e de usufruir da água do poço.

Invoca os depoimentos de certas testemunhas  e as declarações de parte da cabeça de casal e da herdeira CC.

Estas declarações, e sem se querer liminarmente desvalorizá-las, valem o que valem, ou seja, muito pouco, pois que são proferidas por banda de quem tem interesse que a causa lhe seja favorável.

Assim, elas apenas poderiam relevar se fossem sustentadas em razão de ciência insofismável e/ou fossem corroboradas por outra prova.

E estes requisitos não se verificam.

As testemunhas não  verbalizaram que o poço e as manilhas foram entupidas, mas apenas que foram tapadas, soterradas, encontrando-se cerca de 20 a 30 cm debaixo da terra.

Nada referiram, ao menos direta e convincentemente, quanto ao facto de o motor ter ficado coberto de terra.

E quanto ao uso da água apenas disseram que a autora gasta menos porque o caudal do poço é inferior.

Assim sendo, estes depoimentos são insuficientes para se provarem tais pontos nos termos  mais exigentes e abrangentes neles expostos.

Acresce que na inspeção ao local – meio de prova este consabidamente muito importante em ações do presente jaez – foram percecionados factos que contrariam algum do teor destes pontos.

Efetivamente, na assentada, e como supra já referido,  plasmou-se que  se

 «constatou a existência de um motor elétrico, o qual extrai a água do poço que se situa na propriedade dos réus».

Mais se verificou a «existência do poço que se encontra coberto», ie. tapado, mas não entupido  ou soterrado.

 Portanto, presentemente, pelo menos, existe um motor visível, a funcionar, e um poço,  coberto; mas nem  aquele nem este se encontram  soterrados.

A inspeção ao local seria o modo e constituiria o momento oportuno de escalpelizar  acerca da (in)existência de todos esses factos.

Mas, pelos vistos, as partes - aqui e no que ora interessa, a autora recorrente -, não aproveitaram todas as potencialidades de tal diligência.

Aliás, provou-se que:

45. A cabeça de casal e o de cujus propuseram acção judicial neste tribunal, contra os ora RR, no dia 03-11-2014, e assumiu o nº 58/14.... a qual que veio a terminar em 14-062017 por via de desistência da instância dos então autores e réus.

46. No momento da extinção desta acção judicial, já se encontrava concluída a construção da casa de habitação e muro perimetral dos 1ºs RR.

Pelo que é suposto que estes problemas de entupimentos, soterramentos, e falta de água, tivessem então sido  sanados e ultrapassados.

5.1.5.

Nesta conformidade, e na parcial (im)procedência desta questão, os factos a considerar, são os seguintes (indo a negrito, os ora aditados/alterados):

1. AA, faleceu no dia ../../2018, no estado de casado no regime de comunhão geral de bens, com BB com a qual contraiu matrimónio em 01.01.1955.

2. Do seu casamento com BB, sobreveio apenas uma filha, CC, nascida em ../../1970.

3. Não existem quaisquer outros sucessores do de cujus que lhes prefiram ou com elas possam concorrer à sucessão.

4. São, pois, BB e PP as únicas e universais herdeiras e sucessoras do de cujus.

5. Do acervo da herança do de cujus faz parte um imóvel sito ao ..., inscrito na matriz urbana da freguesia ..., concelho ... sob o artigo ...48 e descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...38, sendo este constituído por “Casa destinada a habitação e actividade industrial, com 2 pisos, com a área coberta de 180 m2, descoberta de 556 m2,”.

6. O prédio identificado em 5. confronta a norte com QQ, a sul com RR, a nascente com FF e a poente com a estrada nacional n.º ...30.

7. Está o prédio registado a favor de AA a propriedade do prédio antecedentemente descrito juntamente com a sua esposa.

8. Actualmente, após o falecimento de AA, é a cabeça de casal legítima proprietária daquele imóvel na proporção de metade indivisa do mesmo, do qual a sua única filha CC é igualmente comproprietária da outra metade.

9. O mencionado prédio urbano foi edificado num terço indiviso do prédio rústico antes inscrito na matriz da mesma freguesia sob o artigo ...07.

10. Esse terço indiviso foi adquirido pela cabeça de casal através de escritura pública de doação, datada de 5 de Setembro de 1983 e outorgada no Cartório Notarial ..., doação essa efectuada pelos seus pais, SS e TT.

11. No ano seguinte, os outros dois terços do prédio, correspondentes ao artigo rústico ...07, foram doados a dois irmãos daquela (RR e UU), através de escritura pública de doação, datada de 22 de Maio de 1984, outorgada no Cartório Notarial ....

12. Desde há bem mais de 15, 20 e 30 anos, que por si e seus antepossuidores, com exclusão de outrem e em exclusivo, a cabeça de casal possui a casa de habitação supra mencionada– e, consequentemente, um terço indiviso daquele identificado artigo rústico ...07 – naquela residindo – e onde residiu também o seu falecido marido e filha, fazendo a sua vida diária, nela pernoitando, confeccionando e tomando as suas refeições diárias, convivendo com familiares e amigos, pagando as respectivas contribuições prediais urbanas,

13. Tratando da terra de quintal, cultivando-a com batata, cebola, tomate, árvores de fruto, colhendo todos os seus frutos, enfim, dela retirando todas as suas potencialidades, pagando igualmente as respectivas contribuições prediais, tudo continuada e ininterruptamente, pacificamente,

14. Sem oposição de quem quer que seja, e à vista de toda a gente, com a convicção de exercer um direito legítimo e próprio.

15. A norte da casa de habitação da cabeça de casal., os RR. DD e esposa EE são os proprietários de uma casa de habitação, onde residem, construída em partes dos artigos rústicos ...07 e ...08 da mencionada freguesia – o artigo matricial ...08 deu origem ao artigo 2181 e este, por sua vez, ao artigo matricial ...23, sendo este último o artigo matricial actual e correcto.

16. O artigo rústico nº ...07 foi, em 22 de Maio de 1984 autonomizado em três parcelas, ficando cada uma delas, a partir de então, na posse de cada um dos três filhos dos primitivos proprietários (SS e mulher VV), a saber, RR, UU e BB;

17. Por escritura de doação datada de 19 de Setembro de 1996, QQ e mulher WW doaram a XX uma terça parte indivisa do prédio supra referido.

18. Em 18 de Março de 2013, por escritura de Justificação e Doação, SS (filho de RR) e mulher YY justificam e doam ao Réu DD, uma terça parte indivisa do artigo ...07º;

19. Por cada um dos herdeiros, nomeadamente os Réus de quem os houveram, há mais de 20, 30 anos consecutivamente e com a exclusão de outrem, têm vindo a possuir as parcelas que lhe foram doadas do prédio rústico nº ...07º;

20. E cada um deles, por si e pelos seus ante possuidores vêm possuindo cada uma das aludidas parcelas consecutivamente desde há mais de 20, 30, anos, à vista de toda a gente, de boa-fé, pública e pacificamente, ocupando-as, cultivando-as, vigiando-as, melhorando-as, colhendo os seus frutos, lenhas e matos, plantando árvores, suportando os seus encargos, relativamente a cada um de tais parcelas e praticando os demais actos inerentes ao exercício pleno do seu direito de propriedade, 

21. Por escritura de doação datada de 30 de Julho de 2012, os réus XX e mulher GG doaram ao Réu DD o artigo rústico nº ...08, que anteriormente havia sido objecto de retificação de área, tendo passado a incluir a área da parcela que cabia aos Réus FF no artigo rústico nº ...07º.

22. – Eliminado.

23. O terço indiviso que, pela mencionada escritura de doação coube à irmã da cabeça de casal, ZZ, foi por esta e pelo seu marido, QQ, por meio de escritura de doação outorgada no Cartório Notarial ... em 19 de Setembro de 1996, doado ao R. FF. 

24. Na secretaria do Município ... correu termos o processo de licenciamento de obras nº ...07, ...12, iniciado em 10.10.2012 a pedido do R. DD, para construção da casa de habitação. 

25. No referenciado procedimento administrativo, aquele DD declarou que a sua casa de habitação deveria ser edificada no prédio rústico inscrito na matriz da freguesia ..., sob o artigo ...08, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...70 da mesma freguesia, a confrontar a norte com o caminho, sul com AAA, nascente com BBB e poente com a estrada nacional ...30.

26. Na parte em que o releixo da casa de habitação dos 1.ºs RR. confina com o releixo da casa de habitação da cabeça de casal, existe um muro dobrado, de separação e vedação, construído a mando de cada uma das partes, e implantado na sua parte.

27. No interior do releixo da casa dos réus, mais concretamente na sua parte sul/nascente, existe implantado um poço de construção antiga, forrado a pedra, de forma circular, permitindo, em tempos, o uso de uma nora para a extracção da água.

28. A água proveniente deste poço tinha por finalidade o uso agrícola pela cabeça de casal e pelo seu falecido marido, desde que em 1986 ali têm edificada a sua casa de habitação e, antes destes pelos pais e irmãos daquela primeira.

29. Extraída inicialmente através de uma nora puxada por animais e posteriormente por meio de um motor, a água proveniente do poço encaminhava-se por um pequeno rego com a extensão de cerca de 5mt, no sentido nascente/poente, ao longo (paralelamente) do muro de vedação e separação dos releixos da cabeça de casal e dos 1ºs RR.

30. Até encontrar, um rego paralelo à estrada nacional n.º ...30, que se iniciava na parte exterior do muro que se encontra a norte do terreno da cabeça de casal, se estendia, no sentido norte/sul até chegar àquele, e dali continua em caminho público em direcção a sul.

31. Posteriormente, em data não apurada, o autor da sucessão, na zona da sua propriedade colocou uma canalização de manilhas em cimento para conduzir a água de rega, para as parcelas que ficavam após a parcela da autora, bem assim como  para escoar as águas sobrantes quando o poço transbordasse.

32. Esta forma mais recente de encaminhamento das águas provenientes do dito poço, foi licenciada pela então Direcção de Estradas do Distrito de Viseu, tendo envolvido cedência de terreno ao Estado, por parte da cabeça de casal e do seu falecido marido, encontrandose titulada pela Licença nº ...6, de 4 de Abril de 1986. 

33. Por forma a poderem aceder às paredes do poço, a fim de aí procederem ao accionamento dos mecanismos de extracção da água e toda a manutenção e conservação necessárias, seja do poço, seja do motor ali colocado, a cabeça de casal, até certo momento, acediam directamente pela antiga estrada, seguindo depois no sentido norte/sul ao longo do rego pelo qual se deslocava a água, por um pequeno caminho em terra batida, bem delimitado, calcado e visível, com a extensão de cerca de 5 mt (o mesmo do rego condutor da água) e uma largura não apurada, mas que permitia a passagem de um animal para puxar a nora.

34. Depois da construção da casa de habitação, o autor da sucessão e seu cônjuge construíram um muro de vedação de toda a sua propriedade.

35. Mais tarde, o autor da sucessão e a Cabeça de casal ocuparam, depois das obras de alteração e requalificação da EN ...30, a parte, em tempos da via originária e não ocupada pela nova estrada, e abriram um pequeno portão colocado no muro divisório dos quintais (deles e dos 1ºs RR).

36. Com tal construção/vedação/ocupação do antigo leito da estrada, impediu, o autor da sucessão, que os restantes proprietários cujas parcelas confinam com e EN ...30, acedessem ao poço e consequentemente à agua.

37. Os identificados usos foram efectuados há bem mais de 15, 20 e 30 anos, pública e pacificamente, à frente de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja, com exclusão de outrem, continuada e ininterruptamente, a qualquer hora dos sete dias da semana, sempre e em qualquer dos casos na convicção de exercerem um direito legítimo e próprio.

38. Em momento não apurado, mas já depois de 1986, o autor da sucessão e a cabeça de casal, colocaram um motor eléctrico na sua parcela, mas com o chupador no poço, referido, conduzindo a água por mangueiras, regando a propriedade.

39. A partir de finais do ano de 2012 os 1ºs RR, com a ajuda material e pessoal dos 2ºs RR, pais do 1º Réu marido, iniciaram a construção da sua casa de habitação.

40. (eliminado)

41. Os 1ºs RR construíram um muro, confinante e paralelo com o muro de vedação da autora, com a finalidade de vedar a sua propriedade. 

42. Nessa construção foi mantido o tubo (chupador) do motor da autora no poço.

43. A 24 de Outubro de 2013 foi pedido à GNR ... que se deslocasse ao local, a fim registar e verificar que o piso térreo da habitação da autora se encontrava inundado.

44. Esta deslocação da GNR voltou a verificar-se a 7 de Fevereiro de 2014, altura em que de novo ocorreram as mencionadas enxurradas de água e lama, que se deslocaram interior da casa de habitação da cabeça de casal e do de cujus.

45. A cabeça de casal e o de cujus propuseram acção judicial neste tribunal, contra os ora RR, no dia 03-11-2014, e assumiu o nº 58/14.... a qual que veio a terminar em 14-062017 por via de desistência da instância dos então autores e réus.

46. No momento da extinção desta acção judicial, já se encontrava concluída a construção da casa de habitação e muro perimetral dos 1ºs RR.

47. A autora receia que possa, quando aparecerem e forem mais intensas as águas pluviais, possa haver enxurradas a inundaram-lhe o piso térreo.

48. O réu deu início à construção a sua casa, com os movimentos de terras em 2012.

49. O prédio da autora possui uma parte descoberta, mas não tendo autonomia física ou económica relativamente ao edifício de habitação e industria.

50. Ano antes do inicio da construção da casa dos 1ºos Réus, o de cuius e cabeça de casal, pediam aos proprietários do terenos sitos no tardoz da sua habitação para abrirem uma vala para escoar a água do logradouro da habitação, porque as águas pluviais inundavam o rés-do-chão.

51. O rés-do-chão da casa da autora situa-se a uma cota inferior à EN ...30.

52. Em data não apurada, mas coincidente com as inundações do rés-do-chão da casa em discussão, a EN ...30 foi requalificada tendo sido construído um passeio e eliminada a valeta.

53. O poço existente na parcela dos Réus DD e esposa, encontra-se coberto com uma placa.

54. Entre o edifício da autora e a EN ...30 encontra-se pavimentado e no pavimento existem duas grelhas para recolher as águas pluviais.

55. À data da outorga da escritura de partilha do prédio originário, tinha natureza rústica e pertencia a três herdeiros, de entre os quais se contava a cabeça de casal BB, tal significa que o artigo 9207 tinha um dia de água por semana, o qual era dividido pelos 3 herdeiros.

56. O prédio da A. apenas tinha direito a umas horas de água, semanalmente, apenas para fins agrícolas de rega e não para fins domésticos ou de qualquer outra índole.

57.  (eliminado).

58. A A. na pessoa da cabeça de casal e do seu falecido marido AA que executaram um muro sobre um antigo caminho romano (antiga troço de estrada que ligava a ...) ali existente e que permitia o acesso ao poço por todos os herdeiros e utilizadores da água do poço.

59. Tendo a construção do aludido muro por parte da A. sido objecto de pedido de licenciamento e reclamação apresentada em 07/08/1997 junto do Município ... por parte do Réu FF.

60. Já em 1986 a cabeça de casal e o falecido marido tinham vedado a respectiva propriedade fazendo uma permuta de terrenos com a direcção de estradas, tendo nesse momento iniciado a obstrução do caminho que dava acesso ao poço.

61. A partir do momento em que a A. construiu o dito muro junto ao caminho romano – o que ocorreu em 1986 e foi depois objecto de ampliação em finais de Julho de 1997 - o poço e a respectiva água deixou de ser utilizada pelos restantes herdeiros.

62. Tendo sido também a partir dessa altura – em que a cabeça de casal e o marido ampliaram o dito muro de vedação em 1997 – que todos os trabalhos de limpeza, manutenção e arranjos do poço têm sido integralmente suportados, inicialmente pelo Réu FF e posteriormente pelo Réu DD.

63. Anos mais tarde a cabeça de casal e o marido procederam à demolição de uma pequena parte do seu muro, fazendo no mesmo uma abertura, que antes não existia, na estrema norte do seu prédio, que confina com o prédio do Réu DD, na qual colocaram um portão.

64. Nunca a manilha teve como função drenar águas pluviais.

65) o Réu DD, para se poder defender nestes autos, teve que se deslocar ao Tribunal de Tondela, onde esteve presente, nos dias 03-09-2020, 13-05-2021, 06-05-2022 e 05-06-2024.

 5.3.

Terceira questão.

5.3.1.

Da (in)existência do direito das autoras

O julgador decidiu nos seguintes, sinóticos e essenciais, termos:

«As servidões prediais poderão ser constituídas por um acto de vontade, pela via judicial, por acto administrativo ou por usucapião.

 A situação descrita nos factos provados é passível de ser conduzida à figura de constituição de uma servidão por destinação de pai da família.

 A constituição da servidão por destinação do pai de família pressupõe o concurso dos seguintes requisitos essenciais:

 -que os dois prédios ou as duas fracções do mesmo prédio tenham pertencido ao último dono;

 - uma relação estável de serventia de um prédio a outro ou de uma fracção a outra, correspondente a uma servidão aparente, revelada por sinais visíveis e permanentes – destinação; 

 - a separação dos prédios ou fracções em relação ao domínio – separação jurídica – com inexistência de qualquer declaração, no respectivo documento, contrária à destinação.

 A verificação da relação de serventia depende da simples existência de sinais que, no momento da separação dos prédios, revelem uma situação objectiva de concessão (ou possibilidade de concessão) de uma utilidade por um prédio em benefício do outro.

 Tal relação de serventia deve poder ser afirmada com base na consideração objectiva dos aludidos sinais, que a lei não exige sejam necessariamente postos pelo proprietário ou seus antecessores, que apenas importa que subsistam no prédio serviente à data da separação dos domínios, e que o proprietário actual, ciente da sua existência, os tenha mantido até ao acto da separação.

A servidão por destinação de pai de família representa um encargo predial qualificável como servidão voluntária, que se constitui no preciso momento em que os prédios ou fracções de determinado prédio passam a pertencer a proprietários diferentes e cujo acto constitutivo …é o da separação jurídica de dois prédios do mesmo proprietário …

 Porque tais servidões são de origem voluntária não se poderão extinguir por desnecessidade, pois a causa da constituição não se funda na necessidade mas na vontade (…Prof. Pires de Lima e A. Varela, in “Código Civil Anotado”, Vol. III, pág. 621), podendo, no entanto serem extintas pela figura da usu capio libertatis, que a doutrina mais antiga chamava de prescrição extintiva do encargo, e que hoje é vulgarmente denominada de extinção da servidão pelo não uso (artigo 1569, nº 1 al. b) e c) do Código Civil)…

A servidão de passagem a pé e de carro é um dos direitos reais reconhecidos pelos artigos 1544º e 1550º, ambos do Código Civil.

 A usucapião consiste na aquisição originária de um direito real, furto da posse, sobre uma coisa, correspondente ao exercício de um direito real, por efeito da pacificação da situação correspondente ao exercício e ao tempo.

Nos termos do artigo 1293º al. a) do Código Civil, não são usucapíveis as servidões não aparentes. São não aparentes as servidões que não se manifestam por sinais visíveis e permanentes – artigo 1548º, nº 2 do Código Civil.

 Tem a jurisprudência indicado como critério de distinção entre as servidões aparentes e não aparentes os seguintes:

- haja sinais visíveis dela;

- esses sinais sejam permanentes;

- os sinais permanentes e visíveis sejam inequívocos no sentido de patentearem a existência da servidão, tanto para o dono do prédio dominante como para o prédio serviente.

 De regresso ao caso concreto, resulta de forma inequívoca que os prédios identificados na matéria de facto provada, foram em tempos de uma única pessoa, que após a separação da titularidade única ter cessado, além de ter ficado documentado em título, os actos materiais de uso da água e atravessamento, para extrair a água do poço e acompanhamento desta pelo rego, mantiveram-se, não obstante a divisão, bem como foram mantidos os sinais decorrentes dos regos, pelo que ter-se-á que concluir pela existência de uma servidão constituída por destinação de pai de família.

 No entanto desde a construção da casa e dos muros de vedação, pelo casal AA e BB, estes impediram os restantes titulares do direito à água de acederem ao poço e extraírem a água.

 Mais resulta provados que desde, pelo menos 1986 que a autora, para utilizar a água, para regar a sua horta, se socorre de um motor eléctrico que se situa no seu terreno e que o chupador está no poço de onde estrai a água.

       Actos esses que são voluntários da autora.

 Pelo que a servidão adminícula de acompanhamento da água ao longo do rego, bem com a passagem para ir buscar a água, há muito se extinguiram pela constituição de uma servidão de aqueduto, por iniciativa da autora.

 Isto não significa que não possa haver passagem forçada momentânea, pela autora, para limpeza e manutenção, tando do poço como das mangueiras que se situam no prédio dos réus.»

Esta argumentação apresenta-se, desde logo em tese jurídico dogmática quanto à constituição da servidão de passagem para o uso da água por destinação do pai de família, e na sua essencialidade relevante, curial.

Em seu abono, e reiterando-a, mais se diz o seguinte:

Estatui o artº 1549.º  do CCivil:

(Constituição por destinação do pai de família)

Se em dois prédios do mesmo dono, ou em duas fracções de um só prédio, houver sinal ou sinais visíveis e permanentes, postos em um ou em ambos, que revelem serventia de um para com outro, serão esses sinais havidos como prova da servidão quando, em relação ao domínio, os dois prédios, ou as duas fracções do mesmo prédio, vierem a separar-se, salvo se ao tempo da separação outra coisa se houver declarado no respectivo documento.

Vemos assim que são três os requisitos legais para a aquisição da servidão por destinação do pai de família:

 i) que os dois prédios, ou as duas frações do mesmo prédio, tenham pertencido ao mesmo dono;

ii) que tenha existido uma separação dos prédios ou frações em relação ao domínio, inexistindo qualquer declaração no respetivo documento contrária à constituição do encargo;

iii) que exista uma relação estável de serventia de um prédio a outro ou de uma fração a outra correspondente a uma servidão aparente revelada por sinais visíveis e permanentes.  – Ac. STJ de 18.06.2024, p. 4097/22.4T8GMR.G1.S1, in dgsi.pt, como os infra citados.

Sendo que:

«A existência de sinais visíveis e permanentes deve reportar-se ao tempo da separação do domínio dos prédios, sendo que a visibilidade dos sinais respeita à sua materialidade, no sentido de serem percecionáveis e interpretáveis como tais, pela generalidade das pessoas que se confrontem com eles e a permanência consiste na manutenção dos sinais, com a aludida visibilidade, ao longo do tempo, sem interrupções … por modo a gerar e manter a ideia de que se trata de uma situação estável e duradoura e, ao mesmo tempo, afastar a hipótese de se tratar de uma situação precária, podendo tais sinais, no entanto, ser alterados ao longo do tempo ou substituídos por outros» -  Ac. do STJ de 18.06.2024, p. 4097/22.4T8GMR.G1.S1.

Há que notar que:

«a circunstância de nos encontrarmos perante prédios urbanos não obsta, necessariamente, a que se possa constituir uma servidão de passagem entre eles.  Pois que há que salvaguardar a possibilidade de se constituírem servidões sobre os terrenos adjacentes de um prédio urbano, conforme igualmente admite para as servidões legais o disposto no artigo 1551.º do Código Civil.

Também a circunstância dos Prédios …não serem prédios encravados, …não impede a constituição de uma servidão por destinação do pai de família ..., uma vez que neste modo de constituição de uma servidão de passagem é irrelevante a situação de isolamento do prédio. Esta servidão não se constitui por necessidade, mas sim porque ao tempo da aquisição do prédio dominante já existia a correspondente serventia, a qual só não tinha reconhecimento jurídico, porque os prédios dominantes e o prédio serviente pertenciam ao mesmo dono…

Sendo que, a relação de servidão constitui-se entre prédios e não entre pessoas» - Ac. STJ de 10.03.2022, p. 310/18.0T8PNI.C1.S1.

Assim sendo, urge ter presente que:

«I. Na constituição de uma servidão de passagem por destinação do pai de família é a existência de uma situação de facto reveladora de uma relação de cooperação fundiária que justifica que se lhe conceda tutela jurídica.

II. O conteúdo da vontade do proprietário “pai de família”, que presidiu à definição da passagem, é irrelevante para a verificação dos requisitos necessários à constituição de um direito de servidão por destinação do pai de família.» -  Ac. TRC de  10.01.2023, p. 2444/17.0T8ACB.C1.

(todos os sublinhados nossos).

No caso vertente estes pressupostos verificam-se.

Efetivamente provou-se que existia um prédio «mãe», o rústico  sob o artº 9207, que foi partilhado e dividido em três parcelas cabendo uma aos pais da autora BB, que a esta a doaram, e as outras aos restantes herdeiros,  que depois foram transmitidas  para os réus – cfr. factos provados 5, 9, 10, 11 e 16.

Quanto ao terceiro requisito, ele também se antolha verificado, devidamente interpretados os factos apurados dos pontos 26 a 33, 37 e 38.

Efetivamente, deles emerge que no prédio rústico  ...07 existia um poço que era usado, já pelos pais da autora  BB, para a rega do mesmo, inicialmente através do sistema de nora alavancada por animais – pontos 26, 27 e 28.

Com a divisão deste prédio, a água desse poço passou, desde 1986, a ser fruída pela autora e pelos outros herdeiros – ponto 28.

A autora passou a fruir da água através de um motor (inicialmente supostamente a combustão interna e posteriormente elétrico) – pontos 29 e 38..

Tal fruição concretizou-se  inicialmente através da condução da água através de um rego com a extensão de cerca de 5mt, no sentido nascente/poente, ao longo (paralelamente) do muro de vedação e separação dos releixos da cabeça de casal e dos 1ºs RR, até encontrar, um rego paralelo à estrada nacional n.º ...30 – pontos 29 e 30.

Posteriormente, o autor da sucessão, na zona da sua propriedade colocou uma canalização de manilhas em cimento para conduzir a água de rega, para as parcelas que ficavam após a parcela da autora, bem assim como  para escoar as águas sobrantes quando o poço transbordasse – ponto 31.

Por forma a poderem aceder ao poço, a cabeça de casal, até certo momento, acediam diretamente pela antiga estrada, seguindo depois no sentido norte/sul ao longo do rego pelo qual se deslocava a água, por um pequeno caminho em terra batida, bem delimitado, calcado e visível, com a extensão de cerca de 5 mt (o mesmo do rego condutor da água) e uma largura que permitia a passagem de um animal para puxar a nora – ponto 33.

Os identificados usos foram efetuados há bem mais de 15, 20 e 30 anos, pública e pacificamente, à frente de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja, com exclusão de outrem, continuada e ininterruptamente, a qualquer hora dos sete dias da semana, sempre e em qualquer dos casos na convicção de exercerem um direito legítimo e próprio – ponto 37.

Assim sendo, é claro que o uso da água do poço, através do rego, e o caminho, que se mostram fáctica e objetivamente inequívocos, demonstram a existência de uma situação de facto reveladora de uma relação de cooperação fundiária entre as parcelas das partes, com benefício para as mesmas, rectius, e no que ora interessa, para a das autoras.

Situação esta que se manteve permanentemente por largos anos, e,  durante e até certo tempo,  foi  efetivada e exercitada por um determinado modo - através de um motor a combustão  e de um rego -, tendo, posteriormente passado a sê-lo através de manilhas e de um motor elétrico.

Todo este quadro fáctico circunstancial revela suficientemente, através de sinais visíveis e permanentes –  poço, rego e caminho -  a existência de uma relação estável de serventia do prédio/fração dos réus, onde se situa o poço, e o prédio/fração das autoras, correspondente a uma servidão aparente, relativamente ao direito ao uso e aproveitamento da água do poço pela fração predial das autoras.

5.3.2.

Da extinção da servidão.

Prescrevem os seguintes artigos do CCivil:

1569.º

(Casos de extinção)

1. As servidões extinguem-se:

a) Pela reunião dos dois prédios, dominante e serviente, no domínio da mesma pessoa;

b) Pelo não uso durante vinte anos, qualquer que seja o motivo;

c) Pela aquisição, por usucapião, da liberdade do prédio;

d) Pela renúncia;

e) Pelo decurso do prazo, se tiverem sido constituídas temporariamente.

2. As servidões constituídas por usucapião serão judicialmente declaradas extintas, a requerimento do proprietário do prédio serviente, desde que se mostrem desnecessárias ao prédio dominante.

3. O disposto no número anterior é aplicável às servidões legais, qualquer que tenha sido o título da sua constituição; tendo havido indemnização, será esta restituída, no todo ou em parte, conforme as circunstâncias.

5. A renúncia a que se refere a alínea d) do n.º 1 não requer aceitação do proprietário do prédio serviente.

  Artigo 1570.º

(Começo do prazo para a extinção pelo não uso)

1. O prazo para a extinção das servidões pelo não uso conta-se a partir do momento em que deixaram de ser usadas; tratando-se de servidões para cujo exercício não é necessário o facto do homem, o prazo corre desde a verificação de algum facto que impeça o seu exercício.

2. Nas servidões exercidas com intervalos de tempo, o prazo corre desde o dia em que poderiam exercer-se e não foi retomado o seu exercício.

3. Se o prédio dominante pertencer a vários proprietários, o uso que um deles fizer da servidão impede a extinção relativamente aos demais.

  Artigo 1571.º

(Impossibilidade de exercício)

A impossibilidade de exercer a servidão não importa a sua extinção, enquanto não decorrer o prazo da alínea b) do n.º 1 do artigo 1569.º

Clamam os réus que deve a servidão ser declarada extinta por renúncia e pelo não uso.

Para tanto expendem:

«…nem a cabeça de casal, nem o marido contribuíram alguma vez na proporção da respectiva quota para as despesas, encargos ou o que quer que seja, para a limpeza e manutenção do poço, sobretudo depois de terem procedido à vedação dos limites da sua propriedade, o que também deve ser entendido como um acto de renúncia à utilização do poço e respectiva água, já que, é normal que alguém beneficie da utilização de um poço e respectiva água contribua ou diligencie de alguma forma para a manutenção e reparações do mesmo.

«…resulta claro, quer da matéria de facto já dada como provada, bem como da que se pretende incluir e retirar do rol dos factos provados e não provados, que há mais de 20, 30 anos que os AA deixaram, por mote próprio, de utilizar a água do referido poço, nomeadamente quando procederam à construção da respectiva casa, bem como dos muros de vedação, sendo absolutamente fantasioso e destituído de qualquer racionalidade, razoabilidade e fundamento, sendo totalmente contrário às regras da experiência comum, que se possa sequer equacionar, em face dos elementos visíveis no local actualmemente, bem como há 10 anos atrás, que no local exista um motor ligado a um tubo chupador através do qual os AA procedem à extração de água do poço.

76º) Não contendo os autos, conforme não contêm, provas, nem factos que evidenciem de forma clara e objectiva que os AA, desde que construíram a respectiva casa e muros de vedação alteraram a forma de acesso ao poço e à água, tendo eliminado qualquer possibilidade de outros utilizadores ali acederem, assim como eles próprios, deveria o Tribunal a quo ter declarado a extinção daquele direito, quer por não uso, o que ocorre há mais de 20 anos, conforme prescreve o artigo 1569º, nº 1, alínea a) do CC, quer por via da renúncia ao direito, conforme previsto na alínea d) do nº 1 do artigo 1569º também do CC. ».

Vejamos.

A extinção por não uso pressupõe um ato voluntário de  inércia ou demissão por parte do dono do prédio dominante relativamente a atos, tanto  materiais como jurídicos.

Efetivamente, o não uso, como facto extintivo de alguns direitos reais, não se limita e abrange apenas uma não atuação material sobre a coisa, nele se incluindo também  o não exercício de poderes jurídicos de desfrute da mesma.

Na verdade:

«Essa inércia tanto se verifica se o proprietário, pura e simplesmente, deixa de passar, circular pelo caminho da servidão por acto voluntário, como também quando é impedido e não lança mão da tutela jurídica para repor a utilidade que a servidão lhe proporciona, designadamente da execução da sentença que reconheceu o direito de servidão.» - Ac. TRP de 23.03.2021, p. 26033/19.5T8PRT-A.P1.

Trata-se de uma sanção para a inércia do titular do direito de servidão em consonância com a função social da propriedade que não se quer limitada.

É sob este contexto de inércia voluntária   de poderes factuais ou jurídicos  que a lei abstrai da sua causa, ou seja, o não uso releva «qualquer que seja o motivo».– cfr. Ac. TRE de 07.04.2022, p. 303/21.0T8PTG.E1.

Já quanto à renúncia ela consiste na declaração unilateral entre vivos pela qual o sujeito ativo da servidão concretiza a sua decisão de deixar de ser titular desse direito, traduzindo-se assim na perda de um direito por vontade unilateral do respetivo titular.

E como tal, constitui um negócio jurídico unilateral, pelo que não carece de aceitação do proprietário do prédio serviente  - n.º 5 do citado art.º 1569.º.

A  renúncia tanto pode ser expressa como tácita.

Assim, como renúncia tácita pode entender-se  «A declaração de venda “livre de ónus e encargos”, aquando da venda do prédio serviente por parte dos proprietários que, em simultâneo o eram dos prédios dominantes…» - Ac. TRC de 11.12.2018, p. 1035/18.2T8CVL.C1.

Sendo expressa, deve constar de escritura pública ou de documento particular autenticado, ex vi do disposto no   art.º 80.º, n.º 1 do Código do Notariado, o qual estatui:

1-Celebram-se, em geral, por escritura pública, os atos que importem reconhecimento, constituição, aquisição, modificação, divisão ou extinção dos direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, superfície ou servidão sobre coisas imóveis.

A talhe de foice, uma palavra para a questão da possibilidade de as servidões do artº 1549º poderem, ou não, serem extintas por desnecessidade.

Por se considerar que as servidões por destinação do pai de família têm por base um facto voluntário, permitindo a lei que se constituam, mesmo quando não são estritamente necessárias, tem-se entendido que não podem extinguir-se por desnecessárias, porque, então, nem se poderiam constituir. – cfr.  Ac. do STJ de 20/05/2010, p. 1671/05.7TBVCT e do TRG de  12.01.2012, p. 185/11.0TBAMR.G1.

Aqui não acompanhamos este entendimento, aliás, sufragado na decisão.

É que o pai de família praticou os factos constitutivos da servidão ainda quando o prédio era uno e, por via de regra, pertença apenas de um titular.

Logo,  a questão da necessidade não se colocava, pois que inexistia a possibilidade de afetação de direitos plúrimos e da consequente ocorrência de conflitos de interesses.

com a divisão do prédio estas caraterísticas alteram-se, pois que o prédio fica a pertencer a mais de um dono, com os consequentes possíveis direitos e interesses próprios, cuja defesa pode conflituar com os direitos e interesses dos demais proprietários.

Cuja análise e dilucidação, se introduzida em juízo, têm de ser operadas com razoabilidade e equilíbrio.

Destarte, a questão da (des)necessidade da servidão pode aqui colocar-se, ao menos tendencialmente, nos termos gerais.

Neste sentido se inclinando alguma  hodierna doutrina.

Assim:

«Sendo certo que é maioritária a doutrina que defende a irrelevância do desaparecimento da utilidade no âmbito das servidões voluntárias, não pode afastar-se a importância que assume o princípio da utilidade para o prédio dominante como função essencial da servidão. Como vimos, a inutilidade não pode fazer nascer uma servidão tendo, de igual modo, de comportar a sua extinção. Se falta o elemento básico da utilidade, deixará de existir a ratio iuris que motivou a servidão. Falhando a sua finalidade essencial, a servidão incorre numa causa natural e jurídica que obriga à sua extinção, por aplicação dos princípios gerais de falta de utilidade ou necessidade

Se a servidão se extingue por faltar algum dos requisitos essenciais à sua existência, como no caso de desaparecer o prédio dominante ou o prédio serviente, também se deverá extinguir se faltar o requisito da utilidade.

Aliás, a criação de uma servidão em que não se verificasse a existência de qualquer utilidade violaria o princípio da tipicidade pois não estariam preenchidos os requisitos essenciais da figura (art. 1306º).

Se é certo que as servidões se podem constituir para satisfazer necessidades futuras ou transitórias, certo é também que se devem extinguir quando a utilidade que deu razão à sua constituição desapareça. A servidão reveste uma excepção ao princípio geral do conteúdo tendencialmente ilimitado do direito de propriedade, consagrado pelo artigo 1305º. Sendo um limite, deve extinguir-se o mais rapidamente possível, de modo a que o direito de propriedade retome a sua plenitude, de acordo com a sua vocação originária.

Aliás, a compressão do cerne de qualquer direito só poderá, em princípio, julgar-se legítima até onde o ónus ou encargo imposto sobre a coisa se revele necessário para assegurar ao terceiro uma fruição "normal" do seu próprio direito.» -  Rita Valente Ribeiro e Castro Teixeira , Da Extinção por Desnecessidade das Servidões por Destinação do Pai de Família, in https://repositorio.ucp.pt › bitstream.

(sublinhado nosso)

Como elementos excetivos do direito invocado pelas autoras, impendia sobre os réus provarem factos que consubstanciassem as invocadas figuras do não uso e da renúncia – artº 324º nº2 do CC..

No caso sub judice.

Ao contrário do defendido pelos réus, o facto de as autoras deixarem de contribuir para as  despesas, encargos ou o que quer que seja, para a limpeza e manutenção do poço, não significa que tenham renunciado à sua água.

Aqui estamos no âmbito da renúncia tácita.

E esta precisa de ser clara e inequívoca, não dando margem para dúvidas.

É o que desde logo  dimana das regras gerais, pois que:

« A declaração de vontade é tácita quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelem  - artigo 217 nº 1 do Código Civil.

Acresce que, no caso vertente, se para a renúncia expressa a lei não se contenta com a forma verbal, antes  exigindo a forma escrita, para se concluir pela  renuncia tácita, a factualidade que a sustente tem – por maioria de razão relativamente aquele preceito -  de revelar-se muito forte em tal sentido.

Por outras palavras:

«Para poder concluir-se pela sua verificação é necessária a existência de factos concludentes, cuja valoração será confiada ao prudente critério do julgador.» - Ac. STJ de  19.05.1994, p. 086408.

Ora a tal simples materialidade não assume dignidade e relevância para que tal conclusão emirja.

Relativamente ao não uso, tal apenas poderia verificar-se se se provasse o mesmo nos termos pretendidos pelos réus.

Todavia não se provou que a partir da data da construção do muro, as autoras se tenham vedado e impossibilitado de aceder ao uso da água.

Antes pelo contrário, apurou-se que elas continuaram a usá-la, ainda que por diversas formas, sendo a última através de um motor elétrico  instalado no seu terreno, com ligação por mangueira

5.4.

Quarta questão.

Pretendem desde logo as autoras que se lhe conceda uma servidão adminicula – no fundo uma servidão de passagem -  para acompanhamento da água do rego, no espaço que separa o seu portão inserido no muro que construiu e o poço, a montante.

Diz para tanto que diferentemente do que concluiu o Tribunal recorrido, a servidão de rego só foi substituída por uma servidão de aqueduto, através da colocação de manilhas, no trajeto posterior ao portão da A., ou seja, a jusante do mesmo.

Porém, vista a factualidade apurada, dela não dimana a destrinça operada pelas autoras – cfr, vg. pontos 29 a 38.

Tanto quanto intuímos a decisão, nela não se reportou a transformação da servidão adminicula em servidão de aqueduto no troço a jusante do portão, mas ao, ou também ao, troço sito a montante deste portão.

Sendo este troço o provado no ponto 29.

Certo é que o muro construído pela autora e pelo falecido não os impediu de acederam ao poço.

Mas – naturalmente até pelo obstáculo que o  muro  constituía  ou pelas dificuldades que criava – eles passaram a usar a água do poço de um modo diferente: em vez de utilizarem o rego a céu aberto, passaram a usar a água  através de um motor elétrico situado no seu terreno com mangueira subterrânea.

Assim, quer perante o acervo factual apurado, quer pelas disposições legais aplicáveis, a decisão é aceitável.

Como supra exposto, o Julgador a quo entendeu que:

«desde a construção da casa e dos muros de vedação, pelo casal AA e BB, estes impediram os restantes titulares do direito à água de acederem ao poço e extraírem a água.

 Mais resulta provados que desde, pelo menos 1986 que a autora, para utilizar a água, para regar a sua horta, se socorre de um motor eléctrico que se situa no seu terreno e que o chupador está no poço de onde estrai a água.

       Actos esses que são voluntários da autora.

 Pelo que a servidão adminícula de acompanhamento da água ao longo do rego, bem com a passagem par ir buscar a água, há muito se extinguiram pela constituição de uma servidão de aqueduto, por iniciativa da autora.

Isto não significa que não possa haver passagem forçada momentânea, pela autora, para limpeza e manutenção, tando do poço como das mangueiras que se situam no prédio dos réus. »

E, consequentemente, declarando extinta a servidão adminicula para acompanhamento da água no rego e concedendo uma servidão de aqueduto com passagem momentânea, se e quando necessária, para limpeza do poço e das mangueiras.

Ora esta decisão, como supra já referido, é, em tese, possível, pois que quadra ainda no módulo jurídico delineado pelas partes e até constitui um minus relativamente ao pedido das  autoras.

E, substantivamente,  tem fundamento legal, vg. nos artºs 1565.º, 1561º e 1568º nº3 do CCivil, a saber:

 Artigo 1565.º

(Extensão da servidão)

1. O direito de servidão compreende tudo o que é necessário para o seu uso e conservação.

2. Em caso de dúvida quanto à extensão ou modo de exercício, entender-se-á constituída a servidão por forma a satisfazer as necessidades normais e previsíveis do prédio dominante com o menor prejuízo para o prédio serviente.

Artigo 1561.º

 (Servidão legal de aqueduto)

1. Em proveito da agricultura ou da indústria, ou para gastos domésticos, a todos é permitido encanar, subterrâneamente ou a descoberto, as águas particulares a que tenham direito.

Artigo 1568.º

(Mudança de servidão)

3. O modo e o tempo de exercício da servidão serão igualmente alterados, a pedido (ou, diremos nós, por atuação)  de qualquer dos proprietários, desde que se verifiquem os requisitos referidos nos números anteriores.

Efetivamente:

«Numa servidão de aqueduto, tendo sido operada a substituição do rego a descoberto por tubo subterrâneo para a condução da água, não é de manter a passagem pelo prédio serviente para acompanhamento e vigilância da água; se o aqueduto é subterrâneo, não assiste tal direito ao proprietário do prédio dominante, pois, este necessita apenas de, quando as circunstâncias o imponham, inspeccionar o aqueduto; aquela faculdade de passagem deixou de ter interesse para o exercício da servidão de aqueduto, por força do disposto no artigo 1565º, nº 1, do C. Civil» -  AC. do TRG de 29.11.2007, p. 623/07-1.

«Constituída uma servidão legal de aqueduto e passando este a ser subterrâneo, em vez de por rego a aberto à superfície, o proprietário do prédio dominante tem a faculdade de aceder ao prédio serviente para inspeccionar o aqueduto através de óculos de observação ou caixas de visita, ou para nele fazer limpeza em caso de entupimento, por tais actos se inserirem nos “adminicula servitutis”» - Ac. TRC de 13.04.2010, p. 2529/05.5TBGRD.C1.

«I - Para que possa haver lugar à mudança da servidão, o art.º 1568 n.º 1 do C.Civil não é muito exigente quanto ao prédio serviente, não estabelecendo como requisito a sua necessidade bastando-se com a mera conveniência para o prédio serviente, sendo por isso suficiente que para o cultivo do terreno seja vantajoso o seu aplainamento; é ainda necessário que a alteração não prejudique os interesses do prédio dominante.

II - Tendo a condução da água pelo rego a céu aberto sido substituída por tubos, não se justifica o direito de passagem ilimitado pelo prédio serviente para o acompanhamento e vigilância da água, como até aqui acontecia, nos termos do art.º 1565.º n.º 1 do C.Civil, por a mesma ter deixado de ser necessária, tendo o proprietário do prédio dominante apenas o direito de o fazer quando haja circunstâncias que imponham a fiscalização do aqueduto.

III - O prédio dominante tem o direito de exigir a limpeza da mina de água, da qual retira utilidades, uma vez que a terra que existe dentro da mina e na sua entrada está a impedir a circulação natural da água, constituindo uma obstrução que por essa via faz diminuir o caudal de água.» - Ac. TRP de 14.06.2017, p. 1513/10.1TBAMT.P1.

Na verdade, e como se expendeu no primeiro Aresto citado:

«Os adminucula servitutis «não constituem uma servidão autónoma ainda que acessória e diferente da que se designaria por principal…são simples faculdades complementares reconhecidas ao titular para exercer a única servidão existente.

Subsistem apenas enquanto aquela durar e o seu exercício não obsta à extinção da servidão». Tavarela Lobo, Mudança e Alteração da Servidão, pág. 16 e segs.

Na servidão de aqueduto apontam-se numerosos adminucula, entre os quais, se conta a faculdade de passar no prédio serviente para a inspecção, consertos e melhoramentos necessários.

Constitui adminuculum desta servidão…a faculdade de passagem pelo prédio serviente, pois que só no uso desta passagem «poderá o titular, no tempo e exercício da servidão, assegurar o livre curso das águas, removendo do leito do aqueduto a terra, pedras, areia e qualquer entulho que impeçam ou retardem aquele curso ou provoquem a diminuição do caudal.

Este direito assim assegurado ao proprietário do prédio dominante de proceder à necessária expurgação ou limpeza do aqueduto em nada colide com o direito de tapagem ou vedação conferido por lei ao proprietário do prédio serviente (artigos 1356º e segs., do C. Civil).

Nada impede, por isso, que este vede o prédio serviente, assegurando sempre o livre trânsito do proprietário do prédio dominante quer para acompanhar a água e para a inspecção do aqueduto, quer para obras de reparação e consertos, podendo, nomeadamente, facultar uma chave ao proprietário do prédio dominante.

Se o aqueduto é subterrâneo, é óbvio que não assiste tal direito ao titular do prédio dominante, pois necessita apenas de, quando as circunstâncias o imponham, inspeccionar o aqueduto». Tavarela Lobo, Manual do Direito de Águas, vol. II, pág. 392 e 393.»

Por conseguinte, as autoras terão estes direitos, essencialmente de fiscalização, e conservação, do poço e da canalização da água, a exercer quando necessário.

No atinente aos pedidos das conclusões, seguintes, a saber:

XIV. Devem ainda os RR. ser condenados a retirar toda a terra, objectos e materiais, seja do interior do poço, seja do rego que antes existia, das manilhas e do caminho de passagem para o poço.

XV. Devem, outrossim, repor o leito daquela servidão de passagem no estado em que se encontrava previamente à sua destruição, de forma a torna-lo transitável em toda a sua extensão e largura.

XVI. Devem abster-se de, no futuro, voltar a lavrar ou por qualquer meio destruir as manilhas e de praticar quaisquer actos que perturbem ou impeçam o encaminhamento das águas para o prédio da A..

Eles têm de ser considerados improcedentes pela exata razão e na precisa medida em que os factos provados não os sustentam.

5.5.

Quinta questão.

5.5.1.
A redação dada ao artº456º do CPC pelo DL 329-A/95 de 12.12. alargou o âmbito da aplicação do instituto da litigância de má fé, pois que nele abarcou não apenas os casos de atuação dolosa como também os de atuação gravemente negligente.
Sendo que, inclusive, e como se plasma no preâmbulo de tal diploma:
 «Como reflexo do princípio da cooperação e dos deveres que lhe são inerentes, permite-se, sem quaisquer limitações, a condenação como litigante de má fé da própria parte vencedora, desde que o seu comportamento processual preencha alguma das previsões contidas no nº2 do artº 456º…»
Tal alargamento teve, naturalmente, em vista, restringir os casos de litigância  maliciosa ou  altamente temerária, pretendendo incutir nas partes a necessidade de uma sã atitude processual, pautada e norteada por uma atuação o mais clara e linear possível, sem subterfúgios, truques e mentiras.
E sendo certo que a jurisprudência era amplamente magnânima na condenação a tal título, criou-se uma convicção de impunidade que levava a colocar ou a contestar em juízo casos de total insustentabilidade, ou, pior, distorcidos ou falseados na sua génese factual.
Com os inerente prejuízos para o sistema da justiça e, outrossim, para os próprios sujeitos processuais vítimas de tal atuação.
Importa, pois, na sequência do atual desígnio legislativo, impor uma cultura de rigor nesta matéria, com os inerentes benefícios, a todos os títulos e níveis, dai advenientes.
Não obstante, há que apreciar e decidir com as cautelas e precauções necessárias.
E devendo os tribunais serem prudentes na condenação a este título, porque tal implica não apenas uma censura e afetação económico-financeira a nível processual, como um desmerecimento a nível pessoal marcante e inquinador da honestidade e probidade presumivelmente insertas na esfera jurídica pessoal do normal cidadão - cfr. Ac. do STJ de 15.10.2002, p.02A2185.
Assim, para a condenação como litigante de má fé não basta a simples impugnação per positionem da versão de uma das partes sempre que a versão oposta à alegada seja provada.
Nem pode confundir-se com a manifesta improcedência da pretensão ou oposição deduzida.
O fundamento ético do instituto exige que se conclua por um desrespeito pelo tribunal, pelo processo e pela justiça, imputável subjetivamente ao litigante a título de dolo ou de negligência grave, ou seja, que tenha havido uma alteração consciente e voluntária da verdade dos factos (dolo) ou uma culpa grave (culpa lata) - Ac. da RP de 20.10.2009, p. 30010-A/1995.P1.
Destarte, e dada a relatividade da verdade judicial decorrente, designadamente, das várias interpretações e correlativas soluções jurídicas que podem incidir sobre um determinado complexo factual «a ousadia de uma construção jurídica julgada manifestamente errada não revela, por si só, que o seu autor a apresentou como simples cortina de fumo da inanidade da sua posição processual…» - Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893.
Nesta conformidade:
«Para a condenação como litigante de , exige-se que o procedimento do litigante evidencie indícios suficientes de uma conduta dolosa ou gravemente negligente…ou seja, que tenha havido uma alteração consciente e voluntária da verdade dos factos (dolo) ou uma culpa grave (culpa lata), que não se basta com qualquer espécie de negligência, antes se exigindo a negligência grave, grosseira (a faute lourde do direito francês ou a Leichtfertigkeit do direito alemão).» -  Ac.  do STJ de 28.05.2009, p.09B0681.
5.5.2.
No caso vertente.
O Sr. Juiz a quo teorizou adequadamente no atinente às causas, razões e fitos da emergência  e da condenação da atuação com má fé, em conformidade com o supra exposto.
Plasmou, nomeadamente que:

«a litigância de má fé não se basta com a dedução de pretensão ou oposição sem fundamento, ou a afirmação de factos não verificados ou verificados de forma distinta. Exige-se, ainda, que a parte tenha actuado com dolo ou com negligência grave, ou seja, sabendo da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, encontrando-se numa situação em que se lhe impunha que tivesse esse conhecimento.».

Mas depois, para o caso concreto, expendeu, singelamente:

« Dos autos resulta claramente que a autora, pelo autor da sucessão praticou actos contrários ao direito que pretende ver declaro nos presentes autos, sendo um conjunto de actos tendentes a obstaculizar o direito dos réus construírem a sua habitação.

Assim ter-se-á que concluir que o autor não procedeu com o cuidado devido.».

Esta decisão não está suficientemente fundamentada, e, assim, não se apresenta convincente.

Não se antolha que o fito das autoras se prenda com o impedimento de os réus construírem a sua, deles, habitação.

Esta já está construída e as demandantes não alegam factos ou formulam pedidos que ponham em causa esta construção.

Ademais, a condenação resulta de se ter considerado que «o autor?» - quereria dizer-se, as autoras ou a autora  pessoa singular -, não procederam com o «cuidado devido».

Mas esta  simples falta de cuidado não basta.

Exigindo-se,  como se viu, no mínimo, uma  negligência grave, ou seja, uma atuação que não seria adotada pela generalidade das pessoas mediamente despertas e ético-juridicamente bem formadas; isto é, uma atuação próxima da dolosa.
Ora esta atuação nem é alegada na decisão nem sequer se vislumbra, ao menos com a densidade/intensidade bastantes.
É que as autoras até têm parcial ganho de  causa no pedido principal e não ficaram totalmente vencidas no  pedido reconvencional.
Pois que apesar de não verem reconhecido  o direito de fruirem da água com passagem ilimitada e incondicionada através do prédio dos réus,  podem fazê-lo com acesso limitado às necessidades de fiscalização do poço, da mangueira, e da sua manutenção, limpeza e reparação, não vendo o seu direito ao uso da água extinto, como pretendiam os réus.
E, como na sentença se admite e é curial, por via de regra – de que o presente caso não constitui exceção - não é por a parte não ver provados certos factos atinentes aos seus pedidos, ou estes terem sido provados com teor diverso, que se pode  deduzir a má fé.
Destarte, conclui-se que, se não se tratou de erro material, a decisão, neste conspeto, se apresenta insustentável, ou, no mínimo e concedendo,  demasiado rigorosa e penalizadora para as  autoras recorrentes,.
Pelo que, aqui, o recurso merece provimento.
5.6.
Sexta questão.
Finalmente a condenação em custas.
Estatui o artº 527.º  do CPC:
Regra geral em matéria de custas
1 - A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.
2 - Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Vemos assim que de acordo com este preceito, o critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade.
Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
 E, apenas subsidiariamente, e não havendo vencimento,  paga as custas a parte que do processo tirou vantagem ou proveito.
Efetivamente:
«De acordo com o estatuído no n.° 2 do art. 527.º do CPC, o critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade e, apenas subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual.
 Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. “Vencidos" são todos os que não obtenham na causa satisfação total ou parcial dos seus interesses» -  Ac. RL de 11.02.2021, p. 1194/14.3TVLSB.L2-2.
No caso vertente.
O valor da causa – que deveria ter sido fixado na 1ª instância: artº 306º do CPC , e não foi – é de 14 mil euros.
Este valor resulta da soma do valor atinente ao pedido inicial: 8 mil, euros, com o valor do pedido reconvencional: seis mil euros – artº 299º do CPC.
As partes tiveram parcial vencimento e decaimento, tanto no pedido inicial como no pedido reconvencional.
Uma vez que alguns pedidos não se apresentam líquidos ou monetariamente mensuráveis, não é possível fixar com rigor matemático o decaimento de cada uma delas.
Por conseguinte este é um caso em que a repartição de custas pode e deve ser efetivada com auxílio do juízo équo.
A equidade visa a consecução da justiça do caso concreto quando as normas expressas sejam inexistentes ou insuficientes para o efeito, vg. em função d  teor do acervo factual  sobre que deveriam prever ou incidir.
Decisão eivada de juízo équo não pode corresponder ou descambar em decisão arbitrária, pelo que ela sempre deve ser escorada ou respaldada em factos objetivos e sindicáveis.
In casu, e para além do supra já aludido, antolha-se ainda que, tanto nos pedidos das autoras como nos pedidos dos réus, o decaimento, em termos de magnitude e relevância prática, é sensivelmente igual para cada uma das partes.
Nesta conformidade, julga-se adequado e razoável fixar a repartição de custas, atento o valor global da ação de 14 mil euros, em metade para cada parte.
Procede parcialmente o recurso das autoras e improcede o recurso dos réus.
6.
Deliberação.
Termos em que se julga o recurso das autoras parcialmente procedente, e, agora, absolvem-se as mesmas da condenação como litigantes de má fé.
No mais se mantendo a sentença.
Custas por autoras e réus em partes iguais.

Coimbra, 2025.02.25