I - A sentença condenatória definitiva proferida em processo penal constitui relativamente a terceiros presunção legal iuris tantum, no que respeita à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer ações civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infração.
II - A força probatória plena do documento autêntico apenas respeita aos factos praticados pela autoridade ou oficial público autor do documento e bem assim aos factos que nele são atestados com base nas perceções da entidade documentadora (artigo 371º, nº 1, do Código de Processo Civil), não abrangendo a sinceridade ou a natureza esclarecida das declarações prestadas pelos outorgantes.
III - A intenção e a finalidade dos contraentes não são factos passíveis de ser percecionados pelos sentidos, pelo que, sob este prisma, não são passíveis de prova direta.
IV - Ainda que os contraentes prestem declarações afirmando uma certa intenção ou finalidade visada com o ato outorgado, sempre se tratará da mera exteriorização de algo que se passa no foro interno das partes, devendo sempre ser avaliada a credibilidade dessas declarações.
V - A utilização segura e racional de provas indiretas exige:
a) em primeiro lugar e em regra, uma pluralidade de elementos indiciários, joeirando-se os casos de pluralidade aparente dos casos de real pluralidade; tal pluralidade só não será de exigir quando o relevo probatório da prova indireta for de tal forma forte que é desnecessário qualquer outro elemento corroborador, como poderá suceder nalguns casos de recolhas positivas de vestígios biológicos;
b) em segundo lugar, importa que tais elementos sejam concordantes;
c) em terceiro lugar, importa que, tendo em conta uma observação de acordo com as regras da experiência, tais indícios afastem, para além de toda a dúvida razoável, a possibilidade dos factos se terem passado de modo diverso daquele para que apontam aqueles indícios probatórios, isto é, importa que tais indícios sejam inequívocos.
Sumário do acórdão proferido no processo nº 45/14.3IDPRT-G.P1 elaborado pelo relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
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1. Relatório[1]
Em 13 de dezembro de 2022, por apenso ao processo comum coletivo nº 45/14.3IDPRT, a correr termos no Juízo Central Criminal de Penafiel, Comarca do Porto Este, AA[2] e BB[3] deduziram o presente incidente de embargos de terceiro contra o Estado Português, requerendo que seja ordenado o levantamento do arresto e revogada a declaração de perda a favor do Estado que incidiu sobre o imóvel sito na freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz urbana sob o artigo ...74... e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ...37, doado a BB e a CC pelos avós paternos, DD e EE por escritura pública datada de 25 de janeiro de 2017.
Para tanto e em síntese, alegam que, em 10 de novembro de 2022, foram notificados do acórdão condenatório proferido nos autos principais, assim como, da decisão que determinou a perda a favor do Estado do imóvel sito na freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz urbana sob o artigo ...74... e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ...37.
Os embargantes são, respetivamente, ex-mulher e filho do arguido FF
, e por sua vez, ex-nora e neto dos arguidos EE e DD.
Desde pelo menos o dia 16 de novembro de 2017 o Tribunal tem conhecimento de que o referido imóvel já não é propriedade de nenhum dos mencionados arguidos, mas sim dos filhos e netos daqueles - BB e CC, por via da escritura de doação realizada pelos avós paternos, constituindo tal bem imóvel, há mais de 18 anos, a casa de morada de família dos embargantes.
Os embargos foram liminarmente recebidos e, consequentemente, determinada a suspensão dos termos subsequentes da declaração de perda relativamente ao identificado imóvel.
O Ministério Público foi notificado em representação do Estado Português para, querendo, contestar, tendo oferecido contestação impugnando a generalidade da factualidade alegada na petição inicial e concluindo pela total improcedência dos embargos de terceiro.
Em 12 de fevereiro de 2023 foi determinada a suspensão destes autos com fundamento em prejudicialidade, em virtude de nos autos principais, DD ter interposto recurso da decisão que decretou o perdimento a favor do Estado do imóvel objeto destes embargos de terceiro.
Em 15 de dezembro de 2023 foi levantada a suspensão da instância, dispensou-se a realização de audiência prévia, fixou-se o valor da causa no montante de € 59 887,25, proferiu-se despacho saneador tabelar, identificou-se o objeto do litígio, enunciaram-se os temas da prova e, atentas “as anteriores decisões proferidas nos autos principais e respetivos apensos”, as partes foram notificadas para dizerem se mantinham interesse na audição das testemunhas oferecidas nos articulados.
Em 05 de janeiro de 2024, os embargantes vieram arguir a nulidade decorrente da falta de notificação da contestação oferecida pelo Ministério Público e, à cautela, manifestaram o interesse na inquirição das testemunhas por si oferecidas na petição de embargos de terceiro.
Em 10 de janeiro de 2024 foi proferido despacho julgando procedente a nulidade arguida pelos embargantes, anulando-se o despacho de 15 de dezembro de 2023 e ordenando-se a notificação da contestação oferecida pelo Ministério Público aos embargantes.
Em 08 de fevereiro de 2024 os embargantes suscitaram o justo impedimento da sua mandatária no período compreendido entre 15 de janeiro e 31 de janeiro de 2024 e impugnaram a factualidade alegada na contestação, referindo que o imóvel objeto dos embargos foi adquirido pelo arguido FF muito antes dos factos penalmente ilícitos que lhe são imputados, não podendo por isso ser considerado no cômputo do valor do património incongruente, reiterando o já afirmado na petição de embargos.
Em 04 de março de 2024 foi proferido despacho a indeferir o incidente de justo impedimento suscitado pelos embargantes e, consequentemente, ordenou-se o desentranhamento dos autos do articulado oferecido na sequência da notificação que lhes foi feita da contestação do Ministério Público, repetindo-se de seguida o despacho que havia sido proferido em 15 de dezembro de 2023.
Em 11 de março de 2024, os embargantes manifestaram interesse na inquirição das testemunhas por si oferecidas.
A audiência final realizou-se em duas sessões e em 02 de setembro de 2024 foi proferida sentença[4] que julgou os embargos de terceiro totalmente improcedentes.
Em 03 de outubro de 2024, inconformados com a sentença a que antes se aludiu, AA e BB interpuseram recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
(…)
A Digna Magistrada do Ministério Público respondeu ao recurso pugnando pela sua total improcedência.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos dos restantes membros do coletivo, cumpre agora apreciar e decidir.
2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
2.1 Da impugnação dos pontos 9 a 12 dos factos provados e das alíneas a) a c) dos factos não provados;
2.2 Da repercussão da eventual alteração da decisão da matéria de facto na solução final do caso.
3. Fundamentos
3.1 Da impugnação dos pontos 9 a 12 dos factos provados e das alíneas a) a c) dos factos não provados
Os recorrentes impugnam os pontos 9 a 12 dos factos provados e as alíneas a) a c) dos factos não provados, pretendendo que os factos provados impugnados sejam julgados não provados e o inverso para os factos não provados impugnados.
As razões que sustentam a impugnação dos recorrentes quanto ao factos provados são, em síntese, a excessiva relevância conferida aos factos provados nos pontos 1 a 8 e a indevida desconsideração dos documentos nºs 3 e 8 a 12 oferecidos com a petição e, relativamente aos factos não provados, a desconsideração das declarações prestadas pelos recorrentes na audiência final, nos segmentos que localizam temporalmente na gravação e que transcrevem e ainda o documento nº 6 oferecido com a petição inicial, declarações que afirmam corroboradas pelos depoimentos das testemunhas GG e HH, não localizando temporalmente na gravação os referidos segmentos corroboradores nem procedendo à sua transcrição.
Os pontos de facto impugnados têm o seguinte teor:
- Contrariamente ao que declararam nas escrituras de compra e venda e doação, nem FF pretendeu vender o dito imóvel aos seus pais, nem estes o quiseram comprar e doar aos netos, com reserva de usufruto (ponto 9 dos factos provados);
- Quer os atos de alienação do imóvel inscrito na matriz sob o artigo ...74..., efetuado por FF aos seus pais, DD e EE, quer a posterior doação destes aos netos CC e BB, visaram iludir as autoridades criminais e tributárias, fazendo crer erroneamente que o dito imóvel integrava o património destes e, desse modo, impedir que a efetiva propriedade se reconduzisse ao citado FF (ponto 10 dos factos provados);
- Agiu FF de comum acordo com os seus pais, com o concretizado propósito de fazer crer erroneamente a terceiros, designadamente às autoridades criminais e tributárias, que o imóvel com o artigo matriz ...4U, sito na freguesia ..., porque registado em nome de DD e EE e depois em nome dos netos, integrava o património destes, e não o seu (ponto 11 dos factos provados);
- O referido imóvel encontrava-se na disponibilidade do arguido FF, que lhe dava o uso e destino que bem entendia, e não recebeu qualquer real contrapartida pelo registo do mesmo em nome dos pais (ponto 12 dos factos provados);
- Os arguidos DD e EE são quem suporta a prestação do mútuo para a suposta aquisição do indicado imóvel (alínea a) dos factos não provados);
- Os embargantes, desde que residem no indicado imóvel, sempre exerceram todos os poderes próprios de um proprietário, na convicção de que o prédio lhes pertence, gozando e dispondo do mesmo como coisa sua, sem qualquer oposição, e ignorando que lesavam direitos de terceiros (alínea b) dos factos não provados);
- A aquisição do indicado imóvel pelos avós paternos dos embargantes visou o pagamento de penhoras do arguido FF (alínea c) dos factos não provados).
O tribunal recorrido motivou os pontos de facto impugnados da forma que segue:
“No que concerne à factualidade contida nos pontos 9. a 12., teve o Tribunal em consideração a matéria assente no aludido acórdão condenatório, que permitiu, segundo as regras da experiência comum, determiná-los como consequência lógica e natural da descrita atuação dos referidos intervenientes. Não olvidando que, sobre estes pontos em concreto, as declarações de parte dos embargantes AA e BB revelaram conhecimentos comprometidos, na medida em que, ao contrário daquilo que foi demonstrado nos autos principais através da análise da vasta documentação financeira, continuam a sustentar que a aquisição do aludido prédio foi validamente efetuada pelos pais de FF, e que os mesmos se comprometeram a liquidar o contrato de mútuo então celebrado, com vista a que o aludido património fosse salvaguardado na esfera dos familiares.
Salienta-se também os depoimentos prestados por II e JJ, respetivamente Inspetor Tributário e Inspetor da Policia Judiciária, sobre os dados essenciais que resultaram da investigação realizada nos autos principais.
Por seu turno, a testemunha KK, ex-Inspetora da PJ, do Gabinete de Recuperação de Ativos, retratou de modo sucinto a investigação financeira que levou a cabo aos aludidos intervenientes no processo-crime, que se mostrou determinante para o arresto dos bens de FF, designadamente do imóvel em causa. Nesse sentido, assegurou que da análise dos rendimentos dos avós paternos do aqui embargante facilmente se depreende que os mesmos não tinham capacidade financeira para adquirir o prédio, tudo indicando tratar-se de um benefício fraudulento, tanto mais que nunca foram seus detentores ou usufrutuários. Logo, é sua convicção que FF terá o domínio e posse efetiva do imóvel e que os atos de alineação e doação que se encontram registados tiveram unicamente como objetivo ocultar o referido bem da esfera patrimonial do citado FF.
(…)
Por fim, os factos considerados como não provados resultaram da insuficiência de prova a seu respeito ou de prova de circunstancialismo diverso nos termos da fundamentação que antecede.”
Cumpre apreciar e decidir.
Os recorrentes observam suficientemente os ónus que impendem sobre o impugnante da decisão da matéria de facto, pois indicam os factos impugnados, as provas que sustentam a impugnação, localizando na gravação as provas pessoais decorrentes das declarações de parte dos embargantes e indicando a decisão que deve ser proferida relativamente a cada ponto de facto impugnado (artigo 640º, nºs 1 e 2, alínea a) do Código de Processo Civil).
Por outro lado, a factualidade impugnada não é inócua à luz das soluções plausíveis das questões jurídicas decidendas, pelo que o seu conhecimento não se traduz na prática de um ato inútil (artigo 130º do Código de Processo Civil).
Assim, face ao exposto, passa-se a conhecer a impugnação da decisão da matéria de facto requerida pelos recorrentes.
Antes de mais, examinemos a prova documental pertinente para o conhecimento da impugnação da decisão da matéria de facto requerida pelos recorrentes[5], ordenando-a, tanto quanto possível, em termos cronológicos.
Da cópia da certidão de nascimento oferecida pelos embargantes resulta que BB nasceu em ../../2003 e é filho de FF, então de vinte e três anos de idade e de AA, então de vinte e quatro anos de idade, estando averbado em 31 de outubro de 2011 a homologação de acordo relativo ao exercício das responsabilidades parentais de 28 de outubro de 2011 e nos termos do qual BB ficou a residir habitualmente na companhia da mãe, sendo as responsabilidades parentais exercidas em comum por ambos os progenitores (documento nº 1 oferecido com a petição de embargos).
Cópia da escritura pública celebrada no dia 18 de novembro de 1986 (documento nº 8 oferecido com a petição de embargos), no Cartório Notarial ..., sendo primeira outorgante LL, viúva, como vendedora e segundo outorgante DD, casado com EE, como comprador, tendo a primeira outorgante declarado que pelo preço de dois milhões e quinhentos mil escudos, que já recebeu, vendia ao segundo outorgante um prédio urbano composto de rés do chão com quintal junto, com a área de seiscentos metros quadrados, sito no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., a confinar do norte com ..., sul com caminho público, antes herdeiros da Casa ... e MM e do poente com herdeiros de NN, construído em parte do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial do Concelho de ..., sob o número ... e oitenta e oito, prédio urbano aquele inscrito na respetiva matriz sob o artigo quatrocentos e noventa e sete, tendo o segundo outorgante declarado que aceitava o contrato, afirmando que o prédio adquirido se destinava a sua residência permanente. Consta ainda no final do documento que foi exibido o Alvará de licença número cento e ..., de nove de setembro último (1986), da Câmara Municipal ..., comprovativo da habitabilidade do prédio urbano.
Cópia de ofício subscrito pelo Diretor do Departamento Técnico (documento nº 9 oferecido pelos embargantes com a sua petição), por delegação do Presidente da Câmara ..., datado de 11 de setembro de 1996, com referência a destaque de parcela de terreno em ..., ..., endereçado a DD, residente em ..., ..., ...10 ..., ..., com o seguinte teor:
“Fica V. Exª notificado de que para o levantamento da licença de construção de um prédio, em ..., freguesia ... terá que apresentar cópia do registo do ónus resultante do destaque a que se refere a certidão que lhe foi passada em 96.09.11.”
Cópia de escritura pública de doação (documento nº 11 oferecido pelos embargantes com a sua petição), lavrada no Cartório Notarial ..., no dia 15 de maio de 1998, em que foram outorgantes, como doadores, DD e esposa EE e como donatário, FF, solteiro, tendo os primeiros declarado que “doam ao segundo outorgante, seu filho, por conta da quota disponível, um tracto de terreno, destinado a construção urbana, com a área de quinhentos metros quadrados, sito no Lugar ...”, freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ... – ..., com inscrição de aquisição a favor do doador pela inscrição G-um, inscrito na matriz urbana respectiva sob o artigo ...32”, tendo o segundo outorgante declarado que aceitava “o presente contrato.”
Cópia da informação total obtida em 03 de janeiro de 2017[6], referente à descrição do imóvel descrito na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóveis de ..., sob o nº ...7/19960913, constando do seu histórico a inscrição da sua aquisição mediante a apresentação nº 13, de 29 de maio de 1998, a título de doação, a favor de FF, casado no regime da comunhão de adquiridos com AA, sendo doadores DD e mulher EE; por via da apresentação nº 23, de 06 de agosto de 1998, consta a inscrição hipotecária a favor da Banco 1..., S.A. para garantia do pagamento de empréstimo de doze milhões de escudos, ao juro anual de 9,544%, acrescido de 4% na mora a título de cláusula penal, despesas no montante de quatrocentos e oitenta mil escudos, sendo o montante máximo assegurado de dezassete milhões, trezentos e cinquenta e cinco mil oitocentos e quarenta escudos, inscrição cancelada por efeito da apresentação nº 1308, de 20 de abril de 2010; mediante a apresentação nº 41, de 30 de novembro de 2000, consta a inscrição hipotecária a favor da Banco 1..., S.A. para garantia do pagamento de empréstimo de três milhões de escudos, ao juro anual de 9,544%, acrescido de 4% na mora a título de cláusula penal, despesas no montante de cento e vinte mil escudos, sendo o montante máximo assegurado no montante de quatro milhões, trezentos e trinta e oito mil novecentos e sessenta escudos, inscrição cancelada por efeito da apresentação nº 1309, de 20 de abril de 2010[7]; por meio da apresentação nº 197, de 10 de fevereiro de 2009, está inscrita penhora, a favor de A..., Lda., sendo sujeito passivo FF, para garantia do pagamento da quantia exequenda de € 41 286,16, no processo executivo nº ... do 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de ...; pela apresentação nº 15, de 14 de fevereiro de 2009, está inscrita penhora, a favor de B..., S.A., sendo sujeito passivo FF, para garantia do pagamento da quantia exequenda de € 13 200,75, no processo nº ... do 3º Juízo do Tribunal Judicial de ..., inscrição cancelada por força da apresentação nº 77, de 20 de janeiro de 2010; por força da apresentação nº ...10, de 20 de abril de 2010, está inscrita a aquisição do direito de propriedade por compra a favor de EE e DD, sendo vendedor FF;
Cópia do alvará de licença de utilização nº .../03 (documento nº 10 oferecido pelos embargantes com a sua petição), subscrito pelo Presidente em exercício da Câmara Municipal ..., datado de 08 de janeiro de 2003, com o seguinte teor:
“PROCESSO N.º 341/96
Nos termos do artigo nº. 26 do Decreto-Lei Nº 445/91, do 20 de Novembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei Nº 250/94, de 15 de Outubro, é emitido o alvará de licença de utilização nº .../03 em nome de FF contribuinte nº ...30, residente em ..., freguesia ..., concelho ....
O presente alvará titula a utilização do prédio sito em ..., freguesia ..., deste concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ...26[[8]] e inscrito na matriz urbana da respectiva freguesia, sob o artigo ...32 a que corresponde o alvará de construção n.º ..9/97 emitido em 1997/02/17 a favor de FF.
Por despacho de 2002/11/12, foi autorizada a seguinte utilização: HABITAÇÃO UNIFAMILIAR COM A ÁREA DE 278 M2.
O Técnico responsável pela direcção técnica da obra foi OO inscrito na ANET sob o nº ...01
Os autores dos projectos foram:
Projecto de Arquitectura OO inscrito na ANET sob o nº ...01
Projecto de Estabilidade OO inscrito na ANET sob o nº ...01
Projecto de Redes de Águas e Esgotos OO inscrito na ANET sob o nº ...01
Projecto de Isolamento Térmico OO inscrito na ANET sob o nº ...01
Projecto de Gás OO inscrito na ANET sob o nº ...01
Dado e passado para que sirva de título ao requerente e para todos os efeitos prescritos no Decreto-Lei Nº 445/91, de 20 de Novembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei Nº 250/94 de 15 de Outubro.”
Cópia de Título de compra e venda com hipoteca celebrada na Conservatória do Registo Predial de ... (documento nº 12 oferecido pelos embargantes com a sua petição), no dia 20 de abril de 2010, em que foram intervenientes, como primeiros outorgantes, FF, vendedor, e mulher AA, a consentir na venda, e como compradores e mutuários, DD e mulher EE e como credora a Banco 1..., S.A., tendo o vendedor com o consentimento da esposa, declarado que, pelo preço de cento e dois mil euros, já recebidos, vendia aos compradores uma casa de rés do chão, andar e quintal, destinada a habitação sito no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., inscrita na matriz sob o artigo ...74, descrita na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ...7/19960913, livre dos encargos de duas hipotecas tituladas pelas apresentações ...3/19980806 e ...1/20001130, mas com o encargo da penhora titulada pela apresentação 197 de 2009/02/10, cujo cancelamento já se encontra assegurado[9], tendo os compradores declarado aceitar o negócio e que o imóvel adquirido se destinava a sua habitação própria permanente.
A Banco 1..., S.A. concedeu aos compradores, ao abrigo do decreto-lei nº 349/98 de 11 de novembro, um empréstimo no montante de cento e dois mil euros, creditado na conta de depósito à ordem nº ...30, aberta na Agência de ... da Banco 1..., S.A., de que os compradores se confessaram devedores, destinado à aquisição do imóvel comprado, empréstimo pelo prazo de vinte e seis anos, constituindo os compradores hipoteca sobre o imóvel comprado a favor da Banco 1..., S.A., para garantia do capital mutuado no valor de cento e dois mil euros, dos juros à taxa anual de 8,246%, acrescida de uma sobretaxa de 4% ao ano em caso de mora e a título de cláusula penal, das despesas extrajudiciais emergentes deste contrato, fixadas para efeitos de registo em quatro mil e oitenta euros, perfazendo o montante máximo de capital e acessórios de € 143 552,76. Consta no Título a exibição da autorização de utilização nº .../03 concedida ao prédio em 08 de janeiro de 2003, pela Câmara Municipal ...[10].
Cópia da descrição predial nº ...37/19960913, da Conservatória do Registo Predial de ..., da freguesia ..., extraída em 20 de abril de 2010, referente a prédio urbano sito em ..., com a área total de 500 m2, área coberta de 130 m2 e área descoberta de 370 m2, inscrito na matriz urbana nº ...74[11], composto de casa de rés do chão e andar, com quintal, a confrontar do norte com LL, do sul com DD, do nascente com Quinta ... e do poente com caminho municipal, tendo inscrita uma penhora mediante a apresentação 197, de 10 de fevereiro de 2009, para garantia do pagamento da quantia de € 41 286,16, a favor de A..., Lda., sendo sujeito passivo FF, no âmbito do processo executivo nº ... do 3º Juízo Cível de ...; inscrição de aquisição do direito de propriedade mediante a apresentação ...10, de 20 de abril de 2010, por compra de EE e DD; inscrição de constituição de hipoteca voluntária mediante a apresentação nº 1311, de 20 de abril de 2010, para garantia do capital de € 102 000,00, sendo o montante máximo assegurado de € 143 552,76, a favor da Banco 1..., S.A. e sendo sujeitos passivos DD e EE (folhas 40 e 41 destes autos).
Cópia da declaração de rendimentos datada de 20 de abril de 2011[12], referente ao ano 2010, relativa a DD, NIF ...69 e a EE, NIF ...10..., sendo declarado a título de rendimentos do trabalho dependente e ou pensões obtidas em território português, o montante de € 10 669,12 para DD, sendo a entidade pagadora titular do NIF ...23[13] e de € 4 245,22 para EE, sendo a entidade pagadora titular do NIF ...00...[14], suportando cada um deles, a título de encargos com imóveis, o montante de € 1 820,88, sendo a entidade gestora a titular do NIF ...46 e respeitando os encargos ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...74 da freguesia ...27[15], indicando-se que se trata da habitação permanente dos dois sujeitos passivos[16].
Cópia da declaração de rendimentos datada de 23 de abril de 2012[17], referente ao ano 2011, relativa a DD, NIF ...69 e a EE, NIF ...10..., sendo declarado a título de rendimentos do trabalho dependente e ou pensões obtidas em território português, o montante de € 10 669,12 para DD, sendo a entidade pagadora titular do NIF ...23 e de € 4 245,22 para EE, sendo a entidade pagadora titular do NIF ...00..., suportando cada um deles, a título de encargos com imóveis, o montante de € 2 858,95, sendo a entidade gestora a titular do NIF ...46 e respeitando os encargos ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...74 da freguesia ...27, indicando-se que se trata da habitação permanente dos dois sujeitos passivos.
Cópia da declaração de rendimentos datada de 04 de abril de 2013[18], referente ao ano 2012, relativa a DD, NIF ...69 e a EE, NIF ...10..., sendo declarado a título de rendimentos do trabalho dependente e ou pensões obtidas em território português, o montante de € 9 955,96 para DD, sendo a entidade pagadora titular do NIF ...23 e de € 4 245,22 para EE, sendo a entidade pagadora titular do NIF ...00..., suportando o primeiro, a título de encargos com imóveis, o montante de € 1 417,86 e a segunda o montante de € 1 417,87, sendo a entidade gestora a titular do NIF ...46 e respeitando os encargos ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...74 da freguesia ...27, indicando-se que se trata da habitação permanente dos dois sujeitos passivos[19].
Cópia da declaração de rendimentos datada de 23 de abril de 2014[20], referente ao ano 2013, relativa a DD, NIF ...69 e a EE, NIF ...10..., sendo declarado a título de rendimentos do trabalho dependente e ou pensões obtidas em território português, o montante de € 10 669,16 para DD, sendo a entidade pagadora titular do NIF ...23 e de € 4 245,23 para EE, sendo a entidade pagadora titular do NIF ...00..., suportando cada um deles, a título de encargos com imóveis, o montante de € 971,73, sendo a entidade gestora a titular do NIF ...46 e respeitando os encargos ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...81 da freguesia ...27, indicando-se que se trata da habitação permanente dos dois sujeitos passivos[21].
Cópia da declaração de rendimentos datada de 10 de abril de 2015[22], referente ao ano 2014, relativa a DD, NIF ...69 e a EE, NIF ...10..., sendo declarado a título de rendimentos do trabalho dependente e ou pensões obtidas em território português, o montante de € 10 395,37 para DD, sendo a entidade pagadora titular do NIF ...23 e de € 4 245,23 para EE, sendo a entidade pagadora titular do NIF ...00..., suportando o primeiro, a título de encargos com imóveis, o montante de € 923,40 e a segunda o montante de € 923,41, sendo a entidade gestora a titular do NIF ...46 e respeitando os encargos ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...81 da freguesia ...27, indicando-se que se trata da habitação permanente dos dois sujeitos passivos[23].
Cópia da declaração de rendimentos sujeitos a IRS, datada de 08 de abril de 2016[24], referente ao ano 2015, relativa a DD, NIF ...69 e a EE, NIF ...10..., sendo declarado a título de rendimentos do trabalho dependente e ou pensões obtidas em território português, o montante de € 10 669,16 para DD, sendo a entidade pagadora titular do NIF ...23 e de € 4 245,23 para EE, sendo a entidade pagadora titular do NIF ...00..., constando a informação de que os contribuintes têm despesas e encargos com o imóvel para habitação permanente, inscrito na matriz sob o artigo ...81 da freguesia ...27[25].
Cópia de declaração oficiosa de rendimentos sujeito a IRS datada de 09 de maio de 2014[26], relativa a FF, NIF ...30, referente ao ano de 2010, na qual se declaram vendas no valor global de € 28 188,18, a alienação onerosa do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...74, da freguesia com o código ...27, pelo montante de € 102 000,00, indicando-se como valor de aquisição em novembro de 2000, o montante de € 38 782,52 e a título de encargos com imóvel, o montante de € 55 068,00, sendo a entidade gestora a titular do NIF ...46[27].
FF, titular do NIF ...30 era titular das seguintes contas bancárias à ordem:
- no Banco 2..., S.A. com o IBAN ...45[28], tem dois movimentos a crédito no dia 18 de fevereiro de 2010, o primeiro no montante de € 2 024,34 e o segundo no montante de € 500,00, um no dia 09 de março de 2010, no montante de € 300,00, outro no dia 05 de abril de 2010, no montante de € 20,00[29];
- no Banco 3..., S.A. com o IBAN ...21[30];
- no Banco 4..., S.A. com o IBAN ...05[31];
- na Banco 1..., S.A. com o IBAN ...11[32], sendo autorizada a sua movimentação por DD, NIF nº ...69, com o saldo negativo de € 27,65;
- na Banco 1..., S.A. com o IBAN ...77[33], sendo cotitular AA e com saldo zero desde 06 de fevereiro de 2013;
- no Banco 5..., S.A. com o IBAN ...51[34], conta que no ano de 2009, desde 18 de novembro de 2009 até final desse ano apresenta movimentos a crédito no montante global de € 1 111,79, não apresentando quaisquer movimentos no ano de 2010[35].
Na conta bancária de FF no Banco 4..., S.A com o nº ...41, aberta em 18 de novembro de 2009 e encerrada em 13 de maio de 2013, foram feitos os seguintes depósitos em 2009 e 2010[36]:
- em 18 de novembro de 2009, € 220,00 em numerário[37];
- 19 de novembro de 2009, € 200,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 19 de novembro de 2009, € 300,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 20 de novembro de 2009, € 3 700,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 25 de novembro de 2009, € 235,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 27 de novembro de 2009, € 200,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 27 de novembro de 2009, € 280,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 27 de novembro de 2009, € 6 800,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 03 de dezembro de 2009, € 360,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 23 de dezembro de 2009, € 1 365,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 23 de dezembro de 2009, € 6 045,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 05 de janeiro de 2010, € 230,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 07 de janeiro de 2010, € 100,00 em numerário;
- em 12 de janeiro de 2010, € 517,10 em cheques;
- em 15 de janeiro de 2010, € 2 300,00 em cheques;
- em 03 de fevereiro de 2010, € 2 440,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 09 de fevereiro de 2010, € 270,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 12 de fevereiro de 2010, € 50,00 em numerário;
- em 12 de fevereiro de 2010, € 15,00 em numerário;
- em 22 de fevereiro de 2010, € 3 500,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 22 de fevereiro de 2010, € 4 500,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 26 de fevereiro de 2010, € 600,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 01 de março de 2010, € 500,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 01 de março de 2010, € 1 500,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 15 de março de 2010, € 60,00 em numerário;
- em 15 de março de 2010, € 100,00 em numerário;
- em 15 de março de 2010, € 5 500,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 16 de março de 2010, € 250,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 17 de março de 2010, € 55,00 em numerário;
- em 17 de março de 2010, € 20,00 em numerário;
- em 17 de março de 2010, € 340,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 18 de março de 2010, € 400,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 31 de março de 2010, € 500,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 05 de abril de 2010, € 4 750,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 13 de abril de 2010, € 6 120,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 16 de abril de 2010, € 6 500,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 19 de abril de 2010, € 750,00 em cheque;
- em 20 de abril de 2010, € 900,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 06 de maio de 2020, € 1 500,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 13 de maio de 2010, € 1 960,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 19 de maio de 2010, € 4 800,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 20 de maio de 2010, € 10,00 por transferência;
- em 26 de maio de 2010, € 8 120,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 31 de maio de 2010, € 1 884,00, em cheques;
- em 31 de maio de 2010, € 13 500,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 08 de junho de 2010, € 6 500,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 02 de julho de 2010, € 850,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 09 de julho de 2010, € 3 150,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 12 de julho de 2010, € 810,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 15 de julho de 2010, € 400,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 20 de julho de 2010, € 1 100,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 21 de julho de 2010, € 7 000,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 26 de julho de 2010, € 4 700,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 03 de agosto de 2010, € 2 120,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 06 de agosto de 2010, € 2 420,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 09 de agosto de 2010, € 3 500,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 09 de agosto de 2010, € 3 729,00 em cheques;
- em 09 de agosto de 2010, € 3 500,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 12 de agosto de 2010, € 4 730,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 24 de agosto de 2010, € 12 000,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 13 de setembro de 2010, € 130,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 14 de setembro de 2010, € 220,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 17 de setembro de 2010, € 3 000,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 13 de outubro de 2010, € 200,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 15 de outubro de 2010, € 7 440,00 em cheques;
- em 15 de outubro de 2010, € 700,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 02 de novembro de 2010, € 500,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 05 de novembro de 2010, € 150,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 15 de novembro de 2010, € 1 450,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 17 de novembro de 2010, € 300,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 22 de dezembro de 2010, € 3 470,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”;
- em 27 de dezembro de 2010, € 220,00 em numerário, aliás “DEP NUM/CHQS .../VIS”[38].
Na conta bancária de FF no Banco 5..., S.A., com o nº ...51, foram efetuados os seguintes movimentos a crédito[39]:
- em 18 de novembro de 2009, depósito de valores no montante de € 108,00;
- em 18 de novembro de 2009, depósito de valores no montante de € 198,36;
- em 19 de novembro de 2009, transferência no montante de € 500,00;
- em 03 de dezembro de 2009, depósito de valores no montante de € 305,43.
Na conta de depósitos com o NIB ...18 no Banco 3..., S.A de que é titular FF foram realizados os seguintes movimentos a crédito[40]:
- em 07 de abril de 2010, um depósito em numerário, no montante de € 100,00;
- em 08 de abril de 2010, um depósito de um cheque no montante de € 4 000,00;
- em 09 de agosto de 2010, um depósito em numerário no montante de € 250,00;
- em 10 de novembro de 2010, uma entrega para depósito no montante de € 10 000,000.
FF está autorizado a movimentar a conta da sociedade C... Unipessoal, Lda. no Banco 6..., S.A. com o nº ...74...[41].
DD e EE foram titulares no Banco 3..., S.A. da Conta Fundos nº ...51 aberta em 17 de dezembro de 2009, com subscrição de 46,287724 up´s, último resgate em 28 de abril de 2010, cancelada em 16 de abril de 2012[42].
Cópia da escritura pública de doação celebrada no Cartório Notarial sito na Avenida ..., F, freguesia ..., concelho ..., no dia 25 de janeiro de 2017 (documento nº 3 oferecido pelos embargantes com a petição de embargos), tendo DD e EE declarado que com reserva a seu favor do usufruto vitalício, a extinguir na totalidade à morte do último que sobreviver, doam em comum e partes iguais aos seus netos CC, solteiro, menor e BB, solteiro, menor, residente na Rua ..., ..., na União das Freguesias ..., concelho ..., os seguintes imóveis:
- Um: Prédio urbano composto de casa de rés do chão com quinta, situado no Lugar ..., União das Freguesias ..., do concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ..., da freguesia ..., inscrito na matriz sob o artigo ...83, da União das Freguesias ..., correspondente ao anterior artigo ...97 urbano da extinta freguesia ...;
- Dois: Prédio urbano composto de casa de rés do chão com quinta, situado no Lugar ..., União das Freguesias ..., do concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ..., da freguesia ..., inscrito na matriz sob o artigo ...81, da União das Freguesias ..., correspondente ao anterior artigo ...74 urbano da extinta freguesia ....
Declararam que sobre o prédio identificado sob o número Dois incidem os seguintes ónus:
a) Penhora em que é exequente A..., LDA., inscrita pela apresentação 197, de 10 de fevereiro de 2009, cujo cancelamento se encontra autorizado, conforme certidão judicial que exibem;
b) Hipoteca voluntária a favor da Banco 1..., S.A. Banco 3..., S.A.[43], inscrita mediante a apresentação 1311, de 20 de abril de 2010, que se mantém.
Mais declararam DD e EE que os donatários não são presuntivos herdeiros legitimários dos doadores e que a presente doação não engloba quaisquer encargos para os donatários.
Consignou-se que os doadores exibiram, além do mais, fotocópia autenticada em 24 de janeiro de 2017 pelo advogado PP, dos alvarás de licença de utilização números ...3, emitido pela Câmara Municipal ... em 08 de janeiro de 2003, para o prédio identificado em um e 132 emitido pela mesma Câmara Municipal em 09 de setembro de 1986, para o prédio urbano identificado em dois[44].
Cópia do extrato da conta nº ...30[45], da Banco 1..., S.A., da titularidade de DD, alegadamente relativo ao período compreendido entre 20 de janeiro de 2017 a 20 de fevereiro de 2018, na qual estão lançadas a débito as cobranças de prestação em 20 de outubro de 2017, no montante de € 269,26, em 20 de novembro de 2017, no montante de € 67,66, em 20 de dezembro de 2017, no montante de € 403,96, em 22 de janeiro de 2018, no montante de € 403,96 e em 20 de fevereiro de 2018, no montante de € 403,96[46]; no mesmo período são creditadas transferências bancárias do Município ..., em 27 de outubro de 2017, no montante de € 699,89, em 28 de novembro de 2017, no montante de € 993,67, em 20 de dezembro de 2017, no montante de € 685,66, em 22 de janeiro de 2018, no montante de € 609,54 e em 20 de fevereiro de 2018 no montante de € 666,78[47]; no mesmo período há registo de um depósito em 25 de outubro de 2017, no montante de € 200,00, em 12 de novembro de 2017, no montante de € 500,00, em 18 de novembro de 2017, no montante de € 500,00, em 20 de novembro de 2017, no montante de € 600,00, em 22 de novembro de 2017, no montante de € 200,00, em 23 de novembro de 2017, no montante de € 100,00, em 28 de novembro de 2017, no montante de € 400,00, em 07 de dezembro de 2017, no montante de € 300,00, em 11 de dezembro de 2017, nos montantes de € 460,00, € 180,00, € 320,00 e € 400,00, em 30 de dezembro de 2017, no montante de € 500,00, em 11 de janeiro de 2018, no montante de € 400,00, em 16 de janeiro de 2018, no montante de € 500,00, em 20 de janeiro de 2018, no montante de € 500,00[48].
Cópia de extrato da conta nº ...91 da Banco 7... CRL, endereçada a AA, Rua ..., ..., ..., referente ao período compreendido entre 01 de junho de 2022 e 31 de agosto de 2022, emitido em 12 de setembro de 2022 (documento nº 6 oferecido pelos embargantes com a petição de embargos), de que se destacam os seguintes lançamentos, a débito: em 03 de junho de 2022, SU ELETRICIDAD ...18/...02, no montante de € 41,10; em 07 de julho de 2022, SU ELETRICIDAD ...18/...02, no montante de € 46,65.
Procedeu-se à audição da prova pessoal produzida nas duas sessões da audiência final.
A embargante AA, quarenta e cinco anos de idade, operária fabril, ex-esposa de FF, declarou viver na casa a que respeitam os embargos de terceiro há vinte anos; casou com o FF e contraíram um empréstimo para acabar a casa; mais tarde, porque FF tinha uma dívida à A... e a fim de não perder a casa, vendeu-a ao pai, tendo este contraído um empréstimo à Banco 1... para pagar a casa, estando a reembolsar o empréstimo a depoente, o ex-marido e o pai do ex-marido, dizendo depois que o seu ex-sogro é que sempre pagou as prestações do empréstimo; o seu ex-sogro na data da compra trabalhava na Câmara e ganhava bem, enquanto a sua ex-sogra era já reformada; além dos rendimentos do trabalho, o ex-sogro da depoente fazia biscates, como calceteiro e jardineiro; seu sogro recebe de reforma oitocentos e tal euros, o que dá para pagar a casa e com certeza tem algumas poupanças; o ex-sogro fez a doação das casas que tinha porque as queria salvaguardar, dizendo depois que as queria doar aos netos, não sabendo dizer porquê; seu ex-sogro só comprou a casa ao seu ex-marido por este tinha uma dívida às finanças e para não perderem a casa; a declarante sempre pagou as despesas da casa; instada pela Digna Magistrada do Ministério Público declarou que seu ex-sogro exercia a profissão de jardineiro na Câmara Municipal; mais declarou que casou com o seu ex-marido em 29 de abril de 2000 e se divorciou do mesmo em 2011, em abril ou maio, segundo crê, mas já estavam separados há muitos anos; não fez partilha dos bens do casal com o seu ex-marido, mas ficou tudo resolvido; ficou a residir na casa porque seu ex-sogro deixou; seu ex-marido trabalhava em carros; seu ex-marido movimentava a conta dos seus ex-sogros; a venda foi para pagar uma dívida; seu ex-sogro pagou a dívida; acha que não receberam nada do seu ex-sogro; instada pela sua mandatária esclareceu que a dívida era anterior ao divórcio e que era grande, não recordando qual era o seu montante; acha que a prestação do empréstimo contraído pelo seu ex-sogro era de trezentos e tal euros por mês, sendo atualmente de quase quatrocentos euros; o imóvel era da família antes de ter começado a namorar o ex-marido, quando tinha quinze anos de idade; o pai de seu ex-marido deu o terreno a este e começou a construir-lhe a casa; divorciou-se em 2011; O BB vive na casa desde que tem um ano de idade; em 2003, zangou-se com o marido quando soube que tinha engravidado uma outra mulher; seu filho tinha quatro ou cinco anos de idade quando seu ex-marido saiu da casa; seu ex-marido mora na casa dos pais dele; seu ex-sogro nunca morou na casa onde a declarante reside; não sabe por que razão os seus ex-sogros reservaram o usufruto na doação que fizeram aos netos; ouvia falar quando vinha aos tribunais que seu ex-marido fazia transferências para seus ex-sogros.
BB, com vinte e um anos de idade, calceteiro, residente na Rua ..., ..., ..., declarou que vive naquela casa desde sempre; pensa que a casa foi construída por seu avô; não sabe se seu pai foi dono da casa; seus avós nunca viveram naquela casa; devia ter quatro, cinco, seis anos de idade quando seu pai saiu daquela casa; quando os seus progenitores se divorciaram já estavam separados há algum tempo; ainda era bebé quando seus pais se separaram; as despesas da casa são suportadas pela mãe, por vezes com a sua ajuda; pensa que os negócios da casa foram para a salvaguardar de algum problema; não sabe por que razão seu pai vendeu a casa aos avós paternos; o avô paterno tinha possibilidades de pagar a casa pois tem um bom salário, à volta de mil euros; sua avó paterna era operária fabril e foi reformada por causa de uma doença mental; não sabe quem movimenta a conta bancária de seus avós paternos.
GG, quarenta e três anos de idade, escriturária de contabilidade, prima e amiga da embargante; desde que a AA se separou do marido deixou de conviver com este, convivendo no Natal e na Páscoa com a AA e o BB na casa onde atualmente moram; quando a AA namorava com o futuro marido a casa estava em construção; o pai do ex-marido da AA contraiu um crédito para o filho e a nora não perderem a casa; a AA continuou a viver na casa porque se dava bem com os ex-sogros; o ex-sogro da AA era funcionário público e fazia uns biscates na área da jardinagem enquanto a ex-sogra era reformada; era o ex-sogro da AA que pagava a prestação ao banco; ouviu falar que ele tinha passado os bens para os netos.
HH, quarenta e cinco anos de idade, empresário, primo da AA, declarou que esta vive numa casa em ... há vinte anos, mais ou menos e aí costuma deslocar-se nas épocas festivas no Natal, na Páscoa e no Carnaval e nessas ocasiões vai sempre lá jantar; nessa casa vive a AA e o filho; o pai do ex-marido da AA deu o terreno onde a AA e o ex-marido começaram a construir a casa; a AA separou-se do marido por este ter uma relação extra; o sogro da AA sempre gostou muito dela e por isso permitiu que continuasse a viver na casa com o filho; a AA e o ex-marido contraíram um empréstimo por causa da casa; os avós nunca viveram naquela casa, vivendo numa casa mesmo ao lado; não sabe onde vive o ex-marido de sua prima AA.
II, inspetor tributário nos Serviços de Finanças ..., declarou não conhecer os embargantes e nada revelou conhecer relativamente ao objeto destes autos.
JJ, inspetor da Polícia Judiciária, a exercer funções há cerca de seis anos no Centro Coordenador Policial e de Fronteiras em ..., investigou crimes de falsificação alegadamente cometidos pelo FF, sendo este responsável pela importação de variadas viaturas e pelo não pagamento dos impostos devidos por essa atividade. Nada sabe sobre o património do FF ou da esposa do mesmo.
KK, atualmente Procuradora da República, foi inspetora da Polícia Judiciária, desempenhando então funções no Gabinete de Recuperação de Ativos; de relevante para estes autos, sem indução, referiu que o imóvel a que respeitam os embargos não foi contabilizado no património incongruente, não foi considerado como vantagem da atividade criminosa, sendo sim considerado património do arguido FF em virtude deste ter o domínio desse bem, pois que os pais dele não tinham condições económicas para adquirir esse imóvel, qualificando essa aquisição como fictícia.
QQ, quarenta e cinco anos de idade, empresário, declarou não conhecer os embargantes, conhecendo o FF através da sua empresa de legalização de automóveis importados; só tratava dos documentos.
Antes de entrar na apreciação detalhada de cada um dos pontos de facto impugnados, uma vez que a factualidade provada impugnada convoca a figura da simulação negocial e atendendo ao conteúdo das alegações de recurso, justificam-se algumas considerações prévias.
É uma banalidade amiúde repetida, mas nem por isso menos verdadeira, que a prova da simulação é o campo por excelência da denominada prova indireta ou por presunções[49].
Bem se compreende que assim seja pois que se um dos elementos da simulação negocial envolve a intenção de enganar terceiro, estas situações envolverão uma atividade dos deceptores tendente a ocultar os seus propósitos, ostentando uma realidade negocial que esconde os seus reais intentos[50].
Embora nas obras jurídicas que se debruçam sobre a figura da simulação negocial se refiram as contradeclarações como prova pré-constituída frequente desta patologia negocial[51], não temos ao nosso dispor essa prova, pelo que a demonstração ou não dos factos integradores dessa figura negocial se há de fazer de outra forma.
Porém, antes de avançar nessa avaliação concreta da prova produzida, importa enfrentar algumas objeções de ordem formal que os recorrentes suscitaram relativamente à prova que o tribunal a quo relevou e à forma como a avaliou.
A primeira objeção é a de que o tribunal recorrido “se limitou a fundar a sua convicção, de forma desmesurada, no acórdão condenatório proferido no âmbito dos autos de processo-crime e no despacho que decidiu dar o imóvel com o artigo matricial ...4U como perdido a favor do Estado” (conclusão V).
A segunda objeção é a de que a doação celebrada em 25 de janeiro de 2017 consta de documento autêntico e por isso tem força probatória plena (conclusões XVIII a XXI).
A terceira objeção é a de que a simulação, quando invocada pelos simuladores, quer entre si, quer em relação a terceiros, não pode ser comprovada por prova testemunhal, ex vi artigo 394º, nºs 1 e 2, do Código Civil (conclusões LXII e LXIII).
Apreciemos a primeira objeção.
Nos termos do disposto no artigo 623º, do Código de Processo Civil, “[a] condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer ações civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infração.”
Atribui-se nesta previsão legal uma força probatória específica à condenação definitiva proferida em processo penal relativamente a terceiros e no que respeita à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer ações civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infração.
Trata-se de uma presunção legal iuris tantum que incide sobre aqueles factos e que, por isso, dada a inversão do ónus da prova que envolve (artigo 344º, nº 1, do Código Civil), releva desde logo para a determinação da matéria que há de ser objeto de prova (veja-se o nº 2 do artigo 350º do Código Civil).
Estes autos correm por apenso a um processo comum com intervenção de tribunal coletivo em que FF foi condenado pela prática de crime de fraude fiscal qualificada previsto e punido pelos artigos 14º, 26º e 30º, nº 1, do Código Penal assim como pelos artigos 103º, nº 1, alíneas a) e b), 104º, nº 1, alíneas d) e e) e nº 3, da Lei nº 15/01 de 05 de junho na pena de quatro anos de prisão e pela prática de crime de branqueamento de capitais previsto e punido pelos artigos 2º, nº 4, 14º, 26º e 386º-A nºs 1, 2 e 3 do Código Penal, na pena de três anos de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de cinco anos de prisão suspensa na sua execução por igual período e sujeita à condição de pagamento ao Estado/Administração Fiscal, no mesmo período, da quantia global obtida com a prática de fraude fiscal qualificada, no total de € 278 620,58, impondo-se, desde logo, o início do pagamento de pelo menos duzentos euros mensais, a ocorrer sucessiva e mensalmente até ao dia 08 do mês seguinte ao trânsito em julgado do acórdão.
O crime de fraude fiscal respeita à vantagem patrimonial ilegítima obtida por FF em sede de imposto sobre o rendimento no ano de 2011, no montante de € 36 061,20, à não liquidação de IVA no ano de 2011, no montante de € 136 041,97 e no ano de 2012, no montante de € 106 517,41.
Por outro lado, o crime de branqueamento de capitais, sendo como é um tipo de crime dependente (veja-se a previsão do nº 1 do artigo 386º-A do Código Penal), necessariamente tem em vista a conversão, a transferência, o auxílio ou a facilitação de alguma operação de conversão ou transferência de vantagens, obtidas por si ou por terceiro, direta ou indiretamente, com o fim de dissimular a sua origem ilícita, ou de evitar que o autor ou participante dessas infrações seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reação criminal (nº 3 do artigo 386º-A do Código Penal).
Por isso, o alcance do crime de branqueamento de capitais tem de ser forçosamente por referência ao crime de fraude fiscal qualificada (alínea j) do nº 1 do artigo 386º-A do Código Penal), ou seja, apenas pode ter em vista as condutas ilícitas ocorridas nos anos de 2011 e 2012[52], embora possa abarcar condutas posteriores a esses anos desde que conexionadas com tais factos criminais.
Significa isto que a eficácia probatória do acórdão penal que condenou FF pela prática de crimes de fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais relativamente a terceiros e como previsto no artigo 623º do Código de Processo Civil apenas opera relativamente a factos ocorridos a partir de 2011 e que integrem os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime.
No caso dos autos, o Sr. Juiz que presidiu à audiência desde cedo tomou posição no sentido da dispensabilidade da prova testemunhal (vejam-se os despachos de 15 de dezembro de 2023 e 04 de março de 2024) e ao longo da audiência não se coibiu de amiúde se referir ao caso julgado decorrente da condenação penal proferida no processo de que estes dependem.
Ora, dogmaticamente, como ensina a doutrina, o caso julgado não se forma sobre os factos, mas sim sobre a decisão[53].
No caso em apreço, apesar de o artigo 623º do Código de Processo Civil se enquadrar sistematicamente num capítulo destinado essencialmente a regular os efeitos da sentença e especialmente o instituto do caso julgado, o certo é que de tal previsão legal resulta apenas a atribuição de uma força probatória específica à sentença penal condenatória constituindo em relação a terceiros, presunção legal iuris tantum, no que respeita à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer ações civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infração.
Ora, como já vimos, nestes autos discute-se, além do mais, a validade de um negócio de compra e venda celebrado em 20 de abril de 2010 e bem assim de uma doação ocorrida em 25 de janeiro de 2017 e que teve por objeto, além do mais, a nua propriedade do imóvel que tinha sido vendido na compra e venda celebrada em 20 de abril de 2010[54].
É assim nítido que relativamente ao negócio celebrado em 20 de abril de 2010, por ser anterior aos crimes por que foi condenado FF, não é aplicável a previsão do artigo 623º do Código de Processo Civil.
No que respeita à doação celebrada em 25 de janeiro de 2017, atenta a proveniência do bem doado, há que concluir que também relativamente a esse negócio não opera a previsão do artigo 623º do Código de Processo Civil, já que, manifestamente, em nada se acha conexa com os crimes por que foi condenado FF e atenta a data da prática de tais factos nos anos de 2011 e 2012.
Apreciemos agora a segunda objeção suscitada pelos recorrentes no sentido de que a doação celebrada em 25 de janeiro de 2017 consta de documento autêntico e por isso tem força probatória plena.
Esta objeção é de todo improcedente pois que a força probatória plena do documento autêntico apenas respeita aos factos praticados pela autoridade ou oficial público autor do documento e bem assim aos factos que nele são atestados com base nas perceções da entidade documentadora (artigo 371º, nº 1, do Código de Processo Civil), não abrangendo a sinceridade ou a natureza esclarecida das declarações prestadas pelos outorgantes[55].
Vejamos agora a terceira objeção, ou seja, que a simulação, quando invocada pelos simuladores, quer entre si, quer em relação a terceiros, não pode ser comprovada por prova testemunhal, ex vi artigo 394º, nºs 1 e 2, do Código Civil.
Ora, no caso dos autos, se bem vemos, mesmo que se considere que a simulação negocial foi invocada na contestação, o que não nos parece poder sustentar-se, sempre seria o Estado Português a invocar essa patologia negocial, sendo este uma entidade totalmente estranha aos negócios afetados por tal falta de vontade.
Neste contexto, é ostensivo que esta terceira objeção suscitada pelos recorrentes não procede pois que a simulação não foi arguida por um simulador, tendo a nosso ver sido conhecida oficiosamente pelo tribunal a quo.
Refutadas as objeções invocadas pelos recorrentes à utilização de prova testemunhal para dar como provada a ocorrência de simulação negocial, apreciemos a impugnação de cada um dos pontos de facto identificados pelos recorrentes.
Debrucemo-nos sobre a impugnação dos pontos 9 a 12 dos factos provados, pontos que o tribunal recorrido considerou provados tendo “em consideração a matéria assente no aludido acórdão condenatório, que permitiu, segundo as regras da experiência comum, determiná-los como consequência lógica e natural da descrita atuação dos referidos intervenientes. Não olvidando que, sobre estes pontos em concreto, as declarações de parte dos embargantes AA e DD revelaram conhecimentos comprometidos, na medida em que, ao contrário daquilo que foi demonstrado nos autos principais através da análise da vasta documentação financeira, continuam a sustentar que a aquisição do aludido prédio foi validamente efetuada pelos pais de FF, e que os mesmos se comprometeram a liquidar o contrato de mútuo então celebrado, com vista a que o aludido património fosse salvaguardado na esfera dos familiares.
Salienta-se também os depoimentos prestados por II e JJ, respetivamente Inspetor Tributário e Inspetor da Policia Judiciária, sobre os dados essenciais que resultaram da investigação realizada nos autos principais.
Por seu turno, a testemunha KK, ex-Inspetora da PJ, do Gabinete de Recuperação de Ativos, retratou de modo sucinto a investigação financeira que levou a cabo aos aludidos intervenientes no processo-crime, que se mostrou determinante para o arresto dos bens de FF, designadamente do imóvel em causa. Nesse sentido, assegurou que da análise dos rendimentos dos avós paternos do aqui embargante facilmente se depreende que os mesmos não tinham capacidade financeira para adquirir o prédio, tudo indicando tratar-se de um benefício fraudulento, tanto mais que nunca foram seus detentores ou usufrutuários. Logo, é sua convicção que FF terá o domínio e posse efetiva do imóvel e que os atos de alineação e doação que se encontram registados tiveram unicamente como objetivo ocultar o referido bem da esfera patrimonial do citado FF.”
Analisando criticamente esta motivação do tribunal recorrido dir-se-á que a factualidade assente no acórdão condenatório de que estes autos dependem nenhuns reflexos tem neste processo, pelas razões que já antes foram expostos.
Diga-se, ainda, que não se vê como de factos criminais posteriores à compra e venda anteriormente celebrada podem decorrer os factos dados como provados nos pontos 9 a 12 dos factos provados, ao menos na parte que se refere à compra e venda, porque estes últimos são necessariamente anteriores.
Acresce que da prova documental oferecida pelos embargantes e até do depoimento produzido pela testemunha KK resulta inequívoco que o prédio objeto da compra e venda e posteriormente doado pelos declarados compradores não é uma vantagem proveniente dos crimes por que veio a ser condenado FF e daí que não tenha sido contabilizado no património incongruente.
As testemunhas II e JJ nada revelaram saber sobre o objeto destes autos, sendo os seus conhecimentos limitados à investigação em que participaram no âmbito do inquérito que deu origem ao processo comum coletivo de que estes autos são dependência.
Finalmente, alude o Sr. Juiz a quo à vasta documentação financeira analisada no processo criminal de que estes são dependentes e que, na sua perspetiva, teria permitido a comprovação, de forma indubitável, que a compra e venda celebrada em 20 de abril de 2010 era inválida.
Ora, pela análise de toda a prova documental a que procedemos, verificámos que nem sequer existe extrato bancário que comprove ter sido creditada na conta nº ...30 a quantia emprestada[56] e, especialmente, como foi movimentada posteriormente essa importância, pois não existe nos autos qualquer extrato bancário desta conta da titularidade de DD relativa a esse período temporal, apenas existindo uma informação da Banco 1..., S.A. de que já se deu anteriormente nota[57] e uma outra datada de 23 de agosto de 2017 a dar conta de seis transferências bancárias da conta nº ...00, da titularidade de FF para a conta nº ...30, da titularidade de DD e EE entre 31 de dezembro de 2016 e 15 de junho de 2017, no montante global de € 42 400,00 (folhas 174 do primeiro volume de Investigação Patrimonial e Financeira levada a cabo pelo Gabinete de Recuperação de Ativos, Delegação Norte (NAI – ...77)[58]).
Apreciemos então a prova pessoal e documental de que antes se deu conta a fim de aferir se a mesma suporta ou não os pontos 9 a 12 dos factos provados, iniciando este labor pela factualidade mais objetiva, ou seja, a parte final do ponto 11 e o ponto 12, ambos dos factos provados.
Não existe qualquer prova documental nos autos de que sobre o imóvel vendido em 20 de abril de 2010 incida inscrição de aquisição do direito de propriedade a favor do embargante BB e de CC, sendo certo que a prova do registo se faz por meio de certidão (artigo 110º do Código do Registo Predial).
Existe nos autos prova documental de que o imóvel vendido em 20 de abril de 2010 estava onerado com duas hipotecas voluntárias e que estas foram canceladas imediatamente antes do registo da aquisição da venda, tal como foi ordenado o cancelamento da penhora que onerava o mesmo imóvel[59].
Em termos de normalidade, a subsistência da inscrição hipotecária é um indício de que o crédito garantido ainda não se acha satisfeito.
Em momento anterior deste acórdão deu-se conta de não ter sido produzida qualquer prova quanto ao montante que as hipotecas extintas ainda garantiam, se garantiam, no momento do cancelamento das suas inscrições.
No entanto, relativamente à hipoteca inscrita em 1998 está junto aos autos documento de aprovação desse empréstimo, prevendo-se que o mesmo teria o prazo de trinta anos e, no que respeita à hipoteca inscrita em 2000, também está junto aos autos documento de aprovação desse empréstimo, prevendo-se que teria o prazo de vinte e sete anos (vejam-se os documentos juntos de folhas 83 verso a 84 e 86 verso a 87).
Assim, à data da celebração da compra e venda em 20 de abril de 2010, parte substancial do prazo dos empréstimos hipotecariamente garantidos não tinha ainda decorrido, faltando cerca de dezassete anos para o termo contratado de ambos os empréstimos, ou seja, mais de metade do prazo contratado.
Ao invés, relativamente à penhora, existe prova documental de que FF procedeu ao pagamento da quantia de € 38 623,95, tendo a exequente dado notícia de tal facto na ação executiva a que respeita a penhora no dia da celebração da escritura pública de compra e venda.
Por força de informação prestada pela Banco 1..., S.A. sabe-se que o empréstimo no montante de € 102 000,00 foi totalmente utilizado (informação de 16 de dezembro de 2022), tendo sido creditado na conta de DD e EE desconhecendo-se como foi movimentado e para onde foi movimentado tal capital.
No entanto, dada a coincidência temporal do cancelamento das hipotecas que oneravam o imóvel hipotecado e bem assim do asseguramento do cancelamento da penhora que sobre o mesmo incidia, é lícito inferir que pelo menos parte do montante mutuado se destinou a satisfazer essas dívidas cujo montante exato se desconhece mas que é necessariamente superior a € 38 623,95 ou, quando não, pelo menos, a matéria de facto é bastante para suscitar uma dúvida razoável sobre a realidade da factualidade constante do ponto 12 dos factos provados na parte relativa ao não recebimento de “qualquer real contrapartida pelo registo do mesmo em nome dos pais” por parte de FF.
Assim, embora a embargante tenha declarado que achava que nada tinham recebido do seu ex-sogro pela venda da casa, também disse que a venda foi para pagar dívidas, afirmação que acha algum suporte no que antes se expôs relativamente ao cancelamento das garantias hipotecárias e ao asseguramento do cancelamento de uma penhora.
Neste circunstancialismo probatório, a prova pessoal e documental produzida não é bastante para permitir que se forme uma convicção positiva deste tribunal da Relação quanto à realidade da inexistência de qualquer contrapartida pela transmissão do direito de propriedade do imóvel agora inscrito na matriz sob o artigo ...81 e anteriormente sob o artigo ...74.
Não foi produzida qualquer prova pessoal ou de outra natureza que permita concluir que FF tinha na sua disponibilidade o imóvel agora inscrito na matriz sob o artigo ...81 e anteriormente sob o artigo ...74 e que lhe dava o uso que bem entendia.
A prova produzida converge no sentido de que FF habita na companhia de seus progenitores, na Rua ..., ..., ..., ..., com corroboração documental, por exemplo, na morada referenciada nos extratos bancários do Banco 4..., conta nº ...41.
Assim, face ao manancial probatório que se acaba de analisar é para nós evidente que o ponto 12 dos factos provados não tem suporte probatório, pelo que deve transitar para os factos não provados, tal como a alegada inscrição no registo predial da aquisição por doação realizada em 25 de janeiro de 2017 mencionada na parte final do ponto 11 dos factos provados não tem prova documental que a sustente, pelo que também deve passar para os factos não provados.
Analisemos agora a prova relevante para os restantes factos provados que se prendem com a intenção e finalidades queridas pelo vendedor e compradores na compra e venda celebrada em 20 de abril de 2010.
A intenção e a finalidade dos contraentes não são factos passíveis de ser percecionados pelos sentidos, pelo que, sob este prisma, não são passíveis de prova direta.
Ainda que os contraentes prestem declarações afirmando uma certa intenção ou finalidade visada com o ato outorgado, sempre se tratará da mera exteriorização de algo que se passa no foro interno das partes, devendo sempre ser avaliada a credibilidade dessas declarações.
A nosso ver, em matérias desta natureza, a prova mais segura é a denominada prova indireta ou por presunção.
As provas indiretas ou por presunção são legalmente admissíveis face ao disposto no artigo 349º do Código Civil.
No entanto, por força dessa natureza mediata, as denominadas provas indiretas ou indiciárias, na terminologia dos nossos vizinhos espanhóis, devem ser usadas com particular cautela, a fim de evitar erros judiciários com consequências tanto mais devastadoras quanto maior for a gravidade ou o relevo social ou patrimonial dos factos objeto de julgamento[60].
Assim, a utilização segura e racional deste tipo de provas[61] exige:
a) em primeiro lugar e em regra, uma pluralidade de elementos indiciários, joeirando-se os casos de pluralidade aparente dos casos de real pluralidade; tal pluralidade só não será de exigir quando o relevo probatório da prova indireta for de tal forma forte que é desnecessário qualquer outro elemento corroborador, como poderá suceder nalguns casos de recolhas positivas de vestígios biológicos;
b) em segundo lugar, importa que tais elementos sejam concordantes;
c) em terceiro lugar, importa que, tendo em conta uma observação de acordo com as regras da experiência, tais indícios afastem, para além de toda a dúvida razoável, a possibilidade dos factos se terem passado de modo diverso daquele para que apontam aqueles indícios probatórios, isto é, importa que tais indícios sejam inequívocos[62].
Vejamos então no caso dos autos que elementos indiciários são releváveis para permitir a formação de uma convicção probatória deste tribunal quanto à matéria vertida nos pontos 9, 10 e 11 dos factos provados, este último apenas na parte não prejudicada pela apreciação que anteriormente se fez relativamente à prova da sua parte final.
Em primeiro lugar, importa relevar a relação familiar próxima entre vendedor e comprador, respetivamente filho e progenitores e a inerente relação de confiança necessária à celebração de um negócio simulado. Esta relação de confiança é ainda mais fortalecida pelo facto de o vendedor ser filho único dos compradores[63].
Em segundo lugar, na data da celebração do contrato de compra e venda sobre o imóvel vendido incidiam diversos ónus que foram cancelados nessa mesma data, presumivelmente às custas do empréstimo contraído pelos vendedores.
Esta realidade tanto é compatível com uma venda realmente querida como com uma venda simulada a fim de financiar, a desoneração do imóvel “vendido” e obter, simultaneamente a “salvaguarda” desse imóvel, colocando-o ao abrigo de ataques dos credores do vendedor. Anote-se que este último propósito é também compatível com uma venda verdadeira, como bem evidencia o instituto da impugnação pauliana.
Uma vez mais se realça a importância do extrato da conta bancária dos compradores em que foi creditada a quantia mutuada a fim de, tanto quanto possível, determinar o seu destino, extrato que como já antes se referiu não se mostra junto aos autos.
Em terceiro lugar, importa ponderar a declaração dos compradores de que a aquisição do prédio urbano era para sua habitação própria permanente na compra e venda e em sucessivas declarações fiscais, declarações que não correspondem à verdade, pois a habitação vendida tem o número de polícia ...2 da Rua ..., em ..., ... e os compradores residem nessa mesma rua, no número 70.
Esta declaração falsa tanto é compatível com uma intenção de simulação como com o simples intento, ilícito, de obter vantagens fiscais e na concessão do empréstimo bancário.
Em quarto lugar, importa ponderar a condição económica do vendedor e dos compradores na compra e venda celebrada em 20 de abril de 2010.
Os elementos disponíveis relativamente ao vendedor reduzem-se aos extratos bancários que contemplam o período temporal anterior à celebração da compra e venda em 20 de abril de 2010.
Ora, a análise desses extratos, dá-nos nota de uma situação económica líquida modesta, ainda que os movimentos de capital na conta do Banco 4..., vistos isoladamente, sejam significativos. Na realidade, deste extrato bancário resulta que logo após os depósitos de capital, surgem movimentações de sentido contrário que os neutralizam, o que poderá ter variadas explicações, mas que seguramente não podemos avançar por falta de informação concreta quanto a toda esta movimentação bancária pois não foi produzida prova tendente a reconstituir o “trajeto” e a finalidade de tais movimentações, já que toda a investigação criminal se focou nos anos de 2011 e 2012.
A análise crítica das declarações de rendimento dos compradores a que anteriormente se procedeu permitiu-nos constatar que têm uma situação económica modesta, mas que lhes permite, ainda que com dificuldades, cumprir as obrigações que assumiram com a contração de empréstimo.
Importa ainda ter em atenção que a aceitação de celebração do contrato de empréstimo, por parte da entidade bancária, faz-se após uma análise de risco e, em condições de normalidade, não aceitará celebrar um contrato com uma contraparte que ab initio não tenha condições para honrar as obrigações assumidas[64].
Finalmente, a doação celebrada em 25 de janeiro de 2017 ocorre numa altura em que os doadores certamente estão ao corrente de que o filho de ambos tem problemas com a justiça e em que sentirão receio de que esses problemas também os venham a atingir, tanto mais que autorizaram seu filho a usar a conta bancária de que são titulares (ouçam-se as declarações da embargante AA), sentindo por isso necessidade de “salvaguardar” o seu património, todo o seu património e não apenas o que haviam adquirido de seu filho, propósito que tanto é compatível com uma transmissão efetivamente não querida, apesar de declarada[65] como com uma verdadeira transmissão em que seja assegurado o seu direito a habitarem a casa onde residem.
Assim, tudo sopesado, ponderados os elementos indiciários existentes, afigura-se-nos que são ambíguos porque compatíveis quer com uma simulação negocial, quer com negócios verdadeiros celebrados num estrito e limitado quadro familiar, não sendo assim bastantes para permitir a formação de uma convicção positiva deste tribunal quanto à realidade dos factos vertidos nos pontos 9, 10 e 11, com exceção da sua parte final já antes apreciada.
Devem assim julgar-se não provados os pontos 9 a 12 dos factos provados.
Apreciemos agora a impugnação das alíneas a), b) e c) dos factos não provados.
Começando pela alínea a) dos factos não provados, em termos de prova pessoal, apenas foram produzidas as declarações da embargante, as quais foram confusas, tanto dizendo que essas prestações eram suportadas pela embargante, pelo seu ex-marido e pelos pais deste, como dizendo depois que apenas estes últimos pagavam as prestações.
O extrato da conta bancária dos progenitores de FF associada ao pagamento das prestações do mútuo, já anteriormente analisado criticamente e relativo a um período temporal limitado, juntamente com os elementos resultantes das declarações fiscais dos mesmos nos anos de 2010 a 2015 permite afirmar a possibilidade destes pagarem as referidas prestações.
Porém, aquele extrato evidencia variados depósitos, num montante global de € 6 060,00, desconhecendo-se a sua proveniência, montante que em muito excede os que são transferidos para a conta pelo Município ..., ao que tudo indica a título de vencimento de DD.
Neste circunstancialismo probatório, a prova produzida não é bastante para afirmar, com a necessária segurança, que DD e EE suportam a prestação do mútuo contraído para a aquisição do imóvel, pelo que deve manter-se não provada a alínea a) dos factos não provados.
Vejamos agora a alínea b) dos factos não provados.
Antes de entrar na apreciação propriamente dita deste ponto de facto, deve evidenciar-se a natureza normativa do segmento em que se alude aos poderes próprios do proprietário em vez de enunciar, concretamente, a que poderes se pretendia aludir.
Os depoimentos da embargante e das testemunhas GG e HH são claramente convergentes no sentido de que a embargante e o embargante ficaram a viver naquela casa em virtude de o ex-sogro o ter permitido, não resultando da prova produzida que a dado momento tenha havido qualquer oposição dos embargantes contra a pessoa que lhes tinha permitido a ocupação do imóvel.
Neste quadro é evidente que não podem ter a convicção de que são donos do imóvel desde que nele habitam e nem a podem usar desde então como coisa sua.
Deste modo, atenta a prova pessoal antes relevada, improcede a impugnação desta alínea dos factos não provados.
Debrucemo-nos agora sobre a alínea c) dos factos não provados.
Anote-se que apenas o embargante é neto paterno dos compradores e doadores do imóvel onde reside, sendo a embargante ex-nora dos referidos compradores e doadores.
Retoma-se neste ponto quanto se escreveu antes quando se conheceu a impugnação do ponto 12 dos factos provados, razão pela qual não é possível a formação de uma convicção positiva deste Tribunal da Relação quanto à realidade desta alínea dos factos não provados, pelo que também nesta parte improcede a impugnação da decisão da matéria de facto.
Assim, em conclusão, a impugnação da decisão da matéria de facto procede parcialmente, transitando para os factos não provados os pontos 9 a 12 dos factos provados e mantendo-se no mais intocadas as alíneas a), b) e c) dos factos não provados.
3.2 Fundamentos de facto exarados na sentença recorrida com as alterações decorrentes da impugnação da decisão da matéria de facto que precede
3.2.1 Factos provados
3.2.1.1
Os embargantes AA e BB são respetivamente ex-mulher e filho de FF e, por sua vez, ex-nora e neto de EE e DD.
3.2.1.2
No âmbito dos autos principais, processo nº 45/14.3IDPRT, FF foi constituído como arguido, tal como os seus pais DD e EE.
3.2.1.3
Na acusação deduzida contra os arguidos FF, DD e EE, posteriormente confirmada por despacho de pronúncia, o Ministério Público liquidou em € 960 750,21 o valor a ser declarado perdido a favor do Estado, correspondente à diferença entre o valor do património efetivo do arguido FF e o do património congruente com o seu rendimento.
3.2.1.4
E para garantia de pagamento do valor do património incongruente, o Ministério Público peticionou o arresto patrimonial dos saldos das contas bancárias tituladas ou co-tituladas pelo arguido FF e da viatura ... matrícula ..-QR-.., assim como, do imóvel sito na freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz urbana sob o artigo ...74... e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ...37, que foi determinado e confirmado após oposição e subsequente recurso para o Tribunal da Relação do Porto[66].
3.2.1.5
A final, por acórdão já transitado em julgado, foi decidido:
a. - Condenar o arguido FF pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelos artigos 14.º, 26.º, e 30.º, nº 1, todos do Código Penal, assim como pelos artigos 103.º, nº 1, alíneas a) e b), 104.º nº 1, alíneas d) e e), e nº 3, da Lei n.º 15/01, de 5 de Junho (RGIT) - na pena de 4 (quatro) anos de prisão;
b. - Condenar o arguido FF pela prática de um crime de Branqueamento de Capitais, previsto e punido pelos artigos 2º, nº 4, 14.º, 26.º, e 368º-A, nºs. 1, 2 e 3 do C. Penal - na pena de 3 (três) anos de prisão;
c. - E em cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita à condição de pagamento ao Estado/Administração Fiscal, no mesmo período, da quantia global obtida com a prática de crime de fraude fiscal qualificada, no total de 278 620,58 € (duzentos e setenta e oito mil seiscentos e vinte euros e cinquenta e oito cêntimos), impondo-se desde já, o início do pagamento de pelo menos € 200,00 (duzentos euros) mensais, a ocorrer sucessiva e mensalmente até ao dia 8 do mês seguinte ao do trânsito em julgado da presente decisão, devendo tais pagamentos ser efetuados por depósito autónomo à ordem dos autos.
d. - Condenar o arguido DD pela prática de um crime de branqueamento p. e p. pelos artigos 2º, nº 4, 14º, nº 3, 368º-A, nºs. 1, 2 e 3 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão que ao abrigo do disposto no artigo 50º, nºs. 1 e 5 do Código Penal se suspende na sua execução por igual período;
e. - Condenar a arguida EE pela prática de um crime de branqueamento p. e p. pelos artigos 2º, nº 4, 14º, nº 3, 368º-A, nºs 1, 2 e 3 do C. Penal na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão que ao abrigo do disposto no artigo 50º, nºs. 1 e 5 do C. Penal se suspende na sua execução por igual período;
f. - Declarar ao abrigo do disposto no artigo 110º do Código Penal perdida a favor do Estado da vantagem patrimonial obtida pelo arguido FF no âmbito da prática do crime de fraude fiscal qualificada, correspondente à quantia total de € 278 620,58;
g. - Julgar totalmente procedente o incidente de liquidação deduzido pelo Ministério Público e condenar o arguido FF ao pagamento da quantia liquidada de € 960 750,21 (novecentos e sessenta mil, setecentos e cinquenta euros e vinte e um cêntimos) e correspondente ao património incongruente, no prazo de dez dias a contar do trânsito em julgado da presente decisão, sob pena de os bens arrestados serem declarados perdidos a favor do Estado;
h. - Manter o arresto dos bens já realizado nos autos;
3.2.1.6
Na referida decisão condenatória, com interesse, foram considerados como provados, por decisão transitada em julgado, os seguintes factos:
a. - O arguido FF ciente de que não declarava o rendimento obtido com a dita atividade determinou-se assim, de comum acordo, com DD e EE, a procurar iludir as autoridades criminais e tributárias, e até o próprio sistema bancário, sobre a origem ilícita das vantagens patrimoniais obtidas e do seu património, procurando aparentar que formalmente não possuía contas bancárias ou quaisquer outros bens para diminuir o risco de captar a atenção das autoridades criminais e tributárias e ser alvo de reação penal.
b. - Em execução de tal determinação FF transferiu assim da conta nº ...00, por si titulada, o valor total de € 42 400,00 em 6 situações, como efetuou depósitos de quantias monetárias, entre 31/12/2016 e 27/02/2017, para a conta nº ...30, titulada pelos arguidos DD e EE.
c. - A 20 de abril de 2010, altura em que o arguido FF já se dedicava à compra e venda de viaturas automóveis nos termos descritos e pretendia continuar a fazê-lo, na Conservatória de Registo Predial de ..., celebrou com os seus pais e co-arguidos DD e EE escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca do imóvel inscrito na matriz sob o artigo ...74... e descrito na competente Conservatória sob o nº ...37, sito na freguesia ..., concelho ... pelo preço declarado de € 102 000,00, alienação registada pela ap. ...10 de 2010/04/20.
d. - No mesmo documento e a propósito da situação registral do prédio em questão ficou a constar que sobre o mesmo impendiam duas hipotecas (apresentações 23 e 41) e uma penhora (ap. ...97 de 10/02/2009).
e. - Na mesma data e título o arguido FF enquanto vendedor declarou que o imóvel era então vendido livre dos ónus consubstanciados nas hipotecas, mas com o encargo da penhora cujo cancelamento declarou ter assegurado.
f. - Por escritura pública de 25 de janeiro de 2017, celebrada em Cartório Notarial sito em ..., os arguidos DD e mulher EE declararam doar a nua propriedade do atrás identificado imóvel, com reserva de usufruto vitalício, a extinguir à morte do último, em comum e partes iguais, aos netos CC e BB.
g. - O valor atribuído à doação foi fixado em € 35 932,35.
h. - Ao acordarem e ao autorizarem a utilização e livre disposição da conta de que eram os titulares formais sediada na Banco 1... com o nº ...00, pelo arguido FF representaram como possível que o dinheiro para esta transferido e depositado proviesse de atividade consubstanciada na prática de factos ilícitos típicos, e que este arguido, estava a iludir as autoridades criminais, tributárias e até o sistema bancário e que o mesmo procurava aparentar que formalmente não possuía contas bancárias por si tituladas com grandes movimentos a débito e a crédito, nem tinha património de valor relevante, para diminuir o risco de captar a atenção das autoridades criminais e tributárias e ser alvo de reação penal, conformando-se com esse resultado.
i. - Agiu o arguido FF no âmbito da atuação atrás exposta sempre determinado a procurar iludir as autoridades criminais e tributárias, e até o próprio sistema bancário, sobre a origem ilícita das vantagens patrimoniais obtidas e do seu património, procurando aparentar que formalmente não possuía contas bancárias por si tituladas com grandes movimentos a débito e a crédito, nem tinha património de valor relevante, para diminuir o risco de captar a atenção das autoridades criminais e tributárias e ser alvo de reação penal, disso estando bem cientes os arguidos.
j. - E ainda com o concretizado propósito de converter no sistema bancário parte dos rendimentos pecuniários obtidos em lícitos montantes transferidos e depositados para a conta bancária utilizada e movimentada pelos arguidos DD e EE, dissimulando perante terceiros, designadamente autoridades criminais e tributárias, a origem ilícita do dinheiro e por isso legitimando a sua movimentação no normal circuito económico-financeiro, contaminando-o com fundos provenientes de atividade ilícita, e fazendo crer erroneamente que as mesmas integravam não o seu património, mas o dos seus pais, de tudo estando bem ciente.
k. - Todos os arguidos agiram sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que o seu comportamento era proibido e punido por lei.
3.2.1.7
Não tendo havido pagamento da quantia liquidada, foi determinada a perda a favor do Estado de todos os bens arrestados, designadamente do imóvel com o artigo matricial ...4U, sito na freguesia ..., no valor de € 59 887,25, por despacho datado de 08.06.2022.
3.2.1.8
Nesta decisão, com interesse, foram considerados como provados, por decisão transitada em julgado, os seguintes factos:
a. - O arguido FF foi constituído como tal a 28 de julho de 2014.
b. - Não declarou nos anos de 2009 a 2015 quaisquer rendimentos;
c. - A Autoridade Tributária declarou oficiosamente rendimentos do arguido nos montantes de € 623 426,26, Categoria B, ano de 2011 e € 468 716,97 da categoria C, ano de 2012;
d. - E foi comunicada declaração modelo 37, no montante de € 250,00;
e. - As contas bancárias do tipo DO, tituladas e movimentadas pelo arguido no período de 28 de julho de 2009 a 28 de julho de 2014 totalizam movimentos a crédito no total de € 989 188,39, nos termos descritos.
f. - O arguido FF tem registados em seu nome e também penhorados, os veículos automóveis de matrícula ..-..-ER, ..-..-ZM, e ..-..-PP;
g. - Para o período decorrido entre o ano de 2009 e 2016, o valor, resultante da incongruência entre o património do arguido e os rendimentos declarados/comunicados à Autoridade Tributária e Aduaneira é de € 960 750,21 (novecentos e sessenta mil, setecentos e cinquenta euros e vinte e um cent);
h. - O arguido DD declarou rendimentos da Categoria 1 nos anos 2009 a 2015, da responsabilidade do Município ..., respetivamente, € 10 669,12 de 2009 a 2011, € 9 955,96 no ano 2012, € 10 669,16 nos anos 2013 e 2015, e € 10 939,37 no ano 2014;
i. - E foi proprietário registado dos seguintes veículos automóveis: ROVER, ligeiro de passageiros, registada a propriedade a 08/01/2016, de matrícula ..-..-SV; ..., ligeiro de mercadorias, registada a propriedade a 14/06/2013, matrícula ..-..-MB; ..., ligeiro de passageiros, registada a propriedade a 03/03/2011, matrícula ..-..-QF; ..., ciclomotor, registada a propriedade a 26/02/2009, matrícula ..-HF-..; ..., ligeiro de passageiros, registada a propriedade a 15/10/2008, matrícula UH-..-..; ..., ligeiro de passageiros, registada a propriedade a 27/12/2001, matrícula JM-..-..; ..., ligeiro de passageiros, registada a propriedade a 258/04/1989, matrícula JF-..-..;
j. - EE, por seu turno, declarou rendimentos – Pensão – nos anos 2009 a 2015 -, a cargo do Instituto da Segurança Social I.P., respetivamente € 4 192,86 no ano 2009 e € 4 145,22 do ano 2010 ao ano 2015;
k. - O arguido FF não recebeu qualquer contrapartida pela alienação do imóvel com o artigo matricial ...4U, sito na freguesia ..., aos coarguidos seus pais.
3.2.1.9
Aquando do divórcio do arguido FF e de AA foi homologado acordo do exercício das responsabilidades parentais, nos termos da decisão de 28 de outubro de 2011, proferida pela Conservatória do Registo Civil de ..., ficando o menor a residir habitualmente com a mãe no indicado imóvel.
3.2.1.10
Desde o divórcio, as despesas de água, luz e gás da referida habitação são suportadas por AA.
3.2.1.11
Há cerca 18 anos que os embargantes residem naquela habitação.
3.2.2 Factos não provados
3.2.2.1
Contrariamente ao que declararam nas escrituras de compra e venda e doação, nem FF pretendeu vender o dito imóvel aos seus pais, nem estes o quiseram comprar e doar aos netos, com reserva de usufruto.
3.2.2.2
Quer os atos de alienação do imóvel inscrito na matriz sob o artigo ...74..., efetuado por FF aos seus pais, DD e EE, quer a posterior doação destes aos netos CC e BB, visaram iludir as autoridades criminais e tributárias, fazendo crer erroneamente que o dito imóvel integrava o património destes e, desse modo, impedir que a efetiva propriedade se reconduzisse ao citado FF.
3.2.2.3
Agiu FF de comum acordo com os seus pais, com o concretizado propósito de fazer crer erroneamente a terceiros, designadamente às autoridades criminais e tributárias, que o imóvel com o artigo matriz ...4U, sito na freguesia ..., porque registado em nome de DD e EE e depois em nome dos netos, integrava o património destes, e não o seu.
3.2.2.4
O referido imóvel encontrava-se na disponibilidade do arguido FF, que lhe dava o uso e destino que bem entendia, e não recebeu qualquer real contrapartida pelo registo do mesmo em nome dos pais.
3.2.2.5
Os arguidos DD e EE são quem suporta a prestação do mútuo para a suposta aquisição do indicado imóvel.
3.2.2.6
Os embargantes, desde que residem no indicado imóvel, sempre exerceram todos os poderes próprios de um proprietário, na convicção de que o prédio lhes pertence, gozando e dispondo do mesmo como coisa sua, sem qualquer oposição, e ignorando que lesavam direitos de terceiros.
3.2.2.7
A aquisição do indicado imóvel pelos avós paternos dos embargantes visou o pagamento de penhoras do arguido FF.
4. Fundamentos de direito
Da repercussão da eventual alteração da decisão da matéria de facto na solução final do caso
Os embargantes pretendem que lhes seja restituído o bem imóvel arrestado então inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ...74 e atualmente sob o artigo ...81 e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ...37 da freguesia ..., concelho ..., porque, alegadamente, são donos dele por força da doação celebrada em 25 de janeiro de 2017 (veja-se o artigo 32 do requerimento inicial de embargos de terceiro).
Na decisão recorrida os embargos foram julgados improcedentes em virtude de terem sido consideradas simuladas a compra e venda celebrada em 20 de abril de 2010 entre FF, como vendedor e DD e EE, como compradores do imóvel acima referido e bem assim a doação do mesmo imóvel celebrada em 25 de janeiro de 2017, em que foram doadores da nua propriedade com reserva de usufruto vitalício DD e EE e donatários, os então menores e netos dos donatários, CC e BB.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 342º do Código de Processo Civil, “[s]e a penhora, ou qualquer ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro.”
No caso dos autos, os embargantes alegam ser proprietários do imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ...74 e atualmente sob o artigo ...81 e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ...37 da freguesia ..., concelho ... que foi arrestado, sendo subsequentemente decretada a sua perda a favor do Estado Português sem se atentar que o registo do arresto era provisório por natureza em virtude de o titular inscrito ser pessoa diversa do requerido no arresto e, consequentemente, sem se dar cumprimento ao disposto no artigo 119º do Código do Registo Predial e bem assim sem se ter em atenção que tal registo provisório caduca no prazo de um ano (artigo 92º, nº 5, do Código do Registo Predial).
O título de aquisição do direito de propriedade invocado pelos embargantes – a doação celebrada em 25 de janeiro de 2017 – ostensivamente não permite a aquisição desse direito pela embargante, pois que não foi donatária no referido negócio e a qualidade de progenitora de um dos donatários não lhe confere qualquer título para esse efeito.
Tanto basta para concluir que a embargante não é dona do imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ...74 e atualmente sob o artigo ...81 e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ...37 da freguesia ..., concelho ....
Por outro lado, da factualidade provada não resultam factos que revelem por parte da embargante a prática inequívoca de atos possessórios sobre o referido imóvel em termos de um direito real de gozo, sendo os factos provados compagináveis quer com uma atuação possessória, quer com uma simples detenção, tanto mais que não se provou que habitasse no referido prédio na convicção de ser dona dele (ponto 3.2.2.6 dos factos não provados).
Neste circunstancialismo, improcedem os embargos de terceiro deduzidos por AA.
Apreciemos agora a pretensão do embargante BB.
Provou-se que seus avós paternos, em comum e em partes iguais, a si e ao seu irmão consanguíneo CC, além do mais, doaram a nua propriedade do imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ...74 e atualmente sob o artigo ...81 e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ...37 da freguesia ..., concelho ....
Sobre o imóvel doado incidia inscrição de aquisição do direito de propriedade a favor dos doadores (veja-se o facto provado sob o nº 3.2.1.6, alínea c)), pelo que a presunção legal de titularidade do direito inscrito aproveita aos donatários[67], no caso ao embargante donatário da nua propriedade em comum e em partes iguais.
Os factos relevados pelo tribunal recorrido e integrantes da simulação negocial que constavam dos pontos 9 a 12 dos factos provados não se provaram, não se provou qualquer outra patologia negocial passível de contender com a transmissão da nua propriedade do imóvel para a esfera jurídica do embargante em data anterior à realização do arresto, nem se ilidiu a presunção de titularidade do direito de propriedade a favor dos doadores.
Pelo exposto, conclui-se que o embargante é contitular, na proporção de metade, da nua propriedade sobre o imóvel arrestado e subsequentemente declarado perdido a favor do Estado Português, pelo que os embargos de terceiros procedem.
As custas destes embargos de terceiro são na proporção de metade a cargo da embargante, mas sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia e a metade restante a cargo do Estado Português que não beneficia de isenção e ficou em parte vencido (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
5. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto por AA e BB e, em consequência, revoga-se parcialmente a decisão recorrida proferida em 02 de setembro de 2024, alterando-se a decisão da matéria de facto nos termos antes enunciados, declarando-se que BB é contitular, na proporção de metade, da nua propriedade sobre o imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ...74 e atualmente sob o artigo ...81 e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ...37 da freguesia ..., concelho ..., revogando-se o arresto do mesmo imóvel registado provisoriamente por natureza nos termos do artigo 92º, nº 2, alínea a) do Código do Registo Predial em 31 de outubro de 2017 e a subsequente perda desse bem arrestado decretada por decisão proferida em 08 de junho de 2022, confirmando-se a decisão recorrida na parte em que julgou improcedentes os embargos de terceiro deduzidos por AA, ainda que com distintos fundamentos.
Custas do recurso a meias a cargo de AA, mas sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia e do Estado Português, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso, na parte relativa ao Estado Português.
Porto, 24 de fevereiro de 2025
Carlos Gil
Carla Torres
Ana Olívia Loureiro
____________________________
[1] Segue-se, com alterações, o relatório da decisão recorrida.
[2] Beneficia de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo (ver expediente de 22 de dezembro de 2022 de que estes autos são dependentes).
[3] Beneficia de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo (folhas 250 do processo físico).
[4] Notificada às partes mediante expediente eletrónico elaborado em 03 de setembro de 2024.
[5] Para o efeito considerou-se não só a prova documental junta a estes autos mas também a que se mostra junta ao procedimento cautelar de arresto e ainda a que consta dos dois volumes de Investigação Patrimonial e Financeira levada a cabo pelo Gabinete de Recuperação de Ativos, Delegação Norte (NAI – ...77) e bem assim os dois CD agrafados na contracapa do primeiro volume.
[6] Está identificada com o separador “INF. PATRIMONIAL”, no Anexo I, NAI ...77 (NUIPC 45/14.3IDPRT). De folhas 204 a 206, do 1º Volume do Procedimento Cautelar de Arresto está junta uma informação mais atualizada, datada de 16 de novembro de 2017, da qual consta o registo provisório por natureza, nos termos do disposto no artigo 92º, nº 2, alínea a) do Código do Registo Predial, do arresto do imóvel descrito sob o nº ...7/19960913 da Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóveis de .... Este documento foi oferecido pelos “opoentes” DD e EE, que nem sequer eram requeridos no arresto, facto que determinou a provisoriedade da inscrição do arresto no registo predial, pois que são titulares inscrito do imóvel arrestado. Não obstante, a oposição seguiu os seus termos como se os “opoentes” fossem requeridos no arresto. Não foi cumprido o disposto no artigo 119º, nº 1 do Código do Registo Predial. E variadas insistências dos Serviços do Notariado quanto ao cumprimento deste preceito não têm obtido resposta, ao menos de acordo com o que resulta do processo eletrónico do processo nº 45/14.3IDPRT (veja-se, por exemplo, o expediente de 07 de março de 2024).
[7] As duas inscrições hipotecárias respeitam a um total de capital de € 74 820,00 e, considerando os montantes máximos assegurados, garantiam o valor global de € 108 214,00. Desconhece-se que valor havia em dívida ou se havia algum valor em dívida quando ocorreu o cancelamento de ambas, respetivamente, cerca de doze anos e dez anos depois da sua inscrição no registo. O que é seguro é que na data do seu cancelamento não tinha ainda decorrido metade do prazo contratado para o empréstimo.
[8] Há uma discrepância do número da descrição predial do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...32 indicada neste documento com a descrição referida no documento nº 11 que é a 537.
[9] Está junta aos autos cópia de certidão da ação executiva comum nº ..., nomeadamente requerimento de A..., Lda., entrado em juízo em 20 de abril de 2010, no qual declara ter recebido do executado FF a quantia exequenda, juros vencidos e despesas judiciais, bem como despesas e honorários devidos ao Solicitador de Execução, incluindo os custos inerentes ao cancelamento da penhora que incide sobre o prédio penhorado, requerendo, em consequência, a extinção da ação executiva e o cancelamento da penhora que recai sobre o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...74 da freguesia ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ...37-.... Consta da mesma cópia da conta do processo resultando da mesma que o executado FF pagou no processo o montante de € 38 623,95.
[10] Está junta aos autos informação da Banco 1..., S.A. (folhas 111 verso e 112, do processo físico) com referência ao empréstimo no montante de € 102 000,00 concedido a DD, mencionando-se que foi utilizado na totalidade, que foi liquidado o montante de € 43 316,97 e que falta liquidar o montante de € 58 683,03. Por outro lado, está junto ao 1º Volume do Procedimento Cautelar de Arresto, cópia de extrato da conta ...30, da Banco 1..., S.A. da titularidade de DD, no qual é lançado a débito sob o descritivo “Cobrança Prestação” a quantia de € 403,96, no dia 20 de dezembro de 2017, havendo no mesmo dia uma transferência do Município ... no montante de € 685,66.
[11] Está junta aos autos (folhas 90 do processo físico) cópia de certidão de inscrição matricial deste prédio na qual consta que o artigo urbano ...74 teve origem no artigo urbano nº ...32.
[12] Está identificada com o separador “ASCENDENTES”, no Anexo I, NAI ...77 (NUIPC 45/14.3IDPRT).
[13] NIF do Município de ....
[14] NIF da Segurança Social.
[15] Este código respeita à freguesia ..., Município ....
[16] O total de rendimentos declarados do casal neste ano é de € 14 914,34, o que dá um rendimento mensal bruto para o casal de € 1 242,86.
[17] Está identificada com o separador “ASCENDENTES”, no Anexo I, NAI ...77 (NUIPC 45/14.3IDPRT).
[18] Está identificada com o separador “ASCENDENTES”, no Anexo I, NAI ...77 (NUIPC 45/14.3IDPRT).
[19] Neste ano, os rendimentos anuais declarados do casal são de € 14 201,18, o que dá um rendimento mensal para o casal de € 1 183,43.
[20] Está identificada com o separador “ASCENDENTES”, no Anexo I, NAI ...77 (NUIPC 45/14.3IDPRT).
[21] Neste ano, os rendimentos anuais declarados do casal são de € 14 914,39, o que dá um rendimento mensal bruto para o casal de € 1 242,87.
[22] Está identificada com o separador “ASCENDENTES”, no Anexo I, NAI ...77 (NUIPC 45/14.3IDPRT).
[23] Neste ano, os rendimentos anuais declarados do casal são de € 14 640,60, o que dá um rendimento mensal bruto para o casal de € 1 220,05.
[24] Está identificada com o separador “ASCENDENTES”, no Anexo I, NAI ...77 (NUIPC 45/14.3IDPRT).
[25] Neste ano, os rendimentos anuais declarados do casal são de € 14 914,39, o que dá um rendimento mensal bruto para o casal de € 1 242,87.
[26] Está identificada com o separador “INF FISCAL”, no Anexo I, NAI ...77 (NUIPC 45/14.3IDPRT).
[27] Este número de identificação fiscal é da Banco 1..., S.A.
[28] Folhas 60 e 143 a 163 do NAI ...77 APENSO NUIPC 45/14.3IDPRT, 1º Volume.
[29] Total de valores depositados até 20 de abril de 2010 no montante de € 2 844,34. Porém, importa ter em atenção que a seguir a tais depósitos existem levantamentos e pagamentos, sendo o saldo da conta sempre baixo. Por exemplo, em 20 de abril de 2010 era de € 7,64.
[30] Folhas 50 do NAI ...77 APENSO NUIPC 45/14.3IDPRT, 1º Volume e CD agrafado na contracapa.
[31] Folhas 168 do NAI ...77 APENSO NUIPC 45/14.3IDPRT, 1º Volume e CD agrafado na contracapa.
[32] Folhas 59 do NAI ...77 APENSO NUIPC 45/14.3IDPRT, 1º Volume.
[33] Folhas 59 do NAI ...77 APENSO NUIPC 45/14.3IDPRT, 1º Volume.
[34] Folhas 52 do NAI ...77 APENSO NUIPC 45/14.3IDPRT, 1º Volume.
[35] Porém, importa ter em atenção que a seguir a tais depósitos existem levantamentos e pagamentos, sendo o saldo da conta sempre baixo. Por exemplo, no último movimento realizado em 2009 o saldo da conta era de € 10,33.
[36] Extrato constante de CD agrafado na contracapa do NAI ...77 APENSO NUIPC 45/14.3IDPRT, 1º Volume.
[37] Na realidade nesta referência ao depósito em numerário há uma simplificação que corresponde a uma das possíveis situações verificadas, pois que a sigla que identifica este movimento é a seguinte: “DEP NUM/CHQS .../VIS”, ou seja, segundo cremos, depósito em numerário, em cheque do Banco 4... ou em cheque visado.
[38] Estes depósitos totalizam € 19 705,00 de 18 de novembro de 2009 a 23 de dezembro de 2009 e € 148 830,10 de 05 de janeiro de 2010 a 27 de dezembro de 2010, ou seja, € 168 535,10, no período compreendido entre 18 de novembro de 2009 e 27 de dezembro de 2010. Sublinhe-se que contabilizados todos os depósitos no ano de 2010 até 19 de abril desse ano obtém-se o montante de € 41 867,10 que adicionado aos depósitos verificados de 18 de novembro de 2009 a 23 de dezembro de 2009 totalizam € 61 572,10. Se adicionarmos a este montante global os valores depositados na conta do Banco 2... até 05 de abril de 2010, no montante global de € 2 844,34, os valores depositados na conta do Banco 5... até 03 de dezembro de 2009 no montante global de € 1 111,79 e os valores depositados na conta do Banco 3... até 08 de abril de 2010, no montante de € 4 100,00, obtém-se o valor total de € 69 628,23. Porém, importa notar que a estes depósitos e entregas se seguiam movimentos a débito e em 20 de abril de 2010 o saldo da conta no Banco 4... era de € 3 824,13.
[39] Extrato constante de CD agrafado na contracapa do NAI ...77 APENSO NUIPC 45/14.3IDPRT, 1º Volume. Sublinhe-se que o saldo desta conta em 20 de abril de 2010 era de € 16,33, pois logo no dia 08 de abril de 2010 foi feito um levantamento em numerário no montante de € 4 800,00.
[40] Extrato em excell constante de CD agrafado na contracapa do NAI ...77 APENSO NUIPC 45/14.3IDPRT, 1º Volume.
[41] Folhas 57 do NAI ...77 APENSO NUIPC 45/14.3IDPRT, 1º Volume.
[42] Folhas 139 do NAI ...77 APENSO NUIPC 45/14.3IDPRT, 1º Volume.
[43] Esta referência ao Banco 3..., S.A. é certamente devida a lapso.
[44] Tudo indica ter havido uma troca dos prédios a que respeita cada um dos documentos exibidos como resulta do Título de compra e venda com hipoteca celebrada na Conservatória do Registo Predial de ... em 20 de abril de 2010.
[45] Junta no primeiro volume do procedimento de arresto, folhas 278 a 282.
[46] Estas prestações totalizam € 1 548,80.
[47] Estas transferências que tudo indica respeitarem ao vencimento de DD totalizam € 3 652,54. Deduzindo a este montante o das prestações restam € 2 103,74 que, divididos por cinco meses, dão um rendimento mensal líquido de € 420,748, não considerando o montante da pensão recebida pela esposa de DD.
[48] Estes depósitos totalizam € 6 060,00, montante que em muito excede os montantes transferidos para a conta pelo Município ..., ao que tudo indica a título de vencimento de DD.
[49] Sobre a problemática da prova da simulação veja-se o Tomo I do Tratado de probática judicial, edição da J.M.Bosch Editor, S.A. 1992, da autoria de Lluis Muñoz i Sabaté, páginas 289 a 524 e especialmente a exposição dos índices semióticos dessa patologia de páginas 359 a 524.
[50] Na obra intitulada “A Simulação em Direito Civil II”, Coimbra Editora 1921, escreve o Sr. Professor Beleza dos Santos na página 164, primeiro e segundo parágrafo do nº 91, que “[r]aras vezes se pode obter uma prova directa da simulação, porque aqueles que efectuam contratos simulados, em regra, ocultam cuidadosamente o seu propósito procurando as trevas, como já diziam os velhos praxistas. Para êste fim os simuladores, não só não manifestam pùblicamente a sua vontade de simular, como se esforçam por tornar verosímil o que há de aparente e fictício no acto que praticam.”
[51] Veja-se, por todos, A Simulação em Direito Civil II, José Beleza dos Santos, Coimbra Editora 1921, páginas 161 a 164 que escreve na página 162: “Porque muitas vezes é difícil fazer a prova da simulação por testemunhas ou presunções – dificuldade agravada pelas restrições que a lei estabelece àcêrca da prova da simulação pelos simuladores, seus herdeiros e representantes – e porque, dada a situação que aparentemente resulta do acto simulado, pode uma das partes que simulou, abusar dessa situação em prejuízo da outra, é frequente os simuladores, preconstituírem, por meio de documento, a prova da simulação.”
[52] Sublinhe-se que não está prevista a punição de atos preparatórios do crime de branqueamento de capitais.
[53] Por todos veja-se o Manual de Processo Civil, 2ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora 1985, da autoria de Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, página 714, nº 234, primeiro e segundo parágrafos.
[54] Em rigor, a simulação negocial não foi arguida pelo Ministério Público na sua contestação, pois que se limitou, no essencial, a reproduzir excertos de diversas decisões proferidas nos autos, sem identificar qualquer defesa por exceção, tendo sido oficiosamente conhecida pelo tribunal a quo, como permitido pelos artigos 242º, nº 1 e 286º, ambos do Código Civil.
[55] A este propósito veja-se Manual de Processo Civil, 2ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora 1985, da autoria de Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, páginas 521 e 522 e especialmente os segundo, terceiro e quarto parágrafos desta última página.
[56] Porém, consta do documento em que foi formalizado o empréstimo, subscrito por mutuante e mutuários que “[a] quantia emprestada foi entregue, nesta data, à parte devedora através de crédito lançado na conta de depósito à ordem número zero três zero nove zero três quatro três três oito seis três zero, aberta na agência da credora, em ..., em nome da parte devedora.”
[57] Referimo-nos à informação da Banco 1..., S.A. de 16 de dezembro de 2022, junta ao processo físico de folhas 111 verso a 112, em que se informa que o crédito à habitação nº ...85, titulado por DD tem um saldo devedor à data de 15-12-2022 de € 58 683,00, junto da Banco 1..., do documento anexo a essa informação que a importância de € 102 000,00 emprestada foi integralmente utilizada. Acrescenta-se na mesma informação que as “demais questões relacionadas com a hipoteca podem ser colocadas junto do registo predial, atendendo que, a hipoteca, parece não estar a favor desta instituição mas sim do Processo 45/14.3IDPRT-A.”
[58] Assim, em 31 de dezembro de 2016 foi transferida a quantia de € 400,00, em 27 de fevereiro de 2017, a quantia de € 8 000,00, em 16 de março de 2017, a quantia de € 10 000,00, em 08 de maio de 2017, a quantia de € 5 000,00, em 01 de junho de 2017, a quantia de € 4 000,00 e em 15 de junho de 2017, a quantia de € 15 000,00.
[59] Diz-se o seguinte no título de compra e venda: “A parte vendedora declara que o imóvel é vendido livre dos encargos das referidas hipotecas, cujo cancelamento vai ser efectuado com base em documento, por si apresentado para o efeito, neste acto, mas com o encargo da citada penhora cujo cancelamento também já se encontra assegurado.” No registo predial constam os cancelamentos das duas inscrições hipotecárias, em apresentações que antecedem a inscrição da aquisição do direito de propriedade a favor de DD e EE, mas realizadas todas no dia 20 de abril de 2010. Além disso, consta também o cancelamento em 20 de janeiro de 2010, mediante a apresentação nº 77, de 20 de janeiro de 2010, de uma penhora inscrita em 14 de fevereiro de 2009 a favor de B..., S.A., para garantia do pagamento da quantia exequenda de € 13 100,75, no processo nº ... do 3º Juízo do Tribunal Judicial de ... (veja-se a informação patrimonial relativa a imóveis que consta do NAI ...77 (NUIPC 45/14.3IDPRT), Anexo I, identificada pelo separador “Informação Patrimonial” e consistente na informação total obtida em 03 de janeiro de 2017 em www.predialonline.mj.pt.)
[60] Estas provas indiretas ou indiciárias, como já antes deixámos escrito, são em matéria civil as denominadas presunções judiciais reguladas nos artigos 349º e 351º do Código Civil. Já houve no nosso direito uma regulação mais detalhada quanto à utilização da prova por presunções e em termos bastante próximos quanto àqueles que devem nortear a utilização das provas indiretas, regulação que constava do livro III, título V, artigo XXXII, § 969 do Código Comercial de 1833, previsão que é a tradução literal e quase integral do artigo 1353 do famoso “Code Civil”, vulgarmente conhecido como o Código Napoleão. Dispunha o referido parágrafo do artigo 969 do Código “Codigo Commercial Portuguez” o seguinte: “As presumpçoens não estabelecidas pela lei ficão inteiramente entregues ás luzes e prudencia do juiz e do jury; devendo todavia admitir-se somente as que forem graves, precisas e concordantes.” Cremos que a estas provas se referia Gil Vicente na peça “O Juiz da Beira” quando Pero Marquez, o Juiz da Beira, dirigindo-se a Anna Dias, queixosa e mãe de uma jovem que afirma ter sido violada, diz: “Pae, pae, venha a rapariga,/E veremos que ella diz:/E como diz a cantiga,/Traga as testemunhas ca,/Sete ou oito abastarão”, tendo obtido da queixosa a seguinte resposta: “Senhor, se não for per razão,/Nunca s´isso provará:/Que era o pão onde os achei/Mais alto do qu´he essa vara” (sublinhado nosso; a citação foi extraída das Obras de Gil Vicente, da Lello & Irmão, 1965, página 701).
[61] Crítico quanto à positivação legal destas regras racionais de apreciação de apreciação das provas indiretas é Michele Taruffo in Simplemente la Verdad, El Juez y la Construcción de los Hechos, Marcial Pons 2010, páginas 189 a 190.
[62] Sobre a prova indiciária em processo penal, mas em termos que cremos transponíveis para o processo civil vejam-se, com interesse, La Mínima Actividad Probatória en el Proceso Penal, J. M. Bosch Editor, 1997, M. Miranda Estrampes, páginas 231 a 249; La Prueba Indiciaria da autoria de Andrés Martínez Arrieta in La Prueba en el Proceso Penal, publicado por Centro de Estudios Judiciales, Colección Cursos, vol. 12, Madrid 1993, páginas 53 a 73; Tratado de la Prueba Criminal da autoria de C. J. A. Mittermaier, undecima edición adicionada y puesta al dia por Pedro Aragoneses Alonso, Editorial Reus, SA, 2004, páginas 363 a 366, 371 a 375 e 385 a 387. No domínio civil, reconduzindo a gravidade, precisão e concordância dos factos que servem de base à presunção à prudente apreciação do juiz veja-se, Boletim do Ministério da Justiça nº 110, Provas (Direito Probatório Material), Professor Vaz Serra, páginas 190 a 192.
[63] Este facto decorre do Relatório Social da DGSRP de 22 de novembro de 2019 e junto ao processo comum com intervenção do tribunal coletivo de que estes são dependentes.
[64] No contrato de mútuo, no nº 2 da cláusula 4ª alude-se à notação de risco da operação (veja-se folhas 31 do processo físico).
[65] No caso, porque a doação foi feita a menores e por isso sem aceitação destes (veja-se o nº 2 do artigo 951º do Código Civil), suscita-se o problema de saber se um tal negócio unilateral é passível de simulação (sobre a problemática da simulação nos negócios unilaterais, por todos, vejam-se em sentidos divergentes: Teoria Geral do Direito Civil, F. Santoro-Passarelli, Atlântida Editora, Coimbra 1967, nº 33, páginas 121 e 122; Da Simulação no Direito Civil, Almedina 2014, A. Barreto Menezes Cordeiro, páginas 70 a 72).
[66] Porém, como se deu conta anteriormente, o arresto foi registado provisoriamente em virtude de o imóvel arrestado estar inscrito a favor de pessoa diversa do requerido no arresto nos termos do disposto no artigo 92º, nº 2, alínea a) do Código do Registo Predial e não foi observado o disposto no artigo 119º do mesmo diploma legal.
[67] Neste sentido veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 03 de junho de 2008, proferido no processo nº 245-B/2002C1, acessível na base de dados do IGFEJ. A presunção legal de titularidade do direito de propriedade plena dos doadores “cobre” o direito da nua propriedade doado aos donatários.