I - Malgrado não seja um direito absoluto, e podendo ceder perante a necessidade de salvaguardar o interesse público da cooperação com a justiça e outros interesses constitucionalmente protegidos, as restrições ao segredo bancário apenas poderão derivar de lei formal expressa e a sua aplicação terá de ser objeto de adequado controlo jurisdicional onde se pondere se, em concreto, deverá ser preterido o dever de sigilo.
II - A dispensa ou não do dever de sigilo (fora das situações expressamente previstas na lei) terá, pois, de resultar da ponderação dos interesses em confronto sob o enfoque do princípio da proporcionalidade, cedendo apenas na medida necessária para que os direitos possam produzir igualmente o seu efeito, em consonância com o princípio da concordância entre valores constitucionais conflituantes que se mostra plasmado no nº 2 do artigo 18º da Constituição da República Portuguesa e no artigo 335º do Código Civil.
III - No âmbito do processo civil a quebra do sigilo bancário surge com características marcadamente excecionais, devendo ser aferida com base na estrita necessidade, numa lógica de indispensabilidade e limitar-se ao mínimo imprescindível à concretização dos valores pretendidos alcançar.
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Porto – Juízo Central Cível, Juiz 3
Relator: Miguel Baldaia Morais
1ª Adjunta Desª. Maria de Fátima Andrade
2ª Adjunta Desª. Teresa Sena Fonseca
SUMÁRIO
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I. RELATÓRIO
AA e outros intentaram a presente ação declarativa sob a forma comum contra BB, na qual concluem pedindo:
a) Seja declarada nula ou anulada e sempre ineficaz a procuração outorgada no dia 7 de dezembro de 2018 perante CC, advogado, na Avenida ..., ... Porto, junta como documento nº 5;
b) Seja declarada nula ou anulada e sempre ineficaz a doação celebrada por escritura de 22 de outubro de 2019 no Cartório Notarial na ..., na cidade e concelho ..., perante a notária DD, junta como documento nº 6 e cujo objeto é:
1. Prédio urbano, composto de casa de três pavimentos e quintal, sito na Rua ..., da freguesia ..., ..., ..., ..., ... e ..., concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo ...13 (antes artigo urbano ...06 da freguesia ...);
2. Recheio existente no prédio urbano identificado em 1;
3. Duas nonas partes indivisas do prédio urbano, sito na Rua ..., da freguesia ... e ..., concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo ...44 (antes artigo urbano ...05 de ...); e,
4. Quinhões hereditários seguintes na herança de EE: esta herança é atualmente composta de uma terça parte do prédio referenciado em terceiro lugar; nessa terça parte, tem a representada do outorgante FF o quinhão de uma sexta parte (atualmente, um dezoito avos do imóvel identificado na verba 3. Na mesma herança de EE, a representada do outorgante é dona de outro quinhão de uma sexta parte, que pertencia a sua irmã GG, de que quem é única herdeira.
c) Seja ordenado o cancelamento no registo predial da inscrição de aquisição a que corresponde a AP ...92 de 2019/11/22 referente ao prédio sito na Rua ..., da união de freguesias ..., ..., ..., ..., ... e ..., da cidade ..., descrito na CRPredial do Porto sob o nº ...58/..., e ordenado também o cancelamento de eventuais inscrições de aquisição dos direitos – quotas partes indivisas e quinhoes hereditários – referidos em 3 e 4 da alínea anterior, caso venham a ser inscritas;
d) Seja declarado e o réu condenado a reconhecer que os autores são comproprietários do prédio sito na Rua ..., da união de freguesias ..., ..., ..., ..., ... e ..., da cidade ..., descrito na CRPredial do Porto sob o nº ...58/..., inscrito na matriz urbana respetiva sob o artigo ...13, por lhes ter sido legado por testamento outorgado por FF celebrado em 9 de novembro de 2011, junto como documento nº 2;
e) Seja o réu condenado a entregar imediatamente aos autores o prédio, e sempre a parte do prédio que compreende o rés-do-chão e primeiro andar, identificado na alínea d) antecedente;
f) Seja o réu condenado a pagar a quantia de € 150,00 por cada dia de atraso na entrega do prédio ou parte do prédio, rés-do-chão e primeiro andar, identificado na alínea d) antecedente, desde a citação até à data da efetiva entrega do mesmo, livre de pessoas e coisas, nos termos do art.º 829º-A do CCivil;
g) Seja declarado e o réu condenado a reconhecer que o recheio existente no rés-do-chão e primeiro andar do prédio identificado na alínea d) antecedente, em relação aos bens móveis que eram propriedade de FF, pertence à herança ilíquida e indivisa aberta por óbito daquela e condenado a entregar esses bens móveis que o compõe e a integram à autora AA, por ser a cabeça-de-casal;
h) Seja declarado e o réu condenado a reconhecer que os autores são comproprietários das quotas partes indivisas do prédio urbano sito na Rua ..., da freguesia ... e ..., concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo ...44 e descrito na CRPredial sob o nº ...32/..., e dos quinhões hereditários na herança, ilíquida e indivisa, aberta por óbito de EE, que constituem as verbas 3 e 4, respetivamente, da doação celebrada no dia 22 de outubro de 2019, ou, subsidiariamente, que tais quotas partes indivisas e quinhões hereditários pertencem aos autores como legatários ou à herança ilíquida e indivisa aberta por óbito da FF e que a administração de tais direitos pertence à autora AA por ser a cabeça-de-casal, sendo o réu condenado a abster-se de os administrar ou de opor ou perturbar a respetiva administração pelo cabeça-de-casal;
i) Seja declarado e o réu condenado a reconhecer perdido em benefício dos autores, nos termos do disposto no art. 2096º, nº1 do Código Civil, o direito que o réu pudesse ter enquanto herdeiro e legatário nos termos do testamento outorgado por FF, acima identificado nesta ação, relativamente a:
1) Recheio existente no prédio urbano identificado em 1, conforme consta da doação;
2) Duas nonas partes indivisas do prédio urbano, sito na Rua ..., da freguesia ... e ..., concelho ..., inscrito na Matriz sob o artigo ...44 (antes artigo urbano ...05 de ...), conforme consta da doação;
3) Quinhões hereditários seguintes na herança de EE: esta herança é atualmente composta de uma terça parte do prédio referenciado em terceiro lugar; nessa terça parte, tem a representada do outorgante FF o quinhão de uma sexta parte (atualmente, um dezoito avos do imóvel identificado na verba 3. Na mesma herança de EE, a representada do outorgante é dona de outro quinhão de uma sexta parte, que pertencia a sua irmã GG, de que quem é única herdeira, conforme consta da doação.
Os autos prosseguiram os seus termos, vindo os autores, por requerimento apresentado em 15.02.2024, solicitar que seja ordenada “a junção aos autos dos seguintes documentos e informações:
a) Do Banco 1..., S.A., com sede com sede na Rua ..., ... Lisboa, (1) a ficha de assinaturas da abertura de conta, e suas alterações, da conta bancária nº ...01; (2) dos cartões de débito e crédito que permitiram a movimentação dessa conta e da solicitações e documentos de entrega destes cartões entre 1 de Janeiro de 2017 e 1 de Outubro de 2021; (3) das ordens de resgate das aplicações transmitidas em 14 de Agosto de 2018, designadamente do Aforro Premio II B e Super Aforro premio II B; (4) da ordem de transferência dada em 14.08.2018 da quantia de € 42.037,88; (5) da ordem de transferência em Outubro de 2018 para a conta nº ...61 do Banco 2... dos seguintes valores mobiliários: 242 acções da EDP; 2694 acções do Banco 1...; 473 acções da Pharol, SGPS; 66 acções da NOS, SGPS e 60 acções da EDP Renováveis no valor global de € 13.389,50; (6) as ordens de transferência, em 22.02.2019 e 25.02.2019, para a conta nº ...61 do Banco 2... das quantias de € 2.500,00, € 2.500,00, € 2.500,00 e € 2.460,00; (7) solicitação de acesso a conta por Homebanking e desistência desse pedido, tudo por referência à identificada conta bancária.
b) Do Banco 2..., S.A., com sede na Praça ..., ... Porto, (1) ficha de assinaturas da abertura de conta, e suas alterações, da conta bancária nº ...61; (2) ordem de transferência efectuada no dia 17.08.2018, de € 23.000,00, e de 30.08.2018, de € 9.000,00, ambas a favor da conta nº ...81; (3) ordem de venda dos valores mobiliários transferidos para essa conta e vendidos no dia 22.01.2019; (4) informação sobre se o cheque no valor de € 9.000,00, datado 28.01.2019, com o nº ...96, emitido a favor do réu, foi depositado e creditado no próprio Banco 2..., na conta nº ...81; (5) identificação do titular ou titulares da conta nº ...81; (6) informação sobre que cartões, de crédito ou débito, é que foram atribuídos e a quem na conta nº ...61? Quem os requisitou? Em que data? A quem foram entregues? Em que data? A quem foram entregues ou para onde foram enviados os códigos respetivos? Em que data?; (7) os levantamentos em ATM´s, debitados na conta nº ...61, foram efectuados através da utilização de qual dos cartões de débito atribuídos e entregues), (8) informação sobre para onde é que foram enviados os extratos dessa conta bancária”.
Em 15.05.2024 foi proferido o seguinte despacho: «Entre outros, constituem temas da prova nestes autos a matéria que consta dos temas da prova 85 a 90.
Na sequência, peticionaram os autores perícia a movimentos bancários.
Quer se determine tal perícia, quer se considere que a mera informação a prestar por instituição bancária é suscetível de revestir idêntico valor probatório, a verdade é que tais informações, como se mostram elencadas pelos autores nos requerimentos juntos aos autos estão sujeitas a sigilo bancário (…).
Face à matéria em discussão (designadamente nos temas da prova supra elencados) também se entende que, conjugadas com outros meios de prova, podem as mesmas revestir relevância para a decisão do caso concreto.
Podendo ajudar na solução do presente pleito, mostrando-se adequada a cedência do dever de sigilo em causa perante o interesse na boa administração da justiça.
Justifica-se, portanto, que se peticione a dispensa do dever de sigilo invocado.
O réu já declarou opor-se ao mesmo.
Nestes casos, remete o art. 519º/4, do CPC para as regras que no processo penal regulam tal matéria.
Tal regime vem consagrado no artigo 135º, do CPP, que possibilita que seja tal sigilo afastado por decisão do tribunal superior, suscitando-se a intervenção do mesmo.
Assim, face ao exposto e ao abrigo das disposições legais que supra se deixaram citadas, solicita-se ao Venerando Tribunal da Relação do Porto, que determine a dispensa do sigilo bancário quanto às informações pretendidas junto do Banco 2..., S.A. e do Banco 1..., mencionadas e descritas no requerimento de 08-01-2024».
Remetidos os autos a este Tribunal, foi proferida decisão singular que julgou inexistir fundamento para a “quebra” do sigilo.
Irresignados com essa decisão, vieram os autores apresentar a presente reclamação para a conferência, requerendo que seja proferido acórdão sobre a matéria da decisão.
II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DA RECLAMAÇÃO
A questão que é trazida à apreciação deste Tribunal e que importa decidir é, portanto, a de saber se se justifica a impetrada “quebra” do sigilo profissional referente às informações bancárias a prestar pelo Banco 2..., S.A. e Banco 1..., S.A..
III. FUNDAMENTOS DE FACTO
A materialidade a atender para efeito de apreciação do objeto da presente reclamação é a que dimana do antecedente relatório.
IV. FUNDAMENTOS DE DIREITO
Os reclamantes insurgem-se contra a decisão singular que não determinou o levantamento do sigilo bancário, recuperando, na essência, a mesma argumentação em que basearam a sua pretensão de “quebra” desse sigilo, alegando que “se justifica o levantamento, considerando, por um lado, a matéria que com ele se pretende demonstrar e, por outro lado, a impossibilidade de se antecipar a prova que sobre tal matéria venha a ser produzida”.
Não se nos afigura, contudo, que a decisão sumária do relator mereça a censura que lhe vem apontada, posto que as questões que nela foram decididas obtiveram solução jurídica que reputamos acertada.
Como assim, renovamos e fazemos nossos os argumentos em que se ancorou tal ato decisório e que se passam a transcrever:
«Tendo em conta os termos em que se mostra balizado o presente incidente não se discute que as requeridas informações e junção de elementos se encontram abrangidos pelo segredo bancário, nos termos dos art.º 78º e 79º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro (RGICSF).
O problema que então se coloca é o de saber se, no atual estado do processo, se justifica a impetrada “quebra” do sigilo bancário a que estão subordinadas as referidas instituições de crédito.
É certo que, em consonância com o que resulta da concatenação dos arts. 417º, nºs 3 e 4 do Cód. Processo Civil com o art. 79º do RGICSF, o direito (ou dever) de sigilo não é um limite absoluto[1] ao dever de cooperação para a descoberta da verdade, posto que a lei adjetiva prevê a possibilidade do seu “levantamento”.
Na verdade, como tem sido sublinhado pela doutrina pátria[2], o sigilo bancário visa, essencialmente, três finalidades: proteger a atividade bancária, salvaguardar a integridade dos dados pessoais daqueles que se relacionam com o sistema bancário e preservar o interesse público num sistema bancário robusto, idóneo e confiável.
De qualquer modo, o bem jurídico tutelado pela proteção do segredo bancário, como segredo profissional[3], é, primacialmente, o da confiança dos clientes, na discrição dos seus interlocutores nas informações familiares, pessoais e patrimoniais, na vertente de proteção do direito fundamental à reserva da vida privada, porque concernente ao apuramento de dados envolventes de situações patrimoniais, surgindo, por conseguinte, a consagração desse sigilo como um instrumento de garantia desse direito. Daí que a lei (nº 1 do art. 79º do RGICSF) expressamente preveja a possibilidade de os factos ou elementos das relações do cliente com a instituição de crédito poderem ser revelados mediante autorização do cliente, transmitida à instituição.
Para além da referida situação, o último normativo citado (al. f) do seu nº 2) prevê outras exceções ao dever de segredo, designadamente “quando exista outra disposição legal que expressamente limite o dever de segredo”, como é o caso da norma plasmada no art. 417º, nº 4 do Cód. Processo Civil.
Portanto, malgrado não seja um direito absoluto, e podendo ceder perante a necessidade de salvaguardar o interesse público da cooperação com a justiça e outros interesses constitucionalmente protegidos, as restrições ao segredo bancário apenas poderão derivar de lei formal expressa e a sua aplicação em concreto terá de ser objeto de adequado controlo jurisdicional onde se pondere se, em concreto, deverá ser preterido o dever de sigilo. Isso mesmo emerge do nº 3 do art.º 135º do Código de Processo Penal, ex vi do art. 417º, nº 4 do Código de Processo Civil, onde se determina que essa decisão deverá resultar do juízo avaliativo a fazer dos interesses em confronto, nomeadamente face ao “princípio da prevalência do interesse preponderante”.
A dispensa ou não do dever de sigilo (fora das situações expressamente previstas na lei) terá, pois, de resultar da ponderação dos interesses em confronto sob o enfoque do princípio da proporcionalidade, cedendo apenas na medida necessária para que os direitos possam produzir igualmente o seu efeito, em consonância com o “princípio da concordância entre valores constitucionais conflituantes” que se mostra plasmado no nº 2 do art. 18º da Constituição e no art. 335º do Cód. Civil.
Como salienta LOPES DO REGO[4], esse “juízo de ponderação deve ter, sempre e necessariamente, em conta a natureza dos interesses em causa: desde logo, trata-se de interesses privados (e não interesses públicos, como sucede necessariamente no âmbito do processo penal) que poderão, por sua vez, revestir natureza pessoal ou patrimonial – e, neste último caso, de valores muito variáveis”, acrescentando ainda que o tribunal superior, ao realizar esse juízo, “carece de atuar segundo critérios prudenciais, realizando uma cautelosa e aprofundada ponderação dos delicados e relevantes interesses em conflito: por um lado, o interesse na realização da justiça e a tutela do direito à produção da prova pela parte onerada; por outro lado, o interesse tutelado com o estabelecimento do dever de sigilo, maxime o interesse da contraparte na reserva da vida privada, a tutela da relação de confiança que a levou a confiar dados pessoais ao vinculado pelo sigilo e a própria dignidade do exercício da profissão”.
Por via disso, tal como tem sido enfatizado pela doutrina[5] e pela jurisprudência[6], no âmbito do processo civil a quebra do sigilo bancário surge com características marcadamente excecionais, devendo ser aferida com base na estrita necessidade, numa lógica de indispensabilidade e limitar-se ao mínimo imprescindível à concretização dos valores pretendidos alcançar.
De qualquer modo, em última análise, a dispensa do invocado sigilo dependerá sempre de um juízo concreto, fundado na específica natureza da ação e na relevância e intensidade dos interesses da parte que pretende obter prova através daquela dispensa.
No caso em apreço, a requerida dispensa do sigilo bancário – tal como assinalado no despacho de 1ª instância que a solicita - tem por propósito a demonstração da factualidade a que se reportam os temas da prova 85 a 90, ou seja:
«85 – A abertura da conta nº ...61 no Banco 2... referida em 18 – factos assentes – ocorreu por vontade exclusiva do réu e por instruções que deu para o efeito à referida FF?
86 – Todos os movimentos a débito realizados na conta do Banco 2... através de levantamentos em ATM´s referidos em 31 – factos assentes − foram realizados pelo réu, usando cartão de débito, e não pela FF?
87 – Todos os demais movimentos a débito, incluindo os resgates dos produtos financeiros, as transferências da carteira de ações, a venda dessas ações, nos termos referidos em 20 – factos assentes − a 23 – factos assentes −, 24 – factos assentes − e 27 – factos assentes −, 28 – factos assentes − e 30 – factos assentes −, foram realizados por vontade exclusiva do réu e por instruções que deu à referida FF?
88 – O cheque de € 7.000,00 supra referido em 30 – factos assentes – foi emitido e sacado por vontade exclusiva do réu e por instruções que deu à referida FF?
89 – As quantias movimentadas a débito supra referidas não foram usadas para satisfazer as necessidades ou os serviços prestados à FF ou obrigações ou dívidas suas?
90 – Após ter ido residir para casa do réu a FF disse à empregada HH que o réu a estava a desgraçar, apoderando-se de todos os seus bens materiais, contra a sua vontade?».
Ora, perante o balizamento operado nos referidos temas da prova, feita a ponderação dos interesses conflituantes à luz dos elementos disponíveis, não se nos afigura justificar-se o levantamento do sigilo bancário por prevalência do interesse na administração da justiça, na medida em que para demonstração da materialidade neles contida não se revela indispensável e imprescindível (no sentido acima definido) essa “quebra”, podendo essa demonstração ser feita por recurso a outros subsídios probatórios. Aliás, não se antolha sequer de que forma a prestação das requeridas informações permita, per se, a emissão de um juízo probatório positivo relativamente a cada uma das indicadas proposições factuais».
Atentas as razões alinhadas na decisão singular e ora transcritas, não se vislumbra razão válida para divergir do sentido decisório nela acolhido relativamente às concretas questões que aí foram objeto de apreciação.
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em não atender a reclamação, mantendo-se a decisão sumária que considerou não se encontrar, para o efeito requerido, legitimada a impetrada quebra do sigilo profissional.
Custas a cargo dos reclamantes, fixando em duas UCs a respetiva taxa de justiça.
Porto, 2025/2/24.
Miguel Baldaia de Morais
Fátima Andrade
Teresa Fonseca
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[1] Isso mesmo tem sido enfatizado pela casuística do Tribunal Constitucional (v.g. acórdão nº 278/95, publicado na II série do Diário da República, de 28.07.1995), vincando-se que «o segredo bancário não é um direito absoluto, antes pode sofrer restrições impostas pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Na verdade, a tutela de certos valores constitucionalmente protegidos pode tornar necessário, em certos casos, o acesso aos dados e informações que os bancos possuem relativamente às suas relações com os clientes».
[2] Cfr., inter alia, CAPELO DE SOUSA, O segredo bancário, in Estudos em homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, vol. II, pág. 177 e seguinte e MARIA CÉLIA RAMOS, O sigilo bancário em Portugal. Origens, evolução e fundamentos, págs. 131 e seguintes, onde advoga que o sigilo bancário se insere primordialmente no âmbito do direito da reserva da intimidade da vida privada consagrado nos arts. 26º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa e 80º do Código Civil, desempenhando outrossim um papel de relevo na confiança do público no sistema bancário e financeiro.
[3] Como refere PIRES DE SOUSA, A prova testemunhal, pág. 245, este tipo de normas têm um caráter anti-epistémico na medida em que não perseguem nem facilitam a busca da verdade, visando, pelo contrário, tutelar outros interesses extrínsecos ao processo que vão desde a privacidade individual até à credibilidade e confiança que devem ser inerentes ao exercício de determinadas profissões.
[4] In Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, pág. 457 e seguinte. Ressalte-se, a este propósito, a chamada de atenção feita por MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito Bancário, pág. 420, para quem «parece insuficiente afirmar que a administração da justiça deve prevalecer sobre a proteção do consumidor de serviços financeiros e da confiança na banca, demasiado divulgada na jurisprudência atual».
[5] Cfr., neste sentido, MENEZES CORDEIRO, ob. citada, págs. 268 e seguinte.
[6] Cfr., por todos, acórdão da Relação de Lisboa de 25.03.2014 (processo nº 602/08) e acórdãos da Relação de Guimarães de 16.10.2008 (processo nº 1910/08-2) e de 19.12.2008 (processo nº 2730/08-2), todos disponíveis em www.dgsi.pt.