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INSOLVÊNCIA
LIQUIDAÇÃO DO ATIVO
NULIDADE PROCESSUAL
Sumário
I - A agilização da liquidação do ativo cabe no âmbito dos poderes de disposição dos credores da insolvência e dos requerentes que se arrogam de co-arrendatários da fração apreendida para a massa insolvente e se apresentam nos autos com pessoas estão interessados na respetiva aquisição. II – Logo, para se tentar alcançar tal objetivo poderia e, mesmo deveria, por iniciativa do Tribunal haver lugar à tentativa de conciliação. III – Não obstante o despacho que previu tal diligência não se apresentar com a devida clareza e a notificação aos visados não fazer qualquer menção à realização de tentativa de conciliação, certo é que tendo a mesma sido realizada, mas resultado totalmente infrutífera, temos de concluir que essa atuação processual não tem qualquer influência no exame ou decisão da causa, ou seja, no futuro culminar da liquidação da massa insolvente, mormente, na liquidação relativamente ao bem imóvel em apreço, logo não constitui nulidade processual, cfr. art.º 195.º n.º1 do C.P.Civil.
Texto Integral
Apelação Processo n.º 3271/19.5T8STS.P1 Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo de Comércio de Santo Tirso – Juiz 7 Recorrentes – AA, BB e CC Recorrida – MassaInsolventedeA...SA Relatora – Anabela Dias da Silva Adjuntos – Desemb. Maria da Luz Seabra
Desemb. Alberto Taveira
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I – No apenso de liquidação do ativo da massa insolvente dos autos de insolvência onde, por sentença transitada em julgado de 28.01.2020, foi declarada a insolvência da sociedade comercial, A... SA, com sede na Rua ..., ..., ..., Freguesia ..., Maia.
Conforme apenso de apreensão de bens, foram apreendidos para a massa insolvente 3 bens imóveis: - Verba 1: Fração autónoma designada pela letra A no Lote ..., sita na Urbanização ..., freguesia e concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Castro Marim com o n.º ...-A, da mesma freguesia e Inscrito na Matriz Predial Urbana sob o art.º ...-A; - Verba 2: Prédio rústico sito em Pombal, na proporção de 2/3 e, - Verba 3: Prédio rústico sito em Pombal, em propriedade total.
A verba n.º1 encontra-se, por contrato de arrendamento celebrado pela insolvente, em 2.12.2014, com AA e BB, dado de arrendamento para habitação, com opção de compra e preferência, mediante o pagamento de renda mensal de €500,00. Estando tal imóvel ocupado por BB e mulher, CC que invocam a qualidade de co-arrendatários e promitentes-compradores da fração autónoma.
Pelo que as respetivas rendas mensais estão a ser apreendidas para a massa insolvente.
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Conforme consta da decisão proferida a 20.05.2024 e, que nos permitimos ora reproduzir para melhor esclarecimento da tramitação do apenso de liquidação em apreço e, em síntese:
“Por requerimento de 28.02.2024, veio AA requerer a imediata suspensão da liquidação/venda do imóvel correspondente à fração A do Lote ... do prédio urbano sito na Urbanização ..., ..., inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o art.º ...-A e descrito na Conservatória do Registo Predial de Castro Marim com o n.º ...... (depreendendo-se tratar-se de lapso, dado que se trata do n.º ...).
Alega, em síntese, que celebrou com a insolvente, em 02.12.2014, um contrato de arrendamento para habitação com opção de compra e preferência, que teve como objeto aquela fração autónoma; as rendas pagas valem como adiantamento de sinal.
Alega que até ao presente encontra-se pago a título de sinal/rendas o valor global de €49 640,55, encontrando-se ainda por liquidar o remanescente do preço fixado (€77.359,45). A requerente pretende adquirir o imóvel em cumprimento do contrato promessa que resulta do Anexo I ao contrato de arrendamento, contra a liquidação do valor do preço ainda em falta de €77.359,45.
Alega má fé da Sra. Administradora da Insolvência que agora pretende vender aquela fração, não obstante a opção de compra da requerente. Se a liquidação do bem vier a ocorrer sem cumprimento da opção de compra, poderá ser anulado o negócio e a Massa ser responsabilizada em indemnização ao comprador.
Acrescenta que a ora requerente notificou a Sra. Administradora de Insolvência por email de que pretende realizar a compra e pagar o preço em falta, conforme documento que junta (Doc. 2), não tendo recebido resposta da AI.
Informa ainda que irá proceder à marcação da escritura e à notificação da Administradora de Insolvência para na mesma comparecer e que, caso a mesma não o faça, e incorra em incumprimento do contrato, irá requerer a separação do dito bem da massa insolvente até decisão definitiva da ação de execução específica que intentará contra a Massa Insolvente, a Administradora de Insolvência e todos os credores.
A 29.02.2024, o credor B...., S.A. respondeu a este requerimento, logo requerendo a notificação dos arrendatários para juntar o contrato de arrendamento na íntegra.
Mostra a sua surpresa, pelo facto de os arrendatários, conhecedores da existência dos presentes autos de insolvência, desde, pelo menos julho de 2020, tenham naquela data, apenas junto o contrato de arrendamento, não tendo, nunca tendo até agora, invocado qualquer outro direito sobre o bem imóvel, vindo agora, surpreendentemente, apresentar um contrato promessa alegadamente celebrado em 2014.
Defende que não existe contrato-promessa de compra e venda, antes opção de compra e direito de preferência. A entender-se que se trata de contrato-promessa, o mesmo é nulo, por falta das formalidades a que alude o art.º 410.º, n.º 3, do Código Civil.
Requer, ainda, o prosseguimento da liquidação e venda do bem apreendido.
A Massa Insolvente respondeu a 12.03.2024, também relevando surpresa com o agora invocado, referindo que nunca teve conhecimento daquele Anexo com Opção de Compra, requer a junção do original do contrato aos autos, impugnando o mesmo.
Considera que o Anexo agora junto é incompatível com a posição que fora assumida anteriormente pelos arrendatários, que apenas apresentaram o contrato de arrendamento e não remeteram qualquer anexo; considera que aquele Anexo não é válido, pois não tem as formalidades do art.º 410.º, n.º 3, CC, tratando-se de um contrato forjado e agora realizado para criar obstáculos e impedimentos à liquidação do ativo.
Caso o pretenso contrato promessa tivesse existência jurídica à data da insolvência, tal permitiria apenas a reclamação do crédito dele emergente e a alegação do direito de retenção, o que não sucedeu. Também a existência de um alegado direito de preferência não impede a liquidação do imóvel, apenas permitindo o preferente a cobrir a proposta mais alta de aquisição feita por terceiro no âmbito da liquidação.
Não tem a locatária qualquer direito em apresentar uma proposta de venda compensada com as rendas já pagas, à revelia da própria liquidação, nem tão pouco requerer qualquer execução especifica.
Pugna, ainda, pelo prosseguimento da liquidação e da venda do bem apreendido, com o total indeferimento do requerimento de AA.
A 14.03.2024, o credor DD respondeu ao requerimento de AA.
Começa por invocar a ilegitimidade ativa de AA e preterição de litisconsórcio necessário.
Quanto ao alegado contrato, considera que: existem indícios de falsificação do referido contrato de arrendamento (conforme já expressara no processo por requerimento de 03.08.2020) e, logo, do anexo que agora nasce de geração espontânea, tal a inverosimilhança do neles clausulado e a impossibilidade jurídica de intervenção no mesmo da Insolvente, que se encontrava com a atividade cancelada junto da Administração Tributária desde 2011 (cfr. relatório da Sra. Administradora da Insolvência junto aos autos em 16 de março de 2020), pelo que nem sequer poderia emitir recibos de renda.
Requer também a junção do documento original aos autos. Mesmo a existir tal contrato, considera que o mesmo é nulo por preterição das formalidades previstas no art.º 410.º, n.º 3, CC. E mesmo que não fosse nulo, salienta o regime previsto nos art.ºs 106º e 102º, do CIRE, estando na disponibilidade da Administradora da Insolvência recusar o cumprimento daquele contrato, não existindo por isso fundamento para suspender a liquidação do imóvel, o que apenas ocorreria se a AI optasse por cumprir aquele alegado contrato-promessa.
Por despacho de 14.03.2024 foram notificados os arrendatários AA e BB para juntar aos autos o documento original e em papel do contrato de arrendamento na íntegra, incluindo os seus dois anexos.
A 26.03.2024 AA exerceu o seu contraditório, arguindo alegada nulidade no seu art.º 2.º do articulado.
Por manifesta falta de fundamento legal, indefere-se a arguida nulidade invocada pela requerente AA no art.º 2.º do seu requerimento de 26.03.2024, por alegada violação do contraditório, porquanto a requerente exerceu o seu contraditório por tal requerimento, pelo que esse contraditório não lhe fora vedado, sendo que o tribunal pode sempre oficiosamente determinar a junção de documentos originais aos autos, não estando depende tal decisão do contraditório das partes (art.º 144.º, n.º 5, CPC).
No requerimento de 28.02.2024, a requerente AA refere que reside no imóvel arrendado, já no requerimento de 26.03.2024 refere que se encontra residir e a trabalhar em ....
No requerimento de 26.03.2024 a interveniente AA requer a condenação como litigante de má fé da Massa Insolvente e credor DD.
Alega que a Massa Insolvente e o credor DD agem de má fé ao colocar em causa a existência do contrato de arredamento, uma vez que o reconheceram em anterior ação de despejo.
Tendo sido invocado pelo credor DD a ilegitimidade da requerente AA, por violação do litisconsórcio necessário, a mesma requereu prazo para fazer aderir os outros co-arrendatários e promitentes-compradores à sua pretensão nos presentes autos.
A requerente AA veio juntar documento em papel, referindo tratar-se do documento original do contrato de arrendamento celebrado com a insolvente e os dois Anexos.
No requerimento de 09.04.2024 (cfr. art.º 17.º), requer a Massa Insolvente, atentas as dúvidas levantadas quanto ao contrato, ao abrigo do art.º 477º do CPC, que seja determinada perícia, visando:
a) Apurar a dissemelhança entre o contrato de arrendamento ora junto e aquele que foi junto aos autos anteriormente;
b) Determinar a veracidade dos anexos, bem como a sua feitura em dezembro de 2014;
c) Concretizar a perícia das assinaturas dos contratos e anexos com a da pretensa gerente da insolvente e dos arrendatários.
O credor B... S.A. acompanhou este pedido de realização de perícia (req. 11.04.2024), sendo a importância da perícia também acompanhada pelo credor DD no seu requerimento de 22.04.2024.
Os alegados promitentes-compradores e co-arrendatários vieram pugnar pelo indeferimento desta pretensão no requerimento de 17.04.2024.
Alegam que a perícia requerida pela Massa Insolvente é manifestamente desnecessária, representa um atraso processual e custas para as partes, porquanto todos os intervenientes em causa estão vivos e de boa saúde, podendo (ou devendo) o Tribunal ouvi-los em declarações com vista à confissão, ou não, da veracidade do contrato, seus anexos e respetivas assinaturas – o que requer”.
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Decidiu-se então que “…no que respeita à requerida realização de perícia, nos termos requeridos pela Massa Insolvente e credores, considera-se tal diligência desnecessária à decisão do incidente suscitado por AA, BB e mulher. Porém, essa perícia já pode ser relevante para apreciação do pedido de litigância de má fé dos requerentes deste incidente AA, BB e mulher CC (cfr. requerimento do credor DD de 22.04.2024). Assim, nos termos do disposto no artigo 467.º e 476.º, ambos do Código de Processo Civil, por se considerar ser relevante para a apreciação do pedido de litigância de má fé dos requerentes deste incidente AA, BB e mulher CC (requerimento de 22.04.2024) defere-se a realização de perícia ao documento original junto aos autos pelos requerentes a 04.04.2024, e ainda por comparação às cópias do contrato juntas a 28.02.2024 e 24.07.2020, fixando-se o seguinte objeto da perícia: a) Apurar a (dis)semelhança entre o contrato de arrendamento e respetivos Anexos ora junto em papel a 04.04.2024 e aquele que foi junto aos autos em 28.02.2024 (também com anexos) e em 24.07.2024 (sem anexos), designadamente, devendo o Sr. Perito indicar se as rúbricas e assinaturas apostas no original junto aos autos são idênticas às rúbricas e assinaturas apostas nas cópias juntas a 28.02.2024 e 24.07.2024 e se as cópias digitalizadas juntas a 28.02.2024 e 24.07.2024 são cópias fiéis do documento original junto a 04.04.2024; b) Determinar se é possível verificar a data em que terão sido apostas as rúbricas e assinaturas no documento original junto a 04.04.2024 e se é possível que tal documento/rúbricas e assinaturas tenha sido realizado em dezembro de 2014; c) Concretizar a perícia das assinaturas dos contratos e anexos com a da pretensa gerente da insolvente e dos arrendatários, para tanto sendo necessário a recolha de autógrafos aos três intervenientes naquele contrato (representante da insolvente e arrendatários), devendo o Sr. Perito determinar se as rúbricas e assinaturas apostas no documento original junto a 04.04.2024 foram apostas pelo próprio punho da ali indicada como legal representante da sociedade “A..., Lda.” (EE) e dos ali indicados como arrendatários AA e BB”.
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Mais se designou dia e hora para “a recolha de autógrafos neste Núcleo Judicial da Maia da ali indicada legal representante da sociedade “A..., Lda.” (EE, a notificar na morada ali indicada: Rua ..., n.º ..., ..., ... Pombal, NIF ......, e ainda na morada atual a pesquisar nas bases de dados) e dos ali indicados como arrendatários AA e BB, designa-se o próximo dia 12 de junho de 2024, pelas 14H00. Notifique EE, AA e BB para comparecem neste Núcleo Judicial da Maia no dia e hora agendado, sob expressa cominação de condenação em multa, em caso se ausência injustificada – art.º 417.º CPC, ex vi art.º 17.º CIRE”.
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Desta decisão interpuseram recurso de apelação os ora também apelantes, o que constitui o Apenso J.
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Por fim, decidiu-se “…julgando-se lícita a recusa por parte da Sra. Administradora da Insolvência em cumprir o alegado contrato-promessa da fração A e opção de compra daquela fração alegada pelos requerentes AA, BB e esposa, considera-se que o invocado contrato promessa/ opção de compra, previsto no Anexo I ao arrendamento, não obsta à normal liquidação e venda da fração A neste processo de insolvência, não existindo fundamento para suspender a liquidação daquela fração A apreendida, sita na Urbanização ..., ..., julgando-se improcedente, por falta de fundamento legal, o incidente deduzido por AA a 28.02.2024 e acompanhado por FF e esposa. Determina-se, assim, que a Sra. AI prossiga com celeridade (atenta a antiguidade dos autos) com a liquidação dos presentes autos, incluindo a fração A, sita na Urbanização ..., ..., apreendida para a Massa Insolvente”.
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Por requerimentos de 14.06.2024 e de 27.06.2024 vieram os requerentes, ora apelantes, AA, BB e CC, respetivamente, peticionar que “Devem todos os atos praticados na diligência realizada no dia 12.06.2024 ser declarados nulos e de nenhum efeito, seja por violação do disposto nos artigos 187.º, al. a) e 613.º, n.ºs 1 e 3 do CPC, seja pelo esgotamento do poder jurisdicional da M.ª Juíza no que concerne a todas as matérias abordadas na referida diligência, já antes decididas no douto despacho/sentença recorrido, seja ainda por violação do prazo para a prática de atos processuais para a diligência de recolha de autógrafos, atenta a posição de litisconsórcio necessário dos requerentes …”.
Alegaram para tanto que “O requerente BB foi ouvido numa diligência (tentativa de conciliação) para a qual não foi convocado”. “Também da notificação remetida ao mandatário dos requerentes em 21.05.2024, com a ref.ª 460363752, sob o assunto “Despacho com data para recolha de autógrafos”, não resulta qualquer convocatória para a diligência de tentativa de conciliação, notificando-se apenas “que se encontra designado o dia 12-06-2024, às 14:00 horas, para a realização de recolha de autógrafos, neste Tribunal do Núcleo Judicial da Maia…”. “Acresce ainda que a referida diligência realizada ultrapassou a mera recolha de autógrafos e abordou uma questão para a tentativa de conciliação na qual a Mª Juíza já esgotara o seu poder jurisdicional no douto despacho/sentença proferido em 20.05.2024, com ref.ª 459740776, que, aliás, se encontra colocado em causa por recurso interposto pelos requerentes em 03.06.2024”.
A massa insolvente respondeu e pugnou pela inexistência de qualquer nulidade processual.
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Em 3.07.2024, foi proferido o seguinte despacho, ora recorrido: “III. Requerimentos 14.06.2024 e 27.06.2024: Vieram AA, BB e CC arguir a nulidade da diligência de tentativa de conciliação e recolha de autógrafos, realizada em 12.06.2024. Sustentam esta nulidade na alegada falta de notificação para a tentativa de conciliação realizada no pretérito dia 12.06.2024. Entende o tribunal que não ocorreu essa falta de notificação, porquanto do despacho de 20.05.2024 e ainda do despacho de 04.06.2024, decorre a marcação dessa tentativa de conciliação, que iria procurar a agilização da Liquidação do Ativo, que claro está, não seria apenas com a AI e credores (conforme interpretara o mandatário dos requerentes), pois que sempre teria de envolver aqueles que se arrogam de arrendatários da fração e que estão interessados em comprar a fração. Estes despachos foram notificados ao mandatário, que optou por não estar presente na diligência, optando por não acompanhar o seu constituinte à diligência, na qual o seu constituinte esteve presente. Acresce que a existir alguma omissão de convocação para diligência, irregularidade ou falta de preciosismo/rigor no nosso despacho ou subsequente notificação quanto às pessoas convocadas para a diligência, essa omissão nunca seria suscetível de gerar nulidade, porquanto não é suscetível de influir na decisão da causa (art.º 195.º/1 CPC), pois que a tentativa de conciliação se revelou frustrada. Assim, e não sendo a omissão invocada suscetível de influir no desfecho da causa, conclui-se que a arguição de nulidade deve ser julgada improcedente. Ademais, caso os requerentes e/ou ilustre mandatário, considerem pertinente o agendamento de nova tentativa de conciliação, para nela estar presente o seu mandatário e também as interessadas AA e CC, sempre poderá requerê-lo ao tribunal, estando o tribunal disponível para agendamento de novas diligencias de tentativas de conciliação, que se revelem pertinentes, ao abrigo do art.º 6.º CPC. Não se compreende o invocado no art.º 5.º do requerimento de 14.06.2024, porquanto nesta tentativa de conciliação não esteve em causa a prolação de nova decisão pelo Tribunal, mas sim a possibilidade de os intervenientes chegarem a acordo sobre a forma de liquidar a fração autónoma sita na ..., estando na livre disponibilidade dos interessados chegar (ou não) a acordo, sendo legítima a opção de não chegar a acordo e aguardar pelo desfecho do recurso interposto, o que, claro está, o Tribunal respeita. Também não se compreende a alegada “violação do prazo para a prática de atos processuais para a diligência de recolha de autógrafos, atenta a posição de litisconsórcio necessário dos requerentes”, porquanto a diligência fora agendada no despacho de 20.05.2024 (despacho que fora notificado), o requerente BB esteve presente na diligência e até indicou data em que a requerente AA se iria deslocar a Portugal (data essa que é confirmada pelo mandatário no requerimento de 12.06.2024), o prazo concedido no despacho de 04.06.2024 para indicação de nova data era apenas e só para a requerente AA, tendo ali se determinado que a mesma deveria participar na tentativa de conciliação através do sistema Webex (o que optou por não fazer). O facto de nem todos os interessados estarem presentes na diligência de tentativa de conciliação não impede a sua realização (ainda que não seja possível alcançar um acordo final), permitindo uma aproximação gradual dos interessados, permitindo que exponham os seus interesses e apresentem propostas/sugestões, que ficam em aberto para reflexão e futura discussão (pelas partes e não pelo Tribunal), o que se procurou fazer no dia 12.06.2024. Por tudo o exposto, julga-se improcedente a nulidade arguida a 14.06.2024. Custas do incidente a cargo dos requerentes AA, BB e CC, que se fixam em 3 UC, nos termos previstos no artigo 7.º, n.º 4, do Regulamento das Custas Processuais e tabela II a ele anexa”.
Não se conformando com tal decisão dela vieram os requerentes AA, BB e CC recorrer de apelação pedindo a sua revogação e substituído por outro que declare nula a diligência realizada no dia 12.06.2024, bem como todos os atos nela praticados.
Os apelantes juntaram aos autos as suas alegações que terminam com as seguintes e prolixas conclusões:
I. O despacho/sentença recorrido padece de vícios que o invalidam, nomeadamente, de erro na aplicação da Lei, nomeadamente, por violação das normas relativas à obrigatoriedade da notificação das partes para a tentativa de conciliação (nos termos conjugados dos art.ºs 219.º, n.ºs 2 e 3 e 594.º, n.º 2 do CPC), ao escopo da tentativa de conciliação (art.º 594.º do CPC), à observância dos prazos processuais legalmente consagrados (art.ºs 248.º, n.º 1 e 138.ºs, n.ºs 1 e 2 do CPC) e ao efeito do caso julgado formal (art.ºs 587.º, al. i), 580.º, n.º 1, in fine, 619.º, n.º 1 e 620.º do CPC); e do Direito, designadamente, por violação dos princípios da igualdade de armas (art.º 4.º do CPC) e do contraditório (art.º 3.º, n.º 3 do CPC), enquanto corolários do princípio da igualdade das partes (art.º 13.º da CRP e § 1.º do art.º 6.º da CEDH), e do princípio do esgotamento do poder jurisdicional (art.º 613.º, n.ºs 1 e 3 do CPC), sendo, por isso, nulo e sem qualquer efeito, nos termos do art.º 195.º, n.º 1, in fine do CPC, porquanto tais violações são suscetíveis de influir na decisão da causa.
II. O recorrente BB foi ouvido e obrigado a pronunciar-se na diligência de tentativa de conciliação realizada no dia 12.06.2024, sem para tal ter sido notificado, quer pessoalmente, quer através de notificação remetida para aos seus mandatários constituídos nos autos.
III. No despacho de que ora se recorre, o Tribunal “a quo” julgou improcedente a nulidade da diligência de tentativa de conciliação e recolha de autógrafos, realizada em 12.06.2024, arguida pelos requerentes no requerimento de 14.06.2024, com base na falta de notificação;
IV. A falta de notificação às partes ou aos interessados constitui uma ilegalidade gerados de nulidade, nos termos do art.º 195.º, n.º 1, in fine, porquanto, e contrariamente ao entendimento sufragado no despacho de que ora se recorre, a falta de notificação para comparecer na diligência de tentativa de conciliação é suscetível de influir na decisão da causa.
V. A notificação aos interessados para a realização da tentativa de conciliação é obrigatória, ao abrigo do disposto no art.º 594.º, n.º 2 do CPC, tendo como fundamento da ideia de “chamar alguém a juízo ou dar conhecimento de um facto” (art.º 219.º, n.º 2 do CPC), devendo ser acompanhados de todos os elementos necessários à “plena compreensão do seu objeto” (n.º 3), de forma a permitir a todos os intervenientes o integral exercício do contraditório em igualdade de armas.
VI. A violação destas normas pelo Tribunal “a quo” consubstanciou uma manifesta violação dos princípios dos princípios da igualdade de partes (art.º 4.º do CPC) e do contraditório (art.º 3.º, n.º 3 do CPC), enquanto corolários do princípio da igualdade de armas (art.º 13.º da CRP e § 1.º do art.º 6.º da CEDH), e do princípio do esgotamento do poder jurisdicional (art.º 613.º, n.ºs 1 e 3 do CPC);
VII. O recorrente, ao não sere notificado da tentativa de conciliação, nem pessoalmente, nem por via dos seus mandatários constituídos nos autos, foi colocado numa posição de desigualdade face aos demais intervenientes na causa, vendo diminuídas as suas garantias de defesa e de exercício dos seus direitos.
VIII. Não é aceitável o entendimento do Tribunal “a quo” segundo o qual, “a existir alguma omissão de convocação para a diligência, irregularidade ou falta de preciosismo/rigor” no despacho ou na notificação para a diligência de tentativa de convocação, essa omissão nunca seria suscetível de gerar nulidade, porquanto não é suscetível de influir na decisão da causa (art.º 195.º/1 CPC), uma vez que a tentativa de conciliação se revelou frustrada, e de que, a existir tal falta a mesma ficou sanda pela presença do requerente, porquanto tal presença se deveu à notificação do Recorrente apenas e somente para a recolha de autógrafos, não para a realização de uma tentativa de conciliação para a qual os credores e a AI foram notificados.
IX. Nem é aceitável que o Tribunal “a quo” conclua que “o facto de nem todos os interessados estarem presentes na diligência de tentativa de conciliação não impede a sua realização”, porquanto tal facto não permite alcançar um acordo final (conforme salienta, e bem o Tribunal “a quo”, desvirtuando a finalidade da realização de uma tentativa de conciliação, nos termos em que está prevista no art.º 594.º do CPC, e que carece da presença de todos os interessados para ter efeito útil.
X. O que o Tribunal “a quo” entende como uma “irregularidade ou falta de preciosismo/rigor no (nosso) despacho ou subsequente notificação quanto às pessoas convocadas para a diligência”, deverá ser entendido como uma flagrante violação dos princípios do contraditório (art.º 3.º, n.º 3 do CPC) e da igualdade de partes (art.º 4.º do CPC), enquanto manifestações do princípio mais abrangente da igualdade de armas (art.º 13.º da CRP e § 1.º do art.º 6.º da CEDH);
XI. Tal violação é suscetível de influir na decisão da causa e, portanto, gerar uma nulidade processual nos termos do art.º 195.º, n.º 1, in fine do CPC.
XII. Ainda, não só a referida diligência ultrapassou a mera recolha de autógrafos, como ainda abordou uma questão para a tentativa de conciliação na qual a Mª Juíza do Tribunal “a quo” já esgotara o seu poder jurisdicional, nos termos do disposto no art.º 613.º, n.ºs 1 e 3 do CPC, no despacho/sentença proferido em 20.05.2024, com ref.ª 459740776 que já havia decidido a questão do não reconhecimento da opção de compra e venda da fração A sita na ... pela AI, pelo que a questão não poderia ser objeto de tentativa de conciliação.
XIII. Uma vez que esta questão já havia sido decidida pelo Tribunal “a quo” no despacho de 20.05.2024, se as partes não requereram conjuntamente a tentativa de conciliação, nos termos do art.º 594.º, n.º 1, 1.ª parte do CPC, esta já não se encontrava no âmbito do poder jurisdicional da Mmª Juiz, não podendo convocar as partes para tentativa de conciliação relativamente a uma determinada questão mais do que uma vez, nos termos do art.º 594.º, n.º 1, 2.ª parte do CPC.
XIV. Acresce ainda que o despacho proferido a 20.05.2024, já há muito havia transitado em julgado aquando da realização da tentativa de conciliação em 12.06.2024, tal questão já não poderia ser objeto de transação, ou qualquer alteração, se não em sede de recurso;
XV. Enquanto o teor das decisões tomadas pela Mmª Juíza no despacho/sentença de 20.05.2024 não for alterado por instância superior na sequência do recurso interposto pelos aqui também recorrentes, tudo se passa como se essas decisões constituíssem caso julgado formal em termos de efeitos, não podendo ser objeto de transação.
XVI. A diligência de recolha de autógrafos e de tentativa de conciliação (12.06.2024) ocorreu antes de decorrido o prazo concedido ao mandatário dos aqui requerentes, de apenas 2 (dois) dias (despacho de 04.06.2024, ref.ª 460791486 e notificado a 05.06.2024, ref.ª 460888135), mas que, por força das regras da contagem dos prazos processuais, começou a correr no dia 10.06.2024 (art.ºs 248.º, n.º 1 e 138.º, n.ºs 1 e 2 do CPC) e apenas terminou no dia da diligência (12.06.2024), cuja nulidade aqui expressamente se invoca no seu todo.
XVII. Não pode deixar de relevar para apreciação do presente recurso que os recorrentes AA, BB e CC ocupam a posição de interessados em litisconsórcio necessário, nos termos do art.º 33.º do CPC, pelo que, desde logo, o prazo conferido no despacho de 04.06.2024 à primeira recorrente, aproveita aos demais sujeitos, e não apenas a esta como é entendimento do Tribunal “a quo”;
XVIII. Apenas foram convocados para a tentativa de conciliação os credores e a AI, conforme decorre do ponto XI do despacho de 20.05.2024;
XIX. Esta mesma tentativa de conciliação foi aberta e encerrada em 12.06.2024, pelo que não mais poderia ser convocada nova tentativa de conciliação pelo Tribunal “a quo”, nos termos do art.º 594.º, n.º 1, in fine do CPC, quanto à liquidação da fração A sita na ...,
XX. E incidiu sobre questão já decidida no despacho de 20.05.2024, violando o caso julgado formal (art.ºs 587.º, al. i), 580.º, n.º 1, in fine, 619.º, n.º 1 e 620.º do CPC) e o princípio do esgotamento do poder jurisdicional (art.º 613.º, n.ºs 1 e 3 do CPC).
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A massa insolvente/apelada juntou aos autos as suas contra-alegações onde pugna pela confirmação da decisão recorrida e pela condenação dos recorrentes como litigantes de má-fé.
II – Os factos relevantes para a decisão do presente recurso são os que estão enunciados no supra elaborado relatório, pelo que, por razões de economia processual, nos dispensamos de os reproduzir aqui.
E ainda que:
1- Na diligência intitulada “TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO E AUTO DE RECOLHA DE AUTÓGRAFOS” realizada no dia 12.06.2024, pelas 14horas, estiveram presentes: A Sr.ª. Administradora de Insolvência, Dra. GG e o il. Mandatário da Massa Insolvente, Dr. HH, ambos via webex. O il. mandatário do Credor DD, Dr. II, via webex. A il. mandatária da Credora B..., S.A., Dra. JJ, via webex. BB (arrendatário da fração em causa nos autos) e, EE, legal representante da sociedade insolvente (à data da celebração do contrato de arrendamento em causa nos autos).
2- De seguida e conforme teor da referida ata “Aberta a diligência pelas 14h23, e não antes atento o tempo necessário para a chamada e estabelecimento da ligação webex, foi tentada a conciliação das partes quanto à liquidação da fração sita na ... em causa nos autos, tendo sido dada a palavra aos presentes para se pronunciarem e exporem as suas posições e apresentação de propostas. Pela Sra. Administradora de Insolvência fora reiterado que não pretende cumprir a opção de compra contemplada no contrato de arrendamento. Pelo arrendatário BB fora dito que não apresenta qualquer outra proposta para aquisição da fração sita na ..., mantendo a proposta já apresentada. Pelo Credor DD fora exposta a sua posição, referindo que é favorável à aceitação de eventual proposta de aquisição da fração por parte de BB e AA, no montante dos créditos reclamados, descontando-se os juros vencidos; e põe, ainda, à consideração dos credores e arrendatários a sua proposta (que agora apresenta) de aquisição da fração sita na ..., sem o arrendamento, pelo valor dos créditos reclamados, sem os juros vencidos e devolvendo aos arrendatários o valor das rendas já pagas. Face a isto, dada novamente a palavra ao arrendatário, pelo mesmo foi dito que mantém a sua posição que, eventualmente poderá vir a ponderar a primeira sugestão do credor DD, sendo que para tal necessita de falar com o seu advogado. Deste modo, frustrando-se a tentativa de conciliação das partes, pela Mm. ª Juiz foi dada por encerrada esta diligência de tentativa de conciliação, quando eram 15h46, dispensando os credores, mandatários e Administradora da Insolvência de estarem presente na recolha de autógrafos, que se seguiu” (sic).
3- BB, por notificação de 21.05.2024 foi convocado para a supra referida diligência nos seguintes termos: “Notificação
Processo nº 3271/19.5T8STS Referênciadestedocumento:460365600 Certificação Citius em: 21-05-2024
Exmo(a) Senhor(a)
BB Rua ..., Nº ...
Urbanização... ... Pombal
Assunto: Despacho e data para recolha de autógrafos
Fica V. Ex.ª notificado(a), relativamente ao processo supra identificado, de todo
o conteúdo da sentença/despacho proferido, de que se junta cópia.
Fica expressamente notificado(a) para comparecer neste Tribunal do Núcleoda Maia - sito na Rua ..., ..., ... Maia - no dia 12-06-2024, às 14:00 horas, a fim de se proceder à recolha de autógrafos, sobexpressacominação de ser condenado(a) em multa em caso de ausência injustificada - artº 417º do CPC, ex vi artº 17ºCIRE. É obrigatório fazer-se acompanhar do seu BI ou Cartão de Cidadão e da presenteconvocatória”.
4- Idêntica notificação foi expedida para a co-arrendatária AA, a qual como consta da respetiva ata de audiência, onde não esteve presente, tendo sido, por isso, proferido o seguinte despacho: ”Tendo sido referido por BB, que a sua filha, AA, se encontra disponível para realizar a recolha de assinaturas no dia 22 de julho pelas 14h00, determina-se este dia e hora para recolha de autógrafos a AA. Notifique a mesma para comparecer neste Tribunal para o efeito, no dia 22 de julho, pelas 14H00. No que diz respeito à perícia, a mesma só será solicitada ao Departamento da Faculdade ..., caso se mantenha a decisão de realização da perícia (vindo a ser admitido o recurso interposto e depois de baixar o mesmo), a fim de se evitar eventuais custos desnecessários para a massa insolvente. Dê ainda conhecimento da diligência de recolha de autógrafos de AA, agora designada, ao mandatário da mesma, à administradora de insolvência e aos credores, para, querendo, assistirem à diligência (podendo fazê-lo através do sistema Cisco Webex), não sendo obrigatória a sua presença”.
5- Foi remetida em 21.05.2024, ao Il. mandatário dos requerentes/apelantes notificação com a Ref.ª 460363752, sob o assunto “Despacho com data para recolha de autógrafos”, sem mencionar qualquer tentativa de conciliação.
6- No ponto XI do longo despacho de 20.05.2024 onde, além do mais, se deferiu a perícia e se ordenou a recolha de autógrafos, consta: “XI. Considerando que esta diligência pode ser aproveitada para permitir uma conciliação das partes e agilização da Liquidação do Ativo, com a apresentação de sugestões/ propostas de liquidação desta fração A, notifica-se a Sra. AI para, querendo, participar na diligência (através do sistema Cisco Webex, não se justificando a sua deslocação presencial ao Tribunal e desta forma se evitando custos desnecessários). De igual forma, poderão os credores, querendo, participar nesta diligência (também através do sistema Cisco Webex). Para o efeito, poderão AI e credores indicar o respetivo mail para ser enviado Link para participação na diligência, no prazo de 10 dias”.
7- No ponto II do despacho de 4.06.2024, relativamente à recolha de autógrafos à requerente, ora apelante AA, consta: “II. Porém, atenta esta indisponibilidade da recorrente AA de se deslocar a Portugal na data agendada, dispensa-se a mesma de se deslocar presencialmente à diligência, devendo no entanto a recorrente AA indicar data alternativa em que se deslocará a Portugal no mês de julho e devendo a mesma participar na diligência (que também consubstancia uma tentativa de conciliação (ponto XI do despacho) através do sistema CISCO WEBEX, devendo em 2 dias informar o seu e-mail para envio do respetivo link.”
III – Como é sabido o objeto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do C.P.Civil), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
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Ora, visto o teor das conclusões das alegações dos apelantes é questão a decidir nos autos:
- Da alegada nulidade processual.
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Com é sabido os recursos destinam-se, exceção feita às questões de conhecimento oficioso, ao conhecimento e censura das decisões proferidas pela instância inferior.
Dúvidas não restam de que os requerentes/apelantes se insurgem contra a realização de um ato – tentativa de conciliação - que por omissão de uma formalidade que a lei prevê – notificação para o ato – o mesmo não de podia ter realizado, influindo essa atuação no exame e decisão da causa.
Em geral, ou seja, à exceção das situações enunciadas nos art.ºs 193.º a 200.º do C.P.Civil, que integram as nulidades principais, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou a irregularidade cometida possa influir no exame ou decisão da causa, cfr. art.º 201.º n.º 1 do C.P.Civil.
São as designadas nulidades secundárias ou atípicas, cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, pág. 373.
As referidas irregularidades consubstanciam-se em desvios do formalismo processual. Dessas nulidades, por regra, o tribunal só conhece sob a reclamação dos interessados, salvo os casos especiais em que a lei permite o conhecimento oficioso, cfr. art.º 202.º 2.ª parte, do C.P.Civil. E fora dos referidos casos de conhecimento oficioso, a nulidade só pode ser invocada pelo interessado na observância da formalidade ou na repetição ou eliminação do ato em causa, cfr. art.º 203.º n.º 1 do C.P.Civil. O interesse da parte para a arguição dessa nulidade atuação há de aferir-se pelo prejuízo que para ela advenha da irregularidade cometida.
Sendo aqui diretamente aplicáveis os sempre atuais ensinamentos do Prof. Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, pág. 507, o qual citou como aplicável ao caso o postulado segundo o qual “dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se”. Pois, tratando-se de nulidades processuais secundárias, estão as mesmas sujeitas ao regime de arguição previsto no art.º 205.º do C.P.Civil, segundo o qual “quanto às outras nulidades (as do art.º 201.º), se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência”, sendo que o prazo para a arguição de que se fala é o geral, de dez dias, cfr. art.º 153.º n.º 1 do C.P.Civil.
As nulidades processuais de que tratamos devem ser arguidas perante o tribunal que as cometeu, cabendo recurso, nos termos gerais, do despacho que as apreciar. Ou seja, qualquer uma das nulidades processuais apontadas pelos requerentes/apelantes deveriam e foram oportunamente reclamada na 1.ª instância, no prazo de dez dias a partir da data em que interveio em ato processual posterior ou a partir da data da notificação para qualquer ato processual posterior, ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência, cfr. art.º 205.º do C.P.Civil.
E como se viu, o tribunal recorrido conheceu da arguida nulidade, julgando-a improcedente, pelo que é dessa decisão que agora os mesmos requerentes veem recorrer.
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Como é sabido, o atual Código de Processo Civil introduziu alterações relevantes no regime da tentativa de conciliação e da conjugação dos regimes (regime anterior previsto no art.º 509.º), ressalta com clareza que o legislador reforçou o âmbito da intervenção do juiz no papel de conciliador, não se podendo reagir com indiferença a esta visão descomplexada do processo civil face à finalidade da pacificação social.
Ora, a tentativa de conciliação continua a ser presidida pelo juiz “devendo este empenhar-se ativamente na obtenção da solução de equidade mais adequada aos termos do litígio”, cfr. art.º 594.º, n.º 3, do C.P.Civil e frustrando-se a conciliação, devem ficar “consignadas em ata as concretas soluções sugeridas pelo juiz, bem como os fundamentos que, no entendimento das partes, justificam a persistência do litígio”, cfr. n.º 4 do referido preceito.
Também se não pode olvidar que aos princípios do dispositivo e do inquisitório foi acrescentado o princípio da cooperação, o qual não deve ser entendido como uma imposição às partes para que abdiquem dos seus interesses para auxiliarem o tribunal a chegar a um resultado justo, nem se propõe que encerre uma visão utópica do processo mas, como refere Patrícia Helena Costa, in “Conciliação Judicial à Luz dos Deveres de Imparcialidade do Tribunal, de Cooperação e de Boa-fé” (ebook do CEJ, Mediação e Conciliação nos Conflitos Civis e Comerciais, maio de 2019, in http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/eb_Mediacao2019.pdf), há que apurar se as partes, nomeadamente em obediência ao dever de cooperação e de agir com boa-fé, têm um específico dever de tentar a conciliação ou mesmo de se conciliarem e se, em caso afirmativo, poderão ser sancionadas, e em que termos, pelo não cumprimento desse dever. Todavia, dúvidas não há de que é dever do juiz fomentar a conciliação entre as partes, o que reflete o reconhecimento de que na sociedade atual não é admissível uma justiça em que o juiz se abstrai totalmente da realidade. Sendo que o atual processo civil é, ainda, um modelo de flexibilidade, em que o juiz deve conduzir o processo da forma que entender mais adequada ao caso concreto, com absoluto respeito pelos direitos fundamentais das partes.
Sendo relevante o preceituado no art.º 7.º do C.P.Civil, ou seja: “1- Na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio. 2 - O juiz pode, em qualquer altura do processo, ouvir as partes, seus representantes ou mandatários judiciais, convidando-os a fornecer os esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que se afigurem pertinentes e dando-se conhecimento à outra parte dos resultados da diligência. (…)”.
Por seu turno, dispõe o artigo 417.º do C.P.Civil que:
“1 - Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspeções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os atos que forem determinados. 2 - Aqueles que recusem a colaboração devida são condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; se o recusante for parte, o tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no n.º 2 do artigo 344.º do Código Civil. (…)”.
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No caso dos autos em causa está a realização de uma tentativa de conciliação das partes para agilização da liquidação do ativo, o qual no caso e, com relevância, se resume à fração autónoma designada pela letra A, no Lote ..., sita na Urbanização ..., freguesia e concelho ..., descrita na Conservatória do Registo Predial de Castro Marim com o n.º ...-A, da mesma freguesia e inscrita na Matriz Predial Urbana sob o art.º ...-A.
E dúvidas não restam que a agilização da liquidação do ativo cabe no âmbito dos poderes de disposição dos credores da insolvência e dos requerentes que se arrogam de co-arrendatários da fração apreendida para a massa insolvente e se apresentam nos autos com pessoas estão interessados na respetiva aquisição, tudo sob a direção e prontidão da Sr. A.I. e, por conseguinte, poderia haver lugar à tentativa de conciliação por iniciativa do Tribunal.
Ora, não obstante, a pouca assertividade dos despachos que designaram a diligência em causa e omissão nas respetivas notificações de um dos fins da mesma – tentativa de conciliação para agilização da liquidação do ativo apreendido para a massa insolvente, certo é que a diligência realizou-se, e foi absolutamente improdutiva, inócua ou sem qualquer significado para os ulteriores desenvolvimentos dos autos, mormente do apenso de liquidação do ativo.
Pelo que, poder-se-á legitimamente concluir que existiu a realização de um ato processual, mas com base na omissão de uma formalidade que a lei prescreve, ou seja, realizou-se a tentativa de conciliação “subtilmente” ordenada pelos despachos supra referidos e transcritos, mas relativamente à mesma não foram os convocados devidamente notificados. Todavia, é também manifesto concluir-se que a realização e tal diligência assim realizada não teve, nem tem, a mínima relevância no exame e decisão da causa, ou seja, no futuro culminar da liquidação da massa insolvente, mormente, na liquidação relativamente ao bem imóvel em apreço.
Destarte e sem necessidade de outros considerandos, aceitando aqui por correta a demais fundamentação exposta no despacho ora recorrido, não se mostra cometida qualquer nulidade processual subsumível ao preceituado no n.º1 do art.º 195.º do C.P.Civil. Ademais é nossa segura convicção que este recurso não é mais do que uma manobra dilatória, na senda das demais já protagonizadas nos autos pelos requerentes, ora apelante, com vista a obstaculizar a liquidação para a massa insolvente do imóvel em causa.
Improcedem as conclusões dos apelantes, havendo de se confirmar a decisão recorrida.
Sumário:
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IV – Pelo exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.
Porto, 25.02.2025
Anabela Dias da Silva
Maria da Luz Seabra
Alberto Taveira