I - No art. 186º, nº 2 do CIRE consagra-se uma presunção juris et de jure de existência de culpa grave e também uma presunção de nexo de causalidade dos comportamentos aí previstos para a criação ou agravamento da situação de insolvência, não sendo admitida a produção de prova em contrário.
II - A extensão dos comportamentos presuntivos previstos no art. 186º, nº 2 do CIRE, com as necessárias adaptações, à atuação do devedor pessoa singular por força do seu nº 4 justifica-se porquanto os factos aí mencionados, com exceção da situação da alínea e) do nº 2, são facilmente aplicáveis à insolvência das pessoas singulares, devendo, por isso, funcionar também nessa situação.
Comarca de Porto Este – Juízo de Comércio de Amarante – Juiz 3
Apelação
Recorrentes: AA e BB
Recorrido: Min. Público
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Maria Eiró e João Diogo Rodrigues
Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
A credora reclamante Banco 1... veio requerer a abertura de incidente de qualificação dos insolventes AA e BB, assente na circunstância de estes terem dado em pagamento, ao pai da insolvente, um imóvel pelo valor de 500,00€, bem esse que tinha um valor superior à transmissão ocorrida e que reputa de fraudulenta, assim como por terem aqueles cedido quotas de uma sociedade de que eram titulares.
Este requerimento foi considerado intempestivo por despacho liminar de 16.11.2023, o qual veio a ser revogado por Acórdão da Relação do Porto de 20.2.2024 que o considerou em tempo, tendo dado lugar ao despacho de 21.3.2024 que impôs o prosseguimento dos autos.
Em 15.4.2024, o Sr. Administrador de Insolvência apresentou parecer no sentido de considerar a insolvência culposa ao abrigo do disposto no art. 186º, nºs 1 e 2 a), b) e i) do CIRE, no que foi seguido pelo Min. Público em 26.4.2024, que do mesmo preceito considerou as alíneas a), d) e i).
Os insolventes apresentaram oposição em 21.5.2024, assinalando que as transmissões não foram objeto de resolução, pelo que não foram consideradas prejudiciais pelo Administrador da Insolvência, não podendo ser fundamento da qualificação da insolvência como culposa. Afirmaram que, apesar de no título constar um contrato de compra e venda, o que ocorreu foi uma dação em pagamento por empréstimos que o pai da insolvente lhes efetuou num total de 16.000,00€, não tendo havido intuito de prejudicar os credores. Quanto às quotas que foram vendidas por 2.500,00€ não traduzem qualquer ato que permita a qualificação uma vez que à data da cessão a sociedade apresentava um resultado líquido negativo, informação a que se poderia aceder pela consulta dos documentos contabilísticos disponíveis. No que se refere à viatura, informou o insolvente que a mesma não era sua, que a recebeu em pagamento de serviços e que o seu devedor exigiu que no mesmo dia em que o foi buscar este fosse registado em seu nome. Acrescentou que nunca usou a viatura, tendo-a vendido ao seu sogro, que andava à procura de um carro, o que fez pelo valor de 500,00€, que correspondia ao que o mesmo valia, vindo o respetivo registo a ser efetuado apenas dois meses depois.
Defendeu, por fim, não ter existido reiterada violação do dever de colaboração, tendo o Administrador da Insolvência enviado apenas uma carta a cada um dos insolventes, a que não responderam por se encontrarem fora do país, vindo a responder através de advogado conforme emails juntos em conformidade com os elementos de que dispunham.
Terminam dizendo que não sendo pessoas coletivas e não tendo sido alegados factos necessários à sua qualificação como pessoas singulares, o pedido deve ser julgado improcedente e a insolvência qualificada como fortuita.
O credor requerente apresentou resposta a 3.6.2024, sublinhando que o facto de o Administrador da Insolvência não ter resolvido os negócios, por estar ultrapassado o prazo para o efeito, não significa que a insolvência não deva ser qualificada como culposa, não sendo defensável o relatado quanto ao negócio do veículo e destacando também a circunstância de o Administrador da Insolvência já ter informado que vai resolver o negócio das transmissões das quotas.
Foi proferido despacho saneador, tendo sido fixado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova.
Realizou-se audiência de julgamento com observância das formalidades legais.
Por fim, foi proferida sentença que julgou procedente o incidente de qualificação e, em consequência:
I) Qualificou como culposa a insolvência de AA e BB;
II) Decretou a sua inibição, para:
i) administrar patrimónios de terceiros; e
ii) o exercício do comércio e para ocupar qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa durante um período 2 anos e seis meses.
- e ainda -
III) Determinou a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pelo gerente requerido e a sua condenação na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos.
IV) Condenou AA e BB a indemnizarem os seus credores até ao montante máximo dos créditos não satisfeitos, considerando as forças do respetivo património, correspondendo tal montante ao valor dos créditos reconhecidos em sentença/s de verificação de créditos em respetivo/s apenso/s.
Inconformados com o decidido, interpuseram recurso os insolventes, tendo estes finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões:
I. Não se verifica qualquer presunção de insolvência culposa, se os factos constantes das alíneas do nº 2 do art 186 do CIRE forem praticados por pessoas singulares, uma vez que tal artigo refere expressamente que tal presunção se verifica quando os mesmos forem perpetrados por Pessoa colectiva.
II. Perante a absoluta omissão na factualidade dada como provada, de factos de onde se retire a existência do nexo de causalidade entre os factos e a situação de insolvência da devedora ou seu agravamento, não poderia o Tribunal recorrido julgar qualificada a presente insolvência como culposa.
Pretendem assim a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que declare a insolvência como fortuita.
O Min. Público apresentou resposta ao recurso interposto, pronunciando-se pela confirmação do decidido.
Formulou as seguintes conclusões:
1. Face à matéria de facto apurada, os factos apurados são suscetíveis de integrar a previsão das alíneas a), d) e i) do n.º 2 do artigo 186.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
2. Não se sabendo nem se tendo comprovado as condições da transmissão da propriedade das quotas de sociedade que eram titulares, tal é suficiente para imputar aos recorrentes a previsão da al. a) do n.º 2 do art. 186.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
3. Ao transmitirem o imóvel, sabiam os recorrentes que transmitiram a propriedade de um imóvel pelo valor de €500,00, sabendo que tal bem valia nessa data pelo menos €15.500,00.
4. Estavam os recorrentes conscientes de que tinham a obrigação de estar disponíveis para prestar ao AI todas as informações, documentos e esclarecimentos que fossem necessários sobre a transmissão do património, o que não fizeram.
5. Face à prova produzida e devidamente fundamentada, o Tribunal a quo fixou, de forma rigorosa, os factos provados e elencou de forma pertinente o direito aplicável.
6. Tendo o Tribunal a quo efectuado o correcto enquadramento fáctico-jurídico e não tendo sido violada qualquer norma jurídica, não merece reparo a qualificação como culposa da insolvência dos recorrentes, nos termos do disposto nas alíneas a), d) e i) do n.º 2 do artigo 186.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
Cumpre então apreciar e decidir.
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.
I – Apurar se as presunções de culpa previstas no nº 2 do art. 186º do CIRE se verificam quando os factos são praticados por pessoas singulares;
II – Apurar se a qualificação da insolvência como culposa pressupõe que se prove factualidade de onde se retire a existência de nexo de causalidade entre os factos e a situação de insolvência do devedor ou o seu agravamento.
Os factos dados como provados na sentença recorrida são os seguintes:
1. No dia 11/08/2023, AA e BB, casados entre si, apresentaram-se à Insolvência, a qual foi decretada no dia 17/08/2023.
2. Aos 30/09/2023, o AI apresentou relatório a que alude o art. 155.º do CIRE, tendo feito constar do Inventário duas quotas da sociedade “A...”, no valor de €2.500,00 cada, pertencentes aos INS e informou estar a aguardar por elementos contabilísticos para averiguar o valor de mercado das mesmas.
3. Aos 25/10/2023, o AI apresentou relatório complementar, pronunciando-se no sentido do encerramento do processo por insuficiência de bens, a que se opôs o credor Banco 1..., s.a.,
4. Por despacho de 23/02/2024, determinou-se que os autos prosseguissem para liquidação, mediante a resolução do negócio de alienação de participações sociais na sociedade A..., s.a..
5. Nessa mesma data, foi proferido Despacho Inicial no incidente de exoneração do passivo restante, considerando os elementos que naquela data constavam dos autos.
6. Por email de 28/SET/2023 dirigido ao II. Advogado dos INS, o AI nomeado nestes autos peticionara:
«(…), constatando que os mesmos são sócios-gerentes da sociedade comercial “A..., LDA,” NIPC...90, representando aqui o signatário os Insolventes, nos termos do art. 81º, nº 4 do CIRE para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência, vem, solicitar a V. Ex.a o envio dos seguintes elementos:
- Dossier fiscal;
- Balanço, Demonstração de Resultados e anexo das Demonstrações Financeiras;
- Relatório de Gestão;
- Mapa de imobilizado e balancete de imobilizado;
- Informação sobre garantias que possam existir sobre os bens da empresa (Hipoteca, Penhor, etc).
- Balancetes analíticos, abertura, mês 12 e encerramento;
- Inventário de final de ano;
- Balancete de antiguidades de clientes, fornecedores e outros devedores e credores;
- Extratos de conta das contas de suprimentos e outros empréstimos/dívidas dos sócios e/ou gerentes;
- Declarações Fiscais IES e modelo 22 dos exercícios dos anos 2021 e 2022;
- Mapa de pessoal;
- Outros documentos relevantes.
Mais advertimos que, não obstante todas as tentativas frustradas de contacto com V. Ex.a e com os Insolventes, estes estão sujeitos aos deveres de informação e colaboração previstos no art. 83º, n º 1 do CIRE, cujo incumprimento poderá importar a qualificação da insolvência dos mesmos como culposa conforme prescrito no art. 186º, nº 1 e nº 2, al. i) do CIRE.
Além disso, o incumprimento destes deveres nos termos do art. 238º, nº 1, al. g) do CIRE poderá acarretar também o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante.».
7. Por email de 28/SET/2023 dirigido ao II. Advogado dos INS, o AI, tendo constado a transmissão do imóvel infra identificado, peticionara:
1. Informações sobre as condições do negócio jurídico em causa;
2. Título aquisitivo e respetivos documentos que serviram de base ao negócio;
3. Todos os comprovativos de pagamento do preço.
8. Por email de 16/OUT/2023, o II. Advogado dos INS informou que o pai da INS emprestara várias quantias ao INS, num total de €16.000,00, que vieram a ser vertidas em confissão de dívida, e porque à data do vencimento acordada não pagou, deu o imóvel em pagamento.
9. Por email de 18/OUT/2023, por não ter recebido quaisquer documentos referentes ao negócio do imóvel o AI solicitou ao II. Advogado dos INS, entre outros elementos que considerasse convenientes: a confissão de divida e comprovativos de transferência de valores.
10. Por email de 02/NOV/2023, dirigido pelo AI ao II. Advogado dos INS, consta:
«Vimos pelo presente reiterar o conteúdo do e-mail que antecede, o qual se mantém sem resposta.
Aproveitamos o ensejo para solicitar o envio da certidão permanente atualizada da empresa “A..., LDA.” para N. melhor análise. (…)»
11. Por email de 02/NOV/2023, o II. Advogado dos INS respondeu ao AI, enviando certidão permanente da sociedade “A....”.
12. Por email de 28/NOV/2023 dirigido pelo AI ao II. Advogado dos INS, diz-se:
«Vimos pela presente via uma vez mais ao V. contacto, porquanto, volvidos quase dois meses desde o N. pedido que resulta do e-mail que antecede de 28.09.2023, verificamos que o mesmo permanece sem resposta.
Com efeito, solicitamos que, com a maior das urgências, no faça chegar os elementos solicitados relativos à empresa “A..., LDA.”
Por outro lado, conforme requerimento junto aos autos pela Ilustre Mandatária da Credora “Banco 1..., S.A.”, o administrador da insolvência verifica que, a esta data, as quotas tituladas pelos insolventes naquela sociedade foram alienadas à pessoa coletiva “B..., INC.”, pelo que, se solicita melhores esclarecimentos quanto ao sucedido, nomeadamente, em que data foram transmitidas as quotas, a indicação da natureza do contrato celebrado, bem como, respetivo contrato que titula a transmissão ocorrida. (…)»
13. Por email de 04/12/2023, o II. Mandatário dos INS, colocando no lugar de destinatário o próprio mail, escreveu da seguinte forma:
« (…)No seguimento da sua comunicação, e segundo a informação que me foi transmitida pelos M/Constituintes relativamente à transmissão de quotas da sociedade A... Lda., foi que os mesmos receberam uma proposta por parte de uma sociedade estrangeira que mostrou interesse em adquirir as suas quotas pelo valor nominal de €2.500,00 cada quota, tendo os M/Constituintes aceite essa proposta pois a sociedade encontrava-se a passar um período conturbado. (…)».
14. Com data de 22/03/2024, o AI enviou cartas aos INS para que estes, no prazo de 8 dias, prestassem esclarecimentos quanto ao negócio de transmissão das quotas, designadamente quanto à origem do negócio e comprovativo de pagamento do preço e dossier fiscal da empresa transmitida em maio de 2023.
15. Em 15/04/2024, data em que entregou o Parecer a que alude o art. 188 do CIRE, o AI ainda não tinha obtido resposta ao assim requerido.
16. Com a data de 20/01/2020, foi subscrito um documento designado de “Confissão de dívida”, assinado pelo INS AA, mediante o qual este se confessa devedor a CC, pai da INS da quantia de €16.000,00, montante que obrigava a pagar até 31/12/2020, acrescida da quantia de 2% por cada mês de atraso no pagamento.
17. No dia 9/MAR/2021, por documento particular autenticado designado de COMPRA e VENDA, os INS declararam vender a CC, o qual declarou comprar, o prédio urbano destinado a construção, com a área de 425 m2, sito na freguesia ..., concelho ..., descrito na CRP de Paredes sob o nº 694, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...86, sob a Ap. 39, de 26/11/1996, livre de quaisquer ónus ou encargos, com valor patrimonial de €14.595,70, pelo preço de €500,00, entregue nessa data.
18. Este imóvel tinha sido adquirido pelo INS no dia 08/03/2018 pelo valor de €8.000,00, onerado com registo de hipoteca legal a favor da Segurança Social e uma penhora a favor de “C...”.
19. O IMÓVEL foi avaliado, a pedido do AI, entre €23.375,00 a €27.625,00 e, pela “Banco 1...”, em nov. de 2023, na quantia de €40.000,00.
20. Em 22/06/2022, o INS vendeu a CC a viatura de marca RENAULT, modelo ..., de matrícula ..-BN-.. do ano 2006, gasóleo, que tinha adquirido por €500,00, no dia 08-04-2022 e registado em seu nome.
21. Não se tendo o AI conseguido apurar as condições em que se deu tal negócio.
22. A INS BB trabalha na CM ..., auferindo de vencimento base o valor de €869,84.
23. O INS AA trabalha para a sociedade “D...”, como encarregado geral, auferindo de vencimento base o valor de €760,00.
24. A sociedade D... Unipessoal, Lda. com NIPC ...88, foi constituída por CC, aos 14/04/2022, tendo sido nomeado seu gerente o INS aos 28/03/2023.
25. O INS AA é gerente da sociedade E..., Unipessoal, Lda, NIF - ...73, que foi declarada insolvente no processo n.º,,,- J3 por sentença datada de 26/06/2023.
26. Pela ap. ...3/20230529, encontra-se registada a aquisição das duas quotas da sociedade A..., Lda., pertencentes aos INS., a favor de B..., INC, NIPC ...03.
27. [O] AI resolveu o negócio de transmissão das quotas na sociedade “A...”, ato que foi impugnado pela aquirente “B...”.
28. Foram reconhecidos créditos no valor total de €997.326.74:
▪ Autoridade Tributária, no valor de €4 926,01;
▪ Banco 2..., SA, no valor de €16 034,25, por aval prestado a “E...”;
▪ Banco 3..., SA, no valor de €21 883.87 aval e outros;
▪ Banco 4..., no valor de € 27 893,72, por aval prestado a “E...”, e outros;
▪ Banco 1..., SA, no valor de €537 332,41, por aval prestado a “E...”, e outros;
▪ F..., Unipessoal, Lda., no valor de €1.104,80;
▪ G..., SA, no valor de €13 965,11 por aval e outros;
▪ H..., Lda, no valor de €373 516,66, por aval prestado;
▪ I..., SA, no valor de €669,91.
29. Em ação de verificação ulterior de créditos, foi reconhecido o valor de €13.626,40.
a) O pai da INS tivesse entregue ao seu genro e a pedido deste a título de empréstimo, várias quantias monetárias, perfazendo o montante total de €16.000,00…
b) … na sequência do que, aos 20/01/2020 o INS tenha subscrito o documento designado de “Confissão de Divida” nos termos ali exarados.
c) Por não ter restituído o dito valor à data do vencimento convencionada, foi dado em pagamento o supra identificado prédio, cuja propriedade foi declarada vender pelo preço de €500,00.
d) O valor comercial do imóvel à data do contrato designado de “compra venda” não ultrapassasse €6.000,00.
e) À data da transmissão das quotas da sociedade “A...” esta se encontrasse com resultado negativo.
f) As quotas tenham sido cedidas pelo seu valor nominal.
I. Apurar se as presunções de culpa previstas no nº 2 do art. 186º do CIRE se verificam quando os factos são praticados por pessoas singulares
1. Estatui o seguinte o art. 186º do CIRE, nos seus nºs 1, 2 e 3[1]:
«1 - A insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da atuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.
2 - Considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham:
a) Destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor;
b) Criado ou agravado artificialmente passivos ou prejuízos, ou reduzido lucros, causando, nomeadamente, a celebração pelo devedor de negócios ruinosos em seu proveito ou no de pessoas com eles especialmente relacionadas;
c) Comprado mercadorias a crédito, revendendo-as ou entregando-as em pagamento por preço sensivelmente inferior ao corrente, antes de satisfeita a obrigação;
d) Disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros;
e) Exercido, a coberto da personalidade coletiva da empresa, se for o caso, uma atividade em proveito pessoal ou de terceiros e em prejuízo da empresa;
f) Feito do crédito ou dos bens do devedor uso contrário ao interesse deste, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse direto ou indireto;
g) Prosseguido, no seu interesse pessoal ou de terceiro, uma exploração deficitária, não obstante saberem ou deverem saber que esta conduziria com grande probabilidade a uma situação de insolvência;
h) Incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor;
i) Incumprido, de forma reiterada, os seus deveres de apresentação e de colaboração previstos no artigo 83.º até à data da elaboração do parecer referido no n.º 6 do artigo 188.º
3 - Presume-se unicamente a existência de culpa grave quando os administradores, de direito ou de facto, do devedor que não seja uma pessoa singular tenham incumprido:
a) O dever de requerer a declaração de insolvência;
b) A obrigação de elaborar as contas anuais, no prazo legal, de submetê-las à devida fiscalização ou de as depositar na conservatória do registo comercial.”
(…)».
2. Na sentença recorrida considerou-se a insolvência como culposa com base nas alíneas a), d) e i) do nº 2 do art. 186º do CIRE, discordando os insolventes desta solução por entenderem, em primeiro lugar, que estas presunções só se aplicam se os factos respetivos tiverem sido praticados por pessoa coletiva.
Preceitua o nº 4 do art. 186º que o disposto nos antecedentes nºs 2 e 3 é aplicável, com as necessárias adaptações, à atuação da pessoa singular insolvente e seus administradores, onde a isso não se opuser a diversidade das situações.
CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA (in “CIRE Anotado”, Quid Juris, 2ª ed., pág. 720) escrevem o seguinte sobre esta matéria:
“Por força do disposto no nº 4, as presunções fixadas nos nºs 2 e 3, não sendo diretamente aplicáveis aos devedores que sejam pessoas singulares, acabam por os atingir em larga medida. Com efeito, a norma em anotação manda aplicar o disposto nos nºs 2 e 3 ao devedor pessoa singular e seus administradores (nos termos do art. 6º), embora com as adaptações que a sua natureza e a diversidade das situações imponham.
Das várias alíneas dos nºs 2 e 3, um caso flagrante de não aplicação às pessoas singulares é o da al. e) do nº 2. Para além disso, e da ressalva regulada no nº 5[2] (…), a generalidade das situações previstas nas demais alíneas pode verificar-se por referência aos administradores do insolvente pessoa singular ou mesmo a este.” [No mesmo sentido, cfr. MENEZES LEITÃO, “Direito da Insolvência”, Almedina, 8ª ed., págs. 285/286; CATARINA SERRA, “Lições de Direito da Insolvência”, Almedina, 2019, págs. 300/301; SOVERAL MARTINS, “Um Curso de Direito da Insolvência”, vol. I, Almedina, 3ª ed., pág. 515; Ac. STJ de 15.2.2018, p. 7353/15.4 T8VNG-A.P1.S1 e Ac. Rel. Lisboa de 8.1.2011, p. 465/10.2 TBLNH-C.L1-7, disponíveis in www.dgsi.pt.]
Assim, perfilhando este entendimento, que se nos afigura unânime, é de concluir que a extensão dos comportamentos presuntivos previstos no art. 186º, nº 2 do CIRE, com as necessárias adaptações, à atuação do devedor pessoa singular por força do seu nº 4 justifica-se, sem hesitações, porquanto os factos aí mencionados, com exceção da situação da alínea e), são facilmente aplicáveis à insolvência das pessoas singulares, devendo, por isso, funcionar também nesta situação.[3]
Por conseguinte, estando em causa no presente incidente de qualificação as alíneas a), d) e i) nenhum óbice se coloca a que as mesmas tenham sido consideradas aplicáveis aos aqui insolventes, ambos pessoas singulares.
1. Na sentença recorrida qualificou-se a insolvência como culposa com referência às alíneas a), d) e i) do nº 2 do art. 186º do CIRE, tendo a Mmª Juíza “a quo”, quanto à alínea a), escrito o seguinte:
“ (…)
Descendo ao caso em apreço resultou provado ter saído da esfera patrimonial dos INS, no período de três anos anteriores ao início da insolvência um veículo ... do ano de 2006, um imóvel que, pelo menos, valia €15.500,00 e as participações sociais no valor nominal que, somado, perfazia €5.000,00, não tendo os INS qualquer outro património que possa satisfazer os créditos reconhecidos na presente [insolvência].
Quanto ao veículo, apesar de o INS ter afirmado não ter sido seu dono, não ilidiu a presunção que resulta do art. 7.º do Código do Registo Predial que é aplicável ao registo dos automóveis por força do art. 29º do Dec. Lei nº 54/75, de 12/2 conjugado com o disposto no art. 1º do mesmo diploma legal, de que o direito existe e pertence ao titular inscrito.
O AI disse não ter apurado as condições deste negócio, mas também não pôs em causa o mesmo, aceitando que tal bem tivesse sido transmitido sem mácula em face das suas características e perante o objeto social da sociedade de que ambos tinham em mãos “D...” seja como gerente/encarregado seja como sócio.
Neste enquadramento, entende-se que o negócio desta viatura, especialmente considerando as suas caraterísticas: ... a gasóleo do ano de 2006, e ainda que vendido ao sogro, apesar de representar uma saída patrimonial das mãos dos credores, não tem associado um verdadeiro prejuízo para estes, pelo que, não se consubstancia uma situação de que reclame a qualificação da insolvência à luz da al. a) do n.º2 do art. 186.º do CIRE.
Diferentemente se passa no caso da transmissão da propriedade das quotas de que os INS eram titulares na sociedade A....
Sabemos que o capital social correspondia a €5.000,00, repartido igualmente pelos INS, correspondendo a uma quota [no] valor nominal de €2.500,00 registada em nome de cada um.
Não se conseguiu, todavia, até ao momento apurar as reais condições deste negócio, designadamente, o preço por que foram vendidas – nem se comprovou sequer o recebimento do correspondente preço –, não obstante as várias interpelações e diligências efetuadas pelo AI a este propósito junto dos INS.
Ora, se o negócio se deu de forma tão linear como alegado pelos requeridos de que a venda foi realizada pelo valor do capital e pago em dinheiro, por que razão não se disse logo isso mesmo, contribuindo para o adensar de suspeita sobre quais teriam sido afinal as condições em que se deu a cessão de quotas.
Porque assim é, duvidas não podem restar que tal situação se subsume à ocultação a que se refere a al. a) do n.º 2 do art. 186.º do CIRE, na justa medida em que tal transmissão se reputa de nebulosa, não se sabendo nem se tendo comprovado as condições de tal negócio, relativamente a uma parte considerável do seu património e correspondente a, pelo menos, €5.000,00.
➢ Procede, assim, a qualificação da insolvência como culposa ao abrigo do art. 186.º, n.º1 e 2 a) do CIRE. “
Já quanto à alínea d) escreveu-se o seguinte na sentença recorrida:
“Vejamos agora o negócio referente à transmissão do imóvel.
Resultou demonstrado que os INS e CC (pai/sogro daqueles) declararam acordar na transmissão de um prédio urbano destinado a construção, com a área de 425 m2, sito na freguesia ..., concelho ..., livre de ónus ou encargos, pelo preço de €500,00.
Também se provou que este prédio com um valor patrimonial de €14.595,70, tinha sido adquirido em março de 2018 pelo preço de €8.000,00 (à data transmitido com o registo de hipoteca legal a favor da Seg. Social e uma penhora a favor de terceiro), tendo sido objeto de avaliado para o AI foi avaliado, entre €23.375,00 a €27.625,00 e, pela “Banco 1...”, em nov. de 2023, na quantia de €40.000,00. [sic]
Quanto a este último elemento há que sublinhar que o valor foi encontrado na data em que ocorreu a avaliação, i.e. em nov. de 2023, altura que houve um incremento dos preços no ramo imobiliário e não ao tempo do negócio datado de mar de 2021, quando nos encontrávamos em plena Pandemia do Covid, tendo, por seu tuno, o AI esclarecido que o valor por si obtido corresponde já ao desconto do valor a ser obtido em sede de venda em insolvência.
Seja como for, há que ter em atenção, para este efeito, ao afirmado pelos INS no sentido de que o preço ajustado e declarado em março de 2021, no montante de €500,00, resultou da alegada circunstância de o INS ter uma dívida para com o seu sogro no montante de €16.000,00, com juros de 2% por cada mês de atraso no pagamento desde 31/12/2020, traçado este que implica que os INS aceitam que o valor do prédio, à data da transmissão ultrapassasse até o valor patrimonial do bem, pois atribuíam, na sua tese, o valor de (pelo menos) €15.500,00.
Não demonstraram, porém, que a “confissão de divida” manuscrita tivesse fundamento.
Na verdade, este ato de reconhecimento da existência de uma dívida entre estes dois familiares, não opera perante os terceiros como é o caso dos credores da insolvência. Tinham os requeridos, pelo menos, o ónus de demonstrar a ocorrência do ato jurídico a partir do qual se constituiu a invocada obrigação de restituição da quantia (alegadamente) emprestada bem como a verificação do (alegado) negócio de dação em pagamento.
Não o fizeram.
Assim, resta-nos apenas o que declararam no Documento Particular Autenticado, i.e., que transmitiram a propriedade de um imóvel pelo valor de €500,00, sabendo que tal bem valia nessa data pelo menos €15.500,00.
Nestes termos, impõe-se concluir estar preenchida a previsão legal referente a terem os requeridos disposto dos seus bens em proveito de terceiros.
➢ Procede a qualificação da insolvência como culposa ao abrigo do art. 186.º, n.º 1 e 2 d) do CIRE.”
Por último, no que toca à alínea i) a Mmª Juíza “a quo” escreveu o seguinte:
“Descendo ao caso em apreço vistos os factos constantes dos pontos 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14 e 15, verificamos que o AI nomeado nos autos de insolvência, entre setembro de 2023 e março de 2024, efetuou vários pedidos de informação, documentos e esclarecimentos, designadamente através de emails e mais recentemente cartas, sem que tenha logrado obter prontas e completas informações sobre a transmissão do património dos requeridos.
Até à elaboração do Parecer sobre a qualificação da insolvência não se desvendou de forma pronta e cabal quais as condições em que se processou a cessão de quotas nem o estado da situação económico financeira da sociedade de que os requeridos tinham sócios até maio de 2023 e que naturalmente determinaram o preço por que as venderam. Como não responderam de forma pronta e cabal quanto às condições do negócio da transmissão do imóvel ao pai da INS, nem também, já agora, quanto à transmissão do veículo também para aquele.
É de notar que foram os próprios Devedores que se apresentaram à insolvência, constituindo mandatário para o efeito, pelo que estavam conscientes de que tinham a obrigação de estar disponíveis para prestar todas as informações, documentos e esclarecimentos que fossem necessários. Fosse ao Tribunal, fosse ao AI, fosse ao Advogado constituído que os representava em juízo. Também sabiam que tinham transmitido todos os seus bens no período de três anos que antecedeu a insolvência pelo que tinham de estar cientes que iam ser efetuadas questões sobre tais negócios e, se nada tinham a esconder ter respondido prontamente e entregue os documentos necessários a clarificar toda a situação envolvente.
Por que razão se colocaram nesta repetida omissão?
Por desleixo? Por estarem a esconder alguma coisa? Outra?
Não importa.
O legislador basta-se com esse comportamento omisso e reiterado de incumprimento dos deveres de colaboração que no caso manifestamente se verificam.
➢ Procede, a qualificação da insolvência como culposa ao abrigo do art. 186.º, n.º 1 e 2 i) do CIRE.”
2. Sucede que os recorrentes entendem que a qualificação da insolvência como culposa pressupõe que se prove factualidade de onde se retire a existência de nexo de causalidade entre os factos e a situação de insolvência do devedor ou o seu agravamento, o que, neste caso, na sua perspetiva, não terá sido feito.
O art. 186º, já atrás transcrito, depois de no seu nº 1, em termos de cláusula geral, definir a insolvência culposa, prevê dois conjuntos de presunções, nos seus nºs 2 e 3, para auxiliar o intérprete.
Referindo-se ao art. 186º, nº 2 do CIRE, MENEZES LEITÃO (in “Direito da Insolvência”, 8ª ed., págs. 284/5) escreve que este contém “uma presunção juris et de jure de insolvência culposa, considerando-a como tal sempre que os administradores, de direito ou de facto, do devedor que não seja pessoa singular tenham praticado actos destinados a empobrecer o património do devedor ou incumprido determinadas obrigações legais.”
Tais factos vêm descritos na enumeração do nº 2 do art. 186º e verificados algum ou alguns deles, o juiz terá que decidir necessariamente no sentido da qualificação da insolvência como culposa. E prosseguindo, escreve MENEZES LEITÃO (ob. e loc. cit.): “A lei institui … no art. 186º, nº 2, uma presunção juris et de jure, quer da existência da culpa grave, quer do nexo de causalidade desse comportamento para a criação ou agravamento da situação de insolvência, não admitindo a produção de prova em sentido contrário.”
Já no que concerne ao art. 186º, nº 3 diz-nos o mesmo Professor (ob. cit., pág. 285) que este contem “uma presunção juris tantum de culpa grave do devedor que não seja uma pessoa singular, sempre que os seus administradores, de direito ou de facto, tenham incumprido o dever de requerer a declaração de insolvência ou a obrigação de elaborar as contas anuais, no prazo legal e de submetê-las à devida fiscalização e depósito na conservatória do registo comercial. Demonstrados esses factos, o juiz presumirá a culpa do devedor na sua situação de insolvência, excluindo, porém, essa qualificação se for demonstrado que a impossibilidade de cumprimento de obrigações vencidas não se deveu a culpa do devedor. Efectivamente, o que resulta do art. 186º, nº 3, é apenas uma presunção de culpa grave, em resultado da actuação dos seus administradores, de direito ou de facto, mas não uma presunção da causalidade da sua conduta em relação à situação de insolvência, exigindo-se a demonstração nos termos do art. 186º, que a insolvência foi causada ou agravada em consequência dessa mesma conduta.”
Por seu turno, CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA (in ob. cit., págs. 718/720)[4] relativamente ao art. 186º, nº 2 perfilham também o entendimento que neste preceito se consagra uma presunção juris et de jure de insolvência culposa, que não admite prova em contrário (art. 350º, nºs 1 e 2 do Cód. Civil) e quanto ao seu nº 3 consideram igualmente que a presunção aí prevista é juris tantum, podendo assim ser ilidida nos termos da primeira parte do nº 2 do art. 350º do Cód. Civil.
Neste sentido aponta, além do advérbio «sempre», o confronto com o texto do nº 3 do mesmo preceito, onde tal palavra não é usada, donde se conclui que as presunções deste número são elidíveis, “juris tantum”, segundo a regra geral do nº 2 do art. 350º do Cód. Civil.[5]
Há assim a concluir que no nº 2 do art. 186º do CIRE se prevêem presunções juris et de jure de insolvência culposa, uma vez que a lei consagra aqui uma presunção de existência de culpa grave e também uma presunção de nexo de causalidade dos comportamentos aí previstos para a criação ou agravamento da situação de insolvência, não sendo admitida a produção de prova em contrário.
É também este o entendimento que tem vindo a ser seguido pela nossa jurisprudência, de forma praticamente unânime, conforme se alcança, por exemplo, dos seguintes acórdãos: Rel. Porto de 18.6.2007, p. 0730992; Rel. Porto de 27.11.2007, p. 0723926; Rel. Porto de 3.3.2009, p. 0827686; Rel. Coimbra de 19.1.2010, p. 132/08.7 TBOFR-E.C1, Rel. Guimarães de 29.6.2010, p. 1965/07.7 TBFAF-A.G1; Rel. Lisboa de 10.5.2011, p. 1166/08.7 TYLSB.B.L1-7, Rel. Porto de 27.2.2014, p. 1595/10.6 TBAMT-A.P2, Rel. Porto de 28.9.2015, p. 1826/12.8 TBOAZ-C.P1, Rel. Porto de 1.6.2017, p. 35/16.1 T8AMT-A.P1 e Rel. Porto de 29.9.2022, proc. 2367/16.0 T8VNG-H.P1, todos disponíveis in www.dgsi.pt.[6]
Deste modo, não pode ser acolhida a tese defendida pelos insolventes nas suas alegações de recurso, uma vez que provada factualidade suscetível de integrar qualquer uma das presunções previstas no nº 2 do art. 186º do CIRE torna-se desnecessário provar a existência de nexo de causalidade entre essa factualidade e a criação ou o agravamento da situação de insolvência dos devedores.
Com efeito, esse nexo de causalidade presume-se.
Uma vez que o âmbito do recurso é definido pelas respetivas conclusões, verifica-se que as duas questões que nelas foram suscitadas e que se deixaram enunciadas se mostram decididas em sentido desfavorável aos recorrentes, o que implica a improcedência do recurso interposto.
Sucede que são as conclusões que delimitam o objeto do recurso, de tal modo que o tribunal “ad quem” não pode conhecer de questão que delas não conste.
Por isso, embora na sua alegação os recorrentes se tenham insurgido contra o preenchimento da referida alínea i), como omitiram qualquer referência a essa questão nas conclusões, teremos que considerar que a mesma não faz parte do objeto do recurso.[7]
De qualquer forma, em obiter dictum, sempre se dirá que a factualidade apurada nos autos e a argumentação que foi explanada pela Mmª Juíza “a quo” a propósito desta alínea, que atrás se transcreveu, se nos afiguram corretas e isentas de censura no tocante ao incumprimento por parte dos insolventes do seu dever de colaboração, merecendo a nossa concordância.[8]
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelos insolventes AA e BB e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
Custas a cargo dos recorrentes.
Porto, 25.2.2025
Eduardo Rodrigues Pires
Maria Eiró
João Diogo Rodrigues
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[1] Com as alterações introduzidas pela Lei nº 9/2022, de 11.1.
[2] É o seguinte o texto deste número: «Se a pessoa singular insolvente não estiver obrigada a apresentar à insolvência, esta não será considerada culposa em virtude da mera omissão ou retardamento na apresentação, ainda que determinante de um agravamento da situação económica do insolvente.»
[3] É também a posição já expressa pelo presente relator no Ac. Rel. Porto de 24.9.2020, p. 2297/19.3 T8OAZ-C.P1, disponível in www.dgsi.pt.
[4] Cfr. ainda CARVALHO FERNANDES, “A Qualificação da Insolvência e a Administração da Massa Insolvente pelo Devedor” in “Colectânea de Estudos sobre a Insolvência”, reimpressão, 2011, pág. 262 e MARIA DO ROSÁRIO EPIFÂNIO, “Manual de Direito da Insolvência”, Almedina, 8ª ed., págs. 156 e segs.
[5] Cfr. CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA, “Colectânea de Estudos sobre a Insolvência”, pág. 262.
[6] Em sentido contrário, cfr. Ac. Rel. Porto de 10.2.2011, p. 1283/07.0 TJPRT-AG.P1, disponível in www.dgsi.pt.
[7] Cfr., por ex., Ac. STJ de 6.6.2018, p. 4691/16.2 T8LSB.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt.
[8] O que tornaria inútil eventual despacho de aperfeiçoamento ao abrigo do art. 639º, nº 3 do Cód. Proc. Civil.