PROCEDIMENTO DE INJUNÇÃO
FÓRMULA EXECUTÓRIA
TÍTULO EXECUTIVO
EXCEÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
Sumário

I - O processo de injunção é inadequado para o exercício de direitos decorrentes de responsabilidade civil contratual subsequente ao incumprimento de um contrato de crédito, pelo mutuário, designadamente os correspondentes ao recebimento dos valores de todas as prestações não pagas e declaradas vencidas por via da resolução do contrato, e juros vencidos e vincendos.
II - Tendo decorrido o procedimento injuntivo a culminar com a aposição da pretendida fórmula executiva, nem por isso foi criado um título executivo válido, pelo que uma subsequente execução nele fundada compreende uma excepção dilatória inominada, passível de conhecimento oficioso e determinante da extinção da instância executiva.

Texto Integral

PROC. Nº 3261/24.6T8VLG.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Execução de Valongo - Juiz 2



REL. N.º 940
Relator: Juiz Desembargador Rui Moreira
1º Adjunto: Juiz Desembargador Rodrigues Pires
2º Adjunto: Juíza Desembargadora Maria Eiró



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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO


1 – RELATÓRIO

Banco 1..., S.A., veio interpor a presente ação executiva contra AA e BB com vista ao pagamento da quantia de € 4.508,56 dando à execução um requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória.
Alegou ter celebrado com os requeridos um contrato de crédito pessoal, concedendo-lhes um empréstimo no montante total de €5.064,52, que eles se obrigaram a reembolsar em 48 prestações constantes e mensais, de €128,03.
A 20/04/2024, acordaram na alteração parcial dessas condições, nomeadamente quanto ao número e valor das prestações previamente estipuladas, ficando os requeridos obrigados, a partir daquela data, a reembolsar a quantia financiada em 52 prestações, tendo ficado estipulado que as prestações que se vencessem entre 15/05/2023 e 15/12/2023 seriam de € 75,00 e as prestações que se vencessem entre 15/01/2024 e 15/02/2026 seriam de €128,77 cada.
Afirmou, contudo, que os requeridos não pagaram as prestações a que estavam obrigados, pelo que, em 09.02.2024 lhes enviou uma comunicação para regularização da dívida, mas a 25.03.2024, acabou por lhes comunicar, por carta registada, a resolução do contrato, face ao reiterado incumprimento, tendo ficado em dívida o montante de € 4.214,82.
Tal a génese do requerimento injuntivo, a que foi aposta a fórmula executória, agora apresentado como título executivo.
O tribunal recorrido ponderou que o procedimento de injunção requerido pela exequente fora um expediente processual impróprio para obter a satisfação da pretensão creditícia, tendo resultado na criação de um título executivo ilegal. Donde concluiu que, devendo tal excepção ser conhecida neste processo executivo, já que o não foi no procedimento injuntivo, estar “perante uma exceção dilatória inominada, insuprível, de conhecimento oficioso, que tem como consequência a absolvição da instância”. Por conseguinte, rejeitou a execução.
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É desta decisão que vem interposto o presente recurso, pelo Banco 1..., S.A., que o termina alinhando as seguintes conclusões:
I. É título executivo bastante o requerimento de injunção a que foi aposta força executória e no qual o requerente pediu o reembolso da quantia pecuniária mutuada em contrato de mútuo incumprido e respetivos juros moratórios, como o dos autos.
II. Ao não o reconhecer o tribunal recorrido fez, salvo o devido respeito, uma errada aplicação do previsto no artº 1º do D.L. 269/98, devendo a sua decisão ser revogada e substituída por outra que admita aquele título executivo e ordene o prosseguimento dos autos.
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Os requeridos foram citados para os termos da execução e do recurso, não tendo sobrevindo aos autos qualquer resposta ao recurso.
O recurso foi admitido como apelação, apesar do seu valor, mas em atenção à natureza de indeferimento liminar da decisão recorrida. Subiu nos próprios autos e sob efeito devolutivo, como devido.
Cumpre decidi-lo.
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2- FUNDAMENTAÇÃO

Não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas nas conclusões, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3 do CPC, é nelas que deve identificar-se o objecto do recurso.
No caso, cumpre decidir se o valor pedido pelo Banco 1... constitui uma obrigação pecuniária, para efeitos do disposto no art. 1.º do DL 269/98 de 01 de Setembro, podendo sucessivamente assentar num correspondente requerimento injuntivo com fórmula executória a respectiva pretensão executiva.
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No tratamento da questão identificada, seguiremos a motivação expendida no ac. deste TRP de 15 de dezembro de 2021, proc. nº 7463/20.0YIPRT.P1, relatado também pelo ora relator, quer por não se identificarem razões para divergir da solução então adoptada, quer por a mesma ter sido mantida em sucessiva jurisprudência deste TRP, do que são exemplos os acs. de 14 de setembro de 2023 (proc. nº 109743/21.8YIPRT.P1) e de 8 de novembro de 2022, (proc. nº. 901/22.5T8VLG-.P1), aliás citados na própria decisão recorrida, mas também o ac. de 09 Maio 2024 (proc. nº 93157/23.0YIPRT.P1). Isto, obviamente, sem prejuízo de se reconhecer jurisprudência diversa, que entendemos não ser de acolher, v.g. por não atender à natureza da obrigação imputada ao devedor, que não é já a do cumprimento do contrato, mas a resultante da sua resolução.
Assim, a análise da questão enunciada exige que se atente na causa de pedir e no pedido formulado pelo Banco 1..., no seu requerimento de injunção.
Uma tal causa de pedir foi descrita como um contrato de crédito pessoal por efeito do qual o Banco 1..., ora apelante, entregou aos requeridos AA e BB, por empréstimo, a quantia de 5.064,52€, a reembolsar em prestações mensais e sucessivas, que, após alteração do contrato inicial, se fixaram em 52, sendo que as prestações que se vencessem entre 15/05/2023 e 15/12/2023 seriam de € 75,00 e as prestações que se vencessem entre 15/01/2024 e 15/02/2026 seriam de € 128,77 cada.
Porém, alegou o Banco 1... que AA e BB não lhe pagaram as prestações acordadas, o que determinou a resolução do contrato, ficando em dívida o valor de 4.214,82€, o qual passou a vencer juros desde a data da resolução.
Em razão desta causa de pedir, pretende o Banco o pagamento do valor desse capital, que incluindo os juros vencidos, ascende a 4.372,10€, a que acrescerão os vincendos.
A adequação do procedimento de injunção, ou do procedimento declarativo especial previstos no DL 269/98, de 1/9, para a cobrança de valores em dívida em resultado de determinado tipo de negócios jurídicos está definida no respectivo art. 1º, que dispõe: “É aprovado o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a (euro) 15.000, publicado em anexo, que faz parte integrante do presente diploma.”
Nos termos desta norma, só é admissível a utilização de tais formas processuais quando a causa de pedir seja o incumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a 15.000,00€.
Diversa doutrina e jurisprudência têm sido produzidas sobre a matéria, não deixando já dúvidas sobre o conteúdo de tal conceito de “obrigações pecuniárias emergentes de contratos”.
Como refere Paulo Duarte Teixeira (“Os Pressupostos Objectivos e Subjectivos do Procedimento de Injunção», em “Themis”, VII, nº 13, pgs. 184-185), essas obrigações são “(…) apenas aquelas que se baseiam em relações contratuais cujo objecto da prestação seja directamente a referência numérica a uma determinada quantidade monetária (…) daqui resulta que só pode ser objecto do pedido de injunção o cumprimento de obrigações pecuniárias directamente emergentes de contrato, mas já não pode ser peticionado naquela forma processual obrigações com outra fonte, nomeadamente, derivada de responsabilidade civil. O pedido processualmente admissível será, assim, a prestação contratual estabelecida entre as partes cujo objecto seja em si mesmo uma soma de dinheiro e não um valor representado em dinheiro».”
Em sentido idêntico se pronuncia Salvador da Costa (Injunções e as Conexas Ação e Execução, 5ª ed. atual. e ampl., 2005, pág. 41), afirmando que “o regime processual em causa só é aplicável às obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contratos, pelo que não tem a virtualidade de servir para a exigência de obrigações pecuniárias resultantes, por exemplo, de responsabilidade civil, …”.
Segundo este entendimento, que é também o nosso e já anteriormente enunciamos, fundado quer na letra da lei, quer em atenção à intenção legislativa bem descrita no preâmbulo do diploma, o procedimento de injunção não está vocacionado para a exigência de cumprimento de qualquer obrigação, necessariamente pecuniária e de valor não superior a 15.000,00€. Para além disso, essa obrigação tem que ser a que resulta directamente do contrato invocado como causa de pedir, isto é, tem que ser a própria prestação contratualmente prevista. Como exemplos típicos, tendo havido um bem vendido, locado, ou um serviço prestado, a injunção destina-se à exigência do preço para estipulado no contrato como contrapartida.
Adoptando este entendimento, de restrição ao objecto admissível dos procedimentos de injunção, podem ver-se, além dos anteriormente citados, também os Acs. do TRP de 15/1/2019, proc. nº 141613/14.0YIPRT.P1; de 24/5/2021, proc. nº 2495/19.0T8VLG-A.P1, de 25/5/2021; e do TRL, proc. nº 113862/19.2YIPRT.L1-7.
No caso em apreço, o pedido corresponde, tal como apreciado nos acórdãos anteriormente citados, não ao cumprimento de uma obrigação pecuniária directamente prevista no contrato de crédito celebrado entre as partes, mas ao exercício da responsabilidade civil contratual subsequente à resolução desse mesmo contrato, por incumprimento, com todas as consequências: vencimento imediato de todas as prestações previstas e contabilização de juros de mora, a acrescer aos juros remuneratórios já incluídos nas prestações. Em suma, não é pretendida a realização da prestação contratada, mas sim uma obrigação com um conteúdo diferente e a cumprir em condições diversas das contratadas, decorrente da extinção (justificada) do contrato.
Por conseguinte, cumpre afirmar, em concordância com a decisão recorrida, que o procedimento de injunção era ab initio um expediente processual impróprio para obter satisfação do crédito do requerente Banco 1..., já que esse crédito não é subsumível ao conceito de cumprimento de obrigações pecuniárias directamente emergentes de um contrato, o que prejudica, sucessivamente, o reconhecimento de título executivo à decisão que sobreveio, composta pela aposição de fórmula executiva no requerimento injuntivo.
Resta afirmar que esta reserva do processo de injunção para os estritos fins que o legislador lhe destinou, além de ser necessária para assegurar a resposta do sistema estabelecido para o efeito, não prejudica o direito de acção que sempre cumpre garantir. Com efeito, o credor ora apelante continua a ter à sua disposição expedientes processuais adequados à realização do seu direito.
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Ao verificar a inadmissibilidade do expediente processual adoptado pelo ora apelante para gerar o título executivo, com resultado na produção de um título executivo ilegítimo, o tribunal qualificou-o como excepção dilatória inominada, rejeitando a execução, com a inerente absolvição dos requeridos relativamente à instância executiva.
Nenhuma questão é colocada quanto a tal qualificação ou aos efeitos dela extraídos, que, de resto, se têm por insusceptíveis de crítica.
Resta, pois, concluir pela confirmação da decisão recorrida, na improcedência da apelação.
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Sumariando:
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3 - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar improcedente a presente apelação, com o que confirmam a decisão recorrida.

Custas pelo apelante

Reg. e not.




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Porto, 25 de Fevereiro de 2025

Rui Moreira
Rodrigues Pires
Maria Eiró