EXECUÇÃO IMPERFEITA DE EMPREITADA
DIMINUIÇÃO DO GOZO DA HABITAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
INDEMNIZAÇÃO
Sumário

Merece a tutela do direito os danos não patrimoniais sofridos pelo dono da obra em consequência da execução defeituosa pelo empreiteiro que impossibilitou o pleno gozo da habitação, como seria normal se o contrato tivesse sido cumprido sem desconformidades.

Texto Integral

Processo n.º 19793/21.5T8PRT.P1

Relatora: Anabela Andrade Miranda

Adjunta: Márcia Portela

Adjunto: Artur Dionísio Oliveira


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Sumário

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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I—RELATÓRIO

AA e BB demandaram, na presente acção declarativa condenatória com processo comum, “A..., Lda.” pedindo a sua condenação na reparação dos defeitos de obra, ou caso tal se entenda impossível, na restituição aos Autores do valor pago pelos materiais e mão de obra envolvidos nos defeitos, em valor a ser executado em sentença mas nunca inferior a € 27.000 (acrescido de IVA); pediram ainda a condenação da Ré no pagamento da quantia de € 236,47, pelo arranjo do portão já realizado e, por fim, no pagamento da quantia de € 10.000, a título de danos não patrimoniais.

Para tanto, invocaram a celebração de contrato de empreitada com a Ré, que consistia na construção de uma moradia unifamiliar, que apresenta defeitos, que foram denunciados à Ré, sem êxito.

A Ré impugnou os factos invocados e requereu a condenação dos Autores como litigantes de má-fé.

Foi ordenada a realização de prova pericial singular.

Em 5/12/2023, os Autores apresentaram articulado superveniente, liminarmente admitido após cumprido o contraditório, alegando o agravamento dos defeitos.


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Proferiu-se sentença que julgou a presente ação parcialmente provada e, em consequência, condenou a Ré a proceder à reparação dos defeitos de obra elencados no ponto 9) dos factos provados, no prazo de 60 dias e no pagamento aos Autores da quantia de € 2.500 para cada um deles, num total de € 5.000 (cinco mil euros), a título de danos morais, absolvendo-se a Ré do demais contra si peticionado. Julgou ainda improcedente o pedido de condenação da Autora como litigante de má-fé.

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Inconformada com a sentença, a Ré interpôs recurso finalizando com as seguintes

Conclusões

1.ºA recorrente, em sede recursiva, manifesta-se discordante da decisão que apreciou a matéria de facto, pretendendo que a matéria provada constante da alínea a), b) e c) do ponto 9, seja alterada de acordo com o ponto 17, da matéria não provada, porquanto considera que a mesma foi objeto de prova cabal.

2.ºA recorrente manifesta-se também discordante da decisão constante da alínea d), do mesmo ponto 9 da matéria provada, devendo esta ser alterada de acordo com os esclarecimentos prestados pelo Perito em audiência de discussão e julgamento.

3.ºA recorrente manifesta-se, ainda, discordante da decisão relativa ao pagamento, aos recorridos, da quantia global de € 5.000,00, a título de danos não patrimoniais.

4.ºNo que diz respeito à discordância mencionada em 1.º, o Tribunal a quo deu como provada a matéria seguinte:

9. Os defeitos comunicados e que se mantêm até hoje são:

a) má execução de guarda em vidro dos terraços: guardas mal fixadas e de uma grande instabilidade por má aplicação, sendo que caíram 6 vidros, com as dimensões, cada um deles, de 1,10 x 0,90 m, o que podia ter causado graves danos em pessoas ou animais;

b) humidade em várias paredes exteriores, em particular junto dos vãos e com especial incidência nas janelas da cozinha e da sala de jantar, o que indicia deficiente remate da ligação entre caixilharia e ombreira das paredes e eventualmente deficiência na impermeabilização das fachadas; e humidade também no anexo construído no logradouro, nas suas paredes e teto, junto aos vãos da fachada;

c)fachadas: problemas com as soleiras/peitoris dos vãos de fachada e com os capeamentos em zinco originam a presença de água por detrás do sistema ETICS que, além de criarem patologias exteriores, originam também o aparecimento de eflorescências no exterior. Foi verificado o aparecimento de fungos nas fachadas, levando a crer que o revestimento final do sistema ETICS que foi aplicado não deverá possuir características anti-fúngicas, nem terá sido aplicado nenhum tratamento final com essa finalidade;

5.ºE deu como não provada a seguinte matéria:

“17. Que em 19/4/2021, no seguimento da missiva dos Autores de 22/3/2021, a Ré descolocou-se ao local da obra e o seu representante legal verificou os alegados defeitos, dando resposta aos que considerava passíveis de serem corrigidos e inclusive deu resposta aos elencados no artigo 10º da Petição Inicial:

- para o ponto a), relativo à guarda em vidro dos terraços, propôs-se a substituição do vidro partido do último piso e a aplicação de tirantes para fixar os vidros à parede, conforme dispõe o ponto 2.2. da ordem de trabalhos do referido documento;

- para o ponto b), propôs-se a correção das deficiências da tinta nas paredes interiores e rodapés, que se encontravam, em apenas alguns pontos, com humidade, alertando os Autores para o facto de que a habitação necessitava de ser mais ventilada;

- para o ponto c), relativo às fachadas, propôs-se efetuar uma lavagem com um jato de água, seguido de uma impermeabilização e de um acabamento com material plastene;

6.ºNo entanto, vejamos que, neste ponto 17, embora o auto elaborado pela recorrente seja confirmado pela sua prova testemunhal, o Tribunal a quo não podia ignorar que a prova cabal deste ponto é carreada para os presentes autos pelos próprios recorridos, pelo documento n.º 7 da petição inicial, intitulado “Auto de Reparação de Defeitos de Obra”, onde a recorrente indica as intervenções a realizar na habitação dos recorridos e que, à exceção da questão do soalho de madeira, dá como necessárias as reparações identificadas, posteriormente, pelo Perito, e que serviram de base à prova das alíneas a), b) e c), do ponto 9

7.ºDado que a matéria controvertida incide não só sobre a questão do soalho de madeira, mas também sobre as intervenções a realizar nos defeitos elencados nos autos em apreço, o Tribunal a quo, debruçando-se sobre a vontade de deslindar o presente litígio, teria dado como provado o ponto 17 da matéria de facto não provada, já que o mesmo se mostra cedido aos autos pelos recorridos, e se mostra necessário para esclarecer quais as intervenções que a recorrente deverá realizar na habitação dos recorridos.

8.ºRefira-se quanto a este assunto que a Testemunha CC esclareceu o Tribunal quanto à entrega de um papel ao recorrido, o mencionado auto, e que, por breves momentos, o mesmo terá autorizado as intervenções ali descritas, acabando por o vir a colocar fora da obra algum tempo depois, por considerar que as reparações deveriam ir além do que era suposto (Depoimento da Testemunha CC, ouvido na sessão de 07-12-2023, da audiência de discussão e julgamento, entre as 14:48 e as 14:58, cujo depoimento foi gravado e identificado com o código “Diligencia_19793-21.5T8PRT_2023-12-07_14-48-51”, minutos [00:01:58], [00:02:05], [00:02:26], [00:02:29)

9.ºO Tribunal a quo podia, e devia ter dado como provado o mencionado ponto 17 da matéria de facto não provada, já que a mesma se encontra, quer por intermédio dos recorridos, quer pelos depoimentos das testemunhas da recorrente, totalmente provado.

10.ºDeste modo, nesta matéria, se imporá a este Venerando Tribunal, dar como provado o ponto 17 da matéria dada como não provada, completando da seguinte forma as alíneas a), b) e c), do ponto 9, da matéria provada:

a)má execução de guarda em vidro dos terraços: guardas mal fixadas e de uma grande instabilidade por má aplicação, sendo que caíram 6 vidros, com as dimensões, cada um deles, de 1,10 x 0,90 m, o que podia ter causado graves danos em pessoas ou animais, pelo que se deverá proceder à substituição dos vidros partidos e à aplicação de tirantes para fixar os vidros à parede;

b) humidade em várias paredes exteriores, em particular junto dos vãos e com especial incidência nas janelas da cozinha e da sala de jantar, o que indicia deficiente remate da ligação entre caixilharia e ombreira das paredes e eventualmente deficiência na impermeabilização das fachadas, e humidade também no anexo construído no logradouro, nas suas paredes e teto, junto aos vãos da fachada, pelo que se deverá proceder à correção das deficiências da tinta nas paredes que se encontram com humidade.

c) fachadas: problemas com as soleiras / peitoris dos vãos de fachada e com os capeamentos em zinco originam a presença de água por detrás do sistema ETICS que, além de criarem patologias exteriores, originam também o aparecimento de eflorescências no exterior. Foi verificado o aparecimento de fungos nas fachadas, levando a crer que o revestimento final do sistema ETICS que foi aplicado não deverá possuir características anti-fúngicas, nem terá sido aplicado nenhum tratamento final com essa finalidade, pelo que se deverá efetuar uma lavagem com um jato de água, seguido de uma impermeabilização e de um acabamento com material plastene.

11.ºRelativamente à discordância indicada em 2.º das presentes conclusões, o Tribunal a quo deu como provado o seguinte: “9. Os defeitos comunicados e que se mantêm até hoje são:

d) aparecimento de bicho na madeira no soalho em todas as divisões revestidas a madeira [1º piso: quatro quartos, mais o hall; 2º piso: um quarto, mais o hall]; o pavimento em soalho apresenta várias zonas onde a madeira se encontra atacada por “bicho da madeira” e onde é visível serradura fina e pequenos buracos indicando contaminação. A situação é grave e, pelo facto de já se encontrar em vários pontos da casa, poderá indiciar que toda a madeira possa estar já contaminada, havendo ainda o risco de haver contaminação das madeiras das mobílias e roupeiros.”

12.ºFundamentando que: “o alastramento do bicho da madeira e a sua presença no soalho de todas as divisões revestidas a madeira, nos termos expostos na alínea d) do ponto 9) dos factos provados: também aqui, esta realidade factual, que vai mais longe do que a observada pelo Perito, foi dada a conhecer pelo Autor, o que se nos afigura não só lógico como plenamente justificado, tendo em conta o lapso temporal transcorrido entre a elaboração do relatório pericial e a audiência de julgamento [junho de 2022 e 7/12/2023, respetivamente].”

13.ºPorém, entende a recorrente que o Tribunal a quo não analisou devidamente toda a prova produzida e que, a este competia verificar não só o tempo decorrido entre a perícia e a audiência, mas também o tempo decorrido entre a primeira comunicação desses defeitos e a data da interposição da ação judicial.

14.ºNa comunicação de 23/09/2020 (Documento n.º 5 da Petição Inicial), os recorridos referem, a propósito do soalho em madeira, que “A situação só pode ser resolvida retirando-se a madeira toda e colocando-se uma nova que cumpra os requisitos do caderno de encargos.”

15.ºSeis meses depois, em 22/03/2021, os recorridos fazem nova comunicação à recorrente (Documento n.º 6 da Petição Inicial), onde referem: “Pavimento de madeira – apesar de o problema do bicho da madeira do soalho apenas ser ainda visível a olho nu em dois pontos distintos da casa, parece prudente que se proceda à substituição integral do soalho, pois caso a substituição seja apenas parcial, há o risco de, mesmo imunizando as restantes madeiras que se decida manter, o problema voltar a aparecer.”

16.ºO que se depreende da observância destes documentos é que os recorridos sempre pretenderam fazer a substituição integral do soalho, independentemente da desnecessidade de o realizar, conforme defende o Perito nomeado pelo Tribunal a quo.

17.ºO depoimento do Perito (gravado no sistema digital áudio em uso no Tribunal a quo, da sessão de 07/12/2023, entre as 10:14 e as 10:34, identificado com o código “Diligencia 19793-21.5T8PRT_2023-12-07_10-14-02”, minutos [00:01:35], [00:03:40], [00:04:08], [00:04:13], [00:04:15], [00:04:26]), veio esclarecer e reforçar a desnecessidade de substituir integralmente o soalho de madeira da habitação dos recorridos, sendo que, nas suas palavras, “as tábuas do soalho devem ser substituídas na medida da necessidade da reparação.”

18.ºPerante estas declarações, não se vislumbram motivos que levam o Tribunal a quo a decidir pela vontade amplamente explanada pelos recorridos – face à posição e interesse que estes têm na causa – em detrimento do depoimento isento do Perito, que, com base na sua aptidão técnica, constituiu prova atendível.

19.ºAlém de tudo isso, a decisão do Tribunal a quo não é esclarecedora, nem obedece a um acrescido dever de fundamentação.

20.ºA douta decisão que ora se impugna não obedece a regras da experiência comum e a critérios de lógica, nem fundamenta, cabalmente, o raciocínio do julgador.

21.ºO lapso temporal decorrido entre o relatório pericial e a audiência de discussão e julgamento é semelhante ao lapso temporal decorrido desde o início das comunicações entre as partes e o início dos presentes autos, pelo que lógico seria constatar que a evolução dos danos não acontece de forma tão galopante como a que os recorridos pretendem demonstrar.

22.º A verdade é que não ficou provado que a dimensão dos danos no soalho necessitasse obrigatoriamente de uma substituição integral do mesmo. Nem pela prova pericial, nem pela prova documental, nem pela prova testemunhal, se logrou fazer prova da necessidade da substituição integral.

23.ºConsidera a recorrente que o Tribunal a quo se baseou em meras especulações perpetradas pelos recorridos, o que não podia ter acontecido, já que, tem sido entendimento jurisprudencial que, seguindo o Tribunal um raciocínio diferente do raciocínio técnico do Perito, neste caso, ultrapassando as indicações deste, cabe-lhe um dever de fundamentação acrescido.

24.ºA propósito do valor probatório da perícia, o acórdão da Relação do Porto, de 08/02/2024, PAULO DIAS DA SILVA, seu relator, in www.dgsi.pt, diz o seguinte: A perícia tem como finalidade auxiliar o julgador na perceção ou apreciação dos factos a que há-de ser aplicado o direito, sempre que sejam exigidos conhecimentos especiais que só os peritos possuem.

À prova pericial há-de reconhecer-se um significado probatório diferente do de outros meios de prova, máxime da prova testemunhal.

25.ºQuanto ao dever de fundamentação acrescida, o acórdão da Relação de Coimbra, de 12/10/2021, CARLOS MOREIRA, seu relator, in www.dgsi.pt, explica o seguinte: A especial força probatória da prova pericial permite/exige que, em princípio – e salvo decisão, cabalmente justificada, do juiz em contrário –, os factos atinentes por ela não corroborados ou corroborados, não sejam, ou sejam, dados como provados.

26.ºO Tribunal incorreu numa errada apreciação da prova, preterindo a prova clara e isenta das declarações técnicas do Perito, nomeado pelo próprio Tribunal, para dar lugar à vontade dos recorridos, que não lograram fazer prova da dimensão dos danos que alegam, e que nunca permitiram quaisquer intervenções no imóvel, em virtude do desacordo quanto à questão do soalho.

27.ºA prova incidiu sobre a existência de bicho da madeira, em determinadas tábuas, identificáveis, e que, como tal, a substituição deve operar apenas nesses compartimentos e nessas tábuas danificadas.

28.ºPelo que, nesta matéria, se imporia – e imporá a este Venerando Tribunal – ter dado como provado relativamente ao ponto 9, alínea d), o seguinte:

9. d) aparecimento de bicho da madeira no soalho em algumas divisões do imóvel revestidas a madeira, devendo proceder-se à substituição das tábuas afetadas pelo bicho da madeira, concluindo com um tratamento preventivo em toda a madeira que compõe o chão da habitação.

29.ºConsiderou, ainda, o Mm.º Juiz a quo que o montante de € 5.000,00, a título de danos não patrimoniais, se mostra ajustado para compensar os meros incómodos sofridos pelos recorridos, em face dos defeitos da obra que necessitam de reparação.

30.ºTemos por certo que a factualidade em que se estriba o Tribunal a quo, constante da matéria de facto dada como provada, mais não consubstancia do que meros e pequenos incómodos, arrelias ou contrariedades.

31.ºPor seu turno, a doutrina e a jurisprudência, de forma unânime, têm-se pronunciado no sentido de que o preceito do artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil, deve ser interpretado por forma a que os simples incómodos ou contrariedades não justifiquem a indemnização por danos não patrimoniais.

32.ºOs recorrentes não sofreram qualquer dano moral que, pela sua relevância e gravidade, mereça a tutela do direito e, por isso, não se mostram com direito ao recebimento de qualquer indemnização a este título.

33.ºCite-se, a este propósito, o acórdão da Relação do Porto, de 08/06/2022, JOSÉ EUSÉBIO ALMEIDA, seu relator, in www.dgsi.pt, cuja fundamentação diz o seguinte: “Há um patamar de gravidade (importância/intensidade) a partir do qual – só a partir do qual –a compensação é legalmente atendível. Dito de outro modo e, de alguma maneira, deixando de lado a sistemática referência à interpretação a contrario da norma aqui em apreço, o que da mesma ressalta é que, “mais do que o propósito de excluir prejuízos de pequeno relevo – que sempre permitiria a reparação de danos dotados de um relevo mínimo – se procurou afirmar, de forma positiva, mas sem o recurso à indesejada enumeração, que os danos não patrimoniais pecuniariamente reparáveis são só os dotados de um significativo relevo”, ou seja, não só os danos não podem ser insignificantes” mas “devem ser dotados de gravidade.”

34.ºTambém, o acórdão da Relação do Porto, de 10/01/2022, MIGUEL BALDAIA DE MORAIS, seu relator, in www.dgsi.pt, no seu sumário diz o seguinte: “O dano não patrimonial não reside em factos, situações ou estados mais ou menos abstratos aptas para desencadear consequências de ordem moral ou espiritual sofridas pelo lesado, mas efetiva verificação dessas consequências.

A avaliação da gravidade do dano não patrimonial, para efeitos de compensação tem de aferir-se segundo um padrão objetivo.

A essa luz os meros transtornos, incómodos, desgostos e preocupações cuja gravidade e consequências se desconhecem não podem constituir danos não patrimoniais ressarcíveis.”

35.ºOs danos de natureza não patrimonial sofridos pelos recorridos não atingem o patamar de gravidade que os faça merecer compensação pecuniária.

36.ºOs recorridos não foram atingidos na sua saúde ou integridade física. A afeição dos recorridos pela sua habitação, que continuaram a habitar e a usufruir da mesma, pese embora não o tenham usufruído “no seu esplendor”, nomeadamente quanto ao terraço, aliado ao facto de terem filhos ainda menores de idade, não permite concluir pela existência de um dano não patrimonial com gravidade.

37.ºÉ natural e humano que se fique triste pelos defeitos de empreitada na sua habitação, e se fique aborrecido quando se vê a necessidade de reparar esses defeitos com recurso a obras, mas, objetivamente, não resulta mais do que isso da factualidade provada.

38.ºTodavia, ainda que se entenda que os meros incómodos dos recorridos devem ser ressarcidos pela recorrente – situação que se coloca a título hipotético e por mero dever de patrocínio e na qual não se concede – sempre será de ser reapreciado, por este Venerando Tribunal, o quantum fixado por danos não patrimoniais, já que o mesmo se afigura desmedido e desproporcional, não se mostrando observadas as legais exigências da boa-fé, dos bons costumes e da sua finalidade socioeconómica.

39.ºPor tudo o que vem exposto, a douta sentença recorrida violou, por má interpretação das provas, o disposto no artigo 607.º, n.º 3, n.º 4 e n.º 5, do Código de Processo Civil, tendo ainda feito má interpretação e aplicação do disposto no artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil, devendo, por isso, esta decisão ser revogada.


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II—Delimitação do Objecto do Recurso

As questões principais decidendas, delimitadas pelas conclusões do recurso, consistem em saber se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto nos pontos indicados e se os danos não patrimoniais não são compensáveis.


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III—FUNDAMENTAÇÃO

FACTOS PROVADOS (elencados na sentença)

1.Os Autores são proprietários e legítimos possuidores do prédio urbano sito na rua ..., Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o número ... e inscrita na urbana nº ....

2. A Ré é uma sociedade comercial por quotas cujo objeto social se prende com a construção, ampliação, transformação e restauro de edifícios; empreitada e subempreitada; atividades de acabamento, estucagem, revestimento de pavimentos, paredes e pintura.

3.Em 19/9/2017 foi celebrado entre as partes um contrato de empreitada para construção de uma moradia unifamiliar sita na rua ..., ..., no Porto, conforme documento nº 2 apresentado com a petição inicial, que aqui se dá por reproduzido.

4.De acordo com o referido contrato, o preço global da empreitada foi de € 222.555,10, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, e a empreitada iniciar-se-ia em 1/10/2017 e terminaria a 31/9/2018.

5.A obra decorreu com atrasos e, em 7/5/2020, realizou-se uma reunião para que fosse formalizada a receção provisória da obra.

6.Nessa reunião, onde estiveram presentes o Autor, o representante legal da Ré, DD, o arquiteto e o fiscal da obra, decidiu-se aceitar a obra de forma condicional, com a indicação no auto de todos os defeitos que a mesma continha, tendo o empreiteiro assegurado que iria corrigir os mesmos no prazo de 30 dias, conforme documento nº 3 apresentado com a petição inicial, que se dá aqui por reproduzido.

7.Em 13/8/2020, bem depois dos 30 dias concedidos para o efeito, foi rececionado um e-mail enviado pelo empreiteiro ao dono da obra, onde se assumia algumas das situações em falha, conforme documento nº 4 apresentado com a petição inicial, que se dá aqui por reproduzido.

8.Os Autores responderam, através de Mandatária, por carta datada de 23/9/2020, conforme documento nº 5 apresentado com a petição inicial, que se dá aqui por reproduzido.

9.Os defeitos comunicados e que se mantêm até hoje são:

a) má execução de guarda em vidro dos terraços: guardas mal fixadas e de uma grande instabilidade por má aplicação, sendo que caíram 6 vidros, com as dimensões, cada um deles, de 1,10 x 0,90 m, o que podia ter causado graves danos em pessoas ou animais;

b) humidade em várias paredes exteriores, em particular junto dos vãos e com especial incidência nas janelas da cozinha e da sala de jantar, o que indicia deficiente remate da ligação entre caixilharia e ombreira das paredes e eventualmente deficiência na impermeabilização das fachadas; e humidade também no anexo construído no logradouro, nas suas paredes e teto, junto aos vãos da fachada;

c) fachadas: problemas com as soleiras/peitoris dos vãos de fachada e com os capeamentos em zinco originam a presença de água por detrás do sistema ETICS que, além de criarem patologias exteriores, originam também o aparecimento de eflorescências no exterior. Foi verificado o aparecimento de fungos nas fachadas, levando a crer que o revestimento final do sistema ETICS que foi aplicado não deverá possuir características anti-fúngicas, nem terá sido aplicado nenhum tratamento final com essa finalidade;

Pintura das fachadas exteriores € 3.700 + IVA

Orçamento em contrato para Etics/Capoto € 7.306 + IVA

Chapas em muretes € 4.950 + IVA

d) aparecimento de bicho na madeira no soalho em todas as divisões revestidas a madeira [1º piso: quatro quartos, mais o hall; 2º piso: um quarto, mais o hall]; o pavimento em soalho apresenta várias zonas onde a madeira se encontra atacada por “bicho da madeira” e onde é visível serradura fina e pequenos buracos indicando contaminação. A situação é grave e, pelo facto de já se encontrar em vários pontos da casa, poderá indiciar que toda a madeira possa estar já contaminada, havendo ainda o risco de haver contaminação das madeiras das mobílias e roupeiros.

Neste caso, o valor orçamentado foi de € 3.649 + IVA = € 4.488,27, mas realizaram-se trabalhos extra contratados (mais um quarto), com o acréscimo de 30 m2, ficando assim o valor em cerca de € 5.068 € + IVA = € 6.233.

10. A reparação dos defeitos está estimada em cerca de € 27.000 + IVA, face ao orçamento inicial apresentado pelo empreiteiro para os vários itens em questão.

11. Após várias trocas de e-mails e cartas, decidiram os Autores levar a cabo uma vistoria aos defeitos da obra, cujo resultado comunicaram à Ré, em 24/3/2021, conforme documento nº 6 apresentado com a petição inicial, que se dá aqui por reproduzido.

12. Dessa comunicação constam os defeitos encontrados e o que pode ser feito, em termos técnicos, para a sua correção.

13. Em consequência dessa carta, a Ré envia aos Autores um e-mail, contendo um “auto de reparação de defeitos de obra”, onde assume algumas situações e refuta outras, comunicando que se irá deslocar ao local no dia 19/4/2021, conforme documento nº 8 apresentado com a petição inicial, que se dá aqui por reproduzido.

14. Apesar de várias vezes contactado para o efeito, o empreiteiro nunca mais apareceu nem contactou o dono da obra para resolver a situação, e não procedeu à correção dos defeitos da obra.

15. A empresa B... emitiu uma declaração datada de 28/10/2021 e produziu o orçamento ..., com a mesma data, conforme documento nº 10 apresentado com a petição inicial, que se dá aqui por reproduzido.

16. O Autor enviou à Ré um e-mail datado de 8/11/2021 e um outro datado de 17/11/2021, conforme documento nº 11 apresentado com a petição inicial, que se dá aqui por reproduzido.

17. Os Autores sofreram incómodos e perdas de tempo desnecessárias, ficaram impossibilitados de aproveitar e usufruir da sua habitação no seu esplendor, designadamente do terraço.

18. A habitação tem bicho da madeira, que já foi visto no chão.

19. A chave da habitação – moradia unifamiliar, que serve de residência habitual e permanente dos Autores e dos seus quatro filhos – foi entregue aos Autores em meados do início do mês de dezembro de 2018.

20. O auto de receção provisória da obra foi enviado para a Ré, via email, em 13/7/2020, conforme documento nº 3 apresentado com a contestação, que se dá aqui por reproduzido.

21. A Ré respondeu em 13/8/2020, conforme documento nº 4 apresentado com a contestação, que se dá aqui por reproduzido.

22. O Autor enviou à Ré novo email, em 28/1/2021, conforme documento nº 5 apresentado com a contestação, que se dá aqui por reproduzido.

23. A Ré respondeu, por carta datada de 5/2/2021, fazendo menção à deslocação à residência dos Autores no dia 17/2/2021, conforme documento nº 6 apresentado com a contestação, que se dá aqui por reproduzido.

24. A Ré enviou carta registada aos Autores, dando conhecimento de que se deslocaria ao local da obra no dia 19/4/2021, para verificar os alegados defeitos, comprometendo-se a elaborar um auto, conforme documento nº 7 apresentado com a contestação, que se dá aqui por reproduzido.


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Não provados:

1.Que os vidros dos terraços caíram, uma vez que foram aplicados vidros laminados e não temperados, como referia o caderno de encargos;

2.Que existia humidade em várias paredes interiores, a saber: cozinha, sala de jantar, no primeiro piso na zona dos quartos e wc e no segundo piso no quarto e corredor;

3.Que o representante da Ré, em 19/4/2021, afirmou perante o Autor que iria voltar para concluir o restante, mas nunca mais apareceu ou disse nada;

4.Que, recentemente, o portão de acesso à garagem da moradia avariou e o Autor contactou de imediato o Sr. EE, pessoa indicada pelo empreiteiro para ser contactado em caso de avaria;

5.Que este Sr. EE referiu que não teria disponibilidade para ver o portão e que o Autor teria de esperar 7 dias;

6.Que o Autor, como estava em causa uma questão de segurança da casa e das pessoas, contratou uma empresa para arranjar o motor, mas o mesmo voltou a avariar passado uns dias;

7.Que o Autor voltou a contactar o Sr. EE, que referiu que o motor não estava na garantia e que nada podia fazer;

8.Que o Autor, cansado de esperar pelo arranjo do portão, pagou o arranjo do portão, no valor de € 236,47.

9.Que apenas se prorrogou a entrega da chave por ordem de trabalhos extra que foram solicitados pelos Autores no decorrer da empreitada, bem como por atrasos no pagamento faseado da obra, que se traduziam na necessária paragem dos trabalhos;

10.Que os atrasos no pagamento aconteceram quatro vezes no decurso da execução da obra, e deram origem a, pelo menos, um atraso de dois meses na entrega da chave;

11.Que várias vezes foi demonstrado apreço, por parte dos Autores, face ao trabalho que estava a ser desenvolvido pela Ré;

12.Que a Ré, mesmo após a entrega da obra, sempre se prontificou a resolver incidências relacionadas com a obra;

13.Que em 29/11/2019, o Autor iniciou um ciclo de comunicações à Ré, enviadas por e- mail, onde relata diversos episódios relacionados com a habitação e que, alegadamente, estariam ligados à má execução dos trabalhos da Ré e que essas comunicações enviadas pelo Autor à Ré tiveram resposta, sempre com a brevidade possível e previsível de uma atividade profissional que, em grosso modo, não executa trabalhos administrativos e de escritório;

14.Que a Ré, nas suas respostas, sempre se propôs a resolver os problemas que considerava atendíveis, dada a responsabilidade legal que recai sobre o empreiteiro e que limitou a sua intervenção perante aquilo que não se encontra abrangido pela garantia da obra;

15.Que os Autores e o arquiteto do projeto, pai da Autora e sogro do Autor, decidiram elaborar um auto de receção provisória da obra, após uma reunião a 7/5/2020, e esse auto só foi enviado para a Ré, via email, em 13/7/2020 e, nessa altura, já a correção dos defeitos confirmada pelo representante legal da Ré tinha sido concretizada;

16.Que em 28/1/2021, o Autor voltou a enviar novo e-mail à Ré, que mereceu resposta cordial por parte desta, e nova intervenção agendada para o dia 17/2/2021, no sentido de corrigir as alegadas anomalias;

17.Que em 19/4/2021, no seguimento da missiva dos Autores de 22/3/2021, a Ré descolocou-se ao local da obra e o seu representante legal verificou os alegados defeitos, dando resposta aos que considerava passíveis de serem corrigidos e inclusive deu resposta aos elencados no artigo 10º da Petição Inicial:

- para o ponto a), relativo à guarda em vidro dos terraços, propôs-se a substituição do vidro partido do último piso e a aplicação de tirantes para fixar os vidros à parede, conforme dispõe o ponto 2.2. da ordem de trabalhos do referido documento;

- para o ponto b), propôs-se a correção das deficiências da tinta nas paredes interiores e rodapés, que se encontravam, em apenas alguns pontos, com humidade, alertando os Autores para o facto de que a habitação necessitava de ser mais ventilada;

- para o ponto c), relativo às fachadas, propôs-se efetuar uma lavagem com um jato de água, seguido de uma impermeabilização e de um acabamento com material plastene;

- para o ponto d), desde a resposta de 13/8/2020 ao auto de receção provisória da obra, a Ré fez questão de enviar as faturas da empresa responsável pelo fornecimento do soalho, bem como uma declaração onde o fornecedor indica que a madeira foi sujeita a tratamento incolor em autoclave e a tratamento térmico, seguindo assim todo o seu procedimento normal.

18.Que poderá ser causa do aparecimento do bicho da madeira o facto das mobílias colocadas no imóvel terem vindo de outra habitação;

19.E que tal terá difundido e agravado o problema;

20.Que foi proposto pela Ré, nas mesmas reuniões, a colocação de um produto de tratamento preventivo e curativo da madeira, da marca “XYLOPHENE-SOR 2 EXTREME”, tratamento para o qual necessitaria da aprovação e aceitação por parte dos Autores, o que nunca aconteceu, pois os Autores não quiseram nem autorizaram a Ré a executar a descrita intervenção na madeira;

21.Que a Ré ainda ponderou e, conforme descrito no auto de reparação de defeitos de obra, por precaução, propôs-se a substituir o soalho dos dois quartos da habitação que alegadamente se encontravam afetados pelo bicho da madeira;

22.Que o representante legal da Ré vistoriou o local da obra no já referido dia 19/4/2021 e foram iniciados os primeiros trabalhos;

23.Que, nesse dia, funcionários da Ré deslocaram-se à residência dos Autores e iniciaram alguns trabalhos, nomeadamente a lavagem da fachada com jato de água e a raspagem de algumas paredes interiores;

24.Que no dia seguinte, dia 20/4/2021, foi entregue ao Autor marido o auto de reparação de defeitos de obra, onde está descrita a ordem de trabalhos a realizar pela Ré, com um espaço para a indicação da data em que as diversas fases de execução dos trabalhos ficariam concluídas; que o Autor, através de mensagem escrita, enviada via WhatsApp ao representante legal da Ré, indicou ter recebido o auto, afirmando que para aquele dia 20/4/2021 aceitava a ordem de trabalhos, porém não dava autorização para prosseguir com as reparações sem que antes fossem informados do que iria ser realizado;

25.Que o portão de acesso à garagem dos Autores, instalado no ano de 2018, teve duas avarias consecutivas em meados de outubro e novembro de 2021;

26.Que na primeira avaria, contactado o Sr. EE, subcontratado pela Ré para executar o trabalho em apreço, o mesmo indicou que não tinha disponibilidade naquela semana para se deslocar a casa dos Autores para imediata resolução do assunto e que, perante isso, os Autores resolveram contratar uma empresa para resolver o problema, mas o mesmo voltou a avariar uns dias depois;

27.Que os Autores resolveram então contactar novamente o Sr. EE, através do WhatsApp, enviando de imediato o orçamento do arranjo do portão para o Sr. EE;

28.Que a Ré, em 18/11/2021, enviou uma comunicação por e-mail ao Autor, onde agendava para o dia 19/11/2021, pelas 11h30, uma vistoria ao local com o Sr. EE para dar seguimento ao problema reportado e que Autor responde à Ré, na mesma data, onde diz que “Venho ainda assim por este meio voltar a referir que a adjudicação do serviço de correção do defeito de montagem já foi adjudicado e tem agendamento para ser efetuado na tarde de amanhã.”;

29.Que, pelos Autores, sempre que alegavam um defeito, a Ré tinha no próprio dia de deslocar-se ao local para o resolver;

30.Que o Autor marido continuava a bombardear a caixa de e-mails da Ré, colocando pressão nas situações por forma a que tudo fosse resolvido quando e como queria;

31.Que todas estas situações incomodam a Ré na sua conduta profissional, que trabalha no ramo da construção civil há mais de 20 anos, respeita todas as normas e atua sempre de acordo com as regras do princípio da boa-fé;

32.Que nunca houve por parte dos Autores disponibilidade para aceitar as reparações providenciadas pela Ré;

33.Que os Autores, com toda esta situação, sentiram que estavam a ser enganados;

34.Que os Autores sentem vergonha com o estado atual da casa, com as paredes exteriores sem tinta porque o empreiteiro decidiu lavá-las para tratar das fachadas.


*

Da Modificabilidade da Decisão sobre a matéria de facto

Nos termos do artº. 662º. do Código de Processo Civil, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

A possibilidade que o legislador conferiu ao Tribunal da Relação de alterar a matéria de facto não é absoluta pois tal só é admissível quando os meios de prova revisitados apontam em sentido contrário ao decidido pelo tribunal a quo.

Cumpre ainda salientar que a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, para além de dever obedecer aos requisitos previstos no artigo 640.º do C.P.Civil, tem de revestir utilidade para a decisão da causa à luz das várias soluções plausíveis de direito, em conformidade com a orientação consolidada da jurisprudência nesta matéria que alude ao princípio da proibição de actos inúteis e ao pressuposto processual do interesse em agir.

À luz destas normas, cumpre reanalisar a decisão proferida sobre os factos em causa.

A Recorrente manifestou a sua discordância por terem sido declarados como provados os factos descritos nos pontos 9 alíneas a) a d) que se referem, em resumo, às desconformidades apuradas pelo tribunal e no ponto 17, dado como não provado.

Os factos em discussão são os seguintes:

9.Os defeitos comunicados e que se mantêm até hoje são:

a) má execução de guarda em vidro dos terraços: guardas mal fixadas e de uma grande instabilidade por má aplicação, sendo que caíram 6 vidros, com as dimensões, cada um deles, de 1,10 x 0,90 m, o que podia ter causado graves danos em pessoas ou animais;

b) humidade em várias paredes exteriores, em particular junto dos vãos e com especial incidência nas janelas da cozinha e da sala de jantar, o que indicia deficiente remate da ligação entre caixilharia e ombreira das paredes e eventualmente deficiência na impermeabilização das fachadas; e humidade também no anexo construído no logradouro, nas suas paredes e teto, junto aos vãos da fachada;

c) fachadas: problemas com as soleiras/peitoris dos vãos de fachada e com os capeamentos em zinco originam a presença de água por detrás do sistema ETICS que, além de criarem patologias exteriores, originam também o aparecimento de eflorescências no exterior. Foi verificado o aparecimento de fungos nas fachadas, levando a crer que o revestimento final do sistema ETICS que foi aplicado não deverá possuir características anti-fúngicas, nem terá sido aplicado nenhum tratamento final com essa finalidade;

Pintura das fachadas exteriores € 3.700 + IVA

Orçamento em contrato para Etics/Capoto € 7.306 + IVA

Chapas em muretes € 4.950 + IVA

d) aparecimento de bicho na madeira no soalho em todas as divisões revestidas a madeira [1º piso: quatro quartos, mais o hall; 2º piso: um quarto, mais o hall]; o pavimento em soalho apresenta várias zonas onde a madeira se encontra atacada por “bicho da madeira” e onde é visível serradura fina e pequenos buracos indicando contaminação. A situação é grave e, pelo facto de já se encontrar em vários pontos da casa, poderá indiciar que toda a madeira possa estar já contaminada, havendo ainda o risco de haver contaminação das madeiras das mobílias e roupeiros.

Neste caso, o valor orçamentado foi de € 3.649 + IVA = € 4.488,27, mas realizaram-se trabalhos extra contratados (mais um quarto), com o acréscimo de 30 m2, ficando assim o valor em cerca de € 5.068 € + IVA = € 6.233.

E, no ponto 17, deu-se como não provado:

17. Que em 19/4/2021, no seguimento da missiva dos Autores de 22/3/2021, a Ré descolocou-se ao local da obra e o seu representante legal verificou os alegados defeitos, dando resposta aos que considerava passíveis de serem corrigidos e inclusive deu resposta aos elencados no artigo 10º da Petição Inicial:

- para o ponto a), relativo à guarda em vidro dos terraços, propôs-se a substituição do vidro partido do último piso e a aplicação de tirantes para fixar os vidros à parede, conforme dispõe o ponto 2.2. da ordem de trabalhos do referido documento;

- para o ponto b), propôs-se a correção das deficiências da tinta nas paredes interiores e rodapés, que se encontravam, em apenas alguns pontos, com humidade, alertando os Autores para o facto de que a habitação necessitava de ser mais ventilada;

- para o ponto c), relativo às fachadas, propôs-se efetuar uma lavagem com um jato de água, seguido de uma impermeabilização e de um acabamento com material plastene;

Pretende que sejam completadas as respostas dadas ao ponto 9, als. a) a c) com fundamento no “Auto de Reparação de Defeitos de Obra”, junto pelos Autores, no qual se descrevem as intervenções a realizar na habitação dos Recorridos e que, nas palavras da Recorrente, dá como necessárias as reparações identificadas, posteriormente, pelo Perito.

Sobre o ponto 9, o tribunal fundamentou, como devia, a resposta no relatório pericial, no seu aditamento e nos esclarecimentos prestados em audiência pelo Perito, que confirmaram tal factualidade.

Acrescentou, para além de explicar a fundamentação de cada alínea do ponto 9, que “(…) o relatório pericial se encontra profusamente ilustrado por fotografias, que acabam por reforçar a credibilidade das conclusões aí consignadas.”

O documento indicado pela Recorrente nenhum relevo assume para a decisão da causa, para além do reconhecimento dos defeitos, por se limitar a descrever as alegadas propostas de intervenção para solucionar os defeitos reclamados pelos Recorridos.

Como a própria Recorrente reconheceu, a testemunha CC esclareceu o Tribunal (sobre a entrega do auto) que o Recorrido, após ter considerado aceitar, mas por pouco tempo, as intervenções sugeridas, depois mudou de opinião por entender que essas reparações não eram suficientes.

O Tribunal esclareceu, sobre esta questão que “(…) desde logo, não se sabe se o documento nº 8 apresentado com a petição inicial foi elaborado pela Ré no contexto e/ou na sequência da visita à residência dos Autores no dia 19/4/2021 ou, por exemplo, se o mesmo representa uma súmula elaborada pela Ré das várias queixas que tinham sido feitas pelos Autores.

Aliás, não se sabe se essa visita chegou a ter lugar ou não.

Ainda assim, cremos ser licito concluir que a sua não assinatura acaba por espelhar a existência de litígio entre as partes, designadamente no que toca ao método de reparar as ditas patologias: ou seja, se a Ré pretendia apenas reparações “minimalistas” e/ou se os Autores, por sua vez, pretendiam reparações o mais abrangentes possíveis.

Seja como for, em termos objetivos, ou seja, quanto ao reconhecimento dessas patologias, por parte da Ré, entende-se que o teor desse documento consente uma resposta favorável.”

Portanto, neste particular, não se impõe qualquer alteração.

Relativamente à alínea d) do mencionado ponto 9, a Recorrente manifestou o seu inconformismo, argumentando, em síntese, que não é necessário substituir todo o soalho de madeira, E que a concussão contrária apenas se baseou na opinião dos Recorridos e não no relatório pericial.

No relatório pericial sobre esta questão consignou-se:

“Confirma-se que o pavimento apresenta tábuas do soalho, com bicho da madeira, de forma dispersa e diversa, tal como se documenta com as 6 fotografias seguintes.

Quanto ao valor peticionado, afigura-se adequado, uma vez que é reclamada a substituição integral dos soalhos e por inspeção visual, não se consegue saber se é parte ou totalidade dos pavimentos que está afetada, pelo que se considera seguro a sua substituição/reparação.”(sublinhado nosso)

Na audiência de julgamento o Sr. Perito confirmou o seu relatório e esclareceu que bastará a substituição das tábuas que se encontram afectadas com o bicho da madeira. Em relação às outras tábuas devem ser tratadas, na sua opinião, com um produto para evitar esta patologia. No entanto, não pôde garantir que as tábuas sem marcas de infestação não possam também ter o bicho da madeira que ainda não se manifestou. Verificou a existência do bicho da madeira no 1.º andar em quase todos os compartimentos com soalho de madeira.

A este respeito o tribunal a quo alicerçou a sua convicção no seguinte:

“O Autor prestou declarações de parte.

As suas afirmações foram naturalmente analisadas com muita cautela, em face da sua posição e interesse na causa.

Convém notar que na sua intervenção em audiência procurou sempre esclarecer o Tribunal, tendo respondido de forma espontânea e genuína.

Foi visível o seu empenho em habilitar o Tribunal a perceber o que se passou, de modo coerente e lógico e o relato que fez dos acontecimentos foi sólido e consistente.

E, para esta factualidade [ponto 9) e as suas diversas alíneas], o seu contributo permitiu ao Tribunal obter uma imagem mais atualizada e completa, (…); e, por fim, o alastramento do bicho da madeira e a sua presença no soalho de todas as divisões revestidas a madeira, nos termos expostos na alínea d) do ponto 9) dos factos provados: também aqui, esta realidade factual, que vai mais longe do que a observada pelo Perito, foi dada a conhecer pelo Autor, o que se nos afigura não só lógico como plenamente justificado, tendo em conta o lapso de tempo transcorrido entre a elaboração do relatório pericial e a audiência de julgamento [junho de 2022 e 7/12/2023, respetivamente].”

Acrescentamos que o Autor revelou ter declinado a proposta de tratamento da madeira com químicos até porque na habitação residem os seus filhos, menores, um deles, na altura, recém nascido.

Ora, conjugando o relatório pericial, os esclarecimentos do Sr. Perito e as declarações (lógicas e coerentes com o lapso temporal de seis meses entre a visita do Perito e o julgamento) do Autor, concorda-se inteiramente com o raciocínio e fundamentação do Mmo. Juiz.

Face às razões aduzidas não se impõe a pretendida alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto.


*

IV-DIREITO

A única questão de direito suscitada no recurso prende-se com a compensação dos danos não patrimoniais.

Os Autores celebraram com a Ré um contrato de empreitada, visando a construção de uma moradia unifamiliar na rua ..., ..., Porto (cfr. art. 1207º do Código Civil).

Os Autores pediram, como compensação pelos danos não patrimoniais sofridos, uma compensação de € 10.000.

Do elenco da factualidade apurada não há dúvida que a Ré executou defeituosamente a sua prestação uma vez que, para além da má instalação das guardas em vidro nos terraços, ficaram provadas diversas patologias: humidade em várias paredes exteriores, em particular junto dos vãos e com especial incidência nas janelas da cozinha e da sala de jantar, o que indicia deficiente remate da ligação entre caixilharia e ombreira das paredes e eventualmente deficiência na impermeabilização das fachadas; e humidade também no anexo construído no logradouro, nas suas paredes e teto, junto aos vãos da fachada; nas fachadas: problemas com as soleiras/peitoris dos vãos de fachada e com os capeamentos em zinco originam a presença de água por detrás do sistema ETICS que, além de criarem patologias exteriores, originam também o aparecimento de eflorescências no exterior. Foi verificado o aparecimento de fungos nas fachadas, levando a crer que o revestimento final do sistema ETICS que foi aplicado não deverá possuir características anti-fúngicas, nem terá sido aplicado nenhum tratamento final com essa finalidade; e aparecimento de bicho na madeira no soalho em todas as divisões revestidas a madeira [1º piso: quatro quartos, mais o hall; 2º piso: um quarto, mais o hall]; o pavimento em soalho apresenta várias zonas onde a madeira se encontra atacada por “bicho da madeira” e onde é visível serradura fina e pequenos buracos indicando contaminação. A situação é grave e, pelo facto de já se encontrar em vários pontos da casa, poderá indiciar que toda a madeira possa estar já contaminada, havendo ainda o risco de haver contaminação das madeiras das mobílias e roupeiros.

Os Autores sofreram incómodos e perdas de tempo desnecessárias, e ficaram impossibilitados de aproveitar e usufruir da sua habitação no seu esplendor, designadamente do terraço.

O tribunal a quo alicerçou a decisão nesta matéria na jurisprudência aí citada, e considerou graves os danos não patrimoniais sofridos pelos Autores, razão pela qual conferiu uma compensação de € 5.000,00 (€2500 a cada Autor).

Por seu turno, a Recorrente defende a solução oposta, ou seja, que não se justifica a atribuição dessa compensação aos Autores.

No âmbito da responsabilidade contratual a jurisprudência tem reiterado a admissibilidade da compensação dos danos não patrimoniais, desde que, pela sua gravidade, mereçam tutela (art. 496.º, n.º 1 do CC).

Nesta matéria, A. Varela[1] ensinava que “…há outros prejuízos (como as dores físicas, os desgostos morais, os vexames, a perda de prestígio ou de reputação, os complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a perfeição física, a honra ou o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização.”

O montante da compensação dos danos não patrimoniais é fixado equitativamente pelo tribunal tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º--v. n.º 4 do citado preceito legal.

O ressarcimento destes danos sempre foi enquadrado pela doutrina e jurisprudência numa vertente compensativa[2], compreendendo todos os danos que não estejam abrangidos no grupo dos danos patrimoniais, não devendo ser meramente simbólica, miserabilista, nem a sua atribuição arbitrária.[3]

Como quer que seja, a sua fixação depende de um juízo de equidade, sendo que esta, segundo o Dr. Dario de Almeida[4] não equivale ao arbítrio; é mesmo a sua negação. A equidade é uma justiça de proporção, de adequação às circunstâncias, de equilíbrio, que encontra a sua finalidade especifica na (...) razoabilidade, isto é, dentro daqueles comandos ditados pelo bom senso, como expressão natural da razão.

A impossibilidade de os Autores usufruírem da sua habitação, como seria normal, resulta dos problemas de humidades na cozinha e na sala de jantar, da falta de algumas guardas de vidro nos terraços e do soalho de madeira se encontrar afectado por bicho.

Neste particular, concordamos também com a decisão no sentido de que estamos perante uma situação que ultrapassa os meros incómodos, demandando compensação adequada.

No Acórdão deste Tribunal e secção, que relatámos, de 20/02/2024[5]reconheceu-se a gravidade dos danos patrimoniais sofridos pela dona da obra em consequência do abandono da obra pelo empreiteiro sem condições de habitabilidade e com defeitos.

O tribunal a quo, por entender que o presente caso é similar ao que foi analisado no aresto do Supremo Tribunal de Justiça de 13/02/2009 subscreveu o entendimento que citou: “que, no caso, se ultrapassou a barreira dos simples incómodos e aborrecimentos inerentes à grande maioria das obras de remodelação de um prédio, de modo que a inquietação, a angústia e o receio pela sua própria saúde não possam ser considerados, como álea inerente à empreitada em questão. Estamos, assim, de pleno, perante um dano de natureza não patrimonial merecedor de tutela indemnizatória”.

No que concerne à noção de gravidade do dano, o Acórdão do STJ, de 24/01/2012[6], citando o Acórdão desse Tribunal e secção, de 25.05.2007, pº nº07A1187 esclareceu que “dano grave não terá que ser considerado apenas aquele que é “exorbitante ou excepcional”, mas também aquele que “sai da mediania que ultrapassa as fronteiras da banalidade. Um dano considerável que, no seu mínimo, espelha a intensidade de uma dor, duma angústia, dum desgosto, dum sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se torna inexigível em termos de resignação” – ac. de 5/6/79, CJ IV, 3, 892.”

Ainda sobre esta questão, o recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13/12/2022[7] é, na nossa perspectiva, clarificador: “Sem prejuízo de ser por vezes referido que transtornos, incómodos e contrariedades inerentes “à vida” e à execução dum contrato não revestem a gravidade objetiva que justifique a tutela do direito em termos de ressarcimento por indemnização compensatória; para o que também se argumenta que quem vai para um contrato (de empreitada) sabe que pode ter pela frente incómodos e riscos de não cumprimento e mau cumprimento, que se coloca numa situação em que a sua sensibilidade/suscetibilidade relativamente a tais situações tem que estar “endurecida”.

A verdade é que, noutro e diverso registo argumentativo, que reputamos como mais certeiro, pode/deve ocorrer a reparação de danos não patrimoniais decorrentes do incumprimento de obrigações contratuais se se descortinar uma conexão entre os danos não patrimoniais e o vínculo obrigacional em causa, de forma a poder concluir-se que os mesmos se compreendem ainda na órbita do vínculo assumido pelas partes.(sublinhado nosso)

O que deve considerar-se como sendo o caso: a remodelação dum apartamento para nele passar a habitar em permanência constitui uma situação jurídica objetivamente funcionalizada a interesses de índole não patrimonial, pelo que o incumprimento por parte da R/empreiteiro da obrigação de realizar a obra sem defeitos determina, em face dos concretos defeitos verificados e das consequências dos mesmos para o dono da obra, a responsabilização do R/empreiteiro por danos não patrimoniais, uma vez que foram afetados a qualidade do gozo do apartamento por parte do dono da obra e os interesses não patrimoniais que lhes estão ligados.”

Em suma, os danos não patrimoniais neste caso concreto merecem a tutela do direito e o quantum fixado pelo tribunal, segundo critérios de equidade e atendendo a casos análogos, mostra-se ajustado às circunstâncias apuradas.

Improcede, pelas razões aduzidas, o recurso.


*

V-DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso, e em consequência, confirmam a sentença.

Custas pela Recorrente.

Notifique.


Porto, 25/2/2025
Anabela Miranda
Márcia Portela
Artur Dionísio Oliveira
______________
[1] Das Obrigações em Geral, vol. I, 5.ª edição, pág. 561.
[2] v. Pessoa Jorge, Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, pag. 375 e ainda Varela, João de Matos Antunes, Das Obrigações em Geral, vol. I, 5.ª edição, pág. 562 e segs., Telles, Inocêncio Galvão, Direito das Obrigações, 6.ª edição, pág. 375; Cordeiro, António Menezes, Direito das Obrigações, 2.º volume, 1990, pág. 285.
[3] É esta a orientação seguida pelo STJ, indicando como exemplo, entre muitos, o Acórdão de 24.04.2013 disponível no site www.dgsi.pt.
[4] v. Manual de Acidentes de Viação; sobre o conceito de equidade; v., entre outros, o Acórdão do STJ de 20.03.2014 disponível em www.dgsi.pt.
[5] Disponível em www.dgsi.pt
[6] Rel. Martins de Sousa disponível em www.dgsi.pt.
[7] Rel. António Barateiro Martins; no mesmo sentido v. Acs do STJ de 18/12/2003-Rel. Luís Fonseca, 24/01/2012-Martins de Sousa, e 19/12/202-Maria Olinda Garcia; Rel. Coimbra Acs. 29/11/2011 (Rel. Carlos Querido) e 14/03/2017 (Rel. Luís Filipe Cravo); Rel Évora Ac. de 08/02/2007 (Maria Alexandra Santos) disponível em www.dgsi.pt.;