I - Os pressupostos para decretar a providência cautelar comum, prevista no art.º 362º CPC, são fundamentalmente dois:
- que o requerente seja titular de um direito;
- que esse direito esteja ameaçado de lesão grave e de difícil reparação.
II - Para que se mostrem preenchidos os pressupostos, quanto ao primeiro basta um juízo de verosimilhança ou probabilidade e no que respeita ao segundo, um juízo de certeza, de verdade, de realidade.
III - Recai sobre o Administrador do Condomínio a obrigação de proceder à reparação dos danos causados na fração do prédio, por efeito de inundação com origem no telhado, por ser quem tem o dever de conservação das partes comuns do prédio (art.º 1436º/g), 1421º, 493º/1 CC).
IV - O risco de lesão grave e dificilmente reparável do direito verifica-se quando ocorrem infiltrações de água que atingem o sistema elétrico e causam o descolamento da tinta nos tetos.
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I. Relatório
No presente procedimento cautela comum, em que figuram como:
- REQUERENTE: AA, viúva, residente na Avenida ..., 6º Direito, Gondomar; e
- REQUERIDA: Administração Condomínio do Edifício sito na Avenida ..., ..., em Gondomar (...), nas pessoas de BB (Administrador), residente na Avenida ..., ..., 3.º esq.; CC (Vice-Presidente), residente na Avenida ..., n.º ... 2º esq. e de DD (Vice-Presidente), residente Avenida ..., n.º ... 1º esq., em Gondomar.
veio a requerente pedir a condenação da requerida, nos seguintes termos:
a) Sejam os Administradores do condomínio notificados para fornecer, com urgência, à Requerente a informação relativa a apólice de seguro do condomínio e a abertura formal de um processo de sinistro para a reparação dos danos causados pelas infiltrações.
b) Serem os Requeridos notificados para realizar, com caráter imediato, as obras necessárias para solucionar as infiltrações de água e reparação dos danos causados, especialmente nas áreas afetadas pela humidade e no sistema elétrico, sem prejuízo da responsabilidade civil e criminal que possa resultar do atraso na resolução.
c) Seja ordenada a realização de perícia técnica urgente para avaliar o estado estrutural do imóvel e o impacto das infiltrações na segurança elétrica e na saúde da Requerente.
d) Seja ordenada uma avaliação médica total urgente da Requerente, para avaliar o impacto da exposição prolongada a mofo, amianto e outras condições insalubres desde a última avaliação médica realizada a 26 de setembro de 2024.
e) Seja a Administração do Condomínio responsável pelos custos resultante da relocalização da Requerente – durante o período em que durar a reparação estrutural do imóvel.
f) Serem os Requeridos, de forma solidários, condenados a pagar sanção pecuniária compulsória, (a fixar pelo tribunal), para garantir o cumprimento das ordens do tribunal, fixando uma multa diária caso os Administradores não cumpram a decisão dentro do prazo estipulado.
Alegou para o efeito, que a requerente, é proprietária do imóvel localizado no 6º andar direito do edifício situado na Avenida ..., Gondomar. A Requerente tem setenta anos, é viúva, e vive sozinha.
Desde o dia 26 de setembro de 2024, a habitação da Requerente tem sido severamente afetada por infiltrações de água, que resultaram em graves danos na estrutura do imóvel e no seu recheio, afetando ainda de forma crítica o circuito elétrico, com risco de curto-circuito e eletrocussão.
A situação causou o escorrimento de água pelos tetos e paredes, afetando todas as divisões do imóvel, nas quais se inclui a sala, a zona da marquise, a zona da casa de banho, e quartos.
De imediato, a requerente, através de mandatário contactou a Administração do condomínio – por email e por carta registada com aviso de receção – no sentido, não apenas de indicar os danos de que a mesma padecia, mas igualmente para que fossem desencadeadas as medidas urgentes com vista à resolução do problema e reparação dos danos.
Para além dos danos materiais (visíveis a olho nu), a exposição à poeira de amianto e à humidade tem colocado em risco a saúde da requerente, que é idosa; agravado o risco de problemas respiratórios e infeções de pele, devido à presença de esporos de mofo – facilmente detetáveis em vários pontos da habitação.
Mais alegou que desde o dia 26/09, que a situação do imóvel e o risco para a saúde se tem vindo a agravar, não tendo, até então a Administração realizado qualquer ação, como é seu dever.
Até ao dia 26/09/2024, a Requerente encontrava-se em “ótimo estado de saúde física, mental e espiritual”, conforme Declaração Emitida, por EE.
Perante esta passividade, a Requerente, através do seu mandatário, contactou os Administradores do condomínio por diversas ocasiões: através de comunicação escrita materializado com envio de email (para o endereço ..........@.....) – e ainda por cartas registadas com aviso de receção (datadas de 26/09/2024, 03/10/2024 e 08/10/2024); e até através de contacto telefónico, sem que tenha sido possível obter uma resposta concreta nomeadamente, no que respeita aos dados de seguro e plano de intervenção.
Mais alegou que no dia 10/10/2024, a Requerente, através do seu mandatário solicitou à Câmara Municipal ..., Pedido de Avaliação de Insalubridade Habitacional. No dia 11/10/2024, esteve no local, o Sr. FF, perito da companhia A... – Companhia de Seguros S.A., o qual constatou a situação do imóvel tendo o mesmo emitido correspondente relatório. No dia 13/10/2024, a PSP esteve presente no local, constatando os danos. No mesmo dia, 13/10/2024, GG, filho da Requerente, enviou, uma mensagem formal via «WhatsApp» para os três Administradores do condomínio, com a descrição dos danos, anexando cópias das cartas enviadas pelo Advogado. A referida mensagem, apesar de ter sido visualizada pelos Administradores, mas não tomaram qualquer diligência, tendo inclusivamente os Administradores optado por sair da conversa.
Apesar de todos estes esforços, até à presente data, os Administradores do condomínio não tomaram medidas para resolver os problemas urgentes, nem ativaram o seguro do condomínio.
Por fim, sustenta a sua pretensão no regime previsto no art.º 1436º, no seu n.º 1, alínea r) do Código Civil – na redação dada pela Lei 8/2022 de 10/01. 18. A (falta de) atuação por parte da Administração do Condomínio, faz incorrer o Administrador de Condomínio em responsabilidade, porquanto o mesmo está obrigado a intervir em situações de urgência que coloquem em risco a segurança dos condóminos.
Considerou que perante o risco iminente de danos irreparáveis e de perigo para a vida da Requerente, a aplicação de uma providência cautelar é indispensável para garantir a sua segurança e a resolução dos danos no imóvel e de reparação dos danos já verificados ou que se venham a verificar.
Termina por requerer a inversão do contencioso, caso a natureza da presente providência se mostre adequada a realizar a composição definitiva do litígio, dispensando a requerente do ónus de propositura de ação principal de que esta providência está dependente.
Por exceção, suscita o erro na forma de processo, por entender face aos pedidos formulados e deixando de fora os pedidos que são meros pedidos de produção de prova e que nada tem a ver com o objeto da providência cautelar apresentada (realização de perícia técnica para avaliar o estado estrutural do imóvel e o impacto das infiltrações na segurança elétrica e na saúde da Requerente e uma avaliação médica da Requerente, para avaliar o impacto da exposição prolongada a mofo, amianto e outras condições insalubres), os pedidos formulados são característicos da que seria a ação principal e não do procedimento cautelar, esquecendo a instrumentalidade e provisoriedade do mesmo.
Mais alegou que os factos enunciados no requerimento inicial como causa de pedir prestam-se a sustentar aqueles pedidos formulados. Os efeitos jurídicos enunciados pela Requerente não são consentâneos com o procedimento cautelar. Os pedidos formulados traduzem-se na pretensão definitiva de satisfação dum direito ou interesses da Requerente, e não na salvaguarda provisória desses, o que contraria a finalidade dos procedimentos cautelares.
É em função da providência jurisdicional concretamente solicitada pela Requerente em juízo que o juiz deve aferir da propriedade e da adequação do meio processual por ele escolhido. Os pedidos formulados (com exceção dos pedidos de produção de prova) só poderiam ser apreciados e decididos em processo declarativo comum e não em procedimento cautelar não sendo consentâneo como tal meio processual, pelo que estamos perante nulidade do erro na forma do processo. Atenta a natureza do facto que subjaz a tal erro - desadequação substancial dos pedidos face ao meio processual utilizado - não se torna viável o aproveitamento de quaisquer atos do processo, tendo em vista a sua aproximação à forma adequada, implicando assim a anulação de todo o processo.
Mais alegou não estarem reunidos os pressupostos para a inversão do contencioso, por entender que só é admissível se a tutela cautelar puder substituir a definitiva, o que não acontece.
Alegou, ainda, que não se verifica um dos pressupostos para ser decretada a providência: a “probabilidade séria da existência do direito”.
O seu preenchimento exige no caso concreto a existência de uma obrigação legal e/ou contratual que imponha a realização de obras na fração autónoma da Requerente e dos factos alegados pela requerente não resulta a verificação de tal pressuposto.
O construtor responsável pela obra no telhado do imóvel, onde se insere a fração da Requerente, foi a empresa “B..., Lda.” – como, aliás, é do conhecimento da Requerente e disso foi informada. Também é do conhecimento da Requerente – como bem foi informada –, que aquela empresa assumiu, desde logo, todos os prejuízos causados, devidamente comprovados, aos condóminos (incluindo a Requerente), bem como já efetuou a devida participação ao seu seguro.
A responsabilidade do sinistro que sucedeu no imóvel, causando danos a diversos condóminos, nomeadamente nas frações imediatamente abaixo do telhado objeto das preditas obras, seria sempre da empresa construtora responsável pela obra, como, a mesma já assumiu e disso deu conhecimento à Requerente.
Não existe, quanto ao Requerido, a aparência do direito invocado pela Requerente, devendo consequentemente o presente procedimento cautelar ser julgado improcedente.
Mais alegou que não se mostra suficientemente fundado o receio de uma lesão no período de tempo que medeia até à prolação da decisão final. Os factos que a requerente alegou não são do conhecimento pessoal da requerida.
Os factos pela mesma alegados no seu artigo 7. “(...) que a situação do imóvel e o risco para a saúde se tem vindo a agravar...” não correspondem a danos irreversíveis. Os danos em causa nos presentes autos cautelares nem se caracterizam como uma lesão grave e/ou dificilmente reparável, uma vez que a decisão proferida no processo principal, a ser procedente a ação proposta, poderá condenar o Requerido na reparação da origem dos danos causados à fração da Requerente - o que, aliás, já foi feito - e à realização de obras para eliminação dos prejuízos ou ao pagamento das obras necessárias para reparar os danos no interior da fração daquela (estes sempre devidamente comprovados) - o que, também, já foi assumido pela empresa construtora responsável pela obra.
Face a assunção de responsabilidade por parte da empresa construtora da obra, o Requerido numa eventual ação principal a ser proposta contra si pela Requerente, teria sempre e necessariamente direito a lançar mão de uma intervenção provocada da referida empresa construtora.
Considera que com facilidade se pode verificar que estamos perante um dano
facilmente reparável, que inclusive a origem do seu problema – obras do telhado – já se encontram totalmente concluídas, e quanto aos danos da fração da Requerente já encontram em curso todas as diligências com vista à eliminação dos danos que se vierem a comprovar, não se verificando o pressuposto do periculum in mora.
Aceitou que a requerente é a proprietária e reside na fração indicada na petição e que no dia 26 de setembro de 2024, a habitação da requerente ficou afetada por infiltrações de água e ainda que de imediato, a Requerente, através de mandatário contactou a Administração do condomínio – por email e por carta registada com aviso de receção – no sentido, não apenas de indicar os danos de que a mesma padecia mas igualmente para que fossem desencadeados as medidas urgentes com vista à resolução do problema e reparação dos danos. E ainda, que a Requerente, através do seu mandatário, contactou os Administradores do condomínio por diversas ocasiões através de comunicação escrita materializado com envio de email (para o endereço ..........@.....) – e ainda por cartas registadas com aviso de receção (datadas de 26/09/2024, 03/10/2024 e 08/10/2024); e através de contacto telefónico.
Impugnou os demais factos alegados pela requerente relacionados com a extensão da infiltração e danos.
Mais alegou que a demonstrar-se tal factualidade, todos os danos decorrentes de tal atuação sobre o imóvel sempre importarão a exclusão de responsabilidade do Requerido, pois não foi o causador dos mesmos.
Mais alegou que na Assembleia de Condóminos realizada em 16 de fevereiro de 2024, foi aprovada a deliberação para realizar uma obra de intervenção no telhado no imóvel, onde se insere a fração da Requerente, a ser executada pela sociedade construtora B..., Lda. Ainda naquela Assembleia, foi deliberada a eleição da Administração do Condomínio para o exercício do ano de 2024, sendo essa administração eleita exercida por condóminos, por um Presidente e dois Vice-Presidentes. As referidas deliberações são do conhecimento da Requerente. A obra a realizar tinha por objetivo a remoção das telhas existentes em fibrocimento por telhas sandwich.
Alegou, ainda, que na madrugada do dia 25/09 para o dia 26/09, na obra em curso ocorreu uma situação imprevista e completamente alheia ao Requerido. Fruto de chuvas fortes que assolaram a região onde está situado o imóvel originou entrada de água da chuva nas habitações dos últimos pisos, onde se inclui a fração da Requerente, uma vez que as telhas de fibrocimento estavam retiradas pela empresa construtora, não estando as telhas de substituição ainda no local. No seguimento de tal episódio, no dia 27/09 o advogado da Requerente enviou uma mensagem para o Administrador do Requerido a relatar o que se passava na fração da sua cliente, tendo aquele respondido ao mesmo, por comunicação, via e-mail, datada de 30/09/2024, no seguinte sentido: lamentar o incómodo e o prejuízo causado à Requerente; explicar a razão de tal sinistro, sendo que o mesmo não estava na equação de ninguém; que no dia 26/09, pela manhã, que o próprio e dois colaboradores da empresa construtora “B...” deslocaram-se a todas as frações para se inteirar dos danos e proceder a uma primeira ajuda no que respeitava à parte elétrica, incluindo a fração da Requerente; que foi apresentado a todos os condóminos desculpas pelo sucedido e, ainda, que todos foram informados que iria ser assumido todos os custos pelos danos sofridos; que a empresa responsável pela obra já havia acionado o seguro de responsabilidade civil; que era necessário aguardar um período de tempo, para que todas frações secassem nomeadamente as paredes, para iniciarem as obras de reparação dos danos.
A Requerente foi informada e concordou com as diligências a levar a cabo.
No dia 02 de outubro de 2024, a Requerente, através do seu mandatário, enviou um e-mail a informar o Administrador do Requerido que a fração da Requerente estava em risco de eletrocussão. De imediato, naquele mesmo dia, o Administrador do Requerido deslocou-se a casa da Requerente acompanhado de pessoa habilitada para o efeito, e foram feitas todas as reparações inerentes à situação em apreço, deixando de existir qualquer risco, no que à eletricidade dizia respeito, dando conhecimento dessa situação ao mandatário da Requerente.
Mais referiu que as obras de reabilitação do telhado do imóvel - causa da origem da entrada de águas nas frações adjacentes ao telhado, mormente as do 6.º piso -, já se encontram totalmente concluídas pela empresa construtora contratada pelo Requerido, inexistindo atualmente qualquer fator do telhado, nomeadamente vãos abertos ou ausência de telhas, que possam originar infiltrações.
Em relação aos outros danos provocados no interior das frações (onde se inclui a Requerente), sempre que devidamente comprovados foi, também, assumida a reparação/eliminação dos mesmos pela empresa construtora responsável pela obra, estando inclusive em curso todas as diligências com vista à referida eliminação dos danos.
Mais alegou que atenta a assunção de responsabilidade por parte da empresa construtora da obra, o Requerido na eventual ação principal a ser proposta contra si pela Requerente, nunca poderia ser responsabilizado por tais danos, logo, não teria o Requerido que acionar a apólice do seu seguro, uma vez que já havia ficado claro para todos de quem era a responsabilidade do sucedido, sendo do perfeito conhecimento dos condóminos, não podendo, nesse sentido, o Requerido satisfazer o peticionado pela Requerente, sendo da responsabilidade da empresa construtora acionar o respetivo seguro como, aliás, veio a suceder.
Mais alegou que a requerente não faz prova cabal do nexo de causalidade entre a ocorrência das infiltrações e o seu estado de saúde que pretende alegar, sem, contudo, descriminar e/ou identificar qual é esse efetivo estado. Limitando-se apenas a alegar e a juntar um mero documento elaborado por um neuropata, no qual curiosamente é referido que a Requerente “por acaso” foi a uma consulta de rotina no dia 26 de setembro de 2024 foi submetida a uma consulta de rotina e que a mesma se encontrava em perfeito estado de saúde física, mental e espiritual. É do conhecimento da Requerente que a empresa construtora participou o sinistro ao seu seguro, assim como o número da respetiva apólice e o nome do responsável da obra – sendo que quanto a este último elemento era dispensável, uma vez que na ata de deliberação (já mencionado Doc. 1) da aprovação da obra, já constava a identificação da empresa construtora. Naquela comunicação foi a Requerente, através do seu mandatário, informada pelo Requerido que a Requerente iria ser contactada para a realização de peritagem.
Mais referiu que a Requerente, através do seu mandatário, teve conhecimento que já existem datas previamente agendadas com outros condóminos para a realização da peritagem por parte da seguradora da empresa construtora, e consequente reparação dos danos, que vierem a ser comprovados, dos condóminos e que o mesmo sucederá com a Requerente.
Não é explicada e muito menos justificada pela Requerente a alegada urgência do presente procedimento cautelar.
Termina por requerer a absolvição da instância com fundamento em erro na forma de processo e caso, não assim não se entenda a improcedência do procedimento requerido.
A providência cautelar visa acautelar os danos que poderão vir a ocorrer em consequência da satisfação tardia do seu direito. Danos esses que, só ocorrerão, fruto da inércia de quem tem obrigação de agir (aqui requeridos) e que visa acautelar uma situação, por via provisória.
Mais alega que no caso em apreço, é manifesto que o perigo eminente de agravamento dos danos devidos à inércia da Administração do Condomínio, conjugado com a exposição contínua da Requerente a risco de saúde e de segurança é justificativo da presente providencia cautelar.
Alega, ainda, que como terceiro requisito temos o princípio da proporcionalidade que nos diz que a medida cautelar não deve impor aos Requeridos que exceda consideravelmente o dano que com a providência pretende evitar.
A providência cautelar proposta é proporcional, uma vez que visa apenas garantir medidas preventivas e corretivas necessárias para proteger os direitos da Requerente enquanto se aguarda decisão definitiva no processo principal.
Considera, ainda, que a providência cautelar visa a regulação provisória de uma situação até que esta seja definitivamente definida. O objetivo não será o de obter a resolução definitiva mas sim o regular a situação de forma a evitar a ocorrência de novos prejuízos e/ou lesões que afetem gravemente o direito, enquanto a situação não é regulada definitivamente na ação principal e a presente providência visa desempenhar essa função na medida em que, prevê que, os Administradores do Condomínio tomassem diligências urgentes de modo a evitar que os riscos de saúde publica se protelassem no tempo; tomassem diligências que permitirem regular (ainda que provisoriamente) a situação causada pelas infiltrações, nomeadamente, através de agendamento/realização de uma Assembleia de condomínio extraordinária de modo a fixar as causas e programar a intervenção, em nome e representação de todos os condóminos., assim como, garantir que eram tomadas medidas preventivas, relacionadas com a segurança dos Condóminos, nomeadamente, mas não em exclusivo, relacionadas com os riscos de eletrocussão existentes, não apenas na fração da Requerente; mas também, nas zonas comuns, em particular, na zona dos elevadores.
Uma última função das providências cautelares é a antecipação da tutela definitiva que terá lugar com a decisão final e esta função, de antecipação da tutela definitiva, justifica-se, no caso em apreço, para garantir que os Administradores do Condomínio, enquanto Donos de Obra, sejam obrigados a adotar medidas de reparação (ainda que provisórias) bem como, prestem os devidos esclarecimentos, elaborem e apresentem um plano de atuação de modo a estancar os efeitos imediatos, enquanto os mesmos não fossem definitivamente resolvidos.
Alegou que no caso em apreço, e na sequência de uma forte infiltração, o imóvel da Requerente ficou totalmente inundado, tendo escorrido água por todas as divisões do imóvel. Na origem desta pavorosa infiltração estará a execução de obras a realizar no telhado de todo o edifício, a qual foi executada pela empresa «B..., Lda.» e que tinha como Dono de Obra, a Administração do Condomínio representada pelos seus Administradores. É sobre o(s) Dono(s) de Obra que impende a obrigação de, sumariamente, acompanhar a execução da obra e tomar as diligências que se mostrem necessárias em caso de ocorrência de factos que se revelem prejudiciais aos seus representados, os condóminos e sustenta no art.º 1436º/1 r)/3 CC a demanda dos Administradores do Condomínio.
Os Administradores do presente condomínio adotaram uma postura de total omissão – situação que ainda se mantém – contrariando os deveres a que estão adstritos fruto do cargo que desempenham. De acordo com o artigo 1436.º do Código Civil, os Administradores do condomínio têm o dever de zelar pela conservação e manutenção das partes comuns, o que inclui garantir que qualquer reparo ou ação corretiva, seja implementada com a devida celeridade e eficiência, o que não aconteceu.
Mais refere que estão reunidos os requisitos de urgência face aos documentos que comprovam que, desde o início das infiltrações, não houve resposta por parte dos Administradores ou da Empresa de construção que mitigasse os riscos à saúde e segurança da Requerente. As infiltrações incluíram materiais potencialmente perigosos, como pó de amianto e fezes de pombos, que, em contato prolongado, representam um risco
grave à saúde, conforme relatado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e normas de segurança em construções.
De acordo com a OMS, o contato prolongado com amianto pode causar doenças respiratórias graves, como asbestose e cancro de pulmão; enquanto a exposição a fezes de aves está associada a infeções fúngicas, como a criptococose, e representa riscos severos em ambientes habitacionais.
As infiltrações causaram danos elétricos, gerando risco de incêndios e colocando em perigo a segurança da habitação.
De referir que, desde 30 de outubro de 2024, após três cartas registadas, diversos e-mails e chamadas telefônicas, nenhum dos Administradores do condomínio, se apresentou para verificar os danos, obrigando a Requerente a solicitar vistoria independente à C... para assegurar a segurança elétrica do imóvel.
Os documentos mostram que a administração do condomínio não tomou medidas concretas para resolver a situação de forma eficaz, ou, acautelar, ainda que provisoriamente, a situação de risco, conforme se lhes impunha, nem informou a requerente das medidas que estavam a ser desenvolvidas em conjunto ou não com a entidade construtora para mitigar os danos e impedir novos prejuízos.
Alegou, por fim que os danos enunciados, constam do Auto de Vistoria, emitido pelo Departamento de Proteção Civil, Segurança e Fiscalização da Câmara Municipal ... e do qual se extrai: “(…) as patologias identificadas (…) contribuem para a insalubridade dos espaços nomeadamente, diminuição da qualidade do ar e a degradação dos elementos construtivos e dos bens, condicionando a utilização da habitação”. Resulta do referido Auto de Vistoria que: “(…) a proprietária reportou danos ao nível da instalação elétrica, situação que poderá condicionar a segurança da habitação”.
Alegou que os requeridos tomaram conhecimento da realização da referida Vistoria, bem como do seu resultado e até à data da apresentação da resposta (02 de dezembro de 2024), a Administração do Condomínio, ainda não praticou qualquer ato – provisório e ou definitivo – nem procedeu ao agendamento de assembleia extraordinária, razão pela qual, se reforça, a necessidade da presente providência cautelar.
Termina por considerar que dada a inércia e a exposição da Requerente a riscos e danos morais, a jurisprudência reconhece a possibilidade de indemnização por danos não patrimoniais em casos de negligência e omissão.
Por fim, renova o pedido inicial e ainda, o pedido de realização de reparações adequados e supervisionados por empresas idôneas, conforme descrito; a compensação pelos danos materiais e morais sofridos; e um pedido formal de desculpas por parte dos administradores, conforme mencionado.
“Questão prévia:
No requerimento de 02-12-2024 a requerente formula novos pedidos, nomeadamente:
“iii) A compensação pelos danos materiais e morais sofridos;
iv) Um pedido formal de desculpas por parte dos administradores, conforme mencionado.”
Os pedidos formulados não são admissíveis, na medida em que a requerente nada alegou para os fundamentar, nos termos previstos pelo artigo 265º do C.P.C., nem o requerimento apresentado pela requerente – de exercício do direito ao contraditório – consubstancia um articulado superveniente previsto pelo artigo 588º do C.P.C.
Pelo exposto e por falta de fundamento legal, não se admitem os pedidos identificados.
Custas do incidente anómalo a que deu causa pela requerente, com taxa de justiça que se fixa em 1 uc (artigo 7º, n.º 4 do R.C.P).
Notifique.
[…]
Decisão:
Pelo exposto, julgo procedente a nulidade por erro na forma do processo em relação aos pedidos formulados pela requerente nas alíneas c) e d), com a consequente absolvição da requerida da instância – artigo 288º do C.P.C.
[…]
Decisão:
Por todo o exposto e por manifesta improcedência, indefere-se a presente providência cautelar.
Custas pela requerente, por a elas ter dado causa, com taxa de justiça que se fixa em 3 uc. (artigo 539º, n.º 1 do C.P.C. e Tabela II anexa ao R.C.P.).
Valor: o indicado no requerimento inicial”.
A)A Requerente sofreu um sinistro que afetou a sua habitação e que gerou danos avultados, comprometendo a sua segurança imediata (fruto do risco de choques elétricos) e comprometeu a salubridade do espaço.
B) Era necessário que os Administradores, enquanto lideres da Administração do Condomínio, disponibilizasse informação relativamente aos meios de reação e ainda que diligenciassem para que fossem promovidos promovesse as medidas urgentes para travar os riscos para a segurança, o que não aconteceu.
C) Não houve erro na forma do processo, porquanto, a providência cautelar é, efetivamente, o meio processual indicado para fazer face a situações de iminente urgência – como aquela dos presentes autos –; em que se exige que fossem tomadas medidas, pelo que existia fundado receio porquanto – até à propositura da ação e após – nenhuma diligência foi desencadeada pelos Administradores do condomínio com vista ao cumprimento das exigências indicadas, concretamente, nas alíneas a), b);
D) Tal como havia ainda periculum in mora, ou seja, que se perdesse o efeito útil de uma condenação pretendido na ação principal, face à urgência do presente caso.
E) Existem diligências, como seja as previstas nas alíneas b) – na parte de reparação dos danos que pusessem em causa o risco de eletrocussão; e nas c) e d) cuja realização tardia – após a tramitação de uma ação comum – poderá retirar o efeito útil pretendido.
F) Não existe assim, qualquer erro quanto à forma do processo.
G) Reitera-se, pois, que é entendimento da Requerente que a providência cautelar é efetivamente o mecanismo jurídico adequado a garantir que os direitos – pelo menos até que os efeitos da ação principal (a apresentar) fossem concretizáveis.
H) Estão verificados os pressupostos para aplicação da providência cautelar, nomeadamente o fundado receio (assente na inoperância adotada pelos Administradores do Condomínio) e o,
I) Tal como existe periculum in mora porquanto existem medidas que carecem ser adotadas com urgência, e que não podem aguardar pelo normal desenvolver de uma ação comum.
Termina por pedir a revogação da sentença e a sua substituição por outra que
que condene a parte, nos termos peticionados.
1. Delimitação do objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art.º 639º do CPC.
As questões a decidir:
- da rejeição das alegações de recurso, por falta de indicação dos fundamentos de direito;
- erro na forma de processo;
- da verificação dos pressupostos para ser deferida a providência cautelar.
Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os factos provados no tribunal da primeira instância, conforme se deixou consignado na sentença:
“Os factos a considerar como indiciados para o conhecimento da providência são os identificados no relatório desta decisão, para os quais se remetem, inexistindo factos a considerar como não provados com relevo para a causa”.
Transcreve-se o relatório:
“-A Requerente, é proprietária do imóvel localizado no 6º andar direito do edifício situado na Avenida ..., Gondomar, tem setenta anos, é viúva, e vive sozinha.
- Desde o dia 26 de setembro de 2024, a habitação da Requerente tem sido severamente afetada por infiltrações de água, que resultaram em graves danos na estrutura do imóvel e no seu recheio, afetando ainda de forma critica o circuito elétrico, com risco de curto-circuito e eletrocussão.
- A situação causou o escorrimento de água pelos tetos e paredes, afetando todas as divisões do imóvel, nas quais se inclui a sala, a zona da marquise, a zona da casa de banho, e quartos. (junta fotografias – doc.1)
-Contactou a Administração do condomínio – por email e por carta registada com aviso de receção – no sentido, não apenas de indicar os danos de que a mesma padecia, mas igualmente para que fossem desencadeadas as medidas urgentes com vista à resolução do problema, solicitando também a convocação de uma assembleia extraordinária de condóminos) (juntou as cartas e “email´s” enviados – docs n.ºs 2, 3 e 4).
- Para além dos danos materiais (visíveis a olho nu), a exposição à poeira de amianto e à humidade tem colocado em risco a saúde da Requerente, que é idosa, agravando o risco de problemas respiratórios e infeções de pele, devido à presença de esporos de mofo;
- Desde o dia 26/09, que a situação do imóvel e o risco para a saúde se têm vindo a agravar, não tendo, até então, a Administração realizado qualquer ação;
- Até ao dia 26/09/2024, a Requerente encontrava-se em “ótimo estado de saúde física, mental e espiritual”, conforme Declaração de Saúde que junta, com data essa data;
- A requerente, através do seu mandatário, contactou por diversas vezes o Condomínio, sem que tenha obtido respostas, desde logo sobre a apólice do contrato de seguro e indicação de medidas de intervenção urgentes;
- No dia 10/10/2024, a Requerente, através do seu mandatário solicitou à Câmara Municipal ..., Pedido de Avaliação de Insalubridade Habitacional - No dia 11/10/2024, esteve no local, o Sr. FF, perito da companhia A... – Companhia de Seguros S.A., em que a requerente é a segurada, que elaborou o relatório que a requerente junta como doc. n.º 8, confirmando as causas das infiltrações na fração da autora, o seu estado e as reparações necessárias, constando do referido relatório que o contrato de seguro outorgado com a requerente não cobria a situação em causa.
- Já no dia 13/10/2024, a PSP esteve presente no local, constatando os danos;
- No mesmo dia, 13/10/2024, GG, filho da Requerente, enviou, uma mensagem formal via «WhatsApp» para os três Administradores do condomínio, com a descrição dos danos, anexando cópias das cartas enviadas pelo Advogado, sem ter obtido respostas.
- Perante a inércia do requerente vê-se na necessidade de instaurar esta providência para que o condomínio, ao abrigo da norma prevista pelo artigo 1436º, n.º 1, alínea r) do Código Civil, intervenha na situação de urgência identificada, convocando de imediato assembleia extraordinária de condóminos para ratificação da sua atuação, sem prejuízo da responsável civil em que o mesmo incorra pela sua omissão, assim como eventual responsabilidade criminal (n.º 3 da norma citada).
- Estão preenchidos os pressupostos legais previstos pelo artigo 362º do C.P.C. que fundamentam a instauração do procedimento cautelar comum.
- De igual forma, os pedidos formulados não podem ser objeto de inversão do contencioso nos termos previstos pelo artigo 369º do C.P.C., porque o mesmo só deve aplicar-se se a tutela cautelar puder substituir a definitiva, o que não se verifica, em face dos pedidos formulados pela autora e, por outro lado, estar-se-ia a coartar as partes, nomeadamente a ré, de requerer meios de prova que a celeridade das providências não permitem.
- Ainda por exceção, defende a requerida que da alegação vertida na PI não resultam preenchidos os pressupostos legais das providências cautelares.
- Não resulta da lei nem de qualquer relação contratual entre as partes, que a requerida tenha a obrigação de realização de obras na fração autónoma da Requerente, porque não é o órgão competente para tal decisão, o que conduz à improcedência dos pedidos de realizar: “com carácter imediato, as obras necessárias para solucionar as infiltrações de água e reparação dos danos causados, especialmente nas áreas afetadas pela humidade e no sistema elétrico, sem prejuízo da responsabilidade civil e criminal que possa resultar do atraso na resolução” e que seja o Requerido “responsável pelos custos resultante da relocalização da Requerente - durante o período em que durar a reparação estrutural do imóvel”.
- O construtor responsável pela realização das obras no telhado do imóvel, onde se insere a fração da Requerente, foi a empresa “B..., Lda.”, empreiteira que deverá ser demandada numa ação principal, devendo apurar-se da sua responsabilidade pelos danos reclamados pela requerente, sabendo esta que a referida empresa assumiu, todos os prejuízos causados, devidamente comprovados, aos condóminos (incluindo a Requerente), bem como já efetuou a devida participação ao seu seguro. Não existe responsabilidade direta do condomínio.
- Não se verifica o outro pressuposto que é o “Periculum in Mora”, tendo a empreiteira assumido a ressarcibilidade dos condóminos, desde que devidamente comprovados os danos e tendo a referida empresa concluído já as obras de reparação no telhado e que causaram as infiltrações.
- Sobre os danos na fração da requerente a mesma alega a realização de várias diligências no sentido do seu apuramento.
- Sobre a factualidade alegada aceita a ocorrência de um sinistro no dia 26 de setembro de 2024 e que a habitação da requerente ficou afetada por infiltrações de água, assim como aceita as comunicações que lhe foram enviadas e mencionadas no requerimento inicial. Declina a sua responsabilidade, pelo facto de a mesma resultar das obras realizadas pelo empreiteiro.
- Desconhece os concretos danos alegados e suas consequências.
- Acrescenta que na Assembleia de Condóminos realizada em 16 de fevereiro de 2024, foi aprovada a deliberação para realizar a obra de intervenção no telhado no imóvel, onde se insere a fração da Requerente, a ser executada pela sociedade construtora B..., Lda., tendo a requerida cumprido essa deliberação;
- A obra a realizar tinha por objetivo a remoção das telhas existentes em fibrocimento por telhas sandwich, mas na madrugada do dia 25/09 para o dia 26/09, na obra em curso ocorreu uma situação imprevista e completamente alheia ao Requerido, de forte pluviosidade que causaram a entrada de água, pelo telhado, nas frações dos últimos pisos, nomeadamente a da requerente;
- Ao contrário do alegado a requerida, por mensagem de 27-09-2024 respondeu à requerente, através do seu mandatário, lamentando o incómodo e o prejuízo causado à Requerente e a explicar a razão de tal sinistro (junta como prova o doc. n.º 2).
-No dia 26/09, de manhã, o requerido e dois colaboradores da empresa construtora “B...”, deslocaram-se a todas as frações para se inteirarem dos danos e proceder a uma primeira ajuda no que respeitava à parte elétrica, incluindo a fração da Requerente, que foram informados pela empresa de que iriam assumir todos os custos pelos danos sofridos, mas seria necessário um período de tempo para que todas frações secassem nomeadamente as paredes, para iniciarem as obras de reparação dos danos.
- A empreiteira já acionou o seu contrato de seguro,
- Após a comunicação da requerente de 2-10-2024 em que esta informava o Administrador do Requerido que a fração da Requerente estava em risco de eletrocussão, de imediato, naquele mesmo dia, o Administrador deslocou-se a casa da Requerente acompanhado de pessoa habilitada para o efeito, e foram feitas todas as reparações inerentes à situação em apreço, deixando de existir qualquer risco, no que à eletricidade dizia respeito – dando conhecimento dessa situação ao mandatário da Requerente, comunicação que junta como doc. 3.
- Em relação a obras no telhado, não existem quaisquer medidas urgentes a acautelar, porque foram realizadas pela empreiteira, estando sanada a origem das infiltrações.
- Sobre os danos provocados no interior das frações (onde se inclui a Requerente), sempre que devidamente comprovados foi, também, assumida a reparação/eliminação dos mesmos pela empresa construtora responsável pela obra, estando inclusive em curso todas as diligências com vista à referida eliminação dos danos.
- Por conseguinte não teria, nem tem o requerido que acionar o seguro, mas o empreiteiro, que já o fez (doc. 4), o que a requerente sabe, assim como conhece o número da respetiva apólice e o nome do responsável da obra;
- A requerida informou ainda a requerente de que iria ser contactada para a realização de peritagem, sabendo a requerente de que já existem datas agendadas com outros condóminos para a realização da peritagem por parte da seguradora da empresa construtora, por tal facto ter sido comunicado ao seu mandatário (junta como prova o doc. n.º 6).
- Com esse conhecimento, a instauração desta providência ainda menos se justifica, tendo o requerido, no âmbito das funções que lhe competem, realizado todas as diligências exigíveis.
Desse relatório consta que estiveram presentes a requerente e seu mandatário, o Administrador do Condomínio, um perito indicado pela proprietária e um representante da empreiteira.
O relatório menciona a existência de vestígios de escorrências e manchas de humidade nas paredes, assim como bolores e destacamentos de tinta nos tetos da habitação, indiciando eventuais infiltrações de água provenientes da cobertura.
Que à data da visita, as obras de substituição da cobertura encontram-se concluídas na totalidade e ainda que as patologias identificadas contribuem para a insalubridade dos espaços, nomeadamente a diminuição da qualidade do ar e a degradação dos elementos construtivos e dos bens, condicionando a utilização da habitação.
O relatório concluiu pela apresentação de uma proposta para que a requerida, no prazo de 60 dias, proceda à realização das obras de reparação necessárias com vista à reposição das condições de segurança e salubridade da habitação”.
- Rejeição do recurso -
Os apelados defendem, na motivação da resposta ao recurso, que o recurso deve ser rejeitado, porque a apelante não indica as normas jurídicas pretensamente violadas na sentença recorrida.
Prevê-se no art.º 639º/2 a) CPC que versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar as normas jurídicas violadas.
Omitida tal formalidade cumpre ao relator convidar a parte a completar a sua alegação, com cominação de rejeição imediata do recurso (art.º 639º/3 CPC).
A falta de indicação da norma jurídica violada não importa a rejeição imediata do recurso, como pretende o apelado.
No caso presente o juiz relator não procedeu ao convite a que se alude na lei, por entender constituir um ato inútil.
Constata-se com efeito, que a apelante não indicou, nem na motivação, nem nas conclusões, as normas jurídicas violadas. Contudo, tal omissão não impediu os apelados de compreender o alcance o recurso, rebatendo os argumentos apresentados pela apelante no contexto da questão jurídica apreciada na sentença recorrida.
Por outro lado, tal como decorre do art.º 5º/3 CPC, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito e visando o recurso a reapreciação da decisão, a questão jurídica a reapreciar está circunscrita à correta aplicação do direito, daí que a omissão de indicação da norma jurídica violada não impede a apreciação do recurso.
Considera-se, assim, que as conclusões reúnem os requisitos necessários para a apreciação do recurso.
Nas conclusões de recurso, sob as alíneas C) e F), a apelante insurge-se contra o segmento da decisão que considerou existir erro na forma de processo.
O segmento da decisão em causa considerou que o erro na forma de processo ocorre, apenas em relação aos pedidos formulados sob as alíneas c) e d).
Cumpre verificar se ocorre no caso concreto a apontada nulidade: erro na forma de processo.
Na análise do erro na forma de processo a doutrina[2] e a jurisprudência[3] destacam habitualmente três aspetos nucleares:
- a forma de processo utilizada deve ser a adequada para fazer valer uma pretensão;
- o erro na forma de processo é avaliado em função do pedido formulado; e
- a forma de processo é aferível em função do tipo de pretensão formulada pelo autor e não em referência à pretensão que devia ser por ele deduzida.
O erro na forma de processo consiste na utilização de uma forma processual inadequada para fazer valer determinada pretensão, inadequação essa avaliada em função do pedido formulado em conexão com a causa de pedir.
Correspondendo, em princípio, a todo o direito uma ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a sua violação ou a realizá-lo coercivamente (artigo 2º nº 2 do CPC ), bem se percebe que a instauração de uma ação judicial tenha que obedecer à prévia indagação de qual o meio processual adequado, tendo em vista, sobretudo a observância no procedimento das regras definidas para o exercício do direito de ação e de defesa.
Se a forma de processo empregue não for apropriada ao tipo da pretensão deduzida, ocorre o vício processual de erro na forma de processo; se a forma de processo seguida se adequar à pretensão formulada, mas esta não for conforme aos fundamentos invocados, estaremos, quando muito, perante uma questão de mérito conducente à improcedência da ação.
O erro na forma de processo, previsto no art.º 193º/1 CPC, importa unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida na lei.
Contudo, nos termos do art.º 193º/2 CPC, não devem, porém, aproveitar-se os atos já praticados, se do facto resultar uma diminuição de garantias do réu.
Nesta medida, o erro na forma do processo só importará anulação de todo o processo, como exceção dilatória determinativa de absolvição do réu da instância, nos casos em que a própria petição inicial não possa ser aproveitada para a forma de processo adequada, nos termos conjugados dos art.º193º, nº 1; 278º, nº 1, al. b); 576º, nº 2, e 577º, al. b), todos do Cód. Proc. Civil.
No caso concreto, atendendo ao pedido em confronto com a causa de pedir, o processo segue a forma correta, como procedimento cautelar. Não existe erro na forma processual adotada.
Como se prevê no art.º 2º/2 a todo o direito, exceto quando a lei determine o contrário, corresponde a ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da ação.
A apelante ao instaurar a ação não visa obter a resolução definitiva do litígio, mas acautelar o efeito útil da ação. No leque de procedimentos previstos na lei processual com esse fim, optou por instaurar o procedimento cautelar comum, previsto no art.º 362º CPC.
Com efeito, a requerente alegou os factos que em seu entender configuram o fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito e indicou os concretos procedimentos a garantir a efetividade do direito ameaçado.
Na decisão recorrida considerou-se que apenas em relação às alíneas c) e d) do pedido, se verificava o apontado vício, por estar em causa diligências instrutórias, dispondo a lei de meios próprios para obter esse efeito.
Nas referidas alíneas peticionou-se:
c) Seja ordenada a realização de perícia técnica urgente para avaliar o estado estrutural do imóvel e o impacto das infiltrações na segurança elétrica e na saúde da Requerente.
d) Seja ordenada uma avaliação médica total urgente da Requerente, para avaliar o impacto da exposição prolongada a mofo, amianto e outras condições insalubres desde a última avaliação médica realizada a 26 de setembro de 2024.
Porém, tais pedidos não contendem com a forma de processo usado, o procedimento cautelar comum. Perante os pedidos formulados importa apreciar se são proporcionais e adequadas para afastar o risco de lesão do direito. A questão coloca-se em sede de procedência da pretensão.
Não se trata de um vício formal da petição, no sentido dos fundamentos se revelarem inadequados para a forma de processo escolhida, porque é através do procedimento cautelar que a apelante pode obter o efeito jurídico pretendido. O procedimento cautelar comum constitui a forma ou meio próprio de tutela do direito, já que não resulta dos fundamentos da petição, que fosse adequado um procedimento cautelar especificado.
Os apelados suscitaram a nulidade com um sentido mais amplo, que não foi atendido na decisão recorrida e porque não se insurgiram contra esse segmento da sentença, não cumpre apreciar de tais fundamentos.
Conclui-se, que não se verifica o alegado vício de erro na forma de processo.
Procedem, nesta parte, as conclusões de recurso, sob as alíneas C) e F).
Nas conclusões de recurso, sob as alíneas A), B) e D), E), G), H) e I), a apelante insurge-se contra a decisão que considerou não estarem reunidos os pressupostos para ser decretada a providência, por não estar demonstrada a provável existência do direito e o risco de lesão.
Argumenta para o efeito que a requerente sofreu um sinistro que afetou a sua habitação e que gerou danos avultados, comprometendo a sua segurança imediata (fruto do risco de choques elétricos) e comprometeu a salubridade do espaço. Os Administradores do Condomínio não disponibilizaram informação relativamente aos meios de reação, nem diligenciaram para que fossem promovidas as medidas urgentes para travar os riscos para a segurança. A providência cautelar constitui o meio processual indicado para fazer face a situações de iminente urgência em que se exige que fossem tomadas medidas, pelo que existia fundado receio porquanto – até à propositura da ação e após – nenhuma diligência foi desencadeada pelos Administradores do condomínio com vista ao cumprimento das exigências indicadas, concretamente, nas alíneas a), b).
Mais alegou que existe periculum in mora. Existem diligências, como seja as previstas nas alíneas b) – na parte de reparação dos danos que pusessem em causa o risco de eletrocussão; e nas alíneas c) e d) cuja realização tardia – após a tramitação de uma ação comum – poderá retirar o efeito útil pretendido.
Cumpre, pois, apreciar se estão reunidos os pressupostos para ser decretada a providência, perante os factos admitidos por acordo nos articulados.
Dispõe o art.º 362º CPC:
“[s]empre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável do seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado”.
Nos termos do art.º 368ºCPC “a providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão”.
Os pressupostos para decretar a providência são fundamentalmente dois:
- que o requerente seja titular de um direito;
- que esse direito esteja ameaçado de lesão grave e de difícil reparação.
Para que se mostrem preenchidos os pressupostos, quanto ao primeiro basta um juízo de verosimilhança ou probabilidade e no que respeita ao segundo, um juízo de certeza, de verdade, de realidade[4].
O fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável do direito, representa a manifestação do “periculum in mora”, requisito comum a todas as providências.
Como refere TEIXEIRA DE SOUSA “[a] necessidade de composição provisória decorre do prejuízo que a demora na decisão da causa e na composição definitiva provocaria na parte cuja situação jurídica merece ser acautelada ou tutelada”[5].
O receio tanto pode manifestar-se antes da propositura da ação como na sua pendência e a medida requerida será a mais adequada para acautelar o efeito útil que através do processo principal se pretende ver reconhecido ou satisfeito.
Apenas a lesão grave e dificilmente reparável constitui fundamento para ser decretada a providência. Como observa ABRANTES GERALDES: “a gravidade da lesão previsível deve ser aferida tendo em conta a repercussão que determinará na esfera jurídica do interessado”[6].
Por outro lado, apenas merecem a tutela provisória as lesões graves e que sejam simultaneamente irreparáveis ou de difícil reparação.
Acresce que o receio de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável deve ser fundado, o que significa que deve ser “apoiado em factos que permitam afirmar, com objetividade e distanciamento, a seriedade e a atualidade da ameaça e a necessidade de serem adotadas medidas tendentes a evitar o prejuízo”[7].
Como observa ABRANTES GERALDES “[n]ão bastam, pois, simples dúvidas, conjeturas ou receios meramente subjetivos ou precipitados assentes numa apreciação ligeira da realidade, embora, de acordo com as circunstâncias, nada obste a que a providência seja decretada quando se esteja face a simples ameaças advindas do requerido, ainda não materializadas, mas que permitam razoavelmente supor a sua evolução para efetivas lesões”[8].
LEBRE DE FREITAS considera “[q]uanto ao receio do requerente, ele há de ser objetivo, apoiando-se em factos de que decorra a seriedade da ameaça duma lesão ainda não verificada ou já iniciada, mas de continuação ou repetição iminente”[9].
Cumpre ainda salientar que a situação de perigo contra a qual se pretende defender o lesado deve ser atual, “o que leva a excluir da proteção cautelar comum as lesões de direitos inteiramente consumadas, mas que não exclui a tutela cautelar face a situações de lesões ainda não inteiramente consumadas, continuadas ou repetidas[10].
A verificação dos pressupostos da providência constitui matéria cujo ónus de alegação e prova recai sobre o requerente da providência, nos termos do art.º 365º/1 e 368º/1 CPC.
No caso concreto resulta indiciariamente provado a probabilidade séria da existência do direito.
Conforme resulta do disposto no art.º 1305º CC: “o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas”.
O proprietário goza de modo pleno dos seus direitos significa que, acima deles, não existe qualquer outro poder. O direito é exclusivo porque o proprietário pode exigir que os terceiros se abstenham de invadir a sua esfera jurídica, quer usando ou fruindo a coisa, quer praticando atos que afetem o seu exercício[11].
A propriedade como direito que é está dotada de garantia jurídica. A sua violação dá direito a indemnização, por responsabilidade civil.
Constituem pressupostos da obrigação de indemnizar, com fundamento em responsabilidade civil, a prática de um ato ilícito, imputável a título de culpa, gerador de danos existindo entre o facto e o dano um nexo de causalidade (art.º 483º CC).
As simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou do negócio jurídico, o dever de praticar o ato omitido – art.º 486º CC.
A mera omissão do dever de praticar o ato é também geradora de responsabilidade civil.
Nos termos do art.º 493º/1 CC quem tiver em seu poder imóvel, com o dever de a vigiar, responde pelos danos que a coisa causar, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.
O preceito em causa consagra os denominados deveres de segurança no tráfego ou deveres de prevenção do perigo, que permitem concretizar a responsabilidade civil por omissões, na medida em que neles se consubstancia a exigência do art.º 486º do CC, no sentido de que, para além dos requisitos gerais da responsabilidade civil por facto ilícito e culposo (previstos no art.º 483º, nº 1, do CC), exista o dever de praticar o ato omitido[12].
Por aplicação deste regime sobre quem tem em seu poder um imóvel com o dever de o vigiar, recai uma presunção de culpa, na medida em que é sobre ele que impende o ónus de vigiar o estado desse imóvel e as suas partes integrantes.
O preceito prescreve uma solução assente na presunção de culpa do proprietário ou possuidor da coisa ou da pessoa a quem incumbe o dever de a vigiar, presunção que apenas se considera ilidida quando o agente a quem é imputada a responsabilidade demonstrar que não houve qualquer culpa da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que agisse com toda a diligência.
Trata-se de uma exceção à regra do art.º 487º/1 CC que tem como consequência necessária uma inversão do ónus de prova em matéria de culpa - cf. art.º 344.º, n.º 1 -, muito embora não se altere o princípio constante daquele normativo de que a responsabilidade depende de culpa.
A solução legal explica-se pelo facto de “quem tem a coisa à sua guarda deve tomar as medidas necessárias a evitar o dano. As coisas abandonadas a si mesmas podem constituir um perigo para terceiros e o guarda delas deve, por isso, adotar aquelas medidas; por outro lado, está (o obrigado à vigilância) em melhor situação do que o prejudicado para fazer a prova relativa à culpa, visto que tinha a coisa à sua disposição e deve saber, como ninguém, se realmente foi cauteloso na guarda”[13].
Refere-se no Ac. STJ 30 de setembro de 2014, Proc. 368/04.0TCSNT.L1.S1: “[o] art.º 493.º, n.º1 estabelece uma modalidade especial de responsabilidade delitual fundada numa presunção de culpa que recai sobre quem tem em seu poder coisa móvel ou imóvel que, pela sua natureza, estrutura ou qualidades, tem especial aptidão para causar danos a terceiros, tendo o detentor da coisa, por essa razão, o dever de a vigiar. Este dever de vigilância tem um conteúdo indeterminado e dependente das circunstâncias do caso e integra-se num dever geral de prevenção do perigo ou nos deveres de segurança do tráfego. Tais deveres implicam para o sujeito obrigado a necessidade de evitar uma situação de perigo ou de atuar sobre uma fonte de risco para impedir a lesão de posições jurídicas alheias, e desempenham «a dupla função de estabelecer os termos da responsabilidade por omissões e por ofensas apenas mediatamente causadas aos bens delitualmente protegidos”.
O preceito responsabiliza, assim, quem tem a vigilância de coisa imóvel pelos danos que essa coisa cause a terceiros.
O dever de vigilância a que se reporta o preceito, tanto pode incidir sobre o proprietário, como sobre outrem. O que releva aqui é o poder de facto sobre a coisa, quem de facto a guarda ou tem poder sobre a coisa com o dever de a vigiar e pode ser o proprietário, como o depositário, o comodatário, o arrendatário, o credor pignoratício, o administrador do condomínio.
Como se refere no Ac. Rel. Porto 14 de maio de 2020, Proc. 966/18.4T8VFR.P1:”[e]m todos estes casos é sobre quem tem esse poder sobre a coisa que incide a responsabilidade pelos danos que a coisa venha a causar, pois em todos estes casos o dever de vigilância resulta do dever que sobre essas pessoas incide de proceder à restituição da coisa findo que esteja o contrato em condições que obstem a qualquer hipótese não contornável de periculosidade. Portanto, a responsabilidade incide sobre quem tem o poder de facto sobre a coisa e esteja obrigado a vigiá-la, seja o proprietário ou outrem”.
É esse poder de facto sobre a coisa que justifica e impõe o dever de vigilância da mesma.
Como se observa no Ac. Rel. Porto 08 de julho de 2015, Proc. 897/10.6TVPRT.P1 (acessível em www.dgsi.pt):”E deve entender-se por vigilância - no caso de imóveis - todo o ato do proprietário (ou do obrigado à vigilância) necessário a cuidar do seu estado de conservação e bom estado, de modo a que os mesmos não ponham em risco a integridade das pessoas e das coisas alheias”.
No caso particular do Administrador do Condomínio, que age e atua em representação do Condomínio, pronunciaram-se, entre outros, o Ac. Rel. Lisboa 23 de janeiro de 2025, Proc. 6450/21.1T8LRS.L1-6 e Ac. Rel. Lisboa de 10 de setembro de 2024, Proc. 18465/18.2T8 LSB.L1-7, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
Nos termos do art.º 1436º/1 g) CC constitui função do administrador realizar os atos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns.
Nos termos do art.º 1421º/1 b) CC constitui parte comum do edifício o telhado.
Recai, assim, sobre o lesado/requerente da providência o ónus de alegação e prova da origem, proveniência ou causa do facto danoso e que este ocorreu no prédio sob administração do condomínio, em parte comum, não sendo exigível que alegue a sub-causa, que, em concreto, originou.
Ao demandado, Administrador do Condomínio, para se isentar da sua responsabilidade cumpre alegar e provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou de demonstrar que os danos continuariam a verificar-se, mesmo que tivesse adotado a diligência devida.
No caso concreto, resulta indiciariamente provado que em 26 de setembro de 2024, com origem no telhado do prédio constituído em propriedade horizontal e sito na Avenida ..., Gondomar, a fração propriedade da requerente e onde tem a sua residência, sofreu infiltrações de água, que danificou paredes, tetos, móveis, sistema elétrico. A extensão dos danos consta do relatório de peritagem realizado em 11 de outubro de 2024 (inserido a páginas 39 do processo eletrónico sistema Citius) e ainda, do auto de vistoria realizado pela Câmara Municipal ... em 06 de novembro de 2024 (inserido a página 242 do processo eletrónico sistema Citius).
Assiste, assim, à requerente o direito a reclamar junto do Condomínio, representado pelo Administrador, a reparação destes danos, os quais têm origem em obras executadas em parte comum do prédio, o telhado, por ordem do Condomínio (cópia da ata inserida a página 164 do processo eletrónico sistema Citius), sendo que é sobre o Administrador do Condomínio que recai o dever de garantir a manutenção dos bens comuns.
Está demonstrada a probabilidade séria da existência do direito.
Argumentou a requerida que efetuou diligências junto do construtor no sentido de fazer um levantamento dos danos causados nas várias frações por efeito da inundação e infiltrações e que o construtor assumiu os danos.
O Condomínio, representado pelo Administrador, diligenciou junto do construtor para que se executasse a obra necessária a fazer cessar as infiltrações e tal obra foi executada (cf. auto de vistoria realizado pela Câmara Municipal ... em 06 de novembro de 2024 - inserido a página 242 do processo eletrónico sistema Citius).
Contudo, em momento algum refere na oposição que o Condomínio tenha procedido à execução de qualquer tipo de obra na fração da requerente para minorar os danos sofridos, ou que se proponha executar. Refere que diligenciou por reparar o sistema elétrico, mas não indicou em concreto em que consistiu a intervenção e a requerente, através do seu mandatário, como resulta das comunicações eletrónicas que os requeridos juntaram aos autos com a oposição, insiste sistematicamente na omissão de reparação.
Não resulta alegado que o construtor ou a respetiva seguradora assumiram os danos e tenham executado qualquer tipo de obra na fração ou a mesmo a peritagem.
Refira-se, que os requeridos indicaram a apólice do construtor e juntaram uma participação de sinistro. Contudo, tal participação não contém o número de processo, nem qualquer carimbo que certifique a data de entrega na respetiva companhia de seguros. Acresce, que do documento que os requeridos juntaram com a oposição - doc. nº6, comunicação eletrónica com data de 30 de outubro de 2024 que o mandatário da requerente dirigiu a Eng.º HH, com conhecimento da requerida - consta que a requerente não tinha conhecimento do número de processo na companhia de seguros.
Apesar da troca de comunicações eletrónicas juntas com a oposição, no sentido do construtor assumir a reparação dos danos, o que é certo é que não há qualquer informação no processo no sentido de o ter feito e por sua vez o condomínio também não assumiu tal reparação.
Do auto de vistoria da Câmara Municipal ..., com data de 06 de novembro de 2024 (inserido a página 242 do processo eletrónico sistema Citius), diligência que contou com a presença do administrador do condomínio, decorre que até aquela data o condomínio, representado pelos administradores, não tinha iniciado qualquer procedimento no sentido de reparar os danos na fração e foi fixado um prazo de 60 dias para executar as obras.
Neste auto salienta-se:
“3. Verificou-se a existência de vestígios de escorrências e manchas de humidade nas paredes, assim como bolores e destacamentos de tinta nos tetos da habitação, indiciando eventuais infiltrações de água provenientes da cobertura.
4. Segundo informação de todos os presentes, durante as obras de substituição da cobertura terá ocorrido um fenómeno de chuva intensa, enquanto esta se encontrava desprotegida, situação que estará na origem das infiltrações de água na habitação.
5.À data da visita, as obras de substituição da cobertura encontram-se concluídas na totalidade.
6. As patologias identificadas no ponto 3 contribuem para a insalubridade dos espaços nomeadamente a diminuição da qualidade do ar e a degradação dos elementos construtivos e dos bens, condicionando a utilização da habitação.
7. Além do referido anteriormente, a proprietária reportou alguns danos ao nível das instalações elétricas, situação que poderá condicionar a segurança da habitação”.
Nenhuma das partes veio ao processo informar se foram concluídas as referidas obras sugeridas pela Câmara Municipal, quando já está há muito ultrapassado o prazo de 60 dias.
Decorre dos factos indiciariamente provados que a fração sofreu danos vários, revelando-se urgente reparar o sistema elétrico, devido à entrada de água através dos tetos e os próprios tetos, que têm a tinta a descolar – cf. fotografias juntas com a petição. Perante tal situação e dado o risco de danos acrescidos no imóvel e para quem ali habita e que, quanto às infiltrações de água no sistema elétrico contendem com a própria segurança de todo o edifício, justifica-se a reparação de imediato, pois a natureza e a extensão dos danos não se compadece com a demora natural e normal na obtenção de um decisão definitiva numa ação.
Refira-se, ainda, que a fração em causa se situa imediatamente abaixo do telhado, pelo que muito provavelmente sofreu de forma mais intensa o efeito da entrada de água das chuvas.
Não se pode ignorar, ainda, que o condomínio tem uma capacidade financeira limitada às comparticipações dos condóminos e quanto mais extensos se revelarem os danos mais elevadas serão as quotas de cada condómino, o que por isso justifica adotar procedimentos céleres no sentido de reduzir a extensão dos danos e os respetivos encargos para o condomínio .
São estes aspetos que revelam o justo receio de lesão grave e dificilmente reparável do direito, o periculum in mora.
Resta apreciar se as medidas propostas se mostram adequadas a assegurar o direito ameaçado.
A requerente começa por pedir que (a)) “[s]ejam os Administradores do condomínio notificados para fornecer, com urgência, à Requerente a informação relativa a apólice de seguro do condomínio e a abertura formal de um processo de sinistro para a reparação dos danos causados pelas infiltrações”.
Na oposição os requeridos assumem que não forneceram o número da apólice, porque o construtor assumiu a responsabilidade pelos danos. Atento o já exposto, tal argumento não dispensa os requeridos de indicarem à requerente o número de apólice do condomínio, porque é sobre o condomínio que recai a obrigação de reparar os danos, sendo, pois, civilmente responsável.
De todo o modo, junto do Instituto Nacional de Seguros sempre a requerente poderia, ou, poderá obter tal informação.
Desta forma, deve ser comunicado à requerente o número da apólice do condomínio.
Pretende, ainda, a requerente que (b)) “[s]ejam os Requeridos notificados para realizar, com caráter imediato, as obras necessárias para solucionar as infiltrações de água e reparação dos danos causados, especialmente nas áreas afetadas pela humidade e no sistema elétrico, sem prejuízo da responsabilidade civil e criminal que possa resultar do atraso na resolução”.
A realização de obras necessárias para solucionar as infiltrações mostra-se concluída, como resulta assente por acordo entre as partes e nessa parte o procedimento perdeu qualquer utilidade.
Contudo, revela-se adequado e proporcional, para acautelar o direito da requerente, a realização de imediato pelos requeridos de obras no sistema elétrico e nos tetos da fração afetados pela infiltração, fixando-se o prazo máximo de 60 dias para a sua conclusão, a contar do trânsito em julgado desta decisão.
A requerente pretende ainda que:
“c) Seja ordenada a realização de perícia técnica urgente para avaliar o estado estrutural do imóvel e o impacto das infiltrações na segurança elétrica e na saúde da Requerente.
d) Seja ordenada uma avaliação médica total urgente da Requerente, para avaliar o impacto da exposição prolongada a mofo, amianto e outras condições insalubres desde a última avaliação médica realizada a 26 de setembro de 2024”.
Não se tratam de medidas que possam de alguma forma acautelar o exercício do direito, atendendo ao risco que se visa acautelar e por esse motivo, se indefere tal pretensão.
Requer, ainda, a requerente (e)) que “[s]eja a Administração do Condomínio responsável pelos custos resultante da relocalização da Requerente – durante o período em que durar a reparação estrutural do imóvel”.
A requerente não alegou que a execução das obras determina necessariamente a sua deslocação para outra habitação, improcedendo tal pretensão.
Por fim, pretende a requerente que (f)) que “[s]ejam os Requeridos, de forma solidários, condenados a pagar sanção pecuniária compulsória, (a fixar pelo tribunal), para garantir o cumprimento das ordens do tribunal, fixando uma multa diária caso os Administradores não cumpram a decisão dentro do prazo estipulado”.
A medida cautelar aplicada não consubstancia uma prestação de facto infungível, pelo que não há lugar à aplicação de uma sanção pecuniária compulsória.
Com efeito, nos termos do art.º 365º/2 CPC, é sempre admissível a fixação, nos termos da lei civil, da sanção pecuniária compulsória que se mostre adequada a assegurar a efetividade da providência decretada.
A lei prevê duas espécies de sanção pecuniária compulsória: uma, de natureza subsidiária, ordenada para compelir o devedor à execução especifica de prestações de facto infungíveis; outra destina a pressionar o devedor de obrigações pecuniárias ao seu cumprimento pontual – consistente nos juros à taxa anual de 5%, desde a data do trânsito da sentença condenatória, que somam aos juros moratórios e à indemnização que se mostrar devida (art.º 829-A, n.ºs 1 e 4).
A sanção surge, desde logo, como um meio de constrangimento destinado a pressionar o obrigado recalcitrante, de modo a acatar a decisão do juiz e a cumprir a sua obrigação, sob pena de lhe serem infligidos determinados prejuízos. De acordo com o preâmbulo do diploma legal que a inseriu no Código Civil – o Decreto-Lei n.º 263/83, de 16 de Junho – ela tem uma dupla finalidade de moralidade e eficácia, pois com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça, enquanto, por outro se favorece a execução específica das obrigações de facto ou de abstenção infungíveis.
O seu fim não é reparar danos causados pela falta de cumprimento pontual, mas o de dobrar ou vergar a vontade do devedor rebelde, o seu montante será fixado sem relação com o dano sofrido pelo credor.
Nos termos gerais, a obrigação pode ter por objeto uma prestação de facto que pode ser positivo ou negativo, ou seja, uma obrigação de facere ou de non facere. Ao contrário do facto negativo que é sempre infungível, o facto positivo pode ser fungível ou infungível (art.º 828.º do Código Civil e 868, n.º 1, 1.ª parte): o facto é fungível quando, para o credor, é jurídica e economicamente irrelevante se ele é realizado pelo devedor ou por terceiro – como, por exemplo, pintar um muro – ou reparar os danos sofridos por uma casa de banho; o facto é infungível quando, por razões jurídicas ou económicas, o interesse do credor impõe a sua realização pelo devedor – como por exemplo, pintar um retrato ou emitir uma declaração negocial.
A sanção pecuniária compulsória destina-se a compelir ao cumprimento de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, não ligado a especiais qualidades científicas ou artísticas do requerido.
Neste sentido, entre outros, Ac. Rel. Coimbra 05 de março de 2024, Proc. 3885/22.6T8LRA.C1 e Ac. STJ 10.12.2020, Proc. 1695/17.1T8PDL-A.L2.S1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt .
A sanção pecuniária compulsória introduzida em sede de procedimentos cautelares pode ser requerida quando se pretende a adoção de uma medida cautelar que vise o cumprimento de uma obrigação de facto infungível, positivo ou negativo, não ligado a especiais qualidades científicas ou artísticas do requerido.
No caso presente, a obrigação imposta aos requeridos de reparar os danos na instalação elétrica e nos tetos da casa da apelante, tem por objeto uma prestação de facto material positivo – fungível. Face à natureza da prestação, não há fundamento para cominar, para o atraso ou a mora no seu cumprimento, a sanção pecuniária compulsória pedida pela apelante.
Improcede, nesta parte, a pretensão da requerente/apelante.
Uma última questão, a inversão do contencioso.
A requerente veio ainda requerer a inversão do contencioso.
Prevê o art.º 369º/1 CPC que o juiz “na decisão que decrete a providência, pode dispensar o requerente do ónus de propositura da ação principal se a matéria adquirida no procedimento lhe permitir formar convicção segura acerca da existência do direito acautelado e se a natureza da providência decretada for adequada a realizar a composição definitiva do direito”.
Como referem LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE: “[é] necessário, […]que o tribunal adquira a convicção segura da existência do direito acautelado, o que significa que não basta a probabilidade séria da existência do direito”[14].
A prova produzida para o decretamento da inversão do contencioso “tem de situar-se num patamar de exigência idêntico ao que é necessário para as decisões da matéria de facto nas ações de processo comum”[15].
No caso presente o reconhecimento do direito partiu de um juízo de mera probabilidade e por outro lado, a natureza da providência decretada não é adequada para realizar a composição definitiva do litígio, dado que são mais extensos os danos do que os que estão integralmente apurados e o caráter sumário da prova produzida em sede de procedimento cautelar não permite apurar tais danos em toda a sua extensão.
Conclui-se que não estão reunidos os pressupostos para decretar a inversão do contencioso.
Improcede também nesta parte a pretensão da requerente/apelante.
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e nessa conformidade revogar a decisão recorrida e deferir a providência requerida, condenando os requeridos:
- a comunicar à requerente o número da apólice de seguro do condomínio; e
- a executar de imediato obras no sistema elétrico e nos tetos na fração propriedade da requerente, 6º andar direito do edifício situado na Avenida ..., Gondomar;
- indeferir os restantes pedidos.