DECISÃO INSTRUTÓRIA
NULIDADE INSANÁVEL
PROMOÇÃO DO PROCESSO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
RECORRIBILIDADE
Sumário

I - Não é passível de recurso o despacho do Exº Juiz de Instrução que apreciou a arguição de nulidade insanável por falta de promoção do processo pelo Ministério Público (artigo 119º, alínea b), do C. P. Penal), despacho esse subsequente à prolação de decisão instrutória de pronúncia pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, formulada ao abrigo do disposto no artigo 285º, nº 4, do C. P. Penal.
II - Dispondo o artigo 310º, nº 1, do C. P. Penal, que “a decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, formulada nos termos do artigo 283º ou do nº 4 do artigo 285º, é irrecorrível, mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais”, também é irrecorrível, por identidade de razões, a decisão subsequente à apontada pronúncia que conheça de vícios ou invalidades que a afetem, ou que, a título de questão prévia, nela cumprisse apreciar, por poderem obstar à prolação de uma decisão de mérito na referida sede instrutória (a irrecorribilidade estende-se, pois, aos despachos proferidos pelo Exº Juiz de Instrução que, em momento posterior à prolação da decisão instrutória, conheçam da arguição de nulidades suscetíveis de invalidarem tal decisão).
III - Com a apontada irrecorribilidade subsiste sempre a possibilidade de reapreciação da questão pelo tribunal de julgamento, proferindo tal tribunal, assim, uma decisão passível de recurso, e, como tal, sindicável por um tribunal superior, conservando, pois, o arguido todas as garantias de defesa, porquanto, para além de o tribunal de julgamento poder conhecer e decidir da citada invalidade, o arguido terá ainda, posteriormente, o direito de contestar por via de recurso a decisão que vier a ser proferida.

Texto Integral


Realizado o exame preliminar a que se refere o artigo 417.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (doravante, CPP), verifica-se existir uma questão prévia, relativa à irrecorribilidade da decisão impugnada pelo presente recurso.
Em conformidade, para a apreciar, dando cumprimento ao preceituado no artigo 417.º, n.º 6, alínea b), do CPP, profere-se:

DECISÃO SUMÁRIA

I. RELATÓRIO

1. No processo n.º 1686/22.0T9PTM, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo de Instrução Criminal de Portimão - Juiz 1 –, encerrada a instrução requerida pelo arguido D, com os demais sinais dos autos, o Mmo. Juiz de Instrução proferiu decisão de não pronúncia relativamente à prática, em autoria imediata, na forma consumada e em concurso efetivo, de 2 (dois) crimes de injúria agravada, previstos e punidos pelos artigos 181.º, n.º 1 e 184.º do Código Penal, e pronunciou, para julgamento em processo comum, com intervenção do tribunal singular, o arguido D, pelos factos constantes da acusação particular deduzida pelo assistente P, e que no seu entendimento consubstanciam a prática, em autoria imediata, na forma consumada e em concurso efetivo, de 2 (dois) crimes de injúria, previstos e punidos pelo artigo 181.º, n.º 1 do Código Penal.
Posteriormente à decisão instrutória, na sequência de requerimento do arguido, o Mmo. Juiz de Instrução proferiu despacho em que apreciou e indeferiu a arguição de nulidade insanável por falta de promoção do Ministério Público, prevista no artigo 119.º, alínea b), do CPP.

2. Inconformado com o decidido no referido despacho, dele recorreu o arguido D, que finalizou a motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
“A. O presente recurso tem como objeto o despacho proferido pelo tribunal recorrido em 03.09.2024, que indeferiu a nulidade insanável arguida pelo recorrente por requerimento datado de 26.06.2024, consistente na falta de promoção do processo pelo Ministério Público (cfr. artigo 119.º, al. b), do Código de Processo Penal).
B. O tribunal recorrido decidiu indeferir a nulidade arguida, por entender que “o Ministério Público nunca configurou o pano factual sob investigação como integrante de um crime de injúria agravada, mas outrossim, de um crime de injúria previsto e punido pelo artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal” e que "fulminar, de nulidade integral a acusação particular do assistente seria restringir, sobremaneira, os seus direitos processuais, isto porque perante a postura do Ministério Público sempre estaria vedada a possibilidade de o assistente requerer a abertura de instrução perante o putativo arquivamento quanto aos crimes de injúria agravada".
C. Entende o recorrente que os fundamentos invocados pelo tribunal recorrido para sustentar o indeferimento da nulidade arguida são deveras rebuscados e colidem de forma grosseira com a natureza do processo penal, não podendo, por conseguinte, o recorrente conformar-se com o despacho recorrido.
D. Na ótica do recorrente, o tribunal recorrido incorreu em erro manifesto de interpretação e aplicação da lei processual penal, devendo como tal ser revogado o despacho recorrido.
E. Da queixa-crime e acusação particular deduzidas pelo assistente, constam factos que o mesmo considera integrarem a prática de 2 crimes de “injúria agravada”, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 181.º e 184.º, com referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. l), todos do Código Penal.
F. Sucede, porém, que tais crimes não revestem natureza particular, mas sim semipública.
G. Nessa medida, em face da acusação concretamente deduzida pelo assistente, forçoso se torna concluir que o mesmo carecia de legitimidade para deduzir, como veio a deduzir, acusação particular, porquanto, revestindo os crimes em apreço natureza semipública, apenas o Ministério Público teria legitimidade para prosseguir com a ação penal relativamente aos factos descritos na acusação, o que manifestamente não sucedeu nos presentes autos.
H. Desacompanhado do Ministério Público, o mesmo é dizer, sem acusação prévia do Ministério Público, não poderia o assistente deduzir esta concreta acusação, por falta de legitimidade.
I. Isto porque, a ordem da sucessão das acusações do Ministério Público e do assistente é imperativa, surgindo, no tocante aos crimes públicos e semipúblicos, a do assistente necessariamente na sequência da acusação proferida pelo Ministério Público e condicionada a esta (cfr. artigo 284.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal).
J. A subsequente adesão do Ministério Público à acusação particular do assistente não supre a omissão inicial da acusação pública.
K. Acresce que a lei, ao contrário do que dispõe relativamente aos crimes particulares, não prevê que a acusação pública possa limitar-se à adesão da acusação do assistente.
L. Destarte, a acusação particular deduzida pelo assistente deverá ser declarada nula, por formulada por quem sem legitimidade, intempestivamente e sem suporte factual (uma vez que, atenta a natureza semipública dos crimes em apreço, a acusação do assistente está limitada pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, in casu inexistente), donde resulta como consequência necessária ficar o “acompanhamento” do Ministério Público à acusação do assistente sem o mínimo suporte.
M. E não se equacione sequer, como fez o tribunal recorrido, que “fulminar, de nulidade integral a acusação particular do assistente seria restringir, sobremaneira, os seus direitos processuais”, uma vez que o assistente poderia muito bem 1) ter-se insurgido contra a posição do Ministério Público quanto à qualificação dos crimes em apreço (crimes de “injúrias simples”) e requerido a abertura da instrução tendo em vista a integração daqueles crimes em “injúrias agravadas” (cfr. artigo 287.º n.º 1, al. b) do Código de Processo Penal); 2) ter arguido perante o próprio magistrado do Ministério Público que ordenou a notificação a omissão da acusação, por parte deste, pelos crimes semipúblicos em causa; 3) ter suscitado a intervenção do imediato superior hierárquico do aludido magistrado do Ministério Público (cfr. artigo 278.º do Código de Processo Penal); ou 4) ter deduzido acusação particular apenas pelos crimes de injúrias "simples", sem a agravação do artigo 184.º do Código Penal.
N. O que manifestamente não o fez, tendo antes optado por deduzir uma acusação particular por crimes que, segundo a sua própria qualificação, revestem natureza semipública.
O. Em face do procedimento adotado nos presentes autos e à luz do Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 1/2000, entende o recorrente que deve ser declarada a nulidade da acusação particular deduzida pelo assistente e, bem assim, de todo o processado subsequente.
P. Ao ter indeferido a nulidade arguida pelo recorrente, o tribunal recorrido violou as normas jurídicas dos artigos 48.º, 49.º, n.º 1, 50.º, n.º 1, 53.º, n.º 2, al. c), 119.º, al. b), 122.º, n.º 1 e 283.º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas., Venerandos Desembargadores, doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser o despacho recorrido revogado e substituído por outro que declare a nulidade insanável arguida pelo recorrente e que se traduz na falta de promoção do processo pelo Ministério Público, declarando-se a nulidade da acusação particular e de todos os atos subsequentes, com a consequente extinção do procedimento criminal”.

3. Admitido o recurso, o Ministério Público apresentou resposta em que pugna pela sua total improcedência e concluiu, no essencial, do seguinte modo:
Conforme resulta do despacho judicial posto em crise, o arguido foi pronunciado pela prática de dois crimes de injúria simples e não por dois crimes de injúria agravada. Ora, tais crimes de injúria simples, p. e p. no art. 181.º do C.P., apresentam natureza particular e não semipública, pelo que não existe/existiu qualquer falta de legitimidade para acusar por parte do assistente, tendo em conta que a factualidade (indiciada) que subjaz à acusação particular é a mesma que resulta do despacho de pronúncia.
A incorreta qualificação jurídica efetuada na acusação particular não foi objeto de acolhimento no despacho de pronúncia, que expurgou a agravação da injúria, crimes pelos quais pronunciou o arguido, mantendo por isso a legitimidade para acusar por parte do assistente.
O próprio Ministério Público, no final do inquérito, igualmente qualificou aquele conjunto de factos como reveladores da prática de um crime de natureza particular (crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181.º do Código Penal), razão pela qual determinou a notificação do assistente para proceder à acusação particular, o que este fez, apesar de ter dado uma “veste” diferente ao crime imputado – o que não foi acolhido no despacho de pronúncia, que delimita agora o objeto do processo e pelo qual o arguido terá de responder em julgamento.
Não se constata qualquer nulidade por falta de legitimidade do assistente para acusar – o crime em causa é um crime particular, pelo qual aquele dispõe de plena legitimidade para deduzir acusação particular.

4. Respondeu também ao recurso o assistente P, pugnando no sentido de que seja proferida decisão que dele não conheça ou que o rejeite, ou, caso assim não se entenda, que seja proferida decisão que o considere totalmente improcedente, mantendo-se, na íntegra, o despacho que indeferiu a invocada invalidade, sustentando, para tanto, no essencial, o seguinte:
O despacho que recaiu sobre a alegada nulidade da decisão instrutória, indeferindo-a, aduz duas ordens de razão.
A primeira tem a ver com o enquadramento jurídico-penal com que o Ministério Público configurou os factos apresentados pelo assistente, porquanto encerrado o inquérito, proferiu despacho (em 19 de fevereiro de 2024) de onde se retira que nunca configurou os factos como integrando um crime de injúria agravada, pois aí afirmou considerar estar em presença do crime previsto no artigo 181.º do Código Penal e conclui “Face à prova constante dos autos, é nosso entendimento que existem indícios suficientes da prática pelo arguido do referido crime”.
Nesse contexto, ordena a notificação do assistente para, no prazo de 10 dias, deduzir, querendo, acusação particular “no que concerne ao crime particular participado”.
Tendo, depois, acompanhado a acusação particular sem considerar a então alegada agravação.
Acresce que é a própria decisão instrutória que não pronuncia o arguido pelos crimes de injúria agravada, tendo, pois, expurgado da acusação particular a parte em que procede à agravação do crime.
Não se podendo, assim, dizer que a circunstância de ter existido acusação por parte do assistente pelo crime de injúria agravada (desacompanhado da necessária legitimidade do Ministério Público) invalida a totalidade da acusação, impossibilitando o Juiz de Instrução de pronunciar pelo crime de injúria simples (para o qual o assistente dispõe da necessária legitimidade).

5. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416.º do CPP, emitiu parecer em que manifesta a sua concordância com a resposta apresentada pelo Ministério Público da 1.ª instância, assinalando que, não tendo o juiz de instrução criminal concordado com o enquadramento jurídico efetuado pelo assistente, antes entendendo existirem indícios, apenas, da verificação de crimes de natureza particular, bem andou ao proferir despacho de pronúncia, nos termos em que o fez, e ao deixar expresso que, subsistindo a acusação do assistente apenas e só quanto aos crimes de natureza particular, expurgados da agravação aposta pelo assistente, não se mostra ela ferida de nulidade integral, sendo que o objeto do processo, agora, é conformado pela decisão instrutória que pronunciou o arguido pela prática de dois crimes de injúria, previstos e punidos pelo artigo 181.º, n.º 1 do Código Penal.

6. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, não foi apresentada qualquer resposta.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Conforme dispõe o artigo 417.º, n.º 6, alínea b), do CPP, o relator, após exame preliminar, profere decisão sumária sempre que o recurso deva ser rejeitado.
Por seu turno, segundo o artigo 420.º, n.º 1, alínea b), do mesmo diploma, o recurso é rejeitado sempre que se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do n.º 2 do artigo 414.º
Ora, a irrecorribilidade da decisão constitui uma das causas de não admissão/rejeição do recurso, sendo certo que, conforme resulta do preceituado no artigo 414.º, n.º 3 do CPP, a decisão que admita o recurso ou que determine o efeito que lhe cabe ou o regime de subida não vincula o tribunal superior, pelo que nada obsta a que esta instância conheça e aprecie os pressupostos de admissibilidade da presente impugnação interposta pelo arguido.
Assim sendo, uma vez que se suscita uma questão prévia que, a proceder, é fundamento da rejeição do recurso, obstando, desse modo, ao conhecimento do mesmo, cumpre, na presente sede, sujeitá-la à apreciação e decisão da relatora.

2. Conforme já foi dito, o arguido D interpôs recurso do despacho do Mmo. Juiz de Instrução que, em 3 de setembro de 2024, indeferiu o requerimento de arguição de nulidade por falta de promoção do processo pelo Ministério Público, que aquele apresentou, após a prolação de decisão instrutória em que o pronunciou pela prática de dois crimes de injúria, previstos e punidos pelo artigo 181.º, n.º 1 do Código Penal.
2.1. Despacho esse que tem o seguinte teor (transcrição):

“O arguido D, através de requerimento junto aos autos em 26.06.2024 [ref.ª 12622975], veio arguir a nulidade por falta de promoção do processo pelo Ministério Público porquanto o crime de injúria agravada assume natureza semi-pública, logo, o assistente não dispunha de legitimidade para deduzir acusação particular.
Verificar-se-ia, portanto, a nulidade prevista no artigo 119.º, alínea b), do Código de Processo Penal.
Antes de analisarmos o ora invocado pela defesa, importa fazer um pequeno parêntesis.
Sendo certo que as nulidades insanáveis podem ser conhecidas e declaradas em qualquer fase do processo, em abono da verdade o requerimento agora em análise surge na “ressaca” da decisão instrutória de pronúncia proferida em 12.06.2024 e, nesses termos, corporiza uma declaração de nulidade daquela decisão.
Foi certamente por via deste raciocínio que a defesa procedeu ao pagamento da multa correspondente à prática do acto no primeiro dia útil após o terminus do prazo [fls. 255].
Sucede, porém, que o prazo para arguir a nulidade da decisão instrutória é de 8 dias [artigo 309.º, n.º 2, do Código de Processo Penal], e não de 10, prazo regra.
Desta sorte, a secretaria deste Tribunal emitiu a respectiva guia em conformidade com aquele preceito normativo, a qual não foi paga, cf. fls. 258-260.
Ainda assim, apraz-nos dizer o seguinte.
É incontrovertido que a acusação do assistente P imputa ao arguido D a prática de dois crimes de injúria agravada, previsto e punido pelos artigos 181.º e 184.º do Código Penal.
Também é indesmentível que o crime de injúria agravada assume natureza semipública, conforme deflui do artigo 188.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.
Todavia, a questão que se impõe é a seguinte: mas será que o Ministério Público, dominus do inquérito, enquadrou juridicamente o quadro factual vertido na queixa apresentada pelo assistente como sendo uma injúria agravada? A resposta é negativa.
Basta atentar no despacho do Ministério Público proferido em 19.02.2024, a fls. 106, onde, após realizadas as diligências de investigação tidas por convenientes, consignou-se o seguinte:
O assistente P apresentou queixa contra o arguido D, imputando-lhe a prática de factos susceptíveis de integrar o crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal.
No âmbito do presente inquérito foram realizadas as diligências tidas por necessárias ao apuramento da verdade dos factos e sua autoria.
Face à prova constante dos autos, é nosso entendimento que existem indícios suficientes da prática pelo arguido do referido crime.
Notifique o assistente e o seu Ilustre Advogado do presente despacho.
Cumpra também o disposto no n.º 1 do artigo 285.º do Código de Processo Penal, notificando o Ilustre Advogado do assistente, para, querendo, deduzir, no prazo de dez dias, acusação particular no que concerne ao crime particular participado.”
Ou seja, dúvidas inexistem que o Ministério Público nunca configurou o pano factual sob investigação como integrante de um crime de injúria agravada, mas outrossim, de um crime de injúria previsto e punido pelo artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal.
Termos em que inexiste a nulidade por falta de promoção do Ministério Público propalada pelo arguido e, motivo pelo qual, se indefere a sua arguição.
A questão que agora se pode colocar é a seguinte: não obstante o assistente ter sido expressamente notificado para deduzir acusação particular o mesmo foi pouco além e acusou o arguido pela prática do crime de injúria agravada, previsto e punido pelos artigos 181.º, n.º 1 e 184.º do Código Penal. Estaremos perante uma falta de legitimidade que demande a nulidade de toda a acusação ou só na parte em que o assistente “extravasa” e procede à agravação do crime? Entendemos que a solução mais acertada será esta última.
Conforme se observa da leitura da decisão instrutória, o arguido foi pronunciado pela prática de dois crimes de injúria, previsto e punido pelo artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal, e não pela prática dos crimes de injúria agravada.
A decisão de não deduzir acusação/arquivar quanto aos crimes de injúrias na sua forma agravada não se encontra primariamente na decisão de acompanhamento do Ministério Público da acusação particular deduzida pelo assistente e relativa à prática daqueles mesmos crimes.
Essa decisão do Ministério Público de não deduzir acusação/arquivar encontra–se logo no momento em que, nos termos do artigo 285.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, determinou a notificação do assistente para deduzir acusação particular quanto aos crimes de injúria, mas na sua forma simples.
Mesmo a posteriori, e certamente por lapso, o Ministério Público acompanha a acusação particular do assistente, quando, na verdade, este imputa ao arguido dois crimes semi-públicos.
Perante este quadro, fulminar de nulidade integral a acusação particular do assistente seria restringir, sobremaneira, os seus direitos processuais, isto porque perante a postura do Ministério Público sempre estaria vedada a possibilidade de o assistente requerer a abertura de instrução perante o putativo arquivamento quanto aos crimes de injúria agravada.
Desta forma, subsistindo a acusação do assistente apenas e só quanto aos crimes de natureza particular, expurgados da agravação aposta pelo assistente, não fulmina a mesma de nulidade integral, sendo que o objecto do processo, agora, é conformado pela decisão instrutória que pronunciou o arguido pela prática de dois crimes de injúria previstos e punidos pelo artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal.
Por todo o exposto indefere-se a nulidade invocada pela defesa.
Notifique.
Oportunamente, remeta os autos à distribuição como processo comum com intervenção do Tribunal singular”.
*
2.2. Por outro lado, com interesse para a apreciação da presente questão, resulta ainda dos autos que:
2.2.1. Na sequência da notificação que lhe foi feita do despacho do Ministério Público, de 19 de fevereiro de 2024, transcrito em 2.1., bem como para, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 285.º do CPP, querendo, deduzir, no prazo de dez dias, acusação no que concerne ao crime particular participado (crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181.º, n.º 1 do Código Penal), o assistente P deduziu, em 5 de março de 2024, acusação particular contra o arguido D, na qual, após elencar os factos imputados, concluiu do seguinte modo: “Pelo exposto, cometeu o arguido, em autoria material e em concurso efetivo, dois crimes de injúrias, previsto e punido pelo artigo 181.º, agravado nos termos do que dispõe o artigo 184.º, todos do Código Penal”.
2.2.2. Em 12 de março de 2024, o Ministério Público proferiu o seguinte despacho:
“Nos termos do artigo 285.º do Código de Processo Penal, o assistente P veio aos autos deduzir acusação particular contra o arguido D, pela prática de factos que integram o crime de injúria agravado, p. e p. pelos artigos 181.º, n.º 1, 184.º e 132.º, n.º 2, al. al) do Código Penal.
Nos termos do artigo 285.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, “O Ministério Público pode, nos cinco dias posteriores à apresentação da acusação particular, acusar pelos mesmos factos, por parte deles ou por outros que não importem uma alteração substancial daqueles”. Assim, uma vez que a acusação particular ora formulada:
a) Foi apresentada dentro do prazo legal;
b) Contém todos os requisitos formais e materiais legalmente exigidos (artigo 283.º, n.º 3, do Código de Processo Penal);
c) Os factos elencados preenchem os elementos objectivo e subjectivo do tipo de ilícito;
Acompanhamos a mesma, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
PROVA: a indicada na acusação particular.
Mais se requer a tomada de declarações ao assistente P”.

2.2.3. Em 19 de abril de 2024, o arguido D veio requerer a abertura da instrução, dizendo não se conformar com a acusação particular deduzida pelo assistente P, nem com o despacho de acompanhamento do Ministério Público, pugnando pela não pronúncia quanto aos factos de que vem acusado, para o que invoca fundamentos no sentido de que os elementos de prova recolhidos não permitem formar a convicção de que é mais provável que tenha cometido os crimes de que vem acusado do que o inverso, e que, no caso presente, existe uma dúvida séria e inultrapassável, em função do que deverá ser privilegiada a presunção de inocência do arguido, em decorrência de uma das suas vertentes, expressa pelo princípio in dubio pro reo, e não se sujeitar a causa a julgamento, proferindo-se despacho de não pronúncia.
2.2.4. Realizada a instrução e encerrada esta, em 12 de junho de 2024, o Mmo. Juiz de Instrução proferiu decisão instrutória em que, em sede de saneamento, declarou o tribunal competente, que os sujeitos processuais têm legitimidade para intervir no exercício da ação penal e que inexistem nulidades, questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem à prolação de uma decisão de mérito – artigo 308.º, n.º 3, do Código de Processo Penal. Após a apreciação da prova, sua admissibilidade e indícios que, no seu entendimento, dela resultam, o Mmo. Juiz de Instrução consignou que o assistente imputa ao arguido a prática do crime de injúria na forma agravada, nos termos do artigo 184.º do Código Penal, contudo, a factualidade de índole subjetiva é insuficiente para dar como preenchida a agravante prevista no artigo 132.º, n.º 2, alínea l), do Código Penal. Sendo certo que arguido e assistente são advogados de profissão, algo que resulta da leitura da própria acusação e da prova constante dos autos, a mobilização da referida agravante não se basta com a mera alegação dessa “qualidade”, sendo igualmente necessário demonstrar a especial censurabilidade ou perversidade do comportamento do agente, o que não se verifica in casu. Ora, nada tendo sido alegado para demonstrar tais conceitos de especial censurabilidade ou perversidade, não pode concluir-se pela existência da prática de crimes de injúria agravada, previstos e punidos pelos artigos 180.º, n.º 1 e 184.º do Código Penal.
Concluiu, então, que se mostram suficientemente indiciados os factos constantes dos artigos 1.º a 4º, 16.º, 26.º a 38.º e 43.º a 56.º da acusação particular, sendo que, quanto aos demais, por se tratar de matéria conclusiva, de direito ou totalmente irrelevante do ponto de vista jurídico-penal, deverão ser “expurgados” do libelo acusatório.
Tendo, a final, decidido:
a) Não pronunciar o arguido D pela prática, em autoria imediata, na forma consumada e em concurso efetivo, de 2 (dois) crimes de injúria agravada, previstos e punidos pelos artigos 181.º, n.º 1 e 184.º do Código Penal.
b) Pronunciar, para julgamento em processo comum, com intervenção do tribunal singular, o arguido D, pelos factos constantes da acusação particular deduzida pelo assistente P [expurgada das inocuidades acima referidas], e que consubstanciam a prática, em autoria imediata, na forma consumada e em concurso efetivo, de 2 (dois) crimes de injúria, previstos e punidos pelo artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal.
2.2.5. Proferida a decisão recorrida, em 3 de setembro de 2024, e notificada esta aos sujeitos processuais, foram os autos remetidos para julgamento, tendo, em 17 de setembro de 2024, sido proferido despacho em que, além do mais, considerou o tribunal competente, o processo o próprio, não existindo exceções ou questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa, ordenando ainda a notificação do arguido para contestar e indicar os meios de prova (artigos 311.º, 311.º-A e 311.º-B, todos do CPP), o que o mesmo fez, com a apresentação da correspondente peça processual, em 14 de outubro de 2024.
2.2.6. Na sequência da interposição do presente recurso, a Mma. Juíza de julgamento proferiu, em 24 de outubro de 2024, o seguinte despacho: “Considerando o teor do requerimento apresentado pelo arguido D em 09.10.2024, dê baixa dos autos e devolva ao Juízo de Instrução Criminal – Juiz 1, para os efeitos tidos por convenientes”.

*

3. Como é sabido, a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento (artigo 286.º, n.º 1 do CPP).
Trata-se de uma fase do processo penal que tem carácter facultativo e que, sendo requerida pelo arguido, a comprovação judicial tem por objeto a decisão de deduzir acusação [artigos 286.º, n.os 1 e 2 e 287.º, n.º 1, alínea a), ambos do CPP].
Esta comprovação judicial consubstancia-se, a final, num dos desfechos decisórios indicados no artigo 308.º, n.º 1 do CPP: se até ao encerramento da instrução tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respetivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia.
Como vimos, a decisão instrutória proferida nos presentes autos foi de pronúncia do arguido pelos precisos factos constantes da acusação particular, que o Ministério Público acompanhou na íntegra, sendo que apenas a qualificação jurídica de tais factos foi alterada, imputando-se, de igual modo, os crimes de injúria de que aquele vinha acusado, só que sem a agravação prevista no artigo 184.º do Código Penal.
Uma vez que não houve qualquer alteração entre a matéria da acusação e a da pronúncia, não pode deixar de se considerar que estamos perante uma decisão instrutória que pronunciou o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, formulada nos termos do n.º 4 do artigo 285.º do CPP, conforme dispõe o n.º 1 do artigo 310.º, do mesmo diploma:
A decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, formulada nos termos do artigo 283.º ou do n.º 4 do artigo 285.º, é irrecorrível, mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais, e determina a remessa imediata dos autos ao tribunal competente para o julgamento” (redação da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto).
Donde resulta, pois, que a decisão instrutória proferida nos autos é irrecorrível[1].
Como também é irrecorrível, por identidade de razões, a decisão subsequente à apontada pronúncia que conheça de vícios ou invalidades que a afetem[2], ou que a título de questão prévia nela cumprisse apreciar, por poderem obstar à prolação de uma decisão de mérito na referida sede instrutória.
Ou, mais precisamente, a irrecorribilidade estende-se aos despachos proferidos pelo juiz de instrução que, em momento posterior à prolação da decisão instrutória, conheçam da arguição de nulidades suscetíveis de a invalidarem (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 482/2014[3]).
Com a redação dada ao n.º 1 do artigo 310.º do CPP, o legislador quis imprimir celeridade ao processo penal e decidiu fazê-lo por existir concordância entre a acusação deduzida pelo Ministério Público e o juízo formado pelo juiz de instrução acerca da acusação na fase processual da instrução.
Entendeu que nestes casos as garantias de defesa se encontram salvaguardas e, por isso, podia avançar-se para julgamento sem necessidade de sujeitar a decisão instrutória a uma nova análise, desta feita por um tribunal superior, através do respetivo recurso, permitindo-se, sim, que na fase de julgamento o arguido possa tomar posição sobre vícios processuais ou outros que ainda afetem a sua posição.
Isto sendo certo que como tem sido entendimento constante da jurisprudência constitucional, está “dentro da margem de liberdade do legislador optar pela irrecorribilidade do despacho que pronuncia o arguido pelos mesmos factos constantes da acusação, enquanto despacho intermédio que se limita a determinar a necessidade de o arguido ser sujeito a julgamento, face aos indícios que existem de que ele cometeu um crime, como forma de, em nome dos interesses da celeridade processual, evitar uma demora na realização do julgamento” (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 146/2012[4]).
Ora, o desiderato de celeridade só se consegue alcançar se, efetivamente, não existir possibilidade de impedir que o processo prossiga para a fase de julgamento, tanto mais que são vários os vícios oponíveis à decisão instrutória, sejam vícios que a afetam devido a vicissitudes processuais anteriores que nela se repercutem, sejam vícios da própria decisão, como, por exemplo, a falta de fundamentação ou a omissão de pronúncia.
Daí que a irrecorribilidade determinada no n.º 1 do artigo 310.º do CPP deve também abranger o que for posteriormente decidido pelo juiz de instrução e possa afetar a decisão instrutória, nos termos expostos.
A não se entender assim, “seria, afinal, permitir, por via indireta, a recorribilidade de uma decisão cuja irrecorribilidade resulta claramente da lei” (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 482/2014).
O sentido perfeitamente sedimentado na jurisprudência do Tribunal Constitucional, de que a norma constante do artigo 310.º, n.º 1, do CPP não padece de inconstitucionalidade, não ofendendo o artigo 32.º, n.º 1 da Constituição, assenta no pressuposto essencial de que com a apontada irrecorribilidade subsiste sempre a possibilidade de reapreciação da questão pelo tribunal de julgamento, proferindo, assim, uma decisão passível de recurso e, como tal, sindicável por um tribunal superior.
Na base desta jurisprudência constante está, pois, a ideia de que a natureza meramente provisória do juízo de imputação de factos suscetíveis de integraram a prática de crime que resulta da decisão instrutória de pronúncia permite que qualquer vício ou nulidade que a afete possa sempre ser ainda devidamente conhecido na fase subsequente de julgamento, concretamente em dois momentos: na sentença que vier a ser proferida após o encerramento da audiência de julgamento ou em sede de recurso a interpor da sentença que seja desfavorável ao arguido.[5]
Ora, no caso da arguição de nulidade insanável por falta de promoção do processo pelo Ministério Público, a irrecorribilidade do despacho que a apreciou, indeferindo-a, traduz uma solução normativa que é totalmente conforme com os parâmetros de constitucionalidade atrás referidos, conservando o arguido todas as garantias de defesa, pois, para além de o tribunal de julgamento poder conhecer e decidir da citada invalidade, aquele terá ainda, posteriormente, o direito de contestar por via de recurso a decisão que vier a ser proferida.
Será, pois, nessa fase posterior do processo criminal, a do julgamento, que o arguido poderá sindicar perante uma instância de recurso a decisão proferida pelo juiz de julgamento sobre a questão prévia, garantindo-se, assim, pela intervenção de duas instâncias jurisdicionais diferentes, a tutela judicial efetiva, em tempo útil, do direito que invoca em juízo, sem prejudicar a celeridade do processo criminal em curso e a defesa dos direitos fundamentais que, também com assento constitucional, a reclamam.[6]
Aliás, considerando as características da questão em causa nos presentes autos, nem se concebe que pudesse ser de outro modo, atendendo à possibilidade que o tribunal tem de, no julgamento, alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na pronúncia (artigo 358.º, n.º 3 do CPP) e de, consequentemente, revisitar a questão da natureza particular ou semipública dos crimes imputados e de como isso se pode repercutir nas condições de validade da acusação particular deduzida pelo assistente e da adesão posterior do Ministério Público.
Razões que claramente não encontram paralelo nas que presidiram ao juízo formulado no Acórdão n.º 481/2014, na parte em que julgou inconstitucional a norma do artigo 310.º, n.º 1 do CPP, no sentido de ser irrecorrível a decisão do juiz de instrução, subsequente à decisão instrutória, que aprecie a arguição de nulidade insanável decorrente da violação das regras de competência material do Tribunal de Instrução Criminal.
Os fundamentos que, segundo a referida jurisprudência, determinaram o juízo de inconstitucionalidade nela formulado, não são de todo transponíveis para o presente recurso.
Com efeito, como se afirmou no aresto n.º 481/2014, face à especificidade do caso nele apreciado, não se devia aplicar a jurisprudência firmada pelo Tribunal Constitucional no que toca à não inconstitucionalidade da irrecorribilidade da decisão instrutória na parte em que decide questões prévias ou incidentais. Para tal juízo foi determinante o facto de a questão ali em análise versar sobre uma decisão proferida pelo juiz de instrução respeitante a uma nulidade insanável que forma caso julgado no processo respetivo, se dela não for interposto recurso ou, se o for, assim que transite em julgado a decisão do tribunal superior que a confirme. Devendo, por essa razão, a decisão sobre a nulidade ali em causa ser logo reapreciada pelo tribunal de recurso para salvaguarda das garantias de defesa e tutela efetiva do direito ao juiz legalmente predeterminado (artigo 32.º, n.os 1 e 9 da Constituição)[7].
Daí que no referido acórdão o Tribunal Constitucional tenha concluído que a irrecorribilidade da decisão que conhece da arguição de incompetência material (e da nulidade processual dela decorrente) compromete os valores tutelados pelo princípio do juiz natural, e nessa medida, fere o núcleo essencial do direito de defesa do arguido, desde logo porque a imparcialidade e objetividade exigidas na definição da competência material de um tribunal, numa decisão que surge como determinante para a confiança dos visados, não dispensam a garantia da possibilidade de reponderação por órgão distinto e superior que, sendo negada, significaria admitir a ausência de defesa, e com ela, ausência também de tutela efetiva do direito ao juiz legalmente predeterminado para realizar a instrução, desprezando o núcleo essencial do princípio do juiz natural, constitucionalmente consagrado.
Ora, como resulta claro de todo o exposto, não só as razões consideradas para o juízo de inconstitucionalidade formulado no Acórdão n.º 481/2014 não são minimamente transponíveis para presentes autos, como ainda a ligação indissociável da questão aqui tratada à natureza dos crimes em causa – se particular, se semipública – e, por essa via, à qualificação jurídica dos factos imputados que são levados a julgamento, faz ressaltar o caráter meramente provisório do juízo que resulta da decisão instrutória de pronúncia, bem como o imperativo processual que suscita, no sentido de que a invocada nulidade que a afeta possa ser ainda devidamente conhecida na fase subsequente de julgamento ou em sede de recurso a interpor da sentença que vier a ser proferida.
Termos em que se conclui, pois, pela irrecorribilidade do despacho do Mmo. Juiz de Instrução que apreciou a arguição de nulidade insanável por falta de promoção do processo pelo Ministério Público (artigo 119.º, alínea b), do CPP), subsequente à prolação de decisão instrutória de pronúncia pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, formulada ao abrigo do artigo 285.º, n.º 4 do CPP.
Assim, considerando que o referido despacho é irrecorrível, deve o recurso que o arguido dele interpôs ser rejeitado, em conformidade com o que dispõem os artigos 417.º, n.º 6, alínea b), 420.º, n.os 1, alínea b), e 2, 310.º, n.º 1 e 414.º, n.º 2, todos do CPP.

*

III. DECISÃO

Pelo exposto, decide-se rejeitar o recurso interposto pelo arguido D.
Fixa-se em 3 UC a importância a suportar pelo recorrente, nos termos do artigo 420.º, n.º 3 do CPP.

(A presente decisão foi elaborada e integralmente revista pela signatária – artigo 94.º, n.º 2 do CPP)

Évora, 20 de fevereiro de 2025
Helena Bolieiro
__________________________________________________
[1] Cf. Paulo Pinto de Albuquerque (Org.), Comentário ao Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 5.ª ed. atualizada, vol. II, Universidade Católica Editora, 2023, anotação 1 ao artigo 310.º, pág. 235, fazendo, para o efeito, apelo à decisão do Presidente do TRL, de 21 de dezembro de 2001, proferida no processo n.º 00128235, disponível na Internet em <https://www.dgsi.pt>: É irrecorrível a decisão de pronúncia que, mantendo os factos da acusação do MP, lhe altera a qualificação jurídica.
[2] Cf. António Gama et al, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, tomo III, 2.ª ed. (comentário de Pedro Soares de Albergaria ao artigo 310.º), Almedina, 2022, págs. 1353 e 1354. Cf. ainda a decisão do Vice-Presidente do TRC, de 18 de outubro de 2022, proferida no processo n.º 57/18.8T9MGL-B.C1, disponível na Internet em <https://www.dgsi.pt>.
[3] Acórdão proferido em 25 de junho de 2014, no processo n.º 663/2013, disponível na Internet em <https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos>.
[4] Acórdão proferido em 13 de março de 2012, no processo n.º 621/11, disponível na Internet em <https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos>.
[5] Cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 34/2015, de 14 de janeiro de 2015, proferido no processo n.º 974/14, disponível na Internet em <https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos>, que firmou o juízo de não inconstitucionalidade da norma ínsita no artigo 310.º, n.º1 do CPP, na redação dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, interpretada no sentido da irrecorribilidade da decisão instrutória que pronuncia o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, mesmo na parte em que aprecie e indeferia a questão prévia da prescrição do procedimento criminal, invocada pelo arguido no requerimento de abertura de instrução.
[6] Cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 437/2013, de 15 de julho de 2013, proferido no processo n.º 289/2013, disponível na Internet em <https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos>, no qual se conclui que a norma constante do n.º 1 do artigo 310.º do CPP, mesmo aplicada ao caso dos autos, em que a questão prévia que se discute é da violação do ne bis in idem, ao impedir o recurso da decisão instrutória, no segmento que a aprecia, não deixa carecido de proteção o direito fundamental do arguido de não ser condenado por um crime de que foi (ou pode vir a ser) absolvido ou de não ser sujeito a renovadas sanções penais pela prática de crime pelo qual já foi (ou virá a ser) punido, uma vez que em fase posterior do processo criminal, a do julgamento, poderá sindicar perante uma instância de recurso a decisão que o juiz de julgamento proferiu sobre tal questão prévia.
[7] Cf. António Gama et al, op. cit., pág. 1354.