I - Conclusões demasiado extensas ou prolixas, ou a mera reprodução da motivação, não constitui motivo de rejeição do recurso, mas apenas de convite ao aperfeiçoamento.
II - Constitui jurisprudência assente que se deve distinguir entre a exceção de caso julgado (efeito negativo, absolvição da instância e inadmissibilidade de apreciação de mérito em nova ação) e a autoridade de caso julgado (efeito positivo, o que foi decidido na 1ª ação constitui causa prejudicial duma 2ª ação ou proibição de uma nova ação contradizer o que já foi decidido noutra anterior).
III - Se, numa ação dita de reivindicação de propriedade em que se pede a restituição do prédio livre de pessoas e bens, a Ré suscita a exceção perentória da existência dum contrato de arrendamento, bem como da invalidade/ineficácia das notificações judiciais avulsas que a Autora lhe havia efetuado com fundamento em denúncia para execução de obras de remodelação/restauro profundo no imóvel, a sentença aí proferida, que se pronunciou fundadamente sobre essas questões, constitui caso julgado material num PED posterior relativamente às mesmas questões da invalidade/ineficácia das notificações judiciais avulsas para efeitos de denúncia com o mesmo fundamento da realização das mesmas obras.
IV - O Decreto-Lei n.º 157/2006, de 08/08, que aprovou o regime jurídico das obras em prédios arrendados (RJOPA), constitui uma lei especial, pelo que não é aplicável o regime do CC, como expressamente decorre do nº 11 do seu art.º 1103º.
V - Caso no locado funcione um estabelecimento comercial reconhecido como “de interesse histórico e cultural”, e por força dos nº 7 e 8 do art.º 6º do RJOPA, não é de prefigurar a hipótese de indemnização pela denúncia, uma vez que o regime do reconhecimento e proteção de estabelecimentos e entidades de interesse histórico e cultural impõe que o estabelecimento se deva manter no locado.
VI - A realização das obras que forem necessárias devem respeitar as condicionantes necessárias impostas pelos municípios para esses casos, no âmbito da respetiva competência de controlo prévio urbanístico e demais competências em matéria urbanística.
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I – Resenha do processado
1. A... instaurou procedimento especial de despejo (PED) no Balcão Nacional de Arrendamento contra B..., Lda, pretendendo o despejo de determinado imóvel que havia dado de arrendamento à Ré, para fins não habitacionais (comércio), com fundamento em denúncia para realização de obras de remodelação ou restauro profundo que obrigam à desocupação do locado.
A Ré deduziu oposição. Invocou a ineficácia da(s) notificação(ções) judicial(ais) avulsa(s) e que foi deliberado pela Câmara Municipal do Porto o reconhecimento de interesse histórico e cultural ou social local do estabelecimento comercial da Ré, o que implica a sujeição da pretendida realização de obras de remodelação ou restauro a regras específicas, com intervenção dos Municípios.
Deduziu ainda reconvenção, pedindo a condenação da Autora:
· a pagar-lhe o valor necessário e suficiente para a remoção e transporte das esculturas existentes no estabelecimento despejando, ou o valor destas, a determinar em liquidação posterior ou segundo as regras da equidade;
· a pagar-lhe a quantia global de € 91.817,12, a título de devida indemnização pelos prejuízos sofridos.
A Autora apresentou réplica, sustentando a improcedência da oposição e da reconvenção.
Foi proferido despacho, que admitiu a reconvenção, bem como os meios de prova.
Foi realizada audiência prévia para tentativa de acordo, que não se gorou.
Foi então proferida sentença que julgou o PED improcedente (por não se mostrarem preenchidos os pressupostos para a denúncia) e extinta a instância reconvencional por inutilidade superveniente da lide.
2. Para assim decidir, a sentença considerou assente a seguinte factualidade:
1 – A autora tem registada a seu favor a aquisição da totalidade do imóvel sito à Praça ..., descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto na ficha número ...55/....
2 – Em 27 de julho de 1934, a autora celebrou com a ré, com efeitos a partir de 1 de agosto de 1934, um contrato de arrendamento, respeitante à loja com entrada pelos números ...7 e ...8 do imóvel supra identificado, conforme documento junto a fls. 10 v. e 91, que aqui se dá por transcrito.
3 – O valor da renda mensal em dezembro de 2021, vencida em novembro de 2021, era de € 460,56.
4 – Correu termos com o n.º ... pelo Juízo Central Cível do Porto - Juiz 3, em que foram intervenientes a requerente e a requerida destes autos, no âmbito da qual a autora pediu «1) Declarar-se ser a Autora a legítima e exclusiva proprietária do prédio descrito supra no artigo primeiro, e a posse da Ré ilegal; 2) Condenar a Ré a reconhecer ao Autor esse Direito de Propriedade e a abster-se da prática de qualquer ato que colida ou afete esse direito, designadamente restituindo-lhe o referido imóvel, devoluto de pessoas e bens.», tendo sido proferida sentença que julgou «a ação apenas parcialmente provada e procedente e, em conformidade: a) declaro a autora A..., proprietária do imóvel sito à Praça ..., descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto na ficha número ...55/.... b) absolvo a ré B..., L. da dos demais pedidos deduzidos.»
5 – Através da notificação judicial avulsa datada de 05.04.2023 em que é requerente A... e requerida B..., LDA.
6 - Através desta a requerente notifica a requerida do seguinte:
«1.º A Notificante é dona e legítima proprietária do imóvel sito à Praça ..., ..., inscritos na matriz predial urbana da União das Freguesias ..., ..., ..., ..., ... e ..., sob os artigos ...06º, ...12º, ...18º, ...24º, ...30º e ...36º e descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o número ...55 (mil cento e cinquenta e cinco), da freguesia ..., conforme certidão predial permanente e cadernetas prediais urbanas, adiante juntos, respetivamente, como doc. n.º 1 e doc. n.º 2, e que aqui se têm por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais.
2.º Em 27/07/1934, com efeitos a partir de 01/08/1934, a Notificante celebrou um contrato de arrendamento com a Notificada, respeitante à loja com entrada pelos números ...8 do imóvel supra identificado, tendo como destino o comércio de miudezas, artigos para bordar e da ....
Considerando o supra exposto,
3.º A Notificante, a 20/04/2017, requereu a Notificação Judicial Avulsa da Notificada (doravante N.J.A.), notificação essa que foi distribuída sob o n.º ... no Juízo Local Cível do Porto – Juiz 7, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto e devidamente efetuada em 27/04/2017, conforme certidão de NJA que aqui se junta como doc. n.º 3 e se dá por reproduzida para todos os devidos efeitos legais.
4.º Conforme resulta do teor da mesma, a Notificante manifestou a sua intenção – na realidade, a sua obrigação - de proceder a obras para remodelação/restauro profundo do imóvel já identificado no artigo 1.º desta peça, com vista a fazer face ao estado de degradação do mesmo e, essencialmente, para legalizar, nos termos exigidos pela Portaria n.º 67/2012, de 21 de março, a Estrutura Residencial para Pessoas Idosas (E.R.P.I.) que aí funciona.
5.º De acordo com o termo de responsabilidade que havia sido elaborado pelo projetista da obra, e que já havia sido junto com a supra referida N.J.A., a natureza profunda dessas obras implica a desocupação do locado, porquanto nele irá funcionar a receção associada ao átrio de entrada dispondo de instalações sanitárias para pessoas com mobilidade condicionada, cozinha/copa com controlo de abastecimentos, lavandaria, acessibilidade à portaria e, ainda, elevador preparado para pessoas com mobilidade condicionada destinado aos utentes, tudo isto legalmente exigido para o funcionamento de uma E.R.P.I.
6.º Tal é, então, melhor alcançado pela Memória Descritiva junta com a N.J.A. supra referida (cfr. doc. 4 da N.J.A. ora junta como doc. n.º 3).
7.º Para a realização destas mesmas obras, a Notificante apresentou, em 06/04/2017, junto da Câmara Municipal do Porto, entidade competente ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de outubro, o pedido de licenciamento de obras de alteração e ampliação com n.º ...39/17/CMP, como atesta a Certidão emitida pela Edilidade em 19/04/2017, que foi já junta com a primeira N.J.A., já referida, tal como é possível aferir pelo doc. n.º 6 do doc. n.º 3 ora junto. Assim,
8.º Através da N.J.A. efetuada em 27/04/2017, dada a impossibilidade de suspender o contrato de arrendamento, a Notificante procedeu à denúncia do contrato de arrendamento, ao abrigo da alínea b) do art. 1101.º do Código Civil, conjugado por força do art. 1103.º/11 do CCiv., com o art. 8.º do Decreto-Lei n.º 157/2006, de 8 de agosto, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 79/2014, de 19/12.
9.º N.J.A. essa que foi recebida pela Notificada em 27/04/2017, conforme certidão da mesma já junta como doc. n.º 3, pelo que se deve considerar que a denúncia operou nessa data.
10.º No entanto, essa mesma denúncia carece de confirmação posterior, nos termos do n.º 3 do art. 8.º do Decreto-Lei n.º 157/2006, de 8 de agosto, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 79/2014, de 19/12, mediante comunicação ao arrendatário acompanhada do alvará de licença de obras e de documento emitido pela câmara municipal a atestar que a operação urbanística a realizar no locado constitui uma obra de alteração, ampliação ou reconstrução.
11.º Comunicação essa - de confirmação da denúncia - que se faz com a presente N.J.A., pelo que se junta o alvará de licença das obras de reconstrução, ampliação e alteração com o n.º NUD/...68/2021/CMP (doc. n.º 4), acompanhado do Averbamento n.º 2 ao alvará de licenciamento com a prorrogação de prazo para obras, pelo prazo de 60 dias, emitido em 20/03/2023 (doc. n.º 5) e, ainda, do documento previsto no artigo anterior (doc. n.º 6). Salienta-se que,
12.º Para determinar as exigências para a denúncia do contrato de arrendamento já expostas, atendeu-se ao Decreto-Lei n.º 157/2006, de 8/08, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 79/2014, de 19/12, na medida em que essa era a redação e vigor aquando da data em que se operou a denúncia com a receção, em 27/04/2017, da N.J.A. pela Notificada e que carecia apenas da posterior confirmação.
13.º Tal entendimento baseia-se no art. 12.º do Código Civil, que refere o princípio geral da aplicação das leis no tempo da seguinte forma: 1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular. 2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.
14.º Tal entendimento é partilhado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no âmbito do processo n.º 6208/19.8T8PRT.P1.S1, que dispõe o seguinte: (…) III. Para efeitos de determinação da lei aplicável à denúncia do contrato, afigura-se decisiva a data da sua comunicação pelo senhorio ao arrendatário. É o que resulta do art. 12.º, n.os 1 e 2, do CC, pois o facto que desencadeia o efeito extintivo do contrato de arrendamento não é o decurso do prazo de pré-aviso, mas antes a comunicação da denúncia pelo senhorio ao arrendatário. Por último,
15.º Tendo em conta que as partes não chegaram a acordo para o realojamento da arrendatária nos termos previstos pelo art. 6.º do Decreto-Lei n.º 157/2006, de 8/08, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 79/2014, de 19/12, é devida pela aqui Notificante uma indemnização correspondente a um ano de rendas, nos termos da al. a) do n.º 1 do art. 6.º desse mesmo Decreto-Lei.
16.º Valor esse que, face à renda atual de € 460,56, conforme doc. nº 7 adiante junto, ascende ao montante de € 5.526,72 (cinco mil quinhentos e vinte e seis euros e setenta e dois cêntimos), que será pago pela Notificante no momento da entrega do locado, conforme previsto pelo n.º 5 do art. 8.º do já referido Decreto-Lei. Acresce que,
17.º A entrega do locado deverá ter lugar no prazo de 15 dias contados da receção da presente confirmação de denúncia, nos termos do n.º 4 do art. 8.º desse mesmo Decreto-Lei.
18º A confirmar todo o supra exposto, está a sentença proferida em 23/10/2022, já transitada em julgado, no âmbito do processo de reivindicação de propriedade intentado pela Notificante contra a Notificada e que correu termos sob o número ..., no juiz 3 do Juízo Central Cível do Porto e cuja certidão adiante se junta como doc. nº 8. Termos em que se requer a V. Exa.: Que se digne a ordenar a realização da presente Notificação Judicial Avulsa à Notificada, com entrega de cópia da presente e respetivos documentos, devendo tal notificação ser efetuada por Agente de Execução, a saber, AA, titular da Cédula profissional ...34, com domicílio profissional na Rua ..., no Porto.»
3. Inconformada com tal decisão, dela apelou a Autora, formulando as seguintes conclusões [[1]]:
1. O presente recurso de apelação vem interposto da Sentença proferida em 17/09/2024, que julgou o Procedimento Especial de Despejo (P.E.D.) improcedente, em consequência de ter julgado aquela que referiu ser a única notificação judicial avulsa (N.J.A.), a de 05/04/2023, ineficaz, decisão com a qual não pode a Recorrente, concordar, crendo a Recorrente que ocorreu lapso manifesto na análise efetuada pelo Tribunal a quo da documentação que instruiu o P.E.D.
2. Crê-se que o Tribunal a quo não terá atentado na documentação integral que instruiu o P.E.D. e em todas as peças processuais produzidas no âmbito do mesmo após ter sido distribuído, onde a Apelante demonstrou o cumprimento dos procedimentos legalmente previstos para a denúncia operada com o fundamento invocado, da alínea b) do art. 1101.º do Código Civil, na redação em vigor à data em que operou a referida denúncia.
3. Em suma, tal como consta da douta Sentença, a Recorrente instaurou o P.E.D. em causa com fundamento na denúncia do contrato de arrendamento que havia feito operar na qualidade de senhoria, denúncia essa motivada pela necessidade realização de obras de remodelação ou restauro profundos (para permitir a adaptação do locado para que a E.R.P.I. que funcionava no edifício do mesmo fosse legalizada e pudesse manter-se em funcionamento), obras essas que obrigavam à desocupação do locado pela Recorrida.
4. Ora, o Tribunal recorrido, na fl. 2 da Sentença em crise, refere “Cumpriu-se o contraditório, defendendo a requerente que o presente PED não tem fundamento nas anteriores notificações judiciais avulsas. (…)”, afirmação que apenas se concebe como tendo-se tratado de um lapso, já que em momento algum das suas várias peças processuais a Apelante referiu algo que permitisse levar a concluir nesse sentido.
5. Mas para que dúvidas não restem, transcreve-se de seguida, um dos trechos desse contraditório efetuado à oposição deduzida pela Apelada, onde a aqui Recorrente refere com clareza: “(…) estando meramente a R. a tentar criar uma narrativa onde a A. não poderia confirmar a denúncia que iniciou com a sua Notificação Judicial Avulsa concretizada em 27/04/2017, através da denúncia concretizada agora em 14/04/2023, desde que acompanhada da colocação à disposição da R. do correto valor da indemnização legalmente devida, como fez a A., o que não encontra na lei qualquer obstáculo.” (artigo 7.º do Articulado Superveniente apresentado em 09/06/2023 com a referência 35891996).
6. Tal lapso deixa logo antever que, aquando da elaboração da Sentença, o P.E.D., com tudo o que o compõe e fundamenta, poderá não ter tido a análise e atenção devida, conforme se verá.
7. Por outro lado, não se compreende também como pode o Tribunal recorrido referir a fls. 8 da Sentença em crise: “Começa por se clarificar que é que a notificação judicial avulsa que sustenta o presente PED é apenas uma e só uma a de 05/04/2023.”.
8. E a verdade é que, a Apelante não pode aceitar que seja feita total razia à argumentação por si aduzida ao longo do P.E.D. e aos procedimentos que veio intentando desde abril de 2017 para denunciar, legítima e legalmente, o contrato de arrendamento, o que fez mediante a apresentação de duas notificações judiciais avulsas, tal como exigia a lei em vigor aplicável ao contrato de arrendamento em causa, para que a denúncia com o supra mencionado fundamento pudesse operar, isto é: a primeira N.J.A. que corresponde à primeira etapa da denúncia e que permite operar a mesma e a segunda N.J.A., que corresponde à segunda etapa da denúncia e que permite a confirmação da mesma mediante o cumprimento de determinados requisitos, observados pela Apelante.
9. Com o devido respeito, não se pode aceitar que o Tribunal recorrido declare a total ineficácia dos procedimentos intentados pela Recorrente, e note-se, reconhecidos judicialmente por Decisão transitada em julgado, proferida pelo Juiz 3 do Juízo Central Cível do Porto, no âmbito do processo que correu termos sob o n.º ... e cuja Sentença foi oportunamente anexa à segunda N.J.A., de confirmação da denúncia, como doc. n.º 8, de onde decorre expressamente que tanto a 1ª como a 2ª etapas da denúncia foram eficazmente concluídas.
10. Assim, é incorreto afirmar que o P.E.D. que deu origem aos autos recorridos é sustentado por uma única notificação judicial avulsa, a datada de 05/04/2023. Isto porque,
11. O P.E.D. requerido pela Apelante e que deu origem aos autos recorridos, é sustentado pelas duas notificações judiciais avulsas apresentadas pela Apelante, aquando do envio do Requerimento Especial de Despejo, a primeira delas efetuada em 27/04/2017, fazendo operar a primeira etapa da denúncia do contrato de arrendamento nos termos e com fundamento na alínea b) do art. 1101.º do Código Civil, na sua redação que lhe foi dada pela lei vigente à data, isto é, pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, e a segunda, essa sim, aquela a que se refere a douta Sentença, datada de 05/04/2023 (citação realizada em 14/04/2023), que corresponde à segunda etapa da denúncia e que se destinou a confirmar a denúncia operada em 27/04/2017, tudo nos termos previstos na lei.
12. E dúvidas desta factualidade não poderiam nunca ter surgido na medida em que, antes de mais, com a apresentação do P.E.D., a Apelante começou logo por juntar ambas as notificações judiciais avulsas e fê-lo da única forma que o poderia fazer para não desvirtuar o título na sua posse, ou seja, juntando-as como um só documento, correspondente a um ficheiro de 90 páginas que continha os seguintes documentos pela ordem que aqui se refere: o formulário e a própria N.J.A., de 05/04/2023, correspondente à N.J.A. da segunda etapa da denúncia ou de confirmação da denúncia, a qual continha um conjunto de 8 documentos anexos, entre eles, identificada como doc. n.º 3, a primeira N.J.A., aquela que fez operar a denúncia, e que foi efetuada em 27/04/2017 - esta N.J.A. foi integralmente junta, com todos os documentos que a compõem, incluindo a certidão de notificação, e desenvolve-se entre as páginas 22 a 65 do referido documento.
13. E tal justificou-se porque uma N.J.A. não funciona sem a outra, sendo a validade e eficácia para efeitos de denúncia do referido contrato de arrendamento, conjunta.
Assim, que dúvidas não restem que o título que suporta o P.E.D. que deu origem aos autos recorridos é o título composto pelas duas NJA’s que dele fazem parte integrante. E note-se que tal não suscitou nenhuma dúvida à Recorrida (e aparentemente ao Tribunal) já que nenhuma questão relativamente à forma de junção das duas NJA’s foi levantada durante toda a tramitação do PED.
14. Por outro lado, não se percebem as considerações tecidas a propósito do mecanismo de transição para o N.R.A.U. do contrato de arrendamento que vigorava, pois a Apelante em momento algum invocou tal transição ou tentou utilizar esse mecanismo para efeitos de operar a denúncia.
15. Chegados à motivação da Sentença que de facto se reporta à matéria com relevância discutir, vemos o Tribunal a quo no fim da fl. 10 da mesma, alcançar a concreta matéria relevante para efeitos de concluir pela procedência do P.E.D., e que no entendimento da Recorrente era já facto assente: a possibilidade de a Apelante fundamentar, como fundamentou, a denúncia do contrato de arrendamento na alínea b) do artigo 1101.º do Código Civil.
16. Sucede que, logo aqui mal andou o Tribunal recorrido pois ao transcrever o preceito legal, transcreveu-o na sua redação em vigor à data em que proferiu a Sentença e que é a que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019, de 12/02 – “O senhorio pode denunciar o contrato de duração indeterminada nos casos seguintes: (…) b) Para demolição ou realização de obras de remodelação ou restauro profundos que obriguem à desocupação do locado, desde que não resulte local com características equivalentes às do locado, onde seja possível a manutenção do arrendamento;”.
17. Ora, a redação que importa é aquela que estava em vigor à data em que a denúncia foi operada, em 27/04/2017, e que é a que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto – “O senhorio pode denunciar o contrato de duração indeterminada nos casos seguintes: (…) b) Para demolição ou realização de obra de remodelação ou restauro profundos que obriguem à desocupação do locado”.
18. Tal significa que, no caso concreto, a Recorrente não estava obrigada a ter diligenciado e consequentemente a disso fazer prova, de que não resultava um local com características equivalentes às do locado, onde fosse possível a manutenção do arrendamento.
19. Não obstante, resulta da própria primeira N.J.A., efetuada em 27/04/2017 (cfr. nomeadamente o artigo 9.º), de que não resultaria local com características equivalentes às do locado, tal como resulta dos documentos juntos com as NJA’s, de que, após a execução das obras previstas, o espaço atual do locado passará a integrar zona da E.R.P.I., designadamente a receção associada ao átrio de entrada e dispondo de instalações sanitárias para pessoas de mobilidade condicionada, cozinha/copa com controlo de abastecimentos, lavandaria, acessibilidade à portaria, à cozinha/copa e à lavandaria e elevador preparado para pessoas com mobilidade condicionada destinado aos utentes, pelo que não seria possível a manutenção do arrendamento.
20. De todo o modo, a Recorrente tinha apenas de justificar e provar que a natureza profunda das obras em causa implicava a desocupação do locado, o que fez, nomeadamente através da Memória Descritiva junta como doc. n.º 4 da primeira N.J.A., efetuada em 27/04/2017 (págs. 56 a 59 da N.J.A. completa junta ao P.E.D.), que fez operar a denúncia. Vejamos,
21. Na verdade, na Memória Descritiva começa por se referir que a mesma se reporta às obras de remodelação, alteração e ampliação pretendidas executar no edifício em causa, contextualizando-se de seguida que o edifício pretendido licenciar faz parte de um conjunto de edifícios, o qual estava anteriormente ligado a um conjunto hospitalar muito vasto, com diversos pavilhões e dependências, cuja autonomia completa se pretendia, sendo que, o edifício estava parcialmente ocupado por utentes de um lar pertencente à Recorrente, o qual nunca havia sido devidamente legalizado, apesar de aí funcionar há muitos anos, nunca tendo estado devidamente enquadrado na legislação, o que se pretendia com as obras em questão, impostas nos termos descritos pela Segurança Social, sob pena de, na sua ausência, a referida E.R.P.I. ser obrigada a encerrar, com todas as consequências nefastas que daí adviriam. Mais se acrescentava que a intervenção se repartiria pelo rés-do-chão, 1º, 2º e 3º andares, sendo, portanto, praticamente global no edifício, o que justificava a necessidade premente de desocupação do rés-do-chão onde a Recorrida era arrendatária do locado em causa. Como também ali se referia, em termos de justificação das opções técnicas e da integração da operação, a integração urbana referia-se especialmente ao acesso de utentes e sua área de receção, o que se iria desenvolver precisamente na zona das instalações da loja da Recorrida.
22. E a verdade é que, o Tribunal recorrido, tendo-se a ela reportado, na fl. 11 da douta Sentença, não podia ter obviado que a referida Memória Descritiva era o documento n.º 4 dessa primeira N.J.A., efetuada em 27/04/2017, a tal que operou a denúncia correspondendo à primeira etapa. Mas a verdade é que, fazendo tábua rasa de que a mesma integrava a N.J.A. que o Tribunal tinha tentado olvidar aquando da elaboração da Sentença, pronunciou-se relativamente à referida Memória Descritiva apenas no sentido de considerar que, diante da mesma, não tinha o Tribunal como perceber se as obras de remodelação ou restauro profundo em causa obrigavam à desocupação do locado.
23. Ora, salvo melhor entendimento, só com total abstração a tudo o que se referia naquela Memória Descritiva, poderia ficar-se com dúvidas quanto à necessidade de desocupar o espaço de loja existente no rés-do-chão, do qual a Recorrida era arrendatária.
24. Mais, se atentarmos no doc. n.º 5 ainda dessa primeira N.J.A., que operou a denúncia, temos o respetivo Termo de Responsabilidade onde se declara que “a operação urbanística a realizar constitui obra de remodelação ou restauro profundos nos termos do art.º 4.º do D.L. 157/2006 de 08/08, que obriga à desocupação do locado (….)” pelas razões ali descritas e que ora se transcrevem, na sua parte relevante:
“Ocupação total do rés-do-chão com as seguintes áreas: - receção associada ao átrio de entrada e dispondo e instalações sanitárias para pessoas de mobilidade condicionada; - cozinha/copa com controlo de abastecimentos; - lavandaria; - acessibilidade à portaria, à cozinha/copa e à lavandaria; - elevador preparado para pessoas com mobilidade condicionada destinado aos utentes.”.
25. Assim, face à extensa e robusta fundamentação oferecida pela Apelante nas NJA’s e ainda à descrição nos documentos que acompanharam as mesmas, não se percebe a pertinência das conclusões tecidas pelo Tribunal recorrido ao referir que não tinha como perceber a natureza objetiva das obras e se as mesmas obrigavam à desocupação do locado.
26. O douto Tribunal a quo vem ainda referir que a denúncia com o fundamento em causa é objeto de legislação especial, o Decreto-Lei n.º 157/2006 de 08/08, diploma legal no qual a ora Apelante, já havia baseado todo o seu procedimento para operar a denúncia do contrato de arrendamento em causa e confirmar a mesma, como aliás resulta claro do teor das duas NJA’s onde a ali requerente sempre invocou os artigos aplicáveis do referido diploma, na sua versão em vigor à data em que operou a denúncia, em abril de 2017.
27. Contudo, o Tribunal recorrido vem de seguida invocar a aplicação do referido decreto-lei mas utilizando a última alteração operada pelo Decreto-Lei n.º 66/2019 de 21/05, apenas publicada dois anos depois de a denúncia ter operado, repete-se, em abril de 2017.
28. Na mesma senda, vemos o douto Tribunal a quo mesmo escalpelizar o que “se esperaria da requerente e que, efetivamente, a requerente não cumpriu”, invocando uma vez mais a aplicação do Decreto-Lei n.º 157/2006 de 08/08 na sua versão dada pelo Decreto-Lei n.º 66/2019 de 21/05, versão esta que, repete-se, não estava sequer em vigor à data em que a denúncia operou.
29. Pelo que, quando o Tribunal recorrido, na Sentença em crise, refere que “Nada diz a autora relativamente ao cumprimento deste preceito em caso de não haver acordo” [referindo-se à alínea b) do n.º 1 o art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 157/2006 de 08/08 quanto à obrigação de a Apelante, na qualidade de senhoria, garantir o realojamento da arrendatária por período não inferior a três anos], também não se percebe a nova tentativa de o Tribunal vir aplicar o Decreto-Lei n.º 157/2006 de 08/08 numa redação que não estava em vigor à data em que operou a denúncia, pois, nos termos da Lei n.º 30/2012, de 14 de Agosto, esta sim que estava à data em vigor, o n.º 2 do art.º 6.º, “Caso as partes não cheguem a acordo no prazo de 30 dias a contar da receção da comunicação prevista no n.º 1 do artigo 1103.º do Código Civil, aplica-se o disposto na alínea a) do n.º 1.” E o n.º 1 prevê o “pagamento de uma indemnização correspondente a um ano de renda”.
30. E isto foi escrupulosamente observado pela Apelante, conforme resulta do teor das duas NJA’s juntas com o P.E.D. e que, em conjunto, o suportam.
31. Em suma, as transcrições e considerações tecidas pelo Tribunal recorrido do artigo 1101.º alínea b) do Código Civil e do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 157/2006 de 08/08, que correspondem às redações que não estavam ainda em vigor à data em que operou a denúncia, em 27/04/2017, não são aplicáveis nos termos das regras da sucessão de leis no tempo, pelo que não merecem qualquer colhimento.
32. Termina a Sentença considerando o P.E.D. improcedente, por, alegadamente, não se mostrarem preenchidos os pressupostos para que a Apelante pudesse denunciar o contrato de arrendamento nos termos da alínea b) do artigo 1101.º do Código Civil, o que, com base em todo o supra exposto, se pode concluir corresponder a uma análise incorreta da questão em apreço.
33. Não menos importante é realçar o teor da Sentença proferida no âmbito do processo n.º ..., transitada em julgado junta como doc. n.º 8 com a segunda N.J.A., de confirmação da denúncia, onde se pode ler: “Assim se conclui que a renda a considerar no cálculo da indemnização é a devida no momento da entrega do locado. Ora, no caso dos autos, sendo a renda em vigor em novembro de 2021 de € 460,56, tinha a autora o ónus de liquidar a indemnização de € 5.526,72, no momento da desejada entrega – ainda que se entenda ser aplicável a lei em vigor no momento da anterior denúncia. No entanto, a autora apenas ofereceu à ré um cheque no valor de € 5.376,00. Ainda que se admita que a entrega do cheque vale como pagamento da indemnização, não corresponde o valor nele inscrito ao valor devido. Por força do disposto no n.º 5 do art. 8.º do RJOPA, a declaração de denúncia (ainda) não é eficaz.”.
34. Note-se que a utilização expressa e evidente da palavra “ainda” destina-se a transmitir que a denúncia ainda poderia vir a ser eficaz mediante a observância do requisito relativo ao valor da indemnização ser correspondente a 12 meses da renda atualizada, o que a Recorrente fez agora, através da N.J.A. de confirmação da denúncia operada em abril de 2017, colocando na disponibilidade da Recorrida um cheque no valor de € 5.526,72, conforme doc. n.º 5, junto com o P.E.D.
35. E ainda quanto à validade e eficácia das denúncias, não pode deixar de se invocar o instituto do caso julgado, tratando-se de matéria que já foi julgada pelo douto Tribunal onde correu termos a ação de processo comum, o qual julgou ambas as “etapas” da denúncia, validamente efetuadas, conforme Sentença, transitada em julgado, que de seguida se transcreve nas suas partes relevantes: - “A primeira etapa da denúncia foi eficazmente concluída” e “A segunda etapa da denúncia foi eficazmente concluída, à luz do art.º 8.º, n.º 2, do RJOPA, na redação vigente até 15 de junho de 2017, data da entrada em vigor da Lei n.º 43/2017, de 14 de junho.”.
36. Pelo que, salvo douto melhor entendimento, não pode o Tribunal recorrido vir agora decidir em clara colisão com decisão anteriormente proferida e transitada em julgado, o que sempre não seria legalmente admissível.
37. Assim, e face ao exposto, apenas se pode concluir no sentido de que a Sentença em crise seguramente não teria sido proferida neste sentido se se tivesse atentado com ponderação no título integral junto pela Apelante com o P.E.D., composto pelas duas NJA’s, a correspondente à primeira etapa e que fez operar a denúncia e a correspondente à segunda etapa e que a confirmou.
38. Pelo que dúvidas não restam nem podem restar de que a Apelante cumpriu escrupulosamente todos os procedimentos e preceitos legais aplicáveis, com a observância de todos os requisitos e fundamentos para que a denúncia pudesse operar nos termos legais à data aplicáveis, e por isso de que ambas as etapas da denúncia foram validamente efetuadas, tendo a segunda etapa sido efetuada em 05/04/2023, através da respetiva N.J.A. e ainda de a Apelante ter colocado à disposição da Apelada um cheque no valor de € 5.526,72, assim observando o único requisito que ainda faltava, previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 157/2006 de 08/08, na redação à data vigente, que lhe foi dada pela Lei n.º 30/2012, de 14 de Agosto.
39. Face ao exposto, não se conformando a Recorrente com a decisão proferida nos termos em que o foi, a argumentação supra exposta fundamenta o presente recurso da decisão em crise, devendo ser revogada a douta Sentença e proferida Decisão no sentido de declarar o P.E.D. que deu origem aos autos recorridos, procedente.
Assim se espera por ser de JUSTIÇA.
4. A Ré contra-alegou, invocando a rejeição do recurso e a ampliação do âmbito do mesmo, concluindo assim:
A.- Não é de admitir o recurso e ocorre fundamento de rejeição, porquanto as conclusões das alegações são mera reprodução da motivação destas (art.º 639, nº 1 e 641, nº 2 al. b) do Cód. Proc. Civil).
B.- Ainda que assim se não entenda, o PED, cujo formulário se limita a informar “Fundamento de despejo: Denúncia pelo senhorio”, veio suportado numa só notificação judicial avulsa, que era já a terceira e última feita pela requerente e recorrente à requerida recorrida, ainda que tal viesse acompanhada de 90 páginas, amalgamadas e baralhadas, sem critério processual ou rigor jurídico.
C.- Se, como diz a recorrente, são “duas notificações judiciais avulsas que em conjunto formam o título que permitiu operar e confirmar a denúncia, e se “uma notificação judicial avulsa não funciona sem a outra”, então o PED devia estar suportado, à cabeça e de forma inequívoca, por duas notificações que configurassem a suposta denúncia.
D.- Daí que não surpreenda o que, no rigor dos princípios, diz a douta sentença recorrida, segundo a qual “a notificação judicial avulsa que sustenta o presente PED é apenas uma e só uma de 05.04.2023”.
E.- Donde, não ter a recorrente cumprido os procedimentos legais aplicáveis do disposto no art.º 15, nº 2 al. d) da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro e do previsto nos art.º 1101º, al. b) e 1103º, nºs 1, 2 e 3 do Cód. Civil.
F.- Por outro lado, quanto à lei aplicável, do procedimento de pretensão extintiva por que optou a recorrente, com duas (que na verdade foram três) fases distintas, decorre forçosamente que seja a data de cada uma dessas comunicações que determina a lei aplicável à denúncia.
G.- Os documentos juntos pela recorrente, designadamente a memória descritiva e o termo de responsabilidade do autor do projeto, não têm virtualidades de provar os factos que legitimassem os requisitos procedimentais do PED, muito menos que, após as obras projetadas, não resulte local com características equivalentes ás do locado, onde seja possível a manutenção do arrendamento, conforme preceituado no citado art.º 1101, al. b) do Cód. Civil.
H.- Donde a inexistência do direito invocado pela recorrente, e a ineficácia e ilicitude da denúncia, de que é paradigmático ensinamento jurisprudencial o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (Proc. nº 392/22.0YLPRT.L1-2), transcrito em 10. desta contra-alegação.
I.- Ademais, a consideração, passagem ou segmento que consta da decisão antes proferida (sobre a segunda notificação judicial completamente omitida pela recorrente neste PED), não integra o conceito de fundamento da decisão, nem constitui antecedente ou pressuposto para formar, autonomamente, qualquer caso julgado, relativo a uma decisão de mérito que, nessa parte, foi inteiramente favorável à ali ré e aqui recorrida. Sem prescindir.
J.- Para o caso de assim não se entender, em ampliação do âmbito do recurso, a requerimento da recorrida (art.º 636º do Cód. Proc. Civil), com impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto e sempre prevenindo a possibilidade de apreciação da pluralidade dos fundamentos da defesa.
L.- Estão provados por documentos, sem impugnação ou infirmação, e assentes por acordo das partes, todos os concretos pontos de facto que constam supra no nº 14 e 15desta alegação, que, em ordem a evitarmos supérfluas repetições, aqui se dão integralmente por reproduzidos e integrados, para os devidos e legais efeitos (ut. Art.º 640, nº1 do Cód. Proc. Civil).
M.- Os pontos de facto ali enumerados em 1.1, 1.2, 1.3 estão comprovados documentalmente quanto à 1ª notificação judicial avulsa, a páginas 22 e 25 a 32, quanto ao termo de responsabilidade, a páginas 60 e 61, e quanto à certidão (da CMP), a páginas 62, todas juntas à folha de rosto do formulário do PED, em 31/05/2023, sob o título “comunicação de iniciativa do senhorio”.
N.- Os pontos de facto ali enumerados em 1.4, 1.6 e 1.7, estão provados pelos documentos juntos com a oposição ao PED, sob os n.ºs 2 e 3, 8 e 9, e 10 e 11, respetivamente, e o ponto de facto enumerado em 1.5 (Alvará de Licenciamento de Obras) está a páginas 66 e 67, 68 a 70 e 71, também juntas com as demais que seguem ao PED, sob o título “comunicação de iniciativa do senhorio”.
O.- Com a 1ª NJA a recorrente apenas fez a mera demonstração de ter submetido um pedido de licenciamento para a realização de obras de alteração e ampliação no locado, para remodelação/restauro profundo do imóvel.
P.- Assim, esta 1ª NJA padece, desde logo, de um vício de forma, pois sendo aquelas obras causa da denúncia, seria essencial que então fosse cumprido o Dec. Lei nº 266-B2012, de 31 de Dezembro, a obrigar à determinação do nível de conservação do prédio, a realizar por um arquiteto, engenheiro ou engenheiro técnico inscrito na respetiva Ordem e designado pela Câmara Municipal, para haver garantias de imparcialidade na definição das obras necessárias e na obtenção de um nível de conservação superior com a sua realização, o que não foi observado, nem cumprido.
Q.- A recorrente, depois de proceder à 2ª NJA (que omite neste PED) e face à sentença que indeferiu a sua pretensão de despejar a ré, aqui recorrida, veio proceder à 3ª e última NJA, que está na origem do pedido deste PED.
R.- Esta última NJA veio acompanhada, da mesma Memória Descritiva, do mesmo Termo de Responsabilidade, da mesma Certidão da CMP, mas complementada e agora acompanhada do Alvará de Licenciamento de Obras de Reconstrução Ampliação e Alteração nº NUD ...68/2021/CMP- 1ª Fase, assinado digitalmente em 04/06/2021 e em 16/09/2021, e Anexo ao Alvará, tudo composto por quatro páginas.
S.- Conforme é ensinamento doutrinal (Maria Olinda Garcia, Arrendamento Urbano Anotado, 3ª Ed., pág. 77), pretendendo o senhorio a denúncia para realização de obras de remodelação ou restauro profundo e tratando-se de uma obra sujeita a controlo prévio, nos termos do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (Dec-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro e suas alterações), a comunicação do locador deve ser acompanhada de determinados documentos, respeitantes à obra a realizar, sob pena de ineficácia.
T.- Entre tais documentos, “(…) o senhorio terá também de enviar o documento comprovativo do deferimento do pedido da licença administrativa ou documento comprovativo de que a sua pretensão urbanística não foi rejeitada (quando não se exija licença)”.
“Nestas hipóteses, o locador tem duas opções de comunicação ao arrendatário. Pode comunicar a sua pretensão extintiva apenas depois da obtenção da licença administrativa ou do documento comprovativo de que a sua pretensão urbanística não foi rejeitada; ou pode dividir esse procedimento em duas fases, procedendo a duas comunicações” (citada obra e local).
U.- Como é sabido, “As operações urbanísticas objeto de licenciamento são tituladas por alvará cuja emissão é condição de eficácia da licença” (art.º 74º, nº1 do cit. Dec. Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro).
V.- Assim, com a 1ª NJA, em Abril de 2017, a requerida foi informada da Memória Descritiva das 3 Fases da Obra, do Termo de Responsabilidade do técnico autor do projeto e do pedido de licenciamento das mesmas obras sujeitas a controlo prévio.
X.- Só, com a 2ª NJA, em Outubro/Novembro de 2021, repetida com a 3ª NJA em Abril de 2023, é que a requerida foi informada do deferimento do pedido de licenciamento, com a emissão do Alvará de Licença de Obras (ainda assim, apenas para a 1ª Fase do projeto, sem cumprimento da determinação do nível de conservação imposto pelo referido Dec. Lei nº 266-B/2012, de 31/12).
Y.- Complementarmente, como vimos e consta da certidão junta com a oposição, “a Câmara Municipal do Porto, por deliberação em reunião de Executivo de 12 de Dezembro de 2017, reconheceu o estabelecimento B..., Lda., como estabelecimento de interesse histórico e cultural ou social local, ao abrigo do Programa “Porto de Tradição”, conforme resulta do Edital nº I/400294/17/CMP, de 13 de Dezembro de 2017, afixado no Boletim Municipal e tornado público na referida reunião de Executivo Municipal, nos termos do nº 1, do art.º 6 da Lei nº 42/2017, de 14 de Junho.
Z.- A Lei nº 42/2017, de 14 de Junho, estabelece, designadamente nos seus artºs 2º, 3º e 7º, a definição de estabelecimentos de interesse histórico e cultural ou social local e as medidas de proteção de que estes beneficiam, designadamente em sede de regime jurídico do arrendamento urbano e das obras em prédios arrendados.
AA.- Em conformidade, o regime jurídico das obras em prédio arrendado foi alterado, máxime quanto ao seu artigo 6º e posteriormente, o mesmo Regime Jurídico do Decreto-Lei nº 157/2006, de 8 de Agosto, sofreu ainda outras importantes alterações, designadamente as que constam da Lei nº 43/2017, de 14 de Junho, da Lei nº 13/2019, de 12 de Fevereiro e da Lei nº 2/2020, de 31 de Março, aqui também aplicáveis.
BB- Em suma, a 1ª NJA não operou quaisquer efeitos por falta dos requisitos ou pressupostos condicionantes ao exercício do direito de denúncia ainda em formação, e a omitida 2ª NJA, bem como a 3ª NJA têm esses efeitos neutralizados, mesmo que tais requisitos constitutivos tivessem sido observados e cumpridos, o que nem sequer está demonstrado nos autos.
CC.- Portanto, as referidas comunicações, feitas em dois tempos e momentos separados por larguíssimos anos, são ineficazes e totalmente inoperantes, sendo ilícita a denúncia, razão pela qual mantém-se inteiramente válido e subsistente o contrato de arrendamento, o que é facto impeditivo do PED.
DD.- In casu, estamos perante uma denúncia atípica, justificada e motivada (cit. Art.º 1101, al. b) do Cód. Civil), e o facto que desencadearia o efeito extintivo do contrato de arrendamento não foi e não é a 1ª NJA, por a requerente ter optado por fazer essa comunicação de denúncia apenas com o pedido junto da Câmara Municipal do Porto de licenciamento para a realização de obras de alteração e ampliação, que era manifestamente insuficiente e ineficaz para atingir tal pretensão extintiva.
EE.- E, quando da obtenção de deferimento do alvará ou licença camarária para as obras, os elementos fundantes para a denúncia sempre estavam neutralizados, pela classificação e reconhecimento do estabelecimento locado como de interesse histórico e cultural ou social local, o que sempre seria conducente à nulidade do alvará (art.º 280º do Cód. Civil).
FF.- Finalmente, as disposições legais das já citadas leis, porque revestem natureza imperativa e são de ordem pública, têm aplicação imediata aos contratos de pretérito e abrangem as relações jurídicas que subsistam à data da sua entrada em vigor (art.º 12, nº 2 – 2ª parte do Cód. Civil).
Nestes termos, nos mais de direito aplicáveis que V. Exas doutamente suprirão, pelos fundamentos acima expostos, deverá:
a) Ser rejeitado o recurso da recorrente; Ou,
b) Ser confirmada a sentença recorrida, por falta de requisitos procedimentais e substanciais do PED; Ou,
c) Ampliar-se a matéria de facto impugnada, e o âmbito do recurso, conforme propugnado pela recorrida;
d) E, em qualquer caso, sempre ser julgada a pretendida denúncia, ineficaz, ilícita e de nenhum efeito, e declarar-se a nulidade do alvará de licenciamento das obras.
Assim se dará cumprimento à Lei e fará inteira e merecida Justiça!
5. Já nesta Relação, entendeu-se ser de ponderar o efeito de caso julgado material decorrente do decidido no processo ..., bem como a necessidade de recurso ao PED.
Ouvidas as partes, ambas se pronunciaram.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II - FUNDAMENTAÇÃO
6. Apreciando o mérito do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas questões suscitadas nas conclusões dos recorrentes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art.º 615º nº 1 al. d) e e), ex vi do art.º 666º, 635º nº 4 e 639º nº 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC).
No caso, são as seguintes as questões a decidir:
· se é de rejeitar o recurso
· se existiu erro de julgamento
· se é de ampliar o objeto do recurso.
6.1. Rejeição do recurso
Suscitou a Recorrida a rejeição do recurso com fundamento em que as conclusões são mera reprodução da motivação.
É sabido que são as conclusões que delimitam o objeto do recurso ou thema decidendum, pois a motivação/alegações servirá para explanar ou desenvolver os argumentos na defesa da tese do Recorrente quanto aos pontos da sua discordância.
As conclusões coincidirão assim com as questões que se suscitam no recurso e, por isso, devem ser sintéticas: art.º 639º nº 1 do CPC. Ou seja, elas exercem a dupla função de delimitação do objeto do recurso, mas também o pleno e eficaz exercício do contraditório da contraparte.
Em muitos acórdãos dos Tribunais da Relação se foi dando nota da confusão entre motivação (as razões/fundamentos/argumentos da discordância do decidido pelo Tribunal) e conclusões (quais os assuntos/questões que em concreto se coloca ao Tribunal superior) de recurso. Não obstante, o problema persiste.
Chamado inúmeras vezes a apreciar a questão da rejeição do recurso por conclusões demasiado extensas ou prolixas, ou quando elas não passam de mera reprodução da motivação, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) foi consolidando a jurisprudência no sentido de que tal não constitui motivo de rejeição, mas apenas de convite ao aperfeiçoamento.
«I. O ónus de formulação de conclusões recursórias tem em vista uma clara delimitação do objeto do recurso mediante enunciação concisa das questões suscitadas e dos seus fundamentos, expurgadas da respetiva argumentação discursiva que deve constar do corpo das alegações, em ordem a melhor pautar o exercício do contraditório, por banda da parte recorrida, e a permitir ao tribunal de recurso uma adequada e enxuta enunciação das questões a resolver.
II. “A falta de conclusões” a que se refere a alínea b), parte final, do n.º 2 do artigo 641.º do CPC, como fundamento de rejeição do recurso, deve ser interpretada num sentido essencialmente formal e objetivo, independentemente do conteúdo das conclusões formuladas, sob pena de se abrir caminho a interpretações de pendor subjetivo.
III. Assim, a reprodução do corpo das alegações nas conclusões não se traduz na falta destas, impondo-se, quando muito, o convite ao aperfeiçoamento das mesmas, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 639.º do CPC.» [[2]]
Foi por nós suscitado o convite ao aperfeiçoamento e sintetização das conclusões. De 46 conclusões, a Recorrente logrou reduzir para 39. Acima de tudo, o aperfeiçoamento tornou-as menos prolixas e confusas.
Por outro lado, apesar do trabalho deste Tribunal continuar dificultado na compreensão dos fundamentos da discordância, verifica-se que a Recorrida logrou entender a pretensão e exerceu o contraditório.
Aliás, não se pode deixar de assinalar que a Recorrida incorreu no mesmo vício que imputa à contraparte, já que no seu recurso subordinado, em 26 números/pontos de alegações (alguns com vários parágrafos), logrou apresentar 30 conclusões.
Assim, não é de rejeitar o recurso.
6.2. Erro de julgamento na aplicação do direito aos factos
§ 1º - Sobre o caso julgado material, constitui jurisprudência assente que se deve distinguir entre a exceção de caso julgado (efeito negativo, absolvição da instância e inadmissibilidade de apreciação de mérito em nova ação) e a autoridade de caso julgado (efeito positivo, o que foi decidido na 1ª ação constitui causa prejudicial duma 2ª ação ou proibição de uma nova ação contradizer o que já foi decidido noutra anterior).
«A autoridade de caso julgado da sentença transitada e a excepção de caso julgado constituem efeitos distintos da mesma realidade jurídica, pois enquanto que a excepção de caso julgado tem em vista obstar à repetição de causas e implica a tríplice identidade a que se refere o art.º 498º do CPC (de sujeitos, pedido e causa de pedir), a autoridade de caso julgado de sentença transitada pode actuar independentemente de tais requisitos, implicando, contudo, a proibição de novamente apreciar certa questão.» [[3]]
E desde há muito que a doutrina assim o entende, designadamente Alberto dos Reis [[4]], Manuel Domingos de Andrade [[5]] e Miguel Teixeira de Sousa, que estabelece a fronteira entre as duas figuras nos seguintes termos:
i) com a “excepção do caso julgado” visa-se evitar o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito, ao passo que a figura da “autoridade do caso julgado” tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda - o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida;
ii) com a “excepção do caso julgado” visa-se evitar que o órgão jurisdicional duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior, ao passo que na “autoridade do caso julgado”, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada. [[6]]
Por outro lado, é hoje também pacífico que a autoridade de caso julgado não incide apenas sobre o dispositivo da sentença anterior, abrangendo ainda os seus fundamentos, como resulta da seguinte transcrição:
«Realmente – como é corrente na doutrina e na jurisprudência – neste domínio há que fazer um distinguo entre a excepção do caso julgado – e a autoridade do caso julgado. E a distinção é de extraordinária relevância, dado que, não se tratando da excepção do caso julgado, mas da autoridade do caso julgado, se prescinde da apontada relação de identidade no tocante ao pedido e à causa petendi – que é substituída pela relação de prejudicialidade – mas não da de identidade subjectiva, uma vez que, como reflexo do princípio do contraditório, os terceiros não podem ser prejudicados, nem beneficiados, pelo caso julgado de uma acção em que não participaram, nem foram chamados a intervir. Na verdade, só no tocante à excepção do caso julgado – dado que assenta na ideia de repetição de causas – deve reclamar-se uma identidade quanto aos elementos subjectivos – partes – e objectivos – pedido e causa de pedir – da instância (art.º 580.º, n.º 1, do CPC).
O caso julgado está, porém, sujeito a limites, designadamente objectivos.
No tocante aos limites objectivos – i.e., ao quantum da matéria que foi apreciada pelo tribunal que recebe o valor da indiscutibilidade do caso julgado – este abrange, decerto, a parte decisória do despacho, da sentença ou do acórdão, i.e., a conclusão extraída dos seus fundamentos (art.º 607.º. n.º 3, do CPC). O problema está, porém, em saber se - de harmonia com uma concepção restritiva, apenas cobre a parte decisória da sentença ou antes se estende – de acordo com uma concepção ampla - a toda a matéria apreciada, incluindo os fundamentos da decisão.
Apesar do carácter espinhoso do problema, tem-se por preferível uma concepção intermédia, para o qual se orienta, ao menos maioritariamente, a jurisprudência: o caso julgado abrange todas as questões apreciadas que constituam antecedente lógico indispensável da parte dispositiva da sentença. Realmente, como toda a decisão é a conclusão de certos pressupostos de facto e de direito, o caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos. Assim, reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado, não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independente dos respectivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos – e atinge esses fundamentos enquanto pressupostos dessa decisão. Ou noutra formulação: os pressupostos da decisão são cobertos pelo caso julgado – enquanto pressupostos da decisão, ficando fora do caso julgado tudo o que esteja contido na sentença, mas que não seja essencial ao iter iudicandi.» [[7]]
§ 2º - Visto isto, e como resulta dos factos provados, correu termos uma ação (processo nº ...), em que foram intervenientes as mesmas partes, e na mesma qualidade.
Nessa ação, a Autora pedia
· Declarar-se ser a Autora a legítima e exclusiva proprietária do prédio descrito supra no artigo primeiro, e a posse da Ré ilegal;
· Condenar a Ré a reconhecer ao Autor esse Direito de Propriedade e a abster-se da prática de qualquer ato que colida ou afete esse direito, designadamente restituindo-lhe o referido imóvel, devoluto de pessoas e bens.».
Sucede que, por iniciativa da Ré foram trazidas aos autos exceções perentórias para obstar à pretendida restituição do prédio.
Assim, na sua contestação invocou o contrato de arrendamento que as unia, considerando-o válido e eficaz. E mais invocou as notificações judiciais avulsas (NJA) que a Autora lhe havia efetuado com fundamento na execução de obras para remodelação/restauro profundo no imóvel, (a 1ª em 27/04/2017, que considerou inválida por vício de forma; a 2ª em 04/11/2021, que considerou ineficaz). Por fim, invocou ter-lhe sida reconhecida a qualidade de “estabelecimento de interesse histórico e cultural ou social local”, o que condiciona as operações urbanísticas que a Autora pretende levar a cabo, bem como o exercício do direito de denúncia que se pretendia com as NJA.
E, a terminar, deduziu reconvenção, peticionando a condenação da Autora: (i) a pagar à ré reconvinte o valor necessário e suficiente para a remoção e transporte das esculturas existentes no estabelecimento despejando, ou o valor destas, a determinar em liquidação posterior ou segundo as regras da equidade; (ii) a pagar à ré reconvinte a quantia global de €ur. 91.817,12, a título de devida indemnização pelos prejuízos sofridos.
Ora, na sentença proferida nessa ação nº ..., transitada em julgado, decidiu-se julgar «a ação apenas parcialmente provada e procedente e, em conformidade:
· declaro a autora A..., proprietária do imóvel sito à Praça ..., descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto na ficha número ...55/....
· absolvo a ré B..., L. da dos demais pedidos deduzidos.
Porém, melhor escalpelizada a sentença, temos que nela foi expressamente abordada a questão da denúncia do contrato aqui em causa, em especial as notificações judiciais avulsas operadas em 27/04/2017 e em 04/11/2021 (1ª e 2ª NJA), tendo-se concluído que ambas foram eficazmente concluídas.
Sem margem para dúvidas, aí se refere:
· “A primeira etapa da denúncia foi eficazmente concluída” – ponto 2.1. da sentença.
· “A segunda etapa da denúncia foi eficazmente concluída, à luz do art.º 8º nº 2 do RJOPA, na redação vigente até 15 de junho de 2017, data da entrada em vigor da Lei nº 43/2017, de 14 de junho.” - ponto 2.2. da sentença
Na verdade, a ação só soçobrou quanto ao restante pedido (restituição do prédio), em virtude do montante da indemnização.
Como resulta do ponto 2.3. da sentença, havia ainda que decidir sobre a indemnização devida pela denúncia. E considerou-se neste particular que o montante da indemnização a pagar teria de ser o devido “no momento da entrega do locado”. Ora, fruto das delongas que existiram, o montante inscrito no cheque entregue pela Autora era o correspondente à denúncia de 2017, quando a entrega do locado se deveria ter operado em 2021.
Nessa medida, julgou-se ter existido um montante inferior ao devido quanto ao pagamento da indemnização, nos seguintes termos: «Assim se conclui que a renda a considerar no cálculo da indemnização é a devida no momento da entrega do locado. Ora, no caso dos autos, sendo a renda em vigor em novembro de 2021 de € 460,56, tinha a autora o ónus de liquidar a indemnização de € 5.526,72, no momento da desejada entrega – ainda que se entenda ser aplicável a lei em vigor no momento da anterior denúncia. No entanto, a autora apenas ofereceu à ré um cheque no valor de € 5.376,00. Ainda que se admita que a entrega do cheque vale como pagamento da indemnização, não corresponde o valor nele inscrito ao valor devido. “Por força do disposto no nº 5 do art.º 8º do RJOPA, a declaração de denúncia (ainda) não é eficaz.” (sublinhado nosso)
E, em conclusão (ponto 3 da sentença): «Não tendo a Autora satisfeito o seu ónus previsto no nº 5 do art.º 8º do RJOPA (…), a denúncia não produziu efeitos, pelo que a Ré goza de título legítimo para ocupar o imóvel.».
Compaginando com a presente ação nº 878/23.0YLPRT vemos que, apesar de se ter iniciado por um PED, a Requerida (Ré na outra ação) suscitou as mesmas questões em sede de oposição. Na verdade, invocou aqui também as mesmas duas NJA’s (operadas em 20/04/2017 e em 28/10/2021), atribuindo-lhes os mesmos vícios
Apesar da diversa terminologia jurídica, em ambas as ações se pretendia o mesmo efeito prático já que um despejo (esta ação) se traduz na restituição do prédio, livre de pessoas e bens (ação anterior). [[8]]
De qualquer forma, a oposição em ambas as ações traduz também a invocação da mesma factualidade que integra a mesma exceção perentória.
Na verdade, como se conclui no acórdão do STJ atrás referido (de 17/12/2024, processo nº 2868/23.3T8VRL.G1.S1), operando as devidas adaptações, a questão jurídica fundamental que foi discutida no primeiro processo judicial tinha a ver com os pressupostos da denúncia efetuada pelo senhorio e com a verificação da validade e eficácia das NJA’s.
Relembra-se que na anterior ação, a mesma só improcedeu porque se considerou não estar ainda verificado um outro pressuposto (que não as comunicações de denúncia, NJA’s), ou seja, o montante indemnizatório a pagar não estava correto.
Resta, pois, concluir que em relação às notificações judiciais avulsas efetuadas em 20/04/2017 e em 28/10/2021 se operou o caso julgado com a sentença proferida na ação nº ..., onde se decidiu especificamente a questão da denúncia para realização de obras de remodelação ou restauro profundo.
A validade e eficácia de ambas essas NJA’s transitaram em julgado e não podem voltar a ser discutidas nestes autos.
§ 3º - Assim sendo, resta apenas verificar se foi, entretanto, cumprido o requisito final respeitante ao montante correto da indemnização devida, que era o requisito em falta ao tempo da prolação da sentença proferida na ação nº ....
Na verdade, segundo o processualismo imposto pelo Decreto-Lei n.º 157/2006, de 08/08, que aprovou o regime jurídico das obras em prédios arrendados (RJOPA), além da declaração de denúncia e da declaração confirmatória (art.º 8º RJOPA) —que já vimos terem sido consideradas válidas e eficazes —, a lei impunha um outro requisito (art.º 6º) – o pagamento duma indemnização ou o realojamento do locatário.
Apesar de o Código Civil (CC) regular também sobre a denúncia para realização de obras de remodelação ou restauro profundos que obriguem à desocupação do locado [art.º 1101º al. b)], não é este o regime aplicável, pois que o nº 11 do art.º 1103º CC refere expressamente que essa denúncia “é objeto de legislação especial, sem prejuízo do disposto nos números anteriores”.
Ora, ficou bem explícito na sentença proferida na ação nº ... que “a renda a ter em consideração tem de ser a renda em vigor no momento em que deve ser liquidada a indemnização”; ou, dito de outra forma, “a renda a considerar no cálculo da indemnização é a devida no momento da entrega do locado” (ponto 2.3. da sentença).
Não se tendo logrado o consenso quanto ao realojamento, assiste à locatária o direito a uma indemnização no valor mínimo correspondente a dois anos de renda, não podendo este ser inferior a duas vezes o montante de 1/15 do valor patrimonial tributário do locado.
O PED foi iniciado em maio de 2023 e a notificação judicial avulsa (NJA) foi concretizada em 14/04/2023, aí se explicitando que se pretendia a entrega do locado para 15 dias após a receção dessa NJA.
Mas, mais se denota que a Autora lavrou em erro pois que utilizou para o cálculo a redação do preceito introduzida pela Lei n.º 79/2014, de 19/12, que estipulava apenas um ano de renda (cf. ponto 15 da NJA 14/04/2023).
Portanto, se a entrega do locado se deveria operar em 2023, já estava em vigor a alteração introduzida ao art.º 6º do RJOPA pela Lei nº 13/2019, de 12/12, o mesmo acontecendo em 2021.
E, essa redação da al. a) do nº 1 do art.º 6 do RJOPA determina que a indemnização será “no valor mínimo correspondente a dois anos de renda, não podendo este ser inferior a duas vezes o montante de 1/15 do valor patrimonial tributário do locado”.
Depois, o nº 5 do art.º 8º do RJOPA impõe ainda que “Metade da indemnização deve ser paga após a confirmação da denúncia e o restante no ato da entrega do locado, sob pena de ineficácia”.
Em 2023, o valor da renda era de € 460,56 (doc. 7 junto com a NJA), pelo que o montante total da indemnização é de € 11.053,44 (= 460,56 x 24 meses) e a metade desse montante importaria em € 5.526,72.
Portanto, a forma correta de pagamento da indemnização seria o pagamento de € 5.526,72 juntamente com a NJA de 14/04/2023 e idêntico montante no ato da entrega do locado.
Não foi isso que a Autora ofereceu. No ponto 16 da NJA refere a Autora que esse montante de € 5.526,72 “será pago pela Notificante no momento da entrega do locado, conforme previsto pelo n.º 5 do art.º 8.º do já referido Decreto-Lei”.
O valor oferecido pela Autora (€ 5.526,72) não corresponde ao valor devido. Donde, a denúncia não reuniu todos os pressupostos, pelo que não pode ser considerada eficaz.
§ 4º - Mas outras implicações existem, decorrentes do reconhecimento do estabelecimento da Autora como “de interesse histórico e cultural ou social local”, o que aconteceu em dezembro de 2017.
A Lei n.º 42/2017, de 14 de junho (em vigor desde 24/06/2017) veio determinar o reconhecimento e proteção de estabelecimentos e entidades de interesse histórico e cultural. [[9]]
O art.º 7º dessa Lei nº 24/2017 consignou que uma dessas medidas de proteção era a prevista no regime jurídico das obras em prédios arrendados. Em conformidade, procedeu a alterações ao Decreto-Lei n.º 157/2006 (RJOPA).
Ora, o art.º 6º nº 7 e 8 do RJOPA passou a estabelecer o seguinte:
7 - O regime previsto no presente artigo não é aplicável nos casos em que um estabelecimento ou uma entidade situados no locado tenham sido reconhecidos pelo município como de interesse histórico e cultural ou social local, nos termos do respetivo regime jurídico, casos em que o estabelecimento ou entidade se mantém no locado.
8 - Em caso de remodelação ou restauro profundos de imóvel em que esteja situado estabelecimento ou entidade reconhecidos como de interesse histórico e cultural ou social local, cabe aos municípios salvaguardar a manutenção da atividade e património material existentes no locado, designadamente impondo para o efeito as condicionantes necessárias, no âmbito da respetiva competência de controlo prévio urbanístico e demais competências em matéria urbanística.
O regime desse art.º 6 estabelecia sobre a hipótese alternativa de realojamento ou indemnização, referindo os pressupostos para cada uma dessas hipóteses.
Assim, de acordo com o nº 7 e 8, ficou ressalvada a situação dos estabelecimentos e entidades de interesse histórico e cultural, nos seguintes termos:
· no caso desses estabelecimentos, não há lugar à alternativa realojamento versus indemnização; ao contrário, o estabelecimento “mantém-se no locado”, significando que não existe a hipótese de indemnização (nº 7);
· os municípios ficam com o ónus de salvaguardar a manutenção da atividade e património material existentes no locado, designadamente impondo para o efeito as condicionantes necessárias, no âmbito da respetiva competência de controlo prévio urbanístico e demais competências em matéria urbanística [nº 8 + art.º 3º nº 1 al. d) da Lei nº 42/2017].
Ou seja, no caso da Ré não é sequer de prefigurar a hipótese de indemnização, uma vez que o regime do reconhecimento e proteção de estabelecimentos e entidades de interesse histórico e cultural impõe que o estabelecimento se deva manter no locado.
Isto sem prejuízo, naturalmente, que se possa proceder às obras que forem necessárias, mas que devem respeitar as condicionantes necessárias impostas pelos municípios, no âmbito da respetiva competência de controlo prévio urbanístico e demais competências em matéria urbanística.
De tudo isto se conclui que a denúncia não respeitou os condicionalismos legais, pelo que não pode ser considerada válida nem eficaz.
Donde, a improcedência da apelação.
6.3. Ampliação do objeto do recurso
A ampliação do objeto do recurso tem natureza subsidiária, significando isso que só dele se toma conhecimento no caso de procedência do recurso principal: art.º 636º nº 1 e 2 e art.º 554º nº 1 a contrario.
Nessa medida, tendo improcedido a apelação, fica prejudicado o conhecimento da ampliação do respetivo âmbito, suscitada pela Recorrida.
7. Sumariando (art.º 663º nº 7 do CPC)
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III. DECISÃO
8. Pelo que fica exposto, acorda-se nesta secção cível da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação e em considerar prejudicado o conhecimento da ampliação do objeto do recurso.
Custas do recurso a cargo da Recorrente, face ao decaimento.
Tendo sucumbido no recurso, ficam a cargo dos recorridos as respetivas custas: art.º 527º nº 1 e 2 do CPC.
Porto, 20 de fevereiro de 2025
Relatora: Isabel Silva
1º Adjunto: Isoleta Almeida Costa
2º Adjunto: Isabel Peixoto Pereira
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[[1]] Trata-se das conclusões “aperfeiçoadas”, na sequência do despacho emitido por nós para o efeito.
[[2]] Acórdão do STJ de 16/12/2020, processo nº 2817/18.0T8PNF.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt/, sítio a atender nos demais arestos que vierem a ser citados sem outra menção de origem.
No mesmo sentido, e do mesmo STJ, acórdão de 09/07/2015, processo nº 818/07.3TBAMD.L1.S1), de 06/07/2017, processo nº 297/13.6TTTMR.E1.S1), de 27/11/2018, processo nº 28107/15.2T8LSB.L1.S1) e de 07/03/2019, processo nº 1821/18.3T8PRD-B.P1.S1).
[[3]] Acórdão STJ de 13/12/2007 (processo nº 07A3739).
[[4]] “Revista de Legislação e de Jurisprudência”, Ano 80.º, página 393.
[[5]] “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, pág. 318 e seguintes.
[[6]] “O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material”, in BMJ 325º, pág. 49 e seguintes.
[[7]] Acórdão do STJ de 29/10/2024, processo nº 2985/20.1T8FNC.L1.S1.
[[8]] É certo que o 1º pedido da ação anterior respeitava ao reconhecimento do direito de propriedade. Porém, por pedido não deve entender-se tudo aquilo que formalmente é expresso como tal, exigindo-se, antes, que ele traduza ou consubstancie a substancialidade jurídica que a causa de pedir lhe atribui.
Concatenado tal pedido com a causa de pedir que fundamenta a ação, resulta claro que a qualidade de proprietário ou o reconhecimento do correspondente direito, funciona como pressuposto da ação, como antecedente lógico ou premissa daquela que era a verdadeira pretensão da Autora, ou seja, o pedido subsequente de restituição do referido imóvel, devoluto de pessoas e bens.
Como refere Alberto dos Reis, “Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. III, pág. 148: «A acção de reivindicação é uma acção de condenação; mas toda a condenação pressupõe uma apreciação prévia, de natureza declarativa. De maneira que, ao pedir-se o reconhecimento do direito de propriedade (efeito declarativo) e a condenação na entrega efectiva (efeito executivo), não se formulam dois pedidos substancialmente distintos, únicamente se indicam as duas operações ou as duas espécies de actividade que o tribunal tem de desenvolver para atingir o fim último da acção». - No mesmo sentido, Rodrigues Bastos, “Notas ao Código de Processo Civil”, III, pág. 16; ac. da R. P. de 18.07.978 (C.J., ano III, 4º, 1213) e ac. R.C. de 04.01.983 (B.M.J. nº325, pág.610).
[[9]] Esta Lei foi, entretanto, alterada pela Lei nº 1/2023, de 09/01. Porém, esta alteração não será aqui aplicável uma vez que a Lei nº 1/2023, de 09/01 previne apenas “a manutenção da proteção das lojas com história que tenham transitado para o NRAU até 31 de dezembro de 2027”. Ora, é pacífico nos autos que o contrato de arrendamento aqui em causa não transitou para o regime do NRAU.