MANDATO FORENSE
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
PERDA DE CHANCE
ÓNUS DA PROVA
Sumário

I - Questão de facto é a que envolve os acontecimentos ou circunstâncias do mundo exterior, os fenómenos da natureza, as manifestações concretas dos seres vivos, as atuações dos seres humano (tudo o que acontece, se faz ou é feito), incluindo as do foro interno.
II - Todas as proposições conclusivas ou normativas devem ser excluídas da fundamentação de facto da sentença. É este, o entendimento que resulta da redação atual do artigo 607º nº 3 e 4, do CPC, mesmo perante a não transposição para o novo código do anterior 646º nº 4, que consignava expressamente que “se têm por não escritas as respostas do Tribunal sobre questões de direito.”
III - São requisitos cumulativos da responsabilidade civil de mandatário forense a prova do incumprimento do mandato forense e do dano «perda de chance» e da causalidade entre esse dano «perda de chance» e a conduta lesiva.

Texto Integral

Processo: 4154/22.7T8MAI.P1

Sumário (artigo 663º nº 7 do Código de Processo Civil)
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ACORDAM OS JUÍZES DA 3ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I RELATÓRIO
AA, intentou a presente ação contra BB, Advogada, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe:
i) A quantia total de 14.411,86€ (catorze mil, quatrocentos e onze euros e oitenta e seis cêntimos) a titulo de indemnização pela perda de chance;
ii) A quantia de 9.000,00€ (nove mil euros) a titulo de indemnização pelos danos não patrimoniais, acrescido de juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento, indemnização que peticiona pela responsabilidade civil contratual.
Fundamenta o pedido em execução imperfeita de mandato forense e correspondentes prejuízos.
A Ré contestou.
Por despacho proferido nos autos em 10-01-2023 foi admitida a intervenção principal provocada da Companhia de Seguros “A... Company SE”.
A Companhia de Seguros “A... Company SE” também contestou.
A seu tempo foi proferida sentença que julgou a ação improcedente.
Fundamentação de facto:
Foram declarados provados os seguintes factos (relevantes e desprovidos de asserções conclusivas):
1. A Autora após a citação levada a cabo pela agente de Execução CC e dentro dos vinte dias concedidos para o efeito, contratou a Ré para a representar no âmbito do processo nº 5806/12.5TBMAI - correspondente a uma execução que correu termos no Juízo de Execução da Maia - Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto.
2 (4/5). Tendo para o efeito a Autora outorgado procuração a favor da aqui Ré, para a representar no processo de execução comum, instaurado por DD, que deu origem ao processo 5806/12.5TBMAI e que correu termos no Juízo de Execução do Tribunal Judicial da Maia, e para apresentar embargos de executado/oposição à execução no âmbito da execução nº 5806/12.5TBMAI, juntando para prova da alegada inexistência da dívida os documentos pertencentes à A. e referidos em 4.
3. A R. aceitou o patrocínio jurídico da Autora, após se inteirar da situação controvertida, na altura, e depois de analisar toda a documentação que a Autora possuía, nomeadamente, contrato de cessão de estabelecimento comercial, cópia de cheque entregue à DD, comprovativos de entrega de stock à exequente, que a A. disponibilizou à R. e que ficaram na sua posse, sendo o original quanto ao último documento.
6. O processo referido em 2 tem como título executivo um cheque emitido pela A. e entregue a DD em 29/03/2012, sendo que a execução foi instaurada em 28-09-2012, constando do requerimento executivo:
“Objecto da Execução: Pagamento de Quantia Certa - Dívida civil [Cível]
Título Executivo: Cheque
Factos:
Exequente e Executada, no âmbito do contrato de exploração de estabelecimento comercial, entre aquela e o marido desta, acordaram na aquisição pela Executada à Exequente da mercadoria que se encontrava no estabelecimento comercial, objeto do contrato atrás referido.
Para o pagamento da referida mercadoria aquela emitiu, o título que agora se dá à execução, no montante de € 9.625,00, a tal valor acresce a quantia de € 25,00, referente a despesas de devolução do cheque.
A Executada apesar de interpelada para tal não pagou nem entregou, até à presente dará a mercadoria que adquiriu à Exequente.”
7. O marido da aqui Autora celebrou a 1 de março de 2012, com DD – ali exequente, um contrato de Cessão de Exploração de Estabelecimento Comercial de venda a retalho de jornais, revistas e artigos de papelaria, sito na ..., ... Maia, freguesia ....
8. No contrato, ficou omisso o facto de a aqui Autora, ora executada, e o marido terem ficado com a mercadoria integrante do estabelecimento comercial, objeto do mesmo.
9. Por esse mesmo facto, aquando da celebração do referido contrato, no mesmo dia e hora, a ali executada e aqui A, entregou àquela exequente, um cheque datado e assinado, no valor de 9.625,00€ (nove mil seiscentos e vinte e cinco euros) para garantir a referida mercadoria, cheque esse entregue pela A. como caução do valor do stock do estabelecimento comercial.
10. A ali exequente DD nunca devolveu o cheque e apresentou-o a pagamento em Agosto de 2012.
11. A própria Ré disse à A. que a execução instaurada pela DD, após análise da documentação que lhe foi entregue pela A., tudo apontava para o sucesso dos embargos da aqui A., atendendo a toda a relação subjacente à emissão e entrega do cheque, dado à execução.
(…)
13. A Ré não apresentou nos vinte dias após a citação a Oposição à Execução /Embargos de Executado, tendo esta entrado em juízo, no 3º dia de multa, conforme resulta da petição de embargos junta no apenso A do processo executivo e aqui se dá por reproduzida.
14. Foi a R. notificada pelo tribunal de Execução da Maia a 22-04-2014 para pagar a taxa devida pela prática do ato no 3º dia útil subsequente ao termo do prazo, nos termos do art. 139º/nº 5 - c) do CPC, com a penalização prevista no nº 6 do mesmo preceito legal.
15. A Ré não pagou a taxa e a multa devidas, mesmo depois de notificada pelo tribunal para o efeito com junção da respetiva guia de pagamento remetida à aqui Ré, nem tão pouco deu conhecimento à A. que haveria que pagar a taxa pela prática no 3º dia útil seguinte ao do termo do prazo, nem, do pagamento de qualquer multa.
16. A R. nunca informou a A. desta situação, omitindo completamente tal notificação para pagamento de taxa e multa, bem como, o próprio estado do processo.
17. Face à falta de pagamento da taxa e multa devidas, o Sr. Juiz do Juízo de execução do Tribunal Judicial da Maia, por conclusão datada de 4-04-2015 proferiu sentença que consagrava:
“ A executada apresentou a petição inicial de embargos de executado no 3º dia útil subsequente ao termo do prazo previsto no art. 728º, nº 1 do Código de Processo Civil, sem que tivesse procedido ao pagamento da multa a que alude o art. 139, nº 5, c), do mesmo diploma.
Por tal motivo, foi emitida a guia de multa correspondente à prática do ato no 3º dia útil subsequente ao termo do prazo com a penalização prevista no nº 6, da mesma disposição legal, tendo a executada sido notificado para proceder ao seu pagamento, conforme resulta de fls. 11 e 12
Apesar de notificada para tal, decorreu o respetivo prazo sem que executada tivesse procedido ao seu pagamento, conforme resulta de fls 13.
Pelo exposto: - Declaro perdido o direito da executada a praticar o ato de apresentação da petição inicial de embargos de executado, considerando-se em consequência a mesma sem qualquer efeito.
Custas do incidente pela executada, que se fixa em 1 (uma) UC, nos termos do disposto nos artigos 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil e 7º, nº 4, do Regulamento das Custas Processuais.

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18. A Ré foi notificada de tal sentença via citius a 14-04-2015, e não deu conhecimento à A. do teor da sentença proferida (…), tendo a execução nº 5806/12.5TBMAI prosseguido os seus termos - inclusive, as diligências subsequentes à penhora da casa morada de família da A., de seu marido e dos seus dois filhos menores.
19. A Ré não procedeu à entrega de qualquer documento que lhe foram entregues pela A., aquando da apresentação aos autos da oposição à execução / embargos de executado.
20. Em finais de fevereiro de 2017, a A. recebe notificação com uma guia para pagar ao tribunal no valor de 102,00€ e contacta a Ré, cerca de dois dias após, no sentido de a questionar não só a que se deve o pagamento daquele valor, bem como, porque motivo não é agendado julgamento.
21. Informando a R. nessa altura que estaria a tentar resolver a questão por acordo com a mandatária da exequente.
22. Desde março de 2017 até janeiro de 2020, a A. foi contactando a Ré via telemóvel, umas vezes conseguia e a Ré informava-a que ainda estava a tentar o acordo, mas, na maior parte das vezes nem sequer atendia o telemóvel e/ou devolvia a chamada à aqui A.
23. Em finais de janeiro de 2020, com a ajuda da sua amiga Solicitadora - EE, a A. toma conhecimento pela Sra. Agente de Execução naqueles autos 5806/12.5TBMAI - Sra. CC que, o processo estava perdido, porque “houve uma coisa que falhou da parte da Advogada e já não havia nada a fazer”.
24. Perante tal informação a A. tenta agendar consulta com a Ré para confirmar a informação, mas não conseguiu, (…) desloca-se com a mesma EE à Ordem dos Advogados, no Porto, no sentido de saber o que poderia fazer perante tal informação.
25. Foi aconselhada pela Ordem dos Advogados a acionar o Seguro de Responsabilidade dos Advogados,
26. Foi a A. informada que a Ordem dos Advogados contactou a Ré - BB a solicitar documentos, todavia, esta Ré não os remeteu - inviabilizando também dessa forma a que o Seguro de Responsabilidade Civil Profissional fosse acionado.
27. Em 11 de Agosto de 2020, a A. revoga os poderes conferidos por procuração outorgada a favor da Ré, por carta registada com aviso de receção, informando-a que se deslocaria ao escritório da mesma para levantamento de documentação e com prova que lhe foram entregues, por não possuir qualquer cópia, carta essa recebida a 12 de Agosto de 2020,
28. No dia informado deslocou-se a A. com EE, para proceder ao levantamento da documentação que entregou à R., tendo a R. dito à A. que ia organizar o processo, porque não estava no momento organizado, não tendo entregue à A. os documentos que recebeu
29. Nesse mesmo dia, a A. questionou a R. do valor que lhe tinha a pagar e como poderia proceder ao pagamento, tendo a Ré respondido:” Não se preocupe quando isto estiver resolvido paga.”
30. A casa morada de família da A. foi colocada à venda, por leilão eletrónico e, no portal e-leilões, sendo que a Agente de Execução - CC informou a A. que não podia protelar mais o processo e que, estava a ser pressionada pela mandatária da exequente para proceder à venda do imóvel penhorado nos autos,
31. A A. e o marido ficaram em pânico e desesperados, perante a possibilidade de perderem a casa onde moravam, ficando sem lugar para morar com os filhos menores, ficando ansiosos e nervosos com a necessidade urgente de arranjar dinheiro para liquidar o valor da execução e por assim, termo à venda da casa - já que, só assim poderiam pôr termo à venda da casa morada de família.
32. Assim, a A. pagou no âmbito do processo nº 5806/12.5TBMAI - Juiz 1 do Juízo de Execução da Maia, a quantia total de 14.411,86€.
33. Nunca a R. recebeu quaisquer quantias a título de honorários, despesas e ou pagamento de taxas de justiça.
34. A Ré Companhia de Seguros “A... Company SE” segurou nos termos das Condições Particulares, Gerais e Especiais do Seguro de Responsabilidade Civil Profissional celebrado com a Ordem dos Advogados (tomador do seguro) e designado Apólice n.º ......, o risco decorrente de ação ou omissão, dos Advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados, no exercício da sua profissão.
35. O referido contrato de seguro teve início às 00H00 de dia 01.01.2018 e término às 00H00 de dia 01.01.2019,
36. Tendo sido renovado para os períodos de seguro seguintes correspondentes aos anos civis de 2019, 2020 e 2021.
37. À data da participação do pretenso sinistro profissional à Ré Seguradora (maio de 2020) – através de comunicação extrajudicial dirigida pela Autora à seguradora por via da Corretora de Sinistros B... – encontrava-se em vigor a apólice de seguro .......
38. A apólice subscrita pela Ré, tem como limite de indemnização o capital total de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) por sinistro, sendo este o limite máximo de capital indemnizável.
39. Foi fixada na apólice uma franquia no montante global de € 5.000,00 (cinco mil euros) por sinistro, sendo deduzida de um eventual valor a indemnizar.
40. À data de início do período de seguro do contrato celebrado com a Seguradora contestante (01.01.2018), a Ré, Dra. BB, tinha já conhecimento dos factos que, potencialmente, poderiam vir a gerar a sua responsabilização, tendo tal ocorrido pelo menos em 14-04-2015, data em que alegadamente foi notificada da sentença proferida no âmbito do processo judicial n.º 5806/12-5TBMAI-A.
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Factos não provados
Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa, designadamente os que a seguir se enunciam:
a) Aquando da cessação do contrato de Cessão de Exploração foi entregue pela aqui A. àquela exequente DD toda a mercadoria que à data do contrato de Cessão, se encontrava no estabelecimento comercial.
b) Com a entrega dos referidos bens deveria o mencionado cheque ser imediatamente entregue à ora A.
c) A exequente fez-se pagar por bens que tinha na sua posse, por lhe terem sido entregues pela A. aquando da cessação do contrato de Cessão de Estabelecimento Comercial.
d) A Ré disse à Autora que a execução não tinha qualquer fundamento legal.
e) A Ré inviabilizou a possibilidade de a Autora juntar aos autos de execução os documentos pertinentes e comprovativos de entrega do stock àquela DD.
f) O pagamento referido em 32. era indevido.
g) Ocorreram negociações com os exequentes para o pagamento de uma importância inferior.
(A restante matéria foi desconsiderada pelo Tribunal, por se tratar de matéria conclusiva e/ou de direito ou por já constar dos factos provados e não provados)
I.1DESTA SENTENÇA APELOU A AUTORA TENDO FORMULADO AS SEGUINTES CONCLUSÕES:
1. A Autora. após a citação efetivada pela agente de Execução CC e, dentro dos vinte dias concedidos para o efeito, contratou a R. para a representar no âmbito do processo nº 5806/12.5TBMAI - correspondente a uma execução que correu termos no Juízo de Execução da Maia - Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, outorgado procuração a favor daquela que a aceitou.
2.No referido processo, a R. foi contratada para apresentar embargos de executado/oposição à execução no âmbito daquela execução, entregando a A. à Ré Advogada documentos que comprovavam a inexistência da dívida e cujos originais foram entregues à Ré, estabelecendo-se assim uma relação de mandato.
3. Do referido mandato surgiu para a Ré Advogada uma obrigação de meios, de realizar com esforço e diligência os referidos embargos de executado, até porque, o título executivo daquele execução era um cheque emitido pela A. e entregue à DD em 29/03/2012, sendo que a execução foi instaurada em 28-09-2012, sendo necessário alegar a relação subjacente, porém, a A. não havia celebrado qualquer contrato com aquela exequente, mas sim o seu marido.
4. Cheque esse entregue pela A. àquela DD como caução do valor do stock do estabelecimento comercial e no valor de 9625,00€, correspondente à diferença do valor inicialmente acordado para o stock de 10.500,00€, sendo deduzido o valor da 1ª prestação acordada e paga de 885,00€.
5. Acontece que posteriormente esse stock foi retificado conforme resulta das declarações de parte da A. e da testemunha FF prestado a 28-11-2023, de 02:22:38 a 02:26:46.
6. Aquando da cessação do contrato de Cessão de Exploração que ocorreu em finais de Julho de 2012, foi entregue pelo marido da aqui A. àquela exequente DD, toda a mercadoria que à data do contrato de Cessão, se encontrava no estabelecimento comercial, pelo que, mal andou o tribunal ao considerar que não foi efetuada prova do facto não provado a) - de que aquando da cessação do contrato de cessão de exploração foi entregue pelo marido da A.
7. Quando resulta do testemunho do marido da A., FF - prestado a 28.11.2023 de 02:27:37 a 02:38:36 quando inquirido pela própria Juiz da causa que, o stock foi entregue pelo mesmo à D. DD na presença da testemunha GG, da própria D. DD e do filho desta.
8. Também a testemunha GG no seu testemunho prestado no dia 28.11.2023 de 01:36:58 a 01:38:43 refere que as chaves do estabelecimento e o stock da loja foi entregue à D. DD.
9. Os testemunhos de FF e GG foram credíveis, e corroboram as declarações de parte da A., fazendo sentido o relatado pelas mesmas, até porque resultou da prova que a documentação - elaboração do contrato de cessão, declaração de pagamento, relação de bens que compunham o recheio da papelaria sempre foram documentos preparados pela D. DD, marido e/ou pela Advogada e/ou contabilista dos mesmos, não tendo, quer a A., quer o marido desta preparado e/ou elaborado qualquer documento de cessação de qualquer contrato, de entrega de stcok e/ou qualquer outro documento de outro tipo, sendo por isso crível que, para a entrega das chaves da papelaria e do stock, o marido da A. se fizesse apenas acompanhar por um vizinho e amigo que testemunhasse a entrega dos bens aos donos, pelo que, não há motivo para colocar em crise estes depoimentos devendo o tribunal a quo ter em conta os mesmos, por convencido da sua sinceridade, devendo em consequência considerar como provado o facto a), b) dos factos não provados.
10. Deveria ter sido dado como provado pelo tribunal a quo os factos constantes da alínea a) dos factos não provados - ou seja, que aquando da cessação do contrato de cessão de exploração foi entregue pelo marido da A. àquela exequente DD, toda a mercadoria que à data do contrato de cessão se encontrava no estabelecimento comercial.
11. Pese embora a sentença recorrida refira que a testemunha GG não convenceu o tribunal em virtude de não ter descrito de forma mínima de que era composto o stock do estabelecimento e a altura do ano em que lá foi, a verdade é que aquela testemunha no seu testemunho prestado no dia 28.11.2023 refere das 01:38:23 às 01:38:40 - identificando algum do stock da papelaria, e, ainda que a mesma testemunha não tenha identificado o mês que lá foi, referiu ao tribunal que foi a um sábado e que ainda era dia, conforme depoimento prestadas das 01:40:20 às 01:40:29 e, que ainda era dia - identificando assim que, por ser ainda dia, num final de tarde, seria num mês de primavera /verão.
12. Esta testemunha GG confirma a instâncias do Juiz da causa e após ter sido questionado por este para o efeito que, a pessoa que estava na entrega das chaves e stock era uma Sra. que tinha cabelo loiro, a mesma que estava lá fora, porque continuava igual - segundo o referiu ao tribunal no seu testemunho prestado das 01:40:45 às 01:40:50, no dia 28.11.2023.
13. A informação prestada pela AT a 31 de janeiro de 2024 de fls… - este documento - prova que efetivamente o marido da A. esteve na exploração da papelaria durante cinco meses como o declarou e não um mês, confirmando quer as declarações da A., quer o testemunho do seu marido FF, quer as restantes testemunhas GG, HH, EE - as quais merecem total credibilidade pelo tribunal, até pelo facto de estarem alicerçadas noutro meio de prova - prova documental.
14. A factualidade vertida acima demonstra que a outrora exequente agiu com clara má-fé, locupletando-se do que não era seu, fazendo-se pagar por bens que tinha na sua posse, por lhe terem sido entregues pela A. aquando da cessação do contrato de Cessão de Estabelecimento Comercial, pesa embora tenha sido interpelada para entregar o cheque.
15. O que significa que a proprietária do estabelecimento e exequente não se podia ter pago com o cheque, uma vez que a mercadoria lhe foi entregue aquando da cessação do contrato de Cessão de Estabelecimento Comercial, devendo dar-se como provado a al. b),c), e) E f) dos factos não provados.
16. A aqui A. entregou o cheque com o intuito de garantir, no final do contrato que o pagamento dos bens seria feito ou que o remanescente seria entregue, curioso é, que os exequentes tão diligentes que sempre foram, com acompanhamento jurídico para a elaboração do contrato e inventário, não realizaram um inventário dos bens entregues, nem participaram tal venda à Autoridade Tributária, o mesmo se manteve para a cessação do contrato mas aqui falhou o inventário do stock entregue.
17. Conscientes desta realidade (que depois veio verificar-se não corresponder à realidade) acionam um meio de pagamento pressupondo que durante um mês o marido da A. vendeu e/ou sumiu com todo o stock num valor aproximado de 10.500,00€ e, se assim fosse, mostrando-se um negócio tão lucrativo não haveria necessidade de o entregar.
18. Todas estas questões associadas à formalidade e materialidade do contrato de cessão de exploração comercial e à sua consequente validade, tinham de ser discutidas em sede de embargos de executados e, perante o exposto e desenvolvidas que fossem todas estas questões, séria e quase certa seria a probabilidade de os embargos seres procedentes.
19. Ao agir como agiu - a R. BB apresentando os embargos de executado/oposição à execução fora de prazo, ao não liquidar a taxa devida pela prática de ato no 3º dia útil e respetiva multa, não informando a aqui A. de tal facto, a Ré violou o cumprimento de um dever de agir a que um Advogado está vinculado pelo mandato que lhe foi conferido.
20. Nesse sentido ocorre a verificação de uma conduta ilícita e culposa da Ré, uma vez que configura uma violação dos deveres de agir e com diligência a que está adstrito por força do mandato forense, violação essa que, por aplicação do artigo 799º/nº 1 do C.C. se presume culposa - o que se invoca.
21. A nossa pretensão não se converge com um suposto resultado mas sim com a oportunidade de chegar ao referido resultado, que se prevê ser séria, já que a A. perdeu efetivamente uma oportunidade séria e real de ver os seus embargos serem procedentes até mesmo pelo facto dos exequentes no processo primitivo, terem agido de má-fé fazendo-se “pagar” duas vezes pelo mesmo bem, ou seja, para além de ter havido restituição integral dos bens, acionaram ainda o cheque caução.
22. Houve efetivamente uma perda de oportunidade real e séria, na medida em que a exposição dos factos, a ter sido feita em tempo, inquinava inequivocamente e, de imediato a execução, tal era a má-fé flagrante por parte dos requerentes da execução, tanto mais que, a execução não poderia prosseguir se o Tribunal tivesse tido o conhecimento da relação cartular que envolvia o cheque caução.
23. O dano por perda de chance deve ser reconhecido, devendo reverter-se a decisão tomada pelo Tribunal a quo e ser a Ré Advogada condenada no pagamento da quantia total de 14.411,86€ (catorze mil, quatrocentos e onze euros e oitenta e seis cêntimos) a titulo de indemnização pela perda de chance.
I.2.RESPONDEU A RECORRIDA A... COMPANY SE, REQUERENDO A AMPLIAÇÃO DO RECURSO. FORMULOU AS SEGUINTES CONCLUSÕES:
2. Inexiste qualquer erro na apreciação da prova produzida nos presentes autos.
3. Designadamente, no que respeita aos pontos A), B), C), E), F) da matéria de facto dada como não provada, (…)
(…)
12. Por conseguinte, no que concerne à matéria de direito, para que haja efetivamente algum tipo de responsabilidade que possa vir a ser assacada à R. Advogada, sempre estariam de estar verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil contratual, isto é, a existência de um facto ilícito, culposo, danoso, tendo ainda de existir nexo causal entre o facto ilícito e o dano.
13. Contudo, conforme concluiu o tribunal de 1.ª instância, a presente ação sempre terá de improceder, na medida em que, não se encontra provado que não fosse a conduta a Ré Advogada, não se teria verificado o pretenso dano na esfera jurídica da A., aqui Recorrente.
14. Não se estabelecendo um nexo causal entre a conduta da Ré Advogada e os danos que a A. alega ter verificado, não se afigura possível a verificação de uma concreta “perda de chance” na sua esfera jurídica, cf. Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 2/2022, de 26 de janeiro.
(…)
17. Sem prejuízo do que antecede, da matéria de facto dada como provada sob os factos n.ºs 34 a 40, resulta claro que, à data de inicio do contrato de seguro celebrado com a Recorrida (01.01.2018), a Ré Advogada tinha já conhecimento dos factos que, potencialmente, poderiam vir a gerar a sua responsabilização, tendo tal ocorrido pelo menos em 14-04-2015, data em que alegadamente foi notificada da sentença proferida no âmbito do processo judicial n.º 5806/12-5TBMAI-A.
18. Prevendo expressamente o artigo 3.º, alínea a) das Condições Especiais da apólice de seguro que “Ficam expressamente excluídas da cobertura da presente apólice, as reclamações:
a) Por qualquer facto ou circunstância já anteriormente conhecido(a) do segurado, à data de início do período de seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar, reclamação.”
19. Em face do que antecede, encontra-se o alegado sinistro profissional expressamente excluído das coberturas e garantias previstas na apólice de seguro ...... garantida pela Interveniente e Recorrida A... COMPANY SE, nos termos previstos no artigo 3.º, alínea a) das condições especiais da apólice de seguro em apreço.
20. Termos em que a Recorrida nunca poderá ser responsável pelo pagamento de qualquer peticionada nos autos pela Autora, aqui Recorrente.
21. Assim, e apenas na eventualidade da douta sentença recorrida ser revogada, nomeadamente na parte que respeita à (pretensa) responsabilização civil da Ré advogada perante os factos alegados nos autos pela A. (o que não se admite, mas agora se equaciona por mero dever de patrocínio), requer-se, desde logo, a V. Exa., se digne admitir a ampliação do âmbito do recurso ora interposto pela Recorrente, nos termos previstos no artigo 636.º, n.º 1 o CPC, devendo ser apreciada e julgada procedente a aplicabilidade da cláusula 3.ª, alínea a) das condições especiais das Condições Especiais da apólice de seguro sub judice, por a mesma ser absolutamente consentânea com a letra da lei, e bem assim perante os factos dados como provados nos autos, absolvendo-se a ora Recorrida, desde logo de todos os pedidos formulados nos autos pela A.
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Nada obsta ao mérito.
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II.O OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as matérias que sejam de conhecimento oficioso (artigos 635º, n.º 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do código de processo civil).
Atentas as conclusões da recorrente as questões a decidir no recurso da autora são as seguintes:
1-Saber se há erro no julgamento dos pontos impugnados da matéria de facto.
Requisitos da responsabilidade civil decorrente da execução imperfeita de contrato de mandato forense. Dano/perda de chance / conceito / ónus da prova.
2- Quanto ao recurso ampliado:
Sendo caso disso, conhecer da aplicabilidade da cláusula 3ª alínea a) das condições especiais das condições da apólice de seguro sub iudice.
III.O MÉRITO DO RECURSO:
III.1. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Dá-se aqui por reproduzida a fundamentação supra.
III.2.O RECURSO DE IMPUGNAÇÃO MATÉRIA DE FACTO:
III.2.1Pretende a recorrente a alteração de não provado para provado da seguinte factualidade não provada:
“a) Aquando da cessação do contrato de Cessão de Exploração foi entregue pela aqui A. àquela exequente DD toda a mercadoria que à data do contrato de Cessão, se encontrava no estabelecimento comercial.
b) Com a entrega dos referidos bens deveria o mencionado cheque ser imediatamente entregue à ora A.
c) A exequente fez-se pagar por bens que tinha na sua posse, por lhe terem sido entregues pela A. aquando da cessação do contrato de Cessão de Estabelecimento Comercial.
e) A Ré inviabilizou a possibilidade de a Autora juntar aos autos de execução os documentos pertinentes e comprovativos de entrega do stock àquela DD.
f) O pagamento referido em 32. era indevido.
APRECIANDO.
Como questão prévia consignamos que na fundamentação de facto da sentença devem ser considerados os factos essenciais os factos complementares e os factos instrumentais (artigo 5º, nº 1 e 2 e 607º, nº 4, ambos do CPC).
Questão de facto é toda a que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais ou concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior, determinando o que aconteceu. (cfra Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. III, pg. 206): Dir-se-á, assim, ser matéria de facto a que envolve os acontecimentos ou circunstâncias do mundo exterior, os fenómenos da natureza, as manifestações concretas dos seres vivos e as atuações dos seres humanos, incluindo as do foro interno.
O juiz pronuncia-se sobre factos concludentes, pertinentes, pelo que a decisão sobre a matéria de facto não poderá comportar asserções vagas, complexas, normativas ou que encerrem juízos valorativos, sob pena de violação daqueles comandos legais.
Todas as proposições conclusivas ou normativas devem ser excluídas da fundamentação de facto da sentença. É este, o entendimento que resulta da redação atual do artigo 607º nº 3 e 4 do CPC, mesmo. perante a não transposição para o novo código do anterior 646º nº 4 que consignava expressamente que “se têm por não escritas as respostas do Tribunal sobre questões de direito.”
Neste sentido nota de rodapé (7), no Ac. STJ de 29.04.2015, em Proc. n.º 306/12.6TTCVL.C1.S1, 4.ª secção, acessível em www.dgsi.pt. Apud Ac do TRE proc 170/16.6T8MMN.E1 de 28-06-2018.
Sendo válidas e atuais as reflexões em relação ao anterior artigo 646º, convoca-se, o que, a este respeito, ficou consignado no acórdão do STJ de 09/06/2005 in www dgsi quanto à atendibilidade e limites da fixação na sentença da “questão de facto” e “questão de direito”.
Discorre o STJ o seguinte: “Os factos provam-se, o direito conclui-se. Por outras palavras, o facto consiste na emissão de um juízo denotativo, resultante de um raciocínio lógico indutivo, enquanto o direito traduz-se na emissão de um juízo normativo, derivado de um raciocínio lógico dedutivo; já será questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei, pelo que existirá matéria de direito sempre que para se atingir uma solução seja necessário recorrer a uma disposição legal, mesmo que se trate somente de fixar a interpretação duma simples palavra da lei” e ainda o acórdão do STJ de 23/12/2008, também em www/dgsi: “A expressão facto é derivada da latina «factum», associada ao verbo fazer ou causar, designando o acontecimento ou ato, isto é, tudo o que acontece, que se faz ou é feito. Temos, assim, factos naturais ou acontecimentos sem intervenção do ser humano e voluntários se representarem ações humanas, e, sendo suscetíveis de produzir efeitos jurídicos, são designados, por factos jurídicos.
Dir-se-á, assim, ser matéria de facto a que envolve os acontecimentos ou circunstâncias do mundo exterior, os fenómenos da natureza, as manifestações concretas dos seres vivos e as atuações dos seres humanos, incluindo as do foro interno”.
*
Aplicando este pensamento ao recurso da matéria de facto facilmente concluímos que as alíneas b) c) e) e f) dos factos não provados efetivamente não constituem matéria de facto passível de ser respondida em sede prova por encerrarem proposições conclusivas e ou normativas.
Com efeito e quanto aos invocados factos não provados:
1. A asserção referida no facto constante da alínea f) de que “ o pagamento referido em 32 é indevido” constitui ela própria a afirmação jurídica do resultado da ação, pois dizer-se que o pagamento é indevido no caso concreto é o mesmo que dizer-se que há falta de titulo executivo e essa é a decisão a retirar dos factos provados não constituindo questão de facto nos termos expostos.
2 A afirmação inserta na alínea e) de que “A Ré inviabilizou a possibilidade de a Autora juntar aos autos de execução os documentos pertinentes e comprovativos de entrega do stock àquela DD” é uma afirmação genérica e vaga uma vez que não explicita quais os documentos em causa, impedindo o tribunal de sindicar a sua pertinência à prova do alegado facto respeitante à entrega do stock. O facto a demonstrar nesta sede seria o referido ao elenco dos concretos documentos, para uma vez, estes identificados, o tribunal poder concluir pela sua pertinência e aptidão à prova dos factos.”
3 Estas considerações são válidas mutatis mutandis para a factualidade impugnada e constante da alínea b) “Com a entrega dos referidos bens deveria o mencionado cheque ser imediatamente entregue à ora A”, pois além de não ser uma formulação factual (o tempo verbal está no condicional) constitui uma proposição que é parte do próprio tema decidendi ou seja saber se o cheque deveria ter sido devolvido/quando /em que momento.
4. São ainda válidas tais considerações para a formulação constante da alínea c) “A exequente fez-se pagar por bens que tinha na sua posse, por lhe terem sido entregues pela A. aquando da cessação do contrato de Cessão de Estabelecimento Comercial”, pois se o tribunal respondesse provado a esta matéria estava de igual modo a declarar o direito no sentido de que a exequente não podia fazer-se pagar (…)
Donde que e de acordo com o exposto não se toma conhecimento da impugnação da matéria de facto quanto às alíneas b) c) e) e f) dos factos não provados que se devem ter por não escritos na medida em que encerram juízos normativos e conclusivos insuscetíveis de constarem da fundamentação de facto da sentença, conforme os citados artigos 5º e 607º nº 3 do Código de Processo Civil
Prosseguindo,
III.2.2.No que se refere ao ponto constante da alínea a) da fundamentação dos factos não provados a saber:
“Aquando da cessação do contrato de Cessão de Exploração foi entregue pela aqui A. àquela exequente DD toda a mercadoria que à data do contrato de Cessão, se encontrava no estabelecimento comercial”.
A Recorrente sustenta que a prova testemunhal produzida pelas testemunhas FF e GG.
A Recorrida vem sustentar o acerto do julgamento efetuado.
Por sua vez a sentença fundamenta esta resposta à matéria de facto pela seguinte forma: “
Relativamente a alegada entrega pela autora e pelo marido de todo o stock do estabelecimento a DD e II quando saíram da papelaria, a verdade é que o depoimento de FF e as declarações de parte da autora não se mostram sustentadas por meios de prova suficientes.
Não há qualquer documento que ateste o que alegadamente ficou no estabelecimento ou não, o que se estranha uma vez que foi feita uma listagem inicial quando foi acordada a aquisição de stock, e a testemunha GG, que referiu ter-se deslocado com o marido da autora no dia da alegada entrega das chaves, não soube descrever de forma minimamente segura de que era composto o stock estabelecimento nem soube dizer em que altura do ano foi à loja.
Não é conforme as regras da normalidade que tendo havido um contrato de cessão de exploração, uma listagem inicial de stock e até uma declaração de recebimento de uma prestação do mesmo, e não exista um único documento que suporte a entrega das chaves do estabelecimento, a listagem do material/stock que alegadamente ficou no seu interior e não exista uma comunicação do marido da Autora no sentido de que iria deixar de explorar o estabelecimento e pretendia cessar o contrato de exploração.
“Daí que o tribunal não tenha ficado convencido da matéria vertida nas alíneas a) (…), porque os documentos juntos aos autos e os depoimentos de FF, GG e as declarações de parte da Autora não permitem demonstrar a entrega do stock/bens aos trespassantes (DD e II) (…)
Secundamos o juízo da prova efetuado pelo tribunal recorrido.
*
Efetivamente, a testemunha FF, marido da autora não logrou esclarecer o tribunal sobre o conteúdo do stock alegadamente devolvido nem por referência à data da celebração da Cessão.
Esta testemunha diz expressamente que pagava uma renda e também pagava um valor mensal pelo stock. Depôs que (…) . Na altura foi feita uma lista com o stock. Eles pagavam o stock com o valor da renda. Pagaram 4 meses de stock, mas não se lembra qual o valor que pagou (...) Que quando foi entregue o estabelecimento e stock não lhe foi devolvido o cheque, porque ficou “para verem se o stock estava certo”, “que o stock eram livros material escolar, canetas. cadernos mochilas e tudo o que faz parte da papelaria. Que a D DD disse que faltava o toner e que lhes dava até quarta feira para entregar o toner e que com o toner lhe devolvia o cheque, mas “meteu o cheque ao banco na segunda feira “ e então ele “não lhe disse mais nada”. Que não conferiram o stock porque o filho da D DD disse para não efetuarem a conferência.
Efetivamente, esta testemunha não esclarece minimamente o tribunal sobre o real conteúdo do que foi devolvido nem sequer por referencia à data da cessão, sendo certo que o curial seria que tivesse sido efetuado um inventário do stock a devolver para que no momento da entrega das chaves esse inventário pudesse ser conferido com os bens existentes no local. Tal não foi efetuado, nem antes nem depois da devolução sendo notória a incapacidade da testemunha para proceder ao elenco cabal dos elementos constitutivos do stock, o que redunda na falta de sustentação de tal depoimento para fundamentar a resposta positiva do tribunal a este facto.
Por sua vez a testemunha GG referiu que quando foi da entrega das chaves acompanhou o marido da autora a pedido deste. Que os factos ocorreram num sábado. Que ele foi para testemunhar a entrega das chaves e que o stock estava lá dentro.
“Que entraram todos na loja e ele perguntou se a autora queria conferir o stock e ela disse que não era preciso, mas não se lembra do que ela disse ao certo. Que não foi feito o inventário do stock porque a proprietária disse que não era preciso. Que ela deu falta do tinteiro na fotocopiadora e disse para ele lhe trazer o tinteiro que faltava e que se lhe trouxesse o tinteiro em 3 dias iria rever tudo o que estava lá dentro. lhe devolvia o cheque. Isto foi no fim de semana e na segunda feira ele disse-lhe que ela já tinha “metido o cheque”.
Este depoimento tal como o anterior não esclarece o tribunal sobre, designadamente, quais os concretos componentes do stock que fora restituídos tão pouco faz qualquer alusão ao stock existente à data da celebração do contrato. Nada se apura do mesmo quanto ao facto probando (esclareça-se em abono dos princípios também conclusivo e só aproveitável por ter a referencia à data da cessão) mas que importara quantificar.´
Nenhum esclarecimento útil a esta matéria foi prestada pela autora nas suas declarações de parte sendo certo que a proprietária do estabelecimento a testemunha DD nega que lhe tivesse sido devolvido qualquer stock.
Tais depoimentos não podem por isso mesmo substanciar uma formulação positiva deste facto. Nenhuma das testemunhas logrou esclarecer (i) qual o concreto conteúdo do stock; (ii) não foi efetuada conferência do mesmo, (iii) não ficou demonstrado qual o stock inicial para efeitos de comparação (iv) a testemunha FF em face do alegado conhecimento de que o cheque foi apresentado a pagamento, na segunda feira subsequente não mais contatou a proprietária do estabelecimento, sequer lhe devolveu o toner (que nas suas palavras seria a condição para lhe ser restituído o cheque).
Verifica-se também nesta conduta declarada, desinteresse pelo destino a dar ao mesmo. Este desinteresse milita no sentido de não ser acolhida a versão factual apresentada pela recorrente
IV.FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.
IV.1 Responsabilidade civil contratual. Requisitos.
A presente ação é de responsabilidade civil contratual decorrente incumprimento do contrato de mandato forense celebrado entre a Autora e a Ré.
Formula-se pedido de condenação da Ré em montante de indemnização pelos danos sofridos pela autora.
Os requisitos da responsabilidade civil contratual estão impressos nos artigos 798.º, 799.º e 562.º e ss. do C. Civil.
Provado que a mandatária agiu culposamente na execução do mandato a procedência da ação depende ainda da prova do dano sofrido pelo mandante com a conduta lesiva, que é requisito fundamental do direito à indemnização em sede de responsabilidade civil.
No recurso apenas se discute o dano/nexo de causalidade, dado que sobre a verificação dos demais requisitos da responsabilidade civil, não há dissenso
“Face ao papel central que o dano desempenha na responsabilidade civil (como, entre nós, resulta dos arts. 483.º/1, 798.º, 227.º/1 e 562.º, todos do C. Civil) — é condição essencial que haja dano, limite e escopo da obrigação de indemnizar, o que leva a que repetidamente se diga que a responsabilidade civil tem uma função essencialmente reparatória/ ressarcitória (sendo acessória e subordinada a sua função preventiva ou sancionatória)” AUJ do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2022 de 26/01/2022, cujo entendimento aqui seguimos de perto e para cuja fundamentação remetemos.
A jurisprudência afirmou-se no sentido de que tal dano é um dano autónomo e emergente e de que não se conseguindo afirmar qual seria o resultado dos processos caso os advogados tivessem procedido diligentemente, cabe aos mandantes, a alegação e prova de que com a conduta lesiva perderam as “hipóteses” de ganhar os processos.
Não é todavia qualquer perda de chance que pode/deve ser reconhecida como um dano indemnizável mas só uma perda de chance consistente e séria configura um dano (por perda de chance) indemnizável
Daí que o dano coincida com a formulação da perda de chance processual, a qual conforme o AUJ 2/2022, citado deve ser: “O dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade”.
IV.1.1 A CONSISTÊNCIA E SERIEDADE DO DANO PERDA DE CHANCE. ÓNUS DA PROVA.
Como refere Paulo Mota Pinto, apud citado aresto, “mesmo no direito francês, não obstante a larga projeção que a figura da perda de chance aí alcançou, para que a respetiva indemnização seja admitida, impõem -se determinados requisitos. Além da verificação dos pressupostos gerais da responsabilidade civil, incluindo a existência do dano e de um nexo de causalidade entre o facto lesivo e o dano exige -se, designadamente, que a chance a indemnizar seja real e séria. Não basta, assim, a constatação da prévia existência, numa qualquer medida, de uma oportunidade ou possibilidade de obtenção de um resultado favorável de uma vantagem pelo lesado, que tenham sido destruídas. É ainda necessário que a concretização da chance se apresente com um grau de probabilidade ou verosimilhança razoável e não com carácter meramente hipotético (...).” Assim deve ser também entre nós”.
A responsabilidade civil, como já se referiu, tem em vista “reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” (cf. art. 562.º do C. Civil), visando, no caso, colocar o lesado/mandante na situação em que ele se encontraria se não fosse o ato lesivo do seu mandatário.
Para um dano ser indemnizável, exige –se (…) que o mesmo seja certo e não meramente eventual, porém, observa -se, a certeza de que se fala e que deve ser exigida não é matemática ou absoluta, mas apenas uma certeza relativa, que se deve contentar com uma expetativa razoável.
O art. 563.º do C. Civil, em que sob a epígrafe “nexo de causalidade” se dispõe que “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão” — se usa até uma formulação que introduz um juízo de probabilidade ou verosimilhança, o mesmo é dizer de “flexibilidade”.(…)
É verdade que o Direito (a ciência jurídica) não é, na sua interpretação e aplicação, uma ciência exata e que não pode afirmar -se com certeza absoluta qual seria o resultado dum concreto processo judicial que não se chegou a desenrolar ou que se desenrolou de modo “anormal”, porém, isso não significa que não se possa estabelecer/demonstrar, a partir de todos os elementos e circunstâncias disponíveis, que um concreto processo judicial (caso tivesse decorrido ou tivesse decorrido normalmente) tinha consistentes chances de vir a obter vencimento e que, por via disso, não se possa concluir que a chance perdida era, fora de qualquer dúvida, uma posição favorável na esfera jurídica do lesado, cuja perda se traduz num dano.
E isto — esta demonstração — configura uma certeza relativa e conforma uma possibilidade séria/significativa que vai permitir imputar tal certeza relativa ao facto/evento lesivo (que fez com que o processo judicial não se desenrolasse ou que decorresse “anormalmente”).
A certeza do dano e a imputação objetiva deste ao ato lesivo (nexo causal), requisitos exigíveis segundo os princípios e regras do nosso direito de responsabilidade civil, não dispensam que se apure, caso a caso, a suficiente probabilidade da consistência e seriedade da concreta “chance” processual comprometida (…).
A “chance”, para poder ser indemnizável, tem de se apresentar com um grau de probabilidade suficiente e não com carácter meramente hipotético.
Só assim a “chance” preencherá, num limiar mínimo, a certeza que é condição da indemnizabilidade do dano, só assim este pode ser considerado como objetivamente imputável ao ato lesivo e só assim se respeitará a regra (e a ideia de justiça) de que ao lesante apenas poderá ser imposto que responda pelos danos que causou.
Significa isto que a toda a chance ou oportunidade perdida (a todo o ato lesivo e a todo processo perdido) não se segue, como que automaticamente e sem mais, uma indemnização por dano da perda de chance: a verificação do ilícito não contém já em si o dano a indemnizar.
Não há indemnização civil sem dano e este tem que ser certo, sendo que a certeza do dano de chance (que, por isso, merece a tutela do direito e ser indemnizado) está exatamente na probabilidade suficiente, em função da consistência da chance, do resultado favorável da ação comprometida.
(…) o mesmo é dizer, a consistência concreta da oportunidade ou “chance” processual que foi comprometida — tem sempre que ficar apurada/provada, uma vez que, sem a mesma estar apurada/provada, não se poderá falar em “dano certo” e sem este não pode haver indemnização.
Apuramento este que terá assim que ser feito na apreciação incidental — o já chamado “julgamento dentro do julgamento” — a realizar no processo onde é pedida a indemnização pelo dano de perda de chance, em que se indagará qual seria a decisão hipotética do processo em que foi cometido o ato lesivo (a falta do mandatário), indagação que no fundo irá permitir estabelecer, caso se apure que a ação comprometida tinha uma suficiente probabilidade de sucesso (ou seja, no mínimo, uma probabilidade de sucesso superior à probabilidade de insucesso), que há dano certo (a tal chance “consistente e séria”) e ao mesmo tempo o nexo causal entre o facto ilícito do mandatário e tal dano certo.
(…) Assim, visando -se com tal apuramento estabelecer o preenchimento de requisitos da responsabilidade civil (dano e nexo causal), estão em causa (no subsequente processo, em que se pede a indemnização pelo dano da perda de chance) elementos/factos constitutivos do direito indemnizatório invocado pelo lesado/mandante, sendo este — face ao encargo que o ónus da prova, quando aos requisitos da responsabilidade civil, lhe coloca (cf. 342.º/1 do C. Civil) — que terá que fornecer os elementos que irão permitir apurar qual seria a decisão hipotética do processo em que foi cometida a falta do advogado (…) tinha uma suficiente, no referido limiar mínimo, probabilidade de sucesso ou, dito por outras palavras, que a chance perdida era consistente e séria) (…)
Prossegue o referido aresto: “A violação de deveres específicos — voluntária e contratualmente assumidos — dos mandatários forenses, com o argumento da intrínseca incerteza relativa do desfecho dum processo judicial, não pode passar sempre incólume, mas a sua responsabilização tem que respeitar, sem voluntarismos, a segurança jurídica e ser rodeada dos necessários cuidados, não podendo prescindir, como se referiu, da imposição ao lesado do ónus de provar — seja fácil ou difícil — a verificação do dano (a consistência e seriedade da concreta chance processual comprometida), a suficiente probabilidade (no referido limiar mínimo) de obtenção de ganho de causa no processo em que foi cometida a falta pelo mandatário forense.
(…) Probabilidade suficiente de verificação do resultado favorável que se perdeu (a tal chance consistente e séria), que há de extrair -se da factualidade alegada e provada pelo lesado, pelo que, sem tal factualidade, fica o tribunal (que julga o pedido de indemnização com base na perda de chance) sem elementos para poder concluir pela existência do dano da perda de chance, não podendo/devendo sequer passar ao momento seguinte respeitante à quantificação da indemnização”.
Como refere Patrícia Cordeiro da Costa (apud citado aresto (…), “A indemnização pela chance perdida depende da prova efetiva da existência de uma chance séria (...)”
Assim, (…), após o incidental “julgamento dentro do julgamento”, concluindo -se que “se não pode estabelecer (no caso) o grau de probabilidade da amplitude do êxito da ação, sem afastar, inclusive, a sua improcedência”, a conclusão imediata e “automática” será a de, então, dizer que não se provou a consistência e seriedade da perda de chance, (…) suscetível de indemnização, não se podendo assim passar, justamente por não se ter provado o requisito (da responsabilidade civil) do dano (…), à fixação duma indemnização (…).
A consistência e seriedade preenche um dos requisitos exigidos pela (responsabilidade civil em que o lesado alicerça o seu direito, sendo constitutivo do direito invocado, incumbe-lhe o ónus da prova
Concluindo (…) Para haver dano da perda de chance suscetível de indemnização, não basta a prova da conduta ilícita do advogado, não basta a prova do ato/facto lesivo (a verificação do ilícito não contém já em si o dano a indemnizar), uma vez que, (…) não há reparação sem estar também provada a existência dum dano e causado por tal ato/facto ilícito. (…) sem isso, sem tal prova da probabilidade de sucesso, não havia sido feita “prova da perda de chance processual”.
IV.2 A factualidade provada nos autos demonstra o incumprimento do mandato forense atribuído à ré, mas não demonstra que do mesmo tenha ocorrido o dano indemnizável entendido nos termos expostos, atenta a míngua de factos, neste segmento essencial/constitutivo do direito acionado.
Cabendo à autora, nos termos do disposto no artigo 342º nº 1, do CC, provar não só a conduta contratualmente ilícita da mandatária, por violação dos seus deveres contratuais, cuja ilicitude não vem sequer aqui discutida, impunha-se-lhe ainda a prova do dano perda de chance e bem assim da causalidade entre esse dano perda de chance e a conduta lesiva.
Tal prova não foi efetuada, falecendo irremediavelmente um dos requisitos essenciais do seu direito indemnizatório.
A sentença recorrida interpretou o direito e aplicou-o aos factos provados por modo concordante com a jurisprudência firmada no AUJ 2/2022, citado, devendo como tal ser confirmada.
IV.2.1 Prejudicado o conhecimento do recurso ampliado
SEGUE DELIBERAÇÃO:
NÃO PROVIDO O RECURSO. CONFIRMADA A SENTENÇA.
Custas pela Recorrente.

Porto, 20 de fevereiro de 2025
Isoleta de Almeida Costa
Álvaro Monteiro
Ana Luísa Loureiro