I – O prazo para pagamento da multa em prestações assume natureza perentória, o que implica que decorrido esse prazo sem que o condenado formule nos autos requerimento nesse sentido, esse direito ficará precludido.
II - Tendo a conversão da multa em prisão subsidiária por efeito a privação da liberdade do condenado a este tem de ser dada a oportunidade de se pronunciar, assim se cumprindo as exigências decorrentes do princípio do contraditório.
III – Tal contraditório será validamente assegurado através da notificação da possibilidade da conversão da pena de multa não paga em prisão subsidiária, por carta com prova de depósito para a morada indicada pelo arguido no TIR, não se impondo a sua audição presencial, por não ser aplicável à situação em apreço o disposto no nº 2 do art. 489º do Código de Processo Penal.
IV - A suspensão da execução da prisão subsidiária depende de impulso do condenado e esta interpretação não viola o art. 49º, nº 3 ou o art. 70º do Código Penal, porquanto, é precisamente por o legislador privilegiar a pena de multa à pena de prisão, que ao mesmo tempo estabelece um sistema de execução da daquela pena “orientado para a preservação da dignidade penal da mesma”.
V - Da análise do art. 43º do Código Penal, e das alterações a este introduzidas pela Lei nº 94/2017 de 23.08, retira-se que a prisão subsidiária, resultante do não pagamento de uma pena de multa, não se encontra contemplada entre as situações taxativamente elencadas no seu nº 1, todas elas exclusivamente respeitantes a pena de prisão aplicada a título principal, ab inicio.
VI - Não é, pois, possível a execução da prisão subsidiária em regime de permanência na habitação.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:
I-RELATÓRIO
I.1 No âmbito do processo comum singular nº 201/22.0PBCTB, que corre termos pelo Juízo Local Criminal de Castelo Branco - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco, em 02.10.2024, foi proferido o seguinte despacho [transcrição]:
“Por sentença proferida nos presentes autos, transitada em julgado, foi o arguido AA condenado na pena única de 350 dias de multa, à taxa diária de 5,50€, num total de 1.925,00€.
Notificado para proceder ao pagamento da pena de multa em que havia sido condenado, não o fez.
Relevando-se inviável a cobrança coerciva dos valores em dívida, o Ministério Público veio promover a conversão da pena aplicada em prisão subsidiária (refª. 37437081).
O condenado, notificado para se pronunciar sobre o teor da promoção referida, veio requerer o pagamento faseado da multa em que foi condenado, em prestações mensais e sucessivas, alegando não ter condições económicas para proceder ao pagamento integral da multa (refª. 3706690).
Com refª. 37611572, veio o Ministério Público promover o deferimento da pretensão do condenado.
Cumpre apreciar e decidir.
Por outro lado, dispõe o art. 47.º, n.º 3 do Código Penal que “[s]empre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizar o pagamento da multa dentro de um prazo que não exceda um ano, ou permitir o pagamento em prestações, não podendo a última delas ir além dos dois anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação”.
Não obstante, o pagamento da pena de multa em prestações só pode ser requerido no prazo concedido para o pagamento voluntário da mesma, não fazendo qualquer sentido que o condenado venha requerer esse modo de pagamento em momento posterior.
“Da conjugação dos artigos 47º, nº 3, 48º, nº 1 e 49º do Código Penal, com os artigos 489º e 490º, nº 1 do Código de Processo Penal, resulta prima facie, que o pagamento voluntário da multa deverá ter lugar no prazo de 15 dias a contar da notificação para o efeito e que o requerimento para pagamento diferido ou em prestações da multa ou para substituição da multa por dias de trabalho, deve ser apresentado naquele prazo de 15 dias, sob pena de se passar à fase do pagamento coercivo.
(…)
A primeira notificação que o arguido recebe é para o pagamento voluntário da multa, no prazo de 15 dias, a que alude o nº 2 do art. 489º do CPP.
O seu pagamento diferido ou em prestações ou a prestação de trabalho em substituição da pena de multa é uma possibilidade, que o Tribunal equacionará se no prazo de pagamento voluntário da pena de multa o arguido fizer um requerimento a pedir o diferimento ou o pagamento faseado ou a substituição por dias de trabalho. E só deferirá tal requerimento se concluir, nos termos dos artigos 47º, nº 3 ou 48º, nº 1 do Código Penal, que se verificam os respetivos pressupostos” (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18.09.2013, proc. nº 368/11.3GBLSA-A.C1, consultável em www.dgsi.pt).
Assim, pelos fundamentos expostos, indefere-se a pretensão do arguido, no sentido do pagamento da pena de multa em que foi condenado em prestações mensais e sucessivas, por extemporaneidade (art. 489.º, n.º 2 do Código de Processo Penal), cumprindo ainda assinalar que não apresentou qualquer comprovativo do que alegou no requerimento por si apresentado, ao que acresce o facto de o período de pagamento da pena de multa já ter terminado há três meses.
Por seu lado, o art. 49.º, n.º 1 do Código Penal estabelece que “[s]e a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzida a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão, não se aplicando, para o efeito, o limite mínimo dos dias de prisão constante do nº 1 do artigo 41º”.
No caso em apreço, verifica-se que o arguido não procedeu ao pagamento voluntário da pena de multa em que foi condenado, não tendo requerido a sua substituição pela prestação de trabalho a favor da comunidade, nem o pagamento faseado ou diferido, atempadamente (art. 48.º, n.º 1 do Código Penal).
Por outro lado, em face das pesquisas efetuadas nos autos (refªs. 3649679, 3648932, 3648931, 37436962 e 37436960), resulta não serem conhecidos ao mesmo bens suscetíveis de penhora, através dos quais seja possível obter o pagamento coercivo da pena de multa.
Desta forma, não tendo sido paga pelo arguido, voluntária ou coercivamente, a pena de 350 dias de multa em que foi condenado, não resta ao Tribunal outra hipótese que não seja convertê-la em prisão subsidiária.
Assim, determina-se o cumprimento, pelo arguido AA de 233 (duzentos e trinta e três) dias de prisão subsidiária, que correspondem à pena de multa aplicada e não paga (2/3 x 350 dias).
Notifique, sendo o arguido com a expressa menção de que pode, a todo o tempo, evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte a multa em que foi condenado (art. 49.º, n.º 2 do Código Penal).
Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o arguido para este Tribunal da Relação, com os fundamentos expressos na respetiva motivação, da qual extraiu as seguintes conclusões [transcrição]:
“1. O arguido ora recorrente, não se conforma com o despacho proferida nos autos acima indicados, e no qual foi convertida a pena de multa no valor de em 233 (duzentos e trinta e três) dias de prisão subsidiaria.
2. O arguido pretende ainda cumprir com a pagamento da multa em prestações.
3. O arguido, já é pessoa de idade, doente e reformado.
4. O arguido vive sozinho e não tem família de apoio.
5. O arguido tem mantido uma conduta dentro de parâmetros jurídico-penais, não tem infringido qualquer norma penal.
6. O ora condenado está bastante preocupado, angustiado e deveras preocupado com o seu futuro e com a sua saúde.
7. O despacho recorrido suporta-se na falta de pagamento voluntário e na falta de bens para pagamento coercivo.
8. O não pagamento da multa parece reprovável e portanto, uma conduta com a falta de respeito e de desafio perante a lei, mas não é.
9. O tribunal a quo nada apurou sobre as reais e efectivas condições pessoais e económicas do arguido para o cumprimento da pena em que estava condenado.
10. É necessário que o tribunal reúna todos os elementos necessários, saber as motivações e fins que levam o arguido a agir como agiu, para tomar a decisão que vai afectar a liberdade do condenado.
11. A conversão da pena não pode operar automaticamente.
12. Urna das manifestações do direito de defesa do arguido traduz-se na observância do princípio do contraditório, estabelecido no artigo 32, n°5 da Constituição da República.
13. O disposto no artigo 495 n°2 do C.P.Penal, é aplicável a qualquer decisão que diga respeito ao arguido e que deva ser precedida da sua audição prévia, inclusivamente a da conversão da multa não paga em prisão subsidiária.
14. A não audição do arguido em caso de revogação da pena de multa, constitui a nulidade insanável prevista na alínea c) do art.119, do C.P.P., independentemente do motivo da revogação. 2.4 Existe uma violação do art.32 n°5 da C.R.P. e do disposto no art.61 n°1 al. b do C.P.P.
15. Impondo-se antes, para assegurar o cumprimento do disposto no art.61, al.b) do C.P.P., a notificação por contacto pessoal do arguido (ou pelo menos a sua tentativa) ou mesmo a sua detenção para comparência e não o mero depósito da carta na caixa de correio, para que o Tribunal possa assegurar-se de que o arguido/condenado teve efectivo conhecimento da notificação para exercer o contraditório.
16. De forma a averiguar-se da culpabilidade do arguido quanto ao não pagamento da pena de multa, deve aquele ser previamente ouvido para se pronunciar, em termos semelhantes ao disposto no art.495 n.° 2 do C.P.Penal.
17. A revogação da conversão feita sem ter sido dada a oportunidade de o condenando se pronunciar pessoal e presencialmente nos termos do artigo 495.º, n.º 2 do CPP, revela-se atentatória das garantias de defesa constitucionalmente consagradas.
18. O artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa consagra, no seu n.º 5, o direito de o arguido intervir no processo, direito este que abrange todos os actos susceptíveis de afectarem a sua posição ou atingirem a sua esfera jurídica, como sucede no presente caso.
19. A pena de prisão deve ser a última ratio a ser aplicada, quando outras penas menos gravosas não sejam suficientes para acautelar as finalidades da punição, e sejam aplicáveis ao caso concreto.
20. Muito dificilmente, com todo o respeito que é devido e merecido, não se descortina quais as vantagens de internar em estabelecimento prisional o ora recorrente, porquanto, não esquecer que a inserção do arguido num meio (estabelecimento prisional), que na prática estaria em convívio directo e constante com toda uma população prisional que se encontra internada a cumprir penas pela prática de crimes muito mais graves, e daí querer que candidamente o sistema contribuir para a supramencionada reintegração/recuperação do agente (arguido/recorrente) para a sociedade.
21. Sem prejuízo de se aceitar que o arguido veio requerer o pagamento em prestações já com o prazo esgotado, a alegação de problemas de saúde de que padece não pode deixar de levantar a possibilidade de estarmos perante uma questão superveniente.
22. Para o efeito deve ser assegurada ao condenado oportunidade para se pronunciar e eventualmente provar que o não pagamento lhe não é imputável, só assim sendo adequadamente asseguradas as garantias de defesa do arguido, em particular o contraditório (art.32, n°s 1 e 5, da CRP).
23. Atendendo ao exposto na al. c) do n.º 1 do art. 43.º do CP … deveria ter o tribunal recorrido, antes de tomar a decisão de revogar a substituição da pena de multa pela pena privativa de liberdade, notificado o arguido no sentido de vir dar o seu consentimento à aplicação da pena privativa de liberdade, nos termos do art. 43.º, do CP, ou seja, em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.
24. O próprio tribunal a quo refere expressamente na parte inicial do despacho recorrido não se mostrar possível a cobrança coerciva da multa, conforme bem demonstram os autos, e assim comprovada que está a insuficiência económica e financeira do arguido, concluímos que o não pagamento da multa em causa não lhe é imputável,
25. De acordo com os princípios jurídicos enunciados no disposto no Artº 49º, nº 3, do Código Penal, entendemos dever suspender a execução da pena de prisão subsidiária decretada no despacho recorrido, pelo período de um ano, subordinada ao cumprimento, pelo arguido, de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico.
26. E dada a natureza de pena subsidiária e uma vez que o arguido pode demonstrar que o não pagamento da multa não lhe é imputável, é fundamental a sua audição prévia, para cumprir o princípio do contraditório, cuja omissão configura a nulidade processual insanável do artigo 119.º, alínea c), do Código de Processo Penal.
Nestes termos e nos melhores de Direito e sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências Venerandos Desembargadores, deverá ser dado provimento ao presente Recurso e em consequência revogar-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que contemple as conclusões supra deduzidas.
Decidindo deste modo, Vossas Excelências farão a costumada e necessária JUSTIÇA”.
Efetuada a legal notificação, veio o Ministério Público responder ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pela sua improcedência, apresentando as seguintes conclusões [transcrição]:
“C) CONCLUSÕES:
1- O arguido não se conforma com o despacho proferido, defendendo que ainda pode e deve ser aceite o pagamento da multa em prestações.
Muito sinteticamente, apenas se nos apraz dizer que, conforme consta da nossa promoção de 18.09.2024, entendemos que o arguido ainda devia beneficiar da possibilidade de efectuar o pagamento em prestações, na medida em que o art. 47º, n.º 3 do C. Penal, nos casos em que seja comprovada a situação de carência económica e financeira do condenado, permite o pagamento da pena de multa dentro do prazo de um ano, a contar da aplicação definitiva dessa mesma multa, o que, no caso dos autos, se verifica após o trânsito em julgado, que ocorreu em 22.05.2024, e quinze dias após a notificação efectuada ao arguido para pagamento voluntário da multa.
No entanto, e como consta do despacho recorrido, o arguido apenas se limitou a alegar a insuficiência económica, sendo que nenhum documento ou elemento de prova juntou que comprovasse tal circunstância.
Porém, o Tribunal “a quo” entendeu de forma diversa ao promovido pelo MP, o que se respeita, ao considerar que o pagamento da multa em prestações, nesta fase processual, é manifestamente extemporâneo, nos termos do art. 489.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, conforme consta do despacho recorrido, pelo que V. Ex.ªs decidirão.
2- O arguido alega que devia ser ouvido, presencialmente, antes da aplicação do disposto no art. 49º, n.º 1 do C. Penal, sendo que, ao lhe ter sido facultada tal prerrogativa, o Tribunal violou direitos constitucionais de defesa do arguido, além de que a falta de audição do mesmo constitui uma nulidade insanável, devendo ser aplicado, por analogia, o disposto no art. 495º do C. P. Penal.
Quanto à segunda questão levantada, e de forma resumida, entendemos que não existe fundamento legal para se aplicar o disposto no art. 495º do C. P. Penal, à situação dos presentes autos, designadamente à obrigatoriedade de audição presencial do arguido.
Por outro lado, também não vislumbramos, com o devido respeito, que exista, por o arguido não ter sido ouvido presencialmente, uma nulidade insanável, nos termos do disposto no art. 119º, al. c) do C. P. Penal, por preterição da prática de alguma diligência indispensável e em que a Lei imponha a presença do arguido, de forma obrigatória.
Pelo exposto, julgando o presente recurso parcialmente procedente, e concedendo-se a possibilidade ao arguido de comprovar a insuficiência económica e pagar a multa em prestações, farão V. Ex.ªs a costumada JUSTIÇA.
Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, nesta instância a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seguinte parecer [transcrição]:
“Recurso interposto pelo arguido AA:
O arguido AA veio impugnar o douto despacho que, depois de indeferir, por extemporâneo, o pedido de pagamento em prestações da pena de multa em que foi condenado, a converteu em prisão subsidiária, alegando, em síntese, que, por aplicação analógica do disposto pelo art.º 495º.2 do CPP, devia ter sido ouvido presencialmente antes daquela conversão, diligência para a qual devia ter sido notificado pessoalmente; e, acessoriamente, que, antes da prolação do douto despacho recorrido, devia ter sido notificado pessoalmente para dar o seu consentimento para o cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação; e que a pena de prisão subsidiária devia ser suspensa na sua execução, sujeita a regime de prova.
Ao recurso respondeu o Exmo. Magistrado do Ministério Público na 1ª instância, não tomando posição quanto ao indeferimento, por extemporaneidade, do pedido de pagamento em prestações da pena de multa e pronunciando-se no sentido da não obrigatoriedade da audição presencial prévia do arguido.
Ora,
Analisadas as questões suscitadas pelo arguido, verificamos, desde logo, que a jurisprudência dos nossos tribunais superiores tem sido consistentemente em sentido contrário ao por si defendido, parecendo-nos, por isso, evidente a improcedência das suas pretensões.
Com efeito, Sobre a imperatividade de o requerimento para pagamento em prestações da pena de multa ser feito dentro do prazo para o pagamento dessa mesma multa para além do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18 de setembro de 2013, citado no douto despacho recorrido, também se pronunciaram, entre outros, os acórdãos do mesmo Tribunal da Relação de 19 de janeiro de 2019, proferido no processo 239/17.0GACB-A.C1, de 17 de janeiro de 2018, proferido no processo 24/15.3SBGRD-A.C1, e de 12 de junho de 2023, proferido no processo 125/16.0T9SEI-A.C1, e os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 10 de janeiro de 2024, proferido no processo 386722.GBILH.P1, e de 19 de junho de 2024, proferido no processo 175/23.0GBOAZ-A.P1 (todos consultáveis em www.dgsi.com).
Sobre a não obrigatoriedade da audição presencial do arguido antes da prolação do despacho de conversão da pena de multa em prisão subsidiária existe numerosa jurisprudência, podendo invocar-se, a título meramente exemplificativo, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21 de maio de 2024, proferido no processo 893/19.8PAVNFG2, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24 de fevereiro de 2022, proferido no processo 685/18.1PFLRS-A.L1-, o acórdão do Tribunal da relação de Évora de 06 de fevereiro de 2024, proferido no processo 255/22.0GDSTR-A.E1, e o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08 de março de 2023, proferido no processo 296/19.4GBSRT.C1 (todos consultáveis em www.dgsi.pt), podendo ler-se neste último, por todos, que:
«3.1. Seguindo nisto jurisprudência que damos por pacífica, começamos por notar que a conversão da pena de multa não paga em prisão subsidiária, nos termos do art. 49.º, n.º 1, do CP, configura uma alteração superveniente do conteúdo decisório da sentença condenatória, com o efeito de privação da liberdade do condenado; dada a natureza de pena subsidiária e porque o arguido pode demonstrar que o não pagamento da multa não lhe é imputável, requerendo nomeadamente a suspensão daquela prisão subsidiária (art. 49.º, n.º 3, do CP), é fundamental a sua audição prévia, no sentido de cumprir o princípio do contraditório, dando-lhe oportunidade processual de efectivar o direito a ser ouvido (art. 61.º, n.º 1, al. b), do CPP); e a omissão dessa audição prévia configura a nulidade processual insanável do art. 119.º, al. c), do CPP (exactamente por violação daquela al b) do n.º 1 do art. 61.º), sendo porém que não tem de ser presencial (neste sentido, e exemplarmente, o Ac. TRC de 11/09/2019, proferido no processo 31/15.6IDCTB.C2, relator Luís Teixeira, que seguimos de muito perto, mas ainda, e além dos ali citados, os Acs. TRC de 04/05/2011, proferido no processo 189/09.6GASPS-A.C1, relator Jorge Jacob, de 29/06/2016, proferido no processo 113/12.6GBALD, relatora Elisa Sales, e de 13/10/2021, proferido no processo 85/19.6PTLRA-A.C1, relator João Novais).
3.2. Desde logo, a lei não exige essa audição presencial, nem no art. 49.º, n.º 1, do CP (cujos termos literais apontariam até para uma certa automaticidade da conversão, uma vez verificada a não substituição por trabalho, a falta de pagamento da multa e a sua inexequibilidade), nem em qualquer das normas processuais relativas à execução da pena de multa (art. 489.º e ss. do CPP), afigurando-se-nos que a ter sido essa a intenção do legislador, então não teria deixado de fazer constar daquelas normas um segmento como o ínsito no art. 495.º, n.º 2, do CPP, que justamente e em matéria de revogação da suspensão da execução da prisão reclama essa presencialidade da audição do condenado previamente à decisão – e se o não fez, nem determinou remissivamente essa aplicação (como todavia expressamente fez, no art. 498.º, n.º 3, do CPP, em se tratando de revogação da pena de prestação de trabalho), então parece forçoso concluir que desse modo pensou e resolveu a questão (cfr. o Ac. TRC de 06/01/2021, proferido no processo 21/16.1GAVZL-A.C1, relator Jorge França)».
In casu, verificamos que foi dada a possibilidade ao arguido para exercer o contraditório, tendo o mesmo sido notificado por via postal simples para se pronunciar sobre a eventualidade de a pena de multa ser convertida em prisão subsidiária, tendo sido na sequência dessa notificação que o mesmo, alegando insuficiência económica veio requerer o pagamento da pena de multa em prestações, razão pela qual, tendo presente a jurisprudência acima mencionada e citada, se entende não ter sido preterida qualquer formalidade essencial antes da prolação do douto despacho recorrido.
É certo que, embora a propósito da sua audição presencial, o arguido alega que devia ter sido notificado pessoalmente para o efeito, no que também não lhe assiste qualquer razão. Com efeito, Como se pode ler no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15 de maio de 2023, proferido no processo 564/16.7PABCL-B.G1 (consultável em www.dgsi.pt), «A notificação por via postal simples com prova de depósito, remetida para a morada do TIR que o arguido forneceu nos autos, é legalmente admissível (cf. arts. 113º, nºs 1, al. c), 3 e 10, e 196º, nºs 2 e 3, als. c) e e), ambos do CPP) e – conjuntamente com a notificação a efetuar ao defensor – idónea a promover o necessário contraditório.
Aliás, salvo melhor opinião, mal se compreenderia que a lei dispensasse a notificação mediante contacto pessoal para a notificação ao arguido de uma decisão tão gravosa como é a de revogação da suspensão da execução da pena de prisão, com o consequente cumprimento da pena (principal) de prisão cominada, bastando-se com a notificação por via postal simples enviada para a morada constante do TIR prestado nos autos, e fixasse maior exigência para casos como o ora em apreciação em que está em causa a aplicação de uma sanção de constrangimento ao condenado para que proceda ao pagamento da multa determinada na sentença. Na verdade, urge ter presente a jurisprudência fixada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 6/2010, publicado no DR nº 99/2010, Série I, de 21.05.2010, pp. 1747-1759:
«I - Nos termos do n.º 9 do artigo 113.º do Código de Processo Penal, a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão deve ser notificada tanto ao defensor como ao condenado.
II - O condenado em pena de prisão suspensa continua afecto, até ao trânsito da revogação da pena substitutiva ou à sua extinção e, com ela, à cessação da eventualidade da sua reversão na pena de prisão substituída, às obrigações decorrentes da medida de coacção de prestação de termo de identidade e residência (nomeadamente, a de «as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada»).
III - A notificação ao condenado do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão pode assumir tanto a via de «contacto pessoal» como a «via postal registada, por meio de carta ou aviso registados» ou, mesmo, a «via postal simples, por meio de carta ou aviso» [artigo 113.º, n.º 1, alíneas a), b), c) e d), do Código de Processo Penal].» A jurisprudência fixada naquele douto aresto do STJ mantém-se atual e foi até reforçada na sua validade pela alteração introduzida ao art. 196º, nº3, al. e), do CPP pela Lei nº 20/2013, de 21.02.
Repare-se que no primeiro caso, por força da revogação da suspensão, a execução da prisão é pela integralidade do período fixado na decisão condenatória e mostra-se irreversível, no sentido de que – após o trânsito – inexiste qualquer ato posterior que o condenado possa praticar nos autos para obstar a esse cumprimento, enquanto que em casos como o dos autos, por efeito da conversão, o condenado cumpre os dias de prisão correspondentes a 2/3 dos dias de multa fixados e pode, a todo o tempo, eximir-se, integral ou parcialmente, a esse cumprimento, mediante o pagamento total ou parcial da multa (cf. art. 49º, nº2, do CP).
No sentido que aqui defendemos, de que o cumprimento do contraditório prévio à decisão de conversão da multa em prisão subsidiária se satisfaz com a notificação ao condenado por via postal simples (com prova de depósito) expedida para a morada que ele indicou no TIR, concedendo-lhe prazo para pronúncia sobre as razões do não pagamento da multa ou para que diga o que lhe aprouver, vejam-se os Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 06.02.2006, relatado por Nazaré Saraiva, de 19.05.2014, Processo nº 355/12.4GCBRG-A.G1, relatado por Tomé Branco, de 26.02.2020, Processo nº 180/18.9GBCMN.G1, relatado por Teresa Coimbra, de 24.05.2021, Processo nº 2228/16.2T9GMR.G1, relatado por Júlio Pinto, e de 22.11.2021, Processo nº 102/18.7GAVVD-A.G1, relatado por Pedro Freitas Pinto; e do Tribunal da Relação do Porto de 09.02.2011, relatado por Melo Lima, e de 27.09.2017, Processo nº 9126/10.0TDPRT-A.P1, todos disponíveis em www.dgsi.pt». Também no sentido em que, perspetivando-se a conversão da pena de multa em prisão subsidiária, o cumprimento do princípio do contraditório é assegurado mediante a notificação do condenado por via postal simples, entre outros, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27 de outubro de 2021, proferido no processo 1646/15.8PCCBR-A.C1, e os acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 25 de maio de 2023, proferido no processo 85720.GCORQ.E1, e de 23 de março de 2021, proferido no processo 59/19.7GCABT.E1 (todos consultáveis em www.dgsi.pt).
Finalmente, sobre a pretensão do arguido em poder ainda beneficiar do cumprimento da prisão subsidiária em regime de permanência na habitação ou da suspensão da sua execução, aderindo à respetiva fundamentação, mais uma vez nos socorremos do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08 de março de 2023, proferido no processo 296/19.4GBSRT.C1, onde, a propósito de idêntica pretensão por parte do condenado, se pode ler o seguinte: «3.7. Na verdade, começará por notar-se que ao contrário do que algo obliquamente implica, o recorrente, na sequência da promoção do MP para a conversão da multa em prisão subsidiária, e antes da tomada de decisão sobre isso, foi com efeito notificado, ele e a sua ilustre defensora, com prazo para na matéria se pronunciar, e se encarava a eventualidade de essa prisão subsidiária ser executada em regime de permanência na habitação, então seria a ocasião processual própria para suscitar a questão, prestando o seu consentimento e alegando o que nesse sentido tivesse por conveniente (em vista do juízo que o n.º 1 daquele art. 43.º reclama), e o tribunal então deveria averiguar (como o deveria a respeito da suspensão de execução da prisão subsidiária se isso tivesse sido perspectivado). Sucede que, tal como nada manifestou a respeito de eventual suspensão da execução dessa prisão subsidiária (art. 49.º, n.º 3, do CP), o recorrente também absolutamente nada referiu quanto a essa outra hipótese, mantendo-se no alheado silêncio que já referimos. A única coisa que fez, já depois de decidida a conversão, foi requerer extemporaneamente o pagamento da multa em prestações, sob alegação genérica e conclusiva (por isso vácua) de um “estado de saúde débil”, desacompanhada de concretização mínima e menos ainda de comprovativos de qualquer espécie.
3.8. Ora, contrariamente ao que parece supor o recorrente, afigura-se-nos que a ponderação de qualquer daquelas alternativas ao cumprimento da prisão subsidiária (suspensão da execução dela ou execução em regime de permanência na habitação), depende da iniciativa do condenado, que há-de requerer nesse sentido (coisa que quanto à suspensão até resulta explícita do teor literal do art. 49.º, n.º 3, do CP), não sendo exigível que o tribunal, fora do contexto do julgamento, já depois da condenação e colocado perante o incumprimento da pena de multa, tenha ele de oficiosamente indagar sobre a eventualidade abstracta de verificação dos respectivos pressupostos, e mesmo, no caso em que neles se inclui, pelo consentimento do condenado arredio do processo e da pena – porventura estimulando-o especificamente a manifestá-lo, apesar desse alheamento… Por outras palavras, damos por igualmente satisfeito o dever de explicitar porque concluímos também não se verificar violação alguma do art. 43.º, n.º 1 e 2, al. c), do CP, com o que, enfim, chegamos à integral negação de provimento ao recurso, com a consequente manutenção da decisão recorrida, nos seus precisos termos; daí restando ao recorrente, em querendo evitar total ou parcialmente a prisão, já apenas, mas ainda, a eventualidade de pagamento total ou parcial da multa (art. 49.º, n.º 2, do CP)».
Assim, pelo exposto, somos de parecer que o recurso interposto pelo arguido AA deve ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se integralmente o douto despacho recorrido”.
I.5. Resposta
Dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta ao sobredito parecer.
Cumpre, agora, apreciar e decidir:
Conforme decorre do disposto no n.º 1 do art.º 412.º do Código de Processo Penal, bem como da jurisprudência pacífica e constante [designadamente, do STJ ], são as conclusões apresentadas pelo recorrente que definem e delimitam o âmbito do recurso e, consequentemente, os poderes de cognição do Tribunal Superior, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º do Código de Processo Penal e do conhecimento das nulidades previstas no art. 379º do mesmo diploma legal.
Assim, face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação do respetivo recurso interposto nestes autos, as questões a apreciar e decidir são as seguintes:
- Após o decurso do prazo voluntario de pagamento da pena de multa ainda é possível requerer o pagamento da mesma em prestações.
- Ocorreu a nulidade insanável prevista no art. 119º, al. c) do Código de Processo Penal, por o tribunal não ter ouvido presencialmente o arguido nos termos do disposto no art. 495º, nº 2 do Código de Processo Penal, violando-se, assim, o art. 32º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa.
- Violação do disposto no art. 43º, nº 1 al. c) do Código Penal, por o tribunal não ter ouvido o arguido quanto ao seu consentimento para a execução da prisão em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica.
Percorrendo de uma forma sucinta o processado, com relevo para a as questões em análise, verificamos o seguinte:
- Decorrido o prazo para pagamento voluntário da pena de multa, o Tribunal solicitou informação acerca da existência de bens ou rendimentos penhoráveis em ordem a perceber se era possível a sua execução patrimonial ( art. 491º do Código de Processo Penal), como decorre das pesquisas efetuadas a 05.07.2024 e 06.07.2024 [refªs 3649679, 3648932, 3648931, 37436962 e 37436960].
- Foi promovida a conversão da multa em dívida poro prisão subsidiária (refª 37437081).
- Foi determinado que o arguido fosse notificado para, no prazo de 10 dias, se pronunciar sobre a referida promoção (cf. despacho de 05.09.2024 refª 37458464).
- Tal despacho foi notificado ao ilustre defensor do arguido por carta enviada a 05.09.2024 como decorre da refª 42182950.
- Na mesma data para notificação do aludido despacho foi enviada uma notificação por via postal simples com prova de depósito para a morada por si indicada no TIR como decorre da refª 37568593, tendo o respetivo subscrito sido depositado a 09.09.2024 tal como decorre da refª 3706582 de 16.09.2024.
- Nessa sequência o arguido recorrente apresentar o seguinte requerimento: “AA, arguido nos autos de processo à margem referenciados e aí melhor identificado, tendo sido notificado do despacho de fls.., para se pronunciar sobre a conversão da pena de multa em dívida por prisão subsidiária, vem dizer o seguinte:
O arguido muito se penitencia de não ter cumprido atempadamente com o pagamento da multa na qual foi condenado, vem aqui pedir desculpa e mostrar o seu arrependimento, não é sua intenção não cumprir.
Não efectuou o pagamento devido a problemas pessoais e de saúde que lhe desorganizaram a vida tanto a nível pessoal como económico.
O arguido é pessoa doente, vive sozinho e da sua pensão de reforma no valor de 630,00€ euros e com ela tenta viver condignamente.
Assim, o arguido pretende cumprir a pena no qual foi condenado, pelo que vem mui humildemente requerer e pedir a V. Exa. que lhe seja concedida a oportunidade de efectuar o pagamento da multa no valor de 1925,00€ (mil novecentos e vinte e cinco euros) em 12 prestações mensais no valor de 160,50€ (cento e sessenta euros e cinquenta cêntimos), cada uma.
- Foi então proferido o despacho recorrido que acima transcrevemos.
II.3.1 – Do requerimento para pagamento da multa em prestações formulado a 16.09.2024
Dispõe o art. 489º do Código de Processo Penal:
«1 – A multa é paga após o trânsito em julgado da decisão que a impôs e pelo quantitativo nesta fixado, não podendo ser acrescida de quaisquer adicionais.
2 – O prazo de pagamento é de 15 dias a contar da notificação para o efeito.
3 – O disposto no número anterior não se aplica no caso de o pagamento da multa ter sido diferido ou autorizado pelo sistema de prestações.»
Já o art. 47º, nº3 do Código Penal estabelece que “Sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizar o pagamento da multa dentro de um prazo que não exceda 1 ano, ou permitir o pagamento em prestações, não podendo a última delas ir além dos 2 anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação.”
Tendo em conta que o pagamento em prestações é ainda um pagamento voluntário cremos ser mais ajustada a interpretação de que o requerimento para pagamento da multa aplicada como pena principal em prestações tem de ser efetuado no prazo de 15 dias a contar da data da notificação para pagamento voluntário da multa.
Tal prazo assume, a nosso ver, natureza perentória o que implica que decorrido esse prazo sem que o condenado formule nos autos, requerimento nesse sentido esse direito fica precludido (exceto se for alegado e provado justo impedimento para a omissão do ato no decurso daquele prazo – cf. art. 107º, nº2, do CPP).
Como se escreve no acórdão do TRC de 12.07.2023 de 04.05.2021 [processo nº 125/16.0T9SEI-A.C1, disponível in www.dgsi.pt]: “– Decorre de forma clara do disposto no artigo 489.º, n.ºs 2 e 3, do C.P.P. que o requerimento para pagamento da pena de multa em prestações tem que ser efectuado dentro do prazo para o respectivo pagamento voluntário, pois este requerimento pressupõe que o condenado se encontra em tempo para proceder ao oportuno pagamento da multa.
II – O prazo para requerer o pagamento da multa em prestações tem natureza peremptória, pelo que o seu decurso extingue o direito de praticar o acto, nos termos dos artigos 107.º, n.º 2, do C.P.P. e 139.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável, ex vi do disposto no artigo 4.º do C.P.P.”
Na verdade, da conjugação destes normativos decorre que o legislador pretendeu que no prazo estabelecido para o cumprimento da pena de multa o condenado assuma no processo uma atitude demonstrativa da vontade de cumprir a pena em que foi condenado, ainda que não integralmente e de uma só vez, ou de imediato, ou então mediante a prestação de trabalho equivalente, atentos os constrangimentos económicos que possa experienciar e que deverá alegar e provar nos autos.
Como se salienta também no Acórdão do TRL de 04.05.2021 [processo nº 261/17.5T9SXL.L1-5, disponível in www.dgsi.pt]: “I - A questão do pagamento da multa criminal deve ser apreciada sob três perspectivas distintas: (i) pagamento voluntário da multa; (ii) pagamento coercivo da multa; e (iii) pagamento para evitar o cumprimento de prisão subsidiária.
II - No pagamento voluntário, o pagamento ou o requerimento para diferimento ou prestações têm que ser feitos em 15 dias após a notificação para o efeito (489., n.º 2, do CPP). Passado este prazo sem nada ter sido requerido, extingue-se o direito de pagar voluntariamente (por inteiro ou em prestações). Por isso é um prazo peremptório.
III - O pagamento coercivo tem lugar já no âmbito de um processo executivo, que até corre no juízo ou tribunal que as tenha proferido: o mesmo juiz mas já sob as vestes de juiz de execução. O executado até pode pagar a quantia exequenda por sua iniciativa, extinguindo, deste modo, a execução, mas, para além de ter que suportar adicionais de custas processuais, já não será na posição processual de condenado em processo criminal, mas de executado em processo executivo.
IV - Finalmente, o pagamento para evitar o cumprimento da pena de prisão subsidiária visa garantir a natureza e fins das penas criminais, das quais a prisão é a ultima ratio. Nesta situação, o condenado pode, por sua iniciativa, pagar a multa (no todo ou em parte) a todo o tempo.”
Neste sentido, variada jurisprudência deste Tribunal da Relação e designadamente o acórdão de 17 de janeiro de 2018, proferido no processo 24/15.3SBGRD-A.C1, o acórdão de 06.01.2021, proferido no processo nº 21/16.1GAVZL-A.C1e o acórdão de 12 de junho de 2023, proferido no processo 125/16.0T9SEI-A.C1.
Também assim o acórdão do Tribunal do TRP de 10 de janeiro de 2024, proferido no processo 386722.GBILH.P1, e o acórdão de 19 de junho de 2024, proferido no processo 175/23.0GBOAZ-A.P1; ou do TRL de 04.05.2021, proferido no processo261/17.5T9SXL.L1-5, ou ainda o acórdão do TRG de 26.09.2016, proferido no processo nº 863/06.0PBGMR-A.G1; o acórdão de 20.02.2018, proferido no processos nº 102/16.1GTVRL.G1 e o acórdão de 15.06.2021, proferido no processo nº 33/17.8GBPRG-A.G1 [todos disponíveis in www.dgsi.pt].
Ora, nos presentes autos o recorrente formulou o requerimento para pagamento da multa em prestações a 16.09.2024 (cf. refª citius 3706690 dos autos principais), sem invocação de justo impedimento, quando já havia terminado o prazo de 15 dias legalmente previsto para o cumprimento voluntário [art. 489º, nº2, do CPP] – feita a liquidação da quantia em dívida a título da multa, dela foram notificados o arguido e o seu ilustre defensor, com envio das respetivas guias, onde constava como data limite de pagamento o dia 01.07.2024.
Alega o recorrente que a invocação dos problemas de saúde de que padece não pode deixar de levantar a possibilidade de estarmos perante uma questão superveniente, sem que no entanto retire qualquer conclusão desta sua afirmação.
Porém, sempre diremos que - como acima referimos - a prática do ato após o termo do prazo, apenas seria possível numa situação de justo impedimento, sendo que a mera alegação de problemas de saúde, decorridos mais de dois meses sobre o termo do prazo em apreço, não integra tal figura, sendo que, além do mais com o requerimento devem ser logo juntas as respetivas provas, o que igualmente o recorrente não fez.
Temos pois, que o requerimento apresentado é extemporâneo, implicando a preclusão do respetivo direito, como foi entendimento do Tribunal a quo na decisão recorrida.
Improcede, pois, neste segmento o recurso interposto.
Já no que concerne ao despacho que subsequentemente converteu a pena de multa inicialmente aplicada em prisão subsidiária, nos termos do disposto no art. 49º do Código Penal, invoca o recorrente que o Tribunal nada apurou sobre as reais e efetivas condições do recorrente para o cumprimento da pena nem que havia sido condenado.
Mais alegando que deveria ter sido ouvido presencialmente por aplicação do art. 495º, nº 2 do Código de Processo Penal e 32º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa, e que não tendo sido foi cometida uma nulidade insanável – art. 119º, al. c) do Código de Processo Penal.
Alega, por fim, que ao ser proferido o despacho que converteu a pena de multa em prisão subsidiária foram violadas as suas garantias de defesa do arguido previstas no art. 61º, nº 1, al. b) do Código de Processo Penal, por apenas se ter enviado uma carta com prova de depósito.
Dispõe o art. 49º do Código Penal o seguinte:
1 - Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão, não se aplicando, para o efeito, o limite mínimo dos dias de prisão constante do n.º 1 do artigo 41.º
2 - O condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado.
3 - Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de 1 a 3 anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Se os deveres ou as regras de conduta não forem cumpridos, executa-se a prisão subsidiária; se o forem, a pena é declarada extinta(sublinhado nosso).
4 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é correspondentemente aplicável ao caso em que o condenado culposamente não cumpra os dias de trabalho pelos quais, a seu pedido, a multa foi substituída. Se o incumprimento lhe não for imputável, é correspondentemente aplicável o disposto no número anterior.”
A questão colocada, em primeira linha pelo recorrente é a de saber se deveria ter sido convocado para comparecer pessoalmente no Tribunal, a fim de ser ouvido sobre as razões do incumprimento do pagamento voluntário da multa, tal como se impõe quando, aplicada a pena de prisão a título principal e a mesma é suspensa na respetiva execução e, perante a notícia de incumprimento, importa decidir sobre a revogação da suspensão da execução da pena, nos termos do art. 56º do Código Penal.
Tendo a conversão da multa em prisão subsidiária por efeito a privação da liberdade do condenado, temos por certo que a este tem de ser dada a oportunidade de se pronunciar, assim se cumprindo as exigências de correntes do princípio do contraditório.
Como se refere no acórdão deste TRC de 08.03.2023 [processo nº 296/19.4GBSRT.C1, disponível em www.dgsi.pt]: “O recorrente (…) apela a uma aplicação analógica daquele art. 495.º, n.º 2, do CPP, mas o que não desenvolve é porque haveria de impor-se essa analogia, sendo certo que não obstante a similitude das situações na medida em que implicam ambas uma privação de liberdade por alteração da prévia decisão condenatória, onde elas precisamente divergem é na amplitude das ponderações que a decisão em perspectiva pode concitar.
3.3. Nem mesmo falando da maior gravidade do que por regra estará em causa quando se trate de revogação da suspensão de execução da prisão, por comparação com a conversão da multa em prisão subsidiária, ali estará em causa não somente a verificação das causas determinantes da perspectiva da revogação, como ainda conclusões valorativas sobre a culpa do condenado nelas e/ou a subsistência ou não do juízo de prognose favorável que fundara a suspensão (art. 56.º, n.º 1, als. a) e b), do CP), o que tudo justifica a audição do técnico de reinserção social que apoia e fiscaliza as condições de suspensão, quando seja o caso, e o especial cuidado de facultar ao condenado a possibilidade de dialecticamente facultar esclarecimentos, fazer alegações e, enfim, tomar posição, em moldes susceptíveis de apreensão pelo tribunal com imediação e oralidade que só a audição presencial consentem. Isto é aliás o mesmo que pode dizer-se em se tratando de revogação da prestação de trabalho (o que explica a remissão do art. 498.º, n.º 3, do CPP, para o art. 495.º, n.º 2, do CPP), mas já não é esse o caso da conversão da multa em prisão subsidiária, em que se trata simplesmente de comprovar pressupostos objectivados tais como a não solicitação de substituição por prestação de trabalho, o não pagamento voluntário e a não exequibilidade coerciva, ao condenado não cabendo mais, em tal situação, do que porventura invocar razões de lhe não ser imputável o não pagamento e, nesse caso, pedir a suspensão de execução da prisão subsidiária (art. 49.º, n.º 3, do CP).
3.4. Uma tal diversidade de situações legitima amplamente a opção do legislador no sentido de impor a audição presencial no caso de revogação da suspensão (ou da prestação de trabalho), mas não no de conversão da multa em prisão, não cabendo aplicação analógica da regra do primeiro a este segundo, com o que de resto resultaria simples e voluntaristicamente frustrada aquela opção legislativa, e para mais com custo significativo sobre a funcionalidade do sistema.”
E se atentarmos no conteúdo do art. 61º do Código Penal vemos que efetivamente o direito de presença, consagrado na al. a) surge como meio de exercício dos direitos de defesa e concretamente no que aqui nos interessa do princípio do contraditório. Mas, também a alínea b) do mesmo preceito constitui um veículo de exercício dos referidos direitos de defesa e do contraditório, quando estabelece que o arguido tem o direito a a ser ouvido, isto é a pronunciar-se antes de ser tomada uma decisão que directa e pessoalmente o afecte. (cf. neste sentido, Henrique Gaspar no Código de Processo Penal Comentado, Almedina 2014, págs. 209 e segs., em anotação ao artigo 61º do CPP). E só assim não o será quando a lei dispuser diferente, que como vimos, não ocorre na situação presente, pois que a audição prévia e pessoal, nos moldes estabelecidos no nº 2 do art.º 495º do Código de Processo Penal, só está prevista para o incumprimento das condições da suspensão da execução da pena de prisão e, por remissão do art.º 498º nº 3 do mesmo diploma, para a execução pena de prisão substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade, não contendo os arts. 489º a 491º do Código de Processo Penal, norma semelhante, o que se justifica pela natureza diferente das penas e respetivas consequências.
E, deste modo, concluímos como o fez o acórdão do TRL de 17.06.2020 [processo nº 88/14.7XELSB.L1-3, disponível in www.dgsi,pt]: “Com efeito, o citado art.º 61º nº 1 al. b) reconhece especialmente ao arguido, em qualquer fase do processo, e salvas as excepções da lei, o direito de ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte, o que constituí uma das manifestações do direito ao contraditório genericamente previsto no art.º 32º nºs 1 e 5 da CRP e no art.º 6º § 1º da CEDH, o qual, por seu turno, é um dos princípios estruturantes das garantias de defesa do arguido e do direito a um processo justo e equitativo (cfr., nesse sentido, além de outros, os Acs. da Relação de Guimarães de 09.01.2017, proc. 1889/07.8TAGMR.G1, de 03.12.2018, proc. 733/09.6PBGMR.G1 e de 14.10.2019, proc. 1163/17.1T9VCT.G1; Acs. Relação de Coimbra de 25.06.2014, proc. 414/99.7TBCVL-B.C1, de 20.04.2016, proc. 210/11.5TAPBL.S1; Acs. Relação de Évora de 03.02.2015, proc. 252/12.3GBMMN.E1, de 23.01.2018, proc. 212/10.9GFSTB-A.E1 e Acs. Relação de Lisboa de 14.02.2018, Proc. nº 210/15.6PESNT.L1-3, de 29.10.2019 processo 315/15.3PASNT.L1., in http://www.dgsi.pt; Ac. da Relação de Coimbra de 11.09.2019, proc. 31/15.6IDCTB.C2, https://blook.pt/caselaw/pt/trc/578236/).
Mas não existe nenhuma norma legal expressa que imponha a audição presencial do arguido sobre o incumprimento da pena de multa, ou seja, sobre os motivos do não pagamento da multa, previamente ao despacho que determina o cumprimento da prisão subsidiária.
E tal não se deve a qualquer lacuna da lei, mas a opções claras do legislador que se prendem quer com a configuração do princípio do contraditório, no confronto com outros princípios igualmente relevantes para a administração da Justiça Penal, como é o caso dos princípios da celeridade e economia processuais e, ainda, na diferenciação quer quanto à sua natureza e efeitos, quer quanto ao grau de intromissão no direito à liberdade individual que o legislador português assumiu quanto a penas de multa e penas de prisão.”
Mais se acrescentando “Assim, sem colocar minimamente em crise, de harmonia com os princípios gerais do contraditório e das garantias de defesa do arguido consagrados nos art.ºs 20º nºs 1 e 4 e 32º nºs 1 e 5 da CRP e com o direito de audição do arguido previsto no art.º 61º nº 1 al. b) do CPP, que a conversão em prisão subsidiária de uma pena de multa não pode, nem deve ser decidida sem que antes seja dada ao arguido a oportunidade de a contraditar, quer invocando factos e argumentos jurídicos, quer juntando e requerendo as provas que entender necessárias e forem consideradas pertinentes, essa audição ou oportunidade de exercício do contraditório cumpre-se de forma plena, com a notificação por via postal simples ao arguido e também ao seu Defensor da promoção do Mº.Pº., nesse sentido, ou com a informação de existe a hipótese de essa conversão vir a ser ordenada e com o convite expresso para que exerça os seus direitos de defesa e oposição, sem qualquer necessidade de audição presencial.
«Perante o não pagamento de uma multa criminal, se o condenado nada tiver requerido e o ministério público promover a conversão da multa não paga em prisão subsidiária, o contraditório fica assegurado com a notificação de tal promoção ao arguido, - por carta remetida para a morada do TIR - e ao seu defensor, não tendo o tribunal de proceder à audição presencial do arguido sobre as razões do incumprimento» (Ac. da Relação de Guimarães de 26.02.2020, proc. 180/18.9GBCMN.G1. No mesmo sentido, Acs. da Relação do Porto de 27.09.2017, proc. 426/13.0EAPRT.P1, de 30.05.2018, proc. 18/14.6PEVNG.P1 e de 06.02.2019, proc. 1630/15.1T9VFR.P1; Ac. da Relação de Coimbra de 29.06.2016, proc. 113/12.6GBALD.C1 e Acs. da Relação de Lisboa de 11.06.2019, proc. 158/15.4PLLRS.L1 e de 29.10.2019, proc. 315/15.3PASNT.L1, todos in http://www.dgsi.pt e, ainda Ac. da Relação de Coimbra de 11.09.2019, proc. 31/15.6IDCTB.C2, https://blook.pt/caselaw/pt/trc/578236/).”
Ora, descendo ao caso sob análise verificamos que a notificação da promoção do Ministério Publico no sentido da conversão da pena de multa não paga em prisão subsidiária foi efetuada por carta com prova de depósito para a morada indicada pelo arguido no TIR (precisamente como o preveem os arts. 113º, nº 1 al. c), nº 3 e 10 e 196º, nº 2 e 3, al.s c) e e) do Código de Processo Penal) e, bem assim, para o seu ilustre defensor (como acima já mencionamos) pelo que foi dada ao arguido a possibilidade de exercer o contraditório e alegar o que tivesse por conveniente, não tendo havido na utilização neste mecanismo qualquer violação do disposto no referido art. 61º do Código Penal ou do art. 32º nº 5 da Constituição da República Portuguesa, pois que através da mesma se permitiu e garantiu ao arguido os seus direitos de defesa, designadamente sob a vertente do pleno exercício do contraditório.
Em suma, concluímos que não foi coartado ao arguido/recorrente o direito ao contraditório nem foi preterido qualquer outro direito de defesa determinante da invalidade do despacho recorrido, inexistindo, portanto a nulidade invocada.
Como se salienta no Acórdão deste TRC de 20.01.2016 [processo nº 127/10.0GASAT.C1, disponível in www.dgsi.pt]: “O princípio do contraditório, aqui invocado, constitui uma verdadeira garantia constitucional, que, dada essa sua natureza, é inviolável. Todavia, para que a concessão dessa garantia assuma a sua efectividade torna-se necessária alguma colaboração positiva do arguido, que, sendo-lhe facultada a possibilidade de se pronunciar pessoalmente, compareça na data designada para o efeito. O tribunal concede ao arguido a possibilidade de exercer o contraditório, não lhe pode impor, de modo algum, a obrigação de exercício efectivo desse direito.
Ora, tendo o arguido sido notificado nos aludidos termos, apenas alegou de uma forma conclusiva e vaga que “não efectuou o pagamento devido a problemas pessoais e de saúde que lhe desorganizaram a vida tanto a nível pessoal como económico”, e requereu o pagamento da multa em prestações o que vimos já efetuou quando tal direto já se havia precludido
Dada a redação do nº 3 do art. 49º do Código Penal a si cabia o dever de provar que o não pagamento da multa aconteceu por motivo que não lhe é imputável , norma sobre cuja constitucionalidade o Tribunal Constitucional já se pronunciou, designadamente, no Acórdão nº 491/00 [disponível in www.tribunalconstitucional.pt].
Também no Acórdão do TRC de 13.10.2021 [processo nº 85/19.6PTLRA-A.C1, disponível in www.dgsi.pt] se escreve “(…) igualmente a suspensão da prisão subsidiária aplicada em consequência do não pagamento da pena de multa, deverá resultar não de uma iniciativa do tribunal, mas sim de um requerimento do condenado, o que se retira da expressão «Se o condenado provar - art. 49º, nº 3, do Cód. Penal, ou ainda da redacção do art. 491º, nº 3, do CPP: «(…) parecer do Ministério Público, quando este não tenha sido o requerente», o que implica que a suspensão tem que ser requerida pelo M.P., ou pelo condenado.
Se o tribunal – como defende o recorrente - tivesse o dever de oficiosamente suspender a aplicação da prisão subsidiária sempre que tivesse conhecimento que aparentemente a situação económica do condenado não lhe permitia pagar a pena de multa, então deixaria de fazer sentido a previsão normativa do n.º 3 do art 49º do Cód. Penal; Exigindo o n.º 2 do mesmo art 49º, como pressuposto de conversão da pena de multa em prisão subsidiária, que o tribunal tente a execução patrimonial, no caso de a mesma se frustrar por inexistência de bens (como ocorreu no caso), então imediatamente o tribunal deveria suspender a execução da pena subsidiária, sem qualquer iniciativa do condenado nesse sentido, e sem ter que alegar e provar que a razão do pagamento não lhe é imputável, o que tornaria inútil, e mesmo contraditório o referido n.º 3 do art 49”.
Deste modo, concluímos que a suspensão da execução da prisão subsidiária depende de impulso do condenado e esta interpretação não viola o art. 49º, nº 3 ou o art. 70º do Código Penal, porquanto, é precisamente por o legislador privilegiar a pena de multa à pena de prisão, que ao mesmo tempo estabelece um sistema de execução da daquela pena “orientado para a reservação da dignidade penal da mesma” (cf. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, § 123).
Como se refere ainda no Acórdão do TRC de 13.05.2020 [processo nº 136/16.6T9LSA-A.C1, disponível in www.dgsi.pt)]: “deverá ser em sintonia com as finalidades apontadas às penas; sem que se ignore, pois, em momento algum, no decurso da respectiva execução, que constituindo a pena de multa uma verdadeira pena criminal haverá que assegurar sempre a tutela do bem jurídico violado e a reintegração social do condenado, qualquer que seja a modalidade da execução que venha a ser seguida, porquanto é através da execução da pena, qualquer que ela seja, que se confere razão prática à sentença condenatória e se asseguram as finalidades de prevenção. Dito de outro modo, precisamente porque se trata de uma pena criminal, o condenado tem que a sentir como tal, sob pena de frustração das finalidades visadas através da sua aplicação; razão que justifica que as alternativas de cumprimento da pena de multa exijam a sua intervenção concreta e interessada, pois é a ele que cabe explicar o não cumprimento da pena em que foi condenado e para cujo cumprimento foi devidamente notificado sendo, pois, ao condenado que cabe requerer a suspensão da pena de prisão subsidiária e provar que o não pagamento lhe não é imputável”(sublinhado nosso).
Assim, improcede igualmente neste segmento o recurso interposto.
Por fim, entende o recorrente que o tribunal recorrido antes de converter a pena de multa em prisão subsidiária deveria ter notificado o arguido no sentido de vir dar o seu consentimento à execução da pena em regime de permanência na habitação com fiscalização de meios técnicos à distância.
Não sendo embora unânime na jurisprudência a questão da aplicação do regime de execução da prisão em regime de permanência na habitação à pena de prisão subsidiária[1], entendemos, em face do texto do art. 43º,do Código Penal, da interpretação que deste deve ser feita em face do que consta do texto da exposição de motivos da proposta de Lei nº 90/XIII (disponível in https://app.parlamento.pt) e bem assim no confronto da argumentação expendida nos diferentes acórdãos que este regime não é aplicável à pena de prisão subsidiária, prevista no art. 49º do Código Penal.
Na verdade a execução de uma pena de prisão em regime de permanência na habitação encontra-se prevista no artigo 43º do Código Penal, sendo que a atual redação é resultado da alteração efetuada pela Lei nº 94/2017, de 23.08, que alargou o âmbito de cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação, tanto no que concerne à medida regra de pena de prisão (que passou de um para dois anos), quer quanto à previsão das situações em que este regime pode ser aplicado.
Da análise deste normativo legal verifica-se que a prisão subsidiária, resultante do não pagamento de uma pena de multa, não se encontra contemplada entre as situações taxativamente elencadas no seu nº 1, todas elas exclusivamente respeitantes a pena de prisão aplicada a título principal, ab inicio.
E não constando do elemento literal vemos que o elemento histórico confirma que a sua exclusão foi intenção do legislador.
Na verdade , na exposição de motivos dos trabalhos preparatórios da Proposta de Lei nº 90/XIII, na Base de Dados da Presidência de Conselho de Ministros, que deu origem à referida Lei nº 94/2017 (disponível in https://app.parlamento.pt) consta expressamente entre o mais o seguinte:
«Pretendeu-se clarificar, estender e aprofundar a permanência na habitação, conferindo-lhe um papel político-criminal de relevo.
Vinca-se, por um lado, a sua natureza de regime não carcerário de cumprimento da pena curta de prisão e alarga-se, por outro lado, a possibilidade da sua aplicação aos casos em que a prisão é concretamente fixada em medida não superior a dois anos, quer se trate de prisão aplicada na sentença, de prisão resultante do desconto previsto nos artigos 80.° a 82.° do Código Penal, ou de prisão decorrente da revogação de pena não privativa de liberdade ou do não pagamento da multa previsto no n.º 2 do artigo 45.° do mesmo diploma.
Fora deste quadro fica a prisão subsidiária prevista no artigo 49º atendendo à sua natureza e função peculiares.” (sublinhado nosso).
Assim também foi entendido no Acórdão deste TRC de 06.06.2018 [proc. nº 210/11.5TAPBL-A.C1, disponível i www.dgsi.pt] acrescentando-se ainda em defesa desta posição o seguinte:
Já se apreciou quais as situações da pena de prisão que estão previstas no artigo 43º, como suscetíveis de cumprimento em RPH. E todas elas confluem para a pena de prisão aplicada a título principal. É esta a essência da questão e nela reside a diferença de tratamento. Tratamento desigual porque de situações desiguais se trata.
Voltando ao argumento da interpretação sistemática, verificamos que existe uma diferente natureza entre a pena de multa e a pena de prisão. É preocupação legislativa dar preferência à aplicação da pena de multa, a título principal, sempre que possível ou, segundo a terminologia do artigo 70º, do Código Penal, “sempre que realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Ora, sendo aplicada ab initio uma pena de multa, existe uma panóplia à disposição do condenado para cumprir esta pena – de modo integral e voluntário; em prestações (artigo 47º, nºs 3 e 4 do Código Penal); por prestação de trabalho (artigo 48º Código Penal e 490º, Código de Processo Penal); coercivamente, através de execução (artigo 49º, nº1 Código Penal e 491º do Código de Processo Penal).
O cumprimento da pena de multa mediante prisão subsidiária, é a designada derradeira solução, a ultima ratio.
É assim, porque o legislador elege a pena de multa como a pena preferencial, para a dita pequena gravidade. O disposto no artigo 70º, do Código Penal, não deixa dúvidas.
Todavia e porque efetivamente a pena de multa tem um papel determinante na reinserção social do agente e satisfaz de modo eficaz as finalidades da punição na dita pequena criminalidade e em alguma criminalidade média de cariz essencialmente económico, não pode esta pena perder, por isso mesma, a sua vertente de eficácia, como pena. Daí que o legislador, para preservar essa função, tivesse instituído a pena de prisão subsidiária como forma de a garantir. Mas, ainda assim, com as ressalvas do artigo 49º, nº3, do Código Penal, em que o agente pode ser dispensado do cumprimento da pena de prisão subsidiária nos termos aí previstos, se demonstrar que o não pagamento da multa lhe não é imputável.
Acrescentando: “Outras duas especificidades do cumprimento da prisão subsidiária que a afastam do cumprimento em RPH, se podem enunciar:
- Por um lado, a prisão subsidiária a cumprir não corresponde à totalidade da pena de multa aplicada, mas sim sempre reduzida a dois terços da pena de multa que deveria ser paga – artigo 49º, nº 1, do Código Penal.
O que significa que, caso se entendesse que seria de aplicar o cumprimento da pena de multa em RPH, não se justificaria então, em nosso entender, esta redução a dois terços, mas sim o cumprimento integral da pena de multa. Cessando o “bónus” legalmente previsto.
Esta especificidade significa isso mesmo, que, apesar de toda a panóplia de situações em que o arguido pode cumprir a pena de multa e obstar a um cumprimento da prisão subsidiária, o legislador é claro em estabelecer esta (a prisão subsidiária), e não o RPH, como ultima ratio para a tornar efetiva.
- Por sua vez, iniciando o arguido o cumprimento da prisão subsidiária, pode o mesmo, a todo o tempo, evitar a sua execução – artigo 49º, nº2, do Código Penal, que dispõe:
“O condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado”.
Ou seja, a começar pela aplicação e natureza da pena de multa, prosseguindo com a variada gama de modalidades de cumprimento desta e a terminar com o próprio cumprimento da prisão subsidiária, todo este regime, globalmente considerado, é mais favorável que o da aplicação de uma pena inicial de prisão, ainda que substituída por uma pena não detentiva, como é o caso da suspensão da execução da pena de prisão entretanto revogada (em que o arguido terá que cumprir a prisão, embora com a possibilidade, neste momento, de o fazer em RPH) ou o caso de não pagamento da multa previsto no nº 2, do artigo 45º (em qua a pena de prisão inicialmente aplicada foi substituída por multa).
Mais uma vez, nesta última situação, a pena principal é uma pena de prisão, entretanto substituída por uma pena não detentiva, mas que, em caso de não pagamento da multa, o arguido cumpre a pena de prisão inicialmente fixada. E não qualquer prisão subsidiária, com a redução a dois terços da pena. E se porventura tiver que cumprir a pena de prisão, não a poderá interromper, a qualquer momento, ainda que pretendesse pagar a multa em momento posterior, pois a situação é irreversível. Neste sentido, v. AUJ do STJ de c. Ac. de18-09-2013, proferido no processo nº 319/06.7SMPRT.P1- A.S1, como seguinte sumário:
“Transitado em julgado o despacho que ordena o cumprimento da pena de prisão em consequência do não pagamento da multa por que aquela foi substituída, nos termos do artigo 43.º n.º s 1 e 2, do Código Penal, é irrelevante o pagamento posterior da multa por forma a evitar o cumprimento daquela pena de prisão, por não ser caso de aplicação do preceituado no n.º 2, do artigo 49.º, do Código Penal”.
Todos estes considerandos nos levam a concluir pela inexistência de qualquer inconstitucionalidade pela não previsão e consequente não aplicação do cumprimento em RPH, da prisão subsidiária.”
Concordamos inteiramente com a posição assumida neste aresto e consequentemente entendemos que não é possível a execução da prisão subsidiária em regime de permanência na habitação.
Improcede, assim, na totalidade o recurso interposto pelo arguido.
Pelo exposto, acordam as juízas da 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, mantendo-se o despacho recorrido pelo Tribunal a quo nos seus precisos termos.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 3 UCS [artigos 513º, n.ºs 1 e 3 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e artigo 8º, nº 9, do RCP, com referência à Tabela III].
Coimbra, 5 de fevereiro de 2025
Sandra Ferreira
Maria da Conceição Miranda
Sara dos Reis Marques (com voto de vencido)
Este normativo vem reconduzir todas as hipóteses de impossibilidade, contemporânea ou superveniente, do pagamento da multa, à suspensão da execução da pena de prisão. E, apesar de no seu mais literal e aparente sentido, a disposição em análise fazer directamente depender da iniciativa e do empenhamento do condenado a demonstração da referida impossibilidade de pagamento, o certo é que - em sintonia, de resto, com a solução expressamente adoptada na parte final do n.º4 do referido preceito - não se poderá deixar de admitir que a suspensão possa vir a ter lugar sempre que resulte provada esta situação, ainda que não por iniciativa do condenado (cfr. neste sentido, Gonçalves da Costa, Revisão do Código Penal, Implicações judiciárias mais relevantes da revisão da parte geral, Centro de Estudos Judiciários, 1996, pg.72; na jurisprudência, o Ac RE de 24 Outubro 2017. Processo
542/14.0GBSLV.E1).
Entendo que recusar a suspensão da execução da prisão subsidiária por o condenado não ter feito um requerimento nesse sentido, nos casos em que a impossibilidade de pagamento da multa resulta patenteada nos autos, é subverter a intencionalidade da norma e o próprio princípio da culpa.
No Ac TC 149/88, de 17/9/88, in https://files.diariodarepublica.pt/gratuitos /2s/1988/09/ 2S216A0000S00.pdf, defende-se inclusivamente que se o juiz, no momento de ditar a pena, tiver já apurado que o arguido não tem possibilidades de pagar a multa, deverá converter de imediato a pena de multa em prisão subsidiária e suspender a execução desta prisão.
Razões para que, no caso em apreço, em face da factualidade patenteada nos autos, se conclua pela não culpa do condenado no não pagamento da multa, devendo, em consequência, decretar-se a suspensão da execução da pena subsidiária.
[1] No sentido da sua aplicação à prisão subsidiária e com carácter oficioso o Acórdão do TRP de 22.05.2024, proferido no processo nº 174/20.4GAVFR.P1; no sentido da sua aplicação mas mediante requerimento para o efeito em momento prévio à conversão da pena de multa em prisão subsidiária mas sujeita a requerimento do condenado o Acórdão deste TRC de 08.03.2023, proferido no processo 269/19.4GBSRT.C1. Já no sentido de não ser aplicável à prisão subsidiária o Acórdão deste TRC de 06.06.2018, proferido no processo nº 210/11.5TAPBL-A.C1, o Acórdão do TRG de 23.11.2020, proferido no processo nº 78/13.7IDBRG-E.G1 e o Acórdão do TRE de 25.10.2022, proferido no processo nº 18/14.6PCELV-A.E1, todos disponíveis in www.dgsi.pt.