I- Não se pode prescindir de uma descrição que balize as condutas num concreto espaço físico e temporal e que sejam indicadas condutas que permitam, com um grau de segurança, que o arguido as identifique, de forma a poder defender-se. Contudo, relativamente ao momento e lugar da prática do crime, não tem necessariamente de se indicar uma concreta data e sítio. Particularmente quando estamos em face de factos repetidos e prolongados no tempo, em que não é possível a reconstituição das datas em que ocorreu a sucessão de cada um dos eventos delituais mas tão só o período de tempo em que sucedeu, esta conduta reiterada torna-se identificável pela defesa, pelo que basta para a identificação do facto e sua singularização como tendo ocorrido em certo período de tempo. Será dessa reiteração que o arguido se irá defender.
II- Relativamente às declarações de co-arguido, rege o princípio geral de apreciação probatória, sem que qualquer tabelamento probatório seja normativamente imposto, pelo que a credibilidade de tal depoimento apenas em concreto, em face das circunstâncias em que é produzido, é que pode ser avaliada.
III- No presente caso, ainda que a atividade desenvolvida se possa inserir no chamado tráfico de rua, apresenta uma habituação, volume, alargamento territorial, que não se pode considerar como suscetível de apontar para uma acentuada diminuição de ilicitude com potencialidade para integrar o artigo 25º do Decreto-Lei nº 15/93
IV- O regime de prova obedece exclusivamente a um juízo de adequação às necessidades de prevenção especial de socialização do condenado, considerando as particulares condições da sua vida, em concreto as condições de saúde do condenado.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Acordam em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:
*
* *
I- Relatório:
-» No âmbito deste processo comum coletivo que corre termos pelo Juízo Central Criminal de Viseu, Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, em 17 de setembro de 2024, foi proferido acórdão com o seguinte dispositivo [transcrição]:
“4. DECISÃO
Em face do exposto, acordam as juízas que constituem o Tribunal Colectivo da Instância Central Criminal, da comarca de ..., em julgar a acusação pública parcialmente procedente, nos termos sobreditos, e, consequentemente:
1- Condenar o arguido AA, em co-autoria material e sob a forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º n.º 1 do Decreto-lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B anexas a tal diploma, na pena de 7 (sete) anos de prisão efectiva;
2- Condenar a arguida BB, em co-autoria material e sob a forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º n.º 1 do Decreto-lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B anexas a tal diploma, na pena de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão efectiva;
3- Condenar o arguido CC, em co-autoria material e sob a forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 25º alínea a) do Decreto-lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B anexas a tal diploma, na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão efectiva;
4- Condenar o arguido DD, em co-autoria material e sob a forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 25º alínea a) do Decreto-lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B anexas a tal diploma, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão;
5- Condenar o arguido EE, em co-autoria material e sob a forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 25º alínea a) do Decreto-lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B anexas a tal diploma, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão;
6- Condenar o arguido FF, em co-autoria material e sob a forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 25º alínea a) do Decreto-lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B anexas a tal diploma, na pena de 2 (dois) anos de prisão;
7- Condenar o arguido GG, em co-autoria material e sob a forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 25º alínea a) do Decreto-lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B anexas a tal diploma, na pena de 3 (três) anos de prisão;
8- Suspender a execução das penas de prisão aplicadas aos arguidos DD, EE, FF e GG referidas em 4, 5, 6 e 7, pelo período idêntico aos das penas de prisão, na seguinte condição:
• Ao acompanhamento dos mencionados arguidos através de regime de prova que assentará num plano individual de readaptação social, executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social, durante o tempo de duração da suspensão, em termos a definir pela DGRS, o qual deverá passar pela proibição de contacto com pessoas ligadas ao tráfico e consumo de droga, proibição de consumo de droga e pela obrigação de diligenciar pela procura activa de emprego se não o tiverem.
9- Julgar totalmente improcedente o pedido de declaração de perda de vantagens patrimoniais e consequentemente, absolver os arguidos do pagamento das quantias peticionadas;
10- Declarar perdido a favor do Estado o produto de estupefaciente apreendido nos autos e determinar a sua oportuna destruição (cf. artigos 35º n.º 2 e 62º n.º 6 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01);
11- Declarar ainda perdidas a favor do Estado as quantias monetárias apreendidas na posse dos arguidos AA e BB - €1.475,00; €405,00 e €50,00 - (cf. artigos 36º n.º 2 e n.º 5 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01 e 109º n.º 1 e 111º do Código Penal);
12- Declarar perdidos a favor do Estado todos os telemóveis e cartões telefónicos apreendidos aos arguidos (cf. artigo 109º do Código Penal);
13- Ordenar o cumprimento do disposto no artigo 64º n.º 2, do citado Decreto-Lei n.º 15/93;
14- No cômputo das penas aplicadas ao arguido AA deverá ser descontado o tempo de privação de liberdade já sofrido pelo mesmo;
15- Condenar também os arguidos nas custas do processo, fixando em 5 UC o valor da taxa de justiça devida por cada um deles.
Notifique e Deposite.
Após trânsito:
- Remeta boletins ao registo criminal;
- Comunique à DGRSP;
- Proceda-se à recolha de amostras para a base de dados de perfis de ADN aos arguidos, bem como à inserção na respectiva base de dados – cf. artigo 8º n.º 2 da Lei n.º 5/2008, de 12/02.
*
Após trânsito em julgado e pagas que se mostrem as custas da sua responsabilidade (art.34º, nº1, al.d), do R.C.P.), deverão ser restituídos aos arguidos AA e BB quantia total de € 1.196,83 (mil, cento e noventa e seis euros e oitenta e três cêntimos), da qual foi levantado a fls. 1481 a quantia de € 907,92 (novecentos e sete euros e noventa e dois cêntimos) e a quantia total de € 2.010.11(dois mil e dez euros e onze cêntimos), depositadas nas contas n.ºs ...00 e ...61, domiciliadas na Banco 1... – fls. 1205-, tudo nos termos do art.186º do C.P.P..
*
Estatuto coactivo do arguido AA
Nos termos do disposto no artigo 213º n.º 2 do CPP, cumpre proceder ao reexame dos pressupostos da medida de prisão preventiva aplicada ao arguido AA, dispensando-se a prévia audição destes e do Ministério Público, uma vez que não se verificaram alterações que o justifiquem.
Mantendo-se os pressupostos de facto e de direito que levaram à aplicação e manutenção da medida de prisão preventiva aplicada aos referidos arguidos, pressupostos que se mostram reforçados com o sentido do acórdão condenatório acabado de proferir, determina-se que o mencionado arguido continue sujeito à mesma medida de coacção de prisão preventiva – artigos 191º, 193º n.º 1 e n.º 2, 202º n.º 1 a), 204º e 213º n.º 1 b) do CPP.”
*
-» Inconformados com tal decisão dela interpuseram recurso para este Tribunal da Relação os arguidos GG, AA e BB, com os fundamentos expressos nas respetivas motivações, das quais extraíram as seguintes conclusões:
“Do julgamento da matéria de facto:
1. Conforme resulta do adiante alegado, nos pontos 78 a 83, 89 a 92, 100 a 104 e 106a108 da factualidade provada o Tribunal a quo deu como provado um conjunto de factos sem que dispusesse de qualquer elemento probatório que suportasse tal decisão. Se não, vejamos,
2. Foi dado como provado que, a pedido da Arguida BB, o Arguido EE entregou produto estupefaciente ao aqui Recorrente, designadamente, nos dias 26/04/2023 e 20/05/2023 (após as 16:56h) (pontos 78 e 79 a) e d) da factualidade provada), sem que isso resulte de qualquer um dos elementos de prova valorados e apesar de ter sido expressamente negado pelo Arguido EE nas suas declarações prestadas em audiência de julgamento, o qual, inclusivamente, confirmou entregas a outras pessoas.
3. Sem prescindir, ainda que tal tivesse ocorrido, não provaria a prática de qualquer ilícito criminal por parte do ora Recorrente, na medida em que este é consumidor de produto estupefaciente, como resulta do Acórdão recorrido.
4. Através da inscrição dessa factualidade no ponto 80 da matéria provada, dá-se como assente que o Arguido AA, através de missiva enviada à Arguida BB, gizou um plano para que o ora Recorrente, durante uma visita ao estabelecimento prisional onde se encontrava detido, lhe entregasse produto estupefaciente, todavia, da leitura das cartas remetidas àquela Arguida não resulta qualquer plano, limitando-se o Arguido AA a perguntar pelo ora Recorrente.
5. Sendo certo que a referência ao Recorrente encontra justificação no facto do nome deste se encontrar associado a um contacto telefónico utilizado pela Arguida BB, que se encontrava impedida de contactar com o Arguido AA.
6. Acresce que ainda que estivesse a ser gizado algum plano envolvendo o Arguido AA, a mera existência do mesmo não se reconduz à aceitação do ora Recorrente para participar do mesmo, não existindo prova alguma nos autos de que tal tenha ocorrido.
7. O Tribunal a quo deu como provado, através dos pontos 81 e 82 da factualidade provada, que no dia 26/04/2023, o Arguido EE retirou produto estupefaciente de casa do Arguido DD, entregando-o à Arguida BB, que, seguidamente, o passou ao Recorrente.
8. Atendendo a que nos pontos 78 e 79, a) da factualidade provada, o Tribunal a quo deu como provado que nessa data o Arguido EE entregou directamente o produto estupefaciente que recolheu ao ora Recorrente no dia 26/04/2024, parece resultar que o mesmo Tribunal crê em múltiplas recolhas e entregas directa e indirectamente dirigidas ao Recorrente e pedidas pela Arguida BB, num mesmo dia.
9. A bem da verdade, estamos perante uma séria incongruência na acusação a que o Tribunal a quo aderiu, contrariamente ao que fez a respeito dos artigos 49º e 63º e 64º da acusação – onde estava patente incongruência em tudo semelhante -, que não levou à factualidade provada, como deveria ter feito aqui.
10. Quanto a esta multiplicidade de episódios, não só não é lógico à luz da lógica e da experiência que tal tenha ocorrido, como inexiste qualquer prova nos autos de onde as mesmas se possam retirar.
11. Não obstante tal incongruência, da leitura dos pontos 81 a 83 da factualidade provada, resulta que o Tribunal a quo crê que foi o produto estupefaciente alegadamente entregue pela Arguida BB, que o ora Recorrente inseriu no estabelecimento prisional ..., sem contudo, ter qualquer prova que aponte nesse sentido.
12. O Tribunal a quo não pode dar como provado que o Recorrente introduziu produto estupefaciente no estabelecimento prisional, se sequer consegue identificar a pessoa que lhe terá entregue esse produto e, consequentemente, provar que este o recebeu.
13. Acresce que não existe qualquer prova de que o Recorrente tenha entregue o produto estupefaciente ao Arguido AA. Tudo o que poderia apontar nesse sentido são as declarações do Co-Arguido EE, que se limita a dizer que “ouviu dizer” que o Recorrente procedeu a uma entrega, o que não só não pode ser valorado para efeitos de prova de qualquer entrega, como nunca poderia respeitar a este dia.
14. Pois que o Arguido EE declarou, em sede de inquérito – declarações estas que foram reproduzidas e confirmadas em sede de audiência de julgamento - que a primeira vez que entregou recolheu e entregou produto estupefaciente foi precisamente aquando da detenção de HH, ocorrida a 03/05/2023.
15. Assim, a valorar-se as declarações deste co-arguido como se valoram, não pode em hipótese alguma aventar-se que, nesta data, o Recorrente tenha procedido àquela entrega, desde logo por tão pouco lhe ter sido disponibilizado produto estupefaciente para o efeito, não sendo despiciendo notar que é precisamente quanto a esta data que o Tribunal a quo, sequer se decidiu quanto ao Arguido que teria procedido à entrega ao Recorrente.
16. Nos pontos 89 e 90 da factualidade assente, o Tribunal a quo dá ainda como provado que no dia 07/05/2023, o Arguido EE efectuou a recolha de produto estupefaciente junto da casa do Arguido DD, que posteriormente entregou à Arguida BB que, por sua vez, o fez chegar ao ora Recorrente, que, finalmente, o introduziu dentro do estabelecimento prisional durante a visita ao Arguido AA, contudo, não assenta esta factualidade me qualquer prova, por inexistente.
17. A única prova existente, e que resulta da lista de visitas do Arguido AA, é a de que, neste dia, o Recorrente visitou aquele arguido no estabelecimento prisional onde aquele se encontrava detido preventivamente, o que não prova qualquer tráfico de estupefacientes, mas apenas a existência dessa visita, de onde deriva tudo quanto mais aqui se deu como provado.
18. Já no ponto 91 da factualidade provada, o Tribunal a quo dá como facto assente que o ora Recorrente procedeu a nova entrega de produto estupefaciente junto do arguido AA, no dia 20/05/2023, sem oferecer qualquer encadeamento prévio como efectua a respeito das outras supostas entregas, relativamente à forma como o ora Recorrente obteve o produto estupefaciente que terá alegadamente entregue ao Arguido AA – omissão que resulta precisamente da constatação das incongruências decorrentes da acusação.
19. Como tal, impõe-se olhar à supra referida alínea d) do ponto 79, de onde consta que, por ordem da Arguida BB, o Arguido EE entregou ao ora Recorrente 4 pedaços de cocaína e 3 de heroína, neste mesmo dia 20/05/2023, em hora não concretamente apurada, mas após as 16h56.
20. O Tribunal a quo levou este ponto à factualidade provada, atendo-se à sessão de escutas nº 1727 do alvo 130607040 (apenso 10), que, no entanto, não faz prova de qualquer entrega, desde logo porque esta sessão, em que a Arguida BB combina com a filha uma visita ao Arguido AA, pedindo-lhe para avisar o companheiro e aqui Arguido EE de que o Recorrente também iria a tal visita, teve lugar entre as 21:18h e as 21:20h do dia 20/05/2023, necessariamente após qualquer visita do dia 20, a medida em que uma visita nocturna estaria obviamente fora de cogitação.
21. Por outro lado, a referência à hora 16:56h, parece resultar das demais escutas efectuadas nesse mesmo dia, que em nada se relacionam com o Arguido GG (sendo antes uma chamada entre a Arguida BB e o seu filho II) - que, todavia, não foram referidas nos elementos que serviram de fundamentação à factualidade dada como provada.
22. Isto é, esta comunicação, absolutamente despicienda para efeitos de fundamentação da factualidade imputada, foi retirada da lista de elementos de prova considerados, porém, o horário desta comunicação continuou a motivar o estabelecimento do lapso temporal em que o Tribunal a quo crê que aqueles factos tiveram lugar, sem que se considere qualquer elemento probatório que pudesse pelo menos em teoria apontar nesse sentido.
23. Se por um lado, o Tribunal a quo bem andou ao verificar que o ora Recorrente não tinha qualquer ligação àquela comunicação, por outro, mal esteve ao dar como provada aquela factualidade que vinha imputada ao Arguido GG, naqueles concretos termos.
24. Não só não existe prova de que tenham sido feitas recolhas e entregas naquela data, como não existe qualquer prova do horário em que as mesmas tenham ocorrido, e muito menos se prova que, naquele dia, após as 16:56h, o Arguido tenha recebido o produto estupefaciente e procedido à sua entrega junto do Arguido AA, no estabelecimento prisional.
25. Por último, o Tribunal a quo deu ainda como provado, com relevância para o ora
Recorrente, que, pelo menos em 4 outras ocasiões, por ordem da Arguida BB, o Arguido EE recolheu produto estupefaciente da casa de DD, que entregou àquela Arguida e que esta posteriormente entregou quer a HH, quer ao ora Recorrente, para que fosse introduzido no estabelecimento prisional, junto do Arguido AA.
26. Esta factualidade, além de não se alicerçar em qualquer prova, da forma como se encontra redigida – precisamente a formulada em sede de acusação do Ministério Público -, não pode sob hipótese alguma concorrer para a condenação do Recorrente, na medida em que sequer se encontra esclarecida a identidade do agente do crime, isto é, se o Recorrente, se o dito HH.
27. De acordo com as regras gramaticais, tudo leva a crer que, ao referir-se “aquele”, está a aludir ao primeiro sujeito, HH, o que, determinaria, como deve determinar, que a factualidade a que aqui se alude em nada se relaciona com o ora Recorrente.
28. Por cautela de patrocínio, caso assim não se entenda, questiona-se o Recorrente, sobre a identidade “(d)aquele” que ia fazer chegar o produto estupefaciente ao Arguido AA (se o Recorrente ou o aludido HH), e bem assim sobre o número de vezes em que a Arguida BB terá entregue produto estupefaciente a um e outro, sobre as datas em que essas entregas ocorreram e sobre os elementos constantes dos autos que provam as mesmas.
29. Sendo certo que as declarações prestadas pelo Arguido EE também não podem resultar na prova de tais factos, porquanto aquele Arguido não referiu nas declarações prestadas em fase de inquérito, e reproduzidas em audiência de julgamento, nem nas declarações prestadas em audiência de julgamento, ter feito mais de 4 entregas de produto estupefaciente.
30. Por último, também o ponto 100 da factualidade dada como provada, no que concerne ao Recorrente, não poderia ter sido dado como assente, em face da ausência de prova de onde tal resulte.
31. Ora, de tudo quanto exposto resulta a inexistência de provas que justificassem a inserção dos pontos 78 a 92 na factualidade provada e bem assim deste ponto 100, na medida em que nenhum dos elementos valorados pelo Tribunal a quo para fundamentar a factualidade descrita, isoladamente ou mesmo conjuntamente, são aptos a fazer tal prova.
32. Em suma, tudo o que existe nos presentes autos, que de alguma forma envolve o ora Recorrente são cartas em que o Arguido AA pergunta à Arguida BB por si, sessões que nada provam se não que o Arguido GG também iria a uma suposta visita ao Arguido AA, e as declarações de um co-arguido, o Arguido EE, que apenas referiu ter entregue produto estupefaciente à Arguida BB, sem conhecer com precisão o destino que foi dado a este produto, mesmo quando sabe que foi o Recorrente a recebê-lo, designadamente, por não o ter visto a guardar o produto estupefaciente junto de si ou a entrega-lo ao Arguido AA.
33. O máximo que as provas existentes nos autos podem confirmar quanto ao Arguido GG, é que o mesmo teve na sua posse produtos estupefacientes, o que não só não causa espanto, uma vez que o próprio Tribunal a quo o reconhece como consumidor, como não constitui qualquer crime, por inexistirem provas de que as quantias eventualmente detidas pelo Recorrente excedessem o permitido por lei.
34. Acresce que não existe qualquer indício atendível que aponte no sentido de que este Arguido se dedicava à venda ou cedência de qualquer tipo de produto estupefaciente, designadamente, junto do Arguido AA, no estabelecimento prisional, militando, em sentido contrário, o facto de não ter sido encontrada qualquer quantia em dinheiro ao Recorrente e de dos pontos 10 e 11 da matéria não provada resultar a convicção do Tribunal a quo de que o ora Recorrente e o Arguido AA não terem intenção de difundir produto estupefaciente no estabelecimento prisional.
35. Nestes termos, toda a factualidade a que se aludiu, deve deixar de constar de entre a matéria provada, inscrevendo-se antes na matéria não provada.
Da suspensão da pena aplicada
36. A suspensa da execução da pena aplicada ao Recorrente é incompatível com as debilidades físicas do mesma, na medida em que os problemas de saúde que o assolam – do foro ortopédico e respiratório – e que ditaram a sua baixa médica e o pedido para que lhe seja atribuída reforma por invalidez, não lhe permitem diligenciar pela procura activa de emprego.
37. Nessa medida, a manter-se a aplicação da pena ao Recorrente, hipótese que se avança por mera cautela de patrocínio, deve o regime de prova ser alterado, em função das suas condições de saúde.
Da ausência de provas que possam conduzir à aplicação de uma pena ao Recorrente
38. A matéria inserida nos pontos 78 a 92 e 100 não poderia ter sido dada como provada, não só por se mostrar incongruente, mas também por não resultar dos elementos constantes dos autos, o que deveria ter determinado a constatação de uma dúvida razoável quanto à factualidade imputada ao ora Recorrente.
39. Consequentemente, nunca poderia o Recorrente ter sido condenado, na medida em que tal consubstancia uma violação do art. 32º, nº 2 da CRP, onde assenta o princípio da presunção da inocência, segundo o qual, no caso sub judice, é inaceitável que perante um inultrapassável impasse probatório se decida exclusivamente com um mero juízo probabilístico
40. As dúvidas quanto à actuação do Recorrente são tamanhas que o Tribunal a quo
não conseguiu apurar modos e datas em que os factos pelos quais este vinha acusado – e foi condenado – ocorreram, o que demonstra que aquele não conseguiu dissipar as suas dúvidas quanto às condições de tempo, lugar e modo em que os factos ocorreram o que deveria ditar o emprego do princípio in dúbio pro reo, dando assim os factos de que o Recorrente vinha acusado como não provados”
-» - Recurso da arguida BB (transcrição):
I – Impugna-se a matéria de facto dos pontos 3. na parte “sendo apoiado pela arguida BB,”, 4., 5., 6., 7., 8., 9., 11., 12., 49., 50., 52., 53., 67., 68., 69., 72., 78., 79., 80., 81., 82., 84., 89., 90., 92., 100., 101., 104 e 105. do Acórdão na parte em que diz respeito à arguida, ora recorrente -porquanto, face à totalidade da prova produzida em sede de julgamento e constante dos autos se impunha ao tribunal recorrido que considerasse tal factualidade como não provada.
II - Da simples leitura de tal factualidade resulta desde logo óbvio que a descrição factual como a que consta destes pontos não satisfaz minimamente as exigências do art. 283.º n.º 3 b) do C.P.P e art. 32.º n.º 2 e 5 da CRP, em clara violação dos direitos de defesa da arguida.
III - Com efeito, é necessário àquelas garantias de defesa que os arguidos conheçam na sua real dimensão, ou seja com indicação precisa, os factos dos quais vem acusados para que dos mesmos se possam verdadeiramente defender.
IV - E nesses termos, a acusação contem sob pena de nulidade a narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ou de uma medida de segurança incluindo se possível, o lugar, o tempo, e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada.
V - Não sendo assim admitidas formulas gerais, imprecisas, vagas e difusas.
VI - No crime de trafico de estupefacientes, dado a grande amplitude do tipo penal e onde a intensidade e reiteração das condutas estão no amago da definição desse tipo é muito importante, para se aferir com segurança da responsabilidade criminal do arguido, que se faça a caracterização do produto estupefaciente transacionado, a concretização da quantidade e qualidade do produto transacionado, a duração dessa atividade, o número de contactos e vendas, o momento das mesmas e o local onde ocorreram. VII - Impunha-se que num período temporal tão curto, cerca de dois meses e meio, impunha-se que os inquiridos soubessem pormenorizar as circunstâncias de tempo, lugar em que ocorreram os factos, se concretizasse o produto que foi efetivamente transacionado, em que quantidade, por que preço, como e onde ocorreu a transação.
VIII - Não se sabendo o quê e que quantidades foram transacionadas, porque preço, quando e durante quanto tempo, não são tais imputações, factos suscetíveis de sustentar qualquer condenação penal.
XIX - Salvo o devido respeito que nos merece a decisão do Tribunal recorrido, entendemos que mal andou, ao fundar a sua convicção no teor das declarações dos coarguidos EE e DD, atribuindo-lhes credibilidade que em nosso modesto entendimento, merece censura.
X - O que “mina” a força probatória das declarações dos coarguidos reside na possibilidade de suspeição, ou seja no interesse pessoal que os coarguidos podem ter no resultado da sua própria declaração: o arguido incrimina outro, para se defender, para obter um benefício (atenuação ou dispensa da pena).
XI - Também neste conspecto, encontra-se errada e incorretamente julgada a matéria de facto considerada como provada nos pontos nºs3. na parte “sendo apoiado pela arguida BB,”, 4., 5., 6., 7., 8., 9., 11., 12., 49., 50., 52., 53., 67., 68., 69., 72., 78., 79., 80., 81., 82., 84., 89., 90., 92., 100., 101., 104 e 105. do Acórdão da factualidade provada, a qual deveria ter-se como não provada, porquanto alicerçou o Tribunal “a quo ”a sua convicção nas declarações prestadas pelos coarguido DD e EE credibilizando-as indevidamente.
XII - A ora recorrente não tem antecedentes criminais, é de condição social e económica humilde e encontra-se inserida profissionalmente.
XIII - A ora recorrente alegadamente vendeu, em data não concretamente apurada, produto estupefaciente não apurado, em quantidade não concretamente apurada, mas em pequenas doses (uma ou duas doses) por valor não apurado, sempre diretamente ao consumidor.
XIV - As vendas em que a arguida surge implicada ocorreram nas “imediações da sua residência” e sem recurso a qualquer outro meio, recurso a qualquer tipo de sofisticação.
XV - O que, aliás, é bem retratado pelos “bens” que a arguida BB e o arguido AA tinham no interior da residência (facto provado – ponto 64 da Sentença).
XVI – Tal alegada atividade desenvolvida pela arguida não gerou lucros avultados, em nada alterou a vida da arguida, que é e sempre foi pessoa de condição modesta, vivendo em casa arrendada, com dificuldades financeiras.
XVII - Assim, em relação às modalidades e/ou circunstâncias da ação onde se avalia nomeadamente o período de duração, espaço geográfico, o modo como era obtido e distribuído o produto estupefaciente e montantes envolvidos, constata-se da matéria assente, em relação à arguida, que tudo se resumiu a um curto período de tempo; a um espaço geográfico delimitado e restrito; cingiu-se apenas cinco compradores de produto estupefaciente, cuja qualidade, quantidades e preço não se logrou apurar.
XVIII - Atendendo ao que ficou apurado quanto às transações efetuadas pela arguida, às quantidades transacionadas, à frequência com que ocorreram, aos recursos e meios utilizados, à inexistência de qualquer tipo de meios sofisticados, não traduzindo organização com capacidade de mobilizar ou conseguir meios para a atividade delituosa, cremos que a conduta da arguida BB se enquadra no tráfico de menor gravidade.
XIX - Pelo que, salvo devido respeito por posição diversa, a alegada conduta da arguida consubstancia um crime de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo art. 25.º do Dec. Lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro.
XX - O Tribunal “a quo” no que à arguida diz respeito optou pela pena de prisão efetiva, aplicando-lhe a pena de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão, invocando fortes exigências de prevenção geral e especial, o que se nos revela manifestamente excessivo e desproporcional.
XXI - Punir a ora Recorrente com uma pena de prisão tão elevada – de 5 anos e 3 meses – terá um efeito manifestamente nocivo e menos eficiente ao nível das necessidades de prevenção, do que se fosse aplicada uma pena inferior, aniquilando a sua vida em sociedade.
XXII – A ora Recorrente não tem antecedentes criminais e encontra-se integrada económica e socialmente, aplicar-lhe nestas circunstâncias uma pena tão elevada poderá “precipitar” a morte do “Homem Social”.
XXIII - Apesar das fortes necessidades de prevenção geral da generalidade dos crimes de tráfico de estupefaciente, há sempre que se ter uma cuidada ponderação sobre as necessidades de prevenção geral e especial de ressocialização em cada caso concreto, pois só se protege eficazmente os bens jurídicos se a pena concreta servir a reintegração do agente e não evitar a quebra da sua inserção social.
XXIV - Não está provada qualquer evidência de que a execução de uma pena privativa de liberdade tenha virtualidade para dissuadir o arguido da prática de novos ilícitos.
XXV - Na verdade, os factos provados e a personalidade da arguida revelada, a ausência de antecedentes criminais, apontam para que uma pena não privativa de liberdade, alcancem as finalidades da punição satisfazendo as necessidades de reprovação e prevenção do crime.
XXVI - Acresce ainda que a pena de prisão introduz o condenado no meio criminógeno, altamente estigmatizante, que por obedecer a valores e princípios próprios é capaz de corromper e perverter os objetivos pretendidos com a sanção aplicada ao agente, afastando-o cada vez mais do comportamento que de si é esperado.
XXVII - Consciente desta realidade, a lei penal substantiva prevê inúmeras penas alternativas ou de substituição à pena de prisão efetiva.
XXVIII - Dispõe o art. 50.º n.º 1 do C.P. que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
XXIX - Este preceito consagra um poder-dever, ou seja um poder vinculado do julgador, que terá que decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os necessários pressupostos.
XXX - Para este efeito, é necessário que o julgador, reportando-se ao momento da decisão e não ao da prática do crime, possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da pena será suficiente para o afastar da prática de novos crimes.
XXXI - A arguida mantêm uma adequada inserção social, familiar e profissional, não têm antecedentes criminais, a gravidade dos factos cometidos (quer pelo número de consumidores identificados, quer pelas concretas quantidades apreendidas e/ou transacionadas) não convoca extraordinárias exigências de prevenção geral, é ainda possível, excecionalmente, efetuar um juízo de prognose favorável no sentido de que a mera ameaça do cumprimento de uma pena de prisão será suficiente para os dissuadir da prática de novos ilícitos.
XXXII – Deste modo, na medida em no douto Acórdão ora recorrido não foi dada preferência à pena não privativa da liberdade, capaz de, in casu, realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, violou o referido aresto o disposto nos artigos 50º e 70º do CP.
XXXIII - O Acórdão recorrido violou os comandos legais constantes dos artigos assim o disposto nos arts. 283.º n.º 3 b) e 127.º do C.P.P., artigo 21º, 25º da Lei 15/93 de 22 de janeiro, artigo 50º e 70º do CP e art. 32.º n.ºs 1, 2 e 5 da CRP
Termos em que deve conceder-se integral provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se o douto acórdão recorrido, tudo em conformidade com o acima exposto e com as legais consequências, sempre com o mui douto Suprimento de Vossas Excelências, JUSTIÇA!”
- Recurso do arguido AA (transcrição):
“ I – A questão sujeita à apreciação deste Tribunal, consiste em determinar se a atuação do arguido se enquadra no crime de tráfico de menor gravidade, previsto no artigo 25.º do Dec. Lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro, com uma consequente diminuição da pena.
II - Da factualidade assente decorre que a atividade imputada ao arguido, ora Recorrente foi sempre exercida por contacto direto do arguido com quem consome (venda, cedência, etc.), com os meios normais que as pessoas usam para se relacionarem (contacto pessoal, telefónico); as quantidades de produto estupefaciente transacionada sempre pequenas, adequadas apenas ao consumo individual dos mesmos e compatível com a sua pequena venda num período de tempo razoavelmente curto.
III - Por outro lado, o período de duração da atividade imputada ao arguido, ora Recorrente, cingiu-se a poucos meses, não chegou a seis meses _ tal período de tempo não foi sequer suficiente para que se possa considerar o agente como “abastecedor”, a quem os consumidores recorriam sistematicamente em certa área há mais de um ano.
IV - O ora Recorrente é consumidor e os proventos obtidos com a venda, eram utilizados para prover ao seu próprio consumo e subsistência própria, uma vez que o arguido tinha uma vida modesta, humilde, semelhante ao das outras pessoas do meio onde vive.
V - As operações encetadas pelo ora Recorrente tendentes à embalagem e venda do produto são pouco sofisticadas e o meio de transporte empregue na dita atividade era o mesmo que este usava na vida diária para outros fins lícitos.
VI - A atividade em causa imputada ao Recorrente era exercida em área geográfica restrita.
VII - Assim, no tocante ao indicador de ilicitude, quanto aos meios utilizados pelo arguido na sua atividade, o que se provou foi um modus operandi simples e com recurso a meios sem qualquer sofisticação: encomenda via telemóvel e encontro em local escolhido para entrega do produto.
VIII - É entendimento dominante na jurisprudência que é enquadrável no art. 25.º, al. a), do DL 15/93, de 22-01, a conduta do agente que se dedica ao pequeno tráfico, com venda de estupefaciente diretamente ao consumidor final, através de contacto direto e de rua, sem a utilização de quaisquer meios sofisticados, em pequenas doses, ainda que de forma regular.
IX - In casu, atendendo ao que ficou apurado quanto às transações efetuadas pelo Recorrente; às quantidades transacionadas; à frequência com que ocorreram; aos recursos e meios utilizados; à inexistência de qualquer tipo de meios sofisticados, não traduzindo organização com capacidade de mobilizar ou conseguir meios para a atividade delituosa, somos em crer que a ilicitude global do facto aponta para o tipo privilegiado do artigo 25º, punível nos termos da al. a).
X - A forma de atuação do Recorrente aliada à sua toxicodependência, permite-nos concluir que estamos perante uma situação de pequeno tráfico completamente distinta da do grande tráfico, razão pela qual a atuação do Recorrente deveria ter sido enquadrada no previsto no artigo 25.°, alínea a), do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro.
XI - Em função da alteração da qualificação jurídico – penal dos factos pelos quais o arguido sofreu condenação e que agora se requer, importa proceder à reapreciação da medida concreta da pena aplicada.
XII - O Tribunal “a quo” no que ao arguido diz respeito optou pela pena de prisão efetiva, aplicando-lhe a pena de 7 (sete) anos de prisão, invocando fortes exigências de prevenção geral e especial, o que se nos revela manifestamente excessivo e desproporcional, pois punir o recorrente com uma pena de prisão tão elevada terá um efeito manifestamente nocivo, aniquilando a sua vida em sociedade e menos eficiente ao nível das necessidades de prevenção, do que se fosse aplicada uma pena inferior. XIII - A aplicação de uma pena tão elevada poderá “precipitar” irremediavelmente a morte do “Homem Social”.
XIV - Apesar das fortes necessidades de prevenção geral da generalidade dos crimes de tráfico de estupefaciente, há sempre que se ter uma cuidada ponderação sobre as necessidades de prevenção geral e especial de ressocialização em cada caso concreto, pois só se protege eficazmente os bens jurídicos se a pena concreta servir a reintegração do agente e não evitar a quebra da sua inserção social.
XV - Não está provada qualquer evidência de que a execução de uma pena privativa de liberdade tão longa tenha virtualidade para dissuadir o arguido da prática de novos ilícitos.
XVI – O Recorrente é uma pessoa de idade avançada (50 anos) e já esteve anteriormente privado da sua liberdade.
XVII - A manutenção do Recorrente num estabelecimento prisional por longos anos poderá inviabilizar irremediavelmente a sua reinserção social, além de contribuir para a sua exclusão social, dado que irá ter problemas acrescidos em integrar-se no mundo laboral.
XVIII – Termos em que se tem como justa e adequada à culpa e às finalidades da pena, a aplicação ao Recorrente de pena de prisão em medida não superior a cinco anos.
XIX - O Acórdão recorrido violou os comandos legais constantes dos artigos assim o disposto nos 25º da Lei 15/93 de 22 de janeiro, artigo 40º e 71º do CP.
Termos em que deve conceder-se integral provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se o douto acórdão recorrido, tudo em conformidade com o acima exposto e com as legais consequências, sempre com o mui douto Suprimento de Vossas Excelências, JUSTIÇA!”
*
-» O M.º P.º respondeu, motivando as respostas, não extraindo conclusões, mas pugnando no seguinte sentido:
- Recurso do arguido GG:
“ Nestes termos, o recurso interposto pelo arguido não merece provimento, devendo improceder, com excepção da decisão tomada em matéria de facto no que concerne ao teor dos pontos 79, al. a) - no segmento acima referido - e al. d) e 91, que devem ser dados como não provados e da correcção ao ponto 92, tudo conforme suprarreferido no ponto I da presente resposta.
Consequentemente, deverá ser reduzida a medida concreta da pena aplicada ao arguido para os dois anos e dez meses de prisão, que deverá ser suspensa na sua execução por igual prazo e subordinada ao cumprimento das obrigações que já lhe foram impostas no acórdão recorrido, apenas devendo ser alterada a condição do arguido procurar activamente emprego, devendo passar a constar nessa parte: “e pela obrigação de diligenciar pela procura activa de emprego se não o tiver, caso a sua saúde permita a prestação de trabalho.”
- Recurso da arguida BB: “não merece provimento devendo improceder”.
- Recurso do arguido AA: “não merece provimento devendo improceder.”
*
*
Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, nesta instância a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, nos seguintes termos [transcrição]:
“Analisando os fundamentos dos recursos interpostos pelos arguidos, não vemos que os mesmos possam ter acolhimento, já que, analisados os fundamentos invocados no acórdão agora colocado em crise, não se verificam as invocadas irregularidades.
Recurso do arguido AA
O arguido restringe o seu recurso a matéria de direito, pelo que a questão a dirimir é apenas a de saber se a actividade de tráfico de estupefacientes pela qual o arguido foi condenado integra a previsão normativa do crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo artigo 21º, nº 1 do Decreto-lei nº 15/93 de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B anexas a tal diploma, ou do crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25º desse diploma legal.
A jurisprudência tem vindo a pronunciar-se no sentido de que o crime de tráfico de menor gravidade caracteriza-se por constituir um minus relativamente ao crime matricial do art. 21º do Decreto-lei nº 15/93 de 22 de Janeiro, e dá resposta, em nome da proibição de excesso, da equidade e da justiça, àquelas situações que merecem reprovação, mas que não atingem a gravidade pressuposta no tráfico simples por lançarem mão de meios considerados menos sofisticados (organização e logística), sem carácter regular, com quantidades diminutas ou drogas menos pesadas (por exemplo, em pequeno tráfico de rua).
O que significa que o tipo privilegiado previsto no artigo 25º resulta de a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta, nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade dos produtos estupefacientes.
Como tal, é necessário proceder a uma valoração global das circunstâncias para aferir da eventual diminuição da ilicitude, tendo em conta todos os factores susceptíveis de interferir na graduação da gravidade do facto.
Ora, essa valoração foi feita pelo tribunal a quo e é perfeitamente coerente e ajuizada a fundamentação que serviu de base à decisão de que a actividade de tráfico de estupefacientes pela qual o arguido foi condenado integra a previsão normativa do crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo artigo 21º, nº 1 do Decreto-lei nº 15/93 de 22 de Janeiro.
Com efeito, atendendo aos factos dados como provados, concorrem para a acentuação da culpa do arguido e do grau de ilicitude dos factos praticados o dolo directo com que agiu e a intenção, exclusiva, de obter proventos com a actividade de tráfico de estupefacientes, sendo também de valorar o seu passado criminal.
A pretensão do recorrente teria, naturalmente de encontrar alicerce bastante, na matéria de facto provada, o que não acontece, pois evidencia-se que o tipo dos estupefacientes comercializados ou detidos para comercialização, objecto do tráfico pelo recorrente, compreendiam, cocaína e heroína, reconhecidamente substâncias mais danosas para a saúde do consumidor e de maior poder aditivo, qualificadas, por isso, como drogas duras; a quantidade dos estupefacientes comercializados ou detidos para esse fim; o uso de veículo automóvel para as deslocações que ao tráfico importavam; o recurso a diversos telefones móveis e cartões telefónicos e guarda dos produtos estupefacientes em diversos locais e o facto de não ser conhecida ao recorrente actividade profissional regular.
São factores, todos eles, que convergem exactamente no sentido de que não estarmos perante situação em que a ilicitude se possa considerar, como consideravelmente diminuída.
Consequentemente, a peticionada redução da medida da pena para quantum não superior a cinco anos de prisão não se mostra adequada à gravidade dos factos e à culpa do arguido, pelo que também nesta parte entendemos que bem andou o tribunal a quo.
Recurso da arguida BB
Como a arguida não deu cumprimento à exigência legal prevista no art. 412º, nº 3, al. b) do Código de Processo Penal (especificação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida), limitando-se a invocar de forma genérica as declarações dos co-arguidos EE e DD e afirmando que as mesmas não merecem credibilidade, o seu recurso não pode ser apreciado na parte relativa à matéria de facto.
Acresce referir que as declarações dos co-arguidos são um meio de prova legal, sujeito ao princípio da livre apreciação da prova – arts. 125º e 127º, ambos do Código de Processo Penal (salvo no caso referido no art. 345º, nº 4), o qual não é um princípio absoluto, não se podendo confundir com uma apreciação arbitrária ou discricionária da prova, de todo em todo imotivável, cabendo, portanto, ao julgador apreciar livremente a prova e procurar através dela atingir a verdade material, com observância das regras de experiência comum e utilizando como método de avaliação a aquisição do conhecimento através de critérios objectivos, genericamente susceptíveis de motivação e controlo.
Quanto ao mais, invoca a arguida o vício previsto no art. 410º, nº 2, al. a) do Código Penal, alegando insuficiência para a decisão da matéria de facto.
Ora, o acórdão recorrido definiu temporalmente os factos imputados à arguida BB, situando-os no período compreendido entre Outubro de 2022 e 19 de Março de 2023 durante o qual a mesma se deslocou com regularidade ao Porto para adquirir cocaína e heroína para revenda a diversos consumidores acrescentando que, pelo menos até 07/05/23, a arguida BB prosseguiu com essa actividade de tráfico de estupefacientes. Assim, ao contrário do que a arguida alega, mostram-se concretizadas as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que ocorreram os actos de tráfico descritos na matéria de facto dada como provada no acórdão recorrido.
Quanto à parte em que a arguida alega que a sua conduta se deve subsumir à previsão normativa do tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25º, do DL nº 15/93, de 22/01, reproduzimos aqui o que já deixamos exposto relativamente ao recurso do arguido AA, e, por esses motivos, entendemos que a actividade de tráfico de estupefacientes pela qual a arguida foi condenado integra a previsão normativa do crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo artigo 21º, nº 1 do Decreto-lei nº 15/93 de 22 de Janeiro.
Consequentemente, a peticionada redução da medida da pena não se mostra adequada à gravidade dos factos e à culpa da arguida, pelo que também nesta parte entendemos que bem andou o tribunal a quo pois teve em consideração os critérios da escolha da pena a que se refere o art. 70º, nº 1, bem como as finalidades da punição previstas no art. 40º, ambos do Código Penal.
De acordo com a decisão em crise, são elevadas as exigências de prevenção geral que se fazem sentir neste tipo de criminalidade, geradora de fortes sentimentos de insegurança e de alarme social. O dolo, na sua versão mais gravosa de dolo directo, é intenso. Na actividade criminosa, a arguida BB e os co-arguidos actuavam em grupo, com divisão de tarefas, numa área que abrangia vários concelhos, traficando cocaína e heroína, reconhecidamente substâncias mais danosas para a saúde do consumidor e de maior poder aditivo, qualificadas, por isso, como drogas duras. Assim, a pena concreta aplicada parece-nos adequada e proporcional e teve em conta as concretas circunstâncias que resultaram provadas na audiência realizada no âmbito dos presentes autos.
Com efeito, não emergindo do ordenamento penal vigente, a obrigação de aplicação de uma pena não privativa da liberdade, deve o julgador sopesar, em face de cada situação concreta, qual o caminho sancionatório que realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, dando primazia àquela na altura da avaliação, surgindo a pena de prisão como a última solução. Mas esse juízo de prognose favorável tem que assentar em bases suficientemente sólidas que o suportem e ilustrem, o que não se verifica quando alguém pratica factos reveladores de alguma dificuldade em se pautar pelo respeito das regras.
Na nossa óptica, no caso da arguida BB mostra-se insustentável a formulação de um juízo de prognose favorável quanto ao seu comportamento futuro, além de que a suspensão da execução da pena se revela insuficiente para satisfazer as exigências de prevenção geral.
Na verdade, a efectiva execução da pena de prisão num caso, como o dos autos, mostra-se indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização das expectativas comunitárias.
Note-se que a arguida transportou estupefacientes para comunidades localizadas em várias áreas territoriais. Os ganhos dos traficantes crescem na proporção do risco do transporte e, com as dificuldades económicas e as dependências de drogas, são muitos os candidatos a querer correr o risco de transportar estupefacientes com a esperança que tudo corra bem.
Se viesse a optar pela suspensão da execução da pena de prisão, a mensagem transmitida – prevenção geral negativa – aos traficantes de droga é a de que vale a pena tentar - se correr bem, o ganho é garantido; se correr mal, a invocação de razões económicas e inserção social leva à suspensão da execução da pena de prisão. Com isto aumentaria o tráfico de droga e, bem assim, as consequências nefastas para a saúde pública.
Todas estas constatações são suficientemente esclarecedoras da impossibilidade de um juízo de prognose favorável, pelo que se nos afigura que não é admissível, no caso concreto, a suspensão da execução da pena de prisão efectiva aplicada.
Recurso do arguido GG
Também o arguido GG não deu cumprimento ao estatuído no art. 412º, nºs, 3, al. b) e 4, do Código de Processo Penal apesar de recorrer da matéria de facto (não indicou nas conclusões as provas concretas que, no seu entender, impõem decisão diversa da recorrida, apenas o referiu na motivação).
Contudo, analisando o douto acórdão recorrido, mais uma vez se consigna que o tribunal a quo fundamentou devidamente a decisão que tomou em matéria de facto.
Quanto à invocação de que as declarações do co-arguido EE não merecem credibilidade, reproduzimos o que já se fez constar relativamente ao recurso da arguida BB (as declarações dos co-arguidos são um meio de prova legal), apenas acrescentando que a factualidade considerada provada pelo tribunal a quo inclui as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que foi praticado o crime pelo qual o arguido foi condenado, as quais foram descritas de forma segura e fundamentada não se vislumbrando justificação para apelar ao princípio do in dubio pro reo.
5. O Magistrado do Ministério do Público na 1ª instância apresentou fundamentada resposta aos três recursos, pugnando pela sua improcedência e pela manutenção do acordão recorrido, defendendo que não assiste razão aos recorrentes/arguidos. Alega, contudo, que:
1) a decisão tomada em matéria de facto, no que concerne ao teor dos pontos 79, al. a) e al. d) e 91, deve ser alterada no sentido de considerar tais factos como não provados e o ponto 92 deve ser corrigido nos termos sugeridos;
2) consequentemente, a medida concreta da pena aplicada ao arguido deve ser reduzida para dois anos e dez meses de prisão, suspensa na sua execução por dois anos e dez meses;
3) pena essa subordinada ao cumprimento das obrigações impostas, mas com a condição de o arguido “diligenciar pela procura activa de emprego se não o tiver, caso a sua saúde permita a prestação de trabalho”.
6. Tendo em conta todas as considerações acabadas de tecer, concluímos dizendo que as respostas do Ministério Público junto do Tribunal a quo identificam detalhadamente todas as questões a dirimir, equacionando-as devidamente, e rebatem de forma fundamentada e sólida os argumentos dos recorrentes, demonstrando a sua evidente falta de razão, pelo que, examinados os fundamentos dos recursos, sufragamos integralmente a argumentação do Sr. Procurador da República na 1ª instância, que aqui damos por reproduzida, emitindo-se parecer no sentido de que os três recursos interpostos pelos arguidos devem ser julgados improcedentes mantendo-se a decisão recorrida, apenas com as alterações referidas no ponto 5.”
*
Os autos foram aos vistos e, após, à conferência, nos termos do artigo 419.º do Código de Processo Penal.
Cumpre, agora, apreciar e decidir:
II – Questões a decidir:
Conforme decorre do disposto no n.º 1 do art.º 412.º do Código de Processo Penal, bem como da jurisprudência pacífica do STJ[Cf. os Acórdãos do STJ, de 15/04/2010 e 19/05/2010, in www.dgsi.pt.], são as conclusões apresentadas pelos recorrentes que definem e delimitam o âmbito do recurso e, consequentemente, os poderes de cognição do Tribunal Superior, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º do Código de Processo Penal (conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão do STJ n.º 7/95, de 28 de dezembro, do STJ, in DR, I Série-A, de 28/12/95.).
Assim, face às conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação dos respetivos recursos interpostos nestes autos, as questões a apreciar e decidir são as seguintes:
-» Recurso do arguido GG:
- Erro de julgamento quanto aos factos provados em 78 a 83, 89 a 92, 100 a 104 e 106 a 108;
- violação do princípio da presunção de inocência;
- suspensão da pena de prisão.
-» Recurso da arguida BB:
- Necessidade de expurgação dos factos provados em 3. na parte “sendo apoiado pela arguida BB,”, 4., 5., 6., 7., 8., 9., 11., 12., 49., 50., 52., 53., 67., 68., 69., 72., 78., 79., 80., 81., 82., 84., 89., 90., 92., 100., 101., 104 e 105. do Acórdão por serem genéricos e conclusivos e não satisfazerem as exigências dos artigos 283º n.º 3 al. b) do CPP e 32º 2 e 5 da CRP.
- Erro de julgamento quanto aos factos provados em 3. na parte “sendo apoiado pela arguida BB,”, 4., 5., 6., 7., 8., 9., 11., 12., 49., 50., 52., 53., 67., 68., 69., 72., 78., 79., 80., 81., 82., 84., 89., 90., 92., 100., 101., 104 e 105. do Acórdão por estarem sustentados em declarações de co-arguidos EE e DD que sem que o acrescido dever de fundamentação da convicção do julgador tenha sido respeitado.
- Saber se os factos dados como provados quanto à recorrente se enquadram dentro da previsão do art. 21º do DL nº 15/93 de 22.01 ou do art.º 25º do mesmo diploma.
- quantum da medida da pena.
- suspensão da pena de prisão.
-» Recurso do arguido AA:
- Saber se os factos dados como provados quanto ao recorrente se enquadram dentro da previsão do art. 21º do DL nº 15/93 de 22.01 ou do art.º 25º do mesmo diploma.
- Do quantum da medida da pena.
II. Factualidade dada como provada no Acórdão recorrido (transcrição):
“2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Matéria de facto provada
Produzida a prova e discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:
1. O arguido AA e a arguida BB, vivem como se de marido e mulher se tratassem e residem na Rua ..., ..., ... - ...;
2. Entre 19/05/2022 e 03/08/2022, após ter saído da prisão em liberdade condicional, o arguido AA trabalhou na Construção Civil para a empresa A... Ld.ª, e encontra-se desde 03/08/2022, desempregado, sem qualquer remuneração;
3. O arguido AA não desempenhava qualquer actividade profissional remunerada e começou a dedicar-se exclusivamente ao tráfico de estupefacientes para fazer face às despesas diárias, sendo apoiado pela arguida BB, que trabalhava nessa altura na B..., situada na Avenida ... em ...;
4. Pelo menos desde Outubro de 2022, os arguidos AA e BB acordaram entre si dedicar-se à compra e venda de produtos estupefacientes, designadamente, heroína e cocaína, deslocando-se para o efeito à cidade do Porto, onde adquiriam tais substâncias e, posteriormente, procediam à sua comercialização juntos dos consumidores que os procurassem, no intuito de obter contrapartidas financeiras;
5. Cada um dos arguidos desempenhou uma função específica, cabendo ao arguido AA a intervenção mais directa junto dos consumidores, e à arguida BB as tarefas de apoio na rectaguarda, sendo que ambos se empenharam na actividade de tráfico, muitas vezes substituindo-se e auxiliando-se mutuamente;
6. Os arguidos adquiriam produto estupefaciente (heroína e cocaína) a preços não concretamente apurados procedendo posteriormente à venda de cada pacote de heroína e de cada pedra de cocaína por quantias situadas entre os € 10,00 (dez euros) e os € 20,00 (vinte euros), cada;
7. O arguido AA e a arguida BB tinham como colaboradores os arguidos CC e FF;
8. Pelo menos desde Outubro de 2022 e até ao dia de 19/03/2023, em conjugação de esforços e intentos, os arguidos AA e BB procederam à comercialização de produtos estupefaciente, designadamente, heroína e cocaína, junto de consumidores daqueles produtos;
9. No âmbito desta actividade, localizada essencialmente nas localidades de ... e Nelas, os arguidos lograram vender produto estupefaciente, nomeadamente, heroína e cocaína, fazendo com que o produto estupefaciente por si comercializado chegasse a consumidores de ..., ..., ..., ..., ... e ..., assim disseminando o produto estupefaciente;
10. O arguido AA tinha o cuidado de questionar telefonicamente o consumidor da quantidade e produto que pretendia, mandando ter na mão o dinheiro certo e preparando as doses para o contacto ser da mais curta duração possível;
11. Nas conversas telefónicas entre os arguidos e os consumidores, eram utilizados códigos comuns entre os traficantes/consumidores, para identificar o produto estupefaciente, designadamente a heroína era denominada de “um, pacote, tinto, escuro, noite, castanha e café” e a cocaína de “uma, dia, branco e caneco”;
12. Os arguidos AA e BB, diligenciaram pela combinação de estratégias de venda e dissimulação do produto estupefaciente, escondendo-o fora de casa e em locais de difícil acesso, particularmente no muro perto da sua casa e debaixo das pedras ou nos buracos das oliveiras, como resulta da sessão 493 do alvo 129619040 (apenso 6) e da sessão 3845 do alvo 12930040 (apenso 3);
13. No âmbito da referida actividade, após contactos telefónicos prévios, o arguido AA procedeu, para além de outras, às seguintes vendas de produto estupefaciente aos seguintes consumidores:
14. O arguido AA, em datas não concretamente apuradas, no período compreendido entre Fevereiro de 2023 e 19 de Março de 2023, vendeu heroína e cocaína ao JJ, pelo menos por 5 vezes, em regra, 1 dose de heroína e 1 dose de cocaína de cada vez, recebendo dele respectivamente, entre €5,00/€10,00 e €15,00/€20,00, sendo que, pelo menos em duas ocasiões lhe vendeu, pelo preço referido, duas doses de heroína e cocaína;
15. O arguido AA, em datas não concretamente apuradas, no período compreendido entre Novembro de 2022 e 19 de Março de 2023, durante 3 meses, com a frequência diária, vendeu cocaína ao KK, em média, 3 a 6 pedras de cada vez, recebendo dele, por 3 pedras, a quantia de €50,00 e por 6 pedras a quantia de €100,00;
16. O arguido AA, em datas não concretamente apuradas, no período compreendido entre Janeiro de 2023 e 19 de Março de 2023, vendeu cocaína à LL, em média 3 ou 4 vezes por semana, 3 ou quatro pedras de cada vez, pelo preço de €20,00 cada pedra;
17. O arguido AA, em datas não concretamente apuradas, no período compreendido entre Janeiro de 2023 e 19 de Março de 2023, vendeu cocaína ao MM, pelo menos 11 vezes, pagando este por cada pedra a quantia de €20,00. Em cada ocasião, o MM entregou ao arguido AA as quantias de €20,00, €40,00 ou €60,00;
18. O arguido AA, em datas não concretamente apuradas, no período compreendido entre Janeiro de 2023 e 19 de Março de 2023, vendeu heroína e cocaína ao NN, o que ocorreu pelo menos 4 vezes por semana, 2 ou 3 doses de cocaína e 2 ou 3 pedras de cocaína de cada vez, pelo preço de €10,00 cada dose de heroína e 10,00 cada pedra de cocaína;
19. O arguido AA, em datas não concretamente apuradas, no período compreendido entre Fevereiro de 2023 e 19 de Março de 2023, vendeu cocaína à OO, uma ou duas vezes por semana, 2 ou 3 pedras de cocaína de cada vez, pelo preço de €10,00 por cada pedra, sendo que em uma ocasião a OO lhe pagou €150,00 por 6 pedras de cocaína que recebeu em troca. Resulta também indiciariamente provado que, no período aludido, o arguido AA, vendeu cocaína e heroína ao PP, o que sucedeu pelo menos por 5 vezes, 2 pedras de cocaína e 1 dose de heroína de cada vez, recebendo deste por cada dose de heroína a quantia de €10,00 e por cada pedra de cocaína a quantia de €20,00;
20. O arguido AA, em datas não concretamente apuradas no período compreendido entre Janeiro de 2023 e 19 de Março de 2023, vendeu heroína e cocaína ao QQ, 2 ou 3 vezes por semana, 1 pacote de heroína e 1 pedra de cocaína de cada uma das vezes, recebendo por cada pacote a quantia de €10,00 e por cada pedra a quantia de €15,00 ou €20,00. Mais resulta indiciariamente provado que naquele período temporal, por uma vez o mencionado arguido lhe vendeu meia pedra de cocaína, recebendo a quantia de €10,00 ou € 12,00;
21. O arguido AA, em datas não concretamente apuradas no período compreendido entre Fevereiro de 2023 e 19 de Março de 2023, vendeu heroína ao RR, pelo menos por 7 vezes, 2 pacotes de heroína de cada vez, recebendo por cada pacote a quantia de €10,00;
22. O arguido AA, em datas não concretamente apuradas no período compreendido entre Janeiro de 2023 e 19 de Março de 2023, vendeu heroína ao SS, todas as semanas, 2 ou 3 vezes por semana, 1 ou 2 pacotes de cada vez, recebendo por cada um a quantia de €10,00;
23. O arguido AA, em datas não concretamente apuradas no período compreendido entre Janeiro de 2023 e 19 de Março de 2023, vendeu ao TT heroína e cocaína, 1 ou 2 vezes, 1 pacote de heroína e 1 pedra de cocaína de cada uma das vezes, recebendo por cada um a quantia de €10,00;
24. O arguido AA, em datas não concretamente apuradas no período compreendido entre Outubro de 2022 e 19 de Março de 2023, vendeu heroína ao UU, 1 vez por semana, 2 pacotes de cada vez, recebendo por cada pacote a quantia de €10,00;
25. O arguido AA, em datas não concretamente apuradas no período compreendido entre Janeiro de 2023 e 19 de Março de 2023, entregou cocaína à VV, 2 ou 3 vezes a troco de ter com ela relações sexuais e 1 vez vendeu-lhe 1 pedra de cocaína recebendo a quantia de €20,00;
26. O arguido AA, em datas não concretamente apuradas no período compreendido entre Fevereiro de 2023 e 19 de Março de 2023, vendeu heroína ao WW, 3 ou 4 vezes, 1 vez por semana, 1 ou 2 pacotes de cada vez, recebendo por cada pacote a quantia de €10,00;
27. O arguido AA, em datas não concretamente apuradas no período compreendido entre Fevereiro e 19 de Março de 2023, vendeu cocaína ao XX, 1 ou 2 vezes, 1 pedra de cocaína de cada uma das vezes, recebendo a quantia de €15,00 por cada pedra;
28. O arguido AA, em datas não concretamente apuradas no período compreendido entre Janeiro e 19 de Março de 2023, vendeu heroína ao YY, pelo menos 5 vezes, 2 pacotes de cada uma das vezes, recebendo a quantia de €10,00 por cada um deles;
29. O arguido AA, em datas não concretamente apuradas no período compreendido entre Janeiro e 19 de Março de 2023, vendeu heroína ao ZZ, 2 ou 3 vezes, 1 pacote de cada vez, recebendo €10,00 por cada um;
30. O arguido AA, em datas não concretamente apuradas no período compreendido entre Outubro de 2022 e 19 de Março de 2023, vendeu heroína ao AAA, 1 ou 2 vezes, 1 pacote de cada uma das vezes, recebendo a quantia de €10,00 por cada um;
31. O arguido AA, em datas não concretamente apuradas no período compreendido entre Janeiro de 2023 e 19 de Março de 2023, vendeu heroína ao BBB, 5 ou 6 vezes, 4 ou 5 pacotes de cada uma das vezes, recebendo a quantia de €10,00 por cada um;
32. O arguido AA, em datas não concretamente apuradas no período compreendido entre Janeiro de 2023 e 19 de Março de 2023, vendeu cocaína e heroína ao NN, pelo menos 4 dias por semana, 2 ou 3 pedras de cocaína e 2 ou 3 pacotes de heroína de cada uma das vezes, recebendo a quantia de €10,00 por cada um;
33. O arguido AA, em datas não concretamente apuradas no período compreendido entre Janeiro de 2023 e 19 de Março de 2023, vendeu cocaína e heroína à CCC, 1 ou 2 vezes por semana, 1 pedras de cocaína e 1 pacote de heroína de cada uma das vezes, pelo preço de €10,00 por cada pacote e de €15,00 por cada pedra;
34. O arguido AA, em datas não concretamente apuradas no período compreendido entre Novembro de 2022 e 19 de Março de 2023, vendeu cocaína ao DDD, 1 ou 2 vezes por mês, 1 pedra de cocaína de cada uma das vezes, recebendo a quantia de €20,00 por cada uma;
35. O arguido AA, em datas não concretamente apuradas no período compreendido entre Janeiro de 2023 e 19 de Março de 2023, vendeu cocaína ao EEE, 2 ou 2 vezes, 2 pedras de cocaína de cada uma das vezes, recebendo a quantia de €20,00 por cada uma;
36. O arguido AA, em datas não concretamente apuradas no período compreendido entre Janeiro de 2023 e 19 de Março de 2023, vendeu heroína e cocaína ao FFF, 1 ou 2 vezes, 1 pacote de heroína e 1 pedra de cocaína de cada vez, recebendo a quantia de €10,00 por cada pacote e €10,00 ou €20,00 por cada pedra;
37. O arguido AA, em datas não concretamente apuradas no período compreendido entre Janeiro de 2023 e 19 de Março de 2023, vendeu heroína ao GGG, 2 ou 3 vezes, 1 ou 2 pacotes de cada vez, recebendo a quantia de €10,00 por cada um deles;
38. O arguido AA, em datas não concretamente apuradas no período compreendido entre Janeiro de 2023 e 19 de Março de 2023, vendeu cocaína ao HHH, 2 ou 3 vezes, 1 pedra de cocaína de cada vez, recebendo a quantia de €15,00 ou €20,00 por cada uma;
39. O arguido AA, em datas não concretamente apuradas no período compreendido entre Janeiro de 2023 e 19 de Março de 2023, vendeu heroína à III, 2 ou 3 vezes por semana, 1 ou 2 pacotes de cada vez, pelo preço de €10,00 por cada um deles. Nesse período, por duas vezes, nos dias 10 e 11 de Março de 2023, o arguido AA vendeu à III, 3 e 4 pacotes pelo preço de €10,00 por cada um deles;
40. O arguido AA, em datas não concretamente apuradas no período compreendido entre Outubro de 2022 e 19 de Março de 2023, vendeu heroína e cocaína ao JJJ, por 10 vezes, aos fins de semana, 2 pacotes de heroína e uma pedra de cocaína de cada vez, recebendo a quantia de €10,00 por cada pacote e €15,00 por cada pedra.
41. O arguido AA, em datas não concretamente apuradas no período compreendido entre Outubro de 2022 e 19 de Março de 2023, vendeu cocaína ao KKK, 2 ou 3 vezes, uma pedra de cocaína de cada vez, recebendo a quantia de €15,00 ou €20,00 por cada pedra;
42. O arguido AA, em datas não concretamente apuradas no período compreendido entre Fevereiro de 2023 e 19 de Março de 2023, vendeu cocaína ao LLL, por 2 ou 3 vezes, 2 pedras de cocaína de cada vez, recebendo a quantia de €15,00 por cada pedra;
43. O arguido AA, em datas não concretamente apuradas no período compreendido entre Janeiro de 2023 e 19 de Março de 2023, vendeu cocaína à MMM, 4 ou 5 vezes, 1 ou 2 pedras de cada vez, recebendo a quantia de €15,00 por cada um deles;
44. O arguido AA, em datas não concretamente apuradas no período compreendido entre Janeiro de 2023 e 19 de Março de 2023, vendeu heroína ao NNN, por 6 vezes, 2 pacotes de cada vez, recebendo a quantia de €10,00 por cada um deles;
45. O arguido AA, em datas não concretamente apuradas no período compreendido entre Janeiro de 2023 e 19 de Março de 2023, vendeu heroína e cocaína ao OOO, 3 ou 4 vezes, 1 pacote de heroína e 2 pedras de cocaína de cada uma das vezes, recebendo a quantia de €10,00 por cada pacote e €15,00 por cada pedra;
46. O arguido AA, em datas não concretamente apuradas no período compreendido entre Janeiro de 2023 e 19 de Março de 2023, vendeu cocaína à PPP, pelo menos 3 vezes, 1 ou 2 pedras de cocaína de cada uma das vezes, recebendo a quantia de €10,00 a €20,00 por cada pedra;
47. O arguido AA, em datas não concretamente apuradas no período compreendido entre Janeiro de 2023 e 19 de Março de 2023, vendeu heroína ao QQQ, 2 ou 3 vezes por semana, 1 ou 2 pacotes de cada uma das vezes, recebendo a quantia de €10,00 por cada pacote;
48. O arguido AA em datas não concretamente apuradas, no período compreendido entre Fevereiro de 2023 e Março de 2023, vendeu cocaína ao RRR, pelo menos por 2 vezes, 2 pedras de cocaína de cada vez, recebendo dele €20,00 por cada pedra, sendo que tais vendas ocorreram em SSS e em ... (junto à ...).
49. No âmbito da supra-referida actividade, após contactos telefónicos prévios, a arguida BB procedeu, nas imediações da sua residência, às seguintes vendas de produto estupefaciente:
50. Em datas não concretamente apuradas, nas imediações da sua residência, no período compreendido entre Janeiro de 2023 e 19 de Março de 2023, após contactos prévios com o arguido AA, a arguida BB entregou pelo menos por duas vezes, quantidades não concretamente apuradas de cocaína à LL;
51. Em datas não concretamente apuradas, nas imediações da sua residência, no período compreendido entre Janeiro de 2023 e 19 de Março de 2023, após contactos prévios com o arguido AA, a arguida BB entregou pelo menos uma vez, 1 ou 2 pacotes de heroína à III;
52. No período compreendido entre Janeiro de 2023 e 19 de Março de 2023, após contactos prévios com o arguido AA, a arguida BB entregou, nas imediações da sua residência, pelo menos uma vez, quantia não apurada de cocaína ou heroína, à CCC;
53. Em datas não concretamente apuradas, nas imediações da sua residência, no período compreendido entre Janeiro de 2023 e 19 de Março de 2023, após contactos prévios com o arguido AA, entregou pelo menos por duas vezes, quantidades não concretamente apuradas de cocaína e heroína ao NN;
54. No âmbito da acima descrita actividade, pelo menos entre Janeiro e Fevereiro de 2023 o arguido CC (conhecido como TTT), efectuou entregas de produto estupefaciente a mando do arguido AA, tendo também como função, angariar clientes para o Arguido AA, recebendo pelas entregas e pelos clientes, produto estupefaciente para o seu consumo;
55. Assim, no dia 6 de Fevereiro de 2023, após contactos prévios com o arguido AA, o arguido CC entregou a mando daquele, quantidades não concretamente apuradas de cocaína à LL;
56. No dia 6 de Fevereiro de 2023, após contactos prévios com o arguido AA a mando deste, o arguido CC entregou quantidades não concretamente apuradas de cocaína à MMM;
57. No âmbito da supra referida actividade, em datas não concretamente apuradas, mas entre Fevereiro e Março de 2023, o arguido FF efectuou as seguintes entregas de produto estupefaciente:
58. No dia 9 de Fevereiro de 2023, após contactos prévios com o arguido AA a mando deste, o arguido FF (conhecido como UUU) entregou quantidades não concretamente apuradas de heroína e cocaína à CCC;
59. No dia 24 de Fevereiro de 2023, após contactos prévios com o arguido AA a mando deste, o arguido FF entregou quantidades não concretamente apuradas de heroína e cocaína à LL;
60. No dia 17 de Março de 2023, após contactos prévios com o arguido AA a mando deste, o arguido FF entregou quantidades não concretamente apuradas de heroína e cocaína ao QQ.
61. No dia 07/03/2023, pelas 18H38, o arguido AA vendeu/cedeu a KK, cocaína, com o peso líquido de 0,82 gramas, com o grau de pureza de 28,6%, correspondente a 8 (oito) doses médias individuais diária, mediante a correspondente entrega de um valor monetário não apurado, mas não inferior a € 80,00 (oitenta euros);
62. No dia 07/03/2023, pelas 18H57, na Estrada Nacional ...31, ao km 3,5, ... – ..., o KK detinha na sua posse cocaína, com o peso líquido de 0,825 gramas, com o grau de pureza de 28,6%, correspondente a 8 (oito) doses médias individuais diária;
63. No dia 19 de Março de 2023, pelas 10H20, no interior do veículo automóvel, marca ..., de matrícula ....UV, o arguido AA detinha na sua posse:
➢ € 1.475,00 (mil, quatrocentos e setenta e cinco euros) em numerário;
➢ 1 (um) telemóvel da marca Samsung, modelo ... com cartão o n.º ...45 e
➢ 2 (dois) telemóveis da marca F2, um com cartão n.º ...21 e o outro com o cartão o n.º ...18....
64. Também no dia 19/03/2023, pelas 10H40, no interior da residência, sita na Rua ..., ..., ..., ..., ..., os arguidos AA e BB, detinham na sua posse:
➢ € 50,00 (cinquenta euros) em numerário;
➢ 1 (uma) caderneta azul da Banco 1... em nome de BB;
➢ 2 (dois) telemóveis;
➢ 1 (uma) caixa de ourivesaria que continha 2 (dois) pares de brincos, uma pulseira de criança e 2 (dois) anéis em ouro;
➢ 1 (uma) factura em nome da arguida BB, referente ao número de telemóvel ...11;
➢ 1 (uma) factura em nome do arguido AA, referente ao número de telemóvel ...45;
➢ 1 (uma) folha com o nome de VVV e WWW.
65. No mesmo dia, 19/03/2023, pelas 11H31, no interior da residência, sita na Rua ..., ..., ..., ..., ..., a arguida BB detinha na sua posse:
➢ € 405,00 (quatrocentos e cinco euros) em numerário;
➢ 1 (uma) caderneta da Banco 1... referente à conta n.º ...00 em nome de AA e BB;
➢ 1 (uma) caderneta da Banco 1... em nome de BB, referente à conta n.º ...61;
➢ 1 (um) telemóvel da marca Samsung, modelo ...;
➢ 1 (um) telemóvel da marca Samsung, modelo ... 3, com o n.º ...11;
➢ Na capa do telemóvel da marca Samsung, modelo ... foi encontrado um papel manuscrito, com as seguintes anotações:
✓ XXX 120;
✓ YYY 80;
✓ MM 200+30+30;
✓ ZZZ 90+30+120;
✓ Cast.Bra 90+30+120;
✓ AAAA 80;
✓ SSS 20;
✓ NNN 20;
✓ BBBB 120+60;
✓ CCCC 50;
✓ DDDD 690;
✓ EEEE 1610;
✓ FFFF 95;
66. No dia 19/03/2023, pelas 12H00, no interior do veículo de marca Renault, modelo ..., com a matrícula ..-..-US, o arguido AA detinha na sua posse:
➢ 1 (uma) substância que testada revelou ser cocaína, com o peso de 0,195 gramas.
67. O arguido AA, por si e em conjugação de esforços e intentos com a arguida BB, sabia que nas circunstâncias acima descritas, detinha na sua posse produto estupefaciente, cuja natureza e características bem conhecia, para distribuição a consumidores que o abordasse para o efeito, mediante uma contrapartida monetária, obtendo lucros dessa actividade.
68. Os demais objectos que se encontravam na posse, domínio e disponibilidade dos arguidos AA e BB, nas circunstâncias de tempo e lugar indicadas, eram destinados e serviam a actividade de venda de produtos estupefacientes;
69. Após a detenção do arguido AA, ocorrida no dia 19/03/2023, os arguidos AA e BB mantiveram a actividade de venda de produtos estupefacientes;
70. O arguido AA contactava a arguida BB, através de cartas que enviava do estabelecimento prisional dirigidas a GGGG, mas destinadas à arguida BB;
71. O arguido AA contactava, igualmente, a arguida BB por telefone, a partir de um dos telefones autorizados do estabelecimento prisional, com os n.ºs ...80, ...62 e ...38 para o telemóvel n.º ...36, que o arguido AA, tinha registado no estabelecimento prisional ... como GG e, ainda, através do telemóvel de GGGG;
72. Por sua vez, a arguida BB contactou os consumidores, designadamente, a CCC e a III no sentido de recuperar o dinheiro daquelas proveniente das dívidas de aquisição de produto estupefaciente;
73. Após a detenção de AA, em 19/03/2023, o arguido EE, começou a circular com o veículo automóvel de marca Renault, modelo ..., com a matrícula ..-..-US, propriedade do arguido AA;
74. Em data não concretamente apurada, mas após 19/03/2023, apoiada pelo arguido EE, a arguida BB guardou quantia não concretamente apurada de produto estupefaciente, que adquiriu por forma também não apurada, em casa do filho, o arguido DD, sem o seu conhecimento;
75. Tal residência do filho da arguida BB situa-se na Rua ..., Bairro ..., ..., ... – ...;
76. Em data não concretamente apurada, alguns dias depois de o produto estupefaciente ali ter sido depositado, o arguido DD encontrou 2 (dois) ovos plásticos com o produto estupefaciente na garagem e transportou-o para o interior da sua casa, guardando-o na gaveta de um quarto desocupado, bem sabendo qual era a sua natureza;
77. No dia seguinte, o arguido EE dirigiu-se à garagem à procura do referido saco e não o tendo encontrado perguntou ao arguido DD, que o informou do local onde havia guardado, indicando a gaveta e mostrando as substâncias ao arguido EE, que lhe pediu que as mantivesse ali guardadas, ao que aquele assentiu;
78. Conforme a arguida BB ia pedindo o produto estupefaciente, o arguido EE ia retirando e entregava-o à arguida BB, a HH ou ao arguido GG;
79. Por ordem da arguida BB, o arguido EE retirou do lote de produto estupefaciente que estava em casa do arguido DD o seguinte:
a. No dia 26/04/2023, em hora não concretamente apurada, retirou 4 (quatro) pedaços de produto estupefaciente em tudo semelhante a cocaína e 3 (três) pacotes de produto estupefaciente em tudo semelhante a heroína, que entregou ao arguido GG:
b. No dia 03/05/2023, em hora não concretamente apurada, retirou 4 (quatro) pedaços de cocaína e 3 (três) pacotes de heroína, que entregou a HH;
c. No dia 07/04/2023, em hora não concretamente apurada, retirou 4 (quatro) pedaços de cocaína e 3 (três) pacotes de heroína, que entregou à arguida BB;
d. No dia 20/05/2023, em hora não concretamente apurada, mas após as 16H56, retirou 4 (quatro) pedaços de cocaína e 3 (três) pacotes de heroína que entregou ao arguido GG;
80. O arguido AA, numa das missivas enviadas à arguida BB, gizou um plano para que o arguido GG, durante uma visita ao estabelecimento prisional ..., lhe efectuasse entrega de estupefaciente;
81. Para esse efeito, no dia 26/04/2023, por ordem da arguida BB, o arguido EE deslocou-se ao local onde o arguido DD tinha o produto estupefaciente guardado, retirou dali quantidade indeterminada de produto estupefaciente (heroína e cocaína), que entregou à arguida BB;
82. Na posse do referido produto estupefaciente, a arguida BB entregou-o ao arguido GG, para que este introduzisse o produto estupefaciente no estabelecimento prisional ..., durante a visita ao arguido AA.
83. No dia 26/04/2023, o arguido GG escondeu o produto estupefaciente na boca, ciente que se tratava de produto estupefaciente e depois de passar a revista e, durante a visita ao arguido AA, entregou-o ao arguido AA, por forma não apurada;
84. No dia 03/05/2023, seguindo o mesmo plano, previamente delineado pelo arguido AA, por ordem da arguida BB, o arguido EE, deslocou-se a casa do arguido DD e recolheu ali do interior da gaveta do quarto desocupado, pedaços de produto estupefaciente, nomeadamente, cocaína e heroína;
85. No dia 03/05/2023, em hora não concretamente apurada, o arguido EE cedeu a HH cocaína (éster metílico) com o peso líquido de 0,872 gramas, com o grau de pureza de 26,5%, correspondente a 8 (oito) doses médias individuais diárias e 0,417 gramas de heroína;
86. No dia 03/05/2023, HH detinha na sua posse, cocaína (éster metílico), com o peso líquido de 0,872 gramas, com o grau de pureza de 26,5%, correspondente a 8 (oito) doses médias individuais diárias e 0,417 gramas de heroína;
87. No aludido dia, HH colocou os pedaços de cocaína e de heroína, que tinha em sua posse, em película aderente de cozinha e deslocou-se ao estabelecimento prisional ... para visitar o arguido AA e assim entregar-lhe o produto estupefaciente que levava;
88. Durante a revista, a embalagem que HH transportava na boca foi detectada e aquele engoliu-a, expelindo-a depois no Hospital ..., tratando-se uma embalagem em filme aderente de cozinha com 3 (três) pacotes de heroína com o peso de 0,417 gramas e 3 (três) pedaços de cocaína com o peso de 0,872 gramas;
89. No dia 07/05/2023, o arguido EE deslocou-se a casa do arguido DD, retirou uma quantidade indeterminada de pedaços de cocaína e pacotes de heroína, que levou à arguida BB;
90. A arguida BB, na posse do aludido produto estupefaciente, por sua vez entregou-a ao arguido GG, que entregou ao arguido AA, durante a visita no estabelecimento prisional;
91. No dia 20/05/2023, o arguido GG, efectuou nova entrega de produto estupefaciente ao arguido AA;
92. Pelo menos, pois, em 4 (quatro) outras ocasiões, por ordem da arguida BB, o arguido EE, foi a casa do arguido DD, buscar pedaços de cocaína e heroína que entregou à arguida BB e aquela entregou quer a HH, quer ao arguido GG para aquele fazer chegar ao arguido AA, durante a visita no estabelecimento prisional;
93. No dia 25/05/2023, no interior da sua habitação, sita na Rua ..., ..., ..., ..., a arguida BB detinha na sua posse:
➢ Várias cartas de AA (do EP ...) dirigidas a GGGG (filha de BB), mas destinadas à arguida BB;
➢ 1 (uma) carta de II (do EP ...) dirigida à arguida BB;
➢ 2 (dois) telemóveis, da marca Huawei e outro da marca F2.
94. No telemóvel da marca F2, estava a ser utilizado o cartão n.º ...36, (constante dos números autorizados, registado em nome do arguido GG), que recebia chamadas dos n.ºs ...80, ...62 e ...18, todos pertencentes ao Estabelecimento Prisional;
95. No dia 25/05/2023, no interior da sua habitação, sita na Estrada ..., ..., ..., ..., o arguido EE detinha na sua posse:
➢ 1 (um) telemóvel de marca Samsung, modelo ...;
➢ canábis (resina), com o peso líquido de 4,094 gramas, com o grau de pureza de 21,2%, correspondente a 17 (dezassete) doses médias individuais diárias20 e
➢ canábis (resina), com o peso líquido de 0,173 gramas21;
➢ 1 (uma) balança digital;
➢ 1 (uma) navalha com resíduos de uma substância de cor acastanhada, semelhante a haxixe.
96. No dia 25/05/2023, no interior da sua habitação, sita no Bairro ..., Estrada Principal, ..., ..., ..., o arguido DD detinha na sua posse:
➢ 1 (uma) embalagem com 159 (cento e cinquenta e nove) pedaços de uma substância que testada revelou ser cocaína com o peso líquido de 45,913 gramas, com o grau de pureza de 37,3%, correspondente a 570 (quinhentas e setenta) doses médias individuais diárias;
➢ 38 (trinta e oito) pacotes de uma substância que testada revelou ser heroína com o peso líquido de 8,316 gramas, com o grau de pureza de 12,4%, correspondente a 6 (seis) doses médias individuais diárias23;
➢ 2 (duas) facas com resíduos de haxixe;
➢ 1 (um) pedaço de haxixe com o peso líquido de 0,242 gramas24
➢ 1 (uma) munição de calibre .22” e
➢ 1 (um) telemóvel.
97. Os arguidos EE e DD, por si e em conjugação de esforços e intentos, sabiam que nas circunstâncias acima descritas, detinham e guardavam na sua posse produto estupefaciente, cuja natureza e características bem conheciam;
98. Os demais objectos que se encontravam na posse, domínio e disponibilidade dos arguidos BB, EE e DD nas circunstâncias de tempo e lugar indicadas, eram destinados e serviam a actividade de venda de produtos estupefacientes;
99. Os arguidos AA e BB, por si e em conjugação de esforços e intentos com os demais arguidos sabiam que detinham quantidades de produtos estupefacientes para proceder à posterior venda/cedência e que tal detenção não lhes era permitida;
100. Os arguidos DD, EE, CC, FF e GG, por si e em conjugação de esforços e intentos com os arguidos AA e BB, sabiam que, nas circunstâncias supra referidas, detinham quantidades de produto estupefaciente para proceder à posterior venda/cedência e que tal detenção não lhes era permitida;
101. Todos os arguidos se conheciam entre si e tinham perfeito conhecimento da actividade que cada um deles levava a cabo;
102. Todos os arguidos conheciam a natureza e características das substâncias estupefaciente que detinham, e de todas aquelas que adquiriram e transportaram, bem sabendo que nenhum deles estava legalmente autorizado a detê-las, cedê-las, vendê-las ou por qualquer outro título as proporcionar a terceiros;
103. Com efeito, os arguidos sabiam que transacionavam cocaína e heroína, amplamente conhecidas pelo seu poder aditivo e incluídas nas chamadas "drogas duras", com consequências altamente nefastas para os seus consumidores, e causadoras de elevada danosidade social em termos de saúde pública;
104. Ao actuar do modo descrito, todos os arguidos, isoladamente, e em conjugação de esforços e intentos com os restantes arguidos, de comum e prévio acordo e em comunhão de esforços e de intentos, cada um aceitando os resultados das condutas dos outros, previram, quiseram e conseguiram adquirir produto estupefaciente, nomeadamente cocaína e heroína e, em comunhão de esforços e de intenções, proceder ao seu transporte, e/ou detenção e e/ou armazenamento do produto estupefaciente em vários locais, com o propósito de procederem à venda/cedência de tal produto estupefaciente a consumidores, o que conseguiram, conhecendo as características, a natureza e os efeitos dos produtos que detinham e que comercializavam, bem sabendo que a posse, detenção de tais produtos, e a sua cedência/ venda, a qualquer título a terceiros, não lhes era legalmente permitida;
105. Agiram os arguidos AA e BB de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito concretizado de adquirir e deter aquelas substâncias e proceder à venda/cedência a terceiros, bem sabendo ser proibida e punida por lei penal a posse, detenção, cedência e venda de produtos estupefacientes;
106. Os arguidos DD, EE, CC, FF e GG agiram sempre de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, tendo capacidade para se determinar de acordo com esse conhecimento;
107. Ao actuar do modo descrito nos pontos, os arguidos AA e GG conheciam perfeitamente as características do produto estupefaciente que detinham, nomeadamente a sua natureza, sabendo que não se encontravam autorizados a deter, transportar ou transacionar, por qualquer forma, tais substâncias.
108. Os arguidos AA e GG agiram de forma livre voluntária e consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, tendo capacidade para se determinar de acordo com esse conhecimento.
---
Dados relevantes do processo de socialização, Condições socias e pessoais e Impacto da situação jurídico-penal – ARGUIDO EE
109. O arguido vive com a companheira GGGG há cerca de seis anos, sendo a relação descrita por ambos como gratificante e coesa e um suporte emocional para ambos. Fruto da relação nasceu o filho HHHH com dois anos de idade. Segundo o arguido e a companheira, a convivência entre os vários elementos da família, nuclear e alargada é frequente e de apoio mutuo;
110. Relativamente à data dos factos constantes nos autos a situação:
[X] era idêntica à descrita [] registava as seguintes alterações:
Enquadramento Residencial
[ ] moradia [ ] apartamento [X] barraca [ ] pensão [ ] quarto [ ] outro
[ ] isolada [ ] zona central [X] zona periférica [ ] habitação social [ ] zona degradada ou clandestina
condições de habitabilidade (condições de saneamento básico e conforto, privacidade):
[X] sim [ ] não
Habitação: [X] permanente [ ] local temporário de residência
[ ] sem abrigo ou itinerante [ ] mudanças frequentes de morada por motivos de [ ] problemas com alojamento:
titularidade da habitação em nome de: IIII
meio social com problemáticas sociais/criminais [ ] sim [X] não
111. O agregado reside num apartamento/sótão tipologia T2, descrita pelo arguido e corroborado pela companheira como tendo boas condições de habitabilidade, sita em ..., localidade rural do concelho ..., isenta de problemáticas criminais/sociais;
112. Relativamente à data dos factos constantes nos autos a situação:
[X] era idêntica à descrita [] registava as seguintes alterações:
Escolaridade
[ ] sem escolaridade [ ] sabe ler e escrever [X] grau de escolaridade: 9º ano completo (frequentou até ao 12º ano)
[ ] formação profissional certificada:
[ ] frequenta a escola [ ] frequenta um curso profissional
[ ] regista dificuldades com
113. Relativamente à data dos factos constantes nos autos a situação:
[X] era idêntica à descrita [ ] registava as seguintes alterações:
Emprego
[X] empregado [ ] desempregado [ ] frequentemente desempregado [ ] nunca esteve empregado
[ ] reformado
actividade laboral [X] tempo inteiro [ ] tempo parcial [ ] outra situação
trabalhador por conta própria [ ]
trabalhador por conta de outrem contrato [X] sim [ ] não [ ] outra situação
mobilidade significativa [ ] sim [X] não [ ] motivo [ ] nº e tipos de emprego
114. O arguido sempre esteve inserido no mercado de trabalho na área da construção civil. Há cerca de cinco anos que trabalha na Empresa C..., Unipessoal, Lda. (empresa que desenvolve actividade na área de produtos de betão, gesso e cimento), na categoria de Auxiliar de Serviços. Foi descrito pela entidade patronal, na pessoa de JJJJ, como um colaborador responsável, assíduo e pontual, com interacção adequada com os demais colegas de trabalho;
115. Relativamente à data dos factos constantes nos autos a situação:
[X] era idêntica à descrita [ ] registava as seguintes alterações:
Situação económica
Valor dos rendimentos líquidos do arguido: € 800,15
Valor dos rendimentos líquidos do agregado: Vencimento do cônjuge - € 820,00
Valor total das despesas/encargos fixos do agregado:
[X] Habitação: €450,00
[X] Amortização com empréstimos bancários: €160,00/mês (crédito automóvel)
[ ] Saúde:
[X] Outros: seguro do carro €600, 00/ano e seguro de vida €10,00/mês
116. A situação económica é considerada pelo arguido como equilibrada e estável, permitindo a satisfação das necessidades do agregado, sendo os rendimentos provenientes da actividade profissional que arguido e a companheira desenvolvem;
117. Relativamente à data dos factos constantes nos autos a situação:
[X] era idêntica à descrita [ ] registava as seguintes alterações:
Inserção sociocomunitária
118. Na localidade de residência beneficia de uma imagem social positiva, sendo descrito pelas fontes contactadas (senhoria) como pessoa humilde, respeitosa e cumpridora dos compromissos. As relações de vizinhança são cordiais, não havendo, segundo o arguido, muita interacção, dado passar todo o dia ausente de casa, por motivos de trabalho. Com a família alargada o relacionamento é mais próximo com a mãe (que actualmente reside em Lisboa) e com a família alargada da companheira. A conjuntura e acontecimentos pelos quais o arguido agora responde, não é conhecida no meio social de residência;
119. Relativamente à data dos factos constantes nos autos a situação:
[X] era idêntica à descrita [] registava as seguintes alterações:
Saúde
Existência de problemáticas de saúde [] Não [X] Sim
120. O arguido verbaliza ter iniciado consumos de haxixe, por volta, dos 16 anos, em contexto escolar/recreativo. Refere que, ao longo do tempo, foi mantendo os mesmos, com frequência ocasional;
121. Actualmente, refere estar abstinente;
122. Relativamente à data dos factos constantes nos autos a situação:
[X] era idêntica à descrita [ ] registava as seguintes alterações:
Repercussões da situação jurídico-penal do arguido
123. O arguido avalia o presente contacto com o sistema de justiça penal, que identifica como sendo o seu primeiro, como causador de grande preocupação e ansiedade identificando como maior constrangimento a eventual aplicação de uma medida privativa de liberdade, a qual conduziria ao seu afastamento do processo educativo do filho.
Dados relevantes do processo de socialização, Condições socias e pessoais e Impacto da situação jurídico-penal – ARGUIDO FF
124. FF, natural de ..., é o único filho nascido na pendência da relação matrimonial dos pais, os quais haveriam de separar-se quando este era ainda de tenra idade, efectuando depois o arguido o seu processo de aprendizagem social, integrado no agregado familiar materno, constituído pela avó materna e pela mãe, percepcionando o arguido como gratificante o ambiente familiar no seio do qual desenvolveu a sua personalidade;
125. O pai, aquando da separação, emigrou para os Estados Unidos da América (EUA), deixando de acompanhar o seu processo de desenvolvimento. Este constitui nova família nos EUA, país onde reside atualmente e tem uma filha nascida desse novo matrimónio que terá cerca de 31 anos de idade, com quem o arguido verbaliza não manter qualquer tipo de relacionamento. Já o pai, com quem o arguido reiniciou contactos há cerca de doze anos, tem manifestado alguma preocupação com a sua situação, tendo vindo visitá-lo quatro vezes ao estabelecimento prisional, quando esteve em Portugal, já no decurso do corrente ano civil;
126. Iniciou processo de escolarização em idade própria, vindo a abandoná-lo aos 15 anos de idade, numa altura em que tinha já concluído o 9º ano da escolaridade, para logo se inserir no mercado de trabalho;
127. Na altura foi trabalhar para uma oficina de reparação de tractores, à qual permaneceu vinculado durante cerca de oito anos, até a mesma ter falido. Trabalhou depois como juntista de fibra ótica, actividade que viria a deixar cinco anos depois, quando essa empresa faliu;
128. O arguido ingressou de seguida na empresa D..., decorreria o ano 2012/2013. Durante o tempo em que esteve vinculado à mesma, permaneceu inicialmente nos Açores, de seguida em Moçambique e, mais tarde, em França, onde fixou residência em ... ... (morada onde ainda terá actualmente a sua residência fiscal). Trabalhou por conta da dita empresa até Junho de 2022, numa altura em que já era chefe de equipa, tendo sido despedido, quando, alegadamente devido a uma postura irresponsável derivada do consumo excessivo de droga (cocaína e heroína), abandonou o posto de trabalho;
129. O percurso aditivo do arguido terá começado ainda em idade escolar, por volta dos 14 anos de idade, altura em que se terá iniciado no consumo de haxixe juntamente com outros jovens também eles consumidores. O consumo de cocaína surge aos 22 anos de idade e o de heroína aos 34 anos de idade, segundo refere;
130. Em Fevereiro de 2022, os pais convenceram-no a procurar ajuda junto dos serviços competentes para o acompanhamento e tratamento de comportamentos aditivos e dependências, tendo na altura recorrido ao Centro de Respostas Integradas (CRI) de .... Segundo refere, ainda ali compareceu a três consultas e iniciou processo de tratamento, sujeitando-se a testes de despistagem por duas vezes, só que, entretanto, em Março desse ano, regressou a França, retomando o consumo de estupefacientes;
131. Em Abril vem a Portugal e desloca-se ao Porto a fim de adquirir cocaína e heroína. Foi interceptado por agentes policiais e, segundo verbaliza, terá sido constituído arguido, encontrando-se ainda a aguardar julgamento. Voltou a França, a fim de trazer os seus pertences e informar empresa que queria ficar em Portugal para se tratar, mas não só não efectuou qualquer tipo de tratamento, como acabou por ser despedido;
132. Na altura, o nível de desorientação era de tal ordem, que não chegou a requerer a atribuição de subsídio de desemprego, o que deveria ter feito em França. Refere que adquiria as substâncias estupefacientes com as economias que havia amealhado, só suspendendo os seus hábitos e rotinas de consumo quando, em 26 de Julho do ano transacto, por incumprimento, viu alterada para prisão preventiva a medida de coacção de apresentações no órgão de policial criminal local, aplicada no Processo: 25/22.... (factos da mesma natureza dos presentes autos, ocorridos em Fevereiro de 2023), que correm termos no Juízo de Instrução Criminal de ... – Juiz ...;
133. Da sua história criminal conhecemos ainda uma condenação em pena de multa, pela prática de crime de desobediência, no Processo n.º 398/23...., do Juízo Local Criminal de ... – Juiz ...;
134. Aquando dos factos que sustentam a sua acusação nos presentes autos vivia com a sua avó materna, de 89 anos de idade e com a sua mãe, de 62 anos de idade, auxiliar de serviços gerais em Estrutura Residencial para Idosos, situada em ..., em espaço habitacional situado na Avenida ..., ..., ..., ... ...;
135. Entretanto, em Julho do ano transacto é-lhe aplicada a medica de coacção de prisão preventiva, no processo referido no parágrafo anterior, a qual cumpre no EP ..., desde então. Encontrava-se desempregado desde Julho de 2022, referindo que vivia de poupanças, com as quais alimentava a sua toxicodependência;
136. No EP é acompanhado, em termos de toxicodependência, pelo CRI ..., há cerca de seis meses, fazendo testes de despistagem aleatórios, sempre com resultados negativos. Actualmente não toma qualquer medicação, reflectindo-se tal acompanhamento em consultas mensais com psicóloga do referido CRI;
137. No EP, para além das visitas que recebeu do seu pai quando este esteve recentemente em Portugal, tem recebido visitas da sua mãe, com uma frequência semanal, mantendo esta uma atitude de apoio incondicional ao filho, independentemente da decisão que venha ser proferida nos presentes autos;
138. Inscreveu-se na Escola, encontrando-se a frequentar um curso EFA B3 desde há cerca de dois meses só para reavivar certas matérias escolares, dado que tal curso apenas confere equivalência ao 9º ano, nível de ensino que já possui. Em termos ocupacionais aceitou trabalhar como faxina na copa do EP, actividade que desempenha diariamente, desde há pouco mais de dois meses;
139. Os elementos obtidos junto da equipa técnica e de segurança do EP revelam ainda que durante a prisão preventiva, o arguido tem adoptado postura comportamental ajustada, não apresentando quaisquer problemas de relacionamento, quer com funcionários do EP quer com outros reclusos, acatando, em regra, as orientações que lhe são transmitidas. Não nos foi feita referência a qualquer processo disciplinar;
140. No meio social de residência, goza de uma imagem globalmente positiva, sendo ali identificado como uma pessoa que sempre manteve níveis de relacionamento adequados com os outros e rotinas de trabalho. Não se percebem ali sentimentos de rejeição à sua presença, prevendo-se que, quando ocorrer, seja tranquilo o seu regresso àquela comunidade;
141. Quando confrontado com a presente realidade jurídico-penal, o arguido minimiza e desculpabiliza as práticas que sustentam a acusação, contextualizando as mesmas num período de consumos de substâncias estupefacientes.
Dados relevantes do processo de socialização, Condições socias e pessoais e Impacto da situação jurídico-penal – ARGUIDA KKKK
142. KKKK vive em união de facto com AA, coarguido, sujeito à medida de coacção de prisão preventiva. Em Novembro integrou o agregado familiar, tal filho do casal e o mais velho dos quatro filhos da arguida, o qual saiu em liberdade definitiva do EP ...;
143. A relação do casal é descrita pela arguida como gratificante e coesa;
144. Relativamente à data dos factos constantes nos autos a situação:
[ ] era idêntica à descrita [X] registava as seguintes alterações:
O companheiro AA, não se encontrava privado de liberdade e residia com a arguida. O filho encontrava-se a cumprir pena de prisão.
Enquadramento Residencial
[X] moradia [ ] apartamento [ ] barraca [ ] pensão [ ] quarto [ ] outro
[ ] isolada [] zona central [X] zona periférica [ ] habitação social [ ] zona degradada ou clandestina
condições de habitabilidade (condições de saneamento básico e conforto, privacidade):
[X] sim [ ] não
Habitação: [X] permanente [ ] local temporário de residência
[ ] sem abrigo ou itinerante [ ] mudanças frequentes de morada por motivos de
[ ] problemas com alojamento:
titularidade da habitação em nome de: AA (companheiro)
meio social com problemáticas sociais/criminais [ ] sim [X] não
145. O agregado reside numa moradia de tipologia T1, descrita como tendo razoáveis condições de habitabilidade, situada nos limítrofes da cidade ..., numa zona isenta de problemáticas criminais/sociais;
146. Relativamente à data dos factos constantes nos autos a situação:
[X] era idêntica à descrita [ ] registava as seguintes alterações:
Escolaridade
[ ] sem escolaridade [ ] sabe ler e escrever [X] grau de escolaridade: 5.º ano de escolaridade.
[ ] formação profissional certificada:
[ ] frequenta a escola [ ] frequenta um curso profissional
[X] registou algumas dificuldades de aprendizagem
147. Relativamente à data dos factos constantes nos autos a situação:
[X] era idêntica à descrita [ ] registava as seguintes alterações:
Emprego
[X] empregado [ ] desempregado [ ] frequentemente desempregado [ ] nunca esteve empregado
[ ] reformado
actividade laboral [X] tempo inteiro [ ] tempo parcial [ ] outra situação
trabalhador por conta própria []
trabalhador por conta de outrem [ X] sim [ ] não [ ] contrato [ ] sim [X] não [ ] outra situação
mobilidade significativa [ ] sim [X] não [ ] motivo [ ] nº e tipos de emprego:
148. A arguida trabalha no restaurante “E...”, sector onde tem experiência profissional;
149. Relativamente à data dos factos constantes nos autos a situação:
[ ] era idêntica à descrita [X] registava as seguintes alterações:
À data dos factos a arguida trabalhava no restaurante “F...” e posteriormente estava desempregada;
150. Situação económica
Valor dos rendimentos líquidos do arguido(a): € 820,00
Valor total das despesas/encargos fixos do agregado:
[X] Habitação – renda de casa €175,00 e eletricidade, água e gás € 85,00, Internet e TV €50,00.
[] Amortização com empréstimos bancários
[] Saúde
[] Outros
151. A situação económica é considerada pela arguida como equilibrada, permitindo a satisfação das necessidades básicas dos dois elementos do agregado;
152. Relativamente à data dos factos constantes nos autos a situação:
[X] era idêntica à descrita [ ] registava as seguintes alterações:
À data dos factos o companheiro, o arguido AA encontrava-se desempregado.
Inserção sociocomunitária
153. A arguida está bem integrada no seu meio de residência, não havendo indicadores de rejeição face à sua presença;
154. Relativamente à data dos factos constantes nos autos a situação:
155. [ ] era idêntica à descrita [X] registava as seguintes alterações:
156. Saúde
157. Existência de problemáticas de saúde [X] Não [ ] Sim
158. Relativamente à data dos factos constantes nos autos a situação:
[X] era idêntica à descrita [ ] registava as seguintes alterações:
Repercussões da situação jurídico-penal do arguido
159. A arguida avalia o presente contacto com o sistema de justiça penal, que identifica como sendo o seu primeiro, como causador de preocupação, não identificando outros constrangimentos decorrentes do presente processo penal propriamente dito.
Dados relevantes do processo de socialização, Condições socias e pessoais e Impacto da situação jurídico-penal - ARGUIDO AA
160. O arguido é o filho mais velho de dois irmãos, que se desenvolveu no seio de uma família estruturada. O pai era proprietário de uma pequena empresa de canalização, instalação de ar condicionado e gás e a mãe trabalhava numa pastelaria. No plano do relacionamento familiar tratava-se de uma família com uma dinâmica familiar equilibrada;
161. O arguido frequentou a escola até aos 14 anos de idade, altura em que começou a manifestar falta de motivação, tendo desistido de estudar no 8 º ano de escolaridade;
162. A partir dos 16 anos de idade passou a trabalhar como auxiliar numa pastelaria, actividade que ainda manteve durante cerca de três anos. Posteriormente, trabalhou como ajudante de canalizador com um tio paterno e depois com o pai, contudo, a experiência profissional mais significativa acabaria por ocorrer no sector da construção civil;
163. Aos 18 anos de idade (1992) contraiu matrimónio com LLLL, relacionamento do qual nasceram quatro filhos, atualmente com 30, 27, 25 e 15 anos de idade. O casal separou-se em 2014, na sequência do arguido ter iniciado novo relacionamento com BB (arguida nos presentes autos), com a qual se tinha envolvido afectivamente logo após o seu casamento e da qual tem um filho, actualmente com 29 anos de idade. Segundo refere, manteve sempre um relacionamento de proximidade e afectividade com os seus filhos, à excepção deste último, cuja paternidade escondeu da família durante cerca de três anos e que viria a assumir por imposição judicial, e com o qual somente se aproximou quando este tinha cerca de 18 anos de idade;
164. Os primeiros contactos com substâncias estupefacientes, parecem ter ocorrido na fase da adolescência (17 anos de idade), no seio das suas redes de sociabilidade locais. Depois de algum período em que apenas terá consumido haxixe, iniciou um percurso de escalada até às drogas de maior poder aditivo, ao que se seguiu uma inevitável fase de grande instabilidade tanto pessoal, como socioprofissional;
165. As necessidades impostas pela dependência conduziram-no à prática de vários atos ilícitos, os quais culminaram em várias situações de reclusão, a primeira das quais terá ocorrido em 1999, com 24 anos deidade, por crime de tráfico e consumo de estupefacientes, tendo sido condenado numa pena de prisão efectiva de 3 anos. O arguido beneficiou de liberdade condicional e, apesar de toda a família ter esperado que a prisão alterasse o seu percurso criminal - já que o pai o integrou na sua pequena empresa e o condenado já tinha família constituída pela mulher e dois filhos na altura - a verdade é que, passados alguns anos, voltou a reincidir e foi novamente condenado e preso, em 2004, numa pena de prisão efectiva de 7 anos e 10 meses de prisão;
166. Beneficiou de liberdade condicional de Junho de 2008 a Fevereiro de 2012. Contudo, depois de algum tempo em que evidenciou alguma estabilidade, terá registado uma recaída no consumo de substâncias estupefacientes, circunstância que terá precipitado todo o processo de reintegração social e motivado nova condenação em pena de prisão efectiva de 5 anos e 8 meses, em 2012, cujo cumprimento somente foi iniciado em 2016. Durante estes anos esteve emigrado em França, onde exercia actividade na área da construção civil, beneficiando do apoio de familiares;
167. Em Abril de 2020, no contexto da pandemia, beneficiou de Licença de Saída Administrativa Extraordinária, que decorreu até 26-01-2021, altura em que lhe foi concedida a medida de flexibilização da pena de liberdade condicional. A medida veio a ser declarada extinta por despacho de 11-01-2023 do Tribunal de Execução das Penas de Coimbra.
168. Ao longo do período de acompanhamento, o arguido manteve uma postura de colaboração com esta Equipa da DGRSP. Não obstante aparentar deter uma adequada motivação para o cumprimento dos objectivos subjacentes à aplicação da medida de flexibilização da pena de liberdade condicional a que se esteve sujeito, revelou, nos últimos meses de acompanhamento, algumas fragilidades que poderiam vir a condicionar o seu processo de reinserção social e que culminaram no seu alegado envolvimento nos factos pelos quais se encontra acusado nos presentes autos;
169. Profissionalmente e após um período de alguma estabilidade, encontrava-se desempregado desde Setembro de 2022, após ter cessado, por sua iniciativa, a relação laboral que detinha com a empresa A... Lda.;
170. Relativamente ao acompanhamento na Equipa de Tratamento do CRI de ..., AA revelava dificuldades em mudar o seu estilo de vida, prejudicando o seu processo de reinserção social, que estaria condicionado à capacidade daquele se manter abstinente. Desvalorizava os consumos indevidos de fármacos psicotrópicos – benzodiazepinas, considerando que não se tratam de substâncias estupefacientes, assumindo uma atitude de negação que não conseguia reverter, com recidiva nos consumos de estupefacientes;
171. À data dos factos pelos quais se encontra acusado, AA residia com a sua companheira – BB (co-arguida nos presentes autos), numa moradia arrendada. A subsistência do casal era assegurada pelos rendimentos da companheira do arguido, que exercia actividade profissional na área da restauração, como ajudante de cozinha, beneficiando do apoio dos familiares do arguido;
172. O desemprego e a desestruturação adequada do seu quotidiano, poderão ter potenciado o seu envolvimento em situações desajustadas, pese embora a influência positiva que o mesmo refere que a sua companheira exercia sobre si, nomeadamente, no que aos seus hábitos aditivos respeita e que o mesmo refere que aquela desconhecia na sua real intensidade;
173. Embora mantendo o tratamento à sua problemática aditiva, a sua adesão à intervenção clínica tem sido muito ambivalente, registando recaídas que condicionam de forma significativa a sua vida, desestabilizando-o a nível pessoal e profissional;
174. O arguido encontra-se em prisão preventiva desde o passado dia 21-03-2023, no âmbito dos presentes autos;
175. No que respeita ao consumo de substâncias estupefacientes refere que se encontra abstinente, mantendo o acompanhamento na Equipa de Tratamento do CRI de ... e cumprindo com a terapêutica prescrita, encontrando-se a cumprir o programa terapêutico, segundo o técnico daquela unidade de saúde;
176. Em termos pessoais revelou uma postura adequada em sede de entrevista, assumindo com algum conformismo e inevitabilidade a sua actual condição, a qual faz naturalmente decorrer dos riscos conscientes que correu, quando em liberdade, por manter os seus hábitos de consumo de estupefacientes e para os quais não aparenta qualquer tipo de atitude diferenciada que nos permita antever qualquer aposta numa mudança comportamental;
177. Contextualiza os factos, pelos quais vem acusado, num período conturbado da sua vida, em que os seus consumos se agudizaram. Não obstante, consegue reflectir criticamente sobre a sua conduta, revelando consciência dos bens jurídicos afectados por factos idênticos aos subjacentes ao presente processo e mostrando-se consternado pelo facto do envolvimento dos seus familiares nos presentes autos.
Dados relevantes do processo de socialização, Condições socias e pessoais e Impacto da situação jurídico-penal – ARGUIDO DD
178. DD reside apenas com o pai, desde que a irmã GGGG se autonomizou do agregado a fim de viver em união de facto com o arguido EE. O irmão mais velho (apenas uterino), II, vive com a mãe e o outro irmão, MMMM, reside em França;
179. Existe um clima de apoio e de entreajuda, não havendo a referir dificuldades ao nível do relacionamento intrafamiliar. Os pais separam-se quando o arguido tinha 17 anos, altura em que a mãe passou a viver com o arguido AA pai do seu filho mais velho, relação que nunca teve a aprovação de DD, muito embora nunca o tenha manifestado;
180. Relativamente à data dos factos constantes nos autos a situação:
[X] era idêntica à descrita [] registava as seguintes alterações:
Enquadramento Residencial
[X] moradia [] apartamento [ ] barraca [ ] pensão [ ] quarto [ ] outro
[ ] isolada [] zona central [X] zona periférica [ ] habitação social [ ] zona degradada ou clandestina
condições de habitabilidade (condições de saneamento básico e conforto, privacidade):
[] sim [X] não
Habitação: [X] permanente [ ] local temporário de residência
[ ] sem abrigo ou itinerante [ ] mudanças frequentes de morada por motivos de
[ ] problemas com alojamento:
titularidade da habitação em nome de: NNNN (pai do arguido)
meio social com problemáticas sociais/criminais [ ] sim [X] não
181. O arguido e o pai residem numa habitação arrendada, uma moradia descrita como tendo condições de habitabilidade, localizada em zona rural periférica à cidade ...;
182. Relativamente à data dos factos constantes nos autos a situação:
[X] era idêntica à descrita [] registava as seguintes alterações:
Escolaridade
[ ] sem escolaridade [ ] sabe ler e escrever [X] grau de escolaridade: 11.º ano de escolaridade
[] formação profissional certificada:
[ ] frequenta a escola [ ] frequenta um curso profissional
[ ] regista dificuldades com
183. Relativamente à data dos factos constantes nos autos a situação:
[X] era idêntica à descrita [ ] registava as seguintes alterações:
Emprego
[X] empregado [ ] desempregado [ ] frequentemente desempregado [] nunca esteve empregado
[] reformado
actividade laboral [X] tempo inteiro [ ] tempo parcial [ ] outra situação
trabalhador por conta própria [ ]
trabalhador por conta de outrem contrato [X] sim [ ] não [ ] outra situação
mobilidade significativa [ ] sim [X] não [ ] motivo [ ] nº e tipos de emprego
184. DD trabalha para a empresa G..., Lda., como aprendiz de armazém, há dois anos e dois meses, tendo sido celebrado contrato de trabalho sem termo;
185. Por vezes, aos sábados, trabalha para uma empresa de jardinagem;
Relativamente à data dos factos constantes nos autos a situação:
[X] era idêntica à descrita [] registava as seguintes alterações:
Situação económica
Valor dos rendimentos líquidos do arguido(a): €840,00
Valor dos rendimentos líquidos do agregado: €835,00
Valor total das despesas/encargos fixos do agregado:
[X] Habitação: €300,00 (renda) €80,00 (luz, água e gás)
[ ] Amortização com empréstimos bancários
[ ] Saúde:
[ ] Outros:
186. Relativamente à data dos factos constantes nos autos a situação:
[X] era idêntica à descrita [] registava as seguintes alterações:
Inserção sociocomunitária
187. No meio de residência, não há indicadores de rejeição face à presença do arguido, sendo considerado um jovem educado, respeitador e cumpridor das normas;
188. Relativamente à data dos factos constantes nos autos a situação:
[X] era idêntica à descrita [ ] registava as seguintes alterações:
Saúde
Existência de problemáticas de saúde [] Não [X] Sim
189. O arguido refere consumos de haxixe desde a idade dos 16 anos, intensificando-os até os fazer com uma regularidade diária, o que não acontece actualmente, em que, tanto quanto refere, só o faz ao fim-de-semana;
190. Relativamente à data dos factos constantes nos autos a situação:
[X] era idêntica à descrita [ ] registava as seguintes alterações:
Repercussões da situação jurídico-penal do arguido
191. O arguido manifesta grande apreensão face às consequências do presente contacto com as estruturas judicias, o qual refere ser o primeiro, identificando como principal impacto o “rótulo” de traficante, actividade ilícita que contraria aquelas que são as suas referências normativas e de saber-estar em sociedade.
Dados relevantes o processo de socialização, Condições socias e pessoais e Impacto da situação jurídico-penal – ARGUIDO GG
192. O arguido reside sozinho na morada indicada no processo há mais de seis anos em habitação arrendada, beneficiando do apoio da irmã e dos vizinhos que são, segundo a mesma, um outro suporte de apoio ao irmão, tendo assim uma imagem positiva perante os mesmos;
193. Relativamente à data dos factos constantes nos autos a situação:
[X] era idêntica à descrita [ ] registava as seguintes alterações:
Enquadramento Residencial
[X] moradia [ ] apartamento [ ] barraca [ ] pensão [ ] quarto [ ] outro:
[ ] isolada [ ] zona central [X] zona periférica [ ] habitação social [ ] zona degradada ou clandestina
condições de habitabilidade (condições de saneamento básico e conforto, privacidade):
[X] sim [ ] não
Habitação: [X] permanente [ ] local temporário de residência
[ ] sem abrigo ou itinerante [ ] mudanças frequentes de morada por motivos de
[ ] problemas com alojamento:
194. A habitação é descrita pelo arguido como tendo condições de habitabilidade, estando inserida numa zona sem existência de problemáticas sociais e criminais associadas;
titularidade da habitação em nome de: OOOO
meio social com problemáticas sociais/criminais [ ] sim [X] não
195. Relativamente à data dos factos constantes nos autos a situação:
[X] era idêntica à descrita [ ] registava as seguintes alterações:
Escolaridade
[ ] sem escolaridade [ ] sabe ler e escrever [X] grau de escolaridade: 9º ano de escolaridade
[ ] formação profissional certificada:
[ ] frequenta a escola [ ] frequenta um curso profissional
[ ] regista dificuldades com
196. Relativamente à data dos factos constantes nos autos a situação:
[X] era idêntica à descrita [ ] registava as seguintes alterações:
Emprego
[ ] empregado [X] desempregado [ ] frequentemente desempregado [ ] nunca esteve empregado
[ ] reformado
actividade laboral [ ] tempo inteiro [ ] tempo parcial [ ] outra situação
trabalhador por conta própria [ ]
trabalhador por conta de outrem contrato [ ] sim [ ] não [ ] outra situação
mobilidade significativa [ ] sim [ ] não [ ] motivo [ ] nº e tipos de emprego
197. O arguido trabalhou como serralheiro em algumas empresas do ramo da serrilharia e metalúrgica inicialmente de forma estável. A partir de 2008 passou a ser mais irregular, até que em 2021 deixou de poder trabalhar por motivos de saúde (coluna). Mais recentemente, tem registado problemas do foro respiratório, encontrando-se actualmente de baixa médica a beneficiar do RSI, estando a diligenciar no sentido de lhe ser atribuída reforma por invalidez;
198. Relativamente à data dos factos constantes nos autos a situação:
[X] era idêntica à descrita [ ] registava as seguintes alterações:
Situação económica
Valor dos rendimentos líquidos do arguido(a): 237 euros do Rendimento Social de Inserção
Valor dos rendimentos líquidos do agregado:
Valor total das despesas/encargos fixos do agregado:
[X] Habitação: 125 euros (renda) e 40 euros de agua e luz.
[ ] Amortização com empréstimos bancários
[X] Saúde: 40 euros
[ ] Outros: 40 euros de água e luz
199. O arguido apresenta uma condição económica muito vulnerável, visto que o valor que recebe é absorvido pelas despesas atrás descritas, beneficiando do apoio para alimentação da Associação Cultural Recreativa e Social de ... e também de alguns vizinhos que apoiam, sendo a irmã que vai assegurando a maioria das despesas de saúde;
200. Relativamente à data dos factos constantes nos autos a situação:
[X] era idêntica à descrita [ ] registava as seguintes alterações:
Inserção sociocomunitária
Relativamente à data dos factos constantes nos autos a situação:
[X] era idêntica à descrita [ ] registava as seguintes alterações:
Saúde
Existência de problemáticas de saúde [ ] Não [X] Sim
201. O arguido apresenta problemas ao nível da coluna e mais recentemente do foro respiratório, tendo períodos é que tem que ser algaliado, sendo estes problemas impeditivos para trabalhar;
202. Relativamente à data dos factos constantes nos autos a situação:
[X] era idêntica à descrita [ ] registava as seguintes alterações:
Repercussões da situação jurídico-penal do arguido
203. O arguido apresenta-se algo apreensivo relativamente à actual situação jurídico-penal, uma vez que já teve anteriormente contactos com a Justiça, nomeadamente, pela prática do mesmo tipo de crime.
204. Receia pelas consequências que venha a sofrer e o impacto que possa ter na sua situação, uma vez que se encontra numa situação mais vulnerável relativamente à saúde, reflectindo-se igualmente ao nível da sua estabilidade organizacional e emocional;
Dados relevantes o processo de socialização, Condições socias e pessoais e Impacto da situação jurídico-penal – ARGUIDO CC
205. O processo de desenvolvimento de CC decorreu em condições de significativa instabilidade e disfuncionalidade familiar. Os progenitores tinham uma relação conflituosa e divorciaram-se litigiosamente no início da adolescência do arguido.
206. Ficou inicialmente com a mãe em ..., depois foi viver com o pai para Lisboa, onde este constituíra novo agregado. Aí, nem o contexto social (Casal Ventoso, onde o pai vivia e explorava um café) nem o próprio progenitor (que cumpriu penas de prisão em mais do que uma ocasião) lhe permitiram vivências segundo modelos normativos.
207. Mais tarde, com 18 anos, o arguido regressou a ..., indo residir com a avó paterna, dado manter uma relação difícil com a mãe. Apesar de lhe dar afecto e procurar orientá-lo, a avó não tinha ascendente nem controle sobre as suas condutas problemáticas.
208. CC frequentou a escola até aos 15 anos, sem completar o 6º ano, registando elevado absentismo, desmotivação e problemas comportamentais durante o percurso escolar.
209. A nível laboral teve experiências de curta duração em artes gráficas, logística para a firma H..., como empregado de bar, na realização de eventos e na construção civil.
210. Aos 20 anos de idade, na sequência da prática de vários furtos, CC foi condenado a 5 anos de prisão efectiva, pena que cumpriu integralmente até Março 2009. Durante a reclusão completou o 2º e 3º ciclos de escolaridade.
211. No período seguinte não logrou alterar o seu estilo de vida, vindo a envolver-se no consumo de estupefacientes, prosseguindo o percurso delinquencial.
212. Viveu maritalmente com uma jovem cerca de três anos, O casal viveu em ... em apartamentos arrendados, registando alguma mobilidade habitacional. Nenhum deles exercia actividade laboral regular, apenas iam tendo algum apoio da família da companheira. O arguido relacionava-se com grupos de pares sem hábitos de trabalho e conotados à prática de ilícitos e ao consumo de estupefacientes no qual se envolveu, desenvolvendo dependência (heroína e sobretudo cocaína). O arguido refere ter cessado os consumos quando a companheira engravidou.
213. Face à ausência de meios de subsistência, foram acolhidos num anexo da casa da avó daquela e beneficiavam das refeições da Cáritas. CC foi preso um mês antes do nascimento do filho.
214. Dado que a mãe não revelou capacidades para tratar da criança, o bebé foi colocado num Centro de Acolhimento pela Segurança Social de ... para eventual adopção. A relação do casal cessou, entretanto.
215. CC foi preso preventivamente em Maio de 2012, vindo a ser condenado numa pena única de 6 anos e 6 meses de prisão, pelo cometimento de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade e seis crimes de furto qualificado. Beneficiou de liberdade condicional em 13/09/2016, prevendo-se o seu termo para 08/11/2018.
216. Ao longo da reclusão CC focou-se muito no filho e articulou-se com a Segurança Social, tendo mantido contactos regulares com a criança, por quem evidenciava forte vinculação afectiva. O menino foi, inicialmente, confiado judicialmente à mãe do arguido, tendo sido, posteriormente e após libertação do arguido, efectuada a revisão das responsabilidades parentais e atribuída a guarda conjunta do menino ao progenitor e à avó paterna. Esta veio, mais tarde, a entregar a criança ao pai, que viu o filho ser-lhe retirado e ser-lhe aplicada uma medida de promoção e protecção de confiança a instituição, com vista a futura adoção, que se veio a concretizar.
217. Enquanto em liberdade condicional, CC residia numa moradia com precárias condições de habitabilidade, uma vez que não possuía energia eléctrica, nem água canalizada, contíguo à habitação da sua progenitora. Esta assegurava-lhe as refeições e permitia que aquele utilizasse a sua habitação para a sua higienização diária, não permitindo que o mesmo co-habitasse na sua morada de família, pretendendo a sua autonomização.
218. Em termos profissionais, o arguido, apesar de evidenciar esforços por manter um percurso laboral estruturado, nem sempre o conseguiu. O pouco apoio familiar de que beneficiava, com a ausência da sua progenitora para o estrangeiro, levaram-no a uma situação económica desfavorável, ficando numa situação de sem abrigo e a sobreviver de caridade.
219. Relativamente ao acompanhamento na Equipa de Tratamento do Centro de Respostas Integradas de ..., CC manteve-se abstinente durante um certo período, registando recaídas e retomando o acompanhamento em 2021. Segundo o técnico daquela unidade de saúde “entre o período de Janeiro de 2023 até à actualidade, foi mantendo um acompanhamento irregular evidenciando algumas dificuldades em cumprir com as orientações terapêuticas.
220. Esteve presente em 31-01-2024. Desde então, teve marcações para 07-03-2024, 15-05-2024 e 20-05-2024, às quais faltou e não solicitou até ao momento novas marcações.”
221. O arguido encontra-se inserido em programa de metadona, sendo as tomas asseguradas atualmente no Centro de Saúde ....
222. Os seus hábitos aditivos, condicionaram de forma significativa a sua vida, desestabilizando-o a nível pessoal, profissional e familiar, afastando-o dos elementos do seu agregado de origem e de todos os que se podiam constituir como apoio e suporte organizacional.
223. Do aferido e avaliado, o percurso de vida de CC, foi marcado pela desestruturação e conflituosidade familiar, que contribuiu para fragilidades do mesmo ao nível da organização pessoal, profissional e afectiva. CC esforça-se por passar uma imagem positiva de si mesmo, com um estilo de comunicação tendencialmente manipulador, ainda que paralelamente e de um modo geral, adopte uma postura de vitimização.
224. Segundo o apurado, o arguido estará a residir numa arrecadação situada no rés do chão da habitação de uma tia materna, situada na cidade .... Solicitou apoio social junto da Equipa de RSI de ..., tendo tal prestação sido indeferida, uma vez que não cumpre um dos requisitos obrigatórios – actualização de morada no documento de identificação.
225. Ao longo do período de execução da medida de flexibilização da pena de liberdade condicional, o arguido apresentou alguma instabilidade pessoal, associada às dificuldades ao nível do cumprimento de regras e normas sociais, com envolvimento em alegadas práticas criminais, motivo pelo qual a medida apenas veio a ser declarada extinta em Março de 2023.
226. Não obstante, demonstrava, em abstracto, uma atitude motivada para prosseguir o seu projecto de vida na esteira dos normativos legais, o que se nos oferece algumas reticências pelo seu alegado envolvimento em novas práticas criminais como as indiciadas nos presentes autos, além dos indicadores do seu alegado envolvimento na prática de ilícitos, de acordo com a informação recente obtida junto dos OPC’s: - Constituído arguido e interrogado na carta precatória 023/21.... e nos autos 0150/23....; - NUIPC 933/23...., datado de 2023/07/27, suspeito em crimes contra a propriedade; - NUIPC 830/23...., datado de 2023/07/05, suspeito em crimes contra a propriedade; - NUIPC 1004/23...., datado de 2023/08/10, suspeito em crimes contra a propriedade;
227. Os presentes autos não constituem para o arguido o primeiro contacto com o sistema judicial. O desemprego e a desestruturação adequada do seu quotidiano, poderão ter potenciado o seu envolvimento em situações desajustadas, relacionando-se com pares que podem constituir potenciais influências anti-sociais. Com um passado ligado ao consumo de produtos estupefacientes, a sua vivência ainda não atingiu a estabilidade que lhe poderia proporcionar uma efectiva reinserção social. De facto, o seu processo terapêutico, que se vem arrastando há vários anos e ao qual vem aderindo de forma ambivalente, poderá potenciar o seu envolvimento em situações de risco.
---
Antecedentes Criminais
228. Os arguidos GG, EE, DD e BB não têm antecedentes criminais;
229. O arguido CC já sofreu as seguintes condenações:
• Por sentença proferida em 05/12/2005, transitada em julgado em 20/12/2005, no processo comum singular n.º 120/03...., da Secção Única do Tribunal Judicial de Oliveira de Frades, o arguido foi condenado pela prática em 24/07/2003, de um crime de furto qualificado, na pena de 16 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos;
• Por acórdão proferido em 29/11/2005, transitado em julgado em 20/12/2005, no processo comum colectivo n.º 90/03...., da Secção Única do Tribunal Judicial de São Pedro do Sul, o arguido foi condenado pela prática em 16/03/2003, de um crime de furto qualificado, na pena de 5 anos de prisão efectiva;
• Por sentença proferida em 17/01/2013, transitada em julgado em 04/07/2013, no processo comum singular n.º 773/10...., do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Viseu, o arguido foi condenado pela prática em 06/06/2010, de um crime de furto qualificado, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão efectiva;
• Por acórdão proferido em 05/04/2013, transitada em julgado em 06/05/2013, no processo comum colectivo n.º 14/12...., da Secção Única do Tribunal Judicial de São Pedro do Sul, o arguido foi condenado pela prática em Abril de Maio de 2012, de 5 crimes de furto qualificado e de um crime de tráfico de menor gravidade, na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão;
• Por sentença proferida em 29/03/2016, transitada em julgado em 11/04/2016, no processo sumaríssimo n.º 99/15...., do Juízo de Competência Genérica do Tribunal de São Pedro do Sul, do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, o arguido foi condenado pela prática em 07/08/2013, de um crime de falsidade de testemunho, na pena de 450 dias de multa, à taxa diária de €5,00.
230. O arguido FF já sofreu a seguinte condenação:
• Por sentença proferida em 18/10/2023, transitada em julgado em 18/11/2023, no processo abreviado n.º 398/23...., do Juízo Local Criminal de Lisboa, J..., do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, o arguido foi condenado pela prática em 02/04/2023, de um crime de desobediência, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de €5,00;
231. O arguido AA já sofreu as seguintes condenações:
• Por sentença proferida em 03/06/1994, transitada em julgado, no processo sumário n.º 521/94, do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, o arguido foi condenado pela prática em 02/04/2023, de um crime de condução sob o efeito do álcool, na pena de 50 dias de multa, à taxa diária de 300$00;
• Por sentença proferida em 01/08/1994, transitada em julgado, no processo sumário n.º 703/94, do ... Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, o arguido foi condenado pela prática em 29/07/1994, de um crime de condução sob o efeito do álcool, na pena de 230 dias de multa, à taxa diária de 400$00;
• Por acórdão proferido em 17/01/96, transitado em julgado, no processo n.º ...5, do Tribunal Militar de Lisboa, o arguido foi condenado pela prática em 06/12/94, de um crime de deserção, na pena única de 3 meses de prisão militar;
• Por sentença proferida em 02/07/96, transitada em julgado, no processo comum singular n.º 82/95, do Tribunal Judicial da Comarca de Lamego, o arguido foi condenado pela prática em 30/04/1994, de um crime de falsificação de documento, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de 800$00;
• Por sentença proferida em 28/05/1997, transitada em julgado, no processo comum singular n.º 118/97, do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, o arguido foi condenado pela prática em 1996, de um crime de consumo de estupefacientes, na pena de 30 dias de multa, à taxa diária de 500$00;
• Por acórdão proferido em 06/06/2000, transitada em julgado em 01/07/2000, no processo comum colectivo n.º 685/99, do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, o arguido foi condenado pela prática em 16/03/1999, de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão efectiva;
• Por acórdão proferido em 10/10/2000, transitado em julgado em 25/10/2000, no processo comum colectivo n.º 341/97...., do ... Juízo Criminal de Viseu, do Tribunal Judicial da Comarca de ..., o arguido foi condenado pela prática em 04/08/1997, de um crime de furto qualificado, na pena de 3 anos de prisão;
• Por sentença proferida em 15/04/2004, transitada em julgado no dia 06/05/2004, no processo comum singular n.º 636/02...., do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, o arguido foi condenado pela prática de um crime de dano, um crime de ameaça e um crime de injúria, na pena única de 10 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos;
• Por sentença proferida em 29/06/2004, transitada em julgado no dia 14/07/2004, no processo comum singular n.º 44/03...., do ... Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, o arguido foi condenado pela prática de um crime de furto simples, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de €2,50;
• Por acórdão proferido em 08/06/2005, transitado em julgado no dia 29/06/2005, no processo comum colectivo n.º 09/04...., do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, o arguido foi condenado pela prática em Abril de 2004, de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 7 anos de prisão;
• Por sentença proferida em 28/03/2006, transitada em julgado no dia 21/04/2006, no processo comum singular n.º 310/03...., do ... Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez e de um crime de furto simples, na pena única de 9 meses de prisão e na pena acessória de inibição de conduzir pelo período de 16 meses;
• Por sentença proferida em 13/02/2009, transitada em julgado no dia 18/03/2009, no processo sumário n.º 13/09...., do ... Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Gondomar, o arguido foi condenado pela prática em 01/02/2009, de um crime violação de imposições, proibições ou interdições, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de €5,00;
• Por acórdão proferido em 24/04/2013, transitado em julgado no dia 1 de Junho de 2017, no processo comum colectivo n.º 98/09...., do Juízo Central Criminal de Viseu, J..., do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, o arguido foi condenado pela prática em 29/01/2009, de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 4 anos e 4 meses de prisão;
• Por acórdão proferido em 01/11/2013, transitado em julgado em 09/06/2017, no processo comum colectivo n.º 1262/09...., do Juízo Central Criminal de Viseu, J..., do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, o arguido foi condenado pela prática em 2009, de um crime de falsidade de testemunho, de um crime de falsificação de documento e de burla simples, na pena única de 2 anos e 8 meses de prisão efectiva.
2.2. Matéria de facto não provada
Para além dos factos meramente conclusivos ou que contenham matéria de direito e que não constem do elenco dos factos provados, nenhum outro facto se provou com relevância para a decisão da causa, nomeadamente, os factos constantes do despacho de acusação, não se provando, nomeadamente, que:
1. Os arguidos AA e BB adquiriram produto estupefaciente a preços de € 2,50 (dois euros e cinquenta cêntimos) a dose de heroína e € 5,00 (cinco euros) a dose de cocaína, procedendo posteriormente à venda de cada dose de heroína por € 10,00 (dez euros) e de cada dose de cocaína por € 20,00 (vinte euros), o que lhes permitiu retirar avultados proveitos económicos desta actividade, na medida em que triplicaram cada investimento feito;
2. Na concretização do plano anteriormente delineado, o arguido AA, deslocava-se ao Porto, pelo menos, uma vez por semana, e adquiria entre € 3.000,00 (três mil euros) a € 4.000,00 (quatro mil euros) em produto estupefaciente que vendia, posteriormente, na zona de Viseu e que lhe rendia entre € 9.000,00 (nove mil euros) a € 12.000,00 (doze mil euros) de lucro por semana;
3. Com a actividade que desenvolveram, umas vezes de modo concertado e de comum acordo, noutras sozinhos ou com terceiros não identificados, os arguidos AA e BB obtiveram elevados lucros monetários, resultantes da venda de produto estupefaciente, que lhes permitiu manter um nível de vida superior, incompatível com os rendimentos lícitos obtidos pelo casal, que se resumiram a cerca de €800,00 (oitocentos euros) mensais provenientes da actividade profissional de BB desempenhou durante escassos meses num restaurante em ...;
4. No dia 19/03/2023, por volta das 06H15, o arguido AA e a arguida BB deslocaram-se, no veículo automóvel alugado, de marca ..., com a matrícula ....UV, ao Bairro da Pasteleira, sito no Porto e adquiriram entre € 3.000,00 (três mil euros) a € 4.000,00 (quatro mil euros) em produto estupefaciente;
5. No regresso, o arguido AA suspeitando que estava a ser seguido, decidiu seguir sozinho sem qualquer produto estupefaciente;
6. Por sua vez, a arguida BB regressou de Táxi com o produto estupefaciente, dirigiu-se a ..., a casa de PPPP, mãe do arguido AA, onde guardou o produto estupefaciente adquirido;
7. O produto estupefaciente entregue ao arguido AA no estabelecimento prisional ..., durante as visitas, se destinava a ser vendido por este no interior daquele Estabelecimento;
8. Os arguidos AA e BB obtiveram relevantes dividendos económicos que lhes permitiram viver exclusivamente daquela actividade, porque nela não exerceu qualquer actividade lícita remunerada nem tinha outra fonte de rendimento, o que lhes permitiu fazer face a todas as suas despesas pessoais, nomeadamente com vestuário, alimentação, lazer, comunicações, aquisição e manutenção de automóveis, despesas com deslocações e de transporte, combustíveis, e taxas de portagem;
9. Os arguidos AA e BB agiram no propósito concretizado de obter para si dividendos financeiros da venda de produto estupefaciente a terceiros, tendo alcançado lucros na ordem do triplo de cada montante previamente investido na aquisição daqueles produtos;
10. Os arguidos AA e GG sabiam que, com a sua actuação, perturbavam o processo de ressocialização dos reclusos, uma vez que facilitavam o acesso a substâncias estupefaciente e contribuíam para o transtorno da ordem e organização do estabelecimento prisional ..., o que quiseram.
11. E, apesar disso cientes, os arguidos AA e GG quiseram actuar nos moldes supra descritos com o propósito de deterem e introduzirem produto estupefaciente no interior do estabelecimento prisional, para ser a outros reclusos;
12. Com as condutas acima descritas, da actividade levada a cabo pelo menos desde Novembro de 2022 a 19/03/2023, o arguido AA deslocava-se ao Porto, pelo menos, uma vez por semana, e adquiria entre € 3.000,00 (três mil euros) a € 4.000,00 (quatro mil euros) em produto estupefaciente que vendia, posteriormente, na zona de Viseu e que lhe rendia entre € 9.000,00 (nove mil euros) a € 12.000,00 (doze mil euros) de lucro por semana;
13. A quantia total de € 1.196,83 (mil, cento e noventa e seis euros e oitenta e três cêntimos), da qual foi levantado a fls. 1481 a quantia de € 907,92 (novecentos e sete euros e noventa e dois cêntimos) e a quantia total de € 2.010.11(dois mil e dez euros e onze cêntimos), detidas pelos arguido AA e BB, nas contas n.ºs ...00 e ...61, domiciliadas na Banco 1..., são provenientes da actividade de cedência/venda de produtos estupefacientes a terceiros, quantias essas que os arguidos fizeram integrar nos seus respectivos patrimónios, equivalendo tais quantias a vantagens provenientes da infracção penal;
14. As quantias acima discriminadas representaram um incremento patrimonial directo na esfera dos arguidos de valor equivalente, e que não lhes era devido, uma vez que provinham da actividade de cedência/venda de produtos estupefacientes a terceiros.
15. Quantias essas que os arguidos integraram no seu património, em benefício próprio.
2.3. Motivação da matéria de facto
A convicção do tribunal relativamente aos factos provados e não provados alicerçou-se na análise crítica do conjunto da prova produzida na audiência de julgamento, de índole testemunhal, documental e pericial, em conjugação, ainda, com as regras da experiência comum.
--
Começando pela ampla prova pericial e documental, diremos que se levou em consideração para apuramento dos factos, naturalmente em conjugação com toda a demais prova que foi produzida, nos termos que infra melhor se explicitará, os seguintes documentos examinados em audiência de julgamento, nomeadamente: Prova pericial, toda a constante dos autos, nomeadamente, o Exame Pericial n.º 2023006578-NTX de 14/04/2023, de fls. 1350; o Exame Pericial nº 2023013975-NTX de 14/07/2023, de fls. 2032; o Exame Pericial nº 2023011084-NTX de 25/07/2023, de fls. 2194; o Estudo comparativo entre as amostras de cocaína e heroína analisadas nos exames 2023011084-NTX e 2023013975-NTX, de fls. 2196; o Auto de Exame Directo e Avaliação aos artigos de ourivesaria, de fls. 1730; o Auto de Exame Directo e Avaliação de Munição, de fls. 1732; o Auto de Exame Directo e Avaliação de vários artigos, de fls. 1740; o Relatório Técnico de Inspecção Judiciária, de fls. 1852; o Exame Pericial nº 730202300103, de fls. 2208; o Exame Pericial nº 730202300122, de fls. 2234; o Auto de Intercepção, elaborado no âmbito do NUIPC 24.22.7GCMGL, que deu origem aos presentes Autos, de fls. 4; os Relatórios de diligência externa, de fls. 24, 27, 32, 47, 119, 167, 173, 182, 233, 237, 380, 391, 498, 519, 531, 537 e 781; o Registo de propriedade de automóvel, de fls. 26, 29, 36, 180, 240, 244, 291, 292, 293, 383, 496, 527, 535, 998, 999 e 1000; a Carta anónima, de fls. 38; os Relatórios Intercalares, de fls. 21, 61, 288, 777, 1493, 1669, 1773, 1857 e 1925; as Informações da Segurança Social e CGA, de fls. 100, 895, 898, 1837, 2028 e 2191; o Auto de visionamento de vídeo, de fls. 126 e 141; o Auto de Intercepção e Gravação de Conversações Telefónicas a fls. 201, 276, 353, 455, 600, 1043, 1178, 1316, 1432, 1474, 1575 e 1747; as Súmulas das intercepções telefónicas ao Alvo 128945050, de fls. 187; as Súmulas das intercepções telefónicas ao Alvo 128944040, de fls. 194, 256 e 258; as Súmulas das intercepções telefónicas ao Alvo 129320040, de fls. 326, 396, 543 e 1001; as Súmulas das intercepções telefónicas ao Alvo 129492040, de fls. 347 e 403; as Súmulas das intercepções telefónicas ao Alvo 129321040, de fls. 401, 548 e 1016; as Súmulas das intercepções telefónicas ao Alvo 129619040, de fls. 412, 550 e 1018; as Súmulas das intercepções telefónicas ao Alvo 130073040, de fls. 1022; as Súmulas das intercepções telefónicas ao Alvo 130074040, de fls. 1030; as Súmulas das interceções telefónicas ao Alvo 130224040, de fls. 1314; as Súmulas das interceções telefónicas ao Alvo 130607040, de fls. 1430, 1471, 1569 e 1745; a Informação da altice, de fls. 210; as sessões de imagem, de fls. 321, 324, 510, 1165 e 1172; os Testes rápido de droga, de fls. 505, 805, 1636, 1641, 1655, 1657 e 1658; o Auto de Detenção, de fls. 846; os Autos de busca e apreensão, de fls. 42, 502, 783, 797, 804, 819, 823, 1599, 1624, 1630, 1632, 1637, 1644, 1648 e 1650; os Depósitos autónomos de quantias apreendidas, de fls. 1035, 1037 e 1039; a Cativação do saldo bancário no valor de € 1.196,83 (mil, cento e noventa e seis euros e oitenta e três cêntimos) e € 2.010.11 (dois mil e dez euros e onze cêntimos) das contas bancárias da Banco 1... em nome dos arguidos AA e BB, a fls. 1205; o Registo das visitas ao arguido AA no estabelecimento prisional ..., fls. 1499, 1552; a Cópia do Auto de Notícia NUIPC 24.23.0GBVIS, atualmente apenso 170.22.... a fls. 1514; a Cota, de fls. 1991 e a Informação/ofício, de fls. 1996.
--
Valorou também o tribunal as declarações prestadas na fase de inquérito, pelos arguidos EE e DD, declarações que foram reproduzidas em sede de audiência de julgamento.
O arguido EE, ouvido em sede de inquérito, perante Magistrado do Ministério Público, disse que é companheiro da GGGG, que é filha da arguida BB e "enteada" do arguido AA. Disse o depoente que se encontra empregado na empresa I... no ... há já 4 anos. Interpelado sobre os factos que lhe são imputados, disse que ocasionalmente consome haxixe e que uma ocasião adquiriu a Balança de precisão que foi apreendida na sua residência aquando das Buscas, para confirmar se o estupefaciente que comprava correspondia ao peso vendido, alegando que comprava pequenas quantidades e que a balança já não era utilizada há muito tempo, dado consumir haxixe esporadicamente. Disse que após duas semanas do arguido AA ter sido preso, pediu à BB se lhe emprestava o carro do AA, dado que o seu tinha avariado, andando ainda com aquele veículo a Renault Laguna de matrícula ..-..-US. Esclareceu que pediu aquele veiculo à BB por saber que o mesmo se encontrava parado desde a data em que o AA foi preso, e que o fez apenas porque o seu veiculo se encontra na oficina para reparação de uma avaria na caixa de velocidades. Relativamente à droga apreendida na posse do DD, disse o interrogado que cerca de uma semana após o AA ter sido preso, a BB abordou o interrogado e disse-lhe que a droga daqueles dois (do AA e da BB) estava na garagem da casa QQQQ, ex-marido da BB, pai da GGGG e do DD, ao que o depoente lhe perguntou o porquê de terem ido colocar a droga naquela casa, a BB disse-lhe que não havia mal, dado que o QQQQ trabalhava de manhã à noite e não ia dar conta da droga e ali não havia problema com a polícia, dado serem pessoas que trabalhavam, não iam levantar suspeita, pelo que presume que o QQQQ não soubesse de nada, assim como o DD. Questionado respondeu que não sabe quem colocou aquela droga na garagem, esclarecendo que ali se encontram três cães e que o maior deles é bem conhecido da BB, por já ter estado em casa desta. Respondeu que o AA não frequenta a casa do QQQQ, nem ali terá estado, e que a BB também não frequenta aquele local, mas ali esteve pelo menos uma vez. Disse que a BB fala com o QQQQ, que não tem uma má relação, mas que o QQQQ apenas vai a casa para dormir, o que é do conhecimento da BB. Questionado disse que por curiosidade e porque a BB lhe disse onde estavam guardados, foi à garagem da casa do QQQQ e do DD, onde no armário da garagem viu dois ovos, um com heroína e outro com cocaína, que deixou ali ficar, sem que o DD se tivesse apercebido e QQQQ também não viu. Dias mais tarde o DD levou a droga para o interior de casa, guardando-a na gaveta da mesa de cabeceira de um quarto desocupado, onde presume que tenha sido apreendida e, em conversa com o aqui arguido, questionou-o sobre aquele estupefaciente, ao que o depoente lhe disse que era do AA, conforme lhe foi dito pela BB. Questionado disse que a mando da BB, o depoente efetuou uma entrega de estupefaciente ao HH, esclarecendo que a BB lhe ligou e disse-lhe para ir a sua casa, levar ao HH 4 da mais branca e 3 da mais escura. O depoente nunca se havia visto em assuntos de drogas, mas como andava com o carro do AA, por obrigação aceitou e foi levar à casa da BB, 4 pedras de cocaína e 3 pacotes de heroína, produto que entregou ao HH, que aguardava no cruzamento perto da casa da BB. Questionado disse que o fez a mando da BB e que não recebeu dinheiro nenhum por isso, esclarecendo que retirou o produto que veio a entregar da gaveta de mesa de cabeceira do quarto da casa do QQQQ. Esta foi a única vez que entregou estupefaciente directamente ao HH, sendo que posteriormente a BB lhe contou que o HH foi detido no estabelecimento prisional ... quando pretendia entrar com o estupefaciente para entregar ao AA. Mais disse que por mais três ocasiões a sua sogra lhe pediu para lhe levar droga, foi sempre 4 pedras de cocaína e 3 pacotes de heroína. A primeira vez coincidiu com a detenção do HH no estabelecimento prisional .... Numa segunda vez, a pedido da BB levou-lhe estupefaciente que aquela depois entregou ao HH. Das duas outras vezes o ora arguido também entregou o estupefaciente à BB e ela a que depois lhe deu destino. Mais disse que numa outra ocasião a BB lhe pediu mais ou menos a mesma quantidade de estupefaciente, referindo-se a 4 de cocaína e 3 de heroína, o que o depoente fez, levando-lhe a droga, sendo que dois dias depois soube que essa droga foi para o RRRR fazer chegar ao AA na Prisão durante a visita, pois foi a BB quem lhe disse. Mais disse que, na quarta ocasião, combinou ir visitar o AA à prisão, e a BB pediu-lhe que levasse o RRRR. Aquela disse-lhe para levar o RRRR, com o intuito daquele entregar droga ao AA na cadeia. A pedido da BB, o depoente levou novamente estupefaciente da casa do QQQQ e entregou-lho. Seguidamente, foram buscar o RRRR, para irem à visita ao AA, sendo que já no carro, a BB deu a droga ao RRRR e aquele escondeu-a, não viu o depoente onde e em seguida foram visitar o AA, tendo nesse dia ido visitar o AA com a BB, a GGGG e o RRRR, enquanto que a BB aguardava no carro, sendo que durante a visita o RRRR terá entregado a droga ao AA, sem que o depoente se tivesse apercebido, referindo que no fim da visita o RRRR ia falar com a BB. Disse que o RRRR, mora perto da casa da BB, numa Rua em paralelos, esclarecendo que não tem qualquer confiança com o mesmo. Questionado disse que a GGGG, é alheia a estes factos, nada sabe sobre os mesmos, esclarecendo que as conversas com a BB nunca foram presenciadas pela GGGG, nem esta foi informada do que se passava, sendo que a BB aproveitava os momentos em que o EE a transportava de automóvel para conversar sobre estes assuntos. Ainda esclarece que das quatro ocasiões em que manuseou o estupefaciente, foi sempre a mando da BB, sem que tenha recebido qualquer vantagem. Ainda disse que leu numa carta que o AA enviou à BB através da sua companheira GGGG, onde o mesmo o mandava ligar com voz de mau a consumidores que deviam dinheiro ao Arguido, para que pagassem, ao que o depoente ao ler a carta disse logo à BB que não ia fazer aquilo. Questionado se acompanhava o AA nas entregas, disse que numa ocasião foi a uma casa presume que em ..., onde o AA deu droga a umas raparigas que ali viviam e depois esteve também a consumir com elas. Foi nessa ocasião que o aqui arguido soube que o AA se dedicava à venda de estupefaciente, apesar de não ter visto as mulheres pagarem. Interpelado sobre a carta do II, dirigida à BB, na qual aquele sugeria à BB para que o depoente arranjasse meia placa de haxixe, cartões de telefone e telemóveis, para a fazer chegar ao estabelecimento prisional ..., o depoente disse que não fez nada daquilo que ali era pedido. Disse estar arrependido do que fez alegando nunca ter recebido nada em troca, afirmando que o fez por se tratar da mãe da sua companheira e por se sentir obrigado a retribuir o favor de lhe emprestar a Renault Laguna, veiculo que continua a utilizar porque o seu ainda não está reparado.
O arguido DD, prestou declarações ouvido em sede de inquérito, perante Magistrado do Ministério Público e disse que é filho da arguida BB, é irmão da GGGG e não tem relação familiar com os demais arguidos. Confrontado com o auto de apreensão de fls. 1648 a 1649, confirma o que ali consta descrito, tratando-se de substância e equipamento telefónico que são de sua propriedade. Confrontado com o auto de busca e apreensão de fls. 1650/1651, e com o relatório fotográfico de fls. 1652 a 1654, confirma o seu teor, tanto no que diz respeito aos objectos apreendidos e à forma em que foram encontrados e se encontravam acondicionados, bem como dá aqui por reproduzidas as declarações prestadas informalmente aos Militares responsáveis pela busca. Á pergunta feita, responde que descobriu por acaso o saco com heroína e cocaína no armário da garagem, retratado a fls. 1654, e que apesar de não consumir aqueles produtos, sabia qual a sua natureza. Que vive com o pai naquela habitação, e que actualmente a sua irmã GGGG, já ali habita há cerca de um ano e meio, apesar de manter alguns pertences pessoais num dos quartos da residência. Disse que no dia em que encontrou a heroína e a cocaína, percebeu que o armário da garagem não tinha as portas posicionadas como habitualmente as deixa, sendo que foi essa circunstância que o levou à descoberta daqueles produtos. Respondeu que guardou o saco azul no quarto que pertenceu à sua irmã, e onde aquela continua a ter objectos pessoais, porque, sabendo que não pertenciam ao seu pai, presumiu que aquelas substâncias ali tivessem sido deixadas pela sua irmã, pelo EE ou pelo AA. À pergunta feita, respondeu que a sua mãe não frequenta aquela casa, nem tem acesso á garagem, mas que a sua irmã e o EE, sempre que querem tem acesso à casa e costumam lá ir almoçar alguns dias. Respondeu que o AA também não frequenta a casa, mas que acompanhava diariamente o EE, e apenas na companhia deste poderia ter ido à garagem, porque tem lá três cães que não lhe permitiriam entrar sozinho. Disse que não se recorda da data em concreto, mas que terá encontrado o estupefaciente alguns dias depois do AA ter sido preso e que, no dia seguinte a ter encontrado tais produtos, o EE dirigiu-se à garagem procurando o referido saco. Afirmou que, não o tendo encontrado, perguntou ao ora arguido por aqueles produtos, ao que este informou-o que os havia encontrado e do local onde estavam guardados. Respondeu que indicou e mostrou a gaveta e as substâncias ao EE e que este lhe pediu que ali as deixasse guardadas, tendo o ora arguido acedido ao pedido. Questionado disse que o EE poderá ter levado parte do estupefaciente em pelo menos em uma ou duas ocasiões em que ali se dirigiu quando o ora arguido estava presente, mas que aquele tem acesso à residência sempre que quer e pode lá ter ido quando o ora arguido está ausente. Relativamente a entregas de estupefacientes a consumidores, respondeu que nada sabe e que o seu contacto com este tipo de estupefaciente se resume às situações que acabou de descrever. No que respeita ao haxixe que lhe foi apreendido, respondeu que foi por si adquirido na festa em .../... a uma pessoa que não sabe identificar, e destinava apenas ao consumo próprio. Esclareceu que é consumidor de haxixe há cerca de quatro anos, consumindo não mais do que um charro por dia. A respeito da munição que lhe foi apreendida, afirmou que a encontrou caída na rua em local que já não se recorda, há mais de seis meses e sabia que não podia a ter em sua posse, mas ficou com ela com intenção de retirar a pólvora e fazer um colar, usando-a como pendente. Questionado sobre a sua situação socioeconómica, refere que: - vive com o pai, ajudando a pagar as despesas de casa e contribuindo nas despesas dos cães; - é fiel de armazém, trabalhando na empesa "J..." em ..., há cerca de um ano, auferindo o salário mínimo nacional.”
IV. Apreciação dos recursos:
4.1 – Dos factos genéricos e conclusivos:
No caso em análise, a recorrente BB impugna a matéria de facto dos pontos 3. na parte “sendo apoiado pela arguida BB”, 4., 5., 6., 7., 8., 9., 11., 12., 49., 50., 52., 53., 67., 68., 69., 72., 78., 79., 80., 81., 82., 84., 89., 90., 92., 100., 101., 104 e 105, dizendo que não foi corretamente apreciada e que deveria ter sido dada como provada no que respeita à actuação da arguida.
Concretiza, depois, na conclusões II a VIII, que a descrição factual que consta em tais normativos “não satisfaz minimamente as exigências do art. 283.º n.º 3 b) do C.P.P e art. 32.º n.º 2 e 5 da CRP, em clara violação dos direitos de defesa da arguida.”
E argumenta: “Com efeito, é necessário àquelas garantias de defesa que os arguidos conheçam na sua real dimensão, ou seja com indicação precisa, os factos dos quais vem acusados para que dos mesmos se possam verdadeiramente defender. E nesses termos, a acusação contem sob pena de nulidade a narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ou de uma medida de segurança incluindo se possível, o lugar, o tempo, e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada. Não sendo assim admitidas formulas gerais, imprecisas, vagas e difusas.”
Não lhe assiste, contudo, qualquer razão.
Antes de mais, cumpre referir que se entende que as imputações genéricas não integram vício processual (art. 410.º/2), nem erro de julgamento da matéria de facto (art. 412.º/3), antes pertencem à constelação da matéria de direito.
(neste sentido, Ac. do STJ de 17-12-2020, Processo: 2081/18.1T8EVR.S1, in www.dgsi.pt)
O n.º 2 do art.º 32 da CRP postula que “Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa.”
Já o n.º 5 estabelece que: “O processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório.”
O critério normativo da concretização dos factos colhe-se no art. 243.º, 1/a/b e art. 283.º n.º 3, al. b) do CPP.
Como vem sendo pacificamente entendido pela jurisprudência (e merece a nossa concordância), as imputações conclusivas, genéricas, abrangentes e difusas, habitualmente com recurso a expressões vagas, imprecisas, nebulosas e obscuras, por não serem passíveis de um efetivo contraditório e, portanto, do direito de defesa constitucionalmente consagrado, devem ter-se como não escritas.
Na seleção da matéria de facto, seja provada ou não provada, o tribunal deve ater-se a factos, entendidos estes no sentido naturalístico e histórico, como acontecimentos ou comportamentos devidamente individualizados ou localizados no espaço e no tempo, não se devendo aí incluir conceitos de direito, proposições normativas, juízos de valor e imputações conclusivas, genéricas, abrangentes e difusas. As asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante.
E o Supremo Tribunal de Justiça, em matéria de tráfico de droga, partindo do enunciado normativo, tem jurisprudência firmada no sentido de que constituem imputações genéricas, a impedir o exercício do direito de defesa e o contraditório, a imputação de factos sem indicação do lugar, sem delimitação temporal, sem indicação do grau de participação de cada arguido, nem as circunstâncias em que, por exemplo, o produto estupefaciente foi vendido (acórdãos de 6.05.2004, SANTOS CARVALHO, de 15.12.2011, RAÚL BORGES, de 11.07.2019 HELENA MONIZ e de 21.02.2007 Processo: 06P4341, in www.dgsi.pt)
Não é essa a situação dos autos.
Lida a factualidade dada como provada, não se compreende que a mesma seja vaga e genérica: nela se traça a panorâmica geral em que se desenvolveu a atividade de tráfico (factos 1 a 12 - quem, como, onde e em que período temporal) e depois concretizam-se os atos de tráfico da arguida, com referências a datas (com a possível concretização) e identificação de consumidores que compraram estupefacientes e a periodicidade em que o faziam e a espécie de estupefacientes adquiridos e o local onde o faziam, sendo que actividade de tráfico levada a cabo pelo arguido AA e pelos co-arguidos CC, FF, EE, GG, DD e HH, descrita nos factos prvados é também imputável à arguida BB, em co-autoria com aqueles.
A factualidade descrita na acusação e dada como provada possibilitou à arguida fazer prova ou ao menos instalar a dúvida, de que não foi ela quem praticou tais actos.
Concordamos com a posição jurisprudencial e doutrinária no sentido de que não se pode prescindir de uma descrição que balize as condutas num concreto espaço físico e temporal e que sejam indicadas condutas que permitam, com um grau de segurança, que o arguido as identifique, de forma a poder defender-se. Contudo, relativamente ao momento e lugar da prática do crime, não tem necessariamente de se indicar uma concreta data e sítio. Particularmente quando estamos em face de factos repetidos e prologados no tempo, em que não é possível a reconstituição das datas em que ocorreu a sucessão de cada um dos eventos delituais mas tão só o período de tempo em que sucedeu, esta conduta reiterada torna-se identificável pela defesa, pelo que basta para a identificação do facto e sua singularização como tendo ocorrido em certo período de tempo. Será dessa reiteração que o arguido se irá defender.
Temos de ter a consciência de que que, nos casos de tráfico de estupefacientes, em que a conduta de compra e venda foi repetida no tempo (diária ou várias vezes por semana), não é exigível a ninguém, que fixe/memorize o dia e o lugar concretos em que ocorreu cada um dos atos, não sendo por isso que deixaram de ser penalmente relevantes.
E, tal como resulta da ata de julgamento, os meios de prova apresentados pela acusação foram submetidos ao normal contraditório na audiência, sem que a arguida tenha em algum momento feito um qualquer requerimento invocando a violação de regras processuais ou de direitos.
Concluindo: satisfeitos os critérios da singularidade do facto, que permitem a sua identificação pela defesa, fica arredada a crítica relativa ao caráter vago e genérico dos factos provados e, do mesmo passo, a alegada dificuldade do exercício do contraditório. Não ocorre, por conseguinte, a violação do art.º 32º da C.R.P. e dos artigos 127 e 283 do CPP.
Em razão do exposto, improcede este segmento do recurso.
*
4.2 - Da impugnação da matéria de facto:
Como resulta do disposto no artigo 428º, nº 1, do Código de Processo Penal, os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito, do que decorre que, em regra e quanto a estes Tribunais, a lei não restringe os respetivos poderes de cognição.
A matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, no que se denomina de «revista alargada», que são vícios que traduzem defeitos estruturais da decisão penal e não do julgamento e no âmbito da impugnação ampla da matéria de facto, a que se reporta o artigo 412º, nos 3, 4 e 6, do mesmo diploma legal, caso em que a apreciação se alarga à análise da prova produzida em audiência, dentro dos limites fornecidos pelo recorrente, só podendo alterar-se o decidido se as provas indicadas obrigarem a decisão diversa da proferida.
Enquanto que o primeiro envolve apenas o texto da decisão, o segundo implica já a apreciação da prova produzida ou examinada em audiência de julgamento.
Sobre a impugnação ampla, há que salientar que o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, sendo antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo que o recorrente deverá expressamente indicar.
Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa.
Assim, cabe ao recorrente o ónus de proceder a uma tríplice especificação, estabelecida no artigo 412.º, n.º3 do C.P. Penal:
“Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.»
A especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorretamente julgados.
A especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.
Finalmente, a especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1ª instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cf. artigo 430º do Código de Processo Penal).
Relativamente às duas últimas especificações, recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na ata e o recorrente tem de indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação (não basta a simples remissão para a totalidade de um ou vários depoimentos), pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (nos 4 e 6 do artigo 412º do Código de Processo Penal), salientando-se que o Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão nº 3/2012, publicado no Diário da República, Iª série, Nº 77, de 18 de abril de 2012, fixou jurisprudência no seguinte sentido:
«Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações».
As menções feitas nas alíneas a), b) e c) dos nos 3 e 4 do referido artigo 412º estão intimamente relacionadas com a inteligibilidade da própria impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto. É o próprio ónus de impugnação da decisão sobre a matéria de facto que não pode considerar-se minimamente cumprido quando o recorrente se limite a, de forma vaga ou genérica, questionar a bondade da decisão fáctica.
Exige-se que o recorrente aponte na decisão os segmentos que impugna e que os coloque em relação com as provas, concretizando as partes da prova gravada que pretende que sejam ouvidas (se tal for o caso), quais os documentos que pretende que sejam reexaminados, bem como quaisquer outros concretos e especificados elementos probatórios, demonstrando com argumentos a verificação do erro judiciário a que alude.
Com efeito, o poder reapreciativo da 2ª instância não é equivalente ao poder original atribuído ao juiz do julgamento, não podendo a sua convicção ser arbitrariamente alterada apenas porque um dos intervenientes processuais expressa o seu desacordo face àquela, pois o poder reapreciativo concedido ao tribunal de recurso não é absoluto nem se reconduz, frisa-se, à realização integral de um novo julgamento da matéria de facto, substituto do já realizado em 1ª instância.
A reapreciação só determinará uma alteração à matéria fáctica provada quando, do reexame realizado dentro das balizas legais, se concluir que os elementos probatórios impõem uma decisão diversa, mas já não assim quando esta análise apenas permita uma outra decisão.
À luz destas considerações, atentemos no caso dos autos e, em concreto, nos recursos interpostos pelos arguidos BB e GG, que versaram também matéria de facto.
a) Recurso da arguida BB:
A recorrente BB impugna a matéria de facto dos pontos 3. na parte “sendo apoiado pela arguida BB,”, 4., 5., 6., 7., 8., 9., 11., 12., 49., 50., 52., 53., 67., 68., 69., 72., 78., 79., 80., 81., 82., 84., 89., 90., 92., 100., 101., 104 e 105, dizendo que não foi corretamente apreciada e que deveria ter sido dada como não provada no que respeita à actuação da arguida..
Concretiza, depois, nas conclusões XIX a XI, que o Tribunal recorrido, “mal andou, ao fundar a sua convicção no teor das declarações dos coarguidos EE e DD, atribuindo-lhes credibilidade que em nosso modesto entendimento, merece censura.
“O que “mina” a força probatória das declarações dos coarguidos reside na possibilidade de suspeição, ou seja no interesse pessoal que os coarguidos podem ter no resultado da sua própria declaração: o arguido incrimina outro, para se defender, para obter um benefício (atenuação ou dispensa da pena).
Vemos que, pese embora indique os factos que impugna (todos os dados como provados), a recorrente não cumpriu as demais exigências do art.º 412 .° 3 e n.° 4 do Código de Processo Penal do CPP, já que não indicou a prova produzida que no seu entender tem a virtualidade de impor, claramente, decisão diversa, limitando-se a discordar genericamente da apreciação que o Tribunal coletivo fez da prova produzida em audiência de julgamento, concretamente da credibilidade que atribuiu à declarações dos co-arguido EE e DD. A recorrente não questiona a legalidade da valoração das declarações prestadas pelos co-arguidos EE e DD, mas entende que o Tribunal não lhes deveria ter conferido credibilidade e que, fazendo-o, não cumpriu o dever de acrescida fundamentação a que estava obrigado.
Aqui, a arguida impugnou a matéria de facto mas, apesar de fazer referência a depoimentos de co-arguidos - que no seu entender foram incorretamente valorados, por não se lhes poder atribuir credibilidade - limitou-se a dar a sua visão pessoal da prova e das conclusões a que, a seu ver, o Tribunal a quo deveria ter chegado.
Ora, a especificação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, como acima se assinalou, obriga à indicação do conteúdo específico do meio de prova que acarreta decisão diversa da recorrida, a que acresce a necessidade de explicitação da razão pela qual essa prova implica essa diferente decisão, devendo, por isso, reportar o conteúdo específico do meio de prova por si invocado ao facto individualizado que considere mal julgado.
E a forma como a arguida colocou em causa a factualidade provada não preenche, como vimos acima, o ónus de impugnação, já que a recorrente não demonstra, minimamente, que exista prova que "imponha" a este tribunal de recurso uma decisão diversa da decisão recorrida (cfr. o disposto na al. b) do no 3 do artigo 412º do C. P. Penal).
Assim, a arguida impossibilitou o efectivo conhecimento da impugnação ampla da matéria de facto.
Não pode haver lugar, nestas situações, ao convite ao aperfeiçoamento no sentido da arguida acrescentar nas conclusões as especificações que não fez na motivação, já que tal equivaleria à concessão de novo prazo para recorrer, o que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso – neste sentido, vd. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07.10.2004, e os Ac TC n.º 259/2002, de 18.06.2002, e 140/2004, de 10.03.2004, in www.tribunalconstitucional.pt.
Em suma: não tendo a arguida cumprido o ónus imposto no artigo 412º, nº 3, alíneas a) e b) e nº 4, este Tribunal não pode reexaminar amplamente a matéria de facto fixada pelo Tribunal recorrido, impondo-se a rejeição do recurso neste segmento.
*
Tal não significa, contudo, que este Tribunal da Relação esteja desobrigado de sindicar o Acórdão recorrido na parte relativa à decisão da matéria de facto, podendo e devendo fazê-lo através da análise do seu texto, perscrutando se enfermará de um eventual erro notório na apreciação da prova (ou de outro vício) que possa ter condicionado a demonstração dos factos que se encontram impugnados no recurso.
Os recursos da matéria de facto deficientemente interpostos são de facto aproveitáveis como arguição de vício de sentença, mesmo que o recorrente não os refira expressamente, pois estes, a existirem, sempre seriam de conhecimento oficioso.
E as menções genéricas feitas pela arguida remetem-nos para o erro notório da apreciação da prova, a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Penal.
Como decorre expressamente da letra da lei, este vício tem de dimanar da complexidade global da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso, portanto, a quaisquer elementos que à dita decisão sejam externos, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução ou até mesmo o julgamento, salientando-se também que as regras da experiência comum, no dizer de Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, Verbo, 2011, Vol. II, pág.188), “são generalizações empíricas fundadas sobre aquilo que geralmente ocorre. Têm origem na observação de factos, que rotineiramente se repetem e que permite a formulação de uma outra máxima (regra) que se pretende aplicável nas situações em que as circunstâncias fáticas sejam idênticas. Esta máxima faz parte do conhecimento do homem comum, relacionado com a vida em sociedade.” (…) “não são senão as máximas da experiência que todo o homem de formação média conhece, englobando as regras da lógica, os princípios da experiência e os conhecimentos científicos”.
Trata-se de vícios da decisão, não do julgamento, umbilicalmente ligados aos requisitos da sentença previstos no artigo 374.º, n.º 2, do CPP.
Explica-se no Acórdão do STJ de 27.05.2010, in ECLI:PT:STJ:2010:18.07.2 GAAMT.P1.S1. 3B:
“O erro-vício não se confunde com errada apreciação e valoração das provas. Tendo como denominador comum a sindicância da matéria de facto, são muito diferentes na sua estrutura, alcance e consequências. Aquele examina-se, indaga-se, através da análise do texto; esta, porque se reconduz a erro de julgamento da matéria de facto, analisa-se em momento anterior à produção do texto, na ponderação conjugada e exame crítico das provas produzidas do que resulta a formulação de um juízo, que conduz à fixação de uma determinada verdade histórica que é vertida no texto; daí que a exigência de notoriedade do vício se não estenda ao processo cognoscitivo/valorativo, cujo resultado vem a ser inscrito no texto. A invocação do erro notório na apreciação da prova só é possível e viável quando reportado ao texto da decisão e não se direccionado ao modo de valoração das provas (…)”
Nesta medida, só existe erro notório na apreciação da prova quando do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta, com toda a evidência, a conclusão contrária à que chegou o Tribunal, ou seja, quando se dão como provados factos que, face às regras da experiência comum e à lógica corrente, não se teriam podido verificar ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsos, isto é, quando se dá como provado um facto com base em juízos ilógicos, arbitrários ou contraditórios, claramente violadores das regras da experiência comum das regras probatórias ou das “legis artis”.
(cf. ainda Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 4.2.2020, ECLI:PT:TRE: 2020:60. 16.2GEBNV.E1.B7 e Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed. pg. 341).
Em todos os casos, estaremos sempre perante um erro notório, grosseiro, evidente, que não escapa ao homem comum, facilmente constatável pelo observador médio.
Nessa apreciação dos vícios do art.º 410, n.º 2 do CPP, temos de ter presente que no julgamento da matéria de facto vigora o princípio da livre apreciação da prova, previsto no art. 127º do C. Processo Penal, segundo o qual, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, sendo essa valoração da prova obrigatoriamente expressa na fundamentação da sentença (artigos 374º, nº 2, CPP e 205º, nº 1, da CRP).
Ao Tribunal Superior cumpre verificar a existência da prova e controlar a legalidade da respectiva produção, nomeadamente no que respeita à observância dos princípios da igualdade, oralidade, imediação, contraditório e publicidade, verificando, outrossim, a adequação lógica da decisão relativamente às provas existentes. E só em caso de inexistência de provas para se decidir num determinado sentido, ou de violação das normas de direito probatório (nelas se incluindo as regras da experiência e/ou da lógica) cometida na respectiva valoração feita na decisão da primeira instância, esta pode ser modificada, nos termos do artigo 431º do Código de Processo Penal.
In casu, na verdade, a discordância da recorrente centra-se no modo como o tribunal a quo apreciou a prova, designadamente na credibilidade que atribuiu às declarações prestadas em julgamento pelos co-arguidos DD e EE.
Ora, as declarações de co-arguido consubstanciam um meio probatório permitido, com a limitação do art.º 345º, n.º 4 do CPP.
O art. 133º do CPP apenas proíbe que os arguidos sejam ouvidos como testemunhas uns dos outros, ou seja, que lhes seja tomado depoimento sob juramento, mas não impede que os arguidos de uma mesma infracção possam prestar declarações no exercício do direito, que lhes assiste, de o fazerem em qualquer momento do processo.
O co-arguido pode, assim, prestar declarações sobre factos de que possua conhecimento directo e que constituam objecto da prova, ou seja, tanto sobre factos que só a ele digam directamente respeito, como sobre factos que respeitem a outros arguidos.
A única questão que neste recurso é levantada é a da credibilidade dos depoimentos dos coarguidos e da alegada necessidade de “corroboração por outras provas” e de “um acrescido dever de fundamentação” por parte do Tribunal, o que, in casu, diz a recorrente, não ocorreu.
Ora, segundo se entende, rege aqui o princípio geral de apreciação probatória, sem que qualquer tabelamento probatório seja normativamente imposto, pelo que a credibilidade de tal depoimento apenas em concreto, em face das circunstâncias em que é produzido, é que pode ser avaliada. Dizer em abstracto e genericamente que o depoimento do co-arguido só é válido se for acompanhado de outro meio de prova é uma subversão das regras da produção de prova, sem qualquer apoio na letra ou espírito da lei.
O entendimento dominante no nosso STJ tem sido esse, de que é exemplo o Ac. de 12-03-2008, Processo: 08P694, in www.dgsi.pt:
“ O que não é admissível é a criação de regras abstractas de apreciação da credibilidade retornando ao sistema da prova tarifada, opção desejada pelo sistema inquisitorial. Assim, dizer em abstracto e genericamente que o depoimento do coarguido só é válido se for acompanhado de outro meio de prova é uma subversão das regras da produção de prova sem qualquer apoio na letra ou no espírito da lei.
(…)
É evidente que, tal como em relação ao depoimento da vítima, é preciso ser muito cauteloso no momento de pronunciar uma condenação baseado somente na declaração do coarguido porque este pode ser impulsionado por razões aparentemente suspeitas tal como o anseio de obter um trato policial ou judicial favorável, o animo de vingança, ódio ou ressentimento ou o interesse em auto exculpar-se mediante a incriminação de outro ou outros acusados. Para dissipar qualquer dessas suspeitas objectivas é razoável que o coarguido transmita algum dado externo que corrobore objectivamente a sua manifestação incriminatória com o que deixará de ser uma imputação meramente verbal e se converte numa declaração objectivada e superadora de uma eventual suspeita inicial que pesa contra a mesma. Assim, estamos em crer que é importante, em sede de credibilização do depoimento que o mesmo seja corroborado objectivamente.
Não se trata de á partida de criar, em termos abstractos, uma exigência adicional ao depoimento do coarguido incriminatório dos restantes arguidos em termos de admissibilidade como meio de prova, entrando, como já se afirmou, num zona de uma inadmissível prova tarifada, mas sim de uma questão de credibilidade daquele depoimento em concreto. Não se pode deixar de referir que numa posição de menor exigência se situa Viegas Torres quando, em relação ao sistema judicial espanhol, refere que o valor probatório da declaração incriminatória de um coimputado tem sido discutido alegando-se que estes testemunhos são, em geral interessados e pouco ou nada objectivos. Frente a tais afirmações, afirma, a jurisprudência afirmou, com carácter geral a validade probatória das declarações de coimputados. A jurisprudência parece considerar que não é regra geral a presença de factores que tirem a necessária objectividade ao testemunho do coimputado pelo que não há razões para negar valor probatório ao dito testemunho.A excepcional concorrência de circunstâncias que podem afectar a fiabilidade da declaração incriminatória de um coimputado terá de apreciar-se caso por caso O depoimento do coarguido pode destruir a presunção de inocência dos restantes desde que o tribunal se convença de que o mesmo é credível.
Será, pois, a nível de valoração em concreto do depoimento produzido que se coloca a questão da relevância do depoimento do arguido. Como refere Carlos Clement Duran a imputação que um coacusado realiza contra outro coacusado tem o grande atractivo de que a faz quem aparece como um directo conhecedor do facto em juízo e incluso nada perde ou ganha ao incriminar o coacusado porque, assim, está a assumir a sua própria responsabilidade penal. Porém pelo seu próprio peso específico já que as possibilidades defensivas do incriminado são reduzidas importa um juízo crítico rigoroso sobre o valor de tal imputação e que permita concluir que a incriminação que a mesma contem não corresponde a um interesse espúrio. Compreende-se, assim, a importância que se atribui ao facto de tais manifestações incriminatórlas estarem acompanhadas de algum dado ou elemento de carácter objectivo que lhes dê credibilidade e devam ser uniformes e reiteradas, evidenciando a credibilidade do acusado que as realiza.
Na esteira do Autor citado entendemos que a credibilidade do depoimento incriminatório do coarguido está na razão directa da ausência de motivos de incredibilidade subjectiva o que, na maioria dos casos, se reconduz á inexistência de motivos espúrios e á existência de uma auto inculpação. Igualmente assume uma real importância a concorrência de corroborações periféricas objectivas que demonstrem a verosimilhança da incriminação.”
No caso em apreço os co-arguidos EE e DD prestaram declarações em audiência de julgamento e foram sujeitos ao “cross-examination” e o Tribunal a quo entendeu que tais arguidos “revelaram ter conhecimento seguro dos factos sobre que depuseram e conjugados com as regras da experiência, os autos de apreensão/buscas, relatórios de vigilância, se afigurou deporem de forma séria, verdadeira e coerente e assim permitiram formar uma dada convicção conscienciosa, disso persuadindo, no preciso sentido dado como provado.”
Mas vemos ainda - lendo a motivação - que o Tribunal coletivo recorrido valorou, para formar a sua convicção, outros meios de prova, para além das declarações dos co-arguidos: intercepções telefónicas, exames periciais, documentos (v.g. relatórios de vigilância e de diligência externa, documentos bancários, cartas, informações da SS e da CGA, registos de visita, autos de notícia autos de apreensão, autos de buscas, CRC, relatórios sociais) e depoimentos de testemunhas, que foram inquiridas em julgamento, conjugando tal prova, raciocinando sobre ela à luz das regras da experiencia e do normal acontecer, de verosimilhança dos factos, de lógica, beneficiando esse mesmo Tribunal dos princípios da oralidade e da imediação da prova, e que o levou a formular a convicção sobre a veracidade da respectiva factualidade dada como assente.
O Tribunal Colectivo da 1ª instância explicitou, de forma clara e detalhada, quais os concretos meios probatórios e os motivos pelos quais valorou as provas naquele sentido e lhes atribuiu aquele significado global e não outro.
E a atribuição de credibilidade, ou não, a uma fonte de prova testemunhal ou por declarações, tem por base uma valoração do julgador que, enquanto fundada na imediação e na oralidade (nessa medida), o tribunal de recurso, em rigor, só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face às regras da experiência comum.
No caso, a atribuição de credibilidade às declarações dos co-arguidos não afronta qualquer regra de vida, contrariamente ao defendido pela recorrente.
E vemos até que os outros meios de prova de prova valorados pelo Tribunal Coletivo corroboram a versão dos factos trazidas pelos co-arguidos DD e EE, estando por isso até respeitado tal “requisito” de credibilização a que alude a recorrente na motivação do recurso:
Mas argumenta ainda a recorrente BB que nem ela, nem o arguido AA tinham acesso à casa e que, segundo os coarguidos EE e DD, há na casa cães de grande porte, o que obstaculizaria à entrada.
Contudo, há que notar que a existência de vários cães de grande porte em casa do DD não consta do elenco dos factos provados.
Diremos ainda - de forma ociosa, é certo - que consta da fundamentação da sentença que o arguido EE declarou saber que o cão de maior porte “é bem conhecido da BB por já ter estado em casa desta”, o que também arreda os argumentos da recorrente.
Alega também a recorrente que: “Não é sequer crível que os arguidos BB e AA, que não vivem naquela casa lá fossem colocar um saco com droga, nem armário da garagem e que o arguido DD por acaso o tenha encontrado _ afirmação do coarguido DD: “descobriu por acaso o saco com heroína e cocaína no armário da garagem, retratado a fls. 1654”.Dizem-nos as regras da experiência e da mais elementar lógica que quem “se dedica ao tráfico de estupefacientes” não vai guardar o produto estupefaciente em local ao qual corre o risco de não conseguir aceder _ quando na garagem da casa há cães de grande porte, os quais não conhecem sequer o arguido AA e não lhe permitem ter lá acesso (artigos 30 a 33).
Esbarra esta argumentação desde logo no facto de o arguido DD ser filho da arguida BB, sendo por isso consentâneo com as regras da experiência e do normal acontecer que a arguida tivesse acesso à casa do filho. Por outro lado, e uma vez que estamos a falar numa conduta que ocorreu após a realização de uma busca à residência da arguida, à sua sujeitção a interrogatório judicial e à sujeição do companheiro, o co-arguido AA, à medida de coação de prisão preventiva, é efetivamente credível que a arguida, assustada, tenha decidido esconder o produto estupefaciente que detinha em casa do filho, onde estava convicta que a Polícia não iria e sem dar disso conhecimento ao filho para não o envolver num comportamento criminoso. Por fim, vejamos que resulta da factualidade provada que, no esquema montado pela arguida, não era ela a deslocar-se a casa do DD, mas sim o genro, o co-arguido EE, e que este – demonstra-o os factos provados - entrava e a saía com facilidade da referida casa. Diga-se ainda que não desafia nenhuma regra de lógica ou de experiência que o habitante de uma casa encontre objetos na garagem.
Considerando o exposto, não se verificam quaisquer razões objetivas que justifiquem a modificação da matéria de facto provada (impugnada) e determinem o afastamento do raciocínio lógico desenvolvido pelo tribunal a quo. Ao invés, a fundamentação da convicção do Tribunal existe e, em conjugação com a matéria de facto fixada, não se revela notoriamente errada, ilógica, contrária às regras da experiência comum, sem recorrer, nessa apreciação, ao mínimo uso de qualquer arbítrio, capricho ou preconceito.
Assim sendo, não compete a este tribunal ad quem censurar a decisão recorrida com base na convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida, sob pena de se postergar o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127º do CPP.
Tudo para concluir que a sentença (o acordão) não padece do vício do erro de apreciação da prova no que respeita aos factos impugnados pela arguida BB, improcedendo o recurso desta arguida neste segmento.
*
b) arguido GG:
O recorrente GG impugna a matéria de facto constante dos artigos 78 a 83, 89 a 92, 100 a 104 e 106 a 108, que entende que deve ser dada como não provada, por não existir nenhum elemento probatório que suporte tal decisão (conclusões 1 a 35).
Argumenta o recorrente que não se entende “a partir de que elementos se dá como provadas as entregas do Arguido EE ao ora Recorrente, na medida em que não só não resulta de nenhum dos elementos valorados, como é expressamente negado pelo Arguido EE, que confirma ter efectuado outras transações”
E diz ainda:
“a ter ocorrido, não provaria a prática de qualquer ilícito criminal por parte do ora Recorrente, tanto mais que, assim como consta do Acórdão, este era consumidor de produto estupefaciente, estando por isso justificada a eventual recepção deste tipo de artigo”.
Mais: “da leitura de tais missivas, não resulta qualquer plano para introdução de produto estupefaciente dentro do estabelecimento prisional ..., mas apenas que o Arguido AA questiona a Arguida BB acerca do ora Recorrente.
Vejamos,
Na carta datada de 28 de março de 2023, a fls. 1606 e ss., o Arguido AA escreve “O RRRR já está em casa? Ou como é que ele está? Se ainda lá está vai lá vê-lo e fala com ele, para saber como é”.
Na missiva de 29 de março de 2023, a fls. 1609 e ss., o Arguido AA escreve “tenta saber como é que está o RRRR e como está o resto todo, nem que tenhas de lhe ligar ou ir lá vê-lo e vê como falas.”
Por fim, na carta de 04 de abril de 2023, a fls. 1612 e ss., o Arguido AA escreve “e o que foi que disse o RRRR afinal de contas?”.
Em nenhuma destas missivas se encontra a mínima referência ao tráfico de estupefacientes, muito menos em moldes que façam supor a tentativa de inserção daqueles produtos no estabelecimento prisional através do ora Recorrente.
Pelo contrário, estas comunicações encontram justificação na utilização do nome do ora Recorrente num contacto telefónico utilizado pela Arguida BB, que se encontrava impedida de contactar com o Arguido AA, como aliás resulta do ponto 71 da factualidade provada.
Ademais, ainda que assim não fosse, e fosse verdadeiramente intenção dos arguidos AA e BB introduzir produto estupefaciente naquele estabelecimento prisional através do Recorrente, o facto é que tal não prova que este tivesse acedido a participar de tal plano”
Indica ainda as passagens do depoimento do arguido EE gravado na audiência de dia 16/05/2024, com início às 11h04 e fim às 12h12, a partir do minuto 25:13 que, no seu entender, impunham decisão distinta da que foi tomada pelo Tribunal Coletivo.
Ora, lendo a motivação do Acórdão recorrido, vemos que o Tribunal recorrido fundou a convicção num conjunto de meios de prova que indicou e que conjugou tal prova e analisou-a, num raciocínio lógico e dedutivo.
Há que aferir, então, se a prova que é agora indicada pelo recorrente inquina, invalida, o raciocínio do Tribunal a quo.
Lendo as declarações prestadas pelo co-arguido EE em sede de inquérito perante o M.º P.º e ouvindo aquelas que prestou em audiência de julgamento (que foram integralmente ouvidas por este Tribunal e não apenas nos segmentos indicados pelo recorrente), vemos que relata que, depois da detenção do arguido AA e a pedido da sogra, a co-arguida BB, foi efetivamente por quatro vezes buscar cocaína e heroína a casa do co-arguido DD (seu cunhado).
De uma dessas vezes, também a pedido da arguida KKKK, entregou os 4 pacotes de heroína e 3 de cocaína ao arguido HH.
Nas outras 3 vezes, entregou-os à arguida BB.
Acrescentou que a arguida BB lhe contou que o estupefaciente que lhe havia entregado numa dessas vezes foi por ela posteriormente dado ao “RRRR” - diminutivo pelo qual era conhecido o arguido GG – para que este o fizesse chegar ao arguido AA, no interior do estabelecimento prisional ....
Contou também este arguido que numa determinada altura a arguida BB lhe pediu ainda para ele, quando visitasse o arguido AA no EP, levar consigo o “RRRR” (o arguido GG). Assim, no dia em que ia visitar ao arguido AA, começou por ir buscar produto estupefaciente a casa do DD e entregou -o à BB. Logo de seguida, foram os dois buscar o “RRRR” e, ainda no interior do veículo em que todos seguiam, a BB entregou esse produto estupefaciente ao “RRRR”, que o guardou em local que desconhece. Dirigiram-se todos no carro (ele, o “RRRR”, a BB e a GGGG – que é sua companheira e filha da BB) para o estabelecimento prisional ..., a fim de visitar o arguido AA, sendo que a arguida BB ficou no exterior, uma vez que lhe tinha sido aplicada a medida de coacção de proibição de contactos com o arguido AA. Não viu onde o RRRR escondeu o produto estupefaciente, nem o viu a proceder à entrega do mesmo ao arguido AA.
Argumenta no entanto o recorrente GG que as declarações do arguido EE não são credíveis, já que declarou em inquérito que, a primeira vez que recolheu e entregou produto estupefaciente, coincidiu com a detenção do arguido HH (ocorrida a 3/05/24) o que, salienta, é incompatível com a factualidade provada no Acórdão.
No entanto, a verdade é que as declarações do arguido EE em sede de inquérito e em sede de julgamento não se mostram absolutamente claras e inequívocas quanto às concretas datas em que entregou o estupefaciente à arguida BB (que por sua vez o entregou aos arguidos HH e QQQQ) e ao arguido HH, embora não tenha dúvidas em afirmar que, à BB, tal sucedeu 3 vezes, ao passo que a entrega ao HH de cocaína e heroína ocorreu apenas uma vez. Contudo, note-se, o arguido EE consegue de forma clara concretizar o lapso temporal em que tais entregas ocorreram. E esta imprecisão do co-arguido não é susceptível de abalar a credibilidade que o Tribunal a quo reconheceu às suas declarações, por ser perfeitamente explicável pelo decurso do tempo e pelas próprias regras de funcionamento dos mecanismos da memória.
E este relato mostra-se na realidade corroborado pelo depoimento do co-arguido SSSS e pelo registo de visitas ao estabelecimento prisional constantes de fls. 1497 a 1503 e 1551 a 1558 (de onde resulta o co-arguido GG visitou efetivamente o arguido AA, datando a primeira visita do dia 26 de Abril de 2023 e a segunda do dia 7/5/2023) e pelo teor das cartas enviadas pelo co-arguido AA e apreendidas nos autos a fls. 1606-1621, nas quais faz referência ao aqui recorrente. Assim, lê-se na carta de fls. 1606 e segs. “O RRRR já está em casa? Ou como é que ele está? Se ainda lá está vai lá vê-lo e fala com ele, para saber como é.”, Também na carta junta a fls. 1610 o co-arguido AA escreve: “tenta saber como é que está o RRRR e como está o resto todo, nem que tenhas que lhe ligar ou lá ir vê-lo e vê como falas.”. E na carta datada de 4/04/23 e junta aos autos a fls. 1613 escreve ainda que “Mas fala com a VVV Para dar já algum dinheiro e que diga à WWW a mesma coisa e o que Foi que disse o RRRR afinal de contas?” Tais cartas são de facto compatíveis com o relatado pelo co-arguido EE, de que a arguida BB entregou estupefacientes ao aqui recorrente para que este o introduzisse no EP ... e o entregasse ao co-arguido AA. O envolvimento do aqui recorrente com os arguudo BB e AA não se limitou a permitir que o seu nome fosse associado a um contacto telefónico utilizado pela Arguida BB, que se encontrava impedida de contactar com o Arguido AA.
Também o teor da escuta nº 1727 do apenso 10, embora realizada já em momento posterior, ou seja, em 20/05/24, corrobora tal versão (a BB diz “depois também é preciso levar o RRRR, diz ao teu homem” e “já sabe para que é”) .
Assim, conjugando os supra referidos elementos probatórios, num raciocínio lógico e dedutivo, fundado nas regras da experiência e do normal acontecer, concluímos efetivamente - como o Tribunal Coletivo fez - e acima de qualquer dúvida à qual possam ser dadas razões, que o arguido GG, aqui recorrente, colaborou com a arguida BB e o arguido AA na atividade de tráfico a que estes se dedicavam, indo buscar o produto estupefaciente ao local onde este se encontrava escondido - em casa do arguido DD- e transportando-o e entregando-o à arguida BB e ainda, a mando desta, ao arguido HH.
No entanto, já assiste razão ao recorrente quando alega que não foi efetivamente produzida qualquer prova nos autos de que o arguido EE tivesse alguma vez entregue cocaína e heroína diretamente ao arguido GG:
De facto, o arguido EE afirma perentoriamente nas declarações que presta em inquérito e em audiência de julgamento (na sessão de 16/5/2024, no segmento transcrito pelo recorrente a fls. 3 e 4 da motivação) que tal nunca sucedeu e nenhuma outra prova foi produzida nos autos em sentido distinto.
Aliás, o próprio Tribunal a quo assim o entendeu, dando como provada a factualidade que consta dos artigos 81 a 83 da matéria de facto e que contraria o dado como provado em 79 a).
E, na ausência de qualquer outra prova que tenha sido produzida em sentido contrário, o Tribunal a quo incorreu, pois, em erro na apreciação da prova no que concerne ao ponto 79, alínea a) da factualidade provada, na parte em que ali se diz que o arguido EE entregou produto estupefaciente ao arguido GG.
Que o Tribunal a quo tenha dado como provado tal segmento atribui-se a desatenção, pois não tem qualquer sustentáculo na prova junta aos autos e é contrariada pelos factos 81 e 83, estes sim, correspondentes à prova que se produziu.
Em suma: o recurso é procedente quanto ao ponto 79 a) da matéria de facto, dando-se como não provado o segmento em que se consigna que o arguido EE procedeu à entrega do produto estupefaciente ao arguido GG.
E, deste modo, fica sanada a apontada contradição entre factos provados.
Mas também relativamente aos factos descritos na alínea d) do art.º 79 e no art.º 91 dos Factos Provados, incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento.
De facto, não há nenhum registo no EP ... o arguido GG visitou o arguido AA no dia 20/05/23 (sendo que de acordo com tal registo, a última visita ocorreu a 10/05/23).
Por outro lado, a escuta nº 1727, do alvo n.º 1306070040 – cfr. fls. 18 do Ap. 10a que o Tribunal alude, diz respeito a conversa mantida entre as 21h18m05s e as 21h20m21s do dia 20/05/23 e a essa hora, já o horário das visitas aos reclusos tinha terminado.
Acresce que as declarações do arguido EE são perentórias no sentido de que nunca entregou estupefaciente ao arguido GG.
Em conformidade, na ausência de qualquer outro meio de prova e tendo presente o princípio in dubio pro reo, constitucionalmente fundado no princípio da presunção de inocência, há que dar como não provada tal factualidade
Em consequência, e como sua decorrência lógica, declarar-se-á igualmente como não provado o ponto 92, na parte em que consta “pelo menos, pois, em 4 (quatro outras ocasiões)…”, passando a constar deste ponto “pelo menos, pois, em 3 (três ocasiões)…”
Mas o Tribunal recorrido incorreu ainda em erro de julgamento, ao dar como provado que “o arguido AA, numa das missivas enviadas à arguida BB, gizou um plano para que o arguido GG, durante uma visita ao estabelecimento prisional ..., lhe efectuasse entrega de estupefaciente” (ponto 80 da matéria de facto).
Efetivamente, o teor das missivas, que este Tribunal leu - embora, como acima se referiu já, corrobore as declarações prestadas pelos co-arguidos HH e EE - não nos permite concluir nesse sentido. É certo que do conjunto da prova produzida em audiência podemos deduzir, num raciocínio lógico alicerçado nas regras da experiência, que os arguidos AA e BB urdiram um plano no sentido de procederem à introdução no EP ... de produto estupefacientes, que seria entregue pelos arguidos HH e GG ao arguido AA, nas visitas que lhe fizessem. Contudo, não podemos afirmar que foi através de carta enviada pelo arguido AA que tal plano foi delineado.
Em conformidade, dar-se-á como provado que os arguidos AA e BB gizaram um plano para que o arguido GG, durante uma visita ao estabelecimento prisional ..., entregasse ao arguido AA estupefacientes (facto 80) e como não provado que o arguido AA delineou tal plano numa das missivas enviadas à arguida BB.
Tem também razão o recorrente na impugnação que faz do facto descrito em 92, uma vez que o declarante/arguido EE, nas declarações prestadas em inquérito e nas declarações prestadas em julgamento, apenas confessa a entrega de produto estupefacientes em 4 ocasiões (veja-se ao minuto 39,00, do depoimento que prestou a 16/5).
E, a verdade, não há qualquer prova nos autos de que o arguido tenha procedido à entrega de produto estupefaciente à arguida BB uma qualquer outra vez para além daquelas que o arguido confessa.
Em conformidade, e não ignorando o sentido e o alcance do princípio in dubio pro reo, há que dar como não provado o segmento do facto 92 que alude a “outras ocasiões”.
Por outro lado, como decorrência lógica da redação do art.º 79, expurgada da alínea d), este facto 92 passará a ter a seguinte redação:
92. Em 3 (três) ocasiões, por ordem da arguida BB, o arguido EE, foi a casa do arguido DD, buscar pedaços de cocaína e heroína que entregou à arguida BB e aquela entregou uma vez a HH e outras duas ao arguido GG, para estes os fazerem chegar ao arguido AA, durante a visita no estabelecimento prisional;
Por fim, impugna o arguido GG os factos 100 a 104 e 106 a 108.
Sem razão.
No que respeita à prova dos elementos subjetivos, salienta-se que, na ausência de confissão, esta é feita, por via de regra, de forma indireta, com recurso a inferências lógicas e presunções ligadas às regras da experiência comum, a partir dos factos conhecidos que são os modos de execução dos tipos de crime, associados à capacidade de discernimento e à liberdade de vontade do autor desses factos (neste sentido, cfr. Acórdão do TRP de 27.01.2021, Processo n.º 473/14.4JAPRT.P1., in www.dgsi.pt)
Ora, aqui, conjugando toda a prova produzida e socorrendo-nos de um raciocínio lógico, não podemos deixar de concluir pela prova dos factos em causa, como o fez o Tribunal a quo.
*
Em resumo, procederá parcialmente o recurso do arguido GG em matéria de facto, em consequência do que se altera a matéria de facto provada do seguinte modo:
(facto 78)- Conforme a arguida BB ia pedindo o produto estupefaciente, o arguido EE ia retirando e entregava-o à arguida BB;
- Por ordem da arguida BB, o arguido EE retirou do lote de produto estupefaciente que estava em casa do arguido DD o seguinte:
a. No dia 26/04/2023, em hora não concretamente apurada, retirou 4 (quatro) pedaços de produto estupefaciente em tudo semelhante a cocaína e 3 (três) pacotes de produto estupefaciente em tudo semelhante a heroína, que entregou à arguida BB.
b. No dia 03/05/2023, em hora não concretamente apurada, retirou 4 (quatro) pedaços de cocaína e 3 (três) pacotes de heroína, que entregou a HH;
c. No dia 07/05/2023, em hora não concretamente apurada, retirou 4 (quatro) pedaços de cocaína e 3 (três) pacotes de heroína, que entregou à arguida BB;
(facto 79)
- O arguido AA e a arguida BB gizaram um plano para que o arguido GG, durante uma visita ao estabelecimento prisional ..., lhe efectuasse entrega de estupefaciente; (facto 80)
- Para esse efeito, no dia 26/04/2023, por ordem da arguida BB, o arguido EE deslocou-se ao local onde o arguido DD tinha o produto estupefaciente guardado, retirou dali quantidade indeterminada de produto estupefaciente (heroína e cocaína), que entregou à arguida BB;
(facto 81)
- Na posse do referido produto estupefaciente, a arguida BB entregou-o ao arguido GG, para que este introduzisse o produto estupefaciente no estabelecimento prisional ..., durante a visita ao arguido AA.
(facto 82)
- No dia 26/04/2023, o arguido GG escondeu o produto estupefaciente na boca, ciente que se tratava de produto estupefaciente e depois de passar a revista e, durante a visita ao arguido AA, entregou-o ao arguido AA, por forma não apurada;
(facto 83)
- No dia 07/05/2023, o arguido EE deslocou-se a casa do arguido DD, retirou uma quantidade indeterminada de pedaços de cocaína e pacotes de heroína, que levou à arguida BB;
(facto 89)
- A arguida BB, na posse do aludido produto estupefaciente, por sua vez entregou-a ao arguido GG, que entregou ao arguido AA, durante a visita no estabelecimento prisional;
(facto 90)
- Os arguidos DD, EE, CC, FF e GG, por si e em conjugação de esforços e intentos com os arguidos AA e BB, sabiam que, nas circunstâncias supra referidas, detinham quantidades de produto estupefaciente para proceder à posterior venda/cedência e que tal detenção não lhes era permitida;
E, como decorrência da parcial procedência dessa impugnação, aditam-se aos factos não provados os seguintes:
- que o arguido EE em algum momento entregou produto estupefaciente ao arguido GG;
- que no dia 20/05/2023, em hora não concretamente apurada, mas após as 16H56, o arguido EE retirou 4 (quatro) pedaços de cocaína e 3 (três) pacotes de heroína que entregou à arguida BB.
- O arguido AA, numa das missivas enviadas à arguida BB, gizou um plano para que o arguido GG, durante uma visita ao estabelecimento prisional ..., lhe efectuasse entrega de estupefaciente
- No dia 20/05/2023, o arguido GG, efectuou nova entrega de produto estupefaciente ao arguido AA;
- Pelo menos, pois, em 4 (quatro) outras ocasiões, por ordem da arguida BB, o arguido EE, foi a casa do arguido DD, buscar pedaços de cocaína e heroína que entregou à arguida BB e aquela entregou quer a HH, quer ao arguido GG para aquele fazer chegar ao arguido AA, durante a visita no estabelecimento prisional;
4.3 – Da violação do princípio in dubio pro reo:
O recorrente GG alega que, face à prova produzida, o Tribunal deveria ter permanecido na dúvida quanto aos factos dados como provados em 78 a 92 e 100, o que imporia a respetiva absolvição, em obediência ao princípio in dubio pro reo.
Não o tendo feito, violou o disposto no art.º 32º, n. 2 da CRP.
Como sabemos, o que resulta deste princípio é que, quando o Tribunal fica na dúvida quanto à ocorrência de determinado facto, deve daí retirar a consequência jurídica que mais beneficie o arguido, sendo que, conforme refere FIGUEIREDO DIAS, Direito Processual Penal, I, p. 205), para que a dúvida seja relevante para este efeito há-de ser uma dúvida razoável, uma dúvida fundada em razões adequadas e não uma qualquer dúvida.
Como se ponderou no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 10.01.2018, Processo: 63/07.8TELSB-3, Relator: Nuno Coelho, acessível em www.dgsi.pt.
“O princípio in dubio pro reo constitui um princípio de direito relativo à apreciação da prova/decisão da matéria de facto, estando umbilicalmente ligado, limitando-o, ao princípio da livre apreciação – a livre apreciação exige a convicção para lá da dúvida razoável; e o princípio «in dubio pro reo» impede (limita) a formação da convicção em caso de dúvida razoável. A dúvida razoável, que determina a impossibilidade de convicção do tribunal sobre a realidade de um facto, distingue-se da dúvida ligeira, meramente possível, hipotética. Só a dúvida séria se impõe à íntima convicção. Esta deve ser, pois, argumentada, coerente, razoável. De onde que o tribunal de recurso “só poderá censurar o uso feito desse princípio (in dubio) se da decisão recorrida resultar que o tribunal a quo chegou a um estado de dúvida e que, face a esse estado escolheu a tese desfavorável ao arguido – cfr. acórdão do STJ de 2/5/1996, CJ/STJ, tomo II/96, pp. 177. Ou quando, após a análise crítica, motivada e exaustiva de todos os meios de prova validamente produzidos e a sua valoração em conformidade com os critérios legais, é de concluir que subsistem duas ou mais perspetivas probatórias igualmente verosímeis e razoáveis, havendo então que decidir por aquela que favorece o réu.”
Sublinhamos, a este respeito, que a seleção da perspetiva probatória que favorece o acusado só se impõe quando, esgotadas todas as operações de análise e confronto de toda a prova produzida perante o julgador, apreciada conjugadamente entre si e em conformidade com as máximas de experiência, a lógica geralmente aceite e o normal acontecer das coisas, subsista mais do que uma possibilidade de igual verosimilhança e razoabilidade.
Assim, só haverá violação do mencionado princípio quando, perante uma dúvida inultrapassável sobre factos essenciais para a decisão da causa, venha o julgador a decidir em desfavor do arguido.
Tal não ocorreu no caso dos autos, mostrando-se a factualidade julgada provada estribada em prova produzida em julgamento e em consonância com essa prova.
De modo algum transparece do texto do acórdão recorrido que o Tribunal a quo tivesse tido qualquer hesitação quanto à valoração da prova, não se vislumbrando também que, na concreta situação dos autos, devesse ter tido qualquer dúvida.
Não se mostra por conseguinte violado o disposto no art.º 32º da CRP
Improcede, pois, o recurso neste segmento.
4.3. Enquadramento jurídico-penal:
Nas respetivas alegações, os recorrentes BB e AA questionam o enquadramento jurídico dos factos operado pelo Tribunal recorrido, sustentando que a factualidade apurada integrar o crime previsto no artigo 25º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro.
Apontam para o efeito a ausência de sofisticação dos meios utilizados na embalagem e venda (combinação via telemóvel e encontro com o consumidor; utilizavam um veículo automóvel) e o modo e circunstâncias da ação (a venda de pequenas quantidades diretamente a consumidores, numa área geográfica restrita; a arguida BB, sempre nas imediações da casa e apenas a 5 consumidores), o lapso de tempo relativamente curto (cinco meses) a quantidade de estupefaciente apreendida (diminuta) a subordinação da atividade da arguida BB ao arguido AA e a ausência de elevados proventos, tendo ambos uma vida modesta (vivem em casa arrendada, com dificuldades financeiras; não foi apreendida uma quantia avultada de dinheiro), sendo o recorrente consumidor e utilizando os proventos para sustentar o seu consumo a recorrente uma pessoa modesta.
A tal contrapõe o M.º P.º, dizendo que a atividade criminosa da arguida BB e do companheiro, o arguido AA e demais co-arguidos, se traduziu na venda diária de heroína e cocaína, a cerca de 35 consumidores identificados, durante cerca de cinco meses, uma área territorial alargada, de vários concelhos, com organização e premeditação e divisão de tarefas, sendo certo que a arguida BB apenas entregou estupefaciente diretamente a 4 consumidores. Os recorrentes dirigiram-se com frequência ao Porto para adquirir o produto estupefaciente que depois revendiam. Mais salienta que tal atividade se traduziu ainda na introdução de produto estupefaciente no EP ... e que os proventos que recebiam eram elevados, dado que o arguido AA não trabalhava e em casa foram encontrados €:1980,00, resultantes da atividade de tráfico. Por fim, lembra que a arguida, depois da detenção do companheiro - o arguido AA - passou a assumir uma posição de liderança nesta atividade e ainda que não é consumidora e que a sua atividade era desenvolvida com um intuito apenas lucrativo.
Assim, conclui, não se pode considerar que a atividade destes arguidos era diminuta e de escasso relevo, como também o não são as consequências no elevado número de terceiros a quem aquela droga se destinava.
Vejamos, então.
O Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro, estrutura a definição dos ilícitos criminais relacionados com estupefacientes em torno de um tipo-base, construído de forma ampla e abrangente – definido no artigo 21º do diploma em questão.
Como exemplarmente se expõe no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007 , que citamos por todos os que se vêm debruçando, de modo uniforme, sobre o tema:
«A previsão legal do artigo 21º do DL 15/93, de 22-01, a exemplo do “antecessor” artigo 27º do Decreto-Lei nº 480/83, de 13-12, contem a descrição da respectiva factualidade típica, de maneira alargada, contendo o tipo fundamental, matricial.
Trata-se de um tipo plural, com actividade típica ampla e diversificada, abrangendo desde a fase inicial do cultivo, produção, fabrico, extracção ou preparação dos produtos ou substâncias até ao seu lançamento no mercado consumidor, passando pelos outros elos do circuito, mas em que todos os actos têm entre si um denominador comum, que é exactamente a sua aptidão para colocar em perigo os bens e os interesses protegidos com a incriminação.
Não importa ao preenchimento deste tipo legal a intenção específica do agente, os seus motivos ou fins a que se propõe; o conhecimento do fim apenas pode interessar para efeitos de determinação da ilicitude do facto.
O tráfico de estupefacientes tem sido englobado na categoria do “crime exaurido”, “crime de empreendimento” ou “crime excutido”, que se vem caracterizando como um ilícito penal que fica perfeito com o preenchimento de um único acto conducente ao resultado previsto no tipo.
A consumação verifica-se com a comissão de um só acto de execução, ainda que sem se chegar à realização completa e integral do tipo legal pretendido pelo agente.
[…]
Sobre esta categoria de crime pronunciou-se o acórdão do Tribunal Constitucional nº 262/01, de 30-05-2001, in DR-II Série, de 18-07-2001.
No acórdão de 15-12-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, 235 é seguida de perto a orientação do acórdão do TC referido, qualificando o crime como exaurido e de tutela antecipada e do mesmo modo no de 19-04-2007, processo 449/07-5ª - cfr acs. de 08-02-2007, processo 4460/07-5ª, “aquele em que para a incriminação do agente é suficiente a prática de um qualquer acto de execução, independentemente de corresponder à execução do facto”, de 26-04-2007, processo 3181/06-5ª.
Como se referia no acórdão do STJ de 12-12-1991, BMJ, 412, 206, o crime é de perigo, em cuja punição relevam exigências de prevenção de futuros crimes.
O crime em causa é um crime de trato sucessivo, em que a mera detenção da droga é já punida como crime consumado, dada a sua vocação (é um crime de perigo presumido) para ser transaccionada - acórdão do STJ de 29-06-1994, CJSTJ1994, tomo2, 258.
O crime de tráfico de estupefacientes enquadra-se na categoria dos crimes de perigo abstracto: aqueles que não pressupõem nem o dano, nem o perigo de um concreto bem jurídico protegido pela incriminação, mas apenas a perigosidade da acção para uma ou mais espécies de bens jurídicos protegidos, abstraindo de algumas das outras circunstâncias necessárias para causar um perigo a um desses bens jurídicos.
O perigo presumido envolve-se na mera comprovação da detenção de uma determinada quantidade de substância tóxica, independentemente da real demonstração do perigo, ou o que dá no mesmo, da intenção de transmiti-la.
Cada uma das actividades previstas no preceito, sem mais, é dotada de virtualidade bastante para integrar o elemento objectivo do crime.
Trata-se de crime de perigo abstracto ou presumido, pelo que não se exige para a sua consumação a verificação de um dano real e efectivo; o crime consuma-se com a simples criação de perigo ou risco de dano para o bem jurídico protegido (a saúde pública na dupla vertente física e moral), como se refere nos acórdãos de 12-02-1986, BMJ 354, 331, de 30-04-1986, BMJ 356, 166, de 23- 09-1992, BMJ 419, 464, de 24-11-1999, BMJ 491, 88, de 01-06-2004, CJSTJ 2004, tomo 2, 239, de 04-10-2006, processo 2549/06-3ª, de 11-10-2006, processo 3040/06-3ª, de 12-04-2007, processo 1917/06-5ª, de 19-04-2007, processo 449/07-5ª.
Noutra perspectiva, trata-se de um crime pluriofensivo.
O normativo incriminador do tráfico de estupefacientes tutela uma multiplicidade de bens jurídicos, designadamente de carácter pessoal - a vida, a integridade física e a liberdade dos virtuais consumidores - visando ainda a protecção da vida em sociedade, o bem-estar da sociedade, a saúde da comunidade (na medida em que o tráfico dificulta a inserção social dos consumidores e possui comprovados efeitos criminógenos), embora todos eles se possam reconduzir a um bem geral - a saúde pública - pressupondo apenas a perigosidade da acção para tais bens, não se exigindo a verificação concreta desse perigo - ver acórdão do Tribunal Constitucional nº 426/91, de 06-11- 1991, in DR, II Série, nº 78, de 02-04-1992 e BMJ 411,56 (seguido de perto pelo acórdão do TC nº 441/94, de 07-06-1994, in DR, II Série, nº 249, de 27-10-1994): “O escopo do legislador é evitar a degradação e a destruição de seres humanos, provocadas pelo consumo de estupefacientes, que o respectivo tráfico indiscutivelmente potencia”.
Pode, pois, afirmar-se que a prática de qualquer um dos atos elencados (maxime, a simples detenção de estupefaciente), desacompanhada da prova de quaisquer outras circunstâncias que permitam diverso enquadramento jurídico, preenche o tipo-base previsto no referido artigo 21º do Decreto-Lei nº 15/93.
Já o crime previsto no artigo 25º consubstancia, conforme tem sido entendido na doutrina e jurisprudência, um tipo privilegiado em razão do grau de ilicitude em relação ao tipo fundamental do artigo 21º .
Escreve-se no Ac. do STJ de 13-04-200, Processo: 05P459, in www.dgsi.pt:
“a essência da distinção entre os tipos fundamental e privilegiado reverte, assim, ao nível exclusivo da ilicitude do facto (consideravelmente diminuída), mediada por um conjunto de circunstâncias objectivas que se revelem em concreto, e que devam ser conjuntamente valoradas por referência à matriz subjacente à enumeração exemplificativa contida na lei, e significativas para a conclusão (rectius, para a revelação externa) quanto à existência da considerável diminuição da ilicitude pressuposta no tipo fundamental, cuja gravidade bem evidente está traduzida na moldura das penas que lhe corresponde. Os critérios de proporcionalidade que devem estar pressupostos na definição das penas, constituem, também, um padrão de referência na densificação da noção, com alargados espaços de indeterminação, de «considerável diminuição de ilicitude»”.
O privilegiamento deste tipo legal de crime não resulta pois de um concreto elemento típico que acresça à descrição do tipo fundamental (artigo 21º do mesmo diploma), mas sim da constatação de uma diminuição considerável da ilicitude, a partir de uma avaliação da situação de facto, para a qual o legislador não indica todas as circunstâncias a atender, limitando-se a referir “os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade e a quantidade das substâncias”, abrindo a porta à densificação doutrinal ou jurisprudencial do conceito de menor gravidade – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.03.2019 .
Na senda dessa densificação, dir-se-á que assumem particular relevo na identificação de uma situação de menor gravidade:
- a qualidade dos estupefacientes comercializados ou detidos para comercialização, tendo em consideração nomeadamente a distinção entre “drogas duras” e “drogas leves”;
- a quantidade dos estupefacientes comercializados ou detidos para esse fim;
- a dimensão dos lucros obtidos;
- o grau de adesão a essa atividade como modo e sustento de vida;
- a afetação ou não de parte dos lucros conseguidos ao financiamento do consumo pessoal de drogas;
- a duração temporal, a intensidade e a persistência no prosseguimento da atividade desenvolvida;
- a posição do agente no circuito de distribuição clandestina dos estupefacientes;
- o número de consumidores contactados;
- a extensão geográfica da atividade do agente;
- o modo de execução do tráfico, nomeadamente se praticado isoladamente, se no âmbito de entreajuda familiar, ou antes com organização ou meios mais sofisticados, nomeadamente recorrendo a colaboradores dependentes e pagos pelo agente.
É a imagem global do facto, ponderadas conjuntamente todas as circunstâncias relevantes que nele concorrem, que permitirá a identificação de uma situação de ilicitude consideravelmente diminuída, de menor gravidade, ou seja, uma situação em que o desvalor da ação é claramente inferior ao padrão ínsito no tipo fundamental de crime – o tráfico de estupefacientes previsto no artigo 21º do Decreto-Lei nº 15/93, que, recordamos, estabelece que “quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer titulo receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.”
Ora, no caso em apreço, a venda de estupefacientes constituía o único meio dos recorrentes obterem proventos económicos, uma vez que à data dos factos estavam os dois desempregados.
As substâncias traficadas pelos recorrentes – cocaína e heroína- têm imensa capacidade aditiva e continuam a ser responsáveis pela maioria das mortes causadas mundialmente por overdose .
No Relatório Anual 2021 - A Situação do País em Matéria de Drogas e Toxicodependência, publicado pelo SICAD (Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências) se refere que “Nos indicadores sobre os problemas relacionados com os consumos, a heroína continua a ter um papel muito relevante, embora a sua importância venha a decrescer já há alguns anos em alguns indicadores (caso da procura de tratamento) e, continue a ser pouco expressiva nos processos de contraordenação por consumo. No entanto, em 2020 foi, tal como a cocaína, das drogas com menores variações negativas (e com subida das overdoses) e, em 2021 atingiu e até ultrapassou os valores pré-pandemia em vários indicadores.
(…)
Na mortalidade, a presença de opiáceos continua a ser muito relevante, e apesar da diminuição das overdoses com opiáceos face a 2020, os valores dos últimos quatro anos foram os mais altos desde 2011, após a duplicação dos casos entre 2017 e 2018.”
Trata-se, pois, de «droga dura», com efeitos devastadores na saúde dos respetivos consumidores.
Ora, os arguidos desenvolveram uma atividade regular de venda de heroína e cocaína durante um período de cerca de 5 meses, sendo que depois da detenção do arguido AA, a arguida BB, até então com uma atividade de menos relevante, subordinada ao arguido AA, assumiu um papel de peso e organizou o fornecimento de produtos estupefacientes ao arguido AA, no interior do EP.
É certo que, de acordo com a matéria provada, desenvolviam uma atividade de venda através de contacto direto com os consumidores que para o efeito os procuraram, mas recorreram aos outros co-arguidos, que colaboravam na guarda, transporte e venda do estupefaciente, deslocavam-se ao Porto para adquirir produtos estupefacientes.
Os recorrentes auferiram o suficiente para fazer face às suas despesas do quotidiano e ainda para sustentar os consumos do arguido AA, tendo na sua posse cerca de €:1800,00 que provinham desta atividade criminosa.
Assim, tal como entendeu o Tribunal recorrido, os elementos que temos disponíveis para qualificar a atuação deste arguido claramente apontam para o cometimento do crime de tráfico de estupefacientes na sua forma-base.
Ainda que a atividade desenvolvida se possa inserir no chamado tráfico de rua, apresenta apesar disso uma habituação, alargamento territorial e repetição que não se pode considerar como suscetível de apontar para uma acentuada diminuição de ilicitude com potencialidade para integrar o artigo 25º do Decreto-Lei nº 15/93
Dentro da multiplicidade de situações suscetíveis de configurar os elementos do tipo legal previsto no artigo 21º do Decreto-Lei nº 15/93, concede-se que a apreciada nos autos revelará uma menor carga de ilicitude. Porém, será sempre a partir de tal tipo que deverá ser perspetivada a atuação do arguido.
Neste quadro de circunstâncias, e considerada a descrição típica do crime em causa, não podemos deixar de concluir, como concluiu o Tribunal recorrido, que os arguidos incorreram na prática de um crime de tráfico de estupefacientes, tal como previsto no artigo 21º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro, com referência às tabelas I-A e I-B ao mesmo anexa, não se mostrando verificada a considerável diminuição da ilicitude que justificaria o respetivo enquadramento no artigo 25º do mesmo diploma legal.
Improcedem, por isso, os recursos dos arguidos BB e AA nesta parte.
4.4. Da pena concreta e sus substituição:
Argumentam os recorrentes BB e AA que as penas que foram fixadas pelo Tribunal a quo são desproporcionadas, porque excessivas.
Vejamos.
Diz-nos o artigo 40º do Código Penal que:
“1- A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2 - Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.”
Nos termos do disposto no art. 71º, nº1 do Código Penal a determinação da medida da pena concreta, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa e das exigências de prevenção geral e especial do agente, determinando o nº 2 do mesmo preceito legal que, para o efeito, se atenda a todas as circunstâncias que deponham contra ou a favor do arguido, desde que não façam parte do tipo legal de crime (para que não se viole o princípio "ne bis in idem", uma vez que tais circunstâncias já foram tomadas em consideração pela própria lei para a determinação da moldura penal abstrata).
A respeito da determinação da medida concreta da pena, ensina o Prof. Figueiredo Dias, in Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, págs. 110-111, o seguinte:
“1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais”.
Assim, dentro de uma moldura de prevenção geral positiva assim encontrada, a culpa funciona como limite máximo da pena e deve ser valorada em concreto a medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, causando ao arguido só o mal necessário, em homenagem ao princípio da subsidiariedade do direito penal e fixando-se a pena concreta em função de exigências de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial positiva ou de socialização.
Neste mesmo sentido, escreve Anabela Miranda Rodrigues, in “O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º 2, Abril/Junho de 2002, págs. 147 e ss.:
“Proporcional à gravidade do facto ilícito, a prevenção não pode ser alcançada numa medida exacta, uma vez que a gravidade do facto ilícito é aferida em função do abalo daquelas expectativas sentido pela comunidade. A satisfação das exigências de prevenção terá certamente um limite definido pela medida da pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade, que não pode ser excedido em nome de considerações de qualquer tipo, ainda quando se situe abaixo do limite máximo consentido pela culpa. Mas, abaixo daquela medida (óptima) de pena (da prevenção), outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral”.
E propósito da intervenção do tribunal de recurso, quanto ao controle da fixação concreta da pena, ensina Figueiredo Dias, Direito Penal Português, in As consequências Jurídicas do Crime, cit, págs. 196-197, e constitui jurisprudência uniforme do STJ, que tal intervenção “tem de ser necessariamente “parcimoniosa”, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada.”
(cfr. neste sentido, e por todos, os Acs do STJ de 29-1-2004, processo: 03P1874, relator: Pereira Madeira e de 27-5-2009, processo: 09P0484, relator: Raul Borges, Ac. RG de 13-5-2019, proc.º n.º 348/18.7GAVLP.G1, relator: Ausenda Gonçalves, disponíveis in www.dgsi.pt)
Revertendo ao caso dos autos à luz de tudo o que acima foi referido, vemos que o crime por cuja prática foram os recorrentes condenados, é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.
Dentro desta moldura penal abstrata, o Tribunal a quo justificou do seguinte modo a fixação das penas de prisão dos arguidos em 7 anos (o arguido AA) e 5 anos e 3 meses (a arguida BB):
No caso concreto, há que ponderar o grau de culpa, que é elevado, pois que todos os arguidos ao actuarem nos termos descritos na factualidade, agiram com dolo direto, forma mais grave da culpa.
De ponderar, porém, a condição de consumidores de produtos estupefacientes dos arguidos AA, CC, DD, FF, EE e GG à data dos factos, condição essa que embora não lhe sirva de atenuante, rebate os níveis de censurabilidade da respectiva conduta, nos termos descritos na factualidade provada, sendo que os arguidos CC, DD, FF, EE e GG agiram sob as ordens e instruções da arguida BB e do arguido AA, também ele próprio consumidor.
No que tange à ilicitude, entendida como um juízo de desvalor da ordem jurídica sobre um comportamento por este lesar e pôr em perigo bens jurídico-criminais, no que diz respeito aos crimes de tráfico, cremos que a mesma se apresenta dentro do grau de normalidade dos casos que se enquadram no artigo 21º e 25º, desde logo, atentos os meios utilizados na actividade de tráfico, sem grande sofisticação, as modalidades de acção, as transacções apuradas e as quantidades de produto estupefaciente apreendido.
A ilicitude dos factos praticados pelos arguidos EE, DD, FF, CC e GG, situa-se num patamar mediano, considerados os factos que foram dados como provados, sendo a sua actuação pontual e não muito preponderante na actividade. Contudo, ainda assim, a ilicitude dos factos praticados pelo arguido GG situa-se num patamar mais elevado em relação aos demais pois as entregas que fez ocorreram no interior do Estabelecimento Prisional.
Relativamente aos arguidos AA e BB, a ilicitude dos factos praticados pelo primeiro apresenta-se num patamar mais elevado já que seria o dono do negócio, mas referira-se que a da arguida BB se apresenta quase no mesmo nível pois prestou colaboração muito relevante na actividade de tráfico desenvolvida pelo arguido AA, beneficiou em termos económicos da mesma, procedeu ela própria a entregas, embora se tenham provado poucas, mas logo a seguir à detenção daquele, é ela quem, em liberdade, assume a liderança, embora em articulação com o arguido AA. Nessa altura, cobra dívidas e instrui os arguidos DD e EE no auxílio à continuação da actividade e bem assim o HH. Ou seja, como já supra se referiu, nem a prisão do seu companheiro e o seu próprio contacto com o sistema judicial, onde em 1º interrogatório judicial no dia 20/03/2023 foi sujeita a medidas de coacção, serviu de travão ou rebate para que ela invertesse o sentido da vida que vinha levando, mantendo a sua actividade criminosa e instruindo o seu filho e o seu genro também a fazê-lo, em clara violação às medidas de coacção que lhe haviam sido impostas.
Haverá ainda que considerar que, com excepção dos arguidos DD e EE, nenhum dos outros arguidos prestou colaboração relevante, em audiência de julgamento, para o apuramento dos factos, tendo-se aí remetido ao silêncio e, desconhecendo-se, assim, a existência de ressonância crítica relativamente aos mesmos.
O arguido EE prestou colaboração relevante, confessando os factos em que teve participação e relatando as condutas dos demais arguidos, denotando assim algum arrependimento e disponibilidade para assunção da sua responsabilidade.
Também o arguido DD admitiu os factos que lhe eram imputados, embora apresentando a sua versão para os mesmos, dizendo-se envergonhado.
Os antecedentes criminais do arguido AA são vastos, tendo inclusivamente já cumprido pesadas penas de prisão efectiva, pela prática de crimes da mesma natureza da dos presentes autos, como decorre do seu certificado de registo criminal, que de nada serviram para evitar que aquele continuasse a cometer crimes de elevada gravidade.
Também o arguido CC já foi condenado em penas de prisão efectiva pela prática de crimes de natureza diversa e também por crime de tráfico de estupefacientes, sendo que o arguido FF já sofreu uma condenação pela prática de um crime de desobediência.
Os restantes arguidos são primários.
Milita a favor de todos os arguidos, com excepção dos arguidos AA, BB e GG, a sua juventude.
No que concerne às condições de vida dos arguidos, remetemo-nos para os factos dados como provados a esse respeito e que constam dos relatórios sociais juntos aos autos.
As exigências de prevenção geral, traduzidas na necessidade de reafirmar a validade da norma violada aos olhos da comunidade, fazem-se sentir com intensidade, constituindo o crime de tráfico um dos actuais flagelos, afectando principalmente as camadas populacionais mais jovens, com prejuízo para o desenvolvimento físico e psíquico da pessoa humana, sendo além de juridicamente censurável, fonte criadora de desvio social e marginalidade social e cultural.
Há assim que reforçar a validade das normas violadas aos olhos da comunidade, sendo certo que são também elevadas as exigências de prevenção especial que se fazem sentir, em face das condições e personalidades dos arguidos acima descritas.”
Vemos, pois, que o tribunal recorrido teve em atenção todos os elementos disponíveis no processo que interessavam em sede de graduação da pena, tendo avaliado a conduta do arguido em função dos parâmetros legais, que foram respeitados.
Entende a arguida BB que a pena em que foi condenada excede a medida da culpa e não respeita as exigências de prevenção especial presentes, que não são elevadas, uma vez que a arguida não tem antecedentes criminais, está familiar, social e profissionalmente inserida. Mais alega que a ilicitude da conduta não é elevada nem o caso convoca elevadas exigências de prevenção geral positiva
Ora, considerando a factualidade provada (pois só estes factos é que podem ser considerados), e no que concerne à culpa da arguida, vemos que é intenso o dolo com que a arguida agiu (dolo direto), que os factos refletem uma personalidade ousada, audaz e indiferente ao bem jurídico tutelado (mesmo depois de sujeita a medida de coação no âmbito destes autos, persistiu na sua atividade criminosa). Não tendo prestado declarações em julgamento, desconhece-se se interiorizou o desvalor da conduta que praticou e não praticou qualquer ato do qual possamos concluir que e demonstrou arrependimento e sentido crítico em face dos factos praticados.
Tudo para concluir que a culpa da arguida se situa num patamar médio.
A ilicitude dos factos em apreço situa-se abaixo da ilicitude média dos crimes de tráfico contemplados “no chapéu” do art.º 21º, uma vez que se desenvolveu em apenas 5 meses e não movimentou avultadas quantidades de produto estupefaciente, de dinheiro e de meios.
Tal como concluiu o tribunal a quo, o crime de tráfico de estupefacientes impõe fortes necessidades de prevenção geral positiva.
No entanto, no caso em apreço, considerando a ilicitude mais baixa do que é a regra nestes crimes de tráfico, entende-se que o sentimento de segurança da sociedade não será colocado em crise se a pena da arguida se situar perto do limite mínimo de quatro anos.
Relativamente às exigências de prevenção especial, sob a forma de ressocialização da arguida, a verdade é que não são muito elevadas, dada a inserção profissional, social e familiar e a ausência de antecedentes criminais, que nos fazem concluir que a prática do crime em questão constituo um desvio transitório e ocasional.
Mas veja-se que não podemos deixar de aludir ao facto da arguida não se ter deixado intimidar com a sujeição a uma medida de coação e ter prosseguido com a atividade criminosa, o que eleva tais exigências para além do patamar mínimo.
Sopesando todos estes factos à luz dos critérios supra expostos, parece-nos que efetivamente a pena aplicada pela 1ª instância é excessiva, sendo adequado fixar a mesma nos 4 anos e 10 meses.
*
Pugna a arguida BB pela suspensão da execução da pena de prisão, por entender que é possível formular um juízo de prognose favorável à ressocialização em liberdade.
De acordo com o disposto no art. 50º do CP, a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos deverá ser suspensa sempre que, atendendo à personalidade do agente, às suas condições de vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, for de concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. E como as finalidades da punição são exclusivamente preventivas, serão sempre e só considerações relativas à medida da tutela dos bens jurídicos e à necessidade de ressocialização a decidir a possibilidade de suspender ou não a execução de uma pena de prisão (cfr. Anabela Rodrigues, Anotação ao Ac. STJ de 21/5/90, RPCC, 2, 1991, pg. 243).
Verificados que sejam, pois, os pressupostos expressamente formulados pelo dispositivo em análise, o Tribunal tem o poder-dever de decretar a suspensão.
O juízo de prognose favorável reporta-se ao momento em que a decisão é tomada e pressupõe a valoração conjunta de todos os elementos que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido, no sentido de que irá sentir a condenação como uma solene advertência, ficando o eventual cometimento de novos crimes prevenido com a ameaça da prisão, daí se extraindo, ou não, que a sua socialização em liberdade é viável.
E, ainda que este juízo seja favorável, as exigências de prevenção geral positiva não podem ser olvidadas, devendo negar-se a suspensão sempre que com ela não se realize a necessária estabilização contrafáctica da norma violada.
Ora, a efetiva execução da pena de prisão, num caso como o dos autos não é exigida para a tutela dos bens jurídicos e estabilização das expectativas comunitárias.
Assim, pese embora a gravidade da conduta em análise e existam algumas incertezas quanto à verdadeira interiorização do desvalor das suas condutas, há a considerar que a arguida não tem antecedentes criminais registados, trabalha e estes factos correspondem a um período em que ela e o arguido AA se encontravam desempregados e este consumia estupefacientes.
Beneficia de apoio familiar e não havendo indícios de rejeição social no meio onde habita.
Considerando, pois que apesar de graves os factos em que teve intervenção estes surgem num contexto vivencial, que nos parece poderá inda ser classificado como transitório, cremos que será ainda possível formular um juízo de prognose favorável à suspensão da execução da pena, por período igual ao da pena aplicada, ainda que condicionada a regime de prova cujo plano individual de ressocialização, conterá uma assistência especializada lhe imprime uma característica corretiva e educativa no sentido da interiorização de valores de convivência social, que consideramos fundamental no caso em análise, o qual ficará subordinado às seguintes condições:
• Responder às convocatórias que lhe sejam feitas no âmbito deste processo por magistrado judicial e/ou técnico de reinserção social;
• Receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência;
• Informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência e de emprego, bem como sobre qualquer deslocação superior a oito dias e sobre a data do previsível regresso;
• Manter atividade laboral, ou vindo a tornar-se necessário a inscrever-se no centro de emprego frequentando, nesse caso, formação que permita a continuação de aquisição de competências.
Procede assim o recurso interposto pela arguida neste segmento.
*
No que respeita ao arguido AA, a verdade é que a pena que lhe foi aplicada se mostra proporcional e adequadas à culpa plasmada no facto ilícito e às exigências de prevenção geral e especial presentes no caso.
Pelas razões acima referidas a propósito da arguida BB, a culpa do arguido situa-se num patamar médio.
A ilicitude da conduta do arguido, embora se entenda - pelas razões supra expostas- ser abaixo daquela que é a regra neste tipo de criminalidade, é superior à da conduta da arguida BB, uma vez que o arguido assumia um papel mais ativo na atividade de tráfico, procedendo à larga maioria das entregas de estupefaciente e organizando a “rede” em que se moveram os arguidos e, estando preso preventivamente, não hesitou em gizar um plano para receber produto estupefaciente no interior do EP.
E são muito elevadas as exigências de prevenção especial, sob a forma de ressocialização do arguido, considerando os seus antecedentes criminais (dos quais resulta que o arguido cumpriu já penas de prisão efectiva pela prática deste mesmo crime e que, não obstante, não se deixou intimidar e uma vez em liberdade reiterou a sua atividade criminosa), o facto de ser consumidor de produtos estupefacientes e de necessitar de dinheiro para sustentar os consumos e a circunstância de se desconhecer, atento o seu silêncio e a ausência de qualquer conduta demonstrativa de arrependimento, se interiorizou a gravidade da sua conduta e dos reflexos para terceiros.
É certo que o arguido tem 50 anos, ou seja, uma idade na qual se exige capacidade para ter consciência plena da gravidade das conduta e capacidade para escolher afastar-se da prática de crimes.
As exigências de prevenção geral positiva, considerando o crime em causa, são indubitavelmente elevadas.
Tudo devidamente ponderado, concluímos que não se encontra fundamento para considerar excessiva e desproporcionada a pena imposta ao arguido, não tendo o Tribunal Coletivo violado o disposto nos arts. 40 e 71 do CP.
Improcede assim o recurso interposto neste segmento.
*
Relativamente à pena do recorrente GG, lembramos que o tribunal de recurso só tem de apreciar as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação - cfr. Germano Marques da Silva, Lições de Processo penal, Volume III, 2ª edição, 2000, fls 335.
Ora, o recorrente nem na motivação, nem nas conclusões, requer a redução da pena.
Contudo, e como nota o M.º P.º na resposta ao recurso, repensar a pena concreta é uma decorrência lógica da alteração da matéria de facto, pois deram-se como não provados factos pelos quais o aqui recorrente tinha sido condenado. E notamos que o recorrente, em resposta ao abrigo do disposto no art.º 417 do CPP , diz (evidentemente) concordar em que lhe seja reduzida a pena.
Atentemos então na pena a fixar ao arguido e vejamos se há razões para a reduzir (sendo que o Tribunal da Relação está vinculado à proibição de reformatio in pejus).
Lendo o Acórdão recorrido, merecem a nossa concordância todas as considerações nele tecidas a respeito da determinação da medida da pena. Contudo mas ponderando agora que foram apenas duas as entregas de cocaína e de heroína que o recorrente fez ao arguido AA, entendemos ser proporcional à culpa do arguido e às finalidades da punição, fixar a pena de prisão em 2 anos e 7 meses, que se mantém suspensa na execução por idêntico prazo, com regime de prova, que assentará num plano individual de readaptação social, executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social, durante o tempo de duração da suspensão, em termos a definir pela DGRS,.
*
Por fim, vejamos que discorda o recorrente GG da condição que o Tribunal Coletivo fixou para o plano de reinserção social de diligenciar pela procura activa de emprego.
Argumenta que tal obrigação é incompatível com as suas debilidades físicas – do foro ortopédico e respiratório – que ditaram a sua baixa médica e o pedido para que lhe seja atribuída reforma por invalidez, não lhe permitindo diligenciar pela procura activa de emprego (conclusões 35, 36 e 37).
Vejamos.
O regime de prova está previsto no artigo 53.º do Código Penal, onde se lê que:
«1- O tribunal pode determinar que a suspensão seja acompanhada de regime de prova, se o considerar conveniente e adequado a facilitar a reintegração do condenado na sociedade.
2- O regime de prova assenta num plano individual de readaptação social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social
3- O regime de prova é ordenado sempre que o condenado não tiver ainda completado, ao tempo do crime, 21 anos de idade ou quando a pena de prisão cuja execução for suspensa tiver sido aplicada em medida superior a três anos»
Por sua vez, o artigo 494.º do Código de Processo Penal refere o seguinte:
«1 - A decisão que suspender a execução da prisão com regime de prova deve conter o plano individual de readaptação social que o tribunal solicita aos serviços de reinserção social.
2 - A decisão, uma ver transitada em julgado, é comunicada aos serviços de reinserção social.
3 - Quando a decisão não contiver o plano de reinserção social ou este deva ser completado, os serviços de reinserção social procedem à sua elaboração ou reelaboração, ouvido o condenado, no prazo de 30 dias, e submetem-no à homologação do tribunal.»
De acordo com Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, §§ 630, 640 e 646, o plano de reinserção social é “a peça indispensável deste mecanismo de socialização”, o “testemunho da estratégia (e da táctica) que o tribunal entende dever seguir …”, “… a articulação do cumprimento dos deveres e regras de conduta impostas com as tarefas de vigilância a cargo do trabalhador especializado ou técnico de reinserção social” (…), que não deve ceder à tentação de tornar a sua tarefa em “missionarismo paternalista e predicante”, mas ater-se aos limites de “legalidade externa” impostos na sentença, o que vale particularmente para tudo quanto respeite à vida íntima e familiar do condenado.
O regime de prova visa obedece a um juízo de adequação às necessidades de prevenção especial de socialização do condenado, considerando as particulares condições da sua vida, em concreto as condições de saúde do condenado.
Ora, no caso do condenado, as suas atuais condições de saúde são impeditivas de uma procura ativa de emprego.
Contudo, a verdade é que se desconhece se se trata de condições irreversíveis.
Nessa medida, na procedência do recurso, determina-se a alteração do regime de prova que deverá passar, assim, a contemplar as seguintes obrigações:
- proibição de contacto com pessoas ligadas ao tráfico e consumo de droga, proibição de consumo de droga;
- obrigação de diligenciar pela procura activa de emprego se não o tiver, caso a sua saúde permita a prestação de trabalho.
V – Dispositivo:
Pelo exposto, acordam as juízas da 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra, após conferência em:
1 – Julgar o recurso interposto pelo arguido AA totalmente improcedente.
2 - Conceder parcial provimento ao recurso interposto pela arguida BB e, em consequência reduzir a pena aplicada a esta arguida como coautora da prática do crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo art. 21º, nº 1, do DL nº 15/93 de 22.01 do Código Penal, fixando-a em 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão, suspensa por período igual, condicionada a regime de prova cujo plano individual de ressocialização, o qual ficará subordinado às seguintes condições:
• Responder às convocatórias que lhe sejam feitas no âmbito deste processo por magistrado judicial e/ou técnico de reinserção social;
• Receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência;
• Informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência e de emprego, bem como sobre qualquer deslocação superior a oito dias e sobre a data do previsível regresso;
• Manter atividade laboral, ou vindo a tornar-se necessário a inscrever-se no centro de emprego frequentando, nesse caso, formação que permita a continuação de aquisição de competências.
. Proibição de contactar com pessoas ligadas ao tráfico e consumo de droga, proibição de consumo de droga.
3 – Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido GG e em consequência:
. Determinar a alteração da matéria de facto provada e não provada nos termos acima expostos em 4.2. b)
. Reduzir a pena aplicada a este arguido como coautor da prática do crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo art. 21º, nº 1, do DL nº 15/93 de 22.01 do Código Penal, fixando-a em 2 ( dois) anos e 7 ( sete) meses, que se mantém suspensa na execução por idêntico prazo, com regime de prova, que assentará num plano individual de readaptação social, executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social, durante o tempo de duração da suspensão, em termos a definir pela DGRS e que deverá passar a contemplar as seguintes obrigações:
- proibição de contacto com pessoas ligadas ao tráfico e consumo de droga, proibição de consumo de droga
- obrigação de diligenciar pela procura activa de emprego se não o tiver, caso a sua saúde permita a prestação de trabalho.
4 - Custas pelo recorrente AA fixando a taxa de justiça em 2UC [artigos 513º, n.ºs 1 e 3 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e artigo 8º, nº 9, do RCP, com referência à Tabela III].
Notifique.
[Texto elaborado e revisto pela relatora - artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal]
Sara Reis Marques - Juíza Desembargadora Relatora
Alexandra Guiné - Juíza Desembargadora Adjunta
Sandra Ferreira – Juíza Desembargadora Adjunta