ADMINISTRADOR DO CONDOMÍNIO
PODERES
ASSEMBLEIA GERAL
REPRESENTAÇÃO JUDICIÁRIA DOS CONDÓMINOS
Sumário

I - O pressuposto processual da capacidade judiciária (em relação ao condomínio) não é absoluto, mas sim relativo, dependendo do objecto da causa.
II - A medida da personalidade judiciária do condomínio coincide com a das funções do administrador – ou seja, as ações que se inserem no âmbito dos poderes do administrador devem ser intentadas por (ou contra o) condomínio. Fora do âmbito dos poderes do administrador, o condomínio não tem personalidade judiciária e, portan­to, os condóminos agirão em juízo em nome próprio.
III - Não respeita à administração das partes comuns que incumbe/cabe à Assembleia de condóminos (num certo sentido, que delimita as suas atribuições como tal) e muito menos se inserem no quadro ou âmbito dos poderes do administrador poderes de “disposição” quanto a partes comuns, sendo que a acção de reivindicação de uma parcela de terreno que se discute integrar ou não o jardim ou logradouro de um prédio é susceptível de ter este efeito de “perda”, que afasta manifestamente a recondução a um acto de administração.
IV - Não lhe atribui a lei qualquer poder ou mandato (legal) para a contestação ou propositura de acção de reivindicação e se o não faz a lei, bem assim o não podem fazer os condóminos em Assembleia, uma vez que não está em causa uma deliberação quanto à administração das partes comuns e é neste âmbito que se movem os poderes ou atribuições da Assembleia, ainda quando unanimidade dos condóminos tenha sido obtida.
V - Donde, fora do âmbito dos poderes do administrador e fora do âmbito das atribuições da assembleia de condóminos, que vem a ser apenas a administração das partes comuns, como é óbvio, não pode a assembleia mandatar o administrador para fazer o que ela mesma não pode.
VI - Estando em causa uma deliberação de Assembleia de Condóminos numa matéria que não versa sobre a “mera” gestão das partes comuns, insusceptível de ser deferida pela assembleia ao administrador qualquer poder de representação dos condóminos.
VII - A representação judiciária do condomínio (conjunto dos condóminos) por parte do administrador só tem lugar quando a demanda se refere a poderes de administração legalmente deferidos ao administrador (neste caso existe uma representação judiciária por direito próprio) ou a poderes conferidos pela assembleia (neste caso o administrador assegura aos condóminos a inerente representação judiciária), no âmbito dos poderes mesmos da Assembleia, já aludidos, sendo que, por consequência, em todas as matérias que extravasem o âmbito dos poderes conferidos ao administrador, a personalidade judiciária (suscetibilidade de ser parte) recai em exclusivo sobre os próprios condóminos individualmente considerados, os quais consubstanciam os efetivos sujeitos dos interesses substantivos em crise, desconsiderando-se, nesse caso, a personalidade judiciária (ficcionada) do condomínio (e a capacidade judiciária atribuída ao respetivo representante orgânico, o administrador).

Texto Integral

Processo n.º 1641/23.3T8PVZ.P1

Tribunal Judicial da Comarca do Porto

Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim - Juiz 3

Relatora: Isabel Peixoto Pereira

1º Adjunto: Francisca Micaela da Mota Vieira

2º Adjunto: Maria Manuela Barroco Esteves Machado

Acordam os juízes da 3.ª secção do Tribunal da Relação do Porto:

I.

As autoras demandam o réu Condomínio ... peticionando o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre prédio urbano que melhor identificam, com especificação da demarcação a norte de tal prédio em relação ao prédio que integra o condomínio, a condenação do réu a restituir às autoras uma parcela de terreno situada em tal limite e a repor o terreno no estado em que se encontrava à data da sua ocupação pelo réu e a abster-se da prática de actos que lesem o direito de propriedade invocado, e ainda a condenação do réu em sanção pecuniária compulsória no valor diário de €50,00 por cada dia de atraso na restituição da parcela.

Para tanto alegam em suma a inscrição registral do direito reivindicado a seu favor, o exercício de posse nos limites invocados, nomeadamente por edificação de uma construção, e a ocupação do prédio assim delimitado com área de jardim pelo condomínio, causando diversos prejuízos à autora, que melhor identificaram.

O réu deduz, por seu turno, pedido reconvencional peticionando o reconhecimento do direito de propriedade dos condóminos sobre o prédio objecto do pedido, e o cancelamento da correspondente inscrição registral. Subsidiariamente, peticiona o reconhecimento do direito de propriedade dos condóminos sobre a parcela de terreno reivindicada pelas autoras.

Para tanto alega factos reconduzíveis à aquisição originária de tal prédio em tais limites, por usucapião.

Após cumprimento do contraditório, foi proferida decisão, a qual conheceu da excepção dilatória de falta de personalidade judiciária do réu reconvinte e, em consequência, absolveu o réu da instância na acção e as reconvindas da instância na reconvenção.

Em síntese, justificou-se na decisão: «A estrutura de uma acção de reivindicação implica, do lado passivo, um sujeito com personalidade jurídica que possua ou detenha a coisa objecto do direito em violação do direito de propriedade, como resulta do art. 1311.º, do CC. Do lado passivo, pressupõe-se que o demandado possa ser sujeito de relações jurídicas, e susceptível de ser havido como possuidor ou detentor de uma coisa, o que não é o caso de um condomínio. Não se perspectiva que os deveres gerais de abstenção inerentes aos direitos de propriedade de terceiros, que é a posição passiva numa reivindicação, possam ser enquadráveis no âmbito dos poderes do administrador.

Da mesma forma, a demarcação do prédio objecto de propriedade horizontal em relação a prédios propriedade de terceiros não cabe nos poderes em questão, desde logo porque não cabe em poderes de mera administração, que são atribuídos ao administrador e à assembleia de condóminos. Enquadra poderes de disposição do prédio objecto de propriedade horizontal que só os comproprietários podem exercer por só eles serem titulares dos respectivos direitos.

Daí que o condomínio réu não tenha personalidade judiciária quer para a acção quer para a reconvenção, que se baseia na reivindicação do prédio, e portanto se enquadra nos poderes de disposição dos direitos inerentes, extravasando a mera administração.

É a este respeito inócuo que a assembleia de condóminos tenha atribuído ao administrador mandato para dedução do pedido reconvencional, como alegado pelo réu.

É certo que, nos termos do art. 1437.º, n.º 2, do CC, o administrador age em juízo no exercício das funções que lhe competem, como representante da universalidade dos condóminos ou quando expressamente mandatado pela assembleia de condóminos.

Mas este mandato da assembleia de condóminos está naturalmente limitado pelos poderes de administração que cabem a essa assembleia, que se limita a poderes de administração das partes comuns, nos termos do art. 1430.º, n.º 1, do CC, e não abrange poderes de disposição sobre cada um dos direitos de compropriedade de que cada condómino é titular em relação às partes comuns (neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. III, 2.ª edição, p. 442)

É dessa decisão que vem interposto recurso pelas AA, mediante as seguintes conclusões:

1. A sentença recorrida padece de erro de julgamento – por errónea interpretação e aplicação do Direito - por excluir o Condomínio como parte legítima na presente ação, porquanto, conforme sustentado, aquela entidade detém capacidade judiciária para defesa e gestão das áreas comuns do edifício constituído em propriedade horizontal, tendo assim capacidade para intervir e pleitear na presente ação, em representação da coletividade de condóminos do Edifício que representa.

2. A interpretação do Tribunal a quo no sentido que a administração do condomínio apenas tem poderes para atos de mera administração, e que qualquer litígio sobre a posse ou uso de uma área como o jardim, extravasa esses poderes é restritiva, mostrando-se em desacordo com os poderes de representação atribuídos ao administrador para defesa dos direitos de uso e conservação das áreas comuns, conforme disposto no artigo 1437.º, n.º 1 do CC,

3. A ação destes autos, tal como proposta pelas AA., tem por finalidade a defesa do seu direito de propriedade, alegando e demonstrando estas que uma parcela do seu imóvel está a ser ocupada, sem o seu consentimento, pelo Condomínio ..., aqui Réu, devido à extensão de uma parte comum daquele edifício (jardim) para além dos limites do próprio edifício e dentro da área do imóvel de que as Autoras são legítimas proprietárias.

4. O Condomínio constitui uma entidade coletiva formada pelos proprietários das frações autónomas do edifício, com atribuições específicas na administração e gestão das partes comuns, conforme estabelecido no artigo 1422.º do Código Civil.

5. Nas partes comuns de um prédio constituído em propriedade horizontal, os direitos de compropriedade dos condóminos apresentam particularidades quanto ao regime geral da compropriedade, não sendo aplicável o artigo 985.º do Código Civil (ex vi artigo 1407.º do mesmo Código), o que veda aos condóminos, individualmente, o exercício de direitos sobre essas áreas.

6. A administração e gestão das áreas comuns de prédio sob propriedade horizontal, incluindo a prática de atos judiciais de defesa ou reivindicação relativos a essas áreas, cabe ao Condomínio, representado pelo administrador ou pela assembleia de condóminos, visando a salvaguarda dos interesses coletivos dos condóminos, nos termos e conforme entendimento jurisprudencial consolidado.

7. A entidade/instituto “Condomínio”, enquanto estrutura representativa das áreas comuns, é detentor de direitos e obrigações próprios em relação a essas áreas, conforme decorre, inclusive, das normas legais plasmadas nos artigos 1430.º e seguintes do CC, sendo, assim, titular de capacidade/personalidade judiciária, podendo ser parte e litigar em ação judicial cujo objeto envolva interesses respeitantes às partes comuns do edifício.

8. O art. 1437º do CC reconhece a legitimidade ativa e passiva ao administrador para, em representação do condomínio, demandar ou ser demandado em ações que tenham por objeto as funções que lhe pertencem (as do art. 1436º do CC), ou, fora destas, quando tenham por objeto atos (não correntes) necessárias à salvaguarda do uso, gozo e conservação das partes comuns ou de atos conservatórios dos direitos dos condóminos sobre tais bens comuns. Nestas situações, a parte que demanda ou é demandada é o condomínio, enquanto estrutura orgânica representativa do conjunto dos condóminos, representada, em regra, pelo administrador.

9. A capacidade judiciária atribuída ao Condomínio, representado pela sua administração, permite-lhe atuar em juízo nas ações relacionadas com a posse, uso ou gestão das áreas comuns, não sendo admissível excluir tal capacidade no contexto de uma ação em que se discute a implementação ou extensão da área de uma dessas partes, para lá dos limites do prédio a que corresponde o Condomínio, cabendo, portanto, ao Condomínio/Assembleia de condóminos decidir a gestão ou alteração dos limites de uma das áreas comuns do edifício, detendo assim também a competência e legitimidade para se defender em ação judicial cujo objeto revolve sobre qualquer violação/danos gerada por uma área comum, como no caso sub judicio.

10. A jurisprudência é clara ao estabelecer que a responsabilidade pela conservação e manutenção das partes comuns do edifício recai sobre o condomínio, conforme disposto nos artigos 1430.º, n.º 1, e 1420.º, n.º 1, do Código Civil, pelo que, tratando-se de partes comuns referidas no artigo 1421.º do Código Civil, é o condomínio – representado pelo administrador e mediante deliberações da Assembleia de Condóminos – que possui o dever legal de atuar judicialmente, tanto ativa como passivamente e, portanto, o condomínio pode, portanto, tomar medidas legais contra qualquer condómino ou terceiro para proteger as partes comuns, e igualmente ser demandado em ações que envolvam a preservação ou fruição dessas áreas (artigos 1437.º, n.º 1, 1437.º, n.º 2, e 1433.º, n.º 6, do Código Civil).

11. Assim, o Condomínio deveria ter sido admitido como parte demandada, em conformidade com a lei e com a jurisprudência, que reconhecem a sua capacidade para intervir em litígios referentes às áreas comuns do prédio, o que impõe a revogação da decisão recorrida e a consequente prosseguimento dos ulteriores termos da ação, com o Condomínio ... na qualidade de réu.

Acresce,

12. O art. 12º do CPC reconhece a personalidade judiciária do condomínio em propriedade horizontal para ações no âmbito dos poderes conferidos ao administrador, designadamente no que respeita à defesa e gestão das partes comuns.

13. Nos termos dos arts. 1436º, alíneas f) e h), e 1437º do Código Civil, o administrador do condomínio possui legitimidade para intervir judicialmente em defesa das partes comuns, quer em processos voluntários ou de reação (contra ações em que é demando), desde que autorizado pela Assembleia de Condóminos, no que concerne a matérias que excedam a administração ordinária.

14. Em questões que ultrapassam a gestão corrente (mera administração) do condomínio, cabe à Assembleia deliberar ou autorizar expressamente o administrador a agir em juízo, detendo assim o Condomínio capacidade judiciária para intervenção em litígio judicial mesmo em questões em que, eventualmente, extravasem os poderes de representação da administração.

15. No caso dos presentes autos, a apresentação de ata da Assembleia de condóminos do Condomínio Réu, com autorização ao administrador para intervir e litigar na presente ação, para deduzir reconvenção e, naturalmente, contestar – dado que a reconvenção depende dessa contestação, estando nela implícita - comprova a autorização do condomínio/assembleia de condóminos, suprindo assim qualquer eventual falta de capacidade judiciária do Condomínio para a ação.

16. Em qualquer caso, por imposição do disposto no art. 29º do CPC, a falta de deliberação ou autorização necessária pode ser colmatada, não implicando a absolvição imediata do réu, pois tal insuficiência de representação é suprível no decurso do processo, preservando-se a legitimidade processual.

17. O Supremo Tribunal de Justiça confirmou que a legitimidade processual recai sobre o condomínio, representado pelo administrador, enquanto parte no processo, quando a ação envolve direitos ou obrigações referentes às partes comuns. Assim, in casu, o condomínio, como réu, goza de plena legitimidade/capacidade judiciária, estando a sua representação devidamente assegurada e legitimidade (i.e. autorizada pela assembleia de condóminos), pelo que, é parte legítima na ação.

Conclui pela revogação da decisão e pelo prosseguimento dos autos.

Contra-alegou o Réu, mediante as seguintes conclusões:
1. A sentença de primeira instância, que absolveu o condomínio da instância na ação principal, é irrepreensível e deve ser mantida.
2. A argumentação dos recorrentes configura um claro venire contra factum proprium, demonstrando oportunismo processual inaceitável.
3. O condomínio agiu em conformidade com a vontade coletiva expressa nas deliberações das assembleias de condóminos, legitimando a sua atuação na reconvenção como representante da vontade dos possuidores e comproprietários do direito em causa nos autos.
4. A legitimidade do condomínio verifica-se de forma assimétrica: plena para demandar em nome e representação do direito próprio de cada comproprietário e possuidor, mas limitada para ser demandado no caso concreto.
5. A escritura de constituição da Propriedade Horizontal, por si só, já confere legitimidade ao condomínio para atuar em defesa dos interesses comuns, definindo as áreas comuns do edifício, incluindo o espaço em disputa, excluindo situações de revindicação, expecto quando mandatados para o efeito, deliberação da Assembleia, composta por todos os comproprietários do referido espaço em causa nos auto.
6. A deliberação da Assembleia de Condóminos reforça a legitimidade do condomínio, aprovando por unanimidade a representação no pedido reconvencional e o requerimento de reconhecimento da qualidade de proprietários por usucapião do terreno em disputa.
7. Esta deliberação não foi contestada ou impugnada por nenhum condómino, removendo qualquer limitação prévia às funções do condomínio nesta matéria.
8. A notificação unilateral dos autores ao condomínio excluiu indevidamente do processo judicial todos os proprietários das frações, violando o seu direito de defesa.
9. O condomínio está plenamente legitimado para representar os interesses coletivos dos comproprietários/condóminos neste processo, tendo sido expressamente autorizado pela assembleia geral extraordinária.
10. A extensão da personalidade judiciária, no contexto deste caso, supre a incapacidade judiciária do condomínio e permite que o administrador atue em juízo representando os interesses comuns dos comproprietários/condóminos.

Conclui pedindo seja negado provimento ao recurso na parte respeitante à ação principal, mantendo-se a absolvição da instância do condomínio, mas seja dado provimento ao recurso na parte respeitante à reconvenção, reconhecendo-se a legitimidade do condomínio para a apresentar, em defesa dos interesses comuns de todos os comproprietários, também condóminos, que livremente conferiram poderes de representação na pessoa do Administrador do Réu; se reconheça a validade da deliberação da Assembleia de Condóminos como extensão da personalidade judiciária do condomínio, ou atribuição de mandato para salvaguarda de interesses coletivos resultante de um direito próprio em compropriedade com os demais beneficiários e se considere a usucapião invocada pelos comproprietários/condóminos como fundamento adicional para o reconhecimento da propriedade do espaço em disputa, inviabilizando diretamente a pretensão das autoras, atendo à distinção crucial entre a notificação genérica feita pelos Autores e a deliberação específica tomada pelo condomínio Réu, que reflete um processo decisório mais robusto, representativo, legal e legitimado.

II.

Considerando que o objeto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (cfr. arts. 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do C.P.C.), é de direito e uma única a questão a tratar, a da personalidade judiciária do réu reconvinte, para os termos da acção e da reconvenção.

Apreciando, importa que se considere que:

Estamos perante uma acção em que é Réu um condomínio resultante da propriedade horizontal, representado pelo seu administrador;

A Assembleia de condóminos atribuiu ao administrador mandato para a dedução do pedido reconvencional.

Em causa na acção e na reconvenção uma apreciação sobre o direito de propriedade de uma parcela de terreno, a que as partes reciprocamente se arrogam o mesmo direito.

A capacidade judiciária tem por base e por medida a capacidade de exercício de direitos (art. 11, nº2, do CPC), isto é têm plena capacidade no exercício de direitos, aqueles que, face à lei civil (substantiva) possuem integral capacidade para os exercer.

O art. 12, alínea e), do CPC estende a personalidade judiciária ao condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador.

O art. 1430 do CC diz que a administração das partes comuns do edifício compete à assembleia de condóminos e a um administrador. Tal tem em vista conseguir uma vontade própria e única e um sistema de gestão e funcionamento eficaz relativamente às partes comuns do edifício. A assembleia é um órgão colegial, composto pela totalidade dos condóminos que delibera sobre questões da administração das partes comuns do edifício, sendo o administrador o órgão executivo da administração das partes comuns do edifício e das deliberações da assembleia de condóminos, sendo eleito e exonerado por ela (art. 1435, nº1, do Código Civil), sendo as funções específicas do seu cargo as referidas no art. 1436 do C.Civil, podendo desempenhar outras que lhe sejam conferidas pela assembleia de condóminos ou previstas em disposições legais, podendo ser parte em acções que se inserem no âmbito dos seus poderes, coincidindo a sua capacidade judiciária com o exercício dessas funções, nas acções intentadas por ou contra o condomínio, representado pelo administrador (art. 1437 do CC)

O art. 1420 do CC diz que cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício.

Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, V. III, 2ª edição, pág. 417) dizem “ao lado da propriedade exclusiva sobre a sua fracção, cada condómino tem ainda o direito de compropriedade sobre as partes comuns do edifício, sendo assim, contitular, juntamente com os restantes condóminos, do direito de propriedade sobre essas partes comuns … No que concerne às partes comuns, os condóminos estão sujeitos, antes de mais, às regras especialmente fixadas no capítulo da propriedade horizontal. Nos pontos em que não exista regulamentação especifica, valerá o regime da propriedade horizontal.”

Como escreveu Gonçalo Oliveira Magalhães, A personalidade judiciária do condomínio e a sua representação em juízo, Julgar, n.º 23, 2014, pp. 55-66), o art. 1414.º do Código Civil, ao dizer que as frações de que um edifício se compõe, em condições de constituírem unidades independentes, podem pertencer a pro­prietários diversos em regime de propriedade horizontal, consagra uma derrogação ao princípio superficies solo cedit, nos termos do qual um edifício incorporado no solo só pode ser objeto de um único direito de domínio – direito que abrange toda a construção, o solo em que esta assenta e os terrenos que lhe servem de logradouro. Na propriedade horizontal, os titulares das várias frações ou unidades independentes – condóminos, na terminologia legal (cf. art. 1420.º do Código Civil) – são ainda comproprietários das partes do edifício que constituem a sua estrutura comum ou estão afetadas ao serviço daquelas frações (art. 1421.º do Código Civil). As frações independentes fazem parte de um edifício, na aceção do art. 204.º/2 do Código Civil, de estrutura unitária, o que necessariamente cria especiais relações de interdependência entre os condóminos, quer pelo que respeita às partes comuns do edifício, quer mesmo no que respeita às frações autónomas.

O núcleo do instituto da propriedade horizontal é constituído por direitos privativos de domínio, a que estão associados, com função instrumental, mas de modo incindível e perene, direitos de compropriedade sobre as partes do prédio não abrangidas por uma relação exclusiva.

O condomínio é, assim, no dizer de Henrique Mesquita, a figura definidora da situação em que uma coisa materialmente indivisa ou com estrutura unitária pertence a vários contitulares, mas tendo cada um deles direitos privativos ou exclusivos de natureza dominial sobre frações determinadas. No fundo, o direito de propriedade sobre a parte exclusiva é combinado com o direito de compropriedade sobre as partes comuns. Daí nasce um direito real complexo, no sentido de que combina figuras preexistentes de direitos reais. É, no entanto, diferente do mero somatório dos esquemas da propriedade e da compropriedade; contendo o uma regulamentação própria do seu exercício, constitui a se um direito real.

Este direito novo, o direito de propriedade horizontal, composto pelo conjunto incindível de dois direitos[1] – a propriedade exclusiva da fracção e a compropriedade das partes comuns do edifício - tem, assim, de característico, a interdependência estrutural entre as várias fracções, sendo que cada fracção é inseparável das partes comuns do edifício que lhe correspondem, pelo que o direito de propriedade exclusiva sobre a fracção não pode ser alienado sem o direito de compropriedade correspondente sobre as coisas comuns e vice-versa.

O condomínio, enquanto entidade socialmente organizada dotada de órgãos e de um património (cf. art.º 4º do DL n.º 268/94, de 25 de Outubro) não é uma pessoa colectiva e, em princípio, não dispõe de personalidade judiciária. Embora a lei não atribua personalidade jurídica ao condomínio, admite, contudo, que este seja sujeito de relações jurídicas, enquanto forma orgânica de desenvolvimento da vida do colectivo dos condóminos – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21-09-2021, processo n.º 4337/21. 7T8LSB.L1-7, na base de dados da dgsi.

O art.º 12º do CPC estende a personalidade judiciária a determinadas entidades, entre elas, o condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às ações que se inserem no âmbito dos poderes do administrador – cf. respectiva alínea e).

Tem-se entendido que essa concessão permite ao condomínio urbano intervir como autor ou como réu em determinadas acções em que estejam em discussão questões que importam ao condomínio e que se inscrevem no âmbito dos poderes do administrador. No entanto, não é suficiente que essas acções respeitem ao prédio constituído em regime de propriedade horizontal, sendo necessário conexioná-las com as normas substantivas para aferir em quais, de entre elas, o condomínio pode ou não ser parte processual activa ou passiva, sob representação do administrador – cf. neste sentido, António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I – Parte Geral e Processo de Declaração, 2018, pp. 43-44.

Sustentam os mencionados autores, que quando o condomínio deva intervir, activa ou passivamente, a representação pertence ao administrador, o que sucederá quanto às acções que respeitem às partes comuns, com ressalva daquelas em que se discuta a propriedade ou a posse destas, casos em que a intervenção do administrador deve ser precedida da atribuição de poderes especiais por parte da assembleia (cuja comprovação constitui pressuposto da capacidade judiciária lato sensu) – cf. art.ºs 26º e 29º do CPC; cf. op. cit., pág. 55.

Todavia, como referem João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, parte é quem o é, não quem o devia ou podia ser, esclarecendo que estando a parte representada, parte é o representado, e não o representante – cf. Manual de Direito Processual Civil, Volume I, 2022, pág. 286.

A personalidade judiciária só produz efeitos dentro do processo. Por essa razão, existem entidades dotadas de personalidade judiciária, mas não de personalidade jurídica – cf. art.º 12º e 13º do CPC. A personalidade judiciária é, por isso, um conceito processual, apenas eventualmente coincidente com o de personalidade jurídica e nunca dependente de qualquer capacidade de gozo. Mas constitui pressuposto dos restantes pressupostos processuais subjectivos relativos às partes (a legitimidade ou a capacidade judiciária são atributos das partes) – cf. op. cit., pág. 292.

O condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador, detém, pois, personalidade judiciária (art.º 12.º, al. e)). Entre as acções relativas aos poderes do administrador figuram também aquelas que são propostas pelo condomínio contra o administrador, o que, no seu entender, não afasta a função de substituto processual que é atribuída ao administrador pelo art.º 1437º, n.º 1 do Código Civil – cf. op. cit., pág. 295.

E assim é que, ademais da regulação da figura, o legislador instituiu uma forma de organização do grupo constituído pelos condóminos, de modo a assegurar a formação de uma vontade própria e única e um sistema de gestão e funcionamento eficaz. Assim, a administração das partes comuns do edifício compete à assembleia de condóminos e a um admi­nistrador (art. 1430.º/1 do Código Civil).

A assembleia é um órgão colegial, composto por todos os condóminos, ao qual cabe deliberar acerca da administração das partes comuns do edifício. Pelo processo colegial de formação da declaração coletiva opera-se não apenas uma mutação quantitativa correspondente à soma dos votos maioritários, mas uma real mutação qualitativa, que reconduz as vontades individuais à vontade do próprio grupo. O administrador é o órgão executivo da administração das partes comuns do edifício e das deliberações da assembleia de condóminos, eleito e exonerado por ela (art. 1435.º/1 do Código Civil) tem como incumbência não só o desempenho das funções enumeradas no art. 1436.º, específicas do seu cargo, e noutras disposições legais, como as que lhe forem delegadas pela assembleia.
O legislador, ciente de que o condomínio constitui um centro autónomo de imputação de efeitos jurídicos, dota-o de organicidade e, muito embora não lhe atribua personalidade jurídica, admite que ele pode ser parte nas ações que se inserem no âmbito dos poderes do administrador. Assim decorre directa e imediatamente do artigo 12º alínea e) do CPC.
A medida da personalidade judiciária do condomínio coincide, portanto, com a das funções do administrador – ou seja, as ações que se inserem no âmbito dos poderes do administrador devem ser intentadas por (ou contra o) condomínio. Fora do âmbito dos poderes do administrador, o condomínio não tem personalidade judiciária e, portanto, os condóminos agirão em juízo em nome próprio.

Desde logo, não respeita à administração das partes comuns que incumbe/cabe à Assembleia de condóminos (num certo sentido, que delimita as suas atribuições como tal)[2] e muito menos se inserem no quadro ou âmbito dos poderes do administrador poderes de “disposição” quanto a partes comuns, sendo que a acção de reivindicação de uma parcela de terreno que se discute integrar ou não o jardim ou logradouro de um prédio é susceptível de ter este efeito de “perda”, que afasta manifestamente a recondução a um acto de administração.

Não lhe atribui a lei qualquer poder ou mandato (legal) para a contestação ou propositura de acção de reivindicação e se o não faz, compreensivelmente[3], a lei, bem assim o não podem fazer os condóminos em Assembleia, porquanto, repete-se, não está em causa uma deliberação quanto à administração das partes comuns e é neste âmbito que se movem os poderes ou atribuições da Assembleia, ainda quando unanimidade dos condóminos tenha sido obtida.

Donde, fora do âmbito dos poderes do administrador e fora do âmbito das atribuições da assembleia de condóminos, que vem a ser apenas a administração das partes comuns, como é óbvio, não pode a assembleia mandatar o administrador para fazer o que ela mesma não pode.

Laboram os recorrentes e ambos num equívoco, o de que está em causa uma “mera” ou comum deliberação da assembleia, quando é certo que, se se prefigura uma deliberação, no sentido de manifestação de vontade dos condóminos presentes numa reunião, expressa sob a forma de voto, vem a sê-lo numa matéria que não versa sobre a gestão das partes comuns. Logo, insusceptível de ser deferida pela assembleia ao administrador qualquer poder de representação dos condóminos.

Por isso que tal deliberação não pode basear quaisquer poderes do Administrador para a contestação, como para a propositura da presente acção, em representação do Réu e Autor-Reconvinte, que vem a sê-lo o Condomínio…

O pressuposto processual da capacidade judiciária (em relação ao condomínio) não é absoluto, mas sim relativo, dependendo do objecto da causa.

De harmonia com tal solução legal, para aferir da legitimidade do condomínio é necessário verificar se o mesmo se encontra patente no âmbito dos artigos 1436.º e 1437.º do CC.

Ora, o n.º 1 do artigo 1437.º do Código Civil consigna que “O condomínio é sempre representado em juízo pelo seu administrador, devendo demandar e ser demandado em nome daquele”, aludindo este normativo à legitimidade ad processum, isto é, a capacidade processual (capacidade judiciária, que se traduz na suscetibilidade de estar, por si, em juízo) e não à legitimidade propriamente dita (a chamada legitimidade ad causam).

O art.º 1437º do Código Civil, na redacção anterior à vigência da Lei n.º 8/2022, de 10 de Janeiro[4], concedia ao administrador legitimidade para agir em juízo no desempenho das funções que lhe pertencem, ou quando autorizado pela assembleia de condóminos, ou seja, o legislador entendeu, na mencionada alínea e) do art.º 12º do CPC, que lhe era de atribuir tal veste relativamente às acções em que intervenha o administrador dentro da competência funcional que a lei lhe reconhece – cf. Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Volume I, 3ª Edição revista e actualizada, pág. 57.

É conhecida a divergência doutrinária e jurisprudencial sobre a natureza da matéria regulada no art.º 1437º do Código Civil, na redaçcão anterior à Lei n.º 8/2022, de 10 de Janeiro, sendo que a própria epígrafe da norma aludia a legitimidade do administrador e atenta a forma como estava redigido parecia regular a acção em juízo do administrador em substituição do condomínio, ou seja, a possibilidade de aquele ser parte num processo judicial. Regular-se-ia, assim, a legitimidade activa, tanto para demandar condóminos como terceiros (n.º 1), e passiva, no que respeita às acções respeitantes a partes comuns (n.º 2).

Apesar dessa divergência, a jurisprudência veio a assumir, de modo algo pacífico, que aquilo que se encontrava regulado no art.º 1437º do Código Civil não era a legitimidade substancial do administrador, tal como emerge do disposto no art.º 30º e seguintes do CPC, mas sim a legitimidade processual/formal, no sentido de capacidade de representação, enquanto forma de suprimento da incapacidade judiciária do condomínio.

A autora Sandra Passinhas (A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, 2ª ed., p. 338), concretizando o que se intui da leitura do artigo 12.º, alínea e) do CPC, refere, a exemplo do autor já citado, Gonçalo Magalhães, que “fora do âmbito dos poderes do administrador, o condomínio não tem personalidade judiciária e, portanto, os condóminos agirão em juízo em nome próprio”.

Por seu turno, Rosendo Dias José (A Propriedade Horizontal, p. 133) vinca a tese corporizada no facto de o artigo 1437.º do CC satisfazer a necessidade prática de, no âmbito das funções de administração que lhe pertencem ou que lhe sejam permitidas mediante deliberação da assembleia de condóminos, fazer representar a propriedade horizontal (condomínio) em juízo sem chamar todos os condóminos à acção.

Destarte, a representação judiciária do condomínio (conjunto dos condóminos) por parte do administrador só tem lugar quando a demanda se refere a poderes de administração legalmente deferidos ao administrador (neste caso existe uma representação judiciária por direito próprio) ou a poderes conferidos pela assembleia (neste caso o administrador assegura aos condóminos a inerente representação judiciária), no âmbito dos poderes mesmos da Assembleia, já aludidos, sendo que, por consequência, em todas as matérias que extravasem o âmbito dos poderes conferidos ao administrador, a personalidade judiciária (suscetibilidade de ser parte) recai em exclusivo sobre os próprios condóminos individualmente considerados, os quais consubstanciam os efetivos sujeitos dos interesses substantivos em crise, desconsiderando-se, nesse caso, a personalidade judiciária (ficcionada) do condomínio (e a capacidade judiciária atribuída ao respetivo representante orgânico, o administrador) - neste sentido, vide o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Maio de 2021, processo n.º 90/19.2T8LLE.E1.S1.

Como se analisou, nos poderes atribuídos ao administrador e estabelecidos no referido artigo 1436.º do CC, não se abarca o objeto dos autos, que não é passível de ser abarcado pelas funções conferidas àquele, esclarecendo-se, em complemento, que “regular o uso das partes comuns” (alínea h) não se confunde com discutir a propriedade das mesmas.

Com efeito, a questão controvertida nestes autos não respeita, pelo menos directamente, à atividade própria do condomínio, mas, sim, ao direito de propriedade de cada condómino sobre as partes comuns – designadamente, aquela de que os AA se arrogam proprietários.

Estando fora de dúvidas, portanto, que o objeto da ação extravasa o âmbito da atividade do condomínio, pelo menos stricto sensu, deve concluir-se que a mesma deve correr contra os condóminos de per si, os interessados diretos na discussão do direito de propriedade, de todos e cada um.

As funções específicas do cargo de administrador estão enunciadas no art.º 1436º do Código Civil, podendo desempenhar outras que lhe sejam conferidas pela assembleia de condóminos ou previstas em disposições legais.

Assim, quanto à presença em juízo, Sandra Passinhas refere que o poder de representação processual do administrador previsto no art.º 1437º do Código Civil acompanha necessariamente os seus poderes de gestão no que ao condomínio diz respeito. Enquanto órgão, o administrador tem representação orgânica e representa ex necessario o condomínio. Daí que a representação em juízo do condomínio respeite, inderrogavelmente, no sentido do artigo 1437º, ao administrador eleito pela assembleia dos condóminos, no que respeita às lides compreendidas no âmbito das funções do administrador ou dos maiores poderes que lhe forem atribuídos pelo regulamento ou pela assembleia – cf. A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, pp. 339-340[5]. Dentro, necessariamente, dos poderes da Assembleia, acrescentamos.

Portanto, o que se vinha entendendo é que na previsão do art.º 1437º do Código Civil não estava em causa a legitimidade enquanto pressuposto processual (interesse na procedência ou na improcedência da acção), questão que nem se poderia colocar em relação ao administrador, porquanto este age em juízo por conta do condomínio, enquanto respectivo órgão executivo, logo, necessariamente no interesse dos representados, os condóminos.

Disso se dá conta no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22-02-2022, processo n.º 3077/20.9T8MAI.P1: “Com efeito, o condomínio é que é parte nas relações jurídicas relativas às partes comuns e não o administrador, sendo em relação àquele e não a este que deve ser aferido o preenchimento do pressuposto da legitimidade tal como configurada nos arts. 30º e segs. do Cód. de Proc. Civil, isto é, o interesse na procedência (caso seja o autor) ou na improcedência (caso seja réu) da acção. (…) Continuando, dir-se-á ainda que o regime do art. 1437º do Cód. Civil encontrava a sua razão de ser na realização de uma evidente exigência de simplificação nas relações entre o condomínio e terceiros, ou até algum dos condóminos, em que uma das partes pretenda fazer valer em juízo pretensões respeitantes às partes comuns, de que aqueles são comproprietários.”

Neste aresto, após se fazer alusão a acórdãos que situaram a matéria regulada no art.º 1437º do Código Civil no campo do pressuposto processual da personalidade judiciária (por extensão legal) e na exigência legal de representação dos patrimónios autónomos pelos seus administradores, concluiu-se que à luz da redacção anterior do art.º 1437º do Código Civil, o pressuposto da legitimidade substantiva deve ser referenciado ao Condomínio e que o seu administrador intervém nos autos não em nome próprio, mas sim apenas nessa qualidade de administrador e enquanto órgão daquele.

A Lei n.º 8/2022, de 10 de Janeiro alterou a redação do art.º 1437º do Código Civil, modificando, desde logo, a sua epígrafe, que era “legitimidade do administrador”, para “representação do condomínio em juízo”, dela passando a constar o seguinte: “1.- O condomínio é sempre representado em juízo pelo seu administrador, devendo demandar e ser demandado em nome daquele.2.- O administrador age em juízo no exercício das funções que lhe competem, como representante da universalidade dos condóminos ou quando expressamente mandatado pela assembleia de condóminos.3.- A apresentação pelo administrador de queixas-crime relacionadas com as partes comuns não carece de autorização da assembleia de condóminos.”

Com esta nova redacção, tem-se afirmando que, face à anterior, teria ficado esclarecido que parte legítima é o Condomínio e que a sua representação em juízo cabe ao respetivo administrador, posição esta que se sufraga[6].

Não obstante a melhor concretização das funções do administrador tal como emergem da actual redacção do art.º 1436º do Código Civil e apesar de o art.º 1437º ter deixado de efectuar uma ressalva expressa quanto às acções atinentes a questões de propriedade sobre bens comuns, não se pode deixar de entender que esta matéria está excluída do âmbito das funções do administrador, não lhe cabendo por disposição legal discutir, no confronto com um qualquer dos condóminos ou com terceiro, o direito de propriedade incidente sobre parte comum do edifício constituído em propriedade horizontal. Cfr., novamente, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, 2ª Edição Revista e actualizada, pág. 456 – “A intervenção do administrador, como o próprio nome desse órgão dá desde logo a entender, só se justifica em relação aos actos de conservação e de fruição das coisas comuns, aos actos conservatórios dos respectivos direitos ou à prestação dos serviços comuns. Logo que se entra no domínio das questões de propriedade ou de posse dos bens comuns, está ultrapassado o círculo dentro do qual se contêm os actos do administrador.

Ressalva-se, entretanto, a hipótese de a assembleia conferir poderes especiais ao administrador para representar os condóminos em juízo, mas, como anotamos, quando em causa poderes da assembleia, que o são bem assim de administração. É que não se pode admitir também que a Assembleia institua uma substituição processual representativa quanto a actos ou poderes que não lhe cabem legalmente, pertencendo a cada condómino individualmente[7]. Não pode a Assembleia, por deliberação, ampliar os seus próprios poderes de actuação, fora do quadro das funções ou atribuições legais desse órgão, sendo certo que, como se viu, nestes não se incluem os de disposição de partes comuns (a esta é necessária a intervenção de todos os condóminos).

A correcção ou adequação desta regulação legal, mediante a alteração ao art. 1437º do CC, em termos de afastar já a relevância da deliberação convocada pelo Réu-Reconvinte, percebe-se nitidamente na situação decidenda, pela incongruência sistémica que representaria a possibilidade de prosseguimento da reconvenção, no confronto já com a falta de personalidade e capacidade judiciárias para a declaração oposta.

Não havendo, pois, relativamente ao condomínio norma que resolva a questão da personalidade e capacidade judiciárias quanto a questões de propriedade relativamente às partes comuns devem aplicar-se as normas relativas à compropriedade, pois que se está perante um litígio entre um terceiro e os demais condóminos, atinente a parte alegadamente comum de prédio constituído em propriedade horizontal.

O condomínio, representado pelo administrador, não tem personalidade nem capacidade judiciária passiva ou activa (por substituição processual representativa mediante deliberação da Assembleia de Condóminos) em acções de reinvidicação relativamente a partes comuns do prédio constituído em propriedade horizontal.

A acção proposta pelas recorrentes configura-se como uma acção de reivindicação que deve ser proposta contra todos os condóminos como comproprietários das partes comuns – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-05-2018, processo n.º 278/16.8T8MFR.L1-8.

Bem assim a reconvenção deduzida não o pode ser pelo Condomínio.

E não se oponha que tal determina a impossibilidade ou extrema dificuldade do exercício da reivindicação, por reconvenção, quando se atente já no disposto pelo art. 1405º, nº 2 do CC.

O condomínio não tem, pois, personalidade nem capacidade judiciárias em acções quanto a questões relacionadas com a propriedade das partes comuns do edifício, ainda quando autorizado o Administrador pela Assembleia. Activa ou passiva.

Em conclusão, há efectivamente falta de personalidade e capacidade judiciárias do condomínio, na medida em que a presente acção e reconvenção se não inserem no âmbito dos poderes do administrador, sequer por via da atribuição destes pela Assembleia.

Donde cabendo aos condóminos agir em juízo em nome próprio.

Consequentemente, tendo a acção sido proposta contra o condomínio e a reconvenção por ele e porque este não tem personalidade nem capacidade judiciárias, atento o objecto da causa, impunha-se a sua absolvição da instância e a das Reconvindas bem assim.

É que a falta de personalidade, como de capacidade judiciária, é insuprível[8], como bem se aduz na decisão recorrida.

Tudo para concluir pelo acerto da decisão recorrida, ainda quando se afigure preceder a questão da personalidade judiciária.

III.

Tudo visto, nega-se provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pelas recorrentes, vencidas.

Notifique.


Porto, 20 de Fevereiro de 2025
Isabel Peixoto Pereira
Francisca Mota Vieira
Manuela Machado
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[1] Cf. Art.º 1420º, n.º 2 do Código Civil – O conjunto dos dois direitos é incindível; nenhum deles pode ser alienado separadamente, nem é lícito renunciar à parte comum como meio de o condómino se desonerar das despesas necessárias à sua conservação ou fruição.
[2] Com o que, como bem se anota na decisão recorrida, totalmente irrelevantes os termos da autorização ou mandato pela Assembleia de Condóminos, no caso.
[3] Como resultará infra.
[4] 1. O administrador tem legitimidade para agir em juízo, quer contra qualquer dos condóminos, quer contra terceiro, na execução das funções que lhe pertencem ou quando autorizado pela assembleia.
2. O administrador pode também ser demandado nas acções respeitantes às partes comuns do edifício.
3. Exceptuam-se as acções relativas a questões de propriedade ou posse dos bens comuns, salvo se a assembleia atribuir para o efeito poderes especiais ao administrador
[5] Acessível em http://www.centrodedireitodafamilia.org/sites/cdb-dru7 ph5.dd/files/A_Assembleia_de_condominos.pdf.
[6] Não se desconhecendo já a posição do Ilustre Professor Miguel Teixeira de Sousa, Blog IPPC, entrada de 11/01/2022, A posição em juízo do administrador do condomínio: et tu, Legislator?, acessível em https://blogippc.blogspot.com/, em termos que não redundariam numa solução distinta. Assim é que também não está em causa qualquer questão atinente às relações estabelecidas entre o condomínio e o administrador no campo do exercício das funções deste, sequer qualquer questão que tenha que ver com actos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns ou com a regulação do seu uso (alíneas g) e h) do n.º 1 do art.º 1436º do Código Civil), sendo que os primeiros são aqueles que visam evitar a deterioração ou destruição dos bens, podendo ter natureza material ou judicial, ou seja, actos que nada resolvem em definitivo e que não comprometem o futuro – cf. Pires de Lima e Antunes Varela, op. cit., pág. 454.
[7] Nesse sentido, a eliminação do n.º 4 do 1437º do CC corresponde já à “correcta” compreensão dos poderes do Administrador, remetendo-o aos poderes de representação hoc sensu orgânica, no quadro das funções legais cometidas e, quanto à atribuição pela Assembleia, necessariamente, aos poderes desta.
[8] Supríveis apenas os vícios da representação judiciária, que não se colocam na hipótese versada.