EMPREITADA
DEFEITOS NA OBRA
RESOLUÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
Sumário

I – No regime de empreitada do C. Civil vigoram regras que estabelecem várias relações de subsidiariedade e de alternatividade entre os vários direitos (limitando e condicionando o seu exercício), enquanto no âmbito do Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, os direitos do consumidor, dono da obra, são independentes uns dos outros, estando a sua utilização apenas restrita pelos limites impostos pela proibição geral do abuso de direito (pelo respeito pelos princípios da boa-fé, dos bons costumes e da finalidade económico-social do direito escolhido).
II -Pese a questão do enriquecimento sem causa, ora suscitada pelos RR./apelantes, ser formalmente uma questão nova, porquanto não foi suscitada junto do tribunal recorrido e, nessa medida, não seria de apreciar, certo é, no entanto, que a mesma está imbrincada, conexionada com os efeitos da resolução do contrato operado pela Autora.
Com efeito, nos termos do artº 434º, nº 2, do CC, a resolução não abrange as prestações já efectuadas, neste caso o ferro posto/utilizado na obra, pelo que se tem de entender que a questão ora suscitada pelos RR./Apelantes não se encontra abrangida pelo conceito de “facto novo”, mas sim pelos efeitos da resolução do contrato levado a efeito pela Autora, sendo susceptível de ter em consideração nesta sede de recurso.
III - Tendo operado validamente a resolução do contrato, quer no âmbito do instituto da lei do consumo (Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril), quer do regime da empreitada do C. Civil, é admissível a cumulação da resolução do contrato com a indemnização dos danos por violação do interesse contratual positivo, não alcançados pelo valor económico das prestações retroativamente aniquiladas por via resolutiva, sem prejuízo da ponderação casuística a fazer, à luz do princípio da boa fé, no concreto contexto dos interesses em jogo credor lesado, ou seja, sempre assistiria à Autora a indemnização decorrente da reparação dos defeitos encontrados na obra.

Texto Integral

Proc. nº º 2591/22.6T8AVR.P1
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro
Juízo Central Cível Aveiro - Juiz 2

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Relator: Juiz Desembargador Álvaro Monteiro
1º Adjunto: Juiz Desembargador Paulo Duarte Mesquita Teixeira
2ª Adjunta: - Juiz Desembargadora Maria Manuela Barroco Esteves Machado.
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Sumário:
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I - Relatório:
1. AA, com o NIF ..., intentou acção declarativa em processo comum contra a sociedade comercial “A... Unipessoal, Lda.”, com o NIPC ..., e BB, com o NIF ....
Peticiona a condenação dos Réus:
- Ao pagamento da quantia de €54.713,41, correspondente à diferença entre o valor de € 85.340,03 pago pela Autora à sociedade Ré e os trabalhos efectivamente executados até à resolução do contrato, que se quantificam em €30.626,62;
- Ao pagamento da quantia de €18.371,00 correspondendo ao prejuízo directo que a Autora suportou para rectificar ou corrigir todas as irregularidades e imperfeições detectadas no trabalho executado pelos Réus;
- Ao pagamento da quantia de €20.000,00, a título da inflação dos orçamentos apresentados para a continuação e término da empreitada, no que respeita à mão de obra, materiais necessários e matéria-prima;
- Ao pagamento da quantia de €1.200,00 pela apropriação ilegítima do gerador melhor identificado nos artigos 13.º e 62.º da petição inicial (aperfeiçoada), não devolvido até à data, cuja sua aquisição teve um custo direto de €990,00, mas que na actual data a aquisição de um equipamento no mesmo estado de conservação em que se encontrava implica um custo atual de €1.200,00;
- Ao pagamento da quantia de €5.000,00 a título de danos não patrimoniais sofridos pela Autora.
Perfazendo a quantia global de €99.284,41.
No requerimento apresentado pela Autora em 25/10/2022, é ainda peticionada a condenação dos Réus como litigantes de má-fé, por terem alegado factos falsos e terem praticado omissão grave do dever de cooperação.

2. Na contestação apresentada, os Réus impugnaram os fundamentos da demanda nos termos alegados pela Autora e, por via de excepção, alegaram o seguinte:
- Que existem motivos, à luz dos termos acordados (em especial, a Cláusula 4.ª, n.º 3, e Cláusula 6.ª, n.º 3, ambas do Contrato de Empreitada), que justificam o prolongamento do prazo para a execução da obra;
- Que a resolução daquele contrato por iniciativa da Autora não produziu os seus efeitos jurídicos, por falta de interpelação admonitória aos Réus;
- Que não é admitida a cumulação do pedido de indemnização pelos defeitos da obra executada.
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Realizada a audiência de julgamento foi proferida a seguinte decisão:
“Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, julgo parcialmente procedente a ação e, em consequência, decido condenar os Réus a pagar à Autora as seguintes quantias:
- €54.713,41, correspondente à diferença entre o valor total pago pela Autora à sociedade Ré e o valor dos trabalhos efetivamente executados até à resolução do contrato;
- €22.113,00 correspondendo ao valor atualizado dos defeitos da obra executada;
- €1.000,00 a título de danos não patrimoniais; e
- €1.113,11 relativo ao valor atualizado do custo com a aquisição do gerador,
Perfazendo o montante global de €78.939,52 (setenta e oito mil novecentos e trinta e nove euros e cinquenta e dois cêntimos).
Absolvo os Réus do pedido de condenação como litigantes de má-fé.
Condeno a Autora e os Réus nas custas processuais, na proporção do decaimento, que fixo em 20% e 80% respetivamente (cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, CPC), na vertente de custas de parte.
Notifique e registe.”
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É desta decisão que, inconformados, os RR interpõem recurso, terminando as suas alegações com as seguintes
CONCLUSÕES:
1. DO ERRO DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO:
1.1. DOS FACTOS DADOS COMO PROVADOS:
a) Atendendo ao Parecer Técnico e bem assim aos esclarecimentos prestados, pela testemunha Engenheiro CC, que o Meritíssimo Juiz a quo reconheceu como científicos, o valor indicado por este, como executado - €30.626,62, não inclui o valor do ferro e não inclui IVA.
Pelo que, nos termos do disposto no nº 1, alínea c) do artigo 640º do CPC, deverá ser alterado o facto provado indicado na alínea uu), passando a ter a seguinte redação:
UU – Os trabalhos executados pelos Réus têm o valor de €48.822,41 (quarenta e oito mil, oitocentos e vinte e dois euros e quarenta e um cêntimos), ao qual acresce o valor do IVA correspondente.
b) Quanto ao facto dado como provado em xx), a testemunha Eng. CC indicou ao tribunal, um valor para reparação dos alegados defeitos de €18.371,00 (dezoito mil trezentos e setenta e um euros), que atualizado a 2024 seria de €22.113,00.
Acontece que, a mesma testemunha, a instâncias da Mandatária dos RR., declarou que atualmente, a obra já se encontrava em fase de acabamentos.
Outrossim, também a testemunha DD, arquiteto, referiu que o tempo entre a resolução do contrato e as reparações efetuadas foi curto.
Portanto, tendo em conta que as referidas retificações aos alegados defeitos da obra, já foram efetuadas e, não tendo a A. comprovado nos autos a data em que as mesmas foram levadas a cabo, não pode o referido valor ser atualizado à data de hoje, como se ainda não tivessem as referidas reparações sido efetuadas.
Pelo que, deverá ser alterado o facto provado indicado na alínea xx), passando a ter a seguinte redação:
XX – Para todas as retificações/correções necessárias à empreitada, no seu conjunto, foi calculado um custo para a Autora no valor de €18.371,00 (dezoito mil trezentos e setenta e um euros).
c) Quanto ao facto provado em yy), deveria o tribunal ter levado em consideração as declarações prestadas da A., a qual, perguntada se estava zangada com o Reu, desvalorizou logo completamente o assunto, dizendo que não estava zangada com o Réu BB e que nem sequer pensava nisso.
Ora, alguém que alegadamente sofreu danos morais, de tal ordem que faz um pedido de indemnização de 5.000,00€, não pode, antes até de o processo se encontrar resolvido, responder que não está zangada com o Réu, indo até mais além, dizendo que nem sequer pensa nisso. Efetivamente, se alguém não pensa em determinado assunto, é porque o mesmo não é nem foi relevante, caso contrário, à data da realização do julgamento, apenas cerca de 2 anos depois e não estando ainda o assunto resolvido, certamente pensaria no assunto e estaria zangada com a pessoa que, alegadamente foi responsável pelo mesmo.
Outrossim, deveria o tribunal a quo ter desvalorizado às declarações prestadas pelo Arquiteto DD, já que estas foram sempre genéricas e sem nenhum grau de assertividade e quanto à matéria em concreto, prestadas até fora do contexto da pergunta efetuada. Aliás, todas as declarações prestadas por esta testemunha, foram vagas, imprecisas, contraditórias e até parciais pelo que, deveria ter sido o depoimento desta testemunha completamente desvalorizado.
Pelo que, à luz da prova produzida nos autos, deveria o facto yy) ter sido dado como não provado.

1.2. DOS FACTOS NÃO PROVADOS:
a) O Meritíssimo Juiz a quo dá como não provados, entre outros, os seguintes factos:
“a) A Autora deveria ter pago aos Réus a quantia de €63.946,74, com o depósito do ferro em obra, não o tendo feito;
b) Pelo que, logo no início da obra, os Réus deixaram de receber €26.089,52, o que significa que os Réus tiveram de iniciar os trabalhos socorrendo-se de dinheiros próprios, financiando, assim a obra da Autora;”
Ora, conforme bem refere o Meritíssimo Juiz a quo, “Sempre que sejam aplicáveis normas que estabelecem regras de prova legal, o Juiz não pode deixar de as aplicar, ficando impedido, através da sua livre convicção, de fixar, de modo diverso, os factos que aquelas regras impõem como reais.
Trata-se de uma solução que é transversal a todos os códigos de processo civil dos países da tradição de civil law (cf. art. 286.º, n.º 2 da ZPO alemã).”
Pelo que, no que concerne ao facto dado como não provado, inserto na alínea a), deveria o Tribunal a quo ter dado o mesmo como provado, pois que o mesmo resulta de documento assinado por ambas as partes (contrato de empreitada junto aos autos de fls.), não tendo sido feita qualquer outra prova ainda que de valor probatório inferior, que entrasse em contradição com aquele.
Já quanto ao facto dado como não provado, vertido na alínea b), teria o mesmo que resultar provado, por recurso à experiência comum. Efetivamente, se os RR., não receberam qualquer montante antes do início da obra, significa que, tudo quanto lá foi feito, até ao 1º pagamento, foi feito a expensas dos RR e portanto, por estes financiado.
De facto, não é normal à luz da experiência comum, que um empreiteiro tenha de iniciar uma obra, sem que o dono da mesma adiante um qualquer valor.
Sendo que, conforme resultou dos documentos juntos aos autos e bem assim das declarações prestadas, quer pela A. quer pelo réu BB, os RR iniciaram a obra em 15.11.2021, tendo o primeiro valor sido recebido pelos RR em 24.11.2021. Logo, todos os trabalhos levados a cabo entre 15.11.2021 e 24.11.2021, foram realizados a expensas dos RR.
Pelo que, deveriam tais factos terem sido dados como provados.
b) Mais deu como não provado o seguinte facto:
“h) Na presente data foram já efetuas algumas demolições para dar continuidade aos trabalhos.”
Acontece que, efetivamente, nenhuma prova fez a A. sobre quais os trabalhos que teve de levar a cabo para corrigir os alegados defeitos e o custo que os mesmos importaram, prova esse que era da sua responsabilidade.
Não obstante, resultou da prova produzida nos autos que, à presente data, a obra já se encontra em fase de acabamentos, ou seja, numa fase já muito posterior à fase de alvoramento para a qual os RR haviam sido contratados e na qual, alegadamente foram verificados os defeitos referidos na sentença.
Aliás, resultou também provado que, as retificações à obra ocorreram num curto espaço de tempo após a resolução do contrato em abril de 2022.
Pelo que, tendo em conta a prova produzida, deveria tal facto sido dado como provado.
1.3. OMISSÃO DE MATÉRIA DE FACTO PROVADA:
a) Conforme decorre da douta sentença, o único defeito comunicado ao Réu BB durante o período em que este executou trabalhos na obra, foi uma parede que se encontrava torta: “22. O enunciado constante da alínea zz) dos Factos Provados, que foi alegado pelos Réus, encontra-se admitido no depoimento prestado pela testemunha EE. “Esta testemunha admitiu também que a retificação de uma parede que se encontrava torta, conforme enunciado constante da alínea aa) dos Factos Provados, foi o único defeito comunicado ao Réu BB durante o período em que este executou trabalhos na obra.”
Pelo que, deveria o Meritíssimo Juiz, fazer constar da matéria de facto provada, tal desiderato, por quanto, tem o mesmo implicação na resolução da causa.
Assim, nos termos do disposto artigo 640º do CPC, deverá ser aditada à matéria de facto provada o seguinte:
ddd) “A retificação de uma parede que se encontrava torta, conforme enunciado constante da alínea aa) dos Factos Provados, foi o único defeito comunicado ao Réu BB durante o período em que este executou trabalhos na obra.”
b) Decorre ainda da prova produzida em audiência, nomeadamente das declarações da A. que, todos os defeitos constantes do Parecer Técnico junto aos autos de fls. eram visíveis à data em que os RR se encontravam a executar os trabalhos na obra e que, a A. resolveu o contrato, não em virtude dos defeitos, mas do incumprimento do prazo.
Pelo que, deveria o Meritíssimo Juiz, fazer constar da matéria de facto provada, tal desiderato, por quanto, tem o mesmo implicação na resolução da causa.
Assim, nos termos do disposto artigo 640º do CPC, deverá ser aditada à matéria de facto provada o seguinte:
eee) “Todos os defeitos constantes do Parecer Técnico junto aos autos de fls. eram visíveis à data em que os RR se encontravam a executar os trabalhos na obra, não tendo a A. resolvido o contrato, em virtude dos mesmos, mas apenas pelo incumprimento do prazo.
2. DO ERRO DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE DIREITO:
A) DIREITOS DA AUTORA
Entendeu o Meritíssimo Juiz a quo que a resolução do contrato de empreitada, por parte da A. foi lícita e eficaz, pelo que, entendeu ter a A o direito a ser indemnizada pelos danos negativos, pelos danos que não teria sofrido se não tivesse celebrado o contrato com os Réus.
Mais entendeu que, por estarmos no domínio dos contratos de empreitada, tem o empreiteiro o direito de pedir o pagamento correspondente à parte da obra executada e tem o dono da obra, o direito de exigir o valor dos defeitos da obra executada.
a) Ora, desde logo, partindo desta conclusão do Meritíssimo Juiz a quo, não podiam os RR. serem condenados no pagamento da quantia de €54.713,41.
Efetivamente, conforme decorre, dos documentos juntos aos autos a A. pagou aos RR apenas a quantia global de €47.385,65, com IVA incluído, pois, os €37.954,38 (IVA incluído), relativos ao fornecimento do ferro, foram pagos diretamente pela A. ao fornecedor – facto provado r).
Sendo que, conforme decorre, quer do relatório da Testemunha Engenheiro CC, que o Meritíssimo Juiz a quo valorou como prova científica e bem assim das declarações por este prestadas em sede de audiência de julgamento, o valor da obra efetuada pelos RR foi apurado sem o ferro e sem IVA.
Assim, a diferença apurada entre o valor dos trabalhos efetuados – €30.626,62, sem IVA e o valor efetivamente pago aos RR - €47.385,65, com IVA é de €9.714,91 = (€47.385,65 - €37.670,74).
Pelo que, quando muito, deveriam os RR ser condenados apenas no pagamento deste valor que corresponde efetivamente à diferença entre o valor pago e o valor da obra executada.
Assim, ao decidir de forma diversa, violou o Meritíssimo Juiz a quo o disposto no artigo 434º nº1 e 473º nº1 ambos do CC.
b) No que aos defeitos diz respeito, dispõe a douta sentença que de acordo com a matéria de facto provada, em especial os enunciados constantes das alíneas a) a l) dos Factos Provados, a empreitada em questão pode qualificar-se como empreitada de consumo, dado que a dona da obra é um consumidor final, que a destina a uso não profissional. À empreitada de consumo são aplicáveis as disposições previstas especificamente para relações de consumo, na Lei de Defesa do Consumidor (Lei nº 24/96, de 31/7) e no Dec.-Lei n.º 67/2003, de 8/4 (este atualmente revogado pelo Dec.-Lei n.º 84/2021, de 18/10).
No domínio deste último diploma, que prevê normas de proteção do consumidor, os direitos resultantes para o dono da obra em face dos defeitos que esta apresente têm idêntico conteúdo aos previstos no Código Civil. Não obstante, tais direitos não são de exercício sucessivo, mas sim independentes uns dos outros; por modo que o direito de resolução pode ser exercido sem que tenha existido prévia reclamação dos defeitos pelo dono da obra, sendo que, no caso em apreço, não houve entrega da obra. Não é também essencial para o exercício do direito de resolução a plena coincidência entre os defeitos concretamente denunciados e aqueles que são apurados no âmbito de uma ação judicial em que é pedida indemnização pelo prejuízo resultante dos defeitos. À vista disso, é admissível que, resolvido o contrato, o dono da obra possa pedir, com base no art. 1223.º do Código Civil, o valor dos defeitos da obra executada.
Conclusão com a qual não podemos concordar.
Efetivamente, independentemente da lei aplicável ao caso concreto, mantém-se a obrigatoriedade do dono da obra de comunicar a falta de conformidade da mesma, ou seja, os seus defeitos ao empreiteiro, como condição para o exercício dos direitos previstos quer no Código Civil, quer no DL 84/2021.
De facto, dispõe o artigo 12º nº5 do DL 84/2021 que: “A comunicação da falta de conformidade pelo consumidor deve ser efetuada, designadamente, por carta, correio eletrónico, ou por qualquer outro meio suscetível de prova, nos termos gerais.” Mais dispondo o artigo 15º nº4 do mesmo diploma que“4 – O consumidor pode escolher entre a redução proporcional do preço, nos termos do artigo 19.º, e a resolução do contrato, nos termos do artigo 20.º.”
De facto, a doutrina e a jurisprudência são unânimes, quanto à obrigatoriedade do dono da obra comunicar os defeitos ao empreiteiro, quer se apliquem as normas constantes do Código Civil, quer se apliquem a normas constantes do DL 67/2003, atual DL 84/2021 de 18 de Outubro.
O que difere na aplicação de um e de outro regime jurídico, não é a obrigatoriedade na denúncia dos defeitos, que se mantém, qualquer que seja o regime aplicável, mas antes, o facto de nos termos do Código Civil, após a comunicação dos defeitos, os direitos resultantes para o dono da obra serem de exercício sucessivo e nos termos do DL 84/2021, não obstante os direitos resultantes para o dono da obra serem de idêntico conteúdo, não são os mesmos de exercício sucessivo, mas sim, independentes uns dos outros.
Ora, no caso dos autos, a resolução do contrato de empreitada efetuada pela A., não foi decorrente da verificação de qualquer defeito na obra, mas antes devido ao incumprimento do prazo da mesma, conforme documento de fls.35v e 38v e bem assim, como resultou das suas declarações.
Sendo que, conforme decorre do Parecer Técnico junto a fls., os alegados defeitos da obra encontravam-se visíveis no decorrer da obra, o que foi corroborado, quer pela A., quer por diversas testemunhas.
Aliás, na douta sentença proferida, o Meritíssimo Juiz a quo faz referência a tal facto, dizendo que “Esta testemunha admitiu também que a retificação de uma parede que se encontrava torta, conforme enunciado constante da alínea aa) dos Factos Provados, foi o único defeito comunicado ao Réu BB durante o período em que este executou trabalhos na obra.”
Ora, a este título referem os arts. 1220º, 1221º, 1222º e 1223º que "o dono da obra deve, sob pena de caducidade dos direitos conferidos nos artigos seguintes, denunciar ao empreiteiro os defeitos da obra dentro dos trinta dias seguintes ao seu aparecimento".
Pelo que, não tendo a A. procedido à reclamação aos RR. dos defeitos visíveis no decorrer da obra, nem terem sido os alegados defeitos a causa de resolução do contrato de empreitada, precludiu o exercício dos direitos decorrentes dos mesmos.
Mais refere a douta sentença que: “À vista disso, é admissível que, resolvido o contrato, o dono da obra possa pedir, com base no art. 1223.º do Código Civil, o valor dos defeitos da obra executada.
A indemnização, quando fixada em dinheiro, tem como medida a diferença entre a situação patrimonial (real) do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa mesma data (situação hipotética) se não tivessem existido danos. Se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente, dentro dos limites que tiver por provados (cf. art. 566.º, n.ºs 1, 2 e 3, CC).”
Decidindo, quanto a este particular pela condenação dos RR no pagamento da quantia de € 18.371,00 correspondendo ao prejuízo direto que a Autora suportou para retificar ou corrigir todas as irregularidades e imperfeições detetadas no trabalho executado pelos Réus, com o custo atual de € 22.113, ao qual acresce o valor do IVA correspondente, fundamentando tal condenação nas alíneas vv) a xx) dos Factos Provados).
Ora, O artigo 1223.º do Código Civil não dá cobertura à indemnização de todos os danos provenientes do cumprimento defeituoso do contrato de empreitada.
Tal norma dá amparo apenas à indemnização dos danos cuja reparação não puder ser alcançada através dos outros direitos reconhecidos ao dono da obra (eliminação dos defeitos; nova construção, redução do preço ou resolução do contrato).
Outrossim, conforme refere a douta sentença recorrida, nenhuma prova foi produzida acerca de quais os trabalhos efetuados para retificar os alegados defeitos e quanto é que os mesmos importaram.
Efetivamente, o Parecer Técnico do Eng. CC foi realizado em junho de 2022, sendo que, à data da audiência de julgamento, segundo este e bem assim, segundo a testemunha DD, a obra já se encontrava em fase de acabamentos, ou seja, numa fase muito posterior.
O que significa dizer, que todos os alegados defeitos, já haviam sido corrigidos, pelo que, nunca poderiam os RR serem condenados a pagar à A. o valor atualizado à data atual.
Outrossim, tendo a referida eliminação dos defeitos já ocorrido, competia à A. alegar e provar quais os trabalhos efetivamente levados a cabo para a eliminação dos mesmos e quais os custos que tais trabalhos importaram. Coisa que não aconteceu!
Efetivamente, não podia o Meritíssimo Juiz a quo basear-se no Parecer Técnico junto aos autos, para determinar o valor da indemnização pelos alegados defeitos, já que, aquele constituía apenas uma mera previsão de custos, sendo que, os mesmos já se encontravam efetivamente reparados, competindo assim à A. fazer prova quanto aos trabalhos concretamente efetuados para a eliminação dos defeitos e bem assim quanto ao custo dos mesmos.
Aliás, o Parecer Técnico junto aos autos refere que, a eliminação dos defeitos, consistia em: “Nos muros, pichagens, enchimento e regularizações com materiais adequados (da Sika ou semelhantes) aplicados de acordo com as respetivas fichas técnicas dos fabricantes, estimando 4 homens, em 4 semanas, a 5 dias/semana a 8h/dia”, com um valor global estimado sem IVA de €18.371,00.No entanto, quando valorizou o trabalho efetuado pelos RR no que se refere ao ensoleiramento geral, muros RC e Laje Teto, indicou um valor sem IVA de €10.000,00!
Ou seja, para executar todo o trabalho os RR tiveram um custo de quase metade do valor que o Sr. Engenheiro previu para reparar o mesmo trabalho.
E note-se que, a reparação indicada nem sequer passava por demolir e construir de novo, mas apenas retificar o que estava feito.
Outrossim, considerou o Sr. Engenheiro que para esse trabalho de retificação dos muros, o tempo despendido (1 mês) seria quase o mesmo que os RR tinham para efetuar todo o alvoramento da obra, incluindo os passeios e a piscina (1 mês e meio).
Ora, é por demais evidente que, o Parecer Técnico junto aos autos se encontra inflacionado relativamente ao tempo e aos montantes necessários para a reparação dos alegados defeitos, sendo que, tendo os referidos defeitos sido já eliminados, como é evidente, deveria a A. ter junto aos autos os documentos comprovativos dos montantes por si efetivamente despendidos com a referida eliminação. Não o tendo feito, não cumprir com o ónus da prova a que estava adstrita, pelo que, deveriam os RR ter sido absolvidos deste pedido.
Pelo que, ao decidir de diversa, violou a douta sentença recorrida o disposto no artigo 342º do CC.
c) Quanto aos Danos não patrimoniais dispôs a douta sentença recorrida que:
“51. A Autora exige dos Réus, ainda, o pagamento da quantia de € 5.000,00, a título de danos não patrimoniais. A este respeito, ficou provada a seguinte factualidade: noites mal dormidas, stress, ansiedade e desgaste emocional da Autora, além de ansiedade, vómitos e insónias, um sentimento de humilhação, ao assistir, por diversas vezes, à invasão da sua propriedade por terceiros, sem o consentimento e contra a vontade desta, estados estes que são consequência direta dos factos/omissões praticados pelos Réus. Em concreto, estão em causa as situações de atraso na execução da obra, as imperfeições que os trabalhos executados apresentam, o custo com a sua reparação e a retirada de materiais, como ferro e terra (cf. alínea yy) dos Factos Provados).”
Decidido, ao abrigo do disposto no artigo 496.º, n.ºs 1 e 4, do Código Civil, reputar como adequado fixar, a título de indemnização por danos não patrimoniais, o montante de 1000 mil euros (€ 1.000,00), valor também já atualizado à data da presente sentença, em conformidade com o disposto pelo artigo 566.º, n.º 2, do mesmo Código.
Ora, mais uma vez, mal andou o Meritíssimo Juiz a quo, ao condenar os RR no pagamento da referida indemnização por danos morais, com base nos factos dados como provados na alínea yy).
De facto, conforme ficou explanado supra, a A. revelou em sede de declarações, que não se encontrava zangada com o Réu e mais, que nem sequer pensava nisso, para além de, não ter feito qualquer prova dos alegados estados de stress e ansiedade com as consequências alegas para a sua saúde.
Pelo que, em conformidade com o que ficou dito anteriormente, deveria o facto inserto na alínea yy) dos factos provados, ter sido dado como não provado, absolvendo-se os RR do pedido efetuado pela A.
Ao decidir de diversa, violou a douta sentença recorrida o disposto no artigo 342º do CC.
Conclui que deve conceder-se provimento ao presente recurso de apelação e, em consequência, deve revogar-se a douta sentença proferida, pelo Tribunal a quo e, condenando-se os RR. apenas ao pagamento à A. da quantia de €9.714,91, absolvendo-se os RR. dos demais pedidos.
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A Autora apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
Caso assim não se entenda, revogando V/s Exas. a douta sentença proferida, negando igualmente provimento ao recurso interposto e substituindo-a por uma outra que condene os Recorrentes ao pagamento de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais causados com o incumprimento do contrato de empreitada, em montante superior ao determinado pela douta Sentença recorrida, bem como, condenando os Recorrentes como litigantes de má-fé.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
No exame preliminar considerou-se nada obstar ao conhecimento do objecto do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos recorrentes, não podendo este tribunal conhecer de questões nelas não incluídas, salvo se forem de conhecimento oficioso (cf. artigos 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2, 1.ª parte, e 639.º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil.

Assim, partindo das conclusões das alegações apresentadas pelos Apelantes, as questões a decidir no presente recurso, são as seguintes:
a) Erro notório na apreciação da prova.
c) Erro de julgamento da matéria de direito, por violação do disposto no artigo 434º, nº 1 e 473º, nº 1 e 342º do CC.
d) Se se justifica a alteração da solução jurídica dada ao caso pela 1.ª instância.
***
III - FUNDAMENTAÇÃO
1. OS FACTOS
1.1. Factos provados
O tribunal de que vem o recurso julgou provados os seguintes factos:
a) A Autora é dona e legítima proprietária do prédio urbano destinado à construção, com 3020 m2, que confronta a Norte com FF e GG, a Sul com a Rua ..., a Nascente com HH e a Poente com II, sito na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho de Aveiro, descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o n.º ... daquela freguesia, e registado a favor da Autora pela Ap. ... de 2020/09/28, e inscrito na matriz predial urbana sob o Artigo ... da mesma freguesia;
b) Tendo como objetivo a construção de uma moradia naquele prédio urbano, a Autora solicitou vários orçamentos a várias entidades para a execução daquela empreitada;
c) Os Réus foram duas das Entidades requisitadas para apresentar orçamento;
d) Em consequência, no dia 29 de setembro de 2021, foi enviado um email aos Réus, com a planta e o projeto da moradia e outros documentos, para que aos mesmos fosse possível delimitar os trabalhos a executar e o material necessário para a construção de tosco da moradia pretendida, com vista a apresentação do orçamento;
e) No dia 2 de outubro de 2021 foi apresentado o primeiro orçamento, no valor global de €98.500,00 (noventa e oito mil e quinhentos euros), ao qual acresce o valor do IVA, conforme documento que se encontra junto a fls. 116 e 116 v’ destes autos, cujos dizeres se dão por integralmente reproduzidos;
f) Após análise daquele orçamento apresentado, a Autora solicitou aos Réus novo orçamento para a construção do tosco da mesma moradia, mas incluindo a construção de uma cave, piscina, muros de vedação e pavimentação exterior;
g) No dia 6 de outubro de 2021 foi apresentado o segundo orçamento, com inclusão da uma cave de acordo com o projeto de especialidade, piscina, muros de vedação e pavimentação exterior, no valor global de €123.500,00, ao qual acresce o valor do IVA, conforme documento que se encontra junto a fls. 117 a 118 destes autos, cujos dizeres se dão por integralmente reproduzidos;
h) Após o envio do segundo orçamento, Autora e Réus acordaram verbalmente incluir no orçamento a execução dos passeios exteriores, tendo o último orçamento sofrido um acréscimo de € 16.000,00 (dezasseis mil euros);
i) A empreitada ficaria pelo valor global de €139.500,00 € (cento e trinta e nove mil e quinhentos euros), para a construção do tosco da moradia, com rés do chão e primeiro andar, anexos, cave, piscina, muros de vedação, pavimentação exterior e passeios exteriores;
j) Este último orçamento apresentado (com a inclusão dos passeios exteriores) foi adjudicado pela Autora, tendo servido de base para a celebração do contrato de empreitada;
k) No dia 12 de novembro de 2021, a Autora celebrou o contrato de empreitada com os Réus, conforme documento n.º 4 da petição inicial, cujos dizeres (cf. fls. 21 a 27v’) se dão por integralmente reproduzidos;
l) Com a assinatura do referido contrato de empreitada, os Réus obrigaram-se a executar a construção do tosco da moradia projetada e orçamentada, incluindo paredes exteriores e interiores concluídas, anexos, cave, piscina, muros de vedação, pavimentação exterior e passeios exteriores, incluindo os trabalhos preparatórios necessários à execução da mesma;
m) Apesar de o contrato de empreitada referir que em anexo se encontra a memória descritiva dos trabalhos a executar, e ao contrário do ali declarado, nenhum anexo foi junto àquele contrato, uma vez que as partes munidas da planta, do projeto de estabilidade da moradia e do orçamento apresentado pelos Réus, dispensaram, por acordo, a existência de qualquer anexo ao contrato, considerando que a única memória descritiva dos trabalhos existente é a que vem descrita nos orçamentos apresentados pelos Réus;
n) O preço convencionado pelas partes para a execução da empreitada foi de €139.500,00€ (cento e trinta e nove mil e quinhentos euros), aos quais acresceria o valor do IVA correspondente, encontrando-se incluído no preço todos os trabalhos necessários ao cumprimento do presente contrato, os materiais, ferramentas, a mão-de-obra e todas as despesas relativas aos termos de fiscalização e à direção técnica da obra;
o) Mais ficou acordado entre as partes que a empreitada seria executada e concluída no prazo máximo de 4 (quatro) meses e meio, ou seja, 135 (cento e trinta e cinco) dias, com início dos trabalhos no dia 15 (quinze) de novembro de 2021;
p) Mais declararam os Réus encontrar-se “devidamente habilitados”;
q) Foram efetuadas transferências bancárias para a sociedade Ré, para que esta pudesse adquirir o material necessário à execução da empreitada no prazo convencionado;
r) Em concreto, foram efetuadas pela Autora as seguintes transferências bancárias para a sociedade Ré:
- Em 16/11/2021, pagamento de parte do ferro necessário para a empreitada, no valor €37.954,38, efetuado pela Autora diretamente ao fornecedor do ferro;
- Em 24/11/2021, pagamento à A..., no valor de €24.600,00;
- Em 31/01/2022, pagamento adiantado à A..., no valor de €18.450,00;
- Em 22/02/2022, pagamento à A... para aquisição de madeira, nomeadamente, 150 painéis de madeira tricapa 27 mm 2000x500mm LANA, no valor de €4.335,65;
s) Foi acordado entre as partes, nomeadamente na cláusula 3ª, n.º 1 do contrato de empreitada, que com o depósito da matéria-prima (ferro) em obra, a Autora pagaria aos Réus o montante global de €51.989,22 (cinquenta e um mil novecentos e oitenta e nove euros e vinte e dois cêntimos), conforme orçamento apresentado para aquisição do ferro (desse mesmo valor) e junto em anexo ao contrato, a título de garantia de oscilação de preços de mercado da respetiva matéria-prima, valor que seria deduzido ao montante global da empreitada;
t) Após a assinatura do contrato, o companheiro da Autora conseguiu, para benefício dos Réus, negociar com uma fornecedora de ferro, a mesma quantidade de ferro que os Réus necessitavam para aquela empreitada, por preço inferior ao apresentado aos Réus; este orçamento foi aceite pelos Réus;
u) Por iniciativa dos Réus, mas com o acordo da Autora, aqueles decidiram não adquirir, na fase inicial da obra, todo o ferro necessário para a execução da mesma, conforme havia sido convencionado no contrato de empreitada, tendo adquirido apenas parte dele;
v) Mais acordaram as partes que o ferro foi faturado à sociedade Ré, com o pressuposto de, concluída a empreitada, efetuarem as partes a respetiva compensação de créditos;
w) Não obstante a construção da piscina ter sido a última fase prevista nos termos do contrato de empreitada assinado, os Réus solicitaram à Autora o início da execução dos trabalhos na piscina, antes da conclusão da cave, para rentabilizar os transportes da bomba de betonagem (que segundo os mesmos tinha um custo de €450,00 por cada transporte efetuado), tendo a Autora concordado;
x) Estas alterações ao inicialmente contratado [constantes das alíneas t) a w)] foram acordadas verbalmente por ambas as partes;
y) Em 14/12/2021, a testemunha JJ cortou ferro existente na obra, entre 1 a 2,5 Toneladas, e a pedido do Réu BB, para este usar em pilares e sapatas numa outra obra em Águeda, sem autorização da autora;
z) Em data não concretamente apurada, aquando do desaterro, o Réu BB retirou terra do local da obra em questão, em quantidade não apurada, para usar noutras obras, sem autorização da autora; essa terra não serve como material de construção, nem sequer para assentar tijolos;
aa) Dois meses após o início dos trabalhos, solicitou o fiscal de obra, testemunha EE, a retificação de uma parede que se encontrava torta, tendo o 2.º Réu retificado a parede com areias pobres;
bb) Foram realizadas duas reuniões em obra: a primeira reunião ocorreu no dia 5 de janeiro de 2022, onde as partes acordaram definir novas etapas para a execução da empreitada, posto que os prazos inicialmente definidos não estavam a ser cumpridos;
cc) As Novas etapas/fases da empreitada também não foram cumpridas pelos Réus;
dd) A segunda reunião ocorreu no dia 27 de abril de 2022, entre os Réus, a Autora e o companheiro desta, EE;
ee) O propósito era os Réus apresentarem uma proposta, que seria apresentada até ao final desse dia, tal como ficou acordado entre as Partes;
ff) Uma vez chegado o final do dia 27 de abril de 2022, nada aconteceu: nem desenvolvimento na obra, nem nenhuma proposta apresentada pelos Réus;
gg) Em 28 de abril de 2022, a Autora remeteu carta aos Réus, resolvendo o contrato, com os dizeres do documento de fls. 35v’ e 38v’ destes autos, que por aqueles foi recebida;
hh) No dia 28 de abril de 2022, pelas 23.43 horas, a sociedade Ré endereçou uma proposta à Autora, conforme documento n.º 14 junto com a petição inicial, que se acha a fls. 40 destes autos, cujos dizeres se dão integralmente reproduzidos;
ii) Proposta essa que já tinha sido apresentada à Autora, na reunião em obra, no dia 27 de abril de 2022 e não tinha sido aceite por esta;
jj) Em 30 de abril de 2022, pelas 16.30 horas, ocorreu a invasão pelos Réus e seus funcionários da propriedade da Autora melhor identificada na precedente alínea a), tendo ocorrido os factos melhor descritos no documento que se encontra junto a fls. 45v’ e 46 destes autos, cujos dizeres se dão integralmente reproduzidos, abrangente ainda dos factos ocorridos nos dias 12/05/2022 e 13/05/2022, conforme o mesmo documento;
kk) Os Réus alegaram que não estavam a abandonar a obra, mas que precisavam do material noutra obra, e procederam ao levantamento de materiais, nomeadamente, dos painéis de Madeira Tricapa que se encontravam já aplicados nos muros;
ll) No dia 2 de maio de 2022, a Autora comunicou novamente com os Réus, por correio eletrónico, conforme doc. n.º 17 da petição inicial, que se encontra junto a fls. 44v’, e cujos dizeres se dão integralmente reproduzidos;
mm) Após a polícia ouvir novamente as partes e fazer a descrição dos factos relatados, foram entregues pelos Réus à Autora, perante a PSP ..., as chaves de acesso à propriedade referida na alínea a) e foram substituídos os dois cadeados das duas entradas de acesso à mesma;
nn) Passado o prazo previsto para a execução e conclusão da empreitada (4 meses e meio), a primeira fase de execução da obra não foi terminada (construção da primeira laje);
oo) Durante a execução da obra, nem um estaleiro os Réus montaram para o depósito de ferramentas ou materiais seus, e tão pouco instalaram um WC;
pp) Os Réus, durante a execução da obra, subcontrataram empresas de construção para a execução da empreitada, sem nunca terem dado qualquer conhecimento ou pedido o respetivo consentimento à Autora para essa contratação;
qq) Nem todos os dias os Réus ou os seus funcionários se encontravam em obra para executar a empreitada contratada, situação que se verificou por diversas vezes desde o início da execução da obra;
rr) Os Réus efetuaram um pedido de suspensão do prazo à testemunha EE, verbalmente, pelo período de 15 dias, por altura do Natal de 2021, tendo aquela testemunha consentido na prorrogação por igual período;
ss) O Réu BB foi infetado com COVID19, por altura do Natal de 2021, o que impediu a sua deslocação à obra durante cerca de uma semana, sem conhecimento da Autora;
tt) A Autora comprou um gerador “8 KVA Gasolina 380v”, que cedeu aos Réus para a execução da obra; na data presente, a aquisição de um equipamento no mesmo estado de conservação em que aquele se encontrava (novo) implica um custo atual de € 1.113,11;
uu) Os trabalhos executados pelos Réus têm o valor de € 30.626,62 (trinta mil seiscentos e vinte e seis euros e sessenta e dois cêntimos);
vv) Os trabalhos executados pelos Réus apresentam as seguintes imperfeições:
- Não foi respeitado o recobrimento mínimo de 2 cm das armaduras dos muros de betão armado;
- As armaduras (ferro) encontram-se, no geral, sobre uma face do muro (recobrimento 0cm) e na outra face encontram-se pelo menos com o dobro do previsto (2x2= 4cm); consequentemente, as armaduras estão desprotegidas, pondo em causa a longevidade desses muros e da obra;
- Existem zonas dos muros com segregação dos materiais inertes, o que conduziu a uma elevada porosidade do betão e à consequente falta de proteção das armaduras, pondo em causa a longevidade desses muros e da própria obra;
- Existem zonas dos muros, em que as suas faces foram picadas (cortadas) sem uma posterior regularização do betão, que conduziu a uma elevada porosidade do betão e à consequente falta de proteção das armaduras;
- As espessuras dos muros, de betão armado, não foram cumpridas, existindo variações das suas espessuras, na mesma ordem de grandeza dos respetivos ressaltos e enchimentos ali existentes;
- As faces dos muros não se encontram retilíneas ou regulares, existindo zonas embauladas, zonas com ressaltos/dentes, zonas com enchimentos executados por fases e não de uma vez só;
- Existe uma zona do muro M27, na sua face virada para o interior da moradia, com um enchimento com argamassa de cimento e areia, sendo que estas retificações teriam de ser executadas com materiais adequados (tipo microbetão e produtos adequados para a reparação de betão armado, nomeadamente materiais da Sika ou semelhantes aplicados em conformidade com as respetivas fichas técnicas);
- As juntas (ligações) de betonagem não foram adequadamente tratadas, sendo atualmente pontos frágeis dos muros;
- As variações de implantação da moradia, com os consequentes sobrecustos, no mínimo devidos ao acréscimo dos 3,5 m² de área, vão refletir-se nos dois pisos da moradia;
- Os muros M20 e M28, que servem de caixa de elevador, encontram-se com deslocamentos na ordem dos 60 cm, o que poderá não ser compatível com o elevador previsto para esse local;
ww) Relativamente aos muros em betão armado, deverão ser efetuadas as seguintes retificações/correções:
- Remoção do enchimento em argamassa de cimento e areia, existente na face virada para o interior da moradia, do muro M27;
- Correção/suavização dos ressaltos existentes nas faces dos muros;
- Retificação dos muros de modo a garantir o recobrimento mínimo projetado de 2 cm, das armaduras ou adoção de soluções construtivas que garantam a adequada proteção das armaduras;
- Retificação dos muros nas zonas mal vibradas que se encontram com segregação dos inertes, incluindo remoção do material mais aberto e aplicação de materiais adequados (da Sika ou semelhantes, aplicados de acordo com as respetivas fichas técnicas);
- Retificação das zonas dos muros que foram picadas (cortadas), com posterior regularização da superfície, com aplicação de materiais adequados (da Sika ou semelhantes, aplicados de acordo com as respetivas fichas técnicas), de modo a garantir uma adequada proteção das armaduras;
- Retificação, incluindo picagem e aplicação de materiais adequados (da Sika ou semelhantes, aplicados de acordo com as respetivas fichas técnicas), nas juntas (ligações) de betonagem que não foram adequadamente tratadas e o betão está desligado;
- No piso da piscina, remover a armadura, aplicar camada de betão de limpeza, deixar secar, aplicar calços com 5 cm de espessura e colocar a armadura sobre eles, de modo a garantir o recobrimento de 5 cm assim projetado.
xx) Todas as retificações/correções necessárias à empreitada implicarão, no seu conjunto, um custo para a Autora no valor de € 18.371,00 (dezoito mil trezentos e setenta e um euros), que implica um custo atual de €22.113 (vinte e dois mil cento e treze euros), ao qual acresce o valor do IVA correspondente;
yy) Os factos enunciados traduziram-se em noites mal dormidas, stress, ansiedade e desgaste emocional da Autora, e provocaram na Autora, além de ansiedade, vómitos e insónias, um sentimento de humilhação, ao assistir, por diversas vezes, à invasão da sua propriedade por terceiros, sem o consentimento e contra a vontade desta, e à retirada de parte do ferro da obra, estados estes que são consequência direta dos factos/omissões praticados pelos Réus e acima descritos;
zz) O companheiro da Autora e fiscal de obra, testemunha EE, ia por diversas vezes à obra, quer para acompanhar o andamento dos trabalhos, quer para os fiscalizar;
aaa) O projeto apresentado na Câmara Municipal não previa uma cave; durante o período em que os Réus se encontravam na obra, a Autora não tinha licença de construção que previsse a construção de uma cave;
bbb) Durante a execução da fase de construção da cave e da 1ª laje, a Autora solicitou a alteração da localização da entrada exterior da cave (portão), por indicação do arquiteto DD; esta alteração implicou que se tivesse de cortar o muro lateral, que já se encontrava betonado, e a colocação de uma viga para sustentação do portão, sendo suficiente um dia para a realização destes trabalhos;
ccc) O projeto do elevador foi notificado aos Réus em 03/12/2021, e a aprovação da licença de construção foi notificada aos Réus em 20/12/2021.

Factos não provados
5. Não se logrou provar a seguinte factualidade:
a) A Autora deveria ter pago aos Réus a quantia de € 63.946,74, com o depósito do ferro em obra, não o tendo feito;
b) Pelo que, logo no início da obra, os Réus deixaram de receber € 26.089,52, o que significa que os Réus tiveram de iniciar os trabalhos socorrendo-se de dinheiros próprios, financiando, assim, a obra da Autora;
c) O pagamento do montante de € 4.335,65 foi efetuada à Ré A... como parte da execução dos muros de betão da cave;
d) A alteração da entrada exterior da cave constituiu um atraso significativo na execução da obra, pois originou a paragem da obra;
e) A execução da caixa do elevador levou ao atraso na execução da obra;
f) Não estava prevista a execução de um elevador interno, desde a cave até ao 1º andar da moradia, tendo essa alteração sido também solicitada no decorrer da obra;
g) Mais acordaram as partes que a madeira Tricapa foi faturada à sociedade Ré, com o pressuposto de, concluída a empreitada, efetuarem as partes a respetiva compensação de créditos;
h) Na presente data foram já efetuadas algumas demolições para dar continuidade aos trabalhos.
***
1.3. Os Apelantes pretendem que este Tribunal reaprecie a decisão em relação a certos pontos da factualidade julgada provada e não provada, tendo por base meios de prova que indicam.
Dispõe o art. 662.º, n.º 1 do C. P. Civil, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos dados como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
À luz deste preceito, “fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia”.
O Tribunal da Relação usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância, nos termos consagrados pelo art. 607.º, n.º 5, do C. P. Civil, sem olvidar, porém, os princípios da oralidade e da imediação.
A modificabilidade da decisão de facto é ainda susceptível de operar nas situações previstas nas diversas alíneas do n.º 2 do art. 662.º do C. P. Civil.
A prova é “a actividade realizada em processo tendente à formação da convicção do tribunal sobre a realidade dos factos controvertidos”, tendo “por função a demonstração da realidade dos factos” (art. 341.º do C. Civil) – a demonstração da correspondência entre o facto alegado e o facto ocorrido, vide Miguel Teixeira de Sousa, As partes, o objeto e a prova na ação declarativa, Lex, 1995, p. 195.
Sendo desejável, em prol da realização máxima da ideia de justiça, que a verdade processual corresponda à realidade material dos acontecimentos (verdade ontológica), certo e sabido é que nem sempre é possível alcançar semelhante patamar ideal de criação da convicção do juiz no processo de formação do seu juízo probatório.
Daí que a jurisprudência que temos por mais representativa acentue que a “verdade processual, na reconstrução possível, não é nem pode ser uma verdade ontológica”, não podendo sequer ser distinta ou diversa “da reconstituição possível do passado, na base da avaliação e do julgamento sobre factos, de acordo com procedimentos e princípios e regras estabelecidos”, os quais são muitas vezes encontrados nas chamadas “regras da experiência”, vide Ac. do STJ de 06.10.2010, relatado por Henriques Gaspar no processo 936/08.JAPRT, acessível em www.dgsi.pt.
Movemo-nos no domínio do que a doutrina considera como standard de prova ou critério da suficiência da prova, que se traduz numa regra de decisão indicadora do nível mínimo de corroboração de uma hipótese para que esta possa considerar-se provada, ou seja, possa ser aceite como verdadeira, vide LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, O Standard de Prova no Processo Civil e no Processo Penal, janeiro de 2017, acessível em http://www.trl.mj.pt/PDF/O%20standard%20de%20prova%202017.pdf.
Para o citado autor “pese embora a existência de algumas flutuações terminológicas, o standard que opera no processo civil é, assim, o da probabilidade prevalecente ou “mais provável que não”. Este standard consubstancia-se em duas regras fundamentais:
(i) Entre as várias hipóteses de facto deve preferir-se e considerar-se como verdadeira aquela que conte com um grau de confirmação relativamente maior face às demais;
(ii) Deve preferir-se aquela hipótese que seja “mais provável que não”, ou seja, aquela hipótese que é mais provável que seja verdadeira do que seja falsa.
Em primeiro lugar, este critério da probabilidade lógica prevalecente – insiste-se – não se reporta à probabilidade como frequência estatística mas sim como grau de confirmação lógica que um enunciado obtém a partir das provas disponíveis.
Em segundo lugar, o que o standard preconiza é que, quando sobre um facto existam provas contraditórias, o julgador deve sopesar as probabilidades das diferentes versões para eleger o enunciado que pareça ser relativamente “mais provável”, tendo em conta os meios de prova disponíveis. Dito de outra forma, deve escolher-se a hipótese que receba apoio relativamente maior dos elementos de prova conjuntamente disponíveis”
Os meios de prova, enquanto “modos por que se revelam os factos que servem de fonte das relações jurídicas”, encontram no Código Civil os seguintes tipos:
- a confissão (arts. 352.º a 361.º); a prova documental (arts. 362.º a 387.º);
- a prova pericial (arts. 388.º e 389.º);
- a prova por inspecção (arts. 390.º e 391.º);
- e a prova testemunhal (arts. 392.º a 396.º).
Nos termos do preceituado no art. 607.º, n.º 5, do C. P. Civil, “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”.
O citado normativo consagra o chamado princípio da livre apreciação da prova, que assume carácter eclético entre o sistema de prova livre e o sistema de prova legal.
Assim, o tribunal aprecia livremente a prova testemunhal (art. 396.º do C. Civil e arts. 495.º a 526.º do C. P. Civil), bem como os depoimentos e declarações de parte (arts. 452.º a 466.º do C. P. Civil, excepto na parte em que constituam confissão; a prova por inspecção (art. 391.º do C. Civil e arts. 490.º a 494.º do C.P. Civil); a prova pericial (art. 389.º do C. Civil e arts. 467.º a 489.º do C. P. Civil); e ainda no caso dos arts. 358.º, nºs 3 e 4, 361.º, 366.º, 371.º, n.ºs 1, 2ª parte e 2, e 376.º, n.º 3, todos do C. Civil.
Por sua vez, estão subtraídos à livre apreciação os factos cuja prova a lei exija formalidade especial: é o que acontece com documentos ad substantiam ou ad probationem; também a confissão quando feita nos termos do art. 358.º, nºs 1 e 2 do C. Civil; e os factos que resultam provados por via da não observância do ónus de impugnação (art. 574.º, n.º 2, do C. P. Civil).
O sistema de prova legal manifesta-se na prova por confissão, prova documental e prova por presunções legais, podendo distinguir-se entre prova pleníssima, prova plena e prova bastante”, vide Castro Mendes, Do conceito de prova em processo civil, Ática, 1961, Tese de Doutoramento apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, p. 413.
A prova pleníssima não admite contraprova nem prova em contrário. Nesta categoria integram-se as presunções iuris et de iure (art. 350.º, n.º 2, in fine do C. Civil).
Por sua vez, a prova plena é aquela que, para impugnação, é necessária prova em contrário (arts. 347.º e 350.º, n.º 2, ambos do C. Civil). Assim será com os documentos autênticos que fazem prova plena do conteúdo que nele consta (art. 371.º, n.º 1, do C. Civil), sem prejuízo de ser arguida a sua falsidade (art. 372.º, n.º 1, do C. Civil), e também com as presunções iuris tantum (art. 350.º, n.º 2, do C. Civil).
Por último, a prova bastante carateriza-se por bastar a mera contraprova para a sua impugnação, ou seja, a colocação do julgador num estado de dúvida quanto à verdade do facto (art. 346.º do C. Civil). Assim se distingue prova em contrário de contraprova – aquela, mais do que criar um estado de dúvida, tem de demonstrar a não realidade do facto, vide Pais de Amaral, Direito Processual Civil, 12.ª edição, Almedina, 2015, p. 293.
*
1.4 Do invocado erro de julgamento.
Alegam os Apelantes que deve ser alterada a redacção da alínea uu) para a seguinte:
- Os trabalhos executados pelos Réus, sem contabilização do valor do ferro, têm o valor de €30.626,62 (trinta mil, seiscentos e vinte e seis euros e sessenta e dois cêntimos), ao qual acresce o valor do IVA correspondente.

A redacção constante da alínea uu) é a seguinte:
“uu) Os trabalhos executados pelos Réus têm o valor de €30.626,62 (trinta mil seiscentos e vinte e seis euros e sessenta e dois cêntimos);”

A sentença recorrida fundamentou da seguinte forma:
“No que tange ao valor dos trabalhos executados pelos Réus, às imperfeições de execução e correções necessárias, bem assim o seu custo (alíneas uu), vv), ww) e xx) dos Factos Provados), o Tribunal teve em consideração o parecer técnico elabora pelo Eng. Civil (Sénior) CC (fls. 54 e ss.). Este parecer identifica o método de análise e os princípios orientadores, apoia-se numa visita ao local da obra realizada pelo próprio em 21/05/2022, é coerente e indica a margem de fiabilidade. Acresce que a testemunha em causa exerce funções de perito ao serviço do Tribunal há já bastante tempo, e não lhe são conhecidos erros técnicos.
Isto significa que o Tribunal está em condições de aceitar como científicas – e, por isso válidas – as conclusões do parecer técnico efetuado pela testemunha CC.”

A impugnação tem duas vertentes, a do ferro e a do IVA, sendo de deferir a mesma na totalidade.
Com efeito, a testemunha CC, autora do relatório junto em 20.07.2022 e aludido na fundamentação pelo tribunal recorrido, é claro em afirmar que não contabilizou o ferro e o valor de €30.626,62 é sem IVA.
Aliás, sempre se tinha de assim entender, porquanto se encontra provado em r) que em 16/11/2021, pagamento de parte do ferro necessário para a empreitada, no valor €37.954,38, efetuado pela Autora diretamente ao fornecedor do ferro.
Ou seja, o ferro foi pago pela Autora, pelo que seria contraditório considerar que o valor incluísse o valor do ferro.
Assim sendo, procede a impugnação, ainda que com redacção diferente da pugnada pelos RR, ficando a constar da alínea uu) dos factos provados a seguinte redacção:
- Os trabalhos executados pelos Réus, sem contabilização do valor do ferro, o qual foi adquirido directamente pela Autora junto do fornecedor, têm o valor de €30.626,62 (trinta mil, seiscentos e vinte e seis euros e sessenta e dois cêntimos), ao qual acresce o valor do IVA correspondente.
*
Pretendem as Apelantes que a redacção da alínea XX dos factos provados deve ser a seguinte:
– Para todas as retificações/correções necessárias à empreitada, no seu conjunto, foi calculado um custo para a Autora no valor de €18.371,00 (dezoito mil trezentos e setenta e um euros).

Alínea XX dos factos provados tem a seguinte redacção:
Todas as retificações/correções necessárias à empreitada implicarão, no seu conjunto, um custo para a Autora no valor de € 18.371,00 (dezoito mil trezentos e setenta e um euros), que implica um custo atual de € 22.113 (vinte e dois mil cento e treze euros), ao qual acresce o valor do IVA correspondente.

A decisão recorrida refere:
“Quanto ao valor atualizado do custo, nos termos do art. 566.º, n.º 2. do Código Civil, o Tribunal teve em consideração o depoimento prestado pela mesma testemunha, que justificou o seu cálculo, de forma suficientemente individualizada, ao contrário da testemunha DD que se limitou a apontar, a respeito do preço dos materiais, um valor genérico, sem indicar quantidades de material e os respetivos preços.”

O meio de prova indicado pelos Apelantes não é de molde a abalar a convicção explanada pelo tribunal a quo.
Como se sabe, continua a vigorar o princípio da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, sendo que a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância.
Por outras palavras, a alteração da matéria de facto só deve ser efetuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1.ª Instância. “Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte” (Ana Luísa Geraldes, “Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto”, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, Coimbra Editora, pág. 609).
Aliás, diga-se que a testemunha CC refere ter passado lá há 15 dias e a obra está em fase de acabamentos, sendo que a testemunha DD pouco relevante é, face à forma vaga como depôs sobre esta questão.
Acresce que o relatório tendo sido junto em 20.07.2022 e ainda se encontrando em fase de acabamentos, bem andou o Tribunal recorrido na actualização feita do custo das obras.
Em suma, é de indeferir a impugnação nesta parte.
*
Pretendem ainda os Apelantes que seja dado por não provado o facto yy), o qual tem a seguinte redacção:
Os factos enunciados traduziram-se em noites mal dormidas, stress, ansiedade e desgaste emocional da Autora, e provocaram na Autora, além de ansiedade, vómitos e insónias, um sentimento de humilhação, ao assistir, por diversas vezes, à invasão da sua propriedade por terceiros, sem o consentimento e contra a vontade desta, e à retirada de parte do ferro da obra, estados estes que são consequência direta dos factos/omissões praticados pelos Réus e acima descritos.

O Tribunal recorrido fundamentou da seguinte forma:
“Para prova dos danos morais alegados pela Autora (alínea yy) dos Factos Provados), o Tribunal teve em consideração as declarações de parte da Autora e o depoimento do Arquiteto DD quanto aos aspetos que referiu sobre os estados subjetivos vivenciados pela Autora em consequência da verificação das imperfeições da obra, da invasão da propriedade pelos Réus e da retirada de materiais.”

Também aqui os meios de prova indicados pelos Apelantes não são de modo a alterar a convicção formada e explanada pelo tribunal recorrido, o qual como é consabido continuar a usufruir do princípio da imediação.
Aliás, diga-se, não se vislumbrar que exista qualquer contradição entre os danos não patrimoniais dados por provados e o facto da mesma ter afirmado “nem penso nisso”, quando é sabido que nunca mais viu o R.
Em suma, é de indeferir a impugnação em causa, atentos os fundamentos constantes da decisão recorrida e com os quais se concorda.
*
Pretendem os apelantes que os factos não provados em a) e b) deviam ser dados por provados.
Os factos em causa são:
“a) A Autora deveria ter pago aos Réus a quantia de €63.946,74, com o depósito do ferro em obra, não o tendo feito;
b) Pelo que, logo no início da obra, os Réus deixaram de receber €26.089,52, o que significa que os Réus tiveram de iniciar os trabalhos socorrendo-se de dinheiros próprios, financiando, assim a obra da Autora.

A sentença recorrida fundamento da seguinte forma:
No que se refere às alterações verbais ao contrato de empreitada alegadas pela Autora (que constam dos enunciados das alíneas t) a w) dos Factos Provados), o Réu BB admitiu que o fornecedor do ferro não foi a empresa que lhe deu o orçamento (B...), mas antes o que foi escolhido (C...) pela testemunha EE (companheiro da Autora e fiscal de obra por esta nomeado). Esta afirmação está corroborada pelos documentos de fls. 25v’, 28 e 90v’ destes autos.
Nas mesmas declarações de parte, o Réu BB admitiu igualmente que, na fase inicial da obra, não foi comprada a totalidade do ferro necessário para a execução da obra, tal como havia sido acordado no contrato de empreitada.
Por estas razões, decide-se julgar não provados os enunciados de facto constantes das alíneas a) e b) dos Factos Não Provados.

Também aqui é de improceder a impugnação da matéria de facto, senão veja-se.
Da análise do contrato de empreitada consta no nº 1, da Cláusula 3ª que “Com o depósito da matéria-prima (ferro) em obra, a Primeira Outorgante pagará o montante global de 51.989,22 € (Cinquenta e um mil novecentos e oitenta e nove euros e vinte e dois cêntimos), aos Segundos Outorgantes, conforme orçamento junto ao presente contrato, a título de garantia da oscilação de preços de mercado da respetiva matéria-prima, valor que será deduzido ao montante global da empreitada.”
Constata-se que o anexo junto corresponde a um orçamento no valor global de €51.989,22 com vista a aquisição de ferro.
Ou seja, logo por aqui os factos em causa não poderiam ser dados por provados.
Decorre ainda do depoimento da testemunha EE que apenas após a assinatura do contrato de empreitada é que o orçamento foi adjudicado ao fornecedor, o que foi feito por um valor inferior ao previsto inicialmente, vide documento junto aos autos em 27.02.2023, a que acresce o facto do orçamento adjudicado apenas foi adquirido parte do ferro para a empreitada, conforme doc. 5 da petição inicial.
Além disso, nas declarações de parte, o Réu BB reconheceu que na fase inicial da obra, não foi comprada a totalidade do ferro necessário para a execução da obra, tal como havia sido acordado no contrato de empreitada.
Em suma, inexiste qualquer prova credível que seja de concluir pela alteração de tal factualidade de não provada para provada, pelo que bem andou o tribunal recorrido em dar tais factos por não provados.
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Pretendem ainda os Apelantes que seja dada como provada a alínea h) dos factos provados.
A redacção da tal alínea é a seguinte:
“Na presente data foram já efetuadas algumas demolições para dar continuidade aos trabalhos.”

A sentença recorrida fundamentou da seguinte forma:
“Por último, a não prova do enunciado constante da alínea h) dos Factos Não Provados justifica-se, em razão de não ter sido produzida prova suficiente sobre os concretos trabalhos que, entretanto, foram realizados na moradia. Apenas a testemunha DD (arquiteto) se referiu a este ponto, dizendo que a obra não foi demolida, para evitar custos, e fizeram-se adaptações/correções; só algumas das paredes é que foram demolidas e refeitas.
Para prova daquele facto, a Autora juntou o documento de fls. 50 destes autos. Mas, como o próprio documento indica, trata-se de um orçamento para a conclusão dos trabalhos de estrutura da moradia, com condições ainda a combinar. Acresce que, nenhuma testemunha foi inquirida sobre este documento; em especial, sobre se os trabalhos ali indicados foram ou não (total ou parcialmente) aplicados para a conclusão da obra (p. ex., nenhuma testemunha disse quem é o empreiteiro que está a terminar a obra, que trabalhos efetuou em concreto até ao momento, qual o preço pago a esse (novo) empreiteiro pela Autora, etc.).”

A prova testemunhal referida pelos Apelantes (CC e DD) é inconclusiva e insuficiente para alterar tal factualidade e para colocar minimamente em causa a fundamentação feita pelo tribunal recorrido, sendo que este, como já acima foi referido, em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si ou dada a fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova.
Assim sendo, improcede a impugnação da matéria de facto em causa.
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Invocam ainda os Apelante haver omissão de matéria de facto provada e que devem ser aditados os seguintes factos:
ddd) “A retificação de uma parede que se encontrava torta, conforme enunciado constante da alínea aa) dos Factos Provados, foi o único defeito comunicado ao Réu BB durante o período em que este executou trabalhos na obra.”
eee) “Todos os defeitos constantes do Parecer Técnico junto aos autos de fls. Eram visíveis à data em que os RR se encontravam a executar os trabalhos na obra, não tendo a A. resolvido o contrato, em virtude dos mesmos, mas apenas pelo incumprimento do prazo.

Relativamente ao ponto ddd) sustentam-se os Apelantes que consta da sentença que o único defeito comunicado ao Réu BB durante o período em que este executou trabalhos na obra, foi uma parede que se encontrava torta: “22. O enunciado constante da alínea zz) dos Factos Provados, que foi alegado pelos Réus, encontra-se admitido no depoimento prestado pela testemunha EE. “Esta testemunha admitiu também que a retificação de uma parede que se encontrava torta, conforme enunciado constante da alínea aa) dos Factos Provados, foi o único defeito comunicado ao Réu BB durante o período em que este executou trabalhos na obra.”

Como se sabe, na abordagem que se faz à fundamentação deve-se ter uma visão do conjunto de toda a prova produzida e não só parcial/parcelar daquilo que convém à parte.
Ora, decorre do depoimento da testemunha EE, a qual refere no seu depoimento ter havido vários defeitos e reporte dos mesmos com vista a serem reparados.
Decorre ainda dos depoimentos das testemunhas CC e DD a obra padecer de vários defeitos, o que é reafirmado nas declarações de parte da Autora AA.
Assim sendo, é de indeferir o aditamento do ponto ddd) pretendido pelos Apelantes.
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Relativamente ao ponto eee) também é de indeferir o aditamento, porquanto decorre dos depoimentos das testemunhas EE, DD e CC, que uma parte dos defeitos apurados apenas foram detectados após a resolução do contrato de empreitada.
Assim sendo, improcede o aditamento pretendido pelos Apelantes.
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1.5 - Síntese conclusiva:
Procede parcialmente a impugnação da matéria de facto, ficando a alínea uu) dos factos provados a ter a seguinte redacção:
- Os trabalhos executados pelos Réus, sem contabilização do valor do ferro, o qual foi adquirido directamente pela Autora junto do fornecedor, têm o valor de €30.626,62 (trinta mil, seiscentos e vinte e seis euros e sessenta e dois cêntimos), ao qual acresce o valor do IVA correspondente.
***
2 - OS FACTOS E O DIREITO.
Os RR. alegam que a sentença recorrida violou o disposto no artigo 434º nº1 e 473º nº1 ambos do CC.
Para o efeito, alegam não podiam ser condenados no pagamento da quantia de €54.713,41, porquanto a A. pagou aos RR apenas a quantia global de €47.385,65, com IVA incluído, pois, os €37.954,38 (IVA incluído), relativos ao fornecimento do ferro, foram pagos directamente pela A. ao fornecedor – facto provado r).
Assim, a diferença apurada entre o valor dos trabalhos efectuados – €30.626,62, sem IVA e o valor efectivamente pago aos RR - €47.385,65, com IVA é de €9.714,91 = (€47.385,65 - €37.670,74).
Conhecendo.
Face à factualidade provada é evidente que o contrato celebrado pelas partes foi de empreitada, conforme disposto artº 1207º do C. Civil.
Como se diz na sentença recorrida, face aos factos provados nas alíneas a) a l) dos Factos Provados, a empreitada em questão pode qualificar-se como empreitada de consumo, dado que a dona da obra é um consumidor final, que a destina a uso não profissional.
A Lei do consumidor 24/96, de 31 de julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, foi revogado pelo Decreto‐Lei n.º 84/2021, de 18/10, que transpôs as Directivas (UE) 2019/771 e (UE) 2019/770 e entrou em vigor em 1/1/2022, sendo aplicável a contratos celebrados após a sua entrada em vigor (artº 53º, nº 1) pelo que este último não é aplicável ao contrato dos autos, o qual data de 12.11.2021.
Nos termos do n.º 1 do artigo 2.º da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, “considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios.”
O âmbito de aplicação da garantia contratual de bens de consumo é indicado pelo art.º 1º do Decreto-Lei nº. 67/2003, de 8 de Abril, cujo n.º 1, refere a hipótese da venda de bens de consumo, tutelando os interesses dos consumidores, tal como definidos pelo art.º 1º-B alínea a), e cujo art.º 1º nº. 2, na republicação do Decreto-Lei nº. 67/2003, de 8 de Abril, em razão do Decreto-Lei nº. 84/2008, de 21 de Maio, determina a sua aplicação “com as necessárias adaptações, aos bens de consumo fornecidos no âmbito de um contrato de empreitada”, sendo esta garantia restrita aos contratos entre aqueles fornecem bens de consumo no exercício de uma actividade económica que visa a obtenção de benefícios e consumidores, pessoas que adquirem bens de consumo com fins não profissionais.
Estão assim em causa os negócios que se estabeleçam entre profissionais, actuando no âmbito da sua actividade, e pessoas que actuem fora do âmbito da sua actividade profissional, dos quais resulte a aquisição de bens, destinados a uso não profissional”, vide AC do STJ de 17.10.2019, processo 1066/14.1T8PDL.L1.S1, Relator Oliveira Abreu, in www.dgsi.pt.
“No Decreto-Lei 67/2003 de 8 de Abril, alterado e republicado pelo Decreto-Lei 84/2008 de 21 de Maio, os direitos conferidos ao consumidor são independentes uns dos outros, podendo exercê-los livremente, com respeito pelos princípios da boa-fé e dos bons costumes e da finalidade económico-social do direito escolhido (que se traduz, essencialmente, na satisfação do interesse do respectivo titular no âmbito dos limites legalmente previstos), sendo as particularidades do caso concreto que enquadrarão as possibilidades de exercício dos diferentes direitos colocados ao dispor do adquirente consumidor - art.º 4º, n.ºs 1 e 5 do Decreto-Lei 67/2003 de 8 de Abril, alterado e republicado pelo Decreto-Lei84/208 de 21 de Maio - importando reconhecer ao consumidor, no condicionalismo concreto apurado em cada caso, o direito de proceder à realização dos trabalhos que se impõem, por terceiro por ele contratado, assistindo-lhe o direito de indemnização em dinheiro, correspondente ao custo dessas reparações, a satisfazer pelo empreiteiro.”, vide vide AC do STJ de 17.10.2019, processo 1066/14.1T8PDL.L1.S1, Relator Oliveira Abreu, in www.dgsi.pt.
“Enquanto no regime do C. Civil vigoram regras relativamente rígidas que estabelecem várias relações de subsidiariedade e de alternatividade entre os vários direitos (limitando e condicionando o seu exercício), no âmbito do DL 67/2003 os direitos do consumidor dono da obra são independentes uns dos outros, estando a sua utilização apenas restringida pelos limites impostos pela proibição geral do abuso de direito (pelo respeito pelos princípios da boa-fé, dos bons costumes e da finalidade económico-social do direito escolhido)”, vide Ac do TRC de 4581/15.6T8VIS.C2, de 04.05.2020, Relator: Barateiro Martins, in www.dgsi.pt.
Chegados aqui, há que dizer que aquando da resolução não se encontrava em causa os defeitos, os quais só posteriormente é que foram detectados, pelo que, como bem se diz e conclui na sentença recorrida, “mesmo que se considere a suspensão dos trabalhos durante 15 dias, acordada entre os Réus e a testemunha EE, por altura do Natal de 2021, e a semana de isolamento profilático do Réu BB, o prazo para conclusão da obra terminaria em 19/04/2022. A resolução foi efetuada por carta datada de 28 de abril de 2022 (cf. alínea gg) dos Factos Provados).
Por conseguinte, está verificado o fundamento da resolução: o não cumprimento pelos Réus do prazo convencionado para a execução e conclusão da obra previsto na Cláusula 4.ª, n.ºs 1 e 2, do contrato de empreitada (ainda que prolongado de acordo com o n.º 4 dessa mesma cláusula contratual ou por acordo).”
Ou seja, perante o incumprimento do prazo acordado, conjugado com a retirada do ferro da obra pago pela Autora, tem de se concluir que a Autora não actuou/procedeu irrazoavelmente, desproporcionadamente ou contra a boa-fé em resolver o contrato, sem sequer converter a mora na reparação em incumprimento definitivo na reparação – pela resolução contratual, porquanto tal não era exigível, atentas as circunstâncias do caso.
Assim, conclui-se ser juridicamente inquestionável o direito à resolução do contrato pela Autora, operada através da a missiva enviada em 28.04.2022, momento a partir do qual a relação contratual existente entre as partes entrou de imediato numa espécie relação de liquidação dos efeitos da resolução do contrato, ficando ambas as partes – em razão da função liberatória/desvinculativa da resolução – dispensadas do dever de cumprir as suas prestações nos termos acordados inicialmente.

A resolução é equiparada, quanto aos efeitos, à nulidade ou à anulabilidade dos negócios jurídicos -- tendo, por isso, efeito retroactivo, (cf. art. 434.º, n.º 1, CC).
In casu, a Autora peticionou o pagamento da quantia de €54.713,41, correspondente à diferença entre o valor total pago pela Autora à sociedade Ré (€85.340,03) e os trabalhos efectivamente executados até à resolução do contrato, os quais foram quantificados em €30.626,62, acrescido de IVA fixado nesta sede de recurso; e ainda o pagamento da quantia de €18.371,00 correspondendo ao prejuízo directo que a Autora suportou para rectificar ou corrigir todas as irregularidades e imperfeições detectadas no trabalho executado pelos Réus, com o custo atual de €22.113, ao qual acresce o valor do IVA correspondente.
A matéria de facto que fundamenta os pedidos da Autora encontra-se evidenciada nas alíneas r), uu) com a alteração efectuada nesta sede de recurso) e vv) a xx) dos Factos Provados).
Os RR. alegam, como já acima referido, que o valor de €37.954,38 constante na alínea r) corresponde ao ferro pago directamente pela Autora ao fornecedor do ferro, o qual foi posto na obra.
A Autora/Apelada alega ser inconcebível que os RR./Apelantes venham invocar o instituto do enriquecimento sem causa, quando não deduziram pedido reconvencional.
Quid Juris?
Estatui o nº 1 do art. 627º do CPCivil que “as decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos.”
Constitui jurisprudência perfeitamente consolidada a de que os recursos se destinam a reapreciar as questões decididas pelo tribunal ad quo, e não a submeter a decisão do tribunal de recurso, questões novas, excepto as de conhecimento oficioso, seja de mérito, seja de natureza adjectiva., vide entre Acórdão do STJ de 07.10.2014, P. 56/04 (Sumários, Out/2014, p. 14):
“Por norma, não pode na alegação de recurso invocar-se questões ou meios de defesa novos, que não tenham oportunamente sido deduzidos (art. 627º/1); os recursos ordinários são de revisão ou de reponderação, tendo por objecto, fundamentalmente, a decisão impugnada ou recorrida, não visando os recursos criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, ressalvando-se, porém, as questões novas que sejam de conhecimento oficioso.”, vide entre Acórdão do STJ de 07.10.2014, P. 56/04 (Sumários, Out/2014, p. 14), bem como AC do STJ de 19.10.2021, processo 5145/15.0T8PBL-A.C2.S1, Relator Ferreira Lopes, in www.dgsi.pt.
Pese a questão do enriquecimento sem causa, ora suscitada pelos RR./apelantes, ser formalmente uma questão nova, porquanto não foi suscitada junto do tribunal recorrido e, nessa medida, não seria de apreciar, certo é, no entanto, que a mesma está imbrincada, conexionada com os efeitos da resolução do contrato operado pela Autora.
Com efeito, nos termos do artº 434º, nº 2, do CC, a resolução não abrange as prestações já efectuadas, neste caso o ferro posto/utilizado na obra, pelo que se tem de entender que a questão ora suscitada pelos RR./Apelantes não se encontra abrangida pelo conceito de “facto novo”, mas sim pelos efeitos da resolução do contrato levado a efeito pela Autora, sendo susceptível de ter em consideração nesta sede de recurso.
Aliás, havia sempre que atender ao estatuído no art.º 1227º, segunda parte do Código Civil, de onde decorre que o empreiteiro tem direito a ser indemnizado pelo trabalho executado e pelas despesas realizadas, norma em que se consagra uma regra de repartição do risco, visando este preceito tutelar a posição jurídica do empreiteiro, vide AC do STJ, de 10.04.2024, Processo 95500/21.7YIPRT.L1.S1, Relator Pedro Lima Gonçalves, in www.dgsi.pt.
Sucede, contrariamente ao alegado pelos RR./Apelantes, o ferro pago pela Autora no valor de €37.954,38 não foi totalmente utilizado na obra, porquanto se encontra provado em y) que em 14/12/2021, a testemunha JJ cortou ferro existente na obra, entre 1 a 2,5 Toneladas, e a pedido do Réu BB, para este usar em pilares e sapatas numa outra obra em Águeda, sem autorização da autora.
Considerando o valor total do ferro comprado (39.131kg no total de €37.954,38 – vide facturas ... e ... junta com a contestação), atendendo que os RR. retiraram da obra uma quantidade que variou entre 1 e 2,5 toneladas, considera-se que será de fixar como razoável e equitativo o valor intermédio, ou seja, 1,25 toneladas retiradas da obra, pelo que será de deduzir ao ferro utilizado na obra o montante de €1.212,50 (€37.954,38: 39.131kg = €0,97 X 1.250kg = €1.212,50).
Tendo em atenção o exposto, conclui-se que na obra da Autora se encontra o valor de €36.741,88 (€37.954,38 - €1.212,50), o qual terá de ser excluído do valor a pagar pelos RR., porquanto o mesmo encontra-se implantado na obra.
Calculando o valor pago pela Autora temos que ao valor total de €85.340,03 há que deduzir o referido valor de €36.741,88 de ferro existente na obra, a que acresce o restante valor da obra prestada pelos RR no montante de €30.626,62, acrescido de €7.044,12 de IVA à taxa legal de 23%, fixado nesta sede de recurso, ou seja, a Autora nesta parte tem a receber a quantia de €10.927,41 (€85.340,03-€36.741,88-30.626,62-€7.044,12).
*
Direito da Autora ao pagamento da reparação dos defeitos.
Sendo aplicável à empreitada de consumo as disposições previstas especificamente para relações de consumo, na Lei de Defesa do Consumidor (Lei nº 24/96, de 31/7) e no Dec.-Lei n.º 67/2003, de 8/4 (este atualmente revogado pelo Dec.-Lei n.º 84/2021, de 18/10), tal significa que o direito à indemnização não é aplicável as regras de articulação dos direitos conferidos ao dono da obra pelo C. Civil, isto é, não deve ser encarado com a configuração meramente subsidiária e residual prevista no art. 1223.º do C. Civil, podendo o direito de indemnização ser “livremente” exercido pelo dono da obra que seja consumidor, desde que sejam observadas as exigências da boa-fé, dos bons costumes e da sua finalidade sócio-económica (desde que sejam respeitados os limites impostos pela figura do abuso de direito – art. 334.º do C. Civil.
Relativamente à questão da cumulação da resolução e da indemnização, suscitava-se o busílis de delimitar o objeto desta, ou seja, saber se tal indemnização deve colocar o credor na situação em que estaria se o contrato tivesse sido cumprido (tese do ressarcimento do interesse contratual positivo ou interesse de cumprimento, visando colocar o lesado na situação em que estaria se o contrato tivesse sido cumprido) ou se apenas visa compensar o credor pelas desvantagens sofridas com a conclusão do contrato (tese do ressarcimento dos danos correspondentes ao interesse contratual negativo, isto é, uma indemnização que o coloque na situação em que estaria se não tivesse sequer celebrado o contrato).
Estando nós no âmbito da empreitada ao consumo a questão tornou-se clara, na medida que o artº 12.º do Dec.-Lei n.º 24/96, estatui no seu nº 1 que o consumidor tem direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestações de serviços defeituosos.
A propósito, diga-se, mesmo que fosse de aplicar as regras da empreitada ao caso sub judice sempre seria de conceder à Autora o direito ao ressarcimento pelos defeitos detectados na obra após a resolução do contrato, senão vejamos.
A favor da impossibilidade da cumulação entre resolução do contrato e indemnização invocava-se que a resolução visa destruir o negócio, a qual tem eficácia retroactiva, bem como ser logicamente incompatível haver resolução e indemnização uma indemnização positiva.
Sucede que tal perspectiva tem sido abandonada, admitindo-se actualmente a cumulação da resolução contratual com a indemnização positiva.
Assim, tem sido entendimento na jurisprudência que, que, pese embora, por regra, a resolução contratual abra caminho a indemnização apenas pelos danos negativos, em situações excepcionais pode haver lugar a indemnização pelos danos positivos, vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 12.02.2009 (cfr. processo n.º 08B4052, relator João Bernardo, in www.dgsi.pt).
“No quadro dos desenvolvimentos mais recentes da doutrina e da jurisprudência, é de considerar, em tese, admissível a cumulação da resolução do contrato com a indemnização dos danos por violação do interesse contratual positivo, não alcançados pelo valor económico das prestações retroativamente aniquiladas por via resolutiva, sem prejuízo da ponderação casuística a fazer, à luz do princípio da boa fé, no concreto contexto dos interesses em jogo, mormente em função do tipo de contrato em causa, de modo a evitar situações de grave desequilíbrio na relação de liquidação ou de benefício injustificado por parte do credor lesado», vide o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 15.02.2018 (cfr. processo n.º 7461/11.0TBCSC.L1.S1, relator Tomé Gomes, in www.dgsi.pt).
“O artigo 562.º do Código Civil consagra o princípio de que “quem estiver obrigado a reparar um dano há-de reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”, ora, o evento que obriga à reparação consiste no não cumprimento de uma obrigação; logo, quem estiver obrigado a reparar o dano há-de reconstituir a situação que existiria se a obrigação tivesse sido cumprida. Em favor do cúmulo, depõem dois desenvolvimentos recentes: Em 23 de Julho de 2020, foi aprovada para adesão a Convenção das Nações Unidas sobre a venda internacional de mercadorias de 11 de Abril de 1980 — e, de acordo com os artigos 75.º e 76.º da Convenção, a indemnização cumulável com a resolução do contrato é uma indemnização pelo interesse contratual positivo.
Em 20 de Maio de 2019, foi publicada a Diretiva 2019/771/UE, sobre a venda de bens de consumo — e, de acordo com o considerando 61 da Diretiva, a indemnização “deverá repor a situação em que o consumidor se encontraria se o bem estivesse em conformidade”. Os termos em que está redigido o considerando 61 aplicam-se a toda a indemnização, incluindo à indemnização cumulável com a resolução do contrato de compra e venda”, vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10.12.2020 (cfr. processo n.º 15940/16.7T8LSB.L1.S1, relator Nuno Pinto Oliveira, in www.dgsi.pt).
Assim, tem de se concluir, tendo operado validamente a resolução do contrato, quer recorrendo ao instituto da lei do consumo (Dec.-Lei n.º 24/96, de 31.07), quer ao da empreitada do C. Civil sempre assistiria o direito também à Autora a indemnização decorrente da reparação dos defeitos encontrados na obra, tal como bem foi feito pela sentença recorrida.
No contrato de empreitada, o empreiteiro está adstrito à realização de uma obra isenta de defeitos e conforme o convencionado e, por sua vez, o dono da obra está vinculado ao pagamento do respectivo preço, nos termos dos art. 1207º, 1218º e 1219º do C.C.
O principal direito do dono da obra consiste na entrega da obra realizada nos moldes convencionados e dentro do prazo estabelecido. Em contrapartida, tem a obrigação de aceitar a obra executada sem defeito, e nos termos acordados.
Os Réus não cumpriram a realização da obra nos termos acordados, concretamente pelo cumprimento do prazo acordado (artº 808º, nº 1, do CC), pelo que ocorreu o incumprimento definitivo da realização da obra e, consequentemente, da possibilidade de eliminação dos defeitos da obra, pelo que a Autora procedeu à declaração de resolução do contrato.
O incumprimento definitivo de uma obrigação confere ao credor o direito a ser indemnizado pelos prejuízos causados por esse incumprimento (art.º 798º do C.C.), o que, neste caso, corresponde ao custo das obras de eliminação dos defeitos ou de reconstrução, entretanto efectuadas pelo dono da obra ou por terceiro, indemnização que não está abrangida nas previstas no art.º 1223º do Código Civil que se destinam a compensar os prejuízos não ressarcidos pelo exercício dos direitos de eliminação, redução do preço ou resolução do contrato.
Verificada a resolução do contrato e ficando impossibilitada a obrigação de eliminação dos defeitos ficaram os RR. obrigados ao pagamento dos custos inerentes aos defeitos da obra, pela similitude da situação.
Assim, considera-se ser de deferir a pretensão da Autora a ser indemnizada pelo valor correspondente ao montante correspondente à eliminação dos defeitos nas obras executadas pela Ré, as quais são no valor de €18.371,00, com o custo actual de €22.113,00 ao qual acresce o valor do IVA correspondente.
Tal entendimento não contende ou ofende o princípio da boa-fé nos termos acima referidos no acórdão do STJ, nem proporciona à Autora nenhum benefício ou vantagem injustificada, nem se traduz num desequilíbrio grave na relação de liquidação entre as partes, tanto mais que esta não reclama, de todo, a devolução do preço da empreitada.
Serve o exposto para dizer que a reparação dos defeitos pretendida pela Autora tem como objectivo colocá-la na posição em que estaria em caso de bom cumprimento das prestações efectivamente realizadas pela Ré e, nessa medida, dá pleno cumprimento ao princípio geral da obrigação de indemnizar acolhido no artigo 562.º do Código Civil, o que corresponde a dizer que in casu a resolução do contrato por banda da Autora não é incompatível com a indemnização positiva peticionada.
Assim, estão as RR. obrigadas ao pagamento do valor da reparação dos defeitos de €22.113,00, ao qual acresce o valor do IVA correspondente, ou seja, €5.085,99 (€22.113,00 x 23%), o que totaliza €27.198,99.
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Por se verificarem os pressupostos da responsabilidade extracontratual por factos ilícitos do artº 483º do CC, a existência de um facto voluntário praticado pelo agente lesante, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, estão os RR/apelantes obrigados ao pagamento do montante de €1.000,00 a título de danos não patrimoniais que consideramos adequado e proporcional aos danos sofridos pela Autora, bem como o valor de €1.113,11, relativo ao valor do custo com a aquisição do gerador de que os RR se apropriaram.

Assim, assiste à Autora o direito a receber o montante total de €40.233,51 (€10.927,41 + €27.198,99 + 1.113,11 + €1.000,00), julgando-se parcialmente procedente o recurso interposto pelos RR./Apelantes.
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Deste modo, procederá parcialmente o recurso.
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IV. – Dispositivo
Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a 3ª secção deste Tribunal da Relação do Porto em:
a) Dar parcial provimento ao recurso dos Réus/Apelantes, revogando-se parcialmente a sentença recorrida e condenando-se os RR./apelantes na quantia global de €40.233,51 (quarenta mil duzentos e trinta e três euros e cinquenta e um cêntimos).
b) Custas pelos RR/Apelantes e Autora/Apelada na proporção do decaimento/vencimentos – artigo 527º do Código de Processo Civil.
Notifique.

Porto, 20 de Fevereiro de 2025.
Álvaro Monteiro
Paulo Duarte Teixeira
Manuela Machado