ADMINISTRADOR DO CONDOMÍNIO
ACÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS
LEGITIMIDADE ACTIVA
PRESCRIÇÃO
PRAZO
Sumário

(art.º 663º nº 7 do CPC) – Da responsabilidade exclusiva do relator)
1.Para uma ação de prestação de contas, intentada contra administrador de condomínio, relativamente ao período de tempo em que o mesmo exerceu essas funções, tem legitimidade ativa o Condomínio, representado pelo atual administrador e suportado em deliberação da assembleia de condóminos a autorizar a instauração dessa ação judicial (cfr. Art.º 1437.º n.º 1 e n.º 2 e Art.º 1436.º n.º 1 al. i) do C.C.).
2.A obrigação de prestação de contas por parte do administrador do condomínio (cfr. Art.º 1436.º n.º 1 al. l) do C.C.) está sujeita ao prazo prescricional ordinário de 20 anos previsto no Art.º 309.º do C.C, não lhe sendo aplicável o prazo previsto no Art.º 310.º al. g) do C.C..
3.O Administrador do condomínio não fica definitivamente desonerado da obrigação de prestar contas à Assembleia de condóminos se da ata onde se menciona que apresentou contas, estas não tenham sequer sido aprovadas.
4.Só com a aprovação pelo órgão administrativo do condomínio competente, que é a assembleia de condóminos (cfr. Art.ºs 1430.º e 1431.º n.º 1 do C.C.), é que se tem por extinta e definitivamente cumprida a obrigação de prestar contas devida pelo administrador do condomínio.

Texto Integral

Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- RELATÓRIO
O Condomínio do Edifício … da cidade do Funchal veio intentar a presente ação de prestação de contas, em processo especial regulado nos termos dos Art.ºs 941.º e ss. do C.P.C., contra J…, pedindo que o R. apresentasse contas referentes ao período compreendido entre os anos de 2006 a 2021.
Para tanto, alegou que o R. exerceu a sua atividade de administrador do referido condomínio entre os anos de 2006 a 2021 e que, pese embora interpelado para o efeito, não apresentou contas.
Citado o R. contestou, alegando a ilegitimidade do A. e a prescrição da obrigação de prestar contas, invocando que sempre prestou contas ao longo dos quinze anos que exerceu a administração do condomínio, que exerceu as funções de administrador do condomínio de modo informal e sem renumeração, tendo os condóminos sempre consentido na forma como o condomínio era administrado pelo R., tendo sempre aprovado a atividade e contas que o mesmo apresentava nas assembleias de condóminos que se realizavam ano após ano, constituindo agora esta ação um manifesto abuso de direito, por ser falso que não tenha prestado contas duma administração feita de forma pacífica e com a concordância de todos os condóminos.
Mais alegou que na assembleia de condóminos de 13 de Fevereiro de 2021, o R. apresentou as últimas contas da sua administração, que foram aprovadas, e as Sras. D.ª MA, ML e AT foram nomeadas novas administradoras do condomínio, o que mereceu a aprovação unânime da assembleia de condóminos, incluindo o próprio R..
Concluiu assim pela procedência das exceções alegadas e pela improcedência da ação.
Após o A. ter respondido às exceções alegadas, pugnando pela sua improcedência, veio a ser designada tentativa de conciliação, na sequência da qual a instância esteve suspensa na expectativa das partes chegarem a acordo.
Como não houve acordo, veio a ser proferido despacho saneador, no quadro do qual foram julgadas improcedentes as exceções de ilegitimidade e da prescrição, tendo na sequência sido fixado o objeto do litígio, enunciados os temas de prova, admitidos os requerimentos probatórios e designada audiência final.
Produzida a prova e discutida a causa, veio a ser proferida sentença que, julgando improcedente a exceção perentória de abuso do direito e, bem assim, o pedido de condenação do A. como litigante de má-fé, condenou o R. a apresentar as contas referentes ao período compreendido entre Janeiro de 2006 e Fevereiro de 2021.
É dessa sentença que o R. vem agora interpor recurso de apelação, apresentando no final das suas alegações de recurso as seguintes conclusões:
A. Da Ilegitimidade ativa.
A desconformidade da ata com a realidade é de tal modo manifesta, que a qualificação e aplicação da figura da inexistência jurídica é a mais adequada ao caso sub judice, em detrimento da anulabilidade ou qualquer outro tipo de invalidade.
A corroborar a inexistência de deliberação, resulta o alegado pela testemunha MOM, que se verá mais adiante em sede de alteração da matéria de facto.
O vício de que padece é assim, insanável, podendo ser declarado a todo o tempo, independentemente de decisão judicial.
B. Teríamos de considerar que se encontra prescrita a obrigação de prestação de contas relativamente aos anos anteriores a 2016, por ser de cinco anos o respetivo prazo de prescrição (cfr. art.º 310.º, al. g), do Cód. Civil). E, na nossa modesta opinião, não poderia ser de outra forma, sob pena de se estar a onerar desproporcional e desmesuradamente um cidadão que exerceu funções de administrador de condomínio com tão pesada obrigação, quando os próprios titulares desse direito se desleixaram no exercício do mesmo, conformando-se, reiteradamente, ano após ano, com a forma de administração do seu condomínio. Consequentemente, consideramos que o tribunal a quo apreciou erradamente a questão da prescrição. O que desde já se invoca novamente.
C. O presente Recurso tem igualmente por objeto a Sentença Final proferida no âmbito dos presentes autos, segundo a qual julgou a ação procedente e em consequência condenou o Recorrente a prestar contas referentes ao período compreendido entre Janeiro de 2006 a Fevereiro de 2021.
Da alteração da matéria de facto que se impõe:
D. Resulta do ponto 15 que foi dado como provado o seguinte: “Na reunião do condomínio do passado dia 27 de Dezembro de 2021 a assembleia geral de condóminos deliberou instaurar a presente ação, destinada a exigir contas ao Réu pela sua gestão durante todos os anos da sua administração.”
E. Assim é exigido, não só pelas desconformidades apresentadas e que foram apontadas quanto aos votos, como acima se viu, mas porque essa desconformidade encontra suporte testemunhal.
Vejamos: Testemunha MOM.
Tudo visto o ponto 15 deverá ser dado como não provado.
F. Do ponto 19 dos factos dados como provados.
Ora, o Tribunal a quo não podia de modo algum, dar como provado este facto. Em primeiro lugar, os documentos que foram juntos pelo A. no seu articulado de resposta à contestação, são documento particulares, feitos pela própria a administração. É evidente que não correspondem a extratos bancários, emitidos pelo banco. Como tal não podem assumir tal força probatória, mesmo que o Tribunal se socorra da prova testemunhal – como o fez. Isto porque é certo e sabido, que há determinados factos que só podem ser provados por documento adequado para o efeito. Ora, o caso que nos ocupa sobre alegados pagamentos, só o podem ser efetuados por extratos bancários. A verdade é que todas as testemunhas (com exceção das que fazem parte da administração é claro) fazem referência aos pagamentos alegadamente desconformes com base nos documentos junto pelo A. na resposta à Contestação. Mas o que é certo é que quando confrontados, respondem que nunca viram os extratos bancários.
Testemunha AS; Testemunha SV; Testemunha GD; Testemunha JP; Testemunha LR.
G. Sendo certo que, as testemunhas que efetivamente viram os referidos extratos bancários, declararam que tais alegados pagamentos não constam. Por tudo o acima alegado, deverá ser dado como não provado o ponto 19.
H. Do Ponto B) a R) dos factos dados como não provados.
O Tribunal a quo deu como não provado os pontos de B) a R), que por razões de economia processual não se irá aqui reproduzir, mas que no que releva, considerou que o Recorrente nunca prestou contas à Assembleia. Ora, não podemos concordar. De acordo com a prova testemunhal indicada.
I. Dos pontos A) e S) dos factos dados como não provados.
No nosso entendimento o Tribunal a quo fez uma incorreta valoração da prova testemunhal. Vejamos a prova testemunhal. Ora, sem mais considerações, resulta da prova testemunhal acima indicada, que os factos A) e S) só podem ser dados como provados ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo.
J. Com efeito, os factos A) e S) deverão ser considerados como provados e assumir a seguinte redação:
“A) O Réu exerceu as funções de administrador sempre a pedido dos restantes condóminos, seus vizinhos, que ano após ano lá lhe pediam que assegurasse a administração do condomínio, dada a sua maior disponibilidade de tempo durante o dia e conhecimento prático do Edifício, e porque ninguém quis assumir as referidas funções.
“S) O Réu solicitou, por diversas vezes, aos seus vizinhos que o substituíssem na administração do condomínio, mas todos insistiam na sua continuidade, porque ninguém quis assumir as referidas funções.”
K. Do aditamento aos factos dados como provados:
“23. A documentação do condomínio sempre esteve à disposição dos condóminos”.
“24. O Réu nunca impediu qualquer condómino de consultar a documentação do condomínio”.
Resulta da matéria factual controvertida a de se saber se o Recorrente manteve sempre à disposição, ou se alguma impediu, os condóminos de consultar a documentação do condomínio durante o exercício das suas funções. Vejamos a prova testemunhal relevante para a apreciação,
L. Do Abuso de Direito
M. Tendo em conta tudo o acima alegado, não podemos deixar de discordar com o Tribunal a quo na parte em que julgou improcedente a exceção perentório do abuso de direito.
N. Ao longo de mais de 15 anos, nunca algum dos condóminos do Edifício … questionou ou suscitou qualquer questão relativamente às contas apresentadas pelo Réu, nem quanto à forma, nem quanto ao conteúdo, tanto mais que pagavam pontualmente as suas contribuições para as despesas do condomínio.
O. Ao longo de mais de 15 anos, os condóminos do Edifício … sempre aprovaram as contas apresentadas pelo Réu, incluindo as últimas contas do ano de 2020, que foram apresentadas e aprovadas na assembleia de condóminos do dia 13.02.2021.
P. Pelo que, ao vir requerer a presente ação de prestação de contas, omitindo toda a factualidade acima referida e até mesmo alegando, com falsidade, que o Réu nunca prestou contas (!!), impondo-lhe agora o ónus de prestar contas de uma administração feita, pacificamente, de boa-fé e com a concordância de todos os condóminos, sem exceção, ao longo de mais de 15 anos, está o condomínio Autor a atuar, in extremis, em flagrante abuso de direito, que se invoca nos termos e para os efeitos do artigo 334.º, do Código Civil.
Pede assim que a sentença seja revogada e substituída por outra que declare a ação improcedente.
O A. respondeu ao recurso, sobrelevando das suas contra alegações as seguintes conclusões:
I– O recorrido Condomínio do Edifício … tem toda a legitimidade para intentar a presente ação destinada a exigir a prestação de contas ao recorrente, pois a mesma foi-lhe conferida através da respetiva assembleia geral realizada no passado dia vinte e sete do mês de Dezembro do ano de dois mil e vinte e um, comprovada através da elaboração da ata número 33;
II- Houve um pequeno lapso na elaboração da citada ata, quando refere o número total de votantes, mas a mesma é muita clara na deliberação aí tomada, pois decidiu sem margem para dúvidas instaurar uma ação contra o recorrente, destinada a obrigá-lo a prestar contas durante o período em foi administrador do condomínio recorrido;
III- Nessa mesma assembleia do dia vinte e sete de Dezembro do ano de dois mil e vinte e um, foi ainda decidido mandatar a senhora Presidente do Condomínio, para contratar um senhor Advogado que intentasse a respetiva ação judicial;
IV- Até ao dia de hoje essa assembleia de condomínio nunca foi impugnada judicialmente;
V– Todos os inquiridos em sede da audiência de discussão e julgamento, confirmaram a existência e a realização dessa assembleia geral;
VI – O próprio recorrente que nestas alegações vem por em causa a legalidade dessa assembleia geral, outorgou uma procuração ao seu mandatário forense para que este o representasse nesse ato, o que veio a acontecer, como o comprova a procuração ora junta e a assinatura do referido mandatário forense, no documento que confirmou os condóminos aí presentes, (doc. 1 acima junto);
VII- No documento comprovativo dos condóminos presentes ou representados na citada assembleia geral do dia vinte e sete de Dezembro do ano de dois mil e vinte e um e onde consta a assinatura do ilustre mandatário forense do recorrente, já se encontra descrito de forma correta e certa, o número total dos condóminos que aí estiveram presentes, discriminando-se os que votaram a favor, os que votaram contra e os que se abstiveram na votação da decisão ora em causa (doc. nº 2, acima junto);
VIII- A junção desses dois documentos em sede das presentes alegações, tornou-se útil face ao comportamento do recorrente, em sede das respetivas doutas alegações;
IX- O direito do recorrido a intentar a presente ação, não está prescrito relativamente aos anos anteriores ao ano de dois mil e dezasseis, porque o recorrente só terminou as suas funções de administrador no dia 31/12/2020 e a presente ação deu entrada em juízo no dia 30/12/2021;
X– Por outro lado, o recorrido só se teve conhecimento dos pagamentos feitos pelo recorrente a terceiros e a si próprio, após ter tido acesso ás contas bancárias do condomínio, o que só aconteceu durante o ano de dois mil e vinte e um, pelo que o direito do recorrido, também por este motivo, nunca estaria prescrito relativamente aos anos anteriores ao ano de dois mil e dezasseis;
XI- Através das diversas atas do recorrido juntas aos autos pelo recorrente, fácil é perceber que as contas do condomínio em causa nunca foram aprovadas pelos condóminos, como explica de forma muito clara e linear a douta sentença, ao descrever o conteúdo daquelas, desde o ano de dois mil e seis, até ao ano dois mil e vinte;
XII– O conteúdo das atas não foi posto em causa por ninguém e o mesmo não é passível de outras interpretações, que não seja aquilo que de forma cristalina resulta da sua leitura;
XIII– Todos os pedidos feitos pelos recorrentes para que seja alterada a matéria de facto dada como PROVADA e para que sejam agora aditados novos factos à matéria dada como provada em sede da douta sentença, não têm qualquer apoio, nem na prova documental, nem na prova testemunhal constante dos presentes autos;
XIV- Assim sendo, todos os pedidos feitos pelo recorrente para que seja alterada a matéria de facto dada como provada e não provada, em sede da douta sentença recorrida, devem ser pura e simplesmente indeferidos;
XV- Finalmente, o recorrido não atua com abuso de direito ao propor a presente ação, pois perante os extratos bancários com que foi confrontado durante o ano de dois ml e vinte e um, limitou-se a pedir ao recorrente que justifique os valores pagos, (se tem justificação para esse comportamento) e nada mais do que isso;
XVI- Aliás, perante as suspeitas graves lançadas contra o recorrente por muitos condóminos do recorrido, devia ser do próprio interesse deste explicar a razão e o motivo de diversos pagamentos que fez a terceiros, seus familiares e a si próprio, defendendo a sua honra e consideração e seguindo o princípio popular “de que quem não deve, não teme”.
Pede assim que seja negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
Resta referir que o R. juntou, com as suas contra-alegações, documentos que vieram a ser admitidos por despacho do relator de 16 de janeiro de 2025, que deferiu a admissão dessa prova documental ao abrigo do disposto no Art.º 652.º n.º 1 al. e) do C.P.C.), por decisão de que não houve reclamação.
*
II- QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Art.s 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do C.P.C., as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (vide: Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2017, pág. 105 a 106). Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. Art.º 5º n.º 3 do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas (Vide: Abrantes Geraldes, Ob. Loc. Cit., pág. 107).
Assim, em termos sucintos, as questões essenciais a decidir são as seguintes:
a) A “ilegitimidade” do A. Condomínio
b) A prescrição da obrigação de prestar contas;
c) A impugnação da matéria de facto;
d) O abuso de direito como justificação para a exclusão da obrigação de prestação de contas pelo R..
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
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III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
1- O R. exerceu, entre os anos de 2006 e Fevereiro 2021, a administração do Condomínio do Edifício …, pessoa Coletiva nº …, situado à Rua …, da cidade do Funchal.
2- O R. sempre exerceu as funções de administrador do condomínio de forma não profissional e não remunerada, pois essa não era a sua profissão.
3- Os condóminos do Edifício … confiavam na forma como o condomínio era administrado pelo R..
4- No dia 20 de Fevereiro de 2007 realizou-se assembleia de condóminos, constando de ata que as contas do ano de 2006 foram apresentadas e nada constando de ata quanto à aprovação dessas contas.
5- No dia 27 de Janeiro de 2008 realizou-se assembleia de condóminos e fez-se constar de ata que as contas relativas ao ano de 2007 foram apresentadas e aprovadas.
6- No dia 04 de Abril de 2009 realizou-se assembleia de condóminos, constando de ata que as contas do ano de 2008 foram apresentadas e nada constando de ata quanto à aprovação dessas contas.
7- No dia 10 de Janeiro de 2010 realizou-se assembleia de condóminos, constando de ata que as contas do ano 2009 foram apresentadas, nada constando de ata quanto à aprovação dessas contas.
8- No dia 29 de Agosto de 2010 realizou-se assembleia de condóminos, constando de ata que as contas do ano de 2009 foram apresentadas, nada constando de ata quanto à aprovação dessas contas.
9- No dia 27 de Março de 2011 realizou-se assembleia de condóminos, constando de ata que as contas do ano de 2010 foram apresentadas e aprovadas por unanimidade.
10- No dia 20 de Junho de 2014 realizou-se assembleia de condóminos, contando de ata que foram apresentadas as contas do ano de 2013, nada constando de ata quanto à aprovação dessas contas.
11- No dia 21 de Outubro de 2017 realizou-se assembleia de condóminos, constando de ata que as contas do ano de 2016 foram apresentadas, nada constando de ata quanto à aprovação dessas contas.
12- No dia 30 de Outubro de 2019 realizou-se assembleia de condóminos, nada constando de ata quanto à apresentação e aprovação das contas de 2018.
13- No dia 29 de Dezembro de 2020 realizou-se assembleia de condóminos, tendo-se feito constado de ata que não foi possível apresentar o relatório de contas de 2020, por os condóminos terem considerado que as mesmas teriam de ser apresentadas após 31 de Dezembro de 2020.
14- No dia 13 de Fevereiro de 2021 realizou-se assembleia de condóminos constando de ata que as contas do ano de 2020 foram apresentadas e que as mesmas foram aprovadas por maioria.
15- Na reunião do condomínio do passado dia 27 de Dezembro de 2021 a assembleia geral de condóminos deliberou instaurar a presente ação, destinada a exigir contas ao R. pela sua gestão durante todos os anos da sua administração.
16- Durante os anos da sua administração o R. apresentava nas assembleias que se realizavam uma folha A4, desacompanhada de documentos comprovativos, indicando as entradas e saídas anuais de dinheiro do condomínio.
17- O Condomínio do Edifício …, a 31 de Dezembro de 2020, tinha um saldo bancário a prazo, na conta n.º …, da Caixa Geral de Depósitos, no valor de €50.000,00 (cinquenta mil euros).
18- O Condomínio do Edifício …, a 31 de Dezembro de 2020, tinha um saldo bancário à ordem, na conta n.º …, da Caixa Geral de Depósitos, no valor de €14.287,02 (catorze mil, duzentos e oitenta e sete euros e dois cêntimos).
19- A atual administração do condomínio, no ano 2020, ao tomar conta das respetivas contas bancárias, tomou conhecimento que o condomínio entre os anos de 2016 e 2020 efetuou pagamentos de despesas da EPAL, da Universidade da Madeira, de Seguros da Seguradora Unidas, de produtos de bricolage, de farmácia, produtos de sucata e de gás, Diário de Notícias, bem como da existência de levantamentos efetuados pelo R. e transferências para a conta da esposa do mesmo.
20- O R., em finais do ano de dois mil e vinte comunicou a alguns condóminos, que a documentação do condomínio tinha sito furtada no dia 24 de Dezembro de 2020.
21- O R. apresentou uma queixa crime por furto de documentos, queixa essa que foi arquivada.
22- O R., em Dezembro de 2020, encontrava-se de baixa médica.
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Resulta ainda da sentença que foram julgados por não provados os seguintes factos:
A) O R. exerceu as funções de administrador sempre a pedido dos restantes condóminos, seus vizinhos, que ano após ano lá lhe pediam que assegurasse a administração do condomínio, dada a sua maior disponibilidade de tempo durante o dia e conhecimento prático do Edifício.
B) O R. sempre prestou contas da sua atividade à Assembleia de Condóminos do Edifício ….
C) As contas do ano de 2006 foram prestadas e aprovadas na assembleia realizada em 20 de Fevereiro de 2007.
D) As contas do ano 2007 foram prestadas e aprovadas em 27 de Janeiro 2008.
E) As contas do ano de 2008 foram prestadas e aprovadas em 04 Abril de 2009.
F) As contas do ano de 2009 foram prestadas e aprovadas em 10 de Janeiro de 2010.
G) As contas do ano de 2009 foram prestadas e aprovadas em 29 de Agosto de 2010.
H) As contas do ano de 2010 foram prestadas e aprovadas em 27 de Março de 2011.
I) Realizou-se assembleia de condóminos no ano de 2012, onde foram apresentadas as contas do ano de 2011.
J) Realizou-se assembleia de condóminos no ano de 2013, onde foram apresentadas as contas do ano de 2012.
K) As contas do ano de 2013 foram apresentadas e aprovadas em 20 de Junho de 2014.
L) Realizou-se assembleia de condóminos no ano de 2015, onde foram apresentadas as contas do ano de 2014.
M) Realizou-se assembleia de condóminos no ano de 2016, onde foram apresentadas as contas do ano de 2015.
N) As contas do ano de 2016 foram apresentadas e aprovadas em 21 de Outubro de 2017.
O) Realizou-se assembleia de condóminos no ano de 2018, onde foram apresentadas e aprovadas as contas do ano de 2017.
P) As contas do ano de 2018 foram apresentadas e aprovadas em 30 de Outubro de 2019.
Q) Realizou-se assembleia de condóminos no ano de 2020, onde foram apresentadas e aprovas as contas do ano de 2019.
R) As contas do ano de 2020 foram apresentadas e aprovadas na assembleia de 13 de Fevereiro de 2021.
S) O R. solicitou, por diversas vezes, aos seus vizinhos que o substituíssem na administração do condomínio, mas todos insistiam na sua continuidade.
T) O R. foi pressionado pelos condóminos a abdicar da administração.
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Tudo visto, cumpre apreciar.
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IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Estabelecidas as questões que fazem parte do objeto da presente apelação, cumpre delas tomar conhecimento pela ordem lógica da sua apreciação, começando inevitavelmente pelas que foram objeto de decisão no despacho saneador que aqui também é objeto de apelação.
1. Da “ilegitimidade” do A. Condomínio.
Conforme resulta da petição inicial (cfr. “Petição” de 30-12-2021 – Ref.ª n.º 4483161 - p.e. – e fls. 1 a 3), o A. na presente ação de prestação de contas é identificado como sendo “O Condomínio do Edifício …, situado à Rua …, da cidade do Funchal, Pessoa Coletiva nº …”.
O R., na sua contestação (v.g. artigos 1.º a 18.º), veio alegar a ilegitimidade ativa do Condomínio para figurar como A. nesta ação. Por um lado, reconhecendo que a lei reconhece ao condomínio personalidade judiciária (cfr. Art.º 12.º al. e) do C.P.C.). Mas, por outro, defendendo que a legitimidade processual só pode ser conferida ao respetivo administrador (cfr. Art.º 1437.º do C.C.). Por isso, não tendo a ação sido requerida pelo administrador do condomínio, deveria a mesma improceder por ilegitimidade processual ativa, com a consequente absolvição do R. da instância.
Na verdade, o R. não se limitou a esta argumentação, porque, sem prejuízo, veio invocar ainda que se assim se não entendesse, ou se a “ilegitimidade” estivesse suprida, relevou que a prestação de contas não se inclui no âmbito das funções próprias do administrador do condomínio, carecendo de deliberação válida da assembleia de condóminos (cfr. Art.s 1436.º al. h) e 1437.º n.º 1 do C.C.) e essa deliberação não existe a conferir poderes às administradoras do condomínio para mover a presente ação.
Sustentou ainda que não existiu qualquer assembleia de condóminos no dia 27 de Dezembro de 2021, como foi alegado no artigo 4.º da petição inicial, porque o que houve foi uma mera “reunião de vizinhos”, à qual compareceram apenas treze pessoas, num universo de 30 condóminos, não tendo essa reunião sequer sido convocada nos termos do Art.º 1432.º do C.C., pois não foram remetidos avisos convocatórios por carta registada dirigida a todos os condóminos e, na data e hora marcada, não estavam sequer presentes mais de metade dos condóminos, sendo notória a falta de quorum para realização dessa assembleia (cfr. Art.º 1432.º n.º 3 e n.º 4 do C.C.). Por outro lado, alegou ainda que, após a realização de tal encontro de vizinhos, as pretensas “deliberações” tomadas não foram comunicadas a todos os condóminos ausentes, nos termos do Art.º 1432.º n.º 6 do C.C..
Em suma, entendeu então que a deliberação em causa seria inexistente, ou nula, e o condomínio não teria “legitimidade” para instaurar a presente ação contra o R..
No despacho saneador, veio o tribunal a quo a pronunciar-se sobre a exceção da ilegitimidade ativa nos seguintes termos:
«Dispõe o artigo 1437.º do Código Civil:
«“1. O condomínio é sempre representado em juízo pelo seu administrador, devendo demandar e ser demandado em nome daquele.
«2. O administrador age em juízo no exercício das funções que lhe competem, como representante da universalidade dos condóminos ou quando expressamente mandatado pela assembleia de condóminos.
«3. A apresentação pelo administrador de queixas-crime relacionadas com as partes comuns não carece de autorização da assembleia de condóminos”.
«À data da propositura da ação, consagrava o artigo 1437.º do Código Civil:
«“1. O administrador tem legitimidade para agir em juízo, quer contra qualquer dos condóminos, quer contra terceiro, na execução das funções que lhe pertencem ou quando autorizado pela assembleia.
«2. O administrador pode também ser demandado nas ações respeitantes às partes comuns do edifício.
«3. Excetuam-se as ações relativas a questões de propriedade ou posse dos bens comuns, salvo se a assembleia atribuir para o efeito poderes especiais ao administrador”.
«Independentemente da alteração legislativa, está sempre em causa a representação do condomínio em juízo; ou seja, a legitimidade pertence ao condomínio, que deve estar devidamente representado pelo seu administrador.
«No caso em apreço, o condomínio encontra-se devidamente representado pela sua administradora, uma vez que o documento junto com a petição inicial reproduz uma ata em que foi aprovado que a administradora Sra. AT fosse mandatada para contratar um advogado e propor em juízo a competente ação de prestação de contas, devendo a procuração forense para este efeito ser assinada pela atual administradora.
«Assim, tendo a ação sido proposta nos termos deliberados pelo condomínio, o mesmo encontra-se devidamente representado pela sua administradora, improcedendo a exceção de ilegitimidade ativa» (sublinhado nosso).
Esta decisão não era efetivamente suscetível de recurso autónomo e imediato, por não preencher a previsão de qualquer das alíneas do n.º 1 ou do n.º 2 do Art.º 644.º do C.P.C., só podendo ser impugnada por via recursiva em conjunto com a sentença final que reconheceu a obrigação de prestar contas (cfr. Art.º 644.º n.º 3 do C.P.C.).
Sustenta agora o Recorrente que o Tribunal a quo não apreciou devidamente a questão tal como foi suscitada pelo R..
Realça, desde logo que da ata n.º 33, junta como doc. n.º 1 com a petição inicial, consta o seguinte:
«Ata número trinta e três
«Aos vinte e sete dias de mês de Dezembro, de dois mil e vinte e um, a reunião marcada para as dezanove horas, tendo iniciado pelas dezanove horas e trinta minutos, tendo em consideração à obrigatoriedade de aguardar trinta minutos conforme os termos da lei.
«Estiveram presentes vinte e oito condóminos sendo que oito representados por procuração, o que corresponde a duzentos e trinta e um votos. Reuniram-se os condóminos do Edifício …, dando cumprimento à seguinte ordem de trabalhos:
«Ponto um, aprovação de uma proposta, tendo em vista exigir contas ao anterior administrador do condomínio, senhor J…, durante todo o tempo em que exerceu funções.
«Ponto dois, mandatar a atual administração do condomínio, para contratar advogado e propor em juízo a competente ação de prestação de contas, devendo a procuração forense para este efeito, ser assinada pela atual administradora, senhora AT.
«Conforme registo e procurações que se juntam à presente ata, encontravam-se presentes ou representados os condóminos das seguintes frações:
«RC: H, J
«1.º andar: G, H, I
«2.º andar: A, B, F, H, I, J;
«3.º andar: A, B, D, E, F, G;
«4.º andar: B, G, I;
«5.º andar: B, D, F, H;
«6.º andar: A, D, G;
«7.º andar: C, E.
«Verificado que os presentes e representados no total de 29 apartamentos, a administradora deu início à reunião, realçando que a mesma decorre das deliberações tomadas na reunião anterior data de vinte e sete de Março do corrente ano, sobre as contas do Edifício …. A situação retratada nessa reunião teve a ver com a análise dos estratos bancários dos anos dois mil e dezasseis a dois mil e vinte, por ter havido saídas de dinheiro não justificadas, da conta do condomínio. Tendo em conta as dúvidas suscitadas pelos condóminos, foi deliberado por unanimidade, nessa reunião, a contratação de um advogado.
«O objetivo da presente Assembleia foi a de mandatar a administradora, AT, para contratar advogado e propor em juízo a competente ação de prestação de contas, devendo a procuração Forense para este efeito ser assinada pela atual administradora.
«Após a análise dos estratos de conta do Condomínio, no período atrás referido e tendo em conta que parte das despesas realizadas não foram devidamente fundamentadas, foi posto à votação a proposta que conta na ordem de trabalhos.
«Da votação, saíram os seguintes resultados:
«A favor, duzentos e trinta e um votos;
«Abstenções, sessenta e quatro votos;
«Contra, cento e sessenta e quatro votos.
 «A reunião terminou pelas vinte horas.
«Nada mais havendo a tratar, lavrou-se a seguinte ata, devidamente assinada nos termos da lei.
«São anexados os documentos acima referenciados num total de seis páginas.
«Funchal, 27 de dezembro de 2021.»
Ou seja, realça daí o Recorrente que estiveram presentes condóminos representando um total de 231 votos, tendo votado contra o correspondente a 164 votos, abstiveram-se o correspondente a 64 votos e voaram a favor 231 votos. O que seria matematicamente impossível.
Acrescenta que dessa ata também não resulta que os pontos da ordem de trabalhos foram aprovados, não se podendo concluir com a necessária segurança que a ata expresse qualquer conformidade com a realidade, pugnando pela sua inexistência, sendo o vício tão grave que não é sanável e, por isso, pode ser invocado a todo o tempo.
Também invocou que a Testemunha MOM, aos minutos 13:41 da gravação do seu depoimento, referindo-se a essa deliberação, disse que: «Votaram. Só que, é assim, nessa reunião, eu não consegui perceber qual tinha sido… o barulho foi tanto, e eu não consegui perceber… tanto que eu tenho um e-mail, que eu mandei à dona C, que eu fui apanhado de surpresa. Eu não consegui perceber… Eu abstive-me, e várias pessoas se abstiveram, porque não… não… a ata foi assinada sem estar concluída, e eu não consegui perceber, nessa altura, que tinham… que a votação tinha sido contra o… e não era… e não… [inaudível] a verdade. Mas foi uma coisa que me apanhou de surpresa».
O Recorrido, por seu turno, nas contra-alegações, veio pôr em evidência que até ao momento ninguém pôs em causa a existência da ata n.º 33, junta aos autos com a petição inicial como documento n.º 1, não tendo a mesma sido impugnada judicialmente.
Admitiu a desconformidade entre o número de votos a favor da decisão em causa constante da referida ata e o número total de votos aí mencionado, mas sustentou tratar-se de um mero lapso de escrita, pois ninguém pôs em causa a realização da identificada assembleia geral e o que foi aí decidido.
A este propósito juntou uma procuração que o R. outorgou a favor do seu ilustre mandatário, para representá-lo nessa assembleia, como titular das frações “3A”, “3E” e “5B” (cfr. doc. 1 de fls. 191) e a lista de presenças (cfr. doc. n.º 2 – fls. 191 verso a fls. 192), donde consta que o mandatário do R. esteve presente nessa assembleia geral e assinou essa lista na parte referente a essas 3 frações. Daí resultando também que tinham votado vinte e nove condóminos, sendo o correspondente a 231 votos a favor (correspondentes a 50,33%), 164 votos contra (correspondentes a 13,94%) e 64 votos abstenções (correspondente a 35,73%) - (cfr. cit. doc. nº 2 - fls. 192). Consequentemente, defende o Recorrido, que não pode agora o R. vir invocar quaisquer nulidades ou anulabilidades da ata em causa.
Quanto à prova produzida em audiência, realça que o que resulta do depoimento da testemunha MOM (cfr. gravação aos minutos 0:13:02.7 e 03:13:41.6) é que esta testemunha confirma que as pessoas aí presentes efetivamente votaram, portanto, a deliberação existiu.
Apreciando, em função de tudo o exposto, temos de relevar que foram invocadas duas situações completamente distintas entre si, que alegadamente suportavam a conclusão sobre “ilegitimidade” do A.. Por um lado, sustentou o R. que a ação deveria ser instaurada pela administração do condomínio e não pelo próprio condomínio. E, por outro, defendeu que o A. não estava “legitimado” a instaurar a presente ação por deliberação válida da assembleia de condóminos.
A primeira situação ainda é suscetível de ser redutível a uma apreciação típica relacionada com a exceção de ilegitimidade ativa. Mas a segunda, nada tem a ver com a legitimidade processual, pois por ela se visa pôr em causa apenas a “legitimação” do A. para poder instaurar a presente ação por si, ou mais precisamente a falta de poderes ou de autorização para, em representação do Condomínio, poder ser demando o R., o que constitui uma situação que está mais ligada ao regime processual estabelecido na lei relativamente ao pressuposto processual da capacidade judiciária, entendido em sentido lato.
Dito isto, importa ter em atenção que, nos termos do Art.º 30.º do C.P.C., define-se a legitimidade do A. pela titularidade do interesse direto em demandar, aferida pela utilidade que possa derivar da procedência da ação, o que deverá ser determinado, salvo estipulação legal em contrário, pela titularidade do interesse relevante em função da relação material contravertida tal como configurada pelo próprio A. na petição inicial.
Estando em causa uma ação de prestação de contas, nos termos do Art.º 941.º do C.P.C., ela pode ser proposta por quem tenha direito a existir essa prestação, tendo a mesma por objeto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e as despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que se venha a apurar.
Ora, o R. foi demando por ter exercido as funções de administrador do Condomínio aqui A., sendo que, nos termos do Art.º 1436.º n.º 1 al. l) do C.C., estava obrigado a prestar contas à assembleia, que é um dos órgãos administrativos que, nos termos da lei, compõem o Condomínio (cfr. Art.º 1430.º n.º 1 do C.C.).
Consabidamente, o Condomínio resultante de propriedade horizontal não tem personalidade jurídica e também não se pode considerar como um património autónomo. Sem prejuízo, a lei impõe a esse tipo de organização a existência de fundos (v.g. Art.º 4.º do Dec.Lei n.º 268/94 de 25/10), compostos pelas contribuições dos condóminos (cfr. Art.º 1424.º do C.C.), que estão essencialmente afetos a satisfação das necessidades de administração das partes comuns de um prédio constituído em propriedade horizontal.
Estamos assim, no mínimo, perante um património de afetação especial, que a lei trata, para alguns efeitos, como se fosse um centro de interesses autónomos.
Alguma doutrina chama a este tipo de organizações de “pessoas rudimentares”. Outros apelam ao conceito de “personalidade jurídica rudimentar”, por ser algo a que a lei não reconhece personalidade jurídica, mas é tido como um centro autónomo de imputação de certos efeitos jurídicos (Vide: Menezes Cordeiro in “Tratado de Direito Civil Português” I - Parte Geral, Tomo III, 2004, pág. 531; e Rui Pinto Duarte in “Curso de Direitos Reais”, 2002, pág. 116).
Neste pressuposto, apesar de não funcionar a regra da coincidência entre personalidade jurídica e a personalidade judiciária, tal como consagrada no Art.º 11.º n.º 2 do C.P.C., a lei veio a estender a personalidade judiciária ao condomínio resultante de propriedade horizontal, relativamente às ações que se inserem no âmbito dos poderes do administrador (cfr. Art.º 12.º al. e) do C.P.C.). Em conformidade, por força do assim disposto no Código de Processo Civil, esse tipo de Condomínios pode ser parte numa ação.
Como referido no despacho saneador, aqui Recorrido, efetivamente à data da propositura da ação, o Art.º 1437.º do C.C. tinha uma redação diferente da atualmente vigente.
Rezava então o n.º 1 desse preceito que: «1. O administrador tem legitimidade para agir em juízo, quer contra qualquer dos condóminos, quer contra terceiro, na execução das funções que lhe pertencem ou quando autorizado pela assembleia».
Discutia-se então saber, nas ações referidas neste preceito, sobre quem tinha legitimidade para figurar como parte no processo, se o Condomínio (representado pelo administrador) ou o Administrador (representante do condomínio). O que, diga-se de passagem, era uma discussão algo estéril, porque o administrador só poderia agir em juízo necessariamente no exercício das suas funções, como órgão representativo do Condomínio. Portanto, dizer que a parte é o Condomínio representado pelo Administrador ou que a parte é o Administrador em representação do Condomínio é na prática quase completamente indiferente.
Parece que foi com intenção de esclarecer esta questão que a Lei n.º 8/2022 de 10/1 alterou a redação desse preceito, consagrando-se agora explicitamente que:
«1. O condomínio é sempre representado em juízo pelo seu administrador, devendo demandar e ser demandado em nome daquele.
«2. O administrador age em juízo no exercício das funções que lhe competem, como representante da universalidade dos condóminos ou quando expressamente mandatado pela assembleia de condóminos.
«3. (…)».
Bem ou mal, o legislador parece que quis identificar que é o Condomínio que figura como parte nestas ações. O administrador age em nome do Condomínio e só demanda, ou é demandado, em nome deste último. Em consequência, esclareceu-se que a parte é o representado e não o representante.
Fica assim claro que é o Condomínio que deve figurar como parte na ação e, por isso, no despacho saneador se julgou improcedente a alegada exceção de ilegitimidade ativa. E bem.
Pelo que, só podermos concordar com a decisão recorrida nessa parte, parecendo-nos que o Recorrente também já abandonou esta discussão nas suas alegações de recurso, porque também não tem qualquer interesse efetivo nela.
A segunda vertente da alegada “ilegitimidade”, em bom rigor, nada tem a ver com o pressuposto processual da legitimidade, como já fomos adiantando.
Conforme muito sumariamente escreve Ferreira de Almeida (in “Direito Processual Civil”, vol. I, 3.ª Ed., pág. 482): «Agrupa a lei processual, no âmbito de “incapacidade judiciária” lato sensu (arts. 27.º a 28.º), três espécies de vícios: incapacidade judiciária stricto sensu, irregularidade de representação e falta de autorização, deliberação ou consentimento exigido por lei. A incapacidade judiciária stricto sensu encontra-se, qua tale, contemplada nos arts. 27.º, n.º 1 e 577.º, al. c), a irregularidade de representação nos arts. 27.º n.º 1, e 278.º, n.º 1, al. c), e a falta de autorização ou deliberação nos arts. 29.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, al. c) e 577.º, al. d), todos do CPC».
A falta de autorização ou deliberação exigida por lei, que é no fundo a questão concretamente suscitada na contestação do R. e na presente apelação, tem como consequência dever designar-se prazo dentro do qual o representante deve obter a respetiva autorização ou deliberação, suspendendo-se, entretanto, os termos da causa op legis (cfr. Art.º 29.º n.º 1 do C.P.C.). Esse vício ocorre quando o legal representante não tiver obtido essa autorização, ou deliberação, previamente à propositura da ação ou à prática do ato (vide: Ferreira de Almeida, in ob. Loc. Cit., pág. 482; e Teixeira de Sousa in “Estudos Sobre o Novo Processo civil”, Lex, 1997, pág. 151).
Sucede que, no caso, o A. – Condomínio, que estava devidamente representado em juízo pela administradora (cfr. procuração de fls. 5), logo com a petição inicial, juntou uma ata de assembleia de condóminos donde consta uma deliberação, que tinha por objeto apenas dois pontos, sendo um deles: «mandatar a administradora, AT, para contratar advogado e propor em juízo a competente ação de prestação de contas» (sic – cfr. doc. a fls. 3 verso), daí resultando que a mesma foi aprovada com 231 votos a favor, 164 votos contra e 64 votos pela abstenção (cfr. doc. a fls. 4). Portanto, na aparência formal do documentado na petição inicial, motivos não existiriam para aplicar ao caso o disposto no Art.º 29.º do C.P.C..
Diga-se que não se discute a conclusão evidente de que a obrigação de prestação de contas é devida ao Condomínio, no quadro das competências atribuídas ao seu órgão administrativo que é a Assembleia de Condóminos (cfr. Art.s 1430.º e 1436.º n.º 1 al. l) do C.C.), não possuindo o Administrador competência própria para, por sua iniciativa exclusiva, instaurar ações de prestação de contas contra um seu antigo administrador (cfr. Art.º 1436.º do C.C.).
A obrigação de prestar contas reporta-se sempre ao órgão da assembleia de condóminos (cfr. Art.º 1436.º n.º 1 al. l) do C.C.), sendo esse órgão que, em resultado da expressão da vontade dos condóminos no seu seio, poderá exigir a prestação de constas aos atuais, ou aos anteriores, administradores do condomínio, podendo assim também decidir agir judicialmente contra os mesmos.
A presente ação compreende-se, portanto, na previsão da 2.ª parte do Art.º 1437.º n.º 2 do C.P.C., quando aí se estabelece que o administrador age em juízo no exercício das funções que lhe competem, «quando expressamente mandatado pela assembleia de condóminos».
Em causa estará assim o cumprimento da obrigação de execução duma deliberação da assembleia, no quadro da competência funcional prevista na al. i) do n.º 1 do Art.º 1436.º do C.C..
Sucede que, no caso, o R., na sua contestação, logo suscitou a questão da invalidade/inexistência da deliberação que autorizava a administradora a instaurar a presente ação contra si.
Ora, perante o princípio de prova decorrente da junção do documento n.º 1 com a petição inicial (cfr. doc. de fls. 3 verso a fls.4 verso), competiria ao R. o ónus de alegar e provar que essa deliberação enfermava de vícios que obstariam à sua eficácia ou validade (cfr. Art.º 342.º n.º 2 do C.C.).
Realce-se que o R., em bom rigor, não alegou a falsidade do documento junto com a petição inicial. Simplesmente pretendeu defender que a assembleia e os atos nela realizados, assim formalizada nessa ata junta, não passou duma “reunião de vizinhos” (artigo 9.º da contestação), que não foi objeto de qualquer convocatória (artigo 10.º da contestação), que não havia quórum para deliberar (artigos 11.º a 13.º da contestação) e não veio a ser comunicada a todos os condóminos ausentes (artigo 14.º da contestação).
A este propósito, dispõe o Art.º 1433º n.º 1 do C.C. que: «As deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado».
A lei reporta-se aí apenas a situações de anulabilidade de deliberações produzidas em assembleia de condóminos, sendo completamente omissa quanto à possibilidade dessas deliberações poderem ser nulas, ineficazes ou mesmo inexistentes.
É a doutrina que vem estabelecendo essa distinção como implícita a todo o regime da impugnação de deliberações sociais, por ser evidente que nem todas as deliberações podem estar sujeitas ao regime regra da mera anulabilidade, nomeadamente quanto à possibilidade de sanação do vício verificado por falta de impugnação tempestiva, principalmente quando em causa esteja a violação de normas imperativas ou interesses excluídos da disponibilidade dos condóminos, ou quando as deliberações incidam sobre matéria excluída da competência da assembleia de condóminos (Vide: Pires de Lima e Antunes Varela in “Código Civil Anotado”, 2ª Ed., pág. 447; Aragão Seia in “Propriedade Horizontal”, págs. 176 e ss.; e Sandra Passinhas in “A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal”, págs. 242 e ss.).
Assim, as deliberações tomadas pela assembleia de condóminos que infrinjam normas de natureza imperativa, por visarem a prossecução de interesses indisponíveis ou contrários à ordem pública, são nulas precisamente pelos mesmos fundamentos que nos Art.s 280.º e 281.º do C.C. se estabelece essa sanção para quaisquer outras declarações negociais. Quanto mais não seja, esses normativos aplicam-se a quaisquer atos jurídicos por força do disposto no Art.º 295.º do C.C..
Estão compreendidas nesta categoria, entre outras, as deliberações em assembleias para as quais não tenham sido convocados todos os condóminos (Art.º 1432º do C.C.); em que se proíba a utilização de partes comuns a determinados condóminos (Art.º 1420º n.º 1 do C.C.); em que autorize a divisão entre condóminos de partes imperativamente comuns do edifício (Art.º 1421º n.º 1 do C.C.); ou que autorize um condómino a utilizar a sua fração para fins proibidos, ofensivos dos bons costumes (Art.º 1422º n.º 2 al. b) do C.C.).
As deliberações que incidam sobre matéria da competência da assembleia de condóminos, porque se referem às partes comuns do edifício, mas que violam regulamentos em vigor ou preceitos da lei de natureza supletiva (que pode ser afastada por vontade das partes), são meramente anuláveis.
Estão compreendidas nesta categoria as deliberações que tenham sido tomadas com base em convocatória que não sejam remetidas por carta registada com aviso de receção, ou que não tenham respeitado a antecedência prevista na lei (Art.º 1432º n.º 2 do C.C.); a aprovação de contribuição dos condóminos para as despesas comuns do prédio segundo regra diferente da permilagem (Art.º 1424º n.º 1 do C.C.); ou a aprovação de inovações por maioria inferior a 2/3 do valor total do prédio (Art.º 1425º n.º 1 do C.C.).
As deliberações ineficazes são aquelas que têm por objeto assuntos que exorbitam a esfera de competência da assembleia de condóminos, nomeadamente quando digam respeito à propriedade exclusiva de cada condómino, ou representem uma ingerência no domínio ou administração exclusiva de qualquer proprietário sobre a sua fração (Vide, a propósito de todo o exposto, a sistematização feita por Abílio Neto in “Manual da Propriedade Horizontal”, 3ª Ed., págs. 343 a 344).
Neste último caso, a eficácia da deliberação estaria sempre dependente da aceitação do condómino, expresso por ratificação do ato, pois tudo se passaria como se houvesse um ato praticado em nome doutrem por quem não tivesse poderes para tanto, o que ficaria subordinado ao regime estabelecido no Art.º 268º n.º 1 do C.C. (Neste sentido: Pires de Lima e Antunes Varela in “Código Civil Anotado”, 2ª Ed., pág. 448; Aragão Seia in “Propriedade Horizontal”, pág. 178; e Sandra Passinhas in “A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal”, págs. 255 a 256).
A propósito da falta de convocação dos condóminos, veja-se só a título exemplificativo, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26 de janeiro de 2021 (Proc. n.º 27942/16.9T8LSB.L2-1 – Relator: Eurico Reis, disponível para consulta em www.dgsi.pt), que expressa o sentido geral do entendimento já exposto sobre esta matéria. Conta do seu sumário que:
«I. A revogação pelo Tribunal da Relação de Lisboa de um despacho saneador inicialmente proferido com o fundamento de que, não o tendo sido, deveria ter sido proferido despacho concedendo prazo à Autora para corrigir a petição inicial por si apresentada nestes autos, por forma a serem elencados também como réus, para além da Administração do Condomínio, todos os condóminos do prédio constituído em propriedade horizontal e não apenas os que votaram favoravelmente as deliberações tomadas na assembleia geral de condóminos, com a consequentemente determinação de que um tal despacho tinha de ser proferido, não implica necessariamente a anulação ou a declaração sem efeito do processado anterior a esse despacho revogado.
«II. E, porque essa anulação ou declaração sem efeito desse processado não foi decretada pelo Tribunal da Relação, uma vez que a Autora tinha apresentado, em tempo oportuno, uma resposta às exceções invocadas na primeira contestação introduzida em Juízo pelo Réu Condomínio, não é nula a decisão que apenas admitiu a segunda resposta da Autora na parte respeitante às novas questões suscitadas na segunda contestação apresentada pelo Réu Condomínio na sequência da nova petição inicial da Autora.
«III. A omissão de convocação de um condómino para uma assembleia de condóminos consubstancia uma conduta que é, em termos conceptuais - lógicos e ontológicos -, totalmente inconfundível e distinta de uma deliberação aprovada numa tal assembleia, pelo que o disposto no art.º 1433º do Código Civil, e em particular o que aí se estatuí acerca do prazo de caducidade para intentar uma ação de anulação de deliberações da assembleia de condóminos, não pode aplicar-se à regulação da primeira dessas situações.
«IV. E não existindo no Código Civil uma norma que expressamente regule e estabeleça os efeitos de um tal comportamento omissivo (não convocação de um condómino para a assembleia de condóminos), porque o tribunal não pode abster-se de julgar, invocando a falta ou obscuridade da lei ou alegando dúvida insanável acerca dos factos em litígio (art.º 8º n.º 1 do Código Civil), forçoso se torna encontrar uma solução jurídica para essa situação litigiosa.
«V. Para efeito da construção dessa norma reguladora, é indispensável recordar que, nos termos do disposto no art.º 294º do Código Civil, os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei, tudo isto sendo certo que, por força do estatuído no art.º 295º do mesmo Código, aos atos jurídicos que não sejam negócios jurídicos são aplicáveis, na medida em que a analogia das situações o justifique, as disposições do capítulo precedente, e, sem lugar para qualquer dúvida, a convocação de um condómino para uma assembleia de condóminos é um ato jurídico.
«VI. E, para o mesmo efeito, importa também lembrar que, como estabelecem, respetivamente, os nºs 2 e 1 do art.º 280º ainda do Código Civil, também aplicáveis à regulação dos efeitos dos atos jurídicos, cometidos ou omitidos, são nulos os negócios jurídicos contrários à ordem pública, ou ofensivos dos bons costumes, sendo também nulos os negócios jurídicos cujo objeto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável, não se aplicando aqui a ressalva prevista no art.º 281º («Se apenas o fim do negócio jurídico for contrário à lei ou à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes, o negócio só é nulo quando o fim for comum a ambas as partes.»), porque, repete-se, o que está em causa nestes autos é um ato jurídico unilateral (apesar de recetício).
«VII. É eticamente indefensável e socialmente muito grave omitir um ato com essa dignidade institucional e legal, porque essa não convocação priva um condómino da possibilidade de participar na assembleia defendendo os seus interesses legítimos e os seus direitos, o que constitui uma falha inaceitável nas Sociedades que se organizam segundo o modelo do Estado de Direito (art.º 2º da Constituição da Republica), tanto mais que o direito à propriedade e à iniciativa privadas são direitos fundamentais de todas as pessoas, estando como tal reconhecidos, respetivamente, nos artºs 62º e 61º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e no art.º 17º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas através da sua Resolução 217A (III), de 10 de Dezembro de 1948.
«VIII. E é exatamente porque esses direitos têm esse mais elevado nível de proteção ética, institucional e legal (constitucional), que a sua violação constitui uma ofensa à ordem pública e aos bons costumes, logo, um abuso de direito».
Dito isto, debruçando-nos sobre o caso concreto, deve ter-se em atenção que, no caso, não resulta dos autos documentalmente demonstrado que tenham (ou não) sido convocados todos os condóminos para a assembleia a que nos reportamos.
O que está documentado é que do teor da ata n.º 33 resulta que estiveram presentes representantes de 29 frações e, cotejando tal com a lista de presenças de fls. 191 verso a 192, verificamos que, no total, o condomínio é composto por 64 frações e só assinaram a lista de presenças dessa assembleia representantes de 29.
Em todo o caso, também sabemos agora que um dos condóminos presentes foi o próprio R., que era titular das frações 3A, 3E e 5B e constituiu seu procurador, para estar por si presente nessa assembleia, precisamente o advogado que constituiu como seu mandatário forense nesta ação (cfr. doc. 1 de fls. 191).
Pelo que, poderá perguntar-se, muito legitimamente: se não houve convocatória, como é que o R. soube do que apelidou ser uma mera “reunião de vizinhos”, quando até conferiu poderes ao seu advogado para – cite-se  (cfr. doc. n.º 1 de fls. 191) – «deliberar e votar todas as propostas que forem apresentadas na reunião de assembleia de condóminos a realizar em Rua …, Edifício …., Funchal no dia 27-12-2021 às 19h00, ou alternativamente, no dia 27-12-2021 às 19h30»?
O teor desta procuração inculca a ideia clara de que houve uma convocatória aos condóminos, embora se possa desconhecer se todos eles a terão efetivamente recebido e se foram cumpridas relativamente a todos eles as formalidades previstas no Art.º 1432.º do C.C..
Sem prejuízo, o que é evidente é que o R. reproduziu no teor da procuração o teor da convocatória que recebeu, podendo também presumir-se que todos os condóminos que estiveram presentes terão recebido uma convocatória, tal como o R., pois só assim se percebe que tenham comparecido nessa assembleia de condóminos.
Quanto aos demais condóminos, o documentado nos autos é insuficiente, só podendo aqui ser reafirmada a conclusão evidente sobre a total ausência de prova. Sendo que, era ao R. que competia o ónus de prova da factualidade em que assentaria a demonstração desse vício (v.g. que houve condóminos que não receberam qualquer convocatória para essa assembleia, porque nem sequer foi remetida qualquer convocatória), por tal constituir a invocação duma exceção perentória (cfr. Art.º 342.º n.º 2 do C.C.).
Seja como for, não pode deixar de ser relevado que a alegada falta de convocatória dos condóminos, relativamente ao R., não se verificou, como está indiciado do teor da procuração que se mostra junta aos autos e da circunstância de o R. ter estado presente na assembleia através do seu mandatário (cfr. docs. n.º 1 e 2 juntos com as contra-alegações).
Pelo que, a invocação da nulidade da deliberação com este fundamento, relativamente ao R., deverá ser entendida como correspondendo a um abuso de direito (Art.º 334.º do C.C.), com laivos de má-fé processual, porque não poderia deixar de ignorar que, pelo menos relativamente a si, a alegação desse vício era completamente infundada, tornando ilegítima para si a invocação dessa concreta invalidade.
Passando à questão do quórum.
Como referido, apenas sabemos que estiveram presentes representantes de 29 das 64 frações que compõem este condomínio, mas daí não se pode concluir, sem mais, que não estava reunido o quórum deliberativo.
O que decorre do Art.º 1432.º n.º 5 do C.C. (que corresponde, com a mesma redação, ao n.º 3 do mesmo preceito, na versão dada pelo Dec.Lei n.º 267/94 de 25/10, em vigor à data da assembleia) é que as deliberações de condóminos são tomadas por maioria dos votos representativos do capital investido.
Da ata n.º 33 não consta a que “capital investido” correspondiam as 29 frações presentes em assembleia. Dela simplesmente decorre que se aguardou 30 minutos «conforme os termos da lei» (vide: cit. doc. a fls. 3 verso).
Ora, atento ao teor da procuração de fls. 191, que, como vimos, certamente reproduz os termos da convocatória que o R. recebeu, a assembleia reunir-se-ia «às 19h00 ou, alternativamente, às 19h30m».
Mesmo não se sabendo se existia quórum deliberativo, o que decorria “dos termos da lei” (cfr. Art.º 1432.º n.º 4 do C.C. na redação dada pelo Dec.Lei n.º 267/94 de 25/10, em vigor à data da assembleia) era o seguinte: «4 - Se não comparecer o número de condóminos suficiente para se obter vencimento e na convocatória não tiver sido desde logo fixada outra data, considera-se convocada nova reunião para uma semana depois, na mesma hora e local, podendo neste caso a assembleia deliberar por maioria de votos dos condóminos presentes, desde que estes representem, pelo menos, um quarto do valor total do prédio».
Admitimos, portanto, em face do documentado nos autos, que a assembleia funcionou no mesmo dia, mas 30 minutos depois, como “nova data” constante da convocatória. O que era prática muito frequente em vários condomínios, como resulta da nossa experiência na apreciação de vários litígios semelhantes, em que a mesma questão se suscitou.
Sucede que, a violação do Art.º 1432.º n.º 4 do C.C. então vigente (correspondente ao atual n.º 6), não constitui uma nulidade, por não se tratar de norma imperativa. Assim se decidiu inequivocamente no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 21 de setembro de 2021 (Proc. n.º 6768//19.3T8LSB.L1.S1 – Relatora: Maria Clara Sottomayor), de cujo sumário se destaca: «I- A realização da assembleia de condóminos, em segunda convocatória, no mesmo dia e local, mas com a mera dilação de trinta minutos face à hora designada para a primeira convocatória, infringe o disposto no nº 4 do Artigo 1432º do Código Civil, determinando o vício da anulabilidade de todas as deliberações aí tomadas».
Quanto ao sentido objetivo da deliberação, apesar do exposto nas alegações de recurso, não existe a mínima dúvida interpretativa quanto ao que foi decidido nessa assembleia, apesar de ser evidente que existe um lapso na ata n.º 33 quando refere, no princípio, que os condóminos presentes corresponderiam a 231 votos (cfr. doc. a fls. 3), pois no final apresenta-se como resultado da votação que houveram 231 votos a favor, 164 contra e 64 abstenções (cfr. cit. doc. a fls. 4).
Sem prejuízo, da leitura objetiva desse documento (cfr. Art.º 236.º n.º 1 e 238.º n.º 1 do C.C.), resulta indiscutível que a ordem de trabalhos se referia às propostas de exigência de prestação de contas pelo R., na qualidade de anterior administrador do condomínio (v.g. ponto 1 – cfr. cit. doc. a fls. 3 verso), e de mandatar a atual administração para contratar advogado e propor ação de prestação de contas (v.g. ponto 2 – cit. doc.), e que essas propostas foram votadas favoravelmente pela maioria dos presentes (cfr. Art.º 1432.º n.º 4 do C.C. na redação então em vigor).
É certo que também não sabemos se essa maioria correspondia a mais de ¼ do capital investido, como estabelecia o Art.º 1432.º n.º 4 “in fine” do C.C., embora isso seja muito provável, no contexto dos factos documentados nos autos.
Quanto à falta de comunicação da deliberação aos condóminos ausentes, trata-se de facto que se desconhece, por total ausência de prova. Mas, a existir semelhante falha, ela apenas determina a ineficácia a deliberação relativamente aos condóminos que dela não tiveram conhecimento. O que já não pode funcionar em benefício do R., que pelo menos foi notificado do teor dessa ata pela citação para os termos desta ação e, conforme resulta claro dos autos, não intentou qualquer ação destinada a obter a anulação dessa deliberação dos condóminos. Logo, para si, a ata é eficaz e o alegado vício cessou, perdendo interesse a sua apreciação, considerando que não impugnou judicialmente essa deliberação em ação intentada com esse específico propósito.
O que nos leva à ponderação do que é disposto no Art.º 1433.º n.º 2 a 4 do C.C., donde se pode ler:
«2 - No prazo de 10 dias contado da deliberação, para os condóminos presentes, ou contado da sua comunicação, para os condóminos ausentes, pode ser exigida ao administrador a convocação de uma assembleia extraordinária, a ter lugar no prazo de 20 dias, para revogação das deliberações inválidas ou ineficazes.
«3 - No prazo de 30 dias contado nos termos do número anterior, pode qualquer condómino sujeitar a deliberação a um centro de arbitragem.
«4 - O direito de propor a ação de anulação caduca no prazo de 20 dias contados sobre a deliberação da assembleia extraordinária ou, caso esta não tenha sido solicitada, no prazo de 60 dias sobre a data da deliberação».
Consequentemente, o direito de propor ação de anulação desta deliberação de condóminos em assembleia extraordinária caducou para o R., quanto aos fundamentos de mera invalidade ou ineficácia (que são praticamente todos os alegados na contestação), devendo nessa parte a mesma ter-se por consolidada e plenamente eficaz para si.
Sobram assim os fundamentos de invalidade sustentados na nulidade ou inexistência da deliberação, que não estão sujeitos a prazo de caducidade, mas à regra geral do Art.º 286.º, aqui aplicável “ex vi” Art.º 295.º, todos do C.C..
A hipótese de inexistência, apesar de tudo o exposto nas alegações de recurso, em face do documentado nos autos, no caso concreto, nem sequer se coloca, por ser evidente que a deliberação existiu, até porque foi formalizada em ata que se mostra junta aos autos.
Aliás, reportando-nos agora à prova testemunhal pretendida relevar pelo Recorrente, o que resulta do depoimento dessa testemunha, tal como se mostra transcrito nas alegações de recurso, é que houve uma assembleia de condóminos e houve uma votação, sendo que essa concreta testemunha entendeu votar no sentido da abstenção por não compreender o alarido da situação relativamente ao R..
Assim, o único fundamento que sobra, suscetível de integrar uma situação de nulidade da deliberação, é o da alegada falta de convocatória dos condóminos, a qual, relativamente ao R., comprovadamente não se verificou, como está indiciado do teor da procuração que se mostra junta aos autos e da circunstância de o R. ter estado presente na assembleia através do seu mandatário (cfr. docs. n.º 1 e 2 juntos com as contra-alegações a fls. 191 a 192).
Neste contexto, repita-se, a invocação da nulidade da deliberação com este fundamento, relativamente ao R., deveria ser entendida, no mínimo, como correspondendo a um abuso de direito (Art.º 334.º do C.C.), o que torna ilegítimo o seu exercício.
Assim sendo, motivos não vemos para deixar de julgar que a administração do condomínio estava devidamente autorizada por deliberação da assembleia de condóminos para propor a presente ação de prestação de contas, a qual se mostra consolidada por não ter sido oportunamente impugnada, não se justificando, no caso, que seja ordenada a baixa dos autos à 1.ª instância para aí se fixar prazo para a administração do Condomínio obter “autorização” com base em nova deliberação (agora) válida e que ratificasse o já processado, que era a consequência legal aplicável, decorrente do Art.º 29.º do C.P.C., e não a pretendida absolvição da instância, como era sustentado pelo R..
Em suma, improcedem as conclusões que sustentam a “ilegitimidade” do A., devendo manter-se a decisão proferida pela 1.ª instância sobre essa matéria em sede de despacho saneador.

2. Da prescrição da obrigação de prestar contas.
O R., na sua contestação também havia alegado a prescrição da obrigação de prestar contas (cfr. artigos 19.º a 27.º desse articulado).
Suportou a procedência dessa exceção perentória no facto dessa obrigação ser anual (cfr. Art.º 1431.º n.º 1 do C.C.) e, se o administrador não convocar a assembleia, ela sempre poderia ser realizada por iniciativa dos condóminos (cfr. Art.º 1431.º n.º 2 do C.C.), sendo, por isso, uma prestação periodicamente renovável. Defendeu assim que a obrigação de prestação de contas estaria prescrita relativamente aos anos anteriores a 2016, por ser de cinco anos o respetivo prazo de prescrição (cfr. Art.º 310.º al. g) do C.C.). Realçando mesmo, em nota de roda pé, que seria de 3 anos o prazo de prescrição da responsabilidade civil por atos do administrador do condomínio (cfr. Art.º 498.º do C.C.), não fazendo sentido sujeitar ao prazo ordinário de 20 anos a prescrição da obrigação de prestação de contas.
Em suma, sustentou que não poderia onerar-se desproporcionada e desmesuradamente um cidadão que exerceu funções de administrador de condomínio com tão pesada obrigação, quando os próprios titulares desse direito se desleixaram no exercício do mesmo, conformando-se, reiteradamente, ano após ano, com a forma de administração do seu condomínio.
O A. respondeu a essa exceção, sustentando que o prazo de prescrição só poderia ter início a partir do momento em que o R. cessou as suas funções e, como tal só ocorreu no dia 31 de dezembro de 2020, tendo o R. sido citado para esta ação em janeiro de 2022, ainda não teria decorrido sequer o prazo de cinco anos.
Mais invocou que diversos condóminos, durante muitos anos, sempre exigiram contas ao R. e este respondia que os documentos estavam no seu apartamento, o que impediu que todos tivessem acesso ás contas do condomínio. Sendo que, entretanto, a atual administração verificou vários movimentos bancários que não têm qualquer justificação, como sejam pagamentos à EPAL (que não existe na Região Autónoma da Madeira), à Universidade da Madeira (com a qual o Condomínio nunca teve negócios), à Seguradora Unidas (quando o seguro do A. está na Companhia de Seguros Fidelidade), para além de pagamento de produtos de bricolage, farmácia, produtos de sucata e gás (que o A. nunca teve), do Diário de Notícias (que nunca ninguém viu na sala do condomínio) e de entregas de valores avultados ao próprio R..
Também referiu que o R., quando já estava muito pressionado para sair da administração, comunicou a alguns condóminos que a documentação do condomínio tinha sito furtada, não tendo o A. recebido do R. a documentação que devia ter recebido, sob o argumento de que a mesma tinha sido furtada.
Em suma, concluiu no sentido de ser desatendida essa exceção.
No despacho saneador, veio a ser apreciada essa exceção nos seguintes termos, na parte que interessa:
«Sem necessidade de grandes considerações, improcede a referida exceção.
«A doutrina e jurisprudência dividem-se sobre se deve ser aplicável à prestação de contas o prazo ordinário de prescrição (20 anos) ou o prazo de cinco anos previsto no artigo 310, alínea g), do Código Civil, porém, dúvidas não restam que o prazo de prescrição só começa a correr a partir do momento em que o Réu deixou de exercer as funções de administração (o que apenas ocorreu em 2020).
«Nesse sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 23 de 2015, processo nº 495/08.4TBMNC.G1, relatado pelo Exmo. Desembargador Espinheira Baltar (disponível em www.dgsi.pt):
“A norma do artigo 1163 do C.C. aplica-se à situação prevista na alínea c) do artigo 1161 do mesmo diploma, em que incumbe ao mandatário comunicar, com prontidão, a execução do mandato ou, se o não tiver executado, a razão porque o não fez e não à situação da al. d) deste artigo, que respeita à prestação de contas, que pressupõe um ato positivo do mandatário.
“O prazo prescricional conta-se a partir da cessação do contrato de mandato e não enquanto estiver em execução”.
“A doutrina e a jurisprudência, elegeram o venire contra factum proprium como uma modalidade de abuso de direito, assente na boa-fé, tuteladora da confiança das pessoas, nas suas relações jurídicas. Baseia-se, essencialmente, nos comportamentos contraditórios das pessoas” (…).
«No mesmo sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, 20 de Maio de 2004, processo nº 807/04-2, relatado pelo Exmo. Desembargador Bernardo Domingos (disponível em www.dgsi.pt):
“Em regra, excetuados os direitos indisponíveis e aqueles que a lei declare isentos, todos os direitos, sejam ou não de crédito, estão sujeitos à prescrição, pelo seu não exercício durante um certo lapso de tempo (art.º 298 º n.º 1 do CC).
“O direito de exigir a prestação de contas a quem esteja, por lei ou negócio jurídico obrigado a prestá-las não é um direito indisponível nem está isento de prescrição, já que nenhuma norma legal o estabelece. Assim é evidente que pode extinguir-se pelo decurso do prazo legal de prescrição, que no caso é o prazo ordinário de 20 anos (art.º 309º do CC).
“O cabeça de casal da herança duma herança é o legal administrador da mesma pois a administração da herança é-lhe deferida por lei (art.º 2079º do CC) e é exercida até à sua liquidação e partilha.
“O prazo de prescrição da obrigação de prestação de contas pela administração feita pelo cabeça de casal não começa nem corre, «entre as pessoas cujos bens estejam sujeitos, por lei ( como é o caso do cabeça de casal) ou determinação judicial ou de terceiro, à administração de outrem e aquelas que exercem a administração, até serem aprovadas as contas finais» - al. c) do art.º 318º do CC” (…).
«Por fim, veja-se ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09 de Junho de 2009, processo nº 225-A/2000.S1, relatado pelo Exmo. Desembargador Hélder Roque (disponível em www.dgsi.pt):
“(…) A obrigação de prestação de contas pela cabeça de casal só se extingue, mesmo que apresentadas sem documentos justificativos, se tivessem sido aceites e aprovadas pelos demais interessados, ou se se demonstrasse a existência de qualquer outra causa extintiva daquela obrigação.
“No caso dos direitos ou créditos meramente eventuais, como acontece com a prestação de contas, o prazo ordinário da prescrição de vinte anos, aplicável, começa a correr desde o dia em que o credor pode promover a liquidação da dívida, ou seja, em que os obrigados cessam a gerência, mas, se o resultado for ilíquido, a partir do dia em que as contas se tornarem líquidas, quer por consenso, quer por decisão transitada em julgado.
“Entendendo o Tribunal não ser necessário proceder a qualquer espécie de produção de prova, por ter considerado que o caso a decidir se traduzia numa simples questão de direito, não foi violado o princípio do contraditório quando a decisão em causa foi proferida na sequência da contestação oferecida pela requerida” (…).
«Aqui chegados, e sem necessidade de maiores considerações, resulta claro que não decorreu o prazo de prescrição, atendendo a que o Réu exerceu as funções de administrador até 2020.
«Pelo exposto, julgo improcedente a exceção de prescrição».
Nas alegações do presente recurso volta o Recorrente a sustentar a procedência da mesma exceção perentória, precisamente com base na mesma argumentação. Ao que o Recorrido respondeu nos mesmos termos da resposta antes apresentada, realçando ainda que, do depoimento de AT, que é a nova administradora do condomínio (cfr. gravação aos minutos 06:07 a 06: 49), resulta que a mesma foi ao banco pedir extratos bancários e começou a ver que havia coisas «que não deviam ter sido pagas por nós, pelo condomínio (…) e mesmo levantamentos também», referindo também que nunca antes os condóminos tiveram acesso às contas bancárias do condomínio.
Apreciando, temos de referir que a obrigação de prestação de contas objetivamente não consta de nenhuma das alíneas do Art.º 310.º do C.C. e certamente não concordamos com o argumento de que a responsabilidade do administrador por atos praticados no exercício da administração do condomínio esteja sujeita ao prazo prescricional de 3 anos previsto no Art.º 498.º n.º 1 do C.C..
A este propósito, remetemos as partes para o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19 de dezembro de 2023 (Proc. n.º 163/20.9T8CSC.L1-7 – disponível para consulta em www.dgsi.pt), no qual foi relator o relator do presente acórdão, tendo nele sido adjunto o aqui também adjunto, Sr. Desembargador José Capacete.
Resulta do sumário desse acórdão que:
«1. A responsabilidade civil do administrador do condomínio pelo incumprimento dos deveres legais estabelecidos no Art.º 1436.º do C.C., no quadro do exercício das suas funções, trata-se de responsabilidade obrigacional, por a obrigação de indemnização decorrer do não cumprimento de obrigações específicas de que são credores os condóminos, no quadro da organização estabelecida por lei para a propriedade horizontal (cfr. Art.º 798.º e ss. do C.C.).
«2. O prazo prescricional aplicável à responsabilidade civil do administrador de condomínio por violação dos deveres estabelecidos no Art.º 1436.º do C.C. é o prazo ordinário de 20 anos (cfr. Art.º 309.º do C.C.)».
É que o exercício das funções de administrador de condomínio rege-se, por analogia com o disposto no Art.º 987.º do C.C., pelas normas do mandato, com as devidas adaptações, na medida em que sejam compatíveis com as disposições específicas do regime jurídico da propriedade horizontal (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27 de junho de 2018 – Proc. n.º 18943/16.8T8PRT.P1 – Relator: Miguel Baldaia de Morais) ou, noutra perspetiva, por remissão do Art.º 164.º n.º 1 do C.C., pelos termos dos estatutos e supletivamente pelas regras do mandato (cfr. Sandra Passinhas in “A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal”, pág. 340 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Janeiro de 2010, proferido no processo n.º 4871/05.6TBVNG.P1.S1 e acessível em www.dgsi.pt). O que nos permite concluir que é no quadro da responsabilidade civil obrigacional que deve ser encontrado o regime da responsabilidade civil do administrador do condomínio.
Portanto, o prazo de prescrição da responsabilidade civil por atos realizados pelo R. no exercício das suas funções como administrador é de 20 anos (cfr. Art.º 309.º do C.C.), sendo igualmente de 20 anos o prazo prescricional de todas as responsabilidades emergentes do incumprimento oportuno das obrigações emergentes do exercício funcional das competências como administrador, incluindo a de prestar contas na assembleia de condóminos (cfr. Art.º 309.º do C.C.), tal como sucede, por exemplo, relativamente à obrigação (igualmente anual) de prestar contas da administração da herança a que está vinculado o cabeça-de-casal, nos termos do Art.º 2093.º n.º 1 do C.C. (cfr. Ac. do STJ de 9/6/2009 – Proc. n.º 225-A/2000.S1 – Relator: Hélder Roques – citado no despacho recorrido e disponível em www.dgsi.pt).
Neste sentido vai também Luís Pires de Sousa (in Processos Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas”, 3.ª Ed., pág. 167), explicitando que a obrigação de prestação de contas está sujeita ao prazo prescricional ordinário de 20 anos previsto no Art.º 309.º do C.C, não lhe sendo aplicável o prazo previsto no Art.º 310.º al. g) do C.C..
Por nós, julgamos que não se justifica o alargamento da previsão do Art.º 310.º al. g) do C.C. à obrigação de prestar contas, porque as “obrigações periódicas renováveis” a que se reporta esse normativo referem-se essencialmente ao cumprimento de obrigações de pagamento de créditos (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela in “Código Civil Anotado”, vol. I, 4.ª Ed., pág. 280 infra a 281 supra), sendo que a obrigação de prestar contas é tipicamente uma obrigação de prestação de facto.
É certo que, como explicava Vaz Serra (cfr. “Trabalhos Preparatórios do Código Civil - Prescrição Extintiva e Caducidade” - in B.M.J, págs. 32, 33 e 106) a prescrição funda-se em interesses multifacetados, dos quais destacamos: 1) a sanção de negligência do credor; 2) a proteção do devedor contra a dificuldade de prova do pagamento; 3) a necessidade social de segurança jurídica e certeza dos direitos; e 4) a necessidade de promover o exercício oportuno dos direitos (vide; ainda: Menezes Cordeiro in “Tratado de Direito Civil”, Tomo IV, pág. 805 e Paes de Vasconcelos in “Teoria Geral de Direito Civil, pág. 381).
Também é certo que, quanto à ratio subjacente às prescrições de curto prazo, como escreve Ana Filipa M. Antunes (cfr. “Prescrição e Caducidade”, anotação aos artigos 296 a 333, em especial ao artigo 310 do CC), é que: «a mesma tem em vista a proteção do devedor, relativamente à acumulação da sua dívida e estimular a cobrança pontual dos montantes fracionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito, e exemplificando, com as clássicas prestações periódicas, como se verifica com os pagamento da água, luz, gás e seguros».
Simplesmente, esta ratio, quando aplicada à obrigação de informação, carece de sustentação, porque não é do cumprimento ou incumprimento anual da obrigação de prestação de contas na assembleia de condóminos que nasce o crédito por eventuais dívidas do administrador ao condomínio. Pois, de facto, nesse contexto, a prestação de contas servirá apenas como meio de prova indiciário de que o administrador – como foi alegado no caso –, possa ter feito despesas que não eram do condomínio, ou procedeu a levantamentos em benefício próprio, em prejuízo dos fundos comuns afetos à realização dos fins da propriedade horizontal.
É que qualquer eventual responsabilidade por atos do administrador, não tem por fonte direta a prestação de contas, mas sim cada concreto facto ilícito que o mesmo praticou no exercício das suas funções. Nessa medida, não faz sentido aplicar por analogia o disposto no Art.º 310.º al. g) do C.C. à obrigação de prestação de contas, com o propósito de julgar prescritas todas as obrigações do administrador que daí possam emergir, pela simples razão de que as potenciais dívidas decorrentes da responsabilidade do administrador por atos praticados no exercício da sua gestão nunca serão, elas próprias, emergentes de “obrigações periódicas renováveis”, mas sim de atos ou incumprimento individuais que pontualmente se foram verificando em cada concreto momento considerado.
Em suma, é a outro tipo de dívidas que a prescrição de curto prazo se pode aplicar, não se justificando a extensão da previsão do Art.º 310.º al. g) do C.C. a prestações de facto que têm a si subjacente o mero cumprimento de simples deveres de informação.
Por outro lado, a aplicação da al. g) do Art.º 310.º do C.C. por analogia, aos casos de obrigação de prestação de facto, como é a obrigação de prestação de contas, também sempre teria como óbice a consideração de que o Art.º 310.º do C.C. é uma norma excecional, por referência à regra geral do Art.º 309.º do C.C., e, nesse pressuposto, a analogia não é sequer legalmente admissível (cfr. Art.º 11.º do C.C.).
Cumpre ainda dizer que poderíamos aceitar igualmente que o prazo de prescrição apenas deveria ser contado desde a cessação das funções do R. como administrador do condomínio, desde que se provasse o que foi alegado na petição inicial, nomeadamente que havia um incumprimento efetivo da obrigação de prestação de contas pelo R., apesar deste ter sido interpelado para esse efeito (cfr. artigo 3.º da petição inicial) e o A. (entendido como todos os demais condóminos, membros integrantes da assembleia de condóminos) alegadamente nunca ter tido conhecimento dos factos que justificariam o interesse em agir nesta ação, pois a disponibilidade da informação correspondente estava nas mãos e no exclusivo domínio do R.. Nesse caso, o direito só poderia ser objetivamente exercido a partir do momento em que cessaram as funções do R. como administrador do condomínio e os demais condóminos puderam ter acesso à informação documental que os habilitava a percecionar as despesas e receitas havidas durante a gestão daquele, convocando-se assim para o caso o disposto no Art.º 306.º n.º 1, 1.ª parte, do C.C..
No entanto, esses factos, assim alegados, ainda eram controvertidos à data da prolação do despacho saneador, pois o R., na sua contestação, havia sustentado que havia cumprido sempre, e com o apoio de todos os condóminos, a prestação em causa (v.g. artigos 30.º, 37.º e 38.º da contestação). Pelo que, não estando assente a factualidade que permitiria a conclusão de que a exigência de cumprimento da obrigação de prestação de contas não poderia ser objetivamente exercida (cfr. Art.º 306.º n.º 1, 1.ª parte, do C.C.), teria de se admitir a possibilidade de o R. ter cumprido essa obrigação e, em consequência, só poderia ser relevado o prazo legal de cumprimento dessa prestação, nos termos do Art.º 1431.º n.º 1 do C.C.. Ou seja, todos os anos, até ao dia 15 de janeiro, a assembleia deveria reunir para discussão e aprovação das contas respeitantes ao ano anterior. Sendo que, no caso, como foram feitas várias assembleias de condóminos com essa ordem de trabalhos, o prazo de prescrição contar-se-ia individualmente, relativamente a cada exercício, da data de realização de cada uma dessas assembleias.
No caso, a assembleia de condóminos de data mais recuada, em que foram apresentadas contas relativas à administração do condomínio por parte do R., realizou-se a 20 de fevereiro de 2007 (v.g. facto provado 4 – cfr. doc. a fls. 90). Pelo que, relativamente a essa assembleia havia efetivamente decorrido mais de 5 anos relativamente à data em que foi proposta a presente ação de prestação de contas (30/12/2021 – cfr. fls. 1), não podendo funcionar assim a argumentação expedida no despacho saneador para concluir pela improcedência da exceção perentória, se se entendesse aplicável o prazo previsto no Art.º 310.º al. g) do C.C.).
Em todo o caso, julgamos que a obrigação de prestação de contas do administrador de condomínio está sujeita ao prazo prescricional de 20 anos (cfr. Art.º 309.º do C.C.), podendo esse prazo contar-se sobre a data de realização de cada uma das assembleias de condóminos que teve por objeto a discussão e provação das contas do ano anterior e relativamente a cada um desses específicos exercícios.
Assim, sendo a ata mais antiga datada de 20 de fevereiro de 2007, o prazo prescricional de 20 anos terminaria em 20 de fevereiro de 2027 e, portanto, quando o R. foi citado, para os termos desta ação, em 22 de janeiro de 2022 (cfr. fls. 7), interrompeu-se tempestivamente esse prazo (cfr. Art.s 309.º e 323.º n.º 1 do C.C.).
Em conformidade, confirmamos a decisão proferida no despacho saneador ao julgar improcedente a exceção de prescrição, improcedendo as conclusões apresentadas em sentido diverso do exposto.

3. Da impugnação da matéria de facto.
O Recorrente impugna a decisão sobre a matéria de facto, pretendendo que os factos provados nos pontos 15 e 19 sejam dados por não provados; que os factos não provados nas alíneas A) a S) sejam dados por provados, sugerindo a sua redação; e ainda que sejam aditados dois factos omissos na seleção da factualidade provada, especificando a prova documental e testemunhal que no seu entender justificaria decisão diversa, pontualmente transcrevendo passagens de depoimentos gravados que entendeu relevar para esse efeito.
Estabelece o Art.º 662º n.º 1 do C.P.C. que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente, impuserem decisão diversa.
Nos termos do Art.º 640º n.º 1 do C.P.C., quando seja impugnada a matéria de facto deve o recorrente especificar, sob pena de rejeição, os concretos factos que considera incorretamente julgados; os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Nos termos do n.º 2 do mesmo preceito concretiza-se que, quanto aos meios probatórios invocados incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o recurso. Para o efeito poderá transcrever os excertos relevantes. Sendo que, ao Recorrido, por contraposição, caberá o ónus de designar os meios de prova que infirmem essas conclusões do recorrente, indicar as passagens da gravação em que se funda a sua defesa, podendo também transcrever os excertos que considere importantes, isto sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal.
A lei impõe assim ao apelante específicos ónus de impugnação da decisão de facto, sendo o primeiro o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, o qual implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância, tendo como ponto de partida a totalidade da prova produzida em primeira instância.
No caso, o Recorrente cumpriu genericamente os ónus de impugnação assim estabelecidos na lei, pelo que cumpre apreciar o bem fundado das razões que defende para alterar o julgamento da matéria de facto.

3.1. Do facto provado no ponto 15.
O primeiro facto impugnado pelo Recorrente é o contante do ponto 15, relacionando-se o mesmo com a deliberação de 27 de dezembro de 2021 que autorizou a administração a instaurar a presente ação.
Em causa está a alegada “inexistência” ou “nulidade” dessa deliberação.
Ora, sobre este tema já no debruçámos no ponto 1 do presente acórdão, sendo que a relevância da impugnação estava restrita à alegada “ilegitimidade” do A. para propor a presente ação.
Tudo o que ali deixámos oportunamente expresso tem aqui plena aplicação e, portanto, sem necessidade de maior aprofundamento, só nos resta dizer que, para além de ficar prejudicada a sua apreciação, sempre improcederia a impugnação nesta parte.

3.2. Dos factos provados no ponto 19.
O segundo facto provado impugnado pelo Recorrente é o ponto 19, que se refere à circunstância de a atual administração, em 2020, quando verificou as contas bancárias, tomou conhecimento que o condomínio, entre os anos de 2016 e 2020, efetuou pagamentos à EPAL, Universidade da Madeira, Seguros da Seguradora Unidas, de produtos de bricolage, de farmácia, de sucada e gás, Diário de Notícias e verificou levantamentos efetuados pelo R. e transferências para a conta da esposa deste.
Sustenta o Recorrente essa impugnação no facto de os documentos juntos aos autos não serem extratos de conta bancária, mas documentos elaborados pela administração, sendo que as testemunhas AS, SV, GD, CP e LR reconheceram, em depoimento gravado, ou que não viram os extratos bancários, ou, os que os viram, não constataram neles os mencionados pagamentos.
Contrapõe o Recorrido com a reprodução da gravação do depoimento de AT (aos minutos 1:00 a 12:21), que é a atual administradora do condomínio, a qual efetivamente refere que não tinham antes acesso à documentação integral relativa à administração do R., que veio a solicitar os extratos bancários das contas do condomínio, tendo nessa sequência elaborado o documento junto a fls. 26 a 31, junto com a “réplica”, que reproduz os movimentos verificados nesses extratos bancários, mencionando nele todos os movimentos inexplicados que foram dados por provados.
Importa ainda ter em consideração que a sentença recorrida fundamentou a sua convicção, relativamente a este ponto 19, nos seguintes termos:
«Relativamente ao facto 19, o mesmo resultou provado das declarações de parte da legal representante da Autora, bem como dos depoimentos das testemunhas AS, AD, RH, JS, MV, GD e MC, bem como da documentação junta em 10 de Março de 2022 (cfr. referência citius nº 4596621).
«A documentação junta em 10 de Março de 2022 (cfr. referência citius nº 4596621) demonstra que, efetivamente, existem movimentos que carecem de justificação (algo que não compete apreciar na presente lide), nomeadamente que o condomínio efetuou pagamentos de despesas da EPAL, da Universidade da Madeira, de Seguros da Seguradora Unidas, de produtos de bricolage, de farmácia, produtos de sucata e de gás, Diário de Notícias, demonstrando também a existência de levantamentos efetuados pelo Réu e transferências para a conta da esposa do mesmo.
«Essa documentação foi impugnada pelo Réu mas não deixa, naturalmente, de ser livremente apreciada pelo Tribunal.
«Corroborando a informação plasmada na documentação, a legal representante do condomínio confirmou que elaborou esse resumo com base nos extratos bancários, quando teve acesso aos mesmos.
«Frisou que a única coisa que o condomínio pretende é que o Réu apresente constas e justifique esses gastos e movimentos.
«Também a testemunha JS (marido da legal representante do Autor) confirmou que o resumo espelha o que foi detetado nos extratos bancários do condomínio.
«No mesmo sentido, a testemunha MC referiu que lhe foi facultado o acesso aos extratos bancários do condomínio pela nova administração, tenho verificado todos esses pagamentos e movimentos para os quais não tem explicação.
«Frisou que a única coisa que o condomínio pretende é que o Réu apresente constas e justifique esses gastos e movimentos.
«Por fim, as testemunhas, AS, AD, RH, MV, GD e MC referiram que tiveram conhecimento dos pagamentos efetuados pelo condomínio à Universidade da Madeira, Epal, Farmácia e levantamentos pessoais do Réu e transferências para a conta da esposa do mesmo através a consulta do resumo dos movimentos bancários efetuado pela atual administração.
«Por tudo o exposto, não restam quaisquer dúvidas ao Tribunal em considerar como provado o facto 19».
Apreciando, julgamos que não existem fundadas razões para alterar o provado em 19, principalmente porque as apontadas insuficiências dos depoimentos testemunhais, relevadas nas alegações de recurso, não põem em crise a conclusão evidente de que a convicção do tribunal assentou, fundamental e principalmente, nas declarações de parte da administradora do condomínio, que conhecia em maior pormenor as situações que relatou e que foram refletidas no documento de fls. 26 a 31, que, não sendo um extrato de conta emitido pelo Banco, limita-se a reproduzir os movimentos relevantes que dele constavam.
Em suma, o exposto nas alegações de recurso é claramente uma visão parcial da totalidade da prova produzida e insuficiente para permitir por em crise a factualidade impugnada e a prova que foi relevada pelo Tribunal a quo na sua globalidade. Pelo que, julgamos que improcede a impugnação também nesta parte.

3.3. Dos factos não provados nas alíneas B) a R).
O Recorrente impugna de seguida, em bloco, os factos não provados constantes das alíneas B) a R), dos quais resultaria a conclusão genérica de que o R. nunca prestou contas em assembleia de condóminos, pretendendo que os mesmos passassem a figurar nos factos provados.
Para tanto realça, em primeiro lugar, que prestou as contas conforme sabia, não tendo exercido as funções de administrador como profissional e não sendo remunerado para esse efeito. Por outro lado, transcreveu passagens dos depoimentos das testemunhas AS, AD, RH, MP, JP, LR, MOM e JF, daí concluindo que as contas eram apresentadas e aprovadas, isto mesmo nas atas em que não se menciona que as contas foram aprovadas e mesmo que reconhecendo que pudessem ter existido irregularidades.
Em suma, expressou o entendimento de que não foi tido em consideração que o R. não tinha formação para administrador, que iniciou e exerceu as funções desde 2006 e de forma muito rudimentar, tendo apenas como exemplo os administradores anteriores, tendo apresentado as contas do modo que entendia que deveria ser feito, sem que ninguém se tivesse oposto e sem que ninguém se oferecesse para o substituir.
O Recorrido contrapõe que o R. não juntou aos autos nenhuma ata em que as contas apresentadas tivessem sido aprovadas, sendo que o que resulta dos depoimentos transcritos nas alegações de recurso é que o R. nunca prestou contas, realçando, por exemplo, que a testemunha JP não sabia que o R. pagou a si próprio 4 cheques do condomínio no valor de 11 mil, 10 mil, 5 mil e 3 mil euros. Ao que acresce que o Recorrente não pôs em causa o que é exposto na sentença recorrida, com base na prova junta aos autos e nos factos provados.
A sentença expressou a sua convicção sobre toda a factualidade não provada, nos seguintes termos:
«A versão do Réu nos presentes autos baseia-se na alegação de que os condóminos sempre o pressionaram a continuar a exercer o cargo de administrador e que sempre prestou contas anualmente em sede de assembleia de condóminos, tendo as contas sido sempre aprovadas pelos condóminos.
«Como se verá, e recorrendo (por se entender estritamente necessário) a matéria jurídica para fundamentação da matéria de facto não provada, essa versão não resultou provada.
«Em primeiro lugar cumpre frisar que o ónus de provar que as contas já haviam sido prestadas e aprovadas competia ao Réu (cfr. artigo 342.º do Código Civil), por se tratar de um facto extintivo do direito do Autor a exigir a prestação de contas.
«Como já foi referido supra, o Réu apenas apresentava uma folha A4 com receitas e despesas, não apresentando qualquer comprovativo que permitisse comprovar essas informações.
«Na pode, como se voltará a reforçar em sede de subsunção jurídica, considerar-se que a obrigação de prestação de contas se satisfaça desta forma.
«A esse propósito, por tratar de situação semelhante à do caso em apreço, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 08 de Setembro de 2009, processo 52/08.5TBSTS.P1, relatado pelo Exmo. Desembargador Canelas Brás (disponível em www.dgsi.pt):
“(…) nos termos do artigo 1436.º, alínea j) do Código Civil, é função do Administrador <<prestar contas à Assembleia>>. (…) Vejam-se, por exemplo, as exigências que vêm previstas no artigo 1016.º do Código Processo Civil: <<As contas que o Réu deva prestar são apresentadas em forma de conta-corrente e nelas se especificará a proveniência das receitas e a aplicação das despesas, bem como o respetivo saldo” (n.º 1); e <<As contas são apresentadas em duplicado e instruídas com os documentos justificativos>> (seu n.º 3).
“(…) a apresentação das contas não basta mencionar a importância total das receitas e a soma total das despesas, há que indicar separadamente como se obteve a totalidade da receita, quais as quantias que se foram recebendo e donde provieram, assim como é forçoso declarar quais as diferentes despesas que se fizeram e a que fim se aplicaram as verbas respetivas”, como aduz o Dr. Abílio Neto no seu “Código de Processo Civil Anotado”, 14.ª edição, Março/1997, nas anotações n.ºs 5 e 20 ao artigo 1014.º-A, a páginas 1043 e 1044 e na anotação n.º 6 ao artigo 1015.º, a páginas 1045, respetivamente, com a jurisprudência aí indicada.]” (…nosso).
«Assim sendo, não se poderá considerar que a obrigação de apresentação de contas relativamente aos anos 2007 a 2020 foram efetivamente prestadas.
«No mais, da análise detalhada das atas (documentação junta a 07 de Fevereiro de 2024) verifica-se o seguinte:
«- Nada consta da ata de 20 de Fevereiro de 2007 quanto à aprovação das contas relativas ao ano de 2006.
«- Nada consta da ata de 04 de Abril de 2009 quanto à aprovação das contas relativas ao ano de 2008.
«- Nada consta da ata de 10 de Janeiro de 2010 quanto à aprovação das contas relativas ao ano de 2009.
«- Nada consta da ata de 29 de Agosto de 2010 quanto à aprovação das contas relativas ao ano de 2009, fazendo-se notar que é de estranhar a existência de duas atas de 2010 referentes à aprovação das contas do ano de 2009.
«- Consta da ata de Março de 2011 que as contas do ano de 2010 foram apresentadas e aprovadas; porém, essa ata apenas está assinada pelo Réu, não constando sequer quais foram os condóminos presentes, sendo impossível aferir quem, alegadamente, aprovou as contas.
«- Não foi comprovada a realização de assembleia no ano de 2012, não existindo qualquer comprovativo de que tenham sido prestadas contas relativas ao ano de 2011.
«- Não foi comprovada a realização de assembleia no ano de 2013, na existindo qualquer comprovativo de que tenham sido prestadas contas relativas ao ano de 2012.
«- Nada consta da ata de 20 de Junho de 2014 quanto à aprovação das contas do ano de 2013.
«- Não foi comprovada a realização de assembleia no ano de 2015, não existindo qualquer comprovativo de que tenham sido prestadas contas relativas ao ano de 2014.
«- Não foi comprovada a realização de assembleia no ano de 2016, não existindo qualquer comprovativo de que tenham sido prestadas contas relativas ao ano de 2015.
«- Nada consta da ata de 21 de Outubro de 2017 quanto à aprovação das contas do ano de 2016.
«- Não foi comprovada a realização de assembleia no ano de 2018, não existindo qualquer comprovativo de que tenham sido prestadas contas relativas ao ano de 2017.
«- Nada consta da ata de 30 de Outubro de 2019 quanto à apresentação e aprovação das contas do ano de 2018.
«- Não foi comprovada a realização de assembleia no ano de 2020, não existindo qualquer comprovativo de que tenham sido prestadas contas relativas ao ano de 2019.
«Acresce a tudo o exposto que as atas estão assinadas apenas pelo Réu (administrador), não constando das mesmas a lista de presenças.
«Acresce, ainda, que se demonstrou provado que apenas era apresentada uma folha A4, sem documentação de suporte, não se podendo considerar que tenha sido satisfeita a obrigação legal de prestação de contas.
«Por fim, refira-se também que não resultou provado que o Réu tenha solicitado por diversas vezes aos seus vizinhos que o substituíssem na administração do condomínio ou tenha sido pressionado a continuar na administração do condomínio, não tendo qualquer das testemunhas referido episódios concretos que revelassem essa pressão ou que o Réu tenha sido de alguma forma coagido a tal; sendo certo que esses factos sempre seriam de relevância escassa para a decisão a proferir.
«Por tudo o exposto, dúvidas não restam ao Tribunal em considerar como não provados os factos A) a T)».
Apreciando, temos de referir, antes de mais, que as atas das assembleias de condomínio, relativas ao período relevante nesta ação, mostram-se juntas aos autos por cópia de fls. 90 a 97.
Elas retratam exatamente o que ficou provado nos pontos 4 a 14 da sentença recorrida, que, aliás, nem sequer foram impugnados pelo Recorrente.
Daí se realça que:
1- Nunca foram sequer apresentadas contas referentes aos anos de 2011, 2012, 2014, 2015, 2017 e 2019.
2- Apenas foram formalmente aprovadas as contas apresentadas relativas aos anos de 2007, 2010 e 2020.
3- Foram apresentadas contas, mas não foram sujeitas a qualquer deliberação para sua aprovação, no que se refere aos anos de 2006, 2008, 2009, 2013, 2016 e 2018.
Quanto ao modo de apresentação das contas, a prova testemunhal permitiu saber que o R., pelo menos algumas vezes, terá apresentado uma folha A4, com indicação das despesas e receitas, sendo certo que as únicas versões desse tipo de documento são as que se mostram juntas a fls. 118 e 119, identificadas como “Apresentação de Contas do Ano de 2006” e “Apresentação de Contas do Ano de 2007”. Sendo evidente que a prova testemunhal gravada não permite a conclusão inequívoca de que essa obrigação tenha sido cumprida, e nesses precisos termos, relativamente a todos os anos em que o R. exerceu as funções de administrador. Ninguém expressou semelhante conhecimento, de memória, relativamente a todos e cada um desses anos.
Também fica claro, da prova gravada, que os condóminos, ao longo dos anos, foram-se conformando com a administração do R., não pondo em causa as despesas ou as receitas, porque tudo funcionava na base da confiança. Na prática havia um misto de deficiente informação documentada e falta de interesse concreto em procurar dessa informação.
Não podemos também deixar de ponderar que isso só assim se terá passado devido à ausência de qualquer situação concreta que tivesse servido de motivo de alarme que justificasse o interesse na justificação de qualquer concreta despesa ou receita.
Em todo o caso, a prova produzida não permite concluir que o R. sempre prestou contas da sua atividade, tal como consta da alínea B) dos factos não provados. Pelo contrário, está evidenciado das atas juntas que, por exemplo, nunca foram apresentadas contas referentes aos anos de 2011, 2012, 2014, 2015, 2017 e 2019, sendo que deveria ser na assembleia de condóminos, devidamente convocada para esse efeito, que as contas deveriam ter sido apresentadas (cfr. Art.º 1431.º e Art.º 1436.º n.º 1 al. l) do C.C.). Pelo que, o facto não provado constante da alínea B) deve continuar a figurar no rol dos factos não provados.
Veja-se que a elaboração duma ata relativa a cada assembleia de condóminos é sempre obrigatória (cfr. Art.º 1.º n.º 1 do Dec.Lei n.º 268/94 de 25/10), devendo as deliberações ser devidamente consignadas nesse documento, para efeitos de serem vinculativas para todos os condóminos e para terceiros (cfr. Art.º 1.º n.º 2 do mesmo diploma legal). Nessa estrita medida, a existência duma ata, mais que uma formalidade ad probationem é uma verdadeira formalidade ad substantiam (neste sentido: Sandra Passinhas in “A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal”, pág. 258). Por isso, não há como concluir da prova documental junta aos autos, nem muito menos tal conclusão pode resultar da prova testemunhal gravada, mesmo da reproduzida nas alegações, que se logrou fazer a demonstração dos factos constantes das alíneas I), J), L), M) O) e Q) - (v.g. a apresentação e aprovação das contas dos anos de 2011, 2012, 2014, 2015, 2017 e 2019). Pelo que, só podem continuar no rol dos factos não provados os constantes das alíneas B), I), J), L), M), O) e Q).
Quanto ao mais, em face da falta de segurança da prova testemunhal produzida, só podermos ater-nos à prova documental junta aos autos, nomeadamente ao teor das atas de fls. 72 a 97, nas quais, em princípio, deverá ter ficado reproduzido o que efetivamente se terá passado em cada uma dessas assembleias de condóminos, resultando patente da prova que ninguém as impugnou, nem foi arguida a sua falsidade, mesmo sendo certo que nem todas estejam assinadas por todos os condóminos que nelas tenham intervindo, como o Art.º 1.º n.º 1 do Dec.Lei n.º 268/94 de 25/10 impunha que fosse observado.
Nessa medida, se ficou provado que as contas do ano de 2006 foram apresentadas na assembleia de 20 de fevereiro de 2007 (cfr. facto provado 4), o que é explicitamente referido, e de forma mais ou menos extensa, na ata n.º 20 (cfr. doc. a fls. 90), não pode ser dado por não provado que essas contas não foram apresentadas (cfr. al. C) dos factos não provados), ainda que apenas na forma que se mostra documentada a fls. 118.
Efetivamente, o documento de fls. 118 explicita todas as receitas e despesas, de forma mais ou menos circunstanciada, permitindo aos condóminos, se nisso tivessem interesse, em solicitar a documentação de suporte de alguma despesa ou receita que pudesse suscitar dúvidas.
Acresce que, a ata n.º 20 reflete claramente que houve um esforço, por parte da administração, de apresentar à assembleia os resultados do exercício de 2006 e, por isso, tal aí ficou explicitamente consignado, independentemente de terem, ou não, sido apresentados documentos de suporte, ou de os condóminos terem, ou não, solicitado a consulta de qualquer documentação.
O que é claro é que as contas de 2006 não foram objeto de aprovação pelos condóminos, porque isso não é mencionado na ata n.º 20 (cfr. cit. doc. de fls. 90 a verso). Nessa medida, não se pode presumir uma aprovação, que formalmente inexistiu, fosse lá por que motivo fosse. Sendo que, recorde-se, era na assembleia de condóminos que as contas deveriam ser apresentadas, discutidas e aprovadas (cfr. Art.s 1431.º n.º 1 e 1436.º al. j) do C.C., com a redação então em vigor, e Art.º 1.º n.º 1 e n.º 2 do Dec.Lei n.º 268/94 de 25/10).
Em face do assim exposto, a alínea C) dos factos não provados deve refletir o documentado na ata n.º 20, devendo a sua redação ser alterada de forma a que fique apenas dado por não provado que: «C) As contas do ano de 2006 foram aprovadas na assembleia realizada em 20 de fevereiro de 2007».
Quanto à alínea D) dos factos não provados, está a mesma em contradição com o teor do ponto 5 dos factos provados, embora essa contradição seja explicada na sentença recorrida com a consideração de que a apresentação de contas, e a consequente aprovação, não se sustentaram no cumprimento devido da obrigação de informação pela apresentação coeva de suporte documental às contas.
É certo que as contas de 2007 podem ter sido apresentadas formalmente apenas nos termos que constam do documento entretanto junto a fls. 119, para efeitos da sua posterior discussão e aprovação em assembleia, mas não pode ser desconsiderado que da ata n.º 21 (cfr. doc. a fls. 90 verso a fls. 91) é dito explicitamente que se procedeu «á verificação das contas do ano dois mil e sete com a aprovação de todos os presentes». Se isso é dito em ata, e nesses precisos termos, quando não foi impugnada essa ata ou impugnadas oportunamente as suas deliberações, como duvidar de que assim não tenha sido, passados quase 17 anos!
Se os condóminos, reunidos em assembleia, discutiram as contas e sentiram-se suficientemente esclarecidos para as poderem aprovar, não se poderá agora, decorrido todo este tempo, dizer-se que a assembleia não votou de forma esclarecida. Julgamos assim que o documento faz prova mais que bastante do que ficou provado no ponto 5 da sentença recorrida e permite excluir dos factos não provados o que ficou a constar da alínea D), que assim deve ser eliminada.
Quanto às contas de 2008 (al. E) dos factos não provados), a questão coloca-se em termos muito semelhantes ao que foi exposto quanto à alínea C).
A ata n.º 23 (cfr. doc. a fls. 92 a 92 verso) fala apenas na «apresentação de contas do ano de 2008». Parte-se assim do princípio de que houve efetivamente uma apresentação de contas nessa assembleia de 4 de abril de 2009, mesmo sendo certo que relativamente a estas não exista um documento semelhante aos que constam de fls. 118 e 119, por referência aos anos de 2006 e 2007.
O que certamente não houve, porque isso não consta da ata, foi uma deliberação da assembleia a aprovar essas contas (cfr. cit. doc. e facto provado no ponto 6 da sentença recorrida).
Fosse lá por que motivo fosse, os condóminos não aprovaram as contas e não há prova mínima de que o contrário, relativamente a esse ano específico, tenha ocorrido.
Nada nos pode levar a supor que haja um mero lapso na redação da ata, que supostamente até terá sido elaborada pelo próprio R..
No mínimo, sempre haveria de ponderar a possibilidade de, se não houve aprovação dessas contas, é porque a assembleia de condóminos poderia ter motivos para as não aprovar.
Portanto, existe prova suficiente do facto provado no ponto 6 da sentença recorrida, sendo essa mesma prova suficiente para afastar dos factos não provados que as contas do ano de 2008 tenham sido apresentadas, devendo apenas subsistir na redação da alínea E), como facto não provado, que as contas de 2008 tivessem sido objeto de aprovação.
Em face do assim exposto, a alínea E) dos factos não provados deve refletir o documentado na ata n.º 23, devendo a sua redação ser alterada de forma a que fique apenas dado por não provado que: «E) As contas do ano de 2008 foram aprovadas na assembleia realizada em 4 de abril de 2009».
Quanto às contas de 2009 (alínea F) dos factos não provados), pelas mesmas razões, há que ter em consideração o teor da ata n.º 24 de 10 de janeiro de 2010 (cfr. doc. a fls. 92 verso a 93), que fez prova do que ficou a constar do ponto 7 dos factos provados.
Também aqui, como na ata n.º 23, relativa à alínea E) dos factos não provados, consta que houve uma apresentação das contas do ano de 2009, mas não houve aprovação dessas contas. Pelo que, deverá a alínea F) dos factos não provados refletir o documentado na ata n.º 24, devendo a sua redação ser alterada de forma a que fique apenas dado por não provado que: «F) As contas do ano de 2009 foram aprovadas na assembleia realizada em 10 de janeiro de 2010».
O mesmo se diga quanto à alínea G), que repete a questão da apresentação e aprovação das contas de 2009, mas agora por referência à ata seguinte n.º 25 (cfr. doc. de fls. 93 a verso).
Neste último caso, para além de se estranhar o facto de as contas do ano de 2009 serem apresentadas por 2 vezes no mesmo ano e em atas diferentes, uma vez mais, o que resulta desta última mencionada ata é apenas a apresentação das contas de 2009 e a ausência de aprovação das mesmas pelos condóminos. Assim, deverá a alínea G) dos factos não provados refletir o documentado na ata n.º 25, devendo a sua redação ser alterada de forma a que fique apenas dado por não provado que: «G) As contas do ano de 2009 foram aprovadas na assembleia realizada em 29 de agosto de 2010».
Quanto à alínea H), a questão é igual à que se refere a alínea D), agora tendo por referência a ata n.º 26 de 27 de março de 2011, que permitiu dar provado o que consta do ponto 9 da sentença recorrida.
Se na ata n.º 26 (cfr. doc. a fls. 93 verso a fls. 94) consta que o relatório de contas foi explicitado, nomeadamente quanto às fontes de receitas e despesas, após distribuição de um exemplar a cada condómino presente, sendo que, depois de posto à votação, o mesmo foi aprovado por unanimidade, é isso significativo de que os condóminos entenderam que as contas estavam corretas e mereciam a sua aprovação, por não oferecerem dúvidas. Logo, não tendo sido impugnada essa deliberação assim formalizada, serve essa ata de prova bastante para o facto provado em 9 e para que seja excluído dos factos não provados a matéria da alínea H), que deve ser eliminada do rol dos factos não provados.
Saltamos agora as alíneas I) e J), relativas às contas de 2011 e 2012, sobre as quais já nos pronunciámos previamente. Sobre estas resta verificar a sequência das assembleias, constante do livro de atas junto, para se constar que não houve sequer assembleia geral de condóminos relativas aos anos de 2012 e 2013, que tivessem por objeto a apresentação ou a aprovação das contas de 2011 e 2012. Efetivamente, o livro de atas passa da ata n.º 26, do ano de 2011, para a ata n.º 27, do ano de 2014 (cfr. fls. 93 verso a fls. 94). Pelo que, os factos constantes das alíneas I) e J) só poderiam ser dados por não provados.
Quanto à alínea K), referente às contas de 2013, a questão é igual à das alíneas C), E), F) e G).
Em causa está a ata n.º 27 de 20 de junho de 2014 (cfr. doc. a fls. 94 a verso), que motivou a prova do facto constante do ponto 10 da sentença recorrida.
Também nesta ata é mencionada a apresentação das contas de 2013, aí se referindo explicitamente à discussão duma despesa extraordinária concreta com os esgotos. O que não houve foi aprovação das contas que terão sido apresentadas. Assim, deverá a alínea K) dos factos não provados refletir o documentado na ata n.º 27, devendo a sua redação ser alterada de forma a que fique apenas dado por não provado que: «K) As contas do ano de 2013 foram aprovadas na assembleia realizada em 20 de julho de 2014».
Saltamos agora as alíneas L) e M), referentes à apresentação das contas de 2015 e 2016 em 2015 e 2016, relativamente às quais, como já referido, não há sequer atas, porque se passa da ata n.º 27, do ano de 2014, para a ata n.º 28, do ano de 2017, devendo por isso esses factos subsistir na factualidade não provada.
Quanto à alínea N), referente às contas de 2016, a questão é a mesma da das alíneas C), E), F), G) e K).
A ata n.º 28 de 21 de outubro de 2017 (cfr. doc. a fls. 94 verso a fls. 95), que motivou a prova do facto constante do ponto 11 da sentença recorrida, permite constar que foram apresentadas contas relativamente ao ano de 2016, explicitando-se em ata que foi apresento um balanço que foi entregue aos condóminos, especificando-se o resultado negativo do exercício, mas sem se fazer menção à aprovação das contas pelos condóminos.
Assim, deverá a alínea N) dos factos não provados refletir o documentado na ata n.º 28, devendo a sua redação ser alterada de forma a que fique apenas dado por não provado que: «N) As contas do ano de 2016 foram aprovadas na assembleia realizada em 21 de outubro de 2017».
As alíneas O) e Q) devem subsistir nos factos não provados porque não há ata de assembleia de condóminos que sequer mencione a apresentação de contas dos anos de 2017 e 2019, como já evidenciámos.
Quanto à alínea P), referente às contas de 2018, há que ter em atenção a ata n.º 29 de 30 de outubro de 2019 (cfr. doc. a fls. 95 a 96 verso), que tinha como primeiro ponto de “dar a conhecer a situação financeira do edifício”, referindo-se aí, a esse propósito, apenas qual o valor do fundo de reserva e do saldo da conta.
Dessa ata não consta que tenha sido efetivamente apresentadas quaisquer contas, seja de que ano fosse. O que motivou a redação do ponto 12 dos factos provados na sentença recorrida e justifica que a alínea P) deva subsistir nos factos não provados com a mesma redação.
Finalmente, temos a alínea R), referente às contas do ano de 2020, a que se reporta a ata n.º 31 de 13 de fevereiro de 2021 (cfr. doc. a fls. 100 a 102 verso), que esteve na base do provado no ponto 14 da sentença recorrida.
Dessa ata consta como ordem de trabalho a apresentação, análise e aprovação do relatório de contas de 2020, mencionando-se que foram distribuídas cópias da documentação, a que se seguiram vários pedidos de esclarecimentos sobre despesas que se refere não estarem documentadas ou justificadas, sendo evidente a discordâncias de alguns condóminos sobre as contas apresentadas. No final dessa ordem de trabalhos consta explicitado na ata que: «Finda esta discussão, foi colocada à votação a aprovação do relatório de contas do ano dois mil e vinte», resultando dessa votação que o relatório de contas do ano de 2020 foi aprovado por maioria (cfr. doc. a fls. 101).
Essa deliberação não foi impugnada e consta de ata assinada pelos condóminos presentes. Pelo que, foi feita prova mais que suficiente para se concluir que as contas de 2020 foram apresentadas pelo administrador, foram abundantemente discutidas e a maioria dos condóminos considerou estar suficientemente esclarecido para as aprovar em assembleia. Logo, o facto que consta da alínea R) dos factos não provados deve ser eliminado.
De tudo o assim exposto, relativamente a esta parte da impugnação da matéria de facto não provada, resulta que a mesma deve ser julgada parcialmente por procedente, nos seguintes termos:
1- Devem ser eliminadas dos factos não provados as alíneas D), H) e R);
2- Deve ser alterada a redação das alíneas C), E), F), G), K) e N), que passará a ser a seguinte:
«C) As contas do ano de 2006 foram aprovadas na assembleia realizada em 20 de fevereiro de 2007».
«E) As contas do ano de 2008 foram aprovadas na assembleia realizada em 4 de abril de 2009».
«F) As contas do ano de 2009 foram aprovadas na assembleia realizada em 10 de janeiro de 2010».
«G) As contas do ano de 2009 foram aprovadas na assembleia realizada em 29 de agosto de 2010».
«K) As contas do ano de 2013 foram aprovadas na assembleia realizada em 20 de julho de 2014».
«N) As contas do ano de 2016 foram aprovadas na assembleia realizada em 21 de outubro de 2017».
3- Quanto ao mais, devem permanecer nos factos não provados a matérias das alíneas B), I), J), L), M), O), P) e Q).

3.4. Dos factos não provados nas alíneas A) e S).
O Recorrente impugna ainda os factos não provados constantes das alíneas A) e S), dos quais decorrida que o R. exerceu a administração a pedido dos condóminos, dada a sua maior disponibilidade e conhecimento prático do condomínio (al. A) e que solicitou por várias vezes para o substituírem, mas todos insistiam que continuasse como administrador (al. S).
Deve-se dizer que esta matéria de facto, apesar de ter sido alegada e constar dos factos não provados, é completamente irrelevante e, por isso, dada a sua completa inutilidade para a apreciação da questão central nos autos, que é a existência, ou não, da obrigação de prestar contas relativamente aos anos em que o R. exerceu as funções como administrador do condomínio, julgamos abstermo-nos de apreciar a impugnação nessa parte.
Conforme foi defendido no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26 de setembro de 2019 (Proc. n.º 144/15.4T8MTJ.L1-2 – Relator: Carlos Castelo Branco, disponível em www.dgsi.pt): «I)– Não se deverá proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objeto de impugnação não forem suscetíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2º, nº 1, 137º e 138º, todos do C.P.C.)» (vide no mesmo sentido, ainda: o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15/12/2016 – Proc. n.º 86/14.0T8AMR.G1 – Relatora: Maria João Matos, disponível no mesmo sítio).
Julgamos pelo exposto, não apreciar a impugnação nesta parte.

3.5. Dos factos omissos na seleção da matéria de facto provada.
Finalmente, o Recorrente entende que a sentença é omissa relativamente a 2 factos que entende que deveriam constar dos factos provados e cuja redação sugere.
Assim pretende que fiquem igualmente provado que:
“23. A documentação do condomínio sempre esteve à disposição dos condóminos”.
“24. O Réu nunca impediu qualquer condómino de consultar a documentação do condomínio”.
Há que dizer que nenhum destes factos foi alegado na contestação que o R. apresentou. Pelo contrário, o R. chegou a sustentar que as despesas não eram documentadas, porque alguns prestadores de serviços não emitiam faturas, o que era do conhecimento dos condóminos e assim era feito com a sua concordância (cfr. artigo 37.º da contestação). O que é substancialmente diferente de alegar que a documentação estava disponível e que o R. nunca impediu a sua consulta.
Em todo o caso, o R. alegou que prestou sempre contas (v.g. artigo 46.º da contestação) e isso implica o cumprimento pontual e integral da obrigação de informação, disponibilizando a documentação que fosse necessária e que existisse.
Assim sendo, admitimos que os factos pretendidos aditar fossem complementares e concretizadores da defesa por si apresentada, podendo a sua inclusão e prova resultar da instrução da causa (cfr. Art.º 5.º n.º 2 al. c) do C.P.C.).
Para tanto, sustentou o Recorrente a sua impugnação desta parte da decisão sobre a matéria de facto na circunstância das testemunhas MP (cfr. gravação aos minutos 8:13 a 9:07), JP (cfr. gravação aos minutos 4:40 a 4:47), LR (cfr. gravação aos minutos 15:10 a 27:43) e JF (cfr. gravação aos minutos 9:38 a 18:31), terem referido que, a elas, nunca o R. recusou documentação, nem terem assistido a situações em que o R. tenha recusado informação a outros condóminos, e que só não a consultavam por o acharem desnecessário.
O Recorrido contrapõe com o depoimento da atual administradora do condomínio, que reconheceu que recebeu alguns documentos do R., quando este cessou as suas funções, que consistiam em alguns extratos bancários e contas pessoais do R., mas depois referiu também que antes não tinham acesso às contas bancárias, porque o R. dizia que estavam em casa dele, mas depois «nunca dava nada»; que «nunca vimos documentos nenhuns»; e que só depois de pedirem os extratos bancários é que se aperceberam dos levantamentos de dinheiro e de pagamentos de despesas que nada tinham a ver com o condomínio.
Tudo assim ponderado e apreciando, o que resulta patente é que dos depoimentos prestados em audiência, desde logo dos relevados nas alegações e contra-alegações, existem relatos de situações que, no seu conjunto, não permitem com segurança estabelecer como provada a matéria pretendida ver aditada aos factos provados.
A impressão dominante que fica de toda a prova produzida em audiência é que, a maior parte dos condóminos estava desligada das questões da administração do condomínio e não se preocupava muito com a consulta da documentação das despesas ou receitas. Sendo certo que, pelo menos a atual administradora, que também é condómina, ouvida em declarações, sinalizou situações em que o R., não recusando propriamente a consulta de documentos, protelou a mesma no tempo, acabando por não fornecer os elementos solicitados. Portanto, não é certo que a documentação estivesse sempre à disposição dos condóminos e que o R. tenha feito sempre tudo no sentido de a disponibilizar para consulta. Em face disso, improcede a impugnação nesta parte.
3.6. Da conclusão da impugnação da matéria de facto.
Em face de todo o exposto, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto procede apenas parcialmente, devendo proceder-se unicamente às alterações como apresentadas no ponto 3.4. do presente acórdão. Ou seja, devem ser eliminadas dos factos não provados as alíneas D), H) e R) e ser alterada a redação das alíneas C), E), F), G), K) e N) nos termos ali descritos.

4. Do abuso de direito como causa justificativa da obrigação de prestar contas.
Fixada a factualidade provada e não provada, cumpre então apreciar o mérito da sentença que condenou o R. a apresentar contas da administração do condomínio referentes ao período compreendido entre Janeiro de 2006 e Fevereiro de 2021, julgando improcedente a exceção perentória do abuso de direito.
Em primeiro lugar, há que dizer que não se discute que o R., por ter exercido as funções de administrador do condomínio no período considerado (cfr. facto provado 1), estava efetivamente obrigado a prestar contas à assembleia de condóminos (cfr. Art.º 1436.º n.º 1 al. l) do C.C.), que é o órgão administrativo do condomínio com competência própria para discutir e aprovar as contas (cfr. Art.º 1430.º e 1431.º n.º 1 do C.C.).
Em segundo lugar, também está provado que o R. nunca chegou a apresentar contas relativas aos exercícios dos anos de 2011, 2012, 2014, 2015, 2017 e 2019. Logo, não tendo cumprido essa obrigação, relativamente a esses anos, só poderia ser condenado a cumprir agora essa prestação em falta.
É certo que invocou que, decorridos todos estes anos, constituiria um manifesto abuso de direito exigir o cumprimento dessa obrigação. Mas, com o devido respeito, não conseguimos vislumbrar em que é que o princípio da tutela da confiança poderia, no caso, justificar uma alegada convicção de que o não cumprimento da obrigação de prestar contas em determinados anos permitiria legitimar a conclusão sobre a extinção da correspondente obrigação.
De facto, nos termos do Art.º 334.º do C.C.: «É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito».
Assenta este normativo a ilegitimidade do exercício de direitos no princípio da boa-fé.
A boa-fé aparece na nossa lei substantiva fundamentalmente em dois sentidos distintos. No sentido subjetivo é entendida como o comportamento psicológico de determinado sujeito por conhecer ou não determinado facto (v.g. Art.º 243º e 291º do C.C.). No sentido objetivo, fala-se então de princípio da boa-fé, que expressa a existência dum dever de conduta honesta, correta e leal imposta aos sujeitos de determinada relação jurídica (v.g. Art.º 227º e 762º do C.C.).
Citando Larenz: «O princípio da boa-fé significa que todos devem guardar “fidelidade” à palavra dada e não frustrar ou abusar daquela confiança que constitui a base imprescindível das relações humanas» (Citação da tradução do “Lerrbuch des Schudrechts”, constante das lições de “Direito das Obrigações” do Prof. Rui de Alarcão, Coimbra 1983, pág. 110).
O princípio da boa-fé obriga não só a que as partes se abstenham de ter comportamentos desonestos, incorretos e desleais (vertente negativa), como impõe a obrigação de cooperação, de proteção, de esclarecimento e de lealdade (vertente positiva). Ou seja, as partes devem-se mutuamente os comportamentos necessários para que o fim contratual ou legal se realize, devendo prestar as informações que se imponham, manter a fidelidade à palavra dada, e colaborar na medida em que tal seja normal e razoável esperar (vide: Pires de Lima e Antunes Varela – “Código Civil Anotado”, Vol. II, 4ª Ed., revista e atualizada, pág. 1 e ss., v.g. pág. 3 onde menciona igualmente a posição de Larenz in “Lerrbuch des Schudrechts”, 12ª Ed., I § 10, pág. 106).
É ao sentido objetivo de boa-fé que o Art.º 334.º do C.C. se reporta diretamente, ligado fundamentalmente aos princípios da tutela da confiança e da primazia da materialidade subjacente.
Batista Machado (in “Obra Dispersa” Vol. I, págs. 415 a 418) identificava como requisitos da tutela da confiança:
- A existência duma situação objetiva de confiança;
- O investimento nessa situação de confiança; e
- A boa-fé da contraparte que confiou.
Menezes Cordeiro, na esteira de Cannaris (Vide: “Tratado de Direito Civil Português”, I Parte Geral, Tomo I, 3ª Ed., 2011, págs. 411 a 412), abordando também o princípio da tutela da confiança, como concretização do princípio da boa-fé, realça que aquele implica, em geral, a verificação de um conjunto de pressupostos para merecer proteção legal. Assim, considera que:
1º) Tem de existir uma situação de confiança fundada na boa-fé subjetiva, ou seja, na consideração ética da própria da pessoa que ignora, sem culpa, estar a lesar os direitos doutrem;
2º) Tem de existir uma justificação para essa confiança, fundada em factos objetivos capazes de tornar a crença dessa pessoa plausível;
3º) Tem de existir um investimento de confiança assente numa atividade jurídica efetiva por parte do sujeito, a qual deve ser consistente com a sua crença;
4º) Tem de haver uma imputação da confiança criada à pessoa que vai ser atingida pela proteção dada ao confiante. Ou seja, a proteção da confiança duma parte resulta do reconhecimento de que a outra é a autora da situação de confiança e é assim causalmente responsável pela situação criada.
No entanto, ressalva o mesmo autor que, por vezes, existem disposições legais que dispensam alguns desses pressupostos, sendo estes devem ser entendidos numa articulação entre si nos termos dum sistema móvel, ou seja: sem hierarquias entre os vários pressupostos e sem que se deva considerar que a sua verificação é absoluta e indispensável, pois a falta de algum deles pode ser compensada pela especial intensidade que assuma algum outro que se verifique de facto (Ob. Loc. Cit., pág. 413).
O princípio da boa-fé não se esgota na proteção da confiança, devendo ainda ser considerado o princípio da primazia da materialidade subjacente.
Sucintamente, este princípio faz realçar que não basta que as partes adotem comportamentos que formalmente respeitem a ordem jurídica e os objetivos que esta pretende alcançar. A boa-fé exige que os atos considerados produzam materialmente as consequências jurídicas pretendidas pela ordem jurídica, não sendo aceitáveis condutas que se traduzem atos emulativos (atos gratuitamente danosos para outrem) ou atuações gravemente desequilibradas (atos destinados a obter uma vantagem mínima para o próprio, mas que geram dano máximo para outrem) – (Vide: Menezes Cordeiro, in Ob. Loc. Cit., pág. 239).
É o princípio da primazia da materialidade subjacente que permite que haja obrigação de indemnização nas negociações emulativas, dilatórias e de chicaneira, na medida em que sejam estranhas à autonomia privada e contrárias à boa-fé, pois apesar do Direito reconhecer a liberdade de negociar e de romper as negociações, esses direitos devem ser exercidos com o propósito material da livre busca do consenso e não apenas na procura duma conformidade formal com a ordem jurídica (Vide: Menezes Cordeiro, in Ob. Loc. Cit., pág. 400).
No caso vertente, em função do alegado na contestação, o R. sustentava o abuso de direito como causa de justificação ou exclusão da obrigação de prestar contas, assente essencialmente no princípio da tutela da confiança, pretendendo relevar a inação prolongada no tempo por parte dos condóminos em exigir a prestação de contas, acompanhada duma alegada aprovação genérica da sua ação enquanto administrador.
Ocorre que provou apenas que os condóminos confiavam na forma como o R. administrava o condomínio (cfr. facto provado 3), mas essa confiança é insuficiente para criar no R. a convicção de que não tinha de prestar contas da sua administração.
Aliás, se se repetiram atas de assembleias de condomínio onde sucessivamente consta que prestou contas, é porque o R. só poderia estar ciente que estava obrigado à realização dessa prestação. Não será, certamente, pelo facto de haver anos em que não prestou contas, que se possa ter formado legitimamente na sua mente a convicção de que estava dispensado de o fazer.
A inação prolongada no tempo por parte dos condóminos em exigir a prestação de contas relativas a certos anos, poderia ser justificada na confiança que tinham na administração realizada pelo R., mas também na circunstância de o R. poder informar que não estava em condições para prestar contas, dando-lhe assim o crédito suficiente para, com tempo, vir a cumprir devidamente essa prestação em momento oportuno.
Em suma, não existe comprovadamente uma situação de confiança fundada na boa-fé subjetiva do R., suportada na convicção de que ele ignorava, sem culpa, estar a lesar os direitos doutrem. Não existe justificação objetiva para a confiança do R. de que não estaria obrigado a prestar contas. Não existe investimento de confiança assente numa atividade jurídica efetiva por parte do R., que seja consistente a crença de que não estava obrigado a prestar contas, pois sucessivamente veio a cumprir essa obrigação relativamente a outros anos. E a alegada inação dos condóminos é claramente insuficiente para criar no R. a confiança de que não era necessário prestar contas relativamente aos anos em que as não prestou.
Diremos assim que a exceção do abuso de direito é inaplicável, no caso, à justificação ou exclusão da obrigação de prestar contas relativamente aos anos em que nem sequer apresentou contas à assembleia de condóminos (v.g. relativamente aos exercícios dos anos de 2011, 2012, 2014, 2015, 2017 e 2019).
Mais discutível será a situação relativa aos anos em que o R. prestou contas, mas as contas não foram aprovadas.
Como vimos na discussão da impugnação da matéria de facto, isso verificou-se relativamente aos anos de 2006, 2008, 2009, 2013, 2016 e 2018.
Como logo fizemos notar, são múltiplas razões poderão ter justificado que os condóminos não tenham aprovado essas contas. Entre elas, podem constar razões relacionadas com a falta de condições objetivas das contas assim apresentadas para serem aprovadas.
Assim, relativamente a esses anos, o R. pode ter cumprido a obrigação de prestar contas, mas de forma incompleta ou deficiente, pois a assembleia de condóminos não ratificou formalmente esse ato, fosse por que motivo fosse.
Não tendo o R., enquanto administrador, promovido a aprovação das contas em assembleia de condóminos, a correção do cumprimento dessa obrigação ficou em aberto a discussão e aprovação pelo órgão administrativo competente (cfr. Art.º 1431.º n.º 1 do C.C.), não se tendo consolidado então as contas apresentadas e o seu cumprimento definitivo pelo R.. Logo, a assembleia geral de condóminos continuou perfeitamente legitimada a poder exigir o cumprimento efetivo e perfeito dessa prestação, não se podendo falar em abuso de direito nos casos em que não houve efetiva aprovação das contas.
Finalmente, falta considerar os casos em que houve apresentação de constas e as contas foram efetivamente aprovadas em assembleia geral de condóminos. Isso ocorreu nos anos de 2007, 2010 e 2020, como já tivemos oportunidade de fazer notar.
Nesses casos, mesmo que a aprovação das contas não tenha sido por unanimidade, mas sim por simples maioria, a conclusão legal é inequívoca, a assembleia geral de condóminos, ratificou e teve por devidamente cumprida a obrigação de prestação de contas por parte do administrador do condomínio, consolidando-se assim definitivamente as contas apresentadas, pois constam de ata que é vinculativa para todos os condóminos (cfr. Art.º 1.º n.º 4 do Dec.Lei n.º 268/94 de 25/10).
Não tendo as deliberações aí constantes, e agora consideradas, sido oportuna e judicialmente impugnadas, as mesmas são válidas e vinculativas para todos os condóminos, que já não podem discutir o conteúdo das contas que aprovaram.
Conforme resulta do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de junho de 1988 (Proc. n.º 076215 - Relator:            Cura Mariano, disponível em www.dgsi.pt): «I - O administrador, na propriedade horizontal, só tem de prestar contas perante a assembleia de condóminos, mediante convocação destes, não podendo essa prestação ser solicitada por cada condómino de per si. II - Havendo qualquer irregularidade, o condómino que não tenha aprovado as contas, pode impugná-las. III - Ora, vendo-se da ata respetiva que as contas foram prestadas perante a assembleia de condóminos e devidamente aprovadas, sem qualquer impugnação, encontram-se elas definitivamente prestadas, não tendo de o ser de novo».
O mesmo foi decidido no acórdão do Tribunal da Relação do Porto  de 8 de setembro de 2009 (Proc. n.º 52/08.5TBSTS.P1 – Relator: Canelas Brás, disponível no mesmo sítio), quando aí se diz no respetivo sumário que: «I- O Administrador do condomínio não fica exonerado de prestar contas à Assembleia de condóminos se se limita a entregar-lhe as pastas dos documentos contabilísticos da Administração e, questionado pelos condóminos acerca dos respetivos movimentos, o mesmo refere nada poder esclarecer nesse momento. II- É que só com a aprovação de quem tem direito a exigi-las é que se tem por extinta ou cumprida a obrigação de prestá-las».
Ou seja, não basta ao administrador de condomínio apresentar contas. É necessário que as contas sejam aprovadas pelo órgão administrativo competente do condomínio. Sendo certo que, se este aprovar as contas, as mesmas ficam definitivamente consolidadas, vinculando o condomínio, ou seja, todos os condóminos, mesmo os discordantes das contas assim apresentadas.
Em face de todo o exposto, julgamos que a sentença deverá ser alterada, mantendo-se a condenação do R. a prestar contas, mas apenas relativamente aos anos de 2006, 2008, 2009, 2011 a 2019 e janeiro a fevereiro de 2021, julgando-se extinta essa obrigação, pelo cumprimento, relativamente aos anos de 2007, 2010 e 2020.
As custas do recurso serão por Recorrente e Recorrido, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 4/5 para o Recorrente e 1/5 para o Recorrido (Art.º 527.º n.ºs 1 e 2 do C.P.C.).
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V- DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente por provada, alterando-se a sentença recorrida na parte que julgou condenar o R. a prestar contas referente ao período compreendido entre janeiro de 2006 a fevereiro de 2021, a qual é substituída pela condenação do mesmo a prestar contas relativas aos anos de 2006, 2008, 2009, 2011 a 2019 e janeiro a fevereiro de 2021, julgando-se extinta essa obrigação, pelo cumprimento, relativamente aos anos de 2007, 2010 e 2020.
- As custas do recurso são pelo Apelante e pelo Apelado, na proporção do respetivo decaimento (Art.º 527º n.º 1 e n.º 2 do C.P.C.), fixado em 4/5 para o primeiro e 1/5 para o segundo.
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Lisboa, 18 de fevereiro de 2025
Carlos Oliveira
Rute Sabino Lopes
José Capacete