Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
PROCEDIMENTO DE INJUNÇÃO
USO INDEVIDO
CLÁUSULA PENAL
EXCEPÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
REJEIÇÃO PARCIAL DA EXECUÇÃO
ADMISSIBILIDADE
Sumário
(da responsabilidade da relatora - art.º 663º/7 do CPC) I. O procedimento de injunção geral, regulado pelo DL. 269/98, de 1 de Setembro, tem como objecto o cumprimento de obrigações pecuniárias directamente emergentes do contrato, não sendo o meio próprio para obter o pagamento nem de indemnização fundada em cláusula penal, nem dos encargos associados à cobrança da dívida. II. O conhecimento da excepção dilatória inominada do uso indevido do procedimento de injunção e consequente falta de título executivo é de conhecimento oficioso. III. A procedência da excepção do uso indevido da injunção relativamente a parte da quantia reclamada não deve determinar a rejeição total da execução, mas apenas parcial.
Texto Integral
Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. RELATÓRIO
NOS COMUNICAÇÕES, S.A. intentou a presente execução sumária, com base em requerimento de injunção ao qual foi aposta a fórmula executória, contra B , visando obter o pagamento da quantia de €1468,74, acrescida de juros vincendos, alegando que celebrou com o executada um contrato de prestação de bens e serviços de telecomunicações, mediante o qual se obrigou a prestar os bens e serviços solicitados pelo requerido/executado e este obrigou-se a efectuar o pagamento das facturas e a manter o contrato pelo período acordado, sob pena de, não o fazendo, ser responsável pelo pagamento de cláusula penal convencionada para a rescisão antecipada do contrato, não tendo o executado procedido ao pagamento do valor das facturas identificadas no requerimento de injunção, constituindo-se em mora, devedor de juros legais desde o seu vencimento. Mais alegou que o requerido/executado é devedor de €225,56 a título de indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida.
Foi proferida decisão com o seguinte dispositivo: «Em face de todo o exposto, por verificação da exceção dilatória inominada do uso indevido do procedimento de injunção e consequente falta de título executivo, decido rejeitar a presente execução (cf. artigos 734.º n.º 1 e 726.º n.º 2 al. a) do CPC). Custas pela exequente. Registe e notifique»
Inconformada, veio a exequente recorrer da decisão, formulando as seguintes conclusões:
1. Considerou o Tribunal a quo existir exceção dilatória de uso indevido do procedimento de injunção, absolvendo o Apelado da instância;
2. Por a Recorrente ter lançado mão de injunção destinada a exigir o cumprimento de obrigação emergente de contrato e de despesas associadas à cobrança da dívida;
3. Salvo, porém, o devido respeito, tal decisão carece de oportunidade e fundamento, sendo contrária à Lei;
4. Desde logo porque a lei não habilita o Tribunal a quo a conhecer oficiosamente de exceções dilatórias relacionadas com o conteúdo do título executivo;
5. Das causas admissíveis de indeferimento liminar do requerimento executivo constantes do artigo 726.º do CPC não resulta o uso indevido do procedimento de injunção;
6. Permitir-se ao juiz da execução pronunciar-se ex officio relativamente à exceção dilatória de uso indevido do procedimento de injunção esvaziaria de função o artigo 14.º-A n.º 2 do DL 269/98, de 01 de setembro, e atentaria contra o princípio da concentração da defesa ínsito no artigo 573.º do CPC;
7. Não obstante, a injunção constitui um meio adequado para o pagamento das despesas associadas à cobrança das faturas relativas à prestação dos serviços contratados pelo Apelado;
8. Dado que, à semelhança do que sucede com os juros de mora, também as despesas de cobrança resultam diretamente da falta de pagamento da obrigação pecuniária principal e, por conseguinte, constituem uma obrigação pecuniária em sentido estrito, isto é, diretamente emergente do contrato;
9. Sem prescindir, o entendimento de que as despesas de cobrança não podem integrar o procedimento injuntivo não determina que a extinção total da instância executiva, mas somente a recusa do título executivo relativamente à parte que integra tais custos administrativos.
10. A sentença proferida pelo Tribunal a quo trata-se de um indeferimento liminar da petição inicial, o que legitima a apresentação do presente recurso;
De tudo quanto ficou exposto, resulta que, a decisão recorrida, ao rejeitar, liminarmente, a execução, violou, nomeadamente:
- o artigo 726.º n.º 2 do C.P.C.;
- o artigo 1.º do diploma preambular associado ao DL 269/98, de 01 de setembro;
- o artigo 10.º n.º 2 al. e) do regime anexo ao DL 269/98;
- o artigo 14.º-A n.º 2 do regime anexo ao DL 269/98;
- o artigo 193.º do CPC
Conclui que deverá ser revogada e substituída por decisão que admita o requerimento executivo e mande prosseguir os autos nos termos acima expostos.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II. QUESTÕES A DECIDIR
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados nos artigos 635º/4 e 639º/1 do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importa, no caso, apreciar e decidir se o tribunal recorrido podia conhecer oficiosamente a excepção dilatória que determinou a rejeição da execução, e na afirmativa, a consequência da procedência de tal exceção (rejeição total ou parcial da execução).
*
III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A factualidade relevante para a decisão é a que consta do relatório supra.
*
IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
A decisão posta em crise, julgando verificada a excepção dilatória inominada do uso indevido do procedimento de injunção e consequente falta de título executivo, rejeitou a execução ao abrigo dos art.ºs 734º/1 e 726º/2 a) do CPC, considerando que «a cláusula penal convencionada para a rescisão antecipada do contrato e a indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida peticionadas no procedimento injuntivo de que emergiu o requerimento/documento dado à execução não consubstanciam “uma obrigação pecuniária diretamente emergente de um contrato”».
Entendeu o tribunal a quo que:
- «a exequente não poderia ter recorrido ao requerimento de injunção e, tendo-o feito, deu causa à verificação de uma exceção dilatória inominada, prevista nos artigos 555.º, n.º 1, 37.º, n.º 1, primeira parte, e geradora de absolvição da instância ao abrigo do vertido nos artigos 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, 578.º e 278.º, n.º 1, alínea e), todos do Código de Processo Civil. »
- «Tal exceção atinge e contagia todo o procedimento de injunção, por não se mostrarem reunidos os pressupostos legalmente exigíveis para a sua utilização, e não apenas o pedido referente ao valor da cláusula penal peticionada – ver, neste sentido, Ac. RL, de 23.11.2021, relatado por Edgar Taborda Lopes, proc.88236/19.0YIPRT.L1-7; Ac. RP, de 15.01.2019, relatado por Rodrigues Pires, proc.141613/14.0YIPRT.P1 (in www.dgsi.pt).»
Insurge-se a apelante contra o decidido, pugnando pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que admita o requerimento executivo e determine a prossecução dos autos.
Sustenta, desde logo, que o tribunal não pode conhecer oficiosamente das excepções dilatórias relacionadas com o conteúdo do título executivo.
Esgrime ainda que das causas admissíveis de indeferimento liminar do requerimento executivo constantes do artigo 726.º do CPC não resulta o uso indevido do procedimento de injunção.
Mais afirma que «Sem prescindir, o entendimento de que as despesas de cobrança não podem integrar o procedimento injuntivo não determina a extinção total da instância executiva, mas somente a recusa do título executivo relativamente à parte que integra tais custos administrativos.»
Apreciando.
Como é sabido, toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva (art.º 10º/5 do Código Processo Civil), visando a realização coactiva da obrigação que é devida ao credor (art.º 10º/4), podendo o fim desta acção consistir no pagamento de quantia certa, na entrega de coisa certa ou na prestação de um facto, quer positivo quer negativo (art.º 10º/6).
Em anotação ao art.º 703º do CPC (com a epígrafe “espécies de títulos executivos”), afirmam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado”, Almedina, 2ª edição, vol. II, pp. 16, que «No campo da formação dos títulos executivos, regem os princípios da legalidade e tipicidade: só podem servir a um processo de execução documentos a que seja legalmente atribuída força executiva. Contudo, apesar do cariz tendencialmente restritivo e taxativo do art.º 703º, nada impede que outras normas de valor idêntico ou superior confluam no sentido de conferir exequibilidade a certos documentos, preenchendo a verdadeira norma em branco que é a al. d) do nº 1.»
Entre os títulos executivos elencados no art.º 703º/1 do Cód. Proc. Civil constam os previstos na alínea d): “Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva”. Trata-se de uma previsão meramente remissiva, já que a determinação de títulos exequíveis depende da consideração de outras disposições legais, resultando das opções legislativas pautadas pelo intuito de acautelar diferentes tipos de interesses, dispensando o uso da via declarativa para obter o reconhecimento de determinados créditos e facultando o acesso imediato à via executiva (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit. pág. 29).
No caso dos autos, o título dado à execução é um requerimento de injunção, ao qual foi aposta a fórmula executória pelo Secretário de Justiça do Balcão Nacional de Injunções (cf. ref. citius 25382630), em cujo formulário consta: “obrigação emergente de contrato com consumidor”; é solicitado o pagamento da quantia de €1468,74, sendo o capital de €1127,82, juros de mora €38,86, outras quantias: €225,56 e taxa de justiça: €76,50; “contrato de fornecimento de bens ou serviços”, “data do contrato: 26/12/2020”, “período a que se refere: 26/12/2020 a 19/7/2023”.
Da “exposição dos factos que fundamentam a pretensão” consta: “A Req.te (Rte), celebrou com o Req.do (Rdo) um contrato de prestação de bens e serviços telecomunicações a que foi atribuido o n.º 847855532. No âmbito do contrato, a Rte obrigou-se a prestar os bens e serviços solicitados pelo Rdo, e este obrigou-se a efetuar o pagamento tempestivo das faturas, a devolver com a cessação do contrato os equipamentos da Rte e a manter o contrato pelo período acordado, sob pena de, não o fazendo, ser responsável pelo pagamento de cláusula penal convencionada para a rescisão antecipada do contrato. Das facturas emitidas, permanece(m) em dívida a(s) seguinte(s): €319,36 de 24/02/2023, €139,86 de 24/03/2023, €113,03 de 26/04/2023, €5,57 de 24/05/2023, €550 de 26/06/2023, vencidas, respectivamente, em 9/03/2023,19/04/2023,19/05/2023,19/06/2023 e 19/07/2023. Enviada(s) ao Rdo logo após a data de emissão e apesar das diligências da Rte, não foi(ram) a(s) mesma(s) paga(s), constituindo-se o Rdo em mora e devedor de juros legais desde o seu vencimento. Mais, é o Rdo devedor à Rte de €225,56, a título de indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida. Termos em que requer a condenação do Rdo a pagar a quantia peticionada e juros vincendos.”
A primeira questão suscitada prende-se com o conhecimento da excepção dilatória – da falta de título executivo - julgada procedente, considerando a apelante que o tribunal recorrido não a podia apreciar oficiosamente.
Entendemos que estamos perante questão de que o tribunal pode e deve conhecer, porquanto lhe compete apreciar da manifesta falta ou insuficiência do título que serve de base à execução, em conformidade com o disposto no art.º 734º/1 do Código de Processo Civil, preceito em que, aliás, o tribunal a quo se estribou (vide acórdãos: TRL de 7/11/24, P. 5740/24.6T8SNT.L1-2, relatora Ana Cristina Clemente; TRL de 15/12/20, P. 6175/18.5T8FNC-B.L1-7, relatora Carla Câmara; TRG de 25/11/21, P. 503/21.3T8VNF.G1, relator Joaquim Boavida; TRL de 15/12/18, P. 2825/17; TRP de 13/7/2022, P. 2370/19.8YIPRT.P1, relatora Francisca Vieira, acessíveis em www.dgsi.pt).
Neste conspecto, pronuncia-se o acórdão proferido pelo TRL, em 16/1/25, no P. 5863/24.1T8SNT.L1-8, relatora Carla Matos (acessível em www.dgsi.pt), em cujo sumário, na parte que agora interessa, se pode ler: «VIII. O uso indevido do procedimento de injunção configura exceção dilatória inominada de conhecimento oficioso, conforme resulta, aliás, do art.º 14-A do regime anexo ao DL 269/98 de 01.09 que na al. a) do nº 2 equipara, para efeitos de exclusão da preclusão prevista no nº 1 do preceito, o uso indevido do procedimento de injunção à ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso. IX. Não obstante a exceção de uso indevido da injunção poder ser invocada como fundamento de embargos de executado, pode também ser conhecida oficiosamente pelo Tribunal na execução, por configurar exceção dilatória de conhecimento oficioso que inquina o título executivo, dando azo à sua falta.» Na mesma linha, decidiu o acórdão da mesma Relação proferido em 7/11/24 no P. 6121/23.4T8SNT.L1-2, relator António Moreira.
A este propósito, julgamos ainda pertinente o afirmado no citado acórdão do TRG de 25/11/21: “A falta de título executivo não é uma mera questão formal ou acessória susceptível de ser ultrapassada pelo exercício do poder de direcção do processo. Como o demonstra a exigência estabelecida no artigo 10º, nº 5, do CPC, o título é uma questão fundamental e incontornável numa execução; sem ele não pode haver execução. Ou há título ou não há: se não há título, o juiz deve retirar daí as respectivas consequências jurídicas, não lhe sendo imposta outra actuação. A falta de título executivo não é uma questão impertinente nem dilatória, nem é susceptível de «simplificação e agilização processual». Também, como vimos, não constitui sequer um pressuposto processual ou outro qualquer obstáculo formal susceptível de sanação. A falta de título exequível não é sequer um problema de «regularização da instância» ou que dependa da actuação do juiz para o seu suprimento. Ainda no que respeita à sanação, não compete ao juiz desenvolver diligências no sentido ultrapassar nulidades de actos que decorrem da actuação das partes. Igualmente não é imposto ao juiz, perante uma inequívoca manifestação de vontade de uma parte em prevalecer-se da verificação de uma nulidade ou de qualquer outra invalidade ou causa de extinção do procedimento, convidá-la a abdicar de tal arguição para sanar o vício.”
Mostram-se desnecessárias maiores considerações para se concluir que o tribunal a quo devia, como fez, pronunciar-se oficiosamente sobre a questão da falta de título, que conduziu à rejeição da execução.
Improcede, pois, este segmento do recurso.
Cumpre, de seguida, apreciar se o requerimento injuntivo apresentado pela exequente é ou não dotado de exequibilidade, ou seja, se estão reunidos os pressupostos para o uso do procedimento de injunção, tendo presente o supra citado art.º 703º d) do CPC.
Subscrevemos as considerações tecidas na decisão sob recurso acerca do âmbito de aplicação do procedimento de injunção, no sentido de que só é aplicável às obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contratos, pelo que não tem a virtualidade de servir para a exigência de obrigações pecuniárias resultantes, por exemplo, de responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, de enriquecimento sem causa ou de relações de condomínio (vide Salvador da Costa, Injunções e as Conexas Acção e Execução, 5ª ed., 2005, pág. 41; e mencionado acórdão do TRP de 13/7/2022, P. 2370/19.8YIPRT.P1).
O tribunal a quo estribou-se na jurisprudência praticamente unânime, que seguimos de perto e que vem assumindo a inadmissibilidade do pedido de pagamento da cláusula penal por incumprimento contratual nesta forma processual e/ou de indemnização (RL 08.10.2015, processo 154495/13.0YIPRT.L1-8; 12.05.2015, processo 154168/13.YIPRT.L1-7; RL 15-10-2015, processo 96198/13.1YIPRT.A.L1-2; RL 17.12.2015, processo 122528/14.9YIPRT-L1.2; RL de 25.01.2024, processo 101821/22.2YIPRT.L1-8).
Concluindo-se na decisão recorrida que: «(…) as injunções, incluindo as decorrentes de transação comercial, e a ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, não são a via processual adequada para acionar a cláusula penal, mesmo que compulsória, decorrente da mora ou de qualquer vicissitude na execução do contrato – ver, neste sentido, Ac. RL, de 15.10.2015, relatado por Teresa Albuquerque (in www.dgsi.pt); João Vasconcelos Raposo e Luís Baptista Carvalho, in «Injunções e Ações de Cobranças», 2012, p. 22 -, assim como “não cabe no âmbito do procedimento de injunção geral, o pedido de pagamento de encargos associados à cobrança da dívida, os quais constituem danos decorrentes do incumprimento contratual, não sendo obrigação directamente emergente do contrato” (sublinhado nosso) – cf. Ac. RP, de 04.07.2024, relatado por Ana Vieira, processo 3368/23.7T8VLG-A.P1 (in www.dgsi.pt). Portanto, a cláusula penal convencionada para a rescisão antecipada do contrato e a indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida peticionadas no procedimento injuntivo de que emergiu o requerimento/documento dado à execução não consubstanciam “uma obrigação pecuniária diretamente emergente de um contrato”. Assim, relativamente ao pedido de pagamento do montante correspondente à cláusula penal convencionada para a rescisão antecipada do contrato, foi lançado mão de uma forma processual que legalmente não é a prevista para tutela jurisdicional respetiva.»
Contudo, importa dizer que analisando o requerimento executivo que deu origem à presente acção e o requerimento de injunção que lhe serviu de base, constatamos que a quantia cujo pagamento a exequente pretende obter é decorrente do não pagamento das facturas emitidas no âmbito do contrato de prestação de bens e serviços celebrado com a executada, sendo €1127,82 a título de capital e €38,86 de juros.
No mais, é pedido o pagamento de:
- no requerimento executivo: “quantias exigíveis nos termos do art.º 33º/4 da Lei 32/2014, de 30/05 [art.º 5, alínea c) vi) e vii) do mesmo diploma] e art.º 26º, nº 3 alínea c) do RCP”;
- no requerimento de injunção: “outras quantias: €225,56” e “taxa de justiça paga: €76,50”, constando da parte final da exposição dos factos que fundamentam a pretensão: «Mais, é o Rdo devedor à Rte de €225,56, a título de indemnização pelos encargos com a cobrança da dívida».
Perante tal e ao contrário do afirmado pelo tribunal a quo, afigura-se-nos claro que não foi solicitado o pagamento de qualquer cláusula penal, que não pode confundir-se com encargos com a cobrança da dívida. Aliás, nem o exequente sequer indica qualquer valor relativo a cláusula penal, como impõe o art.º 10º/1 e) do DL 269/98.
“A cláusula penal é a estipulação pela qual as partes fixam o objecto da indemnização exigível do devedor que não cumpre, como sanção contra a falta de cumprimento” – cfr. “Das Obrigações em Geral”, Antunes Varela, 5ª edição, vol. II, pág.137.
Mas se dúvidas existissem, como vimos, consta expressamente do requerimento executivo que as demais quantias cujo pagamento se pretende além do valor das facturas e juros, são “quantias exigíveis nos termos do art.º 33º/4 da Lei 32/2014, de 30/05 [art.º 5, alínea c) vi) e vii) do mesmo diploma] e art.º 26º, nº 3 alínea c) do RCP”.
Assim, o que se verifica é que, além do montante das aludidas facturas, é solicitado, não o pagamento de cláusula penal, mas sim o pagamento de quantia (€225,56) a título de indemnização pelos encargos com a cobrança da dívida, para além das demais quantias mencionadas.
Sobre tais quantias, estabelece o nº 4 do citado art.º 33º da Lei 32/2014 (diploma que aprovou o procedimento extrajudicial pré-executivo): “Os valores suportados pelo requerente no âmbito do procedimento extrajudicial pré-executivo, com exceção dos referentes à remuneração devida pelas consultas, podem ser reclamados pelo requerente no processo de execução.”
Por sua vez, o art.º 26º/3 do RCP (Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo DL 43/2008, de 26 de Fevereiro, na versão actualizada), dispõe que: “3 - A parte vencida é condenada, nos termos previstos no Código de Processo Civil, ao pagamento dos seguintes valores, a título de custas de parte:
a) Os valores de taxa de justiça pagos pela parte vencedora, na proporção do vencimento;
b) Os valores pagos pela parte vencedora a título de encargos, incluindo as despesas do agente de execução;
c) 50 /prct. do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, para compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário judicial, sempre que seja apresentada a nota referida na alínea d) do n.º 2 do artigo anterior;”
Não obstante a natureza indemnizatória da cláusula penal decorrente do incumprimento do contrato, tal cláusula nada tem que ver com a “indemnização pelos encargos da cobrança da dívida.” Quanto a estes, no que concerne ao procedimento de injunção especial previsto no DL. 62/2013, de 10/5, no seu art.º 7º (apenas aplicável à injunção decorrente de transacção comercial) - sob a epígrafe “indemnização pelos custos suportados com a cobrança da dívida” - o legislador veio expressamente estabelecer: «Quando se vençam juros de mora em transações comerciais, nos termos dos artigos 4.º e 5.º, o credor tem direito a receber do devedor um montante mínimo de 40,00 EUR (quarenta euros), sem necessidade de interpelação, a título de indemnização pelos custos de cobrança da dívida, sem prejuízo de poder provar que suportou custos razoáveis que excedam aquele montante, nomeadamente com o recurso aos serviços de advogado, solicitador ou agente de execução, e exigir indemnização superior correspondente.»
Porém, como se refere no acórdão do TRP de 12/7/2023, P. 3889/21.6T8VLG-A.P1, relatora Isabel Ferreira (disponível em www.dgsi.pt), “não existe norma semelhante no DL 269/98, não obstante este ter sido alterado em 2019 (pela Lei 117/2019, de 13/09), já muito depois do DL 62/2013”, pelo que a indemnização prevista no art.º 7º do DL 62/2013 não se aplica ao procedimento geral de injunção (neste sentido, Salvador da Costa, ob. cit., pág. 76), mas apenas ao procedimento de injunção especial previsto no DL 62/2013.
Destarte, no caso presente, não estando em causa obrigação emergente de transacção comercial, porque se trata de injunção geral regulada pelo DL. 269/98, o procedimento injuntivo não é o meio próprio para obter o pagamento dos encargos com a cobrança da dívida.
Aqui chegados, verificada a excepção dilatória do uso indevido de procedimento injuntivo para obter o pagamento dos encargos associados à cobrança da dívida (e não da cláusula penal), importa extrair as consequências da procedência da excepção, decidindo se o vício em causa afecta todo o procedimento ou apenas a parte relativa às mencionadas despesas, ou seja, há que decidir se tal deve conduzir à rejeição total ou parcial da execução.
Sustenta a apelante que “Sem prescindir, o entendimento de que as despesas de cobrança não podem integrar o procedimento injuntivo não determina que a extinção total da instância executiva, mas somente a recusa do título executivo relativamente à parte que integra tais custos administrativos.”
Sobre caso semelhante pronunciou-se o sobredito acórdão do TRP de 8/11/22, em cujo sumário se pode ler, no segmento que agora nos interessa: “III - A injunção à qual foi aposta fórmula executória nestas circunstâncias está assim afetada de vício que constitui exceção dilatória inominada justificativa do indeferimento liminar da execução, que será parcial em face da coligação de pedidos que exijam formas de processo distintas.” – sublinhado nosso
Em sede de fundamentação, escreveu-se em tal aresto que: «Temos assim de concluir que, relativamente ao pagamento das quantia de €500,00 euros e de €229,22, reclamadas no procedimento de injunção contra a ora Executada, não se mostravam preenchidos os pressupostos legalmente exigidos para o recurso ao procedimento de injunção e em que, portanto, a ora Recorrente, “está a fazer um uso indevido e inadequado deste meio de exigir o cumprimento das obrigações (a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro). Constata-se pelo exposto, a falta de um pressuposto processual da ação executiva, isto é a falta de título exequendo, atenta a ilegalidade do título oferecido com o requerimento executivo, pelo que a presente execução não poderia ter passado a fase liminar. Na situação dos autos está-se perante uma cumulação objetiva de pedidos, a que é aplicável, ex vi do disposto no art.º 555º nº 1 do CPC, a disposição do art.º 37º, referente aos obstáculos à coligação, onde se dispõe que «a coligação não é admissível quando aos pedidos correspondam formas de processo diferentes». É o caso do pedido referente à cláusula penal e da indemnização pelas despesas peticionadas, pois, como acima já se acentuou, tal pedido não pode “tout court” ser exigido através de injunção – corresponde-lhe forma de processo diferente do procedimento processual da injunção, o que sucede por razões de finalidade. O recurso ao procedimento de injunção quando este não se ajusta à pretensão formulada, acarreta erro na forma do processo, nulidade de conhecimento oficioso que pode ser conhecida em sede execução cujo título executivo é o requerimento injuntivo ao qual, embora ao arrepio da lei, tinha sido atribuída força executória, implicando o indeferimento liminar parcial da execução, nos termos dos artigos artº. 726º. nº. 2 al. a) e 734º. do CPC, tal como se entendeu na decisão recorrida que urge confirmar.»
Seguindo a mesma orientação, o supra mencionado acórdão do TRL de 16/1/25 discorre sobre a questão em discussão da seguinte forma: «Ora, reportando-se o uso indevido do procedimento de injunção apenas a parte do requerimento de injunção dado à execução (já que este não se esgota no pedido de pagamento da referida clausula penal), verifica-se falta de título executivo somente no que respeita aos valores que não poderiam ter sido incluídos no requerimento de injunção. Lembremos que o art.º 726 nº 3 do CPC refere expressamente ser admitido o indeferimento parcial, designadamente quanto à parte do pedido que exceda os limites constantes do título executivo ou aos sujeitos que careçam de legitimidade para figurar como exequentes ou executados. Pode, pois, ao abrigo do art.º 734º do CPC, ser rejeitada a execução apenas relativamente à parte do pedido exequendo que excede os limites válidos do título executivo, ou seja, relativamente aos valores que não poderiam ser objeto de procedimento de injunção, desde que estes estejam devidamente delimitados no requerimento de injunção. É, aliás, a solução que melhor se coaduna com o princípio da economia processual. Concordamos assim, também nesta parte, com o entendimento vertido nos já referidos Acs. do TRL de 07.11.2024 proferidos nos Processos 6121/23.4T8SNT.L1-2 e 5740/24.6T8SNT.L1-2, cujos sumários, nos segmentos ora relevantes, se passam, respetivamente, a transcrever: - Processo 6121/23.4T8SNT.L1-2: “(…) 4- A aposição de fórmula executória no requerimento de injunção, na sequência da falta de oposição ao mesmo pelo requerido, não preclude a apreciação do vício da utilização indevida do procedimento de injunção. 5- Tal vício, repercutindo-se na falta ou insuficiência do título dado à execução, permite o seu conhecimento oficioso na execução, nos termos do art.º 734º do Código de Processo Civil, face ao disposto na al. a) do nº 2 do art.º 726º do Código de Processo Civil. 6- O procedimento de injunção só deve ser utilizado para a cobrança de obrigações pecuniárias directamente emergentes do contrato, e não para cobrança de outros valores, como aqueles relativos ao accionamento de uma cláusula penal ou correspondentes a despesas associadas à cobrança da dívida. 7- Estando-se perante a excepção dilatória do uso indevido do procedimento de injunção, bem como da consequente falta ou insuficiência do título executivo (que se formou com a aposição da fórmula executória no requerimento de injunção), impõe-se o aproveitamento desse título, na parte relativa aos pedidos e valores admissíveis no âmbito do procedimento de injunção, em obediência aos princípios da economia processual e do aproveitamento dos actos processuais.” -Processo 5740/24.6t8SNT.L1-2: “(…) III. A inclusão de pedido de pagamento de quantias não abrangidas pelo conceito de obrigações pecuniárias emergentes de contrato em sentido estrito no procedimento injuntivo, no qual foi aposta fórmula executória, constitui um vício do título executivo, de conhecimento oficioso ao abrigo dos artigos 726º nº 2 alínea a) e 734º do Código de Processo Civil, conduzindo a indeferimento liminar ou rejeição parciais. IV. O aproveitamento do título executivo por referência à parte não viciada apenas é possível quando seja possível distinguir os montantes correspondentes à remuneração dos serviços fornecidos pela exequente e os valores respeitantes aos respetivos juros. E no Acórdão do TRL de 21.11.2024 proferido no Proc. 5760/24.0T8SNT.L1-8 (em que foi Relatora uma das Senhoras Desembargadores ora Adjuntas), cujo sumário se reproduz: “I- O uso indevido do procedimento de injunção, exceção de conhecimento oficioso pode ser conhecida, também, pelo juiz de execução, quando se possa concluir, da evidência do título, que há manifesta falta de título (ainda que parcial), posto que o mesmo não se pode ter por exequível fora da finalidade para que foi criado. II- Se o indeferimento/rejeição é consentido em caso de manifesta falta ou insuficiência de título, tal não ocorre relativamente à parte da quantia que podia ser reclamada no procedimento de injunção, a não ser por via de um argumento de repercussão do vício na totalidade (equiparando-se talqualmente à ação declarativa), que se enjeita, e não é aplicado no caso de outros títulos executivos também em parte afetados de inexequibilidade ou de não conformação com a sua finalidade (v.g. titulo previsto no art.º 14.º-A do NRAU), justamente porque não há uma falta/insuficiência total de título para o que, com base nele, é pedido, devendo prevalecer o aproveitamento do titulo, em conformidade com o comando do art.º 10.º n.º 5 do CPC - o titulo define os limites da ação executiva, donde a mesma restringir-se-á aos limites (válidos) do título. III- Mas, se em face do título (requerimento de injunção com aposição de fórmula executória), sendo embora evidente que está reclamada e incluída quantia atinente a indemnização, não se consegue, com igual e suficiente evidência, saber o respetivo valor e distingui-la das demais quantias, é inviável a rejeição parcial da execução.” Ora, no caso dos presentes autos não é possível fazer a destrinça dos valores que excedem os limites válidos do título executivo, pois em nenhuma parte do requerimento de injunção se encontra delimitado o valor do capital correspondente ao valor da cláusula penal por quebra do vínculo contratual. O que inviabiliza a rejeição apenas parcial da execução, impondo-se, pois, a rejeição total.»
Subscrevendo-se o entendimento ali vertido, afigura-se-nos que o facto de o procedimento de injunção não ser a via processual adequada para a obter o pagamento dos encargos associados à cobrança da dívida, não impede o prosseguimento da execução para cobrança das quantias directamente emergentes do incumprimento do contrato, que se fundam no requerimento injuntivo ao qual foi aposta fórmula executória.
Destarte, assiste razão à recorrente quando sustenta que a procedência da excepção do uso indevido da injunção relativamente a parte da quantia reclamada não deve determinar a extinção total da instância executiva, mas apenas parcial.
Neste mesmo sentido, foi decidido no acórdão proferido nesta secção em 10/9/24, relatado pela ora relatora, no P. nº 13136/21.5T8SNT.L1 (embora aí estivesse em causa a injunção especial prevista no DL nº 62/2013).
Concluímos pela revogação da decisão recorrida e consequente rejeição parcial da execução relativamente às quantias referentes aos encargos associados à cobrança da dívida, determinando-se o prosseguimento da execução para cobrança das demais quantias (v.g. capital e juros).
*
V. DECISÃO
Pelo exposto, acordam em julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, revogar a decisão recorrida, decidindo-se rejeitar parcialmente a execução relativamente à quantia referente aos encargos associados à cobrança da dívida e determinando-se o prosseguimento dos autos para cobrança das demais quantias (v.g. capital e juros).
Custas pela apelante na proporção do respectivo decaimento (art.º 527º/1 e 2 do CPC).
Registe e notifique.
*
Lisboa, 18 de Fevereiro de 2025
Ana Mónica C. Mendonça Pavão
Diogo Ravara
Ana Rodrigues da Silva