ACIDENTE DE VIAÇÃO
MONTANTE DA INDEMNIZAÇÃO
PERDA DA CAPACIDADE DE GANHO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
JUROS
Sumário

I. São adequados devendo manter-se, os montantes indemnizatórios de € 300.000,00 e € 150.000,00 para reparação do dano decorrente da perda da capacidade de ganho e extensos danos não patrimoniais sofridos por lesado em acidente de viação que à data contava 24 anos de idade e que em consequência das lesões sofridas ficou portador de um défice funcional de 67% que acarreta incapacidade absoluta para o exercício da sua profissão habitual de operário fabril/manobrador de empilhadores ou qualquer outra da sua área de formação.
II. Não revelando a sentença ter procedido à actualização dos montantes indemnizatórios fixados com recurso à equidade tendo por referência a data da sua prolação, fica a prevalecer a indicação dela constante de que os juros são devidos desde a data da citação, sem que resulte contrariada a Jurisprudência fixada no identificado AUJ 4/2002.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Processo 9183/18.2T8STB.E1 [1]
Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal
Juízo Central Cível de Setúbal - Juiz 1

I. Relatório
(…) instaurou contra (…) Companhia de Seguros, SA a presente acção declarativa de condenação, a seguir a forma do processo comum, pedindo a final a condenação da demandada no pagamento da quantia de € 690.796,00, indemnização que reclama para reparação dos danos de natureza patrimonial e não patrimonial sofridos em consequência de acidente de viação ocorrido no dia 2 de Janeiro de 2016, causado com culpa pelo condutor da viatura com a matrícula (…), na qual seguia então como passageiro, fazendo-se transportar gratuitamente, sendo a ré responsável pelo pagamento por força de contrato de seguro celebrado com o proprietário do identificado veículo.

Regularmente citada a ré contestou e, aceitando que o acidente ocorreu tal como descrito na petição inicial, sendo a responsabilidade de imputar em exclusivo ao condutor da viatura (…), alegou que o autor circulava sem cinto, facto que contribuiu para o agravamento das lesões sofridas em percentagem não inferior a 50%, como resulta do mero confronto com as lesões, muito menos graves, sofridas pelos restantes ocupantes da viatura, reputando ainda de excessivos alguns dos valores reclamados.

Teve lugar audiência prévia e nela, frustrada a tentativa de conciliação, foi determinado o prosseguimento dos autos, com fixação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova, peças não reclamadas.
Realizou-se a audiência final, no termo da qual foi proferida sentença que, na parcial procedência da acção, condenou a R. (…) – Companhia de Seguros, SA a pagar ao A. (…) as quantias de € 300.000,00 a titulo de Dano patrimonial futuro por perda da capacidade de ganho; € 20.438,00 a título de Danos patrimoniais (lucros cessantes); € 1.786,00 a título de Danos patrimoniais (danos emergentes); € 150.000,00 a título de Danos não patrimoniais, num total de € 472.224,00 a que há a descontar a quantia de € 12.720,00 já pagos pela R. ao A., perfazendo assim a quantia de € 459.504,00 (a que haverá que descontar o montante mensal pago pela R. ao A. desde abril de 2019 até trânsito em julgado da presente acção), acrescida dos juros legais vencidos e vincendos a partir da citação até integral pagamento.
Inconformados, apelaram a ré e o autor, tendo condensado os fundamentos da sua discordância com o decidido nas seguintes conclusões:
Recurso da Ré
“1.ª O Tribunal deu como provado no ponto 14 dos factos provados que “O A. ocupava o banco traseiro, do lado direito, com cinto de segurança, do veículo de matrícula (…);” justificando tal facto provado com o depoimento da testemunha (…).
2.ª É o próprio Autor que junta, com a sua p.i. dois documentos, nomeadamente os documentos 8 e 9, sendo que, deste último consta doente “Trazido pela VMER ao SU, após acidente de viação com capotamento do veículo, doente sem cinto de segurança, em posição de pendura.”
3.ª Sobre estes documentos se pronunciaram as testemunhas Dr. (…), inquirido na sessão de julgamento realizada no dia 07 de setembro de 2023 e cujo depoimento consta gravado no sistema Habilus Media Studio, das 14:39 às 15:45, enquanto autor do documento n.º 9 que afirmou à questão sobre a origem desta expressão, “mas a informação vem-lhe de algum lado” respondeu, “sim, sim, terá vindo de algum lado, senão não estaria aqui registado.”
4.ª Por sua vez, o Dr. (…), cujo depoimento consta do mesmo sistema, inquirido no dia 06 de junho de 2024, de 9.36 a 10:04, esclareceu o seguinte, na qualidade de autor do documento n.º 8 junto com a p.i e do qual consta doente “Trazido por VMER entubado após acidente de viação com capotamento do veículo, doente em posição de pendura”,
5.ª A minutos 12:53 do seu depoimento: “(…)”,
6.ª E mais disse a minutos 16:37 do seu depoimento “(…)”.
7.ª Por sua vez do resulta do depoimento da testemunha Dra. (…), médica tripulante da viatura da VMER que prestou auxílio ao sinistro, gravado no mesmo sistema dos anteriores e prestado no dia 11 de junho de 2024, de 11:42 a 12:10 (…).
8.ª Do conjunto destes depoimentos resulta pacífico que o Autor circularia sem cinto de segurança, sendo que tal facto não é sequer infirmado pelo depoimento da testemunha (…), gravado no mesmo sistema e tomado no dia 07 de setembro de 2023, das 9:44 a 10:13.
9.ª Na verdade, deste resulta apenas, a minutos 2:48 (…).
10.ª Ora, do conjunto destes depoimentos resulta pois que mal andou o Tribunal ao dar como provado o facto 14, de que o Autor circulava fazendo uso do cinto de segurança,
11.ª Ao invés, deveria ter dado como provado precisamente o contrário, isto é, que o Autor circulava sem cinto de segurança.
12.ª E, esta falha objectivamente deve ser valorada, diminuindo-se o quantum indemnizatório em pelo menos 15%, conforme é jurisprudência pacífica.
13.ª A Recorrente não pode igualmente concordar com os valores arbitrados a título indemnizatório e, bem assim, com a condenação no pagamento de juros, contabilizados desde a data de citação.
14.ª O arbitramento de indemnizações emergentes de danos patrimoniais emergentes, futuros e morais não pode deixar de reflectir os critérios e valores orientadores consignados na Portaria n.º 377/2008, de 26.05 (alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25.06), destinada a uniformizar o ressarcimento das vítimas de acidentes de viação.
15.ª Com efeito, encontrando-se a mesma em vigor, e apesar de não vincular directamente os Tribunais, o certo é que estes não podem deixar de levar em consideração os critérios nela consignados, sob pena de desvirtuarem o conceito que lhe subjaz.
16.ª De acordo e como muito bem se faz notar na douta Sentença recorrida, “…a reparação civil destina-se, em princípio, a dar ao lesado a situação patrimonial que teria se o facto que causou o dano não tivesse ocorrido”, o que desde logo significa que a indemnização que venha a ser arbitrada não poderá conduzir a um ilegítimo enriquecimento do seu beneficiário.
17.ª Se seguirmos os citados critérios orientadores da referida Portaria, mesmo que se actualize à data de setembro de 2024, nomeadamente o salário mínimo nacional para o ano de 2024, o valor apurado ascende a cerca de € 384.000,00.
18.ª Sendo estes critérios bastante mais actuais, crê-se mais ajustado à realidade, a forma de cálculo que se extrai da citada Portaria, como se poderá constatar o valor global que seria devido ao Autor ascende aos mencionados € 384.000,00.
19.ª E, salvo melhor opinião, arbitrar aquele montante de € 300.000,00, fazendo a actualização do mesmo tendo por base o salário mínimo nacional à data da alta clínica do Autor, tem tudo menos de equitativo.
20.ª A douta Sentença arbitrou, só de dano patrimonial decorrente da incapacidade do Autor, € 300.000,00…
21.ª O valor a arbitrar não se poderá reconduzir a um mero exercício de multiplicação de número de anos de vida activa, por um salário mínimo, vezes o grau de incapacidade.
22.ª Acresce que, na data do acidente, o Autor estava desempregado, pelo que não se considera razoável ficcionar um ordenado mínimo como elemento de cálculo, pois o mesmo estaria, no limite a receber subsídio de desemprego.
23.ª Não faz sentido ficcionar que desde a data do acidente até à data da alta definitiva, o Autor auferiria o salário mínimo, quando dos dados constantes do processo o que sabemos é que o mesmo estava desempregado desde Julho de 2015.
24.ª Arbitrar um valor de € 20.438,00 para o período entre 2 de janeiro de 2016 (data do acidente e 30 de agosto de 2018 (data da alta) coloca o Autor numa posição de claro enriquecimento à custa da Recorrente, pois receberá quantias a que não teria direito não fora o acidente.
25.ª Por outro lado, como também é jurisprudência pacífica, o facto de se receber, de forma antecipada, um valor que deveria ser recebido ao longo de toda uma vida, deverá merecer uma correcção que passa pela redução do mesmo, até porque a capacidade geradora de riqueza é substancialmente diferente quando se recebe, de uma única só vez, determinada quantia, do que se a mesma fosse recebida, de forma diluída, ao longo dos anos.
26.ª Entende-se por isso que a quantia recebida deverá ser reduzida em valor nunca inferior a 20%.
27.ª Quanto aos danos morais, entende-se que os mesmos estão excessivamente valorados,
28.ª Os danos não patrimoniais têm uma função compensatória, não reparatória, já que visam uma satisfação, mais que uma indemnização.
29.ª Ora, em casos que se poderão considerar análogos aos dos Autos, as indemnizações arbitradas têm sido substancialmente mais baixas do que aquela que foi aqui arbitrada.
30.ª Os juros devidos deverão ser contabilizados, face à actualização dos valores elaborada na douta Sentença, apenas a partir da data da prolação desta e não, conforme decidido, desde a data de citação.
31.ª Face à inequívoca actualização dos valores arbitrados à data da Sentença, nomeadamente nos montantes fixados a título de danos decorrentes da perda da capacidade de ganho do Autor e dos danos morais, os mesmos apenas e só podem vencer juros a partir da data da Sentença.
32.ª É aliás na própria Sentença que se chama à colação quanto preceitua o disposto no art.º 566.º do Cód. Civil.
33.ª Sendo pois esta a jurisprudência fixada pelo Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 4/02 de 27 de junho de 2002, “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artº 566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente) e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”.
34.ª Assim, por tudo o que fica exposto, a douta Sentença recorrida violou, entre outros, quanto dispõem os artigos 483.º, 496.º, 566.º, 805.º, todos do Cód. Civil, e a Portaria n.º 377/2008, de 26 de maio”.
Conclui pedindo que no provimento do recurso seja proferida nova decisão em conformidade com o alegado.

Recurso do Autor.
A) O douto Tribunal a quo, na sua douta Sentença entendeu reduzir o montante peticionado de € 460.000,00, a título de indemnização por danos patrimoniais, decorrentes da diminuição da capacidade de ganho sofrida pelo A. e ora recorrente, tendo arbitrado a este o montante de € 300.000,00.
B) Conforme refere o douto Tribunal a quo na sua douta Sentença, o mesmo teve em conta a idade do A. à data dos factos, a impossibilidade de exercer a sua profissão ou qualquer outra na sua área de atividade profissional e bem assim o grau de incapacidade de 67%.
C) Entendeu o douto Tribunal a quo, considerando que o A. à data dos factos não exercia atividade profissional remunerada, adotar como critério meramente indicativo, o valor do salário mínimo nacional então em vigor, que era de 530,00€ e uma idade de vida ativa previsível até aos 70 anos de idade.
D) O A. e ora recorrente não concorda com o critério adotado, na medida em que o salário mínimo nacional tem tido uma evolução bastante significativa, sendo que atualmente se cifra em 820,00€.
E) Adotando tal critério indicativo em termos não evolutivos, chegar-se-ia a valores manifestamente irrisórios, os quais ao fim de poucos anos se encontrariam consumidos pelo aumento do custo de vida que já se vem sentido e que seguramente se continuará a sentir nas próximas décadas.
F) O critério referencial que poderia mostrar melhores resultados, uma vez que tem como critério o vencimento já auferido pelo A. e ora recorrente, seria considerar-se o montante mensal de € 771,60, que ainda assim deveria ser objeto de uma taxa de atualização, de modo a que, ao longo dos anos, a indemnização cumprisse o desiderato consubstanciado entre a diferença que o A. teria caso não tivesse sofrido o acidente e aquela que terá por via da ocorrência do mesmo.
G) Para tentar cumprir tal desiderato ou seja de atualização dos valores indemnizatórios de molde a compensar o aumento do custo de vida, modestamente deverá ter-se em conta uma taxa de inflação de 2%, ao ano, cumulável, ao longo de 46 anos.
H) Contabilizando, conforme quadro referido no alegatório, obteríamos um valor ao fim de 46 anos após a ocorrência dos factos, de 829.779,13€, valor este que deduzido da desvalorização de 67% de que o A. padece, importaria o montante de 555.952,00€.
I) Em alternativa, com vista a perspectivar valores indemnizatórios justos, equitativos e equilibrados, o Tribunal a quo poderia ter deitado mão do critério do salário médio nacional e não o mínimo, para os trabalhadores por conta de outrem, conforme jurisprudência nesse sentido plasmada no Acórdão de 11/11/2020, Proc. 16576/17.0T8PRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
J) Seguindo a jurisprudência atrás referida, no ano de 2016, o salário médio nacional para os trabalhadores por conta de outrem ascendia a 924,09€, conforme se retira do portal do site do I.N.E. citado no Acórdão do S.T.J. de 21/06/2022, Proc. 1633/18.4T8GMR.G1.S1. 1ª Sec..
K) Atento o critério atrás referido, considerando uma atualização de 2% ao ano, decorrente do aumento do custo de vida, conforme tabela inserta no alegatório, o valor decorridos 46 anos sobre a ocorrência dos factos, ascenderia a 851.748,84€, quantia esta que objeto da dedução referente à desvalorização de 67% de que o A. padece, ascenderia a 570.671,72€.
L) Não ignorando que os critérios atrás referidos são meramente indicativos, sempre os mesmos deverão ser tidos em conta como mero elemento instrumental no quadro da formulação de juízos de equidade, como refere o douto Tribunal a quo, com vista a melhor fixar equitativamente o valor indemnizatório a arbitrar ao A. e ora recorrente.
M) Na linha da jurisprudência citada no alegatório, em especial o Acórdão do S.T.J. de 21/06/2022, Proc. 1633/18.4T8GMR.G1.S1., 1ª Sec. citando o Acórdão do S.T.J. de 23/10/2018, Proc. 902/14,7TBVCT.G1.S1, in www.dgsi.pt, (…) a indemnização do dano patrimonial futuro, na vertente do lucro cessante decorrente da perda ou diminuição da capacidade aquisitiva, motivada por défice funcional de que o lesado ficou afetado, deve, como regra, ser calculada em atenção ao tempo provável da vida da vítima, ou seja, à esperança média da sua vida e não apenas em função da duração da sua vida profissional ativa, de forma a representar um capital produtor de rendimentos que cubra a diferença entre a situação anterior e a atual até final desse período, ou seja, e por outras palavras, essa indemnização por tal dano deve corresponder a um capital de rendimento de que o lesado ficou privado e que se extinguirá no termo desse período provável da sua vida e que não tem de coincidir com o termo da sua vida profissional, com a entrada na reforma. É que finda a vida ativa do lesado, por incapacidade permanente não é razoável faxinar que a vida física desaparece nesse momento e com ela todas as necessidades, pois que atingida a idade de reforma, isso não significa que a pessoa não continue a trabalhar ou simplesmente a viver ainda por muitos anos e a ter as suas necessidades como, aliás, é das regras da experiência da própria vida.(...)
N) Seguindo a jurisprudência atrás referida, com vista a apurar a indemnização justa e equitativa a fixar ao A. e ora recorrente, o Tribunal a quo, além dos critérios indicadores já atrás referidos, como aliás o fez, mas nem por isso o valorizou suficientemente, teve em conta que estávamos perante um jovem de 24 anos de idade; portador do curso de formação de logística de armazém, que trabalhou como operário fabril/manobrador de empilhador; que auferiu diversos vencimentos, sendo o mais elevado de € 771,69; sendo considerado um trabalhador assíduo, empenhado e sempre disponível para executar da melhor forma todas as tarefas que lhe eram incumbidas; que antes dos factos era um jovem que gozava de boa saúde e não dispunha de qualquer defeito físico, estético ou psíquico; sendo dotado de uma excelente compleição física, corpo musculado e enérgico; que em consequência do acidente sofreu enormes lesões físicas e psíquicas, que demandaram vários anos de tratamentos hospitalares e não só; que ficou com sequelas permanentes e irreversíveis para toda a vida; lesões essas cuja consolidação médico – legal ocorreu em 30/08/2018; tendo sofrido um défice funcional temporário total de 287 dias; um défice funcional temporário parcial de 685 dias; um período de repercussão temporária na atividade profissional total de 972 dias; um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixada em 67 pontos numa escala de 0 a 100; sequelas sofridas em termos de repercussão permanente na atividade profissional habitual impeditivas do exercício da sua atividade profissional habitual e bem assim como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico profissional.
O) Presentes os factos atrás referidos, que são extremamente graves cada um por si, e bem assim as consequências que os mesmos têm no dia a dia e para toda a vida, na vida do A. e ora recorrente, nomeadamente o cerceamento definitivo de continuar a sua atividade profissional habitual ou qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional.
P) O Tribunal a quo perante a enormidade e gravidade dos factos atrás referidos, salvo douta e melhor opinião e sempre ressalvado o devido respeito, não fez a melhor ponderação dos mesmos, nomeadamente a necessidade de assegurar ao A. e ora recorrente, para o resto da sua vida ativa, um valor indemnizatório condigno que assegurasse ao longo da vida ativa daquele o mesmo nível indemnizatório, valor que nunca poderia ser inferior àquele que foi peticionado.
Q) Aliás, os critérios meramente indicativos atrás referidos, mesmo partindo de valores deflacionados atingem montantes superiores relativamente àqueles que foram peticionados.
R) O Tribunal a quo, ao arbitrar ao A. o montante de € 300.000,00 e não o montante peticionado de € 460.000,00, violou, nomeadamente, o disposto nos artigos 8.º, n.º 3, 483.º n.º 1, 503.º, 562.º, 563.º, 564.º e 566.º nºs 1, 2 e 3, todos do Código Civil.
S) Quanto aos danos não patrimoniais o douto Tribunal a quo, na presença da matéria de facto dada como provada, consubstanciada nos factos ocorridos desde o acidente e ao longo de vários anos, plasmados na Sentença sob recurso nos pontos 15 a 76, 92, 93 95, 96, 98, 99, 100, 101, 102, 103, 104, 105, 106, 107, 108, 117, 118, 119, 122, 123, 124, conforme refere, aplicando o artigo 496.º, nºs 1 e 3, 494.º e n.º 3 do artigo 8.º, todos do Código Civil, fixou ao A. e ora recorrente indemnização no montante de € 150.000,00.
T) Olhando para os factos plasmados nos pontos da matéria de facto atrás referidos, afigura-se que o valor indemnizatório ficou aquém do valor que a gravidade dos mesmos reclamava.
U) Com efeito, cada facto por si representa e traduz uma elevada gravidade, por um lado, mas por outro importa ter em conta que o número de factos é elevado e abarcam não só a vertente física, como também a vertente psicológica e social, todos com repercussões muito sérias para toda a vida do A. e ora recorrente;
V) Veja-se que o A. e ora recorrente, em consequência do acidente, sofreu, com repercussões na altura do acidente, logo após o mesmo e para toda a vida os seguintes danos não patrimoniais:
1. A. à data do acidente tinha apenas 24 anos de idade (facto provado 76º), tendo à sua frente uma vida para viver, a qual foi interrompida de uma abrupta, brutal e inopinada e sem que nada o previsse;
2. O A. esteve internado 284 dias, distribuídos por diversos hospitais, que foi submetido a 10 intervenções cirúrgicas, tendo ao longo desse tempo sofrido imensas dores, bem como sido sujeito a diversos tratamentos médicos e de enfermagem, tendo o quantum doloris sido fixado no grau 6/7 (factos provados 95, 96 e 119);
3. O A. esteve cerca de dois anos impedido de fazer a sua vida normal e de que tanto gostava, nomeadamente de frequentar os locais públicos, uma vez que o processo de recuperação foi lento e doloroso (facto provado 97), sendo que, posteriormente e para toda a sua vida, o seu comportamento social ficou irremediavelmente afectado (factos provados 98 e 100);
4. O A. ficou com dores nos pés, dores ao nível da anca e falta de equilíbrio, o que o impede de praticar os desportos que até à data do acidente vinha praticando (facto provados 99);
5. O A. deixou de frequentar a praia, atendendo as sequelas estéticas que o seu corpo apresenta, tendo vergonha, acanhamento em exibir o seu corpo nestes espaços públicos e daí que os tenha deixado de frequentar (factos provados 100);
6. O afastamento do A. da convivência social com amigos e amigas faz com que se sinta marginalizado das atividades lúdicas e sociais em que estava inserido, estando a sua autoestima fortemente afectada (facto provado 101;
7. O A. desde a ocorrência do acidente de que foi vítima não consegue dormir tranquilamente, acordando inúmeras vezes durante a noite, sofrendo de insónias sendo constantemente afectado por sensações de que vai perder a vida (facto provado 102);
8. O A. tem dificuldade em sair à rua e passear, dobrar-se ou permanecer de pé, não podendo subir e descer escadas, correr ou carregar pesos e fazer movimentos repentinos (facto provado 103);
9. O A. sente frequentemente perdas de memória e falta de concentração e coordenação de ideias (facto provado 104;
10. O A. sente uma enorme falta de continuar a viver, por saber que nunca mais irá ficar definitivamente restabelecido e física e psicologicamente das lesões que sofreu com o acidente de que foi vítima (facto provado 105);
11. O A. está constantemente triste, isolado, deprimido, não dialogante, frustrado, limitado, complexado, diminuído, sentindo que é uma pessoa traumatizada pelo sucedido (facto provado 106);
12. O A. sofre de períodos depressivos e irritabilidade decorrentes do traumatismo craniano que sofreu (facto provado 107);
13. O A., quando há mudanças de tempo, tem as dores agravadas, tanto as que sente tanto ao nível da anca, como ao nível dos pés e bem assim tensão nervosa ao nível de todo o corpo (facto provado 108;
14. O A. sofreu um défice funcional de 287 dias (facto provado 116);
15. O A. sofreu um déficit funcional temporário parcial de 685 dias (facto provado 117);
16. O A. sofreu um período de repercussão temporária na atividade profissional total de 972 dias (facto provado 118);
17. Como consequência do acidente, o A. foi submetido a várias e sucessivas intervenções cirúrgicas e longos períodos de recuperação, tendo-lhe sido fixado um quantum doloris no grau 6/7;
18. As sequelas sofridas pelo A., globalmente, lhe conferem um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-psíquica de 67 pontos, numa escala de 100 pontos;
19. O aspeto estético do A. está afectado permanentemente, estando fixado no grau 5/7, com repercussões muito sérias ao nível comportamental e psicológico do A., com reflexos muito sérios na autoestima, que não mais serão debeladas, com repercussão nos demais comportamentos sociais (factos provados 100, 101, 106, 107, e 122);
20. Em resultado do acidente o A. ficou a sofrer uma desvalorização nas atividades desportivos e de lazer fixada no 4/7 (facto provado 92, 93 e 99); 21. As lesões físicas e psicológicas igualmente tiveram repercussão ao nível a atividade sexual do A., quantificável no grau 3/7, o que também não deixa de ser bastante grave atenta a idade do A., que de algum modo se vê constrangido a vir a constituir a sua família (facto provado 124).
22. No período de incapacidade total e autonomia (facto provado 116) o A. necessitou de ajuda de terceira pessoa para todas as tarefas da vida corrente (facto provado 83);
23. Presente a matéria de facto dada como provada, o acidente, conforme refere o douto tribunal a quo, ocorreu única e exclusiva do condutor do veículo segurado da R, onde era transportado o A.
W) Olhando ainda para outros factos dados como provados na douta Sentença, como por exemplo os apontados sob os pontos 15 a 30, da referida Decisão, manifestamente se retira dos mesmos as consequências gravíssimas que do acidente resultaram para o A., ora recorrente.
X) Dos factos dados como provados na douta Sentença ora sob recurso, constata-se, sem sombra para dúvidas, que o sofrimento físico do A. foi atroz quando da ocorrência do acidente, temendo o mesmo pela sua vida, após o mesmo e mesmo decorridos vários meses, com repercussões na sua condição física, social e psicológica (factos provados 87 a 94) apresentando o mesmo um quadro gravíssimo, que teve repercussões na altura do acidente, logo após o mesmo, e bem assim sem qualquer perspetiva de aligeiramento ao longo da vida daquele.
Y) Com vista a encontrar o valor indemnizatório justo e equilibrado, deve o Tribunal deitar mão dos juízos de equidade de molde a encontrar uma compensação que deve tender efetivamente a viabilizar um lenitivo ao lesado que represente uma verdadeira compensação que se afaste de velhos dogmas miserabilistas que não dignificavam o sistema de justiça e muito menos ressarciam devidamente os lesados, quer sob o ponto de vista físico, quer sob o ponto de vista psicológico. (Neste sentido veja.se os Acórdão do S.T.J. de 15/13/2022, Proc. 2957/12.0TCLRS.L1.S1, 6.ª sec. de 21/04/2022, Proc. 96/18/.9T8PVZ.P1.S1, 2.ª sec. de 14/09/2023, proc. 1974/21.3T8PNF.P1.S1, todos in www.dgsi.pt, no alegatório citados).
Z. Olhando para a jurisprudência disponível, aplicável em casos análogos, retira-se que a mesma vai no sentido de valorizar intensamente os danos sofridos pelas vítimas, tanto na vertente física, como na vertente psicológica.
AA) Salvo douta e melhor opinião, afigura-se que o douto Tribunal a quo na sua igualmente douta operação intelectual de apreciação da gravidade dos factos, a idade do A., repercussão dos mesmos para toda a vida do mesmo, a jurisprudência conhecida contemporânea do acidente e posterior, ficou aquém do valor expetável que os factos reclamavam. (Veja-se o Acórdão do STJ de 6/02/2024, Proc. n.º 21244/17.0T8PRT.P1.S1, 1ª sec., in www.dgsi.pt).
BB) Afigura-se, pois, que o valor indemnizatório, considerando a gravidade dos factos, que é elevada e com repercussões para toda a vida do A. e ora recorrente, a evolução da jurisprudência e bem assim jurisprudência contemporânea dos factos e da entrada da ação em juízo, por aplicação da equidade, deveria ser não inferior a 190.000,00€, conforme já havia sido peticionado.
CC) O douto Tribunal a quo ao decidir como decidiu, não valorou devidamente os factos dados como provados e aplicáveis nesta sede e muito menos os ajustou aos valores jurisprudenciais correntes para efeitos de arbitramento de indemnização por danos não patrimoniais, pelo que violou com a sua Decisão, o disposto nos artigos 8º, nº 3, ,483º, nº 1494º, 496º, nº 1 e 3, 562º, 564º, 566º, nº 2, todos do Código Civil”.
Requer a final que na procedência do recurso seja a sentença recorrida substituída por decisão que condene a recorrida a pagar ao A. ora Recorrente i. a quantia de € 460.000,00, a título de dano patrimonial futuro por perda da capacidade de ganho, acrescida de juros, desde a citação até integral pagamento; ii. a quantia de € 190.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros, desde a citação até integral pagamento.

O A. apresentou contra alegações, nelas tendo suscitado a título de questão prévia o incumprimento pela recorrente (…) dos ónus especificados no art.º 640.º do CPCiv, a determinar a rejeição do recurso no que respeita à impugnação da matéria de facto, sustentando ainda que a ausência de impugnação do facto não provado especificado em primeiro sempre inviabilizaria a pretensão modificativa da impugnante, pronunciando-se quanto ao mais pela improcedência do recurso.
Também a Ré ofereceu contra alegações, pugnando sem surpresa pela improcedência do recurso interposto pelo autor.
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Questão prévia
O autor suscitou a título prévio o incumprimento pela recorrente (…) dos ónus impugnatórios consagrados no art.º 640.º do CPCiv., mais especificamente aquele a que se reporta a al. b) do n.º 1, por não ter indicado “com clareza quais os meios probatórios em que alicerça a sua pretensão, remetendo para excerto(s) que, alegadamente mais lhe convém, desvalorizando prova testemunhal e documental direta diversa da sua pretensão”. Acrescentou que “a alteração da resposta à matéria de facto não decorre apenas de existir um ou outro meio probatório diverso da Decisão do Tribunal a quo”, sendonecessário demonstrar que a Decisão que o Tribunal a quo tomou sobre determinada prova é manifestamente incompatível com a prova produzida” e ainda, “Conforme decorre da alínea b) do n.º 1 do Artigo 640º do C.P.C., a R. e ora recorrente teria que mostrar prova no seu recurso, que impusesse ao Tribunal a quo uma Decisão diferente daquela que proferiu, o que não aconteceu”.
Não tem, porém, razão. Vejamos porquê.
Resulta do disposto no n.º 1 do art.º 640.º do CPC que, sendo impugnada a decisão sobre a matéria de facto, o recorrente está vinculado ao cumprimento de três requisitos formais, cuja inobservância conduz à rejeição do recurso nesta parte, a saber: i. terá necessariamente de especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (al. a); ii. terá ainda de especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou registo da gravação, que imponham uma decisão diversa sobre os pontos de facto objecto da impugnação, ónus cujo cumprimento demanda, nas palavras inspiradas do STJ (acórdão de 21 de Junho de 2022, no processo 644/20.4T8RA.C1.S1, acessível em www.dgsi.pt), “(…) a obrigatoriedade de cerzir cada facto censurado com os elementos probatórios correspondentes” e, estando em causa prova gravada, a exacta indicação das passagens em que o recorrente funda a sua discordância (podendo ainda, se assim o entender, proceder à respectiva transcrição) (al. b); iii. terá finalmente de enunciar a decisão alternativa (al. c).
No entanto, e na atenuação de um rigor formal que, levado à letra, poderia suscitar questões de constitucionalidade, o STJ vem defendendo de forma consistente que “Os ónus impostos pelo art.º 640.º do CPC devem ser apreciados com cautela, evitando leituras excessivamente formalistas, devendo ser dada prevalência ao primado da substância sobre a forma, devendo os aspetos de ordem formal ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (presentes na ideia do processo equitativo nos termos previstos no art.º 20.º, n.º 4, da CRP), tendo em conta as circunstâncias concretas do caso e desde que o conteúdo da impugnação seja percecionável para a parte contrária, permitindo-lhe o exercício do contraditório, e para o tribunal de recurso, não impondo a sua apreciação um esforço inexigível” (do acórdão do STJ de 26 de Novembro de 2024, proferido no processo 417/21.7T8AGH.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt)[2]. Por outro lado, e como se adverte no mesmo acórdão, os ónus impostos pela referida disposição legal não se confundem com a consistência da impugnação da decisão da matéria de facto pelo apelante, ou seja, uma coisa é verificar se o impugnante cumpriu aqueles ónus, outra, diferente, saber se os meios de prova indicados e a análise que deles faz é apta a impor uma decisão diferente sobre a matéria de facto impugnada, maneira que, conforme se decidiu no acórdão do mesmo STJ de 12 Dezembro de 2024 (processo 417/21.7T8AGH.L1.S1, em www.dgsi.pt), com recenseamento de diversa jurisprudência, a insuficiência da fundamentação probatória do recorrente da matéria de facto não releva como requisito formal do ónus de impugnação (cf., no mesmo sentido e entre outros, ac. STJ 17/11/2020, processo 846/19.6T8PNF.P1.S1, acessível no identificado sítio).
De volta ao caso dos autos, verifica-se que a recorrente (…), tendo impugnado o ponto 14 – e também o facto não provado elencado em primeiro lugar, uma vez que pretende seja dado como assente que aquando do acidente o A. circulava sem o cinto de segurança colocado- indicou como elementos probatórios a valorar as notas de admissão nos serviços de urgência e de alta, conjugados com os testemunhos prestados pelos seus autores, os Drs. (…) e (…), respectivamente, e também da Dr.ª (…), médica tripulante da viatura da VMER que prestou auxílio ao sinistro, apontando aquilo que identificou como fragilidades ao testemunho da passageira (…), que entendeu ter sido indevidamente sobrevalorizado pelo tribunal, dando boa conta das razões pelas quais entende que a prova que alicerçou a convicção do tribunal conduz a uma outra versão dos factos. Deste modo, e sem prejuízo da valia da argumentação expendida, encontram-se cabalmente cumpridos os ónus impugnatórios consagrados no art.º 640.º, improcedendo a questão prévia suscitada.
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Decidida a questão prévia, são as seguintes as questões suscitadas nos recursos apresentados, demandando pronúncia deste Tribunal:
i. do erro de julgamento dos factos;
ii. do erro no arbitramento das indemnizações devidas ao A.;
iii. do contributo do lesado para o agravamento dos danos (artigo 570.º do CC);
iii. dos juros de mora.
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i. impugnação da matéria de facto
Como se vê das transcritas conclusões, a ré diz ter sido mal julgado o ponto 14. da matéria de facto dada como assente, pretendendo que a prova produzida sustenta antes a conclusão de que aquando do acidente o autor circulava sem o cinto de segurança.
Antes de mais, e respondendo a objecção do autor, parece evidente que ao pugnar para que seja dado como provado que aquele circulava sem cinto aquando do acidente, a ré impugna não só tal segmento do ponto 14 mas também o seu reverso, que consta do elenco dos factos não provados. Tal foi de resto compreendido pelo demandante, que respondeu com competência à impugnação deduzida.
Parece ainda oportuno referir que, ao invés daquela que parece ser a compreensão do autor dos poderes atribuídos por lei à Relação em sede de reapreciação da matéria de facto, a verdade é que compete a estes Tribunais formar o seu juízo probatório próprio e autónomo da 1.ª instância sobre os factos objecto da impugnação, de acordo com as provas produzidas nos autos, sem prejuízo dos seus poderes de determinar a produção de prova suplementar ou a renovação da antes produzida de harmonia com o preceituado no artigo 662.º, n.º 2, alíneas a) e b), do CPC. E valendo para os Tribunais da Relação o princípio da livre apreciação (cfr. artigo 607.º, n.º 5, ex vi do n.º 2 do artigo 663.º do CPC), também aqui os juízes decidem segundo a sua livre e prudente convicção, sem vinculação sequer aos meios de prova convocados pelas partes ou indicados pela 1.ª instância (cfr. o acórdão do STJ de 4/7/2023, no proc. n.º 2991/18.6T8OAZ.P1.S1, e já citado acórdão do mesmo STJ de 26/11/2024, no proc. n.º 417/21.7T8AGH.L1.S1, acessíveis em www.dgsi.pt, constituindo aliás jurisprudência dominante).
Feita tal prévia precisão, importa agora apreciar a impugnação deduzida.
Vem assente no impugnado facto 14 que o autor, na ocasião do acidente, seguia com o cinto de segurança colocado, tendo-se dado como não provado o facto contrário, proveniente da alegação da ré, decisão que esta impugna no recurso, apelando aos testemunhos prestados pelos Drs. (…), (…) e (…), imputando ao tribunal erro na apreciação das declarações prestadas pela testemunha (…).
A este respeito importa referir que, conforme se deixou igualmente notado na decisão recorrida, são divergentes as informações constantes da nota de admissão do relatório de urgência, da responsabilidade da testemunha Dr. (…), que recebeu o doente, e que é omissa quanto a circular o sinistrado com ou sem cinto de segurança, e a nota de alta, subscrita pela testemunha Dr. (…), na qual surge essa menção. Considerando que nenhum destes médicos esteve no local do acidente, torna-se evidente que qualquer menção alusiva ao local da viatura onde seguia o sinistrado e ao uso do cinto de segurança provieram necessariamente da informação de terceiros.
Ouvida a Dr.ª (…), intensivista que integrava a equipa da VMER que acorreu ao local e que acompanhou o doente até ao seu recebimento no serviço de urgência, declarou não ter memória do caso concreto, o que se afigura perfeitamente normal, atendendo ao tempo entretanto decorrido e ao facto de ter sido chamada e tido intervenção em diversos acidentes depois disso. Não obstante, referiu que está em causa informação relevante e a admitir -o que de todo em todo pôde confirmar- que tivesse sido a própria a transmitir a informação ao médico que no serviço de urgência recebeu o doente, tê-la-ia seguramente recebido dos bombeiros, que são normalmente os primeiros a chegar ao local. Referiu ainda, com relevância, que em situações como aquela em que o autor se encontrava, a prioridade é chegar rapidamente com o doente ao hospital e o foco nas urgências é igualmente o doente, daí que nenhuma das referidas testemunhas atribuísse qualquer relevância à circunstância da informação surgir apenas na data da alta, tendo esclarecido que é feita “a posteriori” indagação sobre o modo como o acidente ocorreu, muitas vezes junto dos próprios familiares. Tem assim razão a ré quando chama a atenção para o facto das testemunhas identificadas, todas médicos que intervieram na assistência ao aqui autor, terem como fidedigna a informação feita constar da nota de alta, ainda que nenhuma tenha podido identificar a fonte ou se lembrasse sequer de lhes ter sido passada tal informação. Sucede, porém, que não tendo o facto sido confirmado por nenhuma outra testemunha -antes veio a ser infirmado pela já identificada Sofia Almeida, que circulava na viatura sinistrada- e sendo sempre de admitir a existência de um lapso, a prova produzida não é suficiente para que se dê como assente que o autor circulava sem o cinto.
E quanto ao facto positivo constante do ponto 14, também ele impugnado pela ré?.
Conforme consta da motivação, o tribunal relevou a este respeito o testemunho prestado pela (…), também passageira da viatura por ocasião do acidente, seguindo no lugar do “pendura”, ao lado do condutor, seguindo os três outros ocupantes, aqui se incluindo o autor, nos bancos traseiros, encontrando-se este na terceira fila de bancos (num dos dois bancos “extra”, na terminologia da testemunha), do lado direito. Asseverou esta, e não se vê razão para duvidar, que “à saída de Aveiro estava tudo OK”, ou seja, verificou – dado que era uma espécie de “Mãe” dos amigos – que todos os passageiros tinham os cintos de segurança colocados. Todavia, a verdade é que, conforme também referiu, com excepção da própria e do condutor, os restantes passageiros, aquando da paragem na área de serviços de Aveiras, para abastecer a viatura e beber café, “estavam todos a dormir”, situação que se mantinha quando a viatura se imobilizou pela última vez antes do acidente, na Cruz de Pau, para deixar sair um dos ocupantes, não tendo em nenhuma destas ocasiões verificado se mantinham o cinto colocado. Pode a testemunha presumir que assim acontecia mas a verdade é que não o pode garantir.
Dos ocupantes da viatura, os que ocupavam os bancos traseiros foram projectados, ao invés do que ocorreu com o condutor e a testemunha (…), facto de que a impugnante pretende inferir que seguiriam sem cinto, designadamente o autor, pois, caso contrário, tal não teria ocorrido. A verdade, porém, é que não sabemos se assim acontecia ou não, sendo eventualmente factor mais apto a explicar que o condutor e a testemunha tenham permanecido na viatura, não só o local onde se encontravam, como a circunstância de se encontrarem acordados – ainda que infelizmente o condutor tenha adormecido por breves instantes, conforme a (…) relatou, o que se revelou suficiente para que o acidente ocorresse.
Subsistindo dúvida sobre se o autor seguia ou não com o cinto colocado, mantém-se o facto não provado e, na parcial procedência da impugnação, determina-se a eliminação do segmento “com cinto de segurança” constante do ponto 14 dos factos assentes.
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II. Fundamentação
De facto
Estabilizada, é a seguinte a factualidade a atender:
1. No dia 02 de Janeiro de 2016, pelas 06h10, na A12, ao Km 23,600, concelho de Setúbal, ocorreu um sinistro em que interveio a viatura de matrícula (…).
2. O veículo referido em 1) circulava no sentido norte/sul e com as coordenadas de georreferenciação seguintes: Lat. 38º 38º 5739º N; Long. 09º 02º 9518º W.
3. O A. seguia como passageiro no veículo referido em 1);
4. O condutor do veículo de matrícula (…), (…), adormeceu, tendo o veículo desviado a sua trajetória em direção ao separador central das hemi-faixas de rodagem da auto estrada, tendo colidido com as mesmas
5. No veículo sinistrado seguiam ainda, para além do condutor e do Autor, por altura do sinistro, mais três passageiros: (…); (…); e (…).
6. Desgovernada, após o embate, a viatura atravessou as duas hemi-faixas de rodagem e bem assim a berma do lado direito, atento o seu sentido de circulação, saiu da via subindo um talude lateral à auto estrada e, quando se encontrava na parte superior do mesmo, capotou, deu várias voltas sobre si mesma, vindo a imobilizar-se na berma da faixa de rodagem por onde circulava, com as rodas viradas para cima.
7. A autoestrada no local do acidente é constituída por uma recta, constituída por quatro hemi-faixas de rodagem, duas em cada sentido, separadas por um separador metálico.
8. As duas hemi-faixas de rodagem por onde circulava o veículo (…), têm 7,50 metros de largura.
9. No momento do despiste, era de noite e estava bom tempo (Doc. junto a fls. 39).
10. No local do despiste existe limitação de velocidade que se acha fixada em 100 Km/hora.
11. Na altura do despiste a viatura circulava a uma velocidade compreendida entre os 70/80 KM/hora.
12. No decurso do percurso entre Aveiro e Setúbal, o veículo foi sempre conduzido pelo mesmo condutor, tendo parado por duas vezes em áreas de serviço, sendo a última na área de serviço de Aveiras para reabastecer de combustível a viatura.
13. Após a paragem na área de serviço de Aveiras, o condutor do veículo em causa apenas parou em Almada, a fim de deixar um passageiro.
14. O A. ocupava o banco traseiro, do lado direito do veículo de matrícula (…);
15. O A. em consequência do embate sofreu diversas lesões corporais tendo sido transportado logo após a ocorrência do embate por VMER para o Hospital Garcia de Orta, onde deu entrada pelas 07h56 do dia 02/01/2016.
16. Quando o A deu entrada no Hospital Garcia de Orta foi diagnosticado o seguinte quadro clínico: “Politraumatizado
➢ TCE grave;
➢ Fratura da bacia;
➢ Laceração da bexiga;
➢ Hematoma hepático;
➢ Fraturas arcos costais à direita descoaptadas + pneumotórax + contusão pulmonar bilateral”;
17. Após ter dado entrada no Hospital Garcia de Orta e após alguns exames médicos para avaliação do quadro clínico do A., o mesmo, pelas 09h06, foi transferido para o bloco operatório, onde foram efetuadas as seguintes intervenções:
➢ “Laparotomia exploradora, com evidência de hemoperitoneu (1000 cc de sangue) sem ponto de partida aparente + hemoretroperitoneu volumoso + hematoma hepático cabsulado (não drenado) + rafia da bexiga (lesão sangrante);
➢ Encerramento com sutura cutânea, colocação de dreno JP na cave pélvica, três compressas (cavidade pélvica, goteira esquerda e direita);
➢ Foi colocado fixador externo com pino supra-acetabular e asa do ilíaco, fecho de abertura da sínfise púbica e sacro ilíaca direita colocado CVCVJ1 direita + LA R esquerda;
➢ Início de suporte vasopressor com NA durante a operação.”;
18. Após a intervenção cirúrgica, o A. foi admitido na UCI com o seguinte quadro clinico:
➢ “Choque hipovolemico em ctx de politraumatismo;
➢ Desidratação (consumo de toxicofilcos);
➢ Fratura da asa do ilíaco e sacro direito;
➢ Lesão ligamentar múltipla do complexo ligamentar posterior e anterior;
➢ Fratura do acetábulo e ramo hisqueopubico esquerdo;
➢ Hemoperitoneu;
➢ Hemoretroperitoneu;
➢ Hemorragia sub-aranoideia fronto-temporal esquerda;
➢ Laceração visical;
➢ Lesão renal aguda pré-renal (Rabdomiólise + choque).”;
19- Na sequência da avaliação do quadro clínico, pelas 14h01 do dia 02 de Janeiro, ocorreu nova avaliação clínica ao A., tendo então sido diagnosticado o seguinte:
➢ “Focos de contusão temporais esquerdo;
➢ Densidades hemáticas na vala sílvica esquerda (HSA pós traumáticas);
➢ Ligeira hemorragia intraventricular com nível hemático no corno oxipital esquerdo sem hidro cefalia;
➢ Cisternas da base permeáveis;
➢ Fratura da arcada zigomática esquerda;
➢ Enfisema intra-orbitário esquerdo;
➢ Hemossinus maxilar, esfenoidal e frontal à esquerda;
20. Novamente reavaliado medicamente o A. no mesmo dia pelas 22h48, apresentava o seguinte quadro clínico:
➢ “Na análise do tórax salienta-se a existência de condensações extensas dos lobos inferiores e do segmento de volta para a direita com perca de volume, em relação com zonas de contusão parenquimatosa que são mais expressivas no pulmão direito, aqui identificando-se várias imagens de ar no seio destas áreas de condensação por prováveis lacerações parenquimatosas;
➢ Um moderado pneumotórax direito atualmente sem derrame pleural associado;
➢ Fraturas complexas envolvendo vários arcos costais à direita (3º ao 8º);
➢ Um marcado enfisema dos tecidos moles da região cervical inferior intercetada, do compartimento posterior do mediastimo superior, envolvendo igualmente os tecidos moles da parede torácica direita, estendendo-se ao setor posterior e dissecando os planos subcutâneos e intermusculares da região lombar atingindo a região pélvica.
➢ Estruturas mediastínicas ligeiramente deslocadas para a esquerda;
➢ No abdómen uma contusão/laceração do parênquima hepático que envolve desde periferia até à confluência das veias supra hepáticas a nível dos segmentos 7, 8 e 6, com extensão máxima calculada em aproximadamente 116x89mm.
➢ Coexistência de pequenas lacerações periféricas sub-cabsulares do parênquima do lobo direito em particular no segmento 6.
➢ Líquido peri hepático, nas goteiras e periesplênico, assim como perigástrico.
➢ Hematoma extenso retroperitoneal ao longo dos músculos ilíacos e dissecando as paredes da pequena bacia decorrente da existência de múltiplas fraturas das estruturas ósseas da cavidade pélvica, nomeadamente ilíaco direito, com luxação da sacroilíaca direita, da asa sagrada correspondente, com fraturas do ramo isquiopúbico esquerdo, iliopubico deste lado, com provável afeção acetabular, com luxação da sínfise púbica associada;
➢ Marcada densificação dos tecidos de pequena bacia, nomeadamente a envolver a bexiga.”;
21. Submetido o A. a avaliação médica na vertente crânio encefálica em 04/01/2016, o mesmo apresentava o seguinte quadro clínico:
➢ “Fina lâmina hemática subdural iso/hiperdensa, da convexidade frontal direita, com cerca de 1 mm de espessura máxima, sem valorizável efeito de massa.
➢ Coexistência de fina lâmina hemática subdural tentorial.
➢ Componente hemático subar acnoideu sílvico esquerdo e sulcal frontal e parietal.
➢ Pequenos focos contusionais hemorrágicos em topografia cortical fronto-orpecular direita, fronto-basal esquerda, temporal posterior bilateral.
➢ Contusões hemorrágico/edematosas petequiais em topografia subcortical fronto-polar esquerda.
➢ Visualização de sistemas de PIC inserido por trepano frontal direito, com trajeto hemorrágico/edematoso frontal lateral.
➢ Sinais de hemorragia intraventricular, com discreto nível hemático no corno oxipital esquerdo.
➢ Fratura do andar médio da base do crânio interessando o jugum esfenoidal e também a grande asa do esfenoide esquerda.
➢ Fratura fronto-perional esquerda, ligeiramente descoaptada.
➢ Sequela de mastoidectomia direita.
➢ Poilirinosimusopatia de retenção.”;
22. O A. voltou a fazer exames crânio encefálicos em 10/01/2016, às 16h06, em 6/01/2016, às 02h51, em 17/01/2016, às 19h32 e em 18/01/2016;
23. Em 18/01/2016 e 22/01/2016 voltou o A. a fazer exames abdominais superiores, verificando-se o seguinte quadro clínico:
➢ “Fraturas dos 5º, 6º, 7º e 8º arcos costais direitos, alguns dos quais com fratura em 2 pontos, mas não consecutivas, referindo-se fratura descoaptada no segmento lateral do 7º arco costal direito;
➢ Condensação com broncograma aéreo do LID e LIE com limite sisural, coexistindo derrame pleural bilateral no recesso costovertebral posterior a toda a altura dos hemicampos pulmonares (pneumonia lobar? Aspeto consolidativos pós contusional?) a enquadrar clinico laboratorialmente.”;
24. Para além da cirurgia efetuada no dia da admissão do A. no Hospital Garcia da Orta, o mesmo foi ainda sujeito às seguintes cirurgias:
➢ “Em 04/01/2016 foi feita revisão de laparotomia por cirurgia geral com remoção de compressas intra-abdominais e feita cistorrafia + colocação de cistocateter (por urologia);
➢ Em 10/01/2016 foi efetuada cirurgia craniotomia fronto-temporal bilateral por apresentar PIC persistentemente elevadas, refratárias a medidas anti-edema e após ter repetido TC-CE que mostrou “maior preenchimento, com apagamento de sulcos e menores dimensões do sistema ventricular em comparação com o exame de 06/01/2016”; foi drenado hematoma sub-dural direito; trocado sensor de PIC e colocado dreno sub-galial;
➢ Em 16/01/2016 foi efetuada nova intervenção cirúrgica craniectomia descompressiva – após ter repetido TC-CE que mostrou volumoso hematoma epidural frontal direito com efeito de massa e desvio das estruturas da linha média, foi realizada craniectomia com drenagem de volumosa hematoma externo ao retalho de luva. Hemóstase cuidada. Drenagem parcial de hematoma sub-dural (aderente ao material hemostático previamente colocado). Colocação de novo sensor de PIC intraparenquimatoso;
➢ Em 18/01/2016 foi efetuada nova intervenção cirúrgica com o objetivo de proceder a drenagem de hematoma sub-galial, colocado novo sensor de PIC. Repetiu TC-CE no pós-op., que mostrou adequada rexpansão do parênquima cerebral.
➢ Em 21/01/2016 foi retirado sensor de PIC;
➢ Em 25/01/2016 foi retirado dreno, bem como efetuada osteossíntese da bacia e retirados fixadores externos e bem assim cistografia retrogada com extração de cistostomia.”;
25. Em 11/02/2016 o A. foi submetido a novos exames médicos de natureza encefálica, tendo apresentado o seguinte quadro clínico:
➢ “Extensa cronietomia fronto-parietal direita;
➢ Cranietomia fronto-parietal esquerda moderadamente desalinhada;
➢ Retalho de cranietomia em topografia sub-galial parietal mediana;
➢ Volumosa seroma das partes moles fronto-parietais direitas com a espessura máxima de 34 mm;
➢ Coleção extra-axial adjacente ao retalho de craniotomia fronto-parietal esquerda com sinal parcialmente híper intenso em T1, admitindo-se de natureza hemática subaguda, com espessura máxima de 8 mm;
➢ Observam-se múltiplas lesões parenquimatosas supratentoriais bilaterais, a que atribuo etiologias distintas: 1. Identificam-se áreas edematosas frontal superior esquerda e frontal média direita, no interior das quais se definem algumas pequenas cavitações e múltiplas microhemorragias, que correspondem às áreas de edema já presentes na primeira TC crânio-encefálica disponível no sistema de 16/01/2016, traduzindo focos contusionais edematosos com alguns componentes hemorrágicos. 2. Coexistem múltiplos pequenos hipossinais em T2* atribuíveis a componentes hemorrágicos igualmente de provável natureza traumática em tipografia frontoórbitária bilateral, frontal inferior esquerda e temporal bilateral. 3. Existe lesão focal hiperintensa em T2 bem delimitada no centro do corpo do corpo caloso e hipersinal T2 mal delimitado no esplénio do corpo caloso, cuja localização sugere tratarem-se de focos de disrupção axonal. 4. Identificam-se múltiplas lesões supratentoriais bilaterais que correspondem às hipodensidades que surgiram de novo na TC crânio-encefálica de 06/02/2016. Traduzem-se por hipersinal T2 mal delimitado, sem restrição à difusão, sem hemorragia associada e sem reforço de sinal após gadolínio e sem valorizável efeito de massa. Apresentam envolvimento que interessa quase exclusivamente a substância branca poupando o córtex, com morfologia digitiforme e distribuição subcortical occipito-parietal bilateral e frontal superior bilateral. Existem lesões com as mesmas características de menores dimensões subcorticais temporais bilaterais, na região anterior da cápsula extensa bilateralmente e no braço posterior da cápsula interna esquerda. Algumas das lesões occipitais e temporais envolvem igualmente a substância branca periventricular. As estruturas mediotemproais estão poupadas. O parênquima do tronco cerebral e do cerebelo têm sinal normal. A etiologia destas alterações é incerta (A sua distribuição e ausência de hipersinal em DWI permitem excluir lesão vascular aguda. Os seios venosos não exibiam hiperdensidade em TC, apresentam o sinal de vazio habitual em T2 e não demonstram hipossinal anómalo em T2*, não existindo sinais de trombose venosa. O padrão de distribuição poderia enquadra-se em patologia desmielinizante, nomeadamente de ADEM. Dentro das hipóteses infeciosas é possível excluir abcesso constituído, mas não a de encefalite (A topografia envolvida não favorece etiologia herpética). Existe otopatia inflamatória de retenção esquerda.”;
26. Em 22/02/2016 o A. voltou a ser operado no Hospital Garcia de Orta, onde continuava internado, tendo sido efetuada “reabertura de incisão bicoronal prévia, cranioplastia bilateral com osso acondicionado no espaço sub-galial e fixo com três crânio fixs de cada lado, após remoção de extensas adesões e crânio plastia com neuropatch no defeito dural do lado direito. Drenos. Encerramento num plano com náilon.”;
27. O A., após os sucessivos tratamentos e intervenções cirúrgicas que foram efetuadas no Hospital Garcia de Orta, veio a ter alta clínica deste hospital em 29/03/2016, tendo sido transferido para o Hospital de S. Bernardo, em Setúbal, onde veio a dar entrada no dia 07/04/2016;
28. O A foi posteriormente transferido para o Hospital de Nossa Senhora da Arrábida em 11/04/2016 para tratamentos médicos e de fisioterapia;
29- O A quando entrou no Hospital de Nossa Senhora da Arrábida apresentava o seguinte quadro clínico:
➢ “Encontrava-se orientado na pessoa, espaço e tempo.
➢ Deslocava-se em cadeira de rodas para longos percursos e de andarilho para curtos/médios percurso com supervisão.
➢ Aludinia ao nível dos pés, sendo a dor ao toque e ao contato com a roupa e água menos intensa.
➢ Dor à mobilização do ombro esquerdo por impingement.
➢ Síndrome de imobilização, com diminuição da força muscular global mais marcada nos membros inferiores.
➢ Força muscular nos principais grupos musculares nos membros superiores e tronco grau 4.
➢ Força muscular ao nível dos membros inferiores: isquiotibiais grau 3; quadricípites grau 3+; extensores da anca grau 4-; flexores plantares 3; flexores dorsais: contração ténue grau 1 do tibial anterior no MID (sem movimento aparente) e ausência de contração muscular do longo extensor do hallux no MIE com força muscular grau 3- no tibial anterior do MID.
➢ Encurtamento muscular ao nível da cadeia posterior dos membros inferiores.
➢ Défices moderados no equilíbrio dinâmico em pé e ligeiro nas mudanças de posição (sentado para de pé).
➢ Diminuição da tolerância ao esforço.”;
30. No Hospital Nossa Senhora da Arrábida foi desencadeado um plano de intervenção médico, até 28/09/2016, que teve como objetivos de reabilitação: promover a normalização da sensibilidade cutânea, aumentar a força muscular global, promover a atividade muscular dos músculos responsáveis pela flexão dorsal, aumentar a amplitude de movimento e comprimento muscular dos Mis, melhorar o equilíbrio dinâmico na posição de pé, promover o aumento da tolerância ao esforço e promover a autonomia na marcha.”;
31. Após o internamento no Hospital de Nossa Senhora da Arrábida, o A. no dia 02/06/2016 foi transferido para o Hospital de S. Bernardo, em Setúbal, por apresentar “ferida operatória que não cicatriza”, tendo ficado internado para tratamento;
32. Neste hospital, enquanto esteve internado, foi “efetuado exame cultural do exsudado da ferida com isolamento de MRSA e Pseudononas (com resistência ao carbapenem)”;
33. Em 09/06/2016 teve o A. alta deste hospital, tendo sido transferido novamente neste dia para o Hospital de Nossa Senhora da Arrábida;
34. Em 04/07/2016 o A. voltou ao Hospital de S. Bernardo, em Setúbal, onde efetuou intervenção cirúrgica sob anestesia local, para excisão de úlcera crónica da região ilíaca esquerda e encerramento com retalho romboide;
35. Nesse mesmo dia o A. voltou para o Hospital de Nossa Senhora da Arrábida.
36. Em 11/07/2016 o A. voltou a dar entrada no Hospital de S. Bernardo, em Setúbal, vindo do Hospital de Nossa Senhora da Arrábida, por apresentar dor referente a feridas.
37. E no Hospital de S. Bernardo Neste hospital fez o A. limpeza e desinfeção, remoção de pontos da pele que não estão a ser eficazes e penso com Aquacell.
38. No dia 11/07/2016 teve o A. alta para o médico de família/ARS/Centro de Saúde, tendo regressado ainda nesse dia ao Hospital de Nossa Senhora da Arrábida para continuação dos tratamentos de reabilitação.
39. Em 28/09/2016 o A. voltou a ser internado no Hospital de S. Bernardo, em Setúbal, onde veio a ser operado neste mesmo dia sob anestesia geral, tendo sido efetuado desbridamento e enxerto cutâneo com pele parcial colhida da coxa esquerda, permanecendo internado neste hospital até 14/10/2016, altura em que teve alta clínica para o domicílio.
40. Em 18/02/2018 o A. deu entrada nos serviços de urgência do Hospital de S. Bernardo, em Setúbal, apresentando dores no pé direito, decorrentes do sinistro.
41. Neste hospital foram efetuados exames, tendo sido diagnosticada tendinite tibial, tendo sido dada alta nesse mesmo dia ao A. para o médico de família.
42. Antes, em 11/05/2016, o A. deslocou-se ao Centro Hospitalar de Setúbal (Hospital de S. Bernardo) para uma consulta externa e exames médicos, tendo o mesmo pago a respetiva taxa moderadora no valor de € 13,10.
43. Em 20/06/2016, o A. deslocou-se ao Centro Hospitalar de Setúbal (Hospital de S. Bernardo) para uma consulta externa e exames médicos, tendo o mesmo pago a respetiva taxa moderadora no valor de € 14,00.
44. Em 24/06/2016, o A. deslocou-se ao Hospital de S. Bernardo, em Setúbal, para uma consulta externa.
45. Em 11/07/2016, o A. deslocou-se ao Centro Hospitalar de Setúbal (Hospital de S. Bernardo) em episódio de urgência, onde fez exames médicos, tendo o mesmo pago a respetiva taxa moderadora no valor de € 20,00.
46. Em 15/07/2016, o A. deslocou-se ao Centro Hospitalar de Setúbal (Hospital de S. Bernardo) para uma consulta externa, tendo o mesmo pago a respetiva taxa moderadora no valor de € 7,00.
47. Em 21/07/2016, o A. deslocou-se ao Centro Hospitalar de Setúbal (Hospital de S. Bernardo) para uma consulta externa, tendo o mesmo pago a respetiva taxa moderadora no valor de € 7,00.
48. Em 25/07/2016, o A. deslocou-se ao Centro Hospitalar de Setúbal (Hospital de S. Bernardo) para uma consulta externa, tendo o mesmo pago a respetiva taxa moderadora no valor de 7,00 €.
49. Em 28/07/2016, o A. deslocou-se ao Centro Hospitalar de Setúbal (Hospital de S. Bernardo) para uma consulta externa, tendo o mesmo pago a respetiva taxa moderadora no valor de € 7,00.
50. Em 04/08/2016, o A. deslocou-se ao Centro Hospitalar de Setúbal (Hospital de S. Bernardo) para uma consulta externa, tendo o mesmo pago a respetiva taxa moderadora no valor de € 7,00.
51. Em 12/08/2016, o A. deslocou-se ao Centro Hospitalar de Setúbal (Hospital de S. Bernardo) para uma consulta externa, tendo o mesmo pago a respetiva taxa moderadora no valor de € 7,00.
52. Em 19/08/2016, o A. deslocou-se ao Centro Hospitalar de Setúbal (Hospital de S. Bernardo) para uma consulta externa e exames médicos, tendo o mesmo pago a respetiva taxa moderadora no valor de € 9,00.
53. Em 22/08/2016, o A. deslocou-se ao Centro Hospitalar de Setúbal (Hospital de S. Bernardo) para uma consulta externa e exames médicos, tendo o mesmo pago a respetiva taxa moderadora no valor de € 9,80.
54. Em 26/08/2016, o A. deslocou-se ao Centro Hospitalar de Setúbal (Hospital de S. Bernardo) para uma consulta externa, tendo o mesmo pago a respetiva taxa moderadora no valor de € 7,00.
55. Em 09/09/2016, o A. deslocou-se ao Centro Hospitalar de Setúbal (Hospital de S. Bernardo) para uma consulta externa tendo o mesmo pago a respetiva taxa moderadora no valor de € 7,00.
56. Em 14/09/2016, o A. deslocou-se ao Centro Hospitalar de Setúbal (Hospital de S. Bernardo) para uma consulta externa, tendo o mesmo pago a respetiva taxa moderadora no valor de € 7,00.
57. No Hospital de S. Bernardo o A. no dia 29/09/2016 foi submetido a cirurgia na região ilíaca esquerda, sob anestesia geral. 58. Em 07/10/2016, o A. deslocou-se ao Hospital Garcia de Orta para uma consulta externa, tendo o mesmo pago a respetiva taxa moderadora no valor de € 7,00.
59. Em 28/10/2016, o A. deslocou-se ao Centro Hospitalar de Setúbal (Hospital de S. Bernardo) para uma consulta externa, tendo o mesmo pago a respetiva taxa moderadora no valor de € 7,00.
60. Em 02/11/2016, o A. deslocou-se ao Centro Hospitalar de Setúbal (Hospital de S. Bernardo) para uma consulta externa, tendo o mesmo pago a respetiva taxa moderadora no valor de € 7,00.
61. Ainda no Hospital de Nossa Senhora da Arrábida, enquanto aí esteve internado, o A. foi acompanhado sob o ponto de vista psicológico, tendo sido “objecto de um programa terapêutico multidisciplinar com incidência nas áreas de recuperação física, cognitiva e psicológica. A resposta favorável à intervenção permitiu ao doente uma progressiva consciencialização do seu estado clínico, vindo isso a ter impacto de significado da sua vida psicológica. A sua condição médica, determinante de um prognóstico de evolução demorada, contribuiu para um quadro de perturbação humor proeminente e persistente que se considerou um efeito psicológico resultante do seu estado físico geral”.
62. O relatório psicológico elaborado pelo Hospital de Nossa Senhora da Arrábida, sinalizou no A. “elementos próprios do humor depressivo, diminuição marcada do interesse pela reabilitação, anedonia, desesperança, isolamento, oposição e desejo de abandono do projeto terapêutico. O quadro observado é compatível com o diagnóstico de Perturbação do Humor secundária a lesão traumática com características depressivas”.
63. (…) «o acompanhamento do doente na consulta de psicologia com o objetivo de prevenir a recidiva do episódio depressivo e promover trabalho motivacional no sentido de manter ou melhorar a adesão do doente ao tratamento».
64. (…) « concomitante de um quadro neurológico resultante de traumatismo crânio-encefálico com eventuais intercorrências, de difícil categorização, na expressão do comportamento do doente.» 65. No Hospital Garcia de Orta foi observado o A. em 23/05/2016, na especialidade de neurocirurgia, tendo-se então constatado que o mesmo já se encontrava consciente e orientado e já deambulava com canadianas, apresentando ferida na anca esquerda, a qual se apresentava infetada com MRSA.
66. Em 07/10/2016 o A. voltou novamente ao Hospital Garcia de Orta para ser observado na especialidade médica de neurocirurgia, tendo sido constatado que o mesmo está sobre reabilitação, tem marcha autónoma com apoio de canadianas, apresenta um quadro piramidal bilateral mais marcado à esquerda e sinais de lesão dos cordões posteriores – notório nos membros inferiores e tronco (Romberg + ipopalestesia), e bem assim hiperestesias e disestesias na planta dos pés. Suspeita de lesão dorsal alta. Constata-se estar internado no Hospital de S. Bernardo, em Setúbal, para tratamento de infeção de tecidos moles na região da anca esquerda. Constata-se ainda que o A. não poderia retomar o seu trabalho por incapacidade física por um período previsível de pelo menos 6 meses.
67. Em 14/11/2016 o A. foi observado na especialidade de neurocirurgia no Hospital Garcia de Orta, tendo-se constatado que o mesmo continuava sobre reabilitação, tem marcha autónoma com apoio de canadianas, apresentando um quadro piramidal bilateral, mais marcado à esquerda e sinais de lesão dos cordões posteriores – notório nos membros inferiores e tronco (Romberg + ipopalestesia), e bem assim hiperestesias e disestesias na planta dos pés. Encontra-se sobre tratamento ambulatório de infeção nos tecidos moles na região da anca esquerda há cerca de um mês e meio. O doente não poderá retomar o seu trabalho por incapacidade física por um período previsível de pelo menos 12 meses.
68. Na sequência da consulta de 07/10/2016 ocorrida no Hospital Garcia de Orta, foi prescrita RMN cervical e dorsal, tendo tal exame sido efetuado em 11/11/2016, o qual revelou hérnia discal L4 e L5, foraminal esquerda, sem compressão medular.
69. A pedido dos serviços da R., em 02/05/2017 o A. foi submetido a uma consulta de natureza psiquiátrica na Clínica de S. João de Deus, em Lisboa, tendo-lhe sido diagnosticado o seguinte:
➢ “Padece de síndrome depressivo grave crónico, em parte devido à instituição muito tardia da medicação antidepressiva adequada.
➢ O síndroma causa grande ansiedade generalizada, insónia inicial e terminal, baixa enorme da autoestima devido à incapacidade de se bastar a si próprio e baixa da autoimagem (cicatrizes no couro cabeludo), défices da marcha e alopecia se vem agravando, sendo de provável etiologia psíquica.
➢ Existência de bruxismo, o que tem levado a fraturas dentárias.
➢ Atenta a situação psiquiátrica, que é grave, face à existência de períodos de desespero e autoagressão, é necessário um longo tratamento que carece de consultas regulares e psico-farmacoterapia.”;
70. Em 05/05/2017 o A. foi observado na especialidade de neurocirurgia no Hospital Garcia de Orta, tendo-se constatado uma melhoria franca dos défices físicos, nomeadamente na marcha (embora mantenha parésia severa da dorsiflexão e flexão plantar bilateral (mais marcada à direita) com disestesias álgicas plantares) e cura da infeção da bacia. Mantém estado depressivo, complexo de inferioridade, medicação antiepilética por ter tido crises de pequeno mal, alopecia (provavelmente secundária à medicação e estado psicológico). Mantém sinais piramidais nos quatro membros (híper-reflexia e cutâneo plantares indiferentes). Não tolera ortostatismos por período superior a 15 minutos. Nesta consulta foram pedidos testes neuropsicológicos para orientação terapêutica e do futuro profissional do A..
71. A pedido dos serviços da R., em 08/06/2017 o A. efetuou um exame crânio encefálico, de onde se retiram ainda as seguintes sequelas:
➢ “Sequelas de focos contusionais antigos frontais bilaterais e temporal à direita, com destaque para uma área de encefalomalacia cavitada cortico-subcortical frontal supero – externa direita.
➢ Um pequeno foco de cavitação no corpo da comissura calosa.
➢ Espaços sulco – cisternais permeáveis.”;
72. O A. foi submetido no Hospital Garcia de Orta a avaliação neuro-comportamental do estado mental em 21/06/2017, com os seguintes resultados:
➢ “O exame neuropsicológico evidencia moderada alteração da atenção sustentada por longos períodos de tempo, iniciativa verbal oral semântica, marcada alteração da atenção interferida por tarefas dissociativa e perseveração.
➢ Relativamente às capacidades mnésicas, verifica-se moderada alteração da memória visual (não beneficiando com o reconhecimento após tempo de latência), memória verbal episódica (beneficiando com o reconhecimento após tempo de latência) e marcada alteração da memória verbal episódica, melhorando significativamente com o reconhecimento.
➢ Aplicou-se o IDBeck obtendo-se um valor total de 29 sugestivo de presença de sintomalogia depressiva grave.
➢ Estes resultados são sugestivos de alteração de funções cognitivas de predomínio frontal.”.
73. Em 01/09/2017 o A. voltou à consulta médica da especialidade de neurocirurgia no Hospital Garcia de Orta, apresentando nessa altura o seguinte quadro clínico:
➢ “Autónomo para as atividades da vida diária, embora mantenha dificuldades em fazer marcha “não mais de 100 metros” e de tomar duche em pé, e impossibilidade de correr.
➢ Apresenta quedas de cabelo e rarefacção pilosa noutras zonas do corpo.
➢ A queda do cabelo implica a ausência de disfarce da cicatriz coronal, efetuado aquando da cranioectomia bilateral, o que tem causado problemas psicológicos e dificuldades na socialização.
➢ Dor na região temporal direita que ocasionalmente afeta a mastigação, provavelmente causada pela cicatriz pós cirúrgica do musculo temporal.”.
74. No dia 18/02/2018, o A. deslocou-se ao Centro Hospital de Setúbal (Hospital de S. Bernardo), em episódio de urgência, tendo o mesmo pago a respetiva taxa moderadora no valor de 16,00€.
75. O A. foi acompanhado medicamente pelos serviços clínicos da R., tendo tido alta destes serviços em 30/08/2018, com a decisão médica de “incapacidade permanente absoluta para a profissão habitual a partir de 30/08/2018”;
76. O A. nasceu em 10/01/1991.
77. O A. tem como habilitações literárias o curso de formação profissional de logística e armazenagem, equivalente ao 9º ano de escolaridade, concluído no Centro de Formação Profissional de Setúbal em 24/02/2009.
78. Após concluir a sua formação profissional, o A. teve o seu primeiro contato com o mundo laboral em Outubro de 2009, tendo trabalhado desde então para diversas entidades patronais de trabalho temporário, sendo que o último contato com a atividade profissional ocorreu no mês de Julho de 2015.
79. A atividade profissional exercida pelo A. era de operário fabril/manobrador de empilhador.
80. As remunerações auferidas pelo A. variaram aos longo dos anos em função da entidade patronal para quem prestava a sua atividade profissional.
81. O A. no ano de 2013 tinha um ordenado de € 771,60, sendo que o ordenado auferido em 2015 se situava em € 465,60 de remuneração base, acrescida de subsídio de refeição, subsídio de férias e de natal, e bem assim referente a férias pagas e não gozadas.
82. O A. era um trabalhador assíduo, empenhado e sempre disponível para executar da melhor forma todas as tarefas que lhe eram incumbidas.
83. No período de incapacidade total e autonomia necessitou de terceira pessoa para lhe fazer as refeições, tratar da roupa, fazer compras de géneros alimentícios e outros produtos, ajudar a deitá-lo e levantá-lo, vesti-lo, fazer a sua higiene pessoal, bem como ainda deslocá-lo de um lado para o outro e bem assim acompanhá-lo a consultas médicas e aos hospitais.
84. Com o objetivo de instruir a presente ação, o A. necessitou de obter junto da Guarda Nacional Republicana o auto de participação de acidente de viação, tendo pago pela obtenção do mesmo a quantia de € 68,00.
85. Com a consulta médica de avaliação e elaboração do respetivo relatório médico, o A. pagou a quantia de € 550,00.
86. O A., necessitou de obter assento de nascimento para instruir o processo, com o qual gastou a importância de € 20,00 (Doc. 58).
87. O A. gozava de boa saúde e não dispunha de qualquer defeito físico, estético ou psíquico.
88. Era o A. dotado de uma excelente compleição física, corpo musculado e enérgico, sendo por todos considerado um homem atraente fisicamente e afável.
89. Era uma pessoa com uma enorme alegria e vontade de viver, transbordando de boa disposição, trabalhador e bastante ativo.
90. O A. era pessoa muito alegre e divertida, marcando presença assídua em cafés, bares, discotecas e outros espaços de lazer e convívio.
91. Com efeito, o A. nestes espaços de diversão, nomeadamente nas discotecas, adorava dançar, como dançava, divertindo-se, e muito, em especial com amigos e amigas da sua faixa etária.
92. O A. era pessoa amante das atividades desportivas, que praticava diariamente nos seus períodos de tempo disponível, nomeadamente futebol, ciclismo, pesca, ténis de mesa, escalada, caminhadas.
93. O A. nos períodos de verão era um frequentador assíduo da praia, onde igualmente cultivava momentos de grande alegria com amigos e amigas da sua faixa etária.
94. Nas relações sociais o A. era tido por todos, familiares e amigos, um bom companheiro e um bom amigo.
95. O A. esteve em internamento hospitalar durante 284 dias, assim distribuídos:
➢ 02/01/2016 a 29/03/2016 = 87 dias no Hospital Garcia de Orta, em Almada;
➢ 29/03/2016 a 11/04/2016 = 12 dias no Centro Hospitalar de Setúbal (Hosp. S. Bernardo);
➢ 12/04/2016 a 28/09/2016 = 169 dias no Hospital de Nª Sra. da Arrábida, em Brejos de Azeitão;
➢ 28/09/2016 a 14/10/2016 = 16 dias no Centro Hospitalar de Setúbal (Hosp. S. Bernardo);
96. O A. foi submetido a 10 intervenções cirúrgicas, tendo sofrido imensas dores, bem como com os diversos tratamentos médicos e de enfermagem a que foi sujeito.
97. Durante cerca de dois anos o A. esteve impedido de frequentar os locais públicos que tanto gostava, pois o processo de recuperação foi lento e doloroso para o mesmo.
98. Deixou assim de conviver com os seus amigos, como até aí costumava fazer em locais públicos.
99. O A. sente ainda dores nos pés, dores ao nível da anca, e falta de equilíbrio, o que o impede de praticar os desportos que até à data do acidente vinha praticando.
100. O A deixou de frequentar a praia atendendo às sequelas estéticas que o seu corpo apresenta, tendo vergonha, acanhamento em exibir o seu corpo nestes espaços públicos, daí que os tenha deixado de frequentar.
101. O afastamento de convivência social com amigos e amigas, faz com que se sinta marginalizado das atividades lúdicas e sociais em que estava inserido, estando a sua autoestima fortemente afetada.
102. Desde a ocorrência do acidente de viação de que foi vítima, o A. não consegue dormir tranquilamente, acordando inúmeras vezes durante a noite, sofrendo de insónias, sendo constantemente afetado por sensações de que vai perder a vida.
103. O A. tem dificuldades em sair à rua e passear, dobrar-se ou permanecer de pé, não podendo subir e descer escadas, correr ou carregar pesos e fazer movimentos repentinos.
104. O A. sente frequentemente perdas de memória e falta de concentração e coordenação de ideias.
105. O A. sente uma enorme falta de vontade de continuar a viver, por saber que nunca mais irá ficar definitivamente restabelecido e curado física e psicologicamente das lesões que sofreu com o acidente de que foi vítima.
106. O A. está constantemente triste, isolado, deprimido, não dialogante, frustrado, limitado, complexado, diminuído, sentindo-se que é uma pessoa traumatizada pelo sucedido.
107. O A. sofre de períodos depressivos e irritabilidade decorrentes do traumatismo craniano que sofreu.
108. Quando há mudanças de tempo o A. vê agravadas as dores que sente tanto ao nível da anca, como ao nível dos pés e bem assim tensão nervosa ao nível de todo o corpo.
109. Todas as despesas referentes às taxas moderadoras que o A. pagou no Centro Hospitalar de Setúbal (Hospital de S. Bernardo), no valor total de € 158,90, foram remetidas para pagamento à R. em 03/07/2018, através do respetivo mandatário, tendo esta reembolsado aquele em 09/07/2018;
110. Em 11/12/2017 o A., através do respetivo mandatário, solicitou à ora R. que lhe fosse feito um adiantamento para fazer face às suas despesas diárias, uma vez que não estava em condições de trabalhar e não ter outros rendimentos, por conta da indemnização que lhe viesse a ser fixada e decorrente do acidente de viação de que foi vítima.
111. A R. veio a responder positivamente a tal solicitação, tendo em 10/01/2018 emitido recibo no valor de € 12.720,00, quantia esta que veio a ser recebida pelo ora A. por via de cheque emitido à sua ordem.
112. Entre a (…) e (…) foi celebrado um contrato de seguro do ramo automóvel, através do qual se garantia a responsabilidade civil do veículo ligeiro de passageiros, de marca SEAT, modelo Alhambra 1.9 TDI Sport, de matrícula (…), conforme Condições Particulares da Apólice n.º (…).
113. A referida Apólice tem como capital seguro de responsabilidade civil garantido, o montante de € 1.800.000,00, correspondente ao limite máximo de € 1.200.000,00 exclusivamente para danos corporais e € 600.000,00 para danos materiais.
114. A Ré, no seguimento da participação do sinistro, diligenciou no sentido de apurar as causas e consequências do mesmo e findas as diligências encetadas assumiu a responsabilidade decorrente do sinistro.
115. A data de consolidação medico legal das lesões fixou-se em 30.08.2018.
116. O A sofreu défice funcional temporário total pelo período de 287 dias.
117. O A sofreu défice funcional temporário parcial pelo período de 685 dias.
118. O A. sofreu período de repercussão temporária na actividade profissional total de 972 dias.
119. Foi atribuído ao A. um quantum doloris fixável no grau 6/7.
120. O A. apresenta défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 67 pontos.
121. As sequelas de que o A. sofre são, em termos de Repercussão permanente na Atividade profissional habitual, impeditivas do exercício da sua actividade profissional habitual e bem assim como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico profissional.
122. O dano estético permanente é fixável no grau 5/7.
123. A repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer é fixável no grau 4/7.
124. A repercussão permanente na actividade sexual é fixável no grau 3/7.
125. Como dependências permanentes resultaram para o A. ajudas medicamentosas, com manutenção da terapêutica médica prescrita e goteiras dentárias...
126. (…) e técnicas e tratamentos médicos regulares em consultas anuais de Neurologia, Ortopedia, Psiquiatria, Medicina dentária e Psicologia em sessões regulares de acordo com o plano terapêutico.

Matéria de facto não provada:
- o Autor circulava com cinto de segurança;
- O Autor circulava sem fazer uso do cinto de segurança.
- o A, na altura em que ocorreu o acidente, iria iniciar novamente a sua actividade profissional em empresa de trabalho temporário;
- o A. era portador de licença de manobrador de empilhadores, obtida na (…).
*
II. De Direito
Dos montantes indemnizatórios: o dano da perda da capacidade de ganho
Não se questionando nos autos que a culpa pela ocorrência do acidente coube em exclusivo ao condutor da viatura segura, recaindo sobre a ré, para quem o proprietário da mesma havia transferido a responsabilidade civil emergente dos acidentes de viação em que aquela interviesse, a obrigação de indemnizar o autor pelos danos sofridos, reclama a demandada dos montantes indemnizatórios arbitrários, cuja redução pretende.
Estão em causa as quantias de € 300.000,00 arbitrada para reparação do dano decorrente da perda da capacidade de ganho, que a recorrente pretende ver reduzida em pelo menos 20%, atendendo ao benefício resultante da antecipação, propondo o de € 200.000,00, em seu entender mais consentâneo com os critérios consagrados na Portaria 377/2008, de 26 de Maio que, diz, não pode/deve ser desconsiderada; de € 150.000,00 destinada a compensar os danos de natureza não patrimonial, cuja redução a metade visa obter nesta via de recurso; e ainda os € 20.438,00 arbitrados a título do que seriam perdas de rendimento sofridas até à data da consolidação das lesões, cuja atribuição alega constituir um enriquecimento para o autor, que à data do acidente se encontrava desempregado.
Já o autor, no seu recurso, visando os montantes arbitrados para reparação do dano decorrente da perda da capacidade de ganho e danos de natureza não patrimonial reclama a sua majoração, tendo como justos os de € 400.000,00 e € 190.000,00 por si reclamados na petição inicial.
Apreciando:
É sabido que em matéria de dever de indemnizar o princípio geral estabelecido na lei civil (artigo 562.º do CCivil[3]) é o da reparação natural, isto é, a reconstituição da situação que existiria não fora o evento danoso (denominada teoria da diferença). Só quando esta não for possível, não repare totalmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor (responsável), é que a lei prevê que a indemnização seja fixada em dinheiro (566.º, nº 1). Esta indemnização “tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos” (n.º 2 da disposição legal em referência), e “se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados” (n.º 3 do mesmo artigo).
Estão assim abrangidos pela obrigação de indemnizar os danos -todos os danos-causados ao lesado, compreendendo não só o prejuízo causado nos bens existentes na sua titularidade -danos emergentes- como também os benefícios que deixou de obter por causa do facto ilícito, embora ainda não integrados na sua esfera à data da lesão – os lucros cessantes – podendo qualquer deles representar danos futuros, desde que previsíveis, previsibilidade que é a pedra de toque no que respeita à obrigação de indemnizar os danos ainda não consumados (artigo 564.º).
A par dos danos de natureza patrimonial, o lesado pode ainda sofrer danos de natureza não patrimonial, o que ocorre quando “a situação vantajosa lesada tenha natureza espiritual”, traduzindo-se numa “ofensa a bens de carácter imaterial”. Sendo desprovidos de conteúdo económico os danos desta natureza são insusceptíveis de avaliação em dinheiro”[4] pelo que, em rigor, a indemnização não visa a reparação ou eliminação do dano, o que não seria possível, mas antes conceder uma compensação ao lesado.
A propósito do dano decorrente da perda da capacidade de ganho – dano futuro previsível e, nessa medida, indemnizável – que a apelante (…) pretende reduzir a € 200.000,00, não se encontra controvertido que o autor contava 24 anos de idade à data do sinistro e ficou portador de um défice funcional de 67%, que acarreta incapacidade permanente absoluta para o exercício da sua profissão habitual ou outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional.
Como base de cálculo, e adoptando como critério o seguido em diversas decisões dos nossos tribunais, incluindo o STJ, segundo o qual a indemnização deve corresponder a um capital produtor de rendimento que cubra o período provável da vida do lesado, proporcionando valor semelhante à remuneração perdida e esgotando-se no seu termo, tomaram-se em consideração na decisão recorrida o valor do salário mínimo nacional, atendendo a que o autor se encontrava desempregado à data do acidente, o défice funcional de 67 pontos, que implica uma incapacidade absoluta para o exercício da profissão habitual e qualquer outra da sua área de formação, e a duração provável da sua vida, atingindo-se com tal fórmula o montante de € 277.460,00. Recusando todavia atribuir a tais cálculos valor vinculativo, e com recurso à equidade, procedeu a 1.ª instância à majoração daquele valor para a quantia de € 300.000,00 que, antecipa-se, temos como adequada.
Antes de mais, cumpre esclarecer que, ao invés do que pretende a apelante seguradora, o critério de fixação da indemnização devida ao lesado pelo dano decorrente da perda da capacidade de ganho é, conforme reafirmou o STJ em recentíssimo aresto, a equidade, conforme prescreve o já citado n.º 3 do art.º 566.º, sem qualquer vinculação, portanto, aos critérios da Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio (alterada pela Portaria 679/2009, de 25 de Junho). Daqui não decorre, porém, que não se deva fazer uso de fórmulas matemáticas, que nos fornecem valores indiciários, a rectificar de harmonia com a demais factualidade pertinente caracterizadora de cada caso concreto. Mas afinal isso mesmo resulta ter sido feito na decisão recorrida, que atendeu ao tempo provável de vida do lesado, segundo aquela que é a expectativa de vida de um indivíduo do sexo masculino, o que se afigura não merecer censura, atendendo a que o dano que se avalia se projecta para além da idade de reforma, afectando igualmente a sua carreira contributiva, e ao valor do SMN, opção que também se considera acertada, considerando que o autor se encontrava desempregado à data do acidente. Com efeito, e ao invés do que invoca o autor no seu recurso, apesar de ter beneficiado de um salário mais elevado em data recuada, a última remuneração por si auferida, no ano de 2015, ascendia a € 465,60 x 14, acrescida de subsídio de refeição (cfr. ponto 81). Acresce que, atendendo ao seu grau de escolaridade e área profissional pouco qualificada (cfr. ponto 79.), nada indicia que pudesse aspirar a níveis remuneratórios superiores, tanto mais que o SMN tem sofrido nos últimos anos aumentos significativos, aproximando-se a passos largos daquele que é o salário médio no nosso país.
O valor assim achado terá todavia de reflectir o previsível aumento das remunerações enquanto factor de majoração. De outro lado, porém, ao receber de uma só vez um montante que seria percebido ao longo de mais de 50 anos, capital susceptível de proporcionar rendimento, o autor lesado terá um benefício que implicará a redução da indemnização, tendo-se todavia por injustificada a pretensão de redução de 20% proposta pela apelante, atendendo ao contexto de juros baixos e em queda, não se projectando subidas das taxas nos anos mais próximos que ultrapassem o aumento dos vencimentos.
Em suma, da ponderação de todos os referidos elementos – salário provável, idade à data da alta, incapacidade de que ficou portador, que é absoluta para a profissão habitual ou qualquer outra da sua área de formação, aumento previsível dos rendimentos do trabalho e expectativa de vida – afigura-se adequado o montante encontrado na sentença recorrida, mesmo tendo em conta o benefício que resulta da sua antecipação, improcedendo os recursos de autor e ré quanto a este segmento da indemnização arbitrada (vide, adoptando idêntico critério, acórdão do STJ de 10/4/2024, processo 551/19.3T8AVR.P1.S1, em www.dgsi.pt, justificando a diversidade dos montantes a idade do sinistrado à data da consolidação das lesões, e os acórdãos ali citados, proferidos pelo mesmo STJ em 23-10-2018, no proc. n.º 902/14, e de 28-02-2023 no proc. n.º 651/20.7T8VRL.G1.S1)
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Danos de natureza não patrimonial
No que respeita aos danos de natureza não patrimonial para cuja compensação foi fixado o montante de € 150.000,00, pretende a ré a sua redução a metade, ao passo que o autor mantém a pretensão de lhe ser atribuída indemnização no valor peticionado de € 190.000,00.
Quanto aos danos desta natureza, não questiona a ré na sua apelação a gravidade dos mesmos, requisito essencial à tutela do direito (cf. art.º 496.º/1 do CC).
A indemnização atribuída pelo dano não patrimonial não tem a virtualidade de colocar o lesado na situação em que estaria se o facto danoso não tivesse tido lugar, conforme impõe o art.º 562.º, destinando-se antes a compensá-lo pela ofensa sofrida através da atribuição de uma indemnização pecuniária que, por indicação da lei, é determinada com recurso à equidade (cfr. n.º 4 do art.º 496.º), cuja aplicação convoca “as regras da boa prudência, do bom sendo prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida”[5]. Sendo este o primeiro critério a observar, deve conformar os demais, a saber: o grau de culpa do agente, a sua situação económica e do lesado e as demais circunstâncias do caso, este último a conceder ao julgador ampla liberdade, em ordem a atingir a justiça no caso concreto, implicando um olhar pelas decisões dos nossos tribunais e a sua ponderação, funcionando como garante da justiça relativa – imposição do princípio da igualdade – que deve presidir à fixação do quantum indemnizatório.
Estamos assim perante um “sistema móvel e aberto”, sendo que, “em qualquer caso, a ponderação sobre a gravidade do dano não patrimonial e, correspondentemente, do valor da sua reparação, deve ocorrer sob o signo do princípio regulativo da proporcionalidade – de harmonia com o qual a danos mais graves deve corresponder uma indemnização mais generosa – e numa perspectiva de uniformidade: a indemnização deve ser fixada tendo em conta os parâmetros jurisprudenciais geralmente adoptados para casos análogos (artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil)”[6].
No caso vertente importa referir que as lesões sofridas pelo autor importam um importante défice funcional, fixado em 67%, dano biológico que se impõe seja ponderado agora na sua vertente de dano não patrimonial. Com efeito, atendendo ao princípio da reparação integral do dano, importa superar “a tradicional categoria de “dano moral”, ampliando o seu espectro, de molde a abranger outras manifestações que a lesão provoca na pessoa, e já não a simples perturbação emocional, a dor ou o sofrimento, procurando erigir-se um novo modelo centralizado no “dano pessoal”, que afecta a estrutura ontológica do ser humano, entendido como entidade psicossomática e sustentada na sua liberdade, correspondendo a duas únicas categorias de danos: o “dano psicossomático” e o “dano ao projecto de vida”, com consequências extrapatrimoniais, sendo esta a concepção que melhor se adequa à natureza e finalidade da indemnização pelos danos extrapatrimoniais/pessoais, pondo o enfoque na vítima, com implicações na (re)valorização compensatória, maximizada pelo princípio da reparação integral.” (do acórdão do STJ de 10/4/2024, processo 404/14.1T8BJA.E1.S1, em www.dgsi.pt).
Com efeito, para lá do tempo de doença sofrido pelo autor e do longo calvário de internamentos, intervenções cirúrgicas, dores sofridas – tendo o quantum doloris sido fixado em grau 6 numa escala de máximo 7 – as sequelas de que ficou portador implicam enormes limitações no uso do corpo, encontrando-se impossibilitado de praticar desporto como antes fazia (a repercussão das sequelas neste domínio da sua vida relacional foi fixado em 4/7), tendo deixado de frequentar a praia por vergonha de exibir o corpo, atendendo às cicatrizes que ostenta, tal como deixou de frequentar discotecas e outros espaços de lazer e convívio, atentas as suas limitações físicas, quando antes era, conforme se apurou, dotado de uma excelente compleição física, apresentando um corpo musculado e enérgico, sendo por todos considerado um homem atraente fisicamente e afável (cfr. ponto 88). De relevar ainda a repercussão de tais lesões na actividade sexual, fixada no grau 3 de uma escala de 7.
Mais se apurou com relevância que continua a sentir dores nos pés e ao nível da anca, e tem falta de equilíbrio, o que o impede de praticar os desportos que até à data do acidente vinha praticando (ponto 99), permanece afastado da convivência social com amigos e amigas, o que o faz sentir marginalizado das atividades lúdicas e sociais em que estava inserido, estando a sua autoestima fortemente afectada (ponto 100), não consegue dormir tranquilamente, acordando inúmeras vezes durante a noite, sofrendo de insónias, sendo constantemente afetado por sensações de que vai perder a vida (ponto 101), tem dificuldades em sair à rua e passear, dobrar-se ou permanecer de pé, não podendo subir e descer escadas, correr ou carregar pesos e fazer movimentos repentinos (ponto 102), encontrando-se também afectado de perdas de memória, falta de concentração e coordenação de ideias (ponto 104), sentindo-se constantemente triste, isolado, deprimido, não dialogante, frustrado, limitado, complexado, diminuído e sem vontade de viver (pontos 105 e 106)
Atendendo ao sofrido quotidiano do autor, que a factualidade apurada, aqui respigada, bem reflecte, não tem fundamento a pretensão da autora quando invoca em abono da pedida redução o confronto com os valores das indemnizações fixadas para compensação do dano morte. Com efeito, e tal como com acerto se refere na decisão recorrida, refutando tal linha de argumentação, “a indemnização pela perda da vida não pode colocar-se, sem mais, num patamar indemnizatório superior, com a simples alegação de que a vida é o suporte de todos os outros bens jurídicos pessoais e por ela serem balizadas todas as indemnizações por danos não patrimoniais. Na verdade, a indemnização pela perda do direito à vida detém características muito particulares – de entre as quais a menor delas não é a de ser fixada sem qualquer escopo de satisfação do lesado, revertendo em última análise para terceiros – que não encontram paralelo na indemnização pela alteração completa de uma vida, pela anulação dos sonhos legítimos, das realizações esperadas ou pela instalação de uma situação de perda de saúde e de sofrimento físico e psíquico por algumas dezenas de anos. Isto é, por uma situação de perda da vida em vida, com todo o sofrimento cognitivo da própria situação agudizado em cada acto de dependência, de agravamento de saúde, de dor física ou de desespero moral. Esta situação prolongada no tempo não subtraiu a vida, não aniquilou as capacidades de grandeza e realização, por certo, mas instalou o sofrimento permanente a exigir uma capacidade de resiliência muito acima da média”.
Acresce que, como resulta da jurisprudência dos tribunais superiores, nomeadamente do STJ, com frequência e em função da situação concreta são arbitradas indemnizações por danos de natureza não patrimonial a lesados que sobrevivem em montantes muito superiores ao valor normalmente atribuído ao dano morte, que oscila actualmente entre os € 85.000,00 e os € 100.000,00 (sirvam de exemplo os acórdãos do STJ de 10/4/2024, processo 551/19.3T8AVR.P1.S1, tendo sido arbitrado pelas instâncias o montante de € 250.000,00, que não foi sequer contestado pela seguradora em sede de revista, e o acórdão de 21/6/2022, no processo 1633/18.4T8GMR.G1.S1, fixando a indemnização por danos não patrimoniais em € 500.000,00 em situação em que o autor, contando 26 anos de idade à data do acidente, ficou portador de um quadro de tetraplegia, sequelas determinantes de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica compreendido entre 88 a 90 pontos (oitenta e oito a noventa pontos).
De outro lado, e fazendo igualmente apelo às indemnizações fixadas em situações com alguma identidade com aquela que resultou para o autor e emerge da factualidade apurada (cfr. o já citado acórdão do STJ de 10/4/2024, processo 551/19.3T8AVR.P1.S, e arestos nele referenciados), não se vê razão para aumentar a quantia fixada, confirmando-se, também no que a este segmento diz respeito, a sentença recorrida.
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Dissente ainda a seguradora do julgado no segmento em que a condenou a pagar o montante de € 20.718,00 decorrente de perdas salariais desde a data do acidente até à data da consolidação das lesões, tendo por base de cálculo o SMN porquanto, argumenta, encontrando-se aquele desempregado à data do acidente, situação que se verificava desde Julho de 2015, tal atribuição resulta num enriquecimento à custa da apelante, recebendo quantias a que nunca acederia não fosse o acidente.
A este respeito resulta da factualidade apurada que o autor se encontrava efectivamente desempregado à data do acidente, tendo trabalhado apenas até Julho de 2015. Alegou ainda -mas não provou- que iria iniciar novamente a sua actividade profissional em empresa de trabalho temporário, nada dizendo quanto ao recebimento – ou não – de subsídio de desemprego e que se tenha visto privado desta prestação por força do acidente.
Considerando tal quadro factual cremos assistir alguma razão à ré quando alega que foi condenada a ressarcir um dano que, em bom rigor, o autor não fez prova de ter sofrido. Mas se consideramos assim que não encontra suporte na matéria de facto apurada a condenação da ré no pagamento de remunerações perdidas desde a data do evento danoso, será razoável considerar, segundo autorizada presunção judiciária, que, a não ter sofrido o acidente, retomaria a sua actividade profissional num prazo de seis meses, intercedendo desde então o necessário nexo causal entre o não recebimento de qualquer rendimento proveniente do trabalho e o acidente dos autos.
Atento o exposto, procedendo parcialmente o recurso da demandada, neste segmento, reduz-se ao montante atribuído o valor de € 3.850,00 (7 x € 550,00, correspondente a seis meses de remuneração, incluindo proporcionais de subsídio de férias e de Natal).
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Da redução da indemnização ao abrigo do disposto no artigo 570.º do CC
Com fundamento na culpa do autor/lesado que, ao não usar o cinto de segurança, contribuiu para o agravamento das suas lesões, insiste a ré seguradora na redução dos montantes indemnizatórios arbitrados em percentagem que entende dever ser fixada em 15%, estribando-se em jurisprudência que identifica.
Dispõe o art.º 570.º do CCiv que “Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída” (cfr. n.º 1 do preceito).
Na sentença impugnada recusou-se reduzir a indemnização arbitrada desde logo porque se deu como assente que o autor, aquando do acidente, e ao invés do alegado, fazia uso do cinto de segurança. Tal facto não sobreviveu à impugnação da matéria de facto sendo certo, porém, que não logrou a ré fazer prova de que não o usava, donde não poder atribuir-se ao autor qualquer conduta que lhe possa ser censurada, sendo inaplicável o citado artigo 570.º.
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Dos juros
Na sentença recorrida foi a demandada seguradora condenada “no pagamento dos juros legais vencidos e vincendos a partir da citação até integral pagamento”.
Opõe-se a apelante, argumentando que “Face à inequívoca actualização dos valores arbitrados à data da Sentença, nomeadamente nos montantes fixados a título de danos decorrentes da perda da capacidade de ganho do Autor e dos danos morais, os mesmos apenas e só podem vencer juros a partir da data da Sentença”, de harmonia com “a jurisprudência fixada pelo Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 4/02 de 27 de junho de 2002.
Contrapôs o autor na sua resposta que nada denuncia que as quantias arbitradas na sentença com recurso à equidade tenham sido objecto de actualização, pelo que se deve manter a condenação no pagamento de juros contados da data da citação.
Resulta do disposto nos artigos 804.º e 806.º do CC que os juros correspondem à indemnização pelo retardamento da prestação pecuniária devida.
Dispõe o art.º 805.º, no seu n.º 1, que o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir. No entanto, logo o n.º 2 consagra diversas excepções ao regime regra, dispondo que há mora do devedor, independentemente de interpelação, “se a obrigação provier de facto ilícito”, caso em que o devedor se constitui em mora no momento da prática do facto ilícito.
A regra do n.º 2 deste art.º 805.º harmoniza-se com o disposto no artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil (nos termos do qual, «sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos».
O n.º 3 do preceito, dispondo para os créditos ilíquidos, dispõe que não há mora enquanto o mesmo não se tornar líquido, excepcionando mais uma vez os casos em que a obrigação tem origem em responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, cas em que o devedor se constitui em mora desde a data da citação, excepto se não existir mora anterior nos termos da 1.ª parte do preceito.
Como se faz notar no acórdão do STJ de 4/7/2023 (processo 342/19.1T8PVZ.P1.S1), aqui seguido de perto, este último segmento normativo suscitou dúvidas interpretativas de monta, designadamente na sua articulação com o citado n.º 2 do art.º 566.º, dando origem ao AUJ n.º 4/2002, de 9 de Maio, publicado no Diário da República, I Série A, n.º 146, de 27 de Junho, que fixou a seguinte interpretação: «Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente) e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação».
A solução do n.º 3 do art.º 805.º visa assegurar que corre por conta do lesante o risco da depreciação monetária, prosseguindo portanto a mesma finalidade que a actualização da indemnização tendo por referência a data da sentença, sendo ainda uma concretização da teoria da diferença (em citação do ac. do STJ de 4/11/2021, processo 590/13.8TVLSB.L1.S1).
A despeito da jurisprudência fixada, e conforme esclarece o mesmo STJ no acórdão de 30/1/2025 (processo n.º 3343/21.6T8PRT.P1.S1), “é admissível não efetuar a atualização da indemnização por danos futuros à data da sentença/acórdão e, então, não se fazendo a atualização, conceder juros, não desde a própria sentença/acórdão, mas desde a citação. Como é evidente, sendo a equidade manejada com perícia, a indemnização a conceder, em termos úteis e práticos, há de ser exatamente a mesma com ou sem atualização à data da sentença (ou dos acórdãos proferidos em recurso), isto é, ao atualizar-se a indemnização à data da sentença/acórdão, o quantum indemnizatório não pode deixar de incorporar os juros (frutos civis) da quantia que, segundo as premissas do raciocínio (que visa encontrar um capital que se vai diluir – e vencer juros – ao longo de todos os anos por que a prestação se irá manter), já teriam sido creditados ao lesado se o quantum indemnizatório estivesse nas suas mãos desde a data inicial das premissas do raciocínio. Sendo a indemnização em dinheiro o exemplo típico da chamada dívida de valor, o tribunal está autorizado – usando de equidade – a reportar o montante indemnizatório (do dano biológico) à data da Petição e, em função disso, a fazer acrescer, ao montante indemnizatório fixado, juros desde a citação, assim como está autorizado a ajustar/atualizar, ao momento da prolação da decisão, a soma final em dinheiro que o há de indemnizar e, em função disso, nesta 2.ª hipótese, deve refletir/incorporar (no montante indemnizatório) os juros (frutos civis) que lhe acabariam por ser creditados, caso a indemnização tivesse sido concedida com juros desde a citação”. Ou seja, os juros serão devidos apenas desde a data da sentença se esta teve em conta no cálculo do montante indemnizatório a inflação verificada entre o evento danoso e a data da decisão (cfr. acórdão do STJ de 11 de Maio de 2022, processo n.º 33714.0T8MCN.P1.S1).
Resulta do exposto a necessidade de interpretar a sentença, porquanto, “(…) decorre desta jurisprudência obrigatória e dos respectivos fundamentos que a fixação dos juros moratórios a partir da data da sentença que procede à actualização da indemnização pressupõe que tal sentença contenha alguma expressão que revele ter procedido a esse cálculo actualizado, designadamente a referência ao critério de cálculo plasmado no artigo 566.º, n.º 2, do CC, e à consideração da desvalorização do valor da moeda, inexistindo fundamento legal para concluir pela presunção natural de que o juiz da primeira instância procedeu à actualização da compensação a que se reporta o mencionado acórdão de uniformização de jurisprudência.(…)” (do acórdão do STJ de 4/11/2021).
De volta ao caso dos autos, sendo inequívoco que as quantias indemnizatórias arbitradas para reparação do dano decorrente da perda da capacidade de ganho e danos de natureza não patrimonial foram fixadas com recurso à equidade, tendo a Sr.ª Juíza feito referência, nesse enquadramento, e a propósito da 1.ª parcela indemnizatória, ao disposto no art.º 566.º, n.ºs 2 e 3, do CCiv, a verdade é que nenhuma referência é feita à actualização desses montantes tendo por referência a data da prolação da sentença que, faz-se notar, ocorreu oito anos depois do evento danoso, nada denunciando que tenha sido considerada a depreciação da moeda entretanto ocorrida. Inversamente, na pronúncia sobre os juros reclamados pelo autor, a Sr.ª juíza consignou expressamente serem os mesmos devidos “contados à taxa legal de 4%, desde a data de citação da R. até integral pagamento”, ao abrigo do disposto no art.º 805º, n.º 3, do Cód. Civil, disposição legal que expressamente convocou, e Portaria n.º 291/2003, 08.04.
Resulta do exposto que nada revela ter ocorrido actualização dos montantes indemnizatórios à data da prolação da sentença, ficando assim a prevalecer a indicação dela constante de que os juros são devidos desde a data da citação, sem que resulte contrariada a Jurisprudência fixada no identificado AUJ.
Improcedente este derradeiro fundamento recursivo, é de manter a sentença apelada, com excepção da quantia indemnizatória destinada a ressarcir o autor do rendimento perdido desde a data do acidente até à data da alta, que vai agora fixado em € 16.868,00.
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III. Decisão
Acordam os juízes da 2.ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora em:
i. julgar totalmente improcedente o recurso apresentado pelo autor;
ii. julgar parcialmente procedente o recurso apresentado pela Ré, reduzindo o montante destinado a reparar as perdas de rendimento sofridas até à data da alta ao valor de € 16.868,00 (dezasseis mil, oitocentos sessenta e oito euros), mantendo quanto ao mais a sentença recorrida.
Custas do recurso apresentado pelo autor serão por ele suportadas (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Custas do recurso apresentado pela Ré será suportado por esta e pelo autor na proporção do decaimento de cada um deles (decaindo o autor em € 3.850,00).
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Sumário: (…)

Évora, 13 de Fevereiro de 2025
Maria Domingas Simões
Eduarda Branquinho
José Francisco Saruga

__________________________________________________
[1] Srs. Juízes Desembargadores Adjuntos:
1.ª Adjunta: Sr.ª Juíza Desembargadora Eduarda Branquinho;
2.º Adjunto; Se. Juiz Desembargador José Francisco Saruga.
[2] Tal interpretação mitigada do preceito ditou ainda o AUJ 12/2023 in DR n.º 220/2023, Série I, de 2023-11-14, que, incidindo sobre a al. c) do n.º 1 do art.º 640.º, veio uniformizar a jurisprudência no sentido de que nos termos desta alínea “o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações”.
[3] Diploma a que pertencerão as demais disposições legais que vierem a ser citadas sem menção da sua origem.
[4] Ac. do TRC de 16/09/2014, proc. 597/11.0TBTNV.C1,acessível em www.dgsi.pt
[5] Pires de Lima e A. Varela, CC anotado, 4.ª ed., comentário ao preceito em epígrafe.
[6] Acórdão do TRC de 5/3/2013 (proferido no processo 201/10.3 TBTBU.C1, acessível em www.dgsi.pt.