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CONCLUSÕES
RECURSO
OBJECTO DO PROCESSO
PARTICIPAÇÃO
ACIDENTE DE VIAÇÃO
DOCUMENTO AUTÊNTICO
Sumário
(art.º 663º, n.º 7, do CPC): I. As conclusões devem ser excluídas do elenco factual a definir na sentença nos termos do art.º 607º, n.º 3, do CPC, mormente as que integrem questões de natureza jurídica que se insiram no objecto do processo. II. Sempre que um segmento da matéria de facto definida na sentença inclua uma afirmação conclusiva ou valoração de factos que se inclua nas questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta ou parte da resposta a tais questões, tal afirmação ou valoração deve ser eliminada ou tida como não escrita. III. A participação de acidente constitui um documento autêntico, uma vez que emana de um órgão de polícia criminal a quem é reconhecida competência para a sua elaboração, por força do disposto no art.º 369º, n.º 1, do Cód. Civil, e faz prova plena dos factos que nele se refere como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo, assim como dos factos que nele são atestados com base nas percepções da entidade documentadora.
Texto Integral
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I.
A … intentou, contra B …, SA, a presente acção, com a forma de processo comum, pedindo a condenação desta a pagar-lhe:
1) A quantia de € 45.383,49, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, desde a citação até integral pagamento, no caso dos danos não patrimoniais, e desde 11-12-2021 até efectivo e integral pagamento, no caso dos danos patrimoniais;
2) Outras quantias que se vier a liquidar em decisão ulterior, relativamente aos danos patrimoniais e não patrimoniais que resultarem do agravamento das suas lesões, nomeadamente todas as despesas que venha a efetuar quanto a honorários médicos, meios de diagnóstico, medicamentos, despesas hospitalares, taxas moderadoras e quaisquer outras que tenham como causa o acidente dos autos.
Alegou, em síntese, que:
- a 11-12-2021, pelas 17H25m, na Rua da …, Santo António, junto ao entroncamento onde está localizada a Rua … - 2 do Caminho da …, ocorreu um acidente de viação, que envolveu o veículo ligeiro de passageiros marca Mitsubishi, modelo Pajero, matrícula …-…-…, de cor azul, propriedade de C …, e conduzido por esta, e o motociclo de marca Triumph, modelo L …, cor preta, com a matrícula …-…-…, sua propriedade (do autor) e por si conduzido;
- a responsabilidade do acidente foi do condutor do veículo ligeiro …-…-…, segurado pela Ré, que saiu da via de trânsito onde circulava (impasse … do Caminho da …), ocupando/atravessando a via de trânsito da direita da Rua da … (sentido ascendente), onde circulava o Autor, com a finalidade de seguir por essa Rua da …, sentido descendente, tendo o seu motociclo sido embatido na sua parte frontal pelo vértice inferior esquerdo do veículo segurado pela Ré;
- em consequência do acidente, foi projetado ao chão e sofreu vários danos e lesões, bem como danos no motociclo, capacete, blusão, calçado, relógio, óculos de sol, telemóvel, perdas salariais, danos biológicos e danos pela privação do uso do veículo.
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A ré, a 26-05-2022, apresentou contestação onde, além de aceitar a celebração do contrato de seguro invocado pelo autor e impugnar factualidade alegada na petição inicial, concluiu pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.
Em síntese, alega que:
- a condutora do veículo de matrícula …-…-…, por si segurado, já tinha concluído a manobra de mudança de direcção à esquerda e já se encontrava dentro da sua faixa de rodagem, tendo o veículo sido embatido na sua parte lateral dianteira esquerda pela dianteira do motociclo com a matrícula …-…-…, conduzido pelo autor;
- o motociclo com a matrícula …-…-… encontrava-se a circular na faixa de rodagem que não se destinava à sua circulação, uma vez que estava a efetuar uma manobra de ultrapassagem;
- a via por onde transitava o motociclo com a matrícula …-…-… estava ocupada parcialmente pelo veículo …-…-…, ligeiro de mercadorias, que estava estacionado sobre o passeio a cerca de 3/4 m do entroncamento e ocupando cerca de 1,50 cm da faixa de rodagem onde o motociclo seguia;
- o motociclo com a matrícula …-…-… circulava a uma velocidade muito elevada, superior ao limite máximo imposto por sinalização existente no local, que é de 50 km/hora;
- os danos peticionados são manifestamente exagerados.
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Após realização da audiência final (que ocorreu a 14-05-2024), a 16-06-2024 foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência:
a) Condenou a ré a pagar ao autor a quantia global de € 35 078,91 (trinta e cinco mil e setenta e oito euros e noventa e um cêntimos), acrescida de juros, à taxa de 4%, desde 11 de Dezembro de 2021, até efetivo e integral pagamento;
b) Absolveu a ré do demais peticionado.
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Inconformada, a 29-08-2024, a ré interpôs recurso que culminou com as seguintes conclusões (transcrição):
A) O presente recurso assenta na discordância quanto à sentença proferida pelo tribunal a quo, a qual julgou parcialmente procedente a acção, quer quanto à decisão sobre a matéria de facto provada e não provada, quer por razões de direito.
B) A Recorrente pretende no que respeita aos factos provados sob os nºs 7, 10, 11, 13, 14, 35, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 67, que os mesmos sejam considerados não provados e que os factos considerados não provados indicados nas alíneas D), G), H), I), sejam julgados como provados.
C) Para tal alteração da decisão sobre a matéria de facto, impõe-se analisar e refletir sobre a prova documental, testemunhal e sua valoração de iure.
D) O não acolhimento da versão do acidente defendida pela Apelante, e apoiada na documentação junta aos autos e das declarações da sua segurada e testemunhal nestes autos deveria ter conduzido à sua absolvição ou, pelo menos, deveria ter conduzido à aplicação da solução legal vertida no nº 2 do artigo 506º do Código Civil, ou seja, considerar igual a medida de contribuição de cada um dos veículos para os danos, bem como, a contribuição da culpa de cada um dos condutores.
E) O Tribunal a quo, deu crédito exclusivo à tese defendida pelo Apelado quanto ao acidente, desprezando as declarações da testemunha e segurada da Apelante, apesar de ter levado à matéria de facto provada o constante do nº 3.
F) E igualmente não levou em conta o documento junto aos autos em sede de p.i. pelo Apelado, sob o nº 1, intitulado “participação de acidente”, elaborado pela autoridade policial e, cujo croqui, demonstra claramente a posição do embate entre ambos os veículos e que não corresponde àquela que o Tribunal veio a entender distinta.
G) O documento “participação de acidente” foi elaborado e assinado por agente de autoridade, junto aos autos pelo Apelado, não sendo impugnado pela Apelante, nem arguida por esta a sua falsidade.
H) Este documento tem valor de documento autêntico, porque exarado por entidade pública (agente da PSP) dentro da sua competência, como dispõem os artºs 363, nº 2 e 369, ambos do Cód. Civil.
I) Sendo esta “participação de acidente” documento autêntico, o mesmo faz prova plena dos factos nele atestados pela autoridade documentadora como dispõe o art.º 371, nº 1 do Cód. Civil, pois não se está a reportar a juízos pessoais ou meras apreciações do agente que elaborou tal documento, ou às declarações dos intervenientes, plasmadas no documento, essas sempre dependentes da livre apreciação do julgador.
J) Ora, tendo tal documento carater autêntico, não era sequer possível efetuar prova sobre a matéria refletida em tal croqui, ou seja, o local do embate e a posição dos veículos, como dispõe o art.º 393, nº 2 do Cód. Civil.
K) Desta “participação de acidente” e do croqui nela inserido, resulta claro que o sinistro ocorreu na faixa esquerda da via, onde o veículo automóvel se encontrava já a circular e onde o motociclo, fora da sua faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha, foi embater, em processo de ultrapassagem.
L) Tal é também confirmado pelos depoimentos das testemunhas C … (Gravação áudio 11:12:00 a 11:40:00) o seguinte e D … (gravação áudio 11:40).
M) O modo como estas testemunhas reportaram a manobra de ultrapassagem efectuada ao veículo pelo Apelado, conjugado pelo croqui é tão mais importante, porquanto a manobra de ultrapassagem é efetuada pelo condutor do motociclo imediatamente antes do entroncamento, de onde saíra o veículo automóvel, em clara violação do disposto no art.º 41º, nº 1, alínea c) do Código da Estrada.
N) A conclusão da ultrapassagem junto ao risco descontínuo é compatível com o embate na parte dianteira esquerda da …-…-NP, junto ao seu farol, o que só poderia suceder porquanto este já se encontrava praticamente a concluir a sua manobra e dentro da sua faixa de rodagem, não em posição perpendicular à via, mas em posição paralela à mesma, pois já se encontrava quase totalmente dentro da sua faixa de rodagem.
O) Evidencia-se o facto dos motociclos terem uma capacidade de aceleração e os seus condutores efectuarem frequentemente manobras que colocam em risco não só a sua própria segurança, mas também a dos outros.
P) O Recorrido e condutor do motociclo não respeitou a existência de um entroncamento, nem as condições da via – fraca visibilidade e subida íngreme – para ultrapassar um veículo automóvel, numa via que se encontrava parcialmente obstruída por um carro aí estacionado.
Q) Assim, o Tribunal recorrido deveria ter respondido à matéria de facto PROVADA nos nºs 10, 11, 14 e NÃO PROVADA alíneas D), G), H), I), de forma distinta, ou seja, julgando aqueles factos como não provados e estes como provados.
R) Igualmente os factos provados sob os nºs 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, deveriam ter sido julgados como não provados.
S) A decisão do Tribunal sobre esta matéria inerente a danos patrimoniais assentou apenas nas declarações de parte, pois nenhuma outra prova decorre dos autos sobre os bens alegadamente danificados e menos ainda sobre o seu valor, pois o Recorrido não apresentou documentos que sustentem o custo de aquisição ou até de substituição e as testemunhas que arrolou e que inquiriu sobre este tema, nada esclareceram sobre tal.
T) As declarações de parte só por si não podem sustentar uma prova, que não seja aferida, complementada por outras provas documentais e/ou testemunhais, pois a mesma apenas tem carácter supletivo e clarificador de outras provas, nomeadamente testemunhais, ou seja, têm uma função eminentemente integrativa e subsidiária, como decorre da doutrina e jurisprudência citada anteriormente.
U) As declarações de parte que não constituam confissão só devem ser valoradas, favoravelmente à parte que as produziu, se obtiverem suficiente confirmação noutros meios de prova produzidos e/ou constantes dos autos como defendeu o Tribunal da Relação do Porto em Acórdão de 17.12.2014.
V) Alterada a matéria de facto, de molde a torná-la devidamente consentânea, com a prova produzida em julgamento, como defende a Apelante, impõe-se a conclusão de que a culpa do acidente é atribuível, exclusivamente, ao Apelado, condutor do motociclo …-… -GS, por violação das normas estradais contidas nos artºs 24, nº 1, 25, nº 1, alínea g), 41, nº 1, alínea c) todos do Código da Estrada.
W) O Apelado conduzia de forma arriscada para um local sem visibilidade e em velocidade excessiva, porque desadequada às condições da via onde circulava e em manobra de ultrapassagem a um outro veículo automóvel e imediatamente antes de um entroncamento.
X) A douta sentença recorrida, ao ter decidido de modo diverso, violou as sobreditas normas estradais branqueando a conduta arriscada para os utentes da estrada, por parte do Recorrido.
Y) Mas se assim não se entender, e caso subsistam dúvidas quanto à dinâmica do acidente, cumpre proceder à divisão de responsabilidades em 50% dos danos e prejuízos provados na Accão, para cada um dos intervenientes, Apelante e Apelada, conforme impõe o nº 2 do artigo 506º do Código Civil.
No termo da peça processual em referência, conclui-se pela revogação da sentença recorrida, com a absolvição da Apelante dos pedidos ou, a não ser assim entendido, com a fixação da culpa para ambos os intervenientes no sinistro, na proporção de 50% para cada, com a devidas consequências.
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O autor, a 19-09-2024, respondeu, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida, apresentando as seguintes conclusões (transcrição):
I. Não merece censura a douta decisão recorrida.
II. Andou bem o Tribunal a quo ao considerar que foi a conduta da condutora do veículo segurado pela Apelante que originou o acidente em causa nos presentes autos.
III. Deve manter-se a matéria de facto tal como resulta da douta sentença recorrida.
IV. Não assiste razão à apelante na impugnação da matéria de facto, porquanto, por um lado, a participação do acidente nunca poderia revestir força probatória plena quanto aos factos nela constantes, uma vez que o participante não presenciou directamente o acidente; por outro lado, a versão trazida pelo Autor no que se refere à dinâmica do acidente e responsabilidade pela produção do mesmo foi corroborada pelas demais testemunhas.
V. E o recurso da decisão da primeira instância em matéria de facto não sirva para suprir ou substituir o juízo que aquele tribunal formulou, apoiado na imediação, sobre a maior ou menor credibilidade ou fiabilidade de declarantes e testemunhas.
VI. Também não assiste razão à Apelante na parte de impugnação da matéria de facto referente aos danos patrimoniais, porquanto tais danos não resultaram provados apenas com base nas declarações de parte do Autor mas, outrossim, na conjugação dessas declarações, com a prova documental e testemunhal melhor referida na douta fundamentação.
VII. Por fim, contrariamente ao alegado pela Apelante, não consideramos que a douta sentença aqui em crise haja violado quaisquer normas estradais.
VIII. Dos factos provados resulta que a condutora do veículo segurado pela Ré, aqui Apelante, saiu de uma via sem respeitar o sinal de cedência de passagem, não agindo com a prudência e cautela que lhe eram exigidas, invadindo a via que se destinava à circulação do motociclo, tendo, assim, ocorrido o embate na faixa que se destinava à circulação do motociclo. Violando, portanto, assim os artigos supra citados, 11º e 29º do Código de Estrada.
IX. Não restando quaisquer dúvidas que foi a sua conduta que originou o acidente em causa nos presentes autos.
X. Ao efetuar a manobra nos termos em que efetuou a condutora do veículo seguro pela Ré violou diversas normas, violação essa que se traduz na prática de um facto ilícito e culposo, que provocou diversos danos ao Autor.
XI. Encontram-se, assim, preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, e foram correctamente apurados os danos concretos causados ao Autor e em que a Apelante foi condenada ao pagamento, uma vez que a responsabilidade se encontra transferida para a mesma em virtude da apólice nº …89.
XII. Pelo que deverá a sentença de primeira instância ser mantida, declarando-se a apelação totalmente improcedente.
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A 06-11-2024, o recurso foi admitido, com subida nos autos e com efeito suspensivo (dado que a ré prestou caução), o que não foi alterado neste Tribunal.
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II.
1.
As conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo da ampliação deste a requerimento do recorrido (arts. 635º, n.º 4, 636º e 639º, n.º 1 e 2 do CPC). Não é, assim, possível conhecer de questões nelas não contidas, salvo se forem do conhecimento oficioso (art.º 608º, n.º 2, parte final,ex vi do art.º 663º, n.º 2, parte final, ambos do CPC).
Também não é possível conhecer de questões novas – isto é, de questões que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida –, uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação.
Tendo isto presente, no caso, atendendo às conclusões transcritas, a intervenção deste Tribunal de recurso é circunscrita às seguintes questões:
1) Saber se ocorre erro de julgamento quanto à factualidade identificada pelo recorrente;
2) Saber se, em caso de resposta positiva à primeira questão, ocorre fundamento para a ausência de responsabilidade pelos danos decorrentes do sinistro por parte da ré e, em caso negativo, para a repartição de tal responsabilidade entre a mesma e o autor.
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2.
A factualidade dada como provada na decisão impugnada é a seguinte:
1. Entre C …, proprietária e condutora do veículo matrícula …-…-…, e a Ré foi celebrado contrato de seguro automóvel de responsabilidade civil obrigatória, tendo sido atribuída a apólice nº …89, contrato que se mantinha em vigor no dia 11 de Dezembro de 2021.
2. No dia 11/12/2021, pelas 17h25m, na Rua da …, Santo António, junto ao entroncamento onde está localizada a Rua Impasse … do Caminho da …, ocorreu um acidente de viação, que envolveu o veículo ligeiro de passageiros marca Mitsubishi, modelo Pajero, matrícula …-…-…, de cor azul, propriedade de C …, e conduzido por esta, e o motociclo de marca Triumph, modelo L …, cor preta, com a matrícula …-…-…, propriedade de A … e conduzido por este.
3. A segurada da Ré participou a esta o acidente, descrevendo a dinâmica do acidente nos termos seguintes: “eu, condutora da viatura A, ao sair de uma rua secundária para descer para a rua principal e estando já na minha faixa de rodagem, fui batida por uma moto (B) na frente esquerda do carro…Tinha também uma carrinha estacionada no passeio (C) e a moto ultrapassou a viatura D em alta velocidade”.
4. No local onde veio a ocorrer o acidente, a estrada é sem separador, com o regime de circulação de dois sentidos, com limites local e geral de 50 Km/h.
5. A estrada estava em boas condições de circulação e detinha uma boa iluminação.
6. Nos momentos que precederam o acidente, o Autor circulava na via da direita da Rua da …, Santo António (artéria de dois sentidos de trânsito), no sentido ascendente, e o veículo ligeiro …-…-… segurado pela Ré circulava na artéria impasse 2 do Caminho da Igreja.
7. O veículo segurado pela Ré saiu da via de trânsito onde circulava (impasse 2 do Caminho da …), sem as devidas cautelas, ocupando/atravessando a via de trânsito da direita da Rua da … (sentido ascendente), onde circulava o Autor, com a finalidade de seguir por essa Rua da …, sentido descendente.
8. A via por onde circulava o veículo …-…-… momentos antes do acidente, tem uma marca rodoviária, designadamente um sinal de cedência de passagem.
9. Na parede em frente à via onde circulava o veículo …-…-… existe um espelho.
10. A parte frontal do veículo conduzido pelo Autor acabou por embater no vértice inferior esquerdo do veículo segurado pela Ré.
11. O embate ocorreu na via de trânsito da direita da Rua da …, no sentido ascendente onde circulava o Autor.
12. Totalmente em cima do passeio do lado direito da Rua da … (sentido este/oeste) junto ao entroncamento formado com o Impasse … do Caminho da … estava um veículo estacionado.
13. A condutora do veículo segurado pela Ré não agiu com a diligência e cautela necessária e de que era capaz.
14. A Ré condutora do veículo segurado pela Ré não teve o cuidado de verificar se existiam veículos a circular na mencionada Rua da …, nem se inibiu de invadir a faixa de rodagem utilizada pelo Autor.
15. Após o acidente, foi chamada ao local a Polícia de Segurança Pública.
16. Como consequência do acidente, o veículo do Autor foi projetado para o solo.
17. O Autor foi transportado pelos Bombeiros Sapadores do Funchal para o Hospital Dr. Nélio Mendonça.
18. O Autor, como consequência do acidente, sofreu as seguintes lesões:
a. - Fratura desalinhada da apófise estilóide do rádio direito.
b. - Escoriações no tornozelo esquerdo.
c. - Escoriação no braço direito com tala.
d. - Escoriações na face interna de ambas as coxas.
19. O Autor sofreu dores no momento do acidente, no seu braço direito e tornozelo esquerdo.
20. O Quantum Doloris é fixável no grau 5/7.
21. O Autor ficou hospitalizado por cinco dias.
22. O Autor foi submetido a uma cirurgia ao pulso direito (fratura do escafoide com parafuso).
23. O Autor padeceu durante, pelo menos, quatro semanas, com dores intensas no tornozelo esquerdo, braço direito, nas pernas e zona pélvica.
24. O Autor é destro.
25. Apresenta rigidez do punho direito no arco útil de movimento e cicatrizes no membro inferior esquerdo.
26. O Autor realizou fisioterapia entre os dias 02 de Fevereiro de 2022 e 18 de Junho de 2022.
27. Ainda sente dores, dificuldade em andar e em dormir.
28. As sequelas provocadas pelo acidente não determinam incapacidade permanente e absoluta para o trabalho, mas implicam esforços suplementares.
29. As lesões sofridas pelo Autor implicaram Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 5 pontos.
30. O Dano Estético Permanente proveniente das lesões é fixável no grau 2/7.
31. A Repercussão Permanente nas Actividades Desportivas e de Lazer é fixável no grau 1/7.
32. O Autor esteve totalmente incapacitado para o trabalho desde o dia 11 de Dezembro de 2021 até 14 de Janeiro de 2022.
33. O Autor continua com limitações para exercer a sua atividade profissional.
34. O autor teve o seu braço direito engessado desde o dia do acidente até o dia 02 de fevereiro de 2022.
35. O Autor ficou impossibilitado de conduzir.
36. O Autor tinha, à data do acidente, 25 anos, gozava de boa saúde, quer psíquica, quer física, e não apresentava qualquer defeito, nem psíquico, nem físico.
37. O Autor, antes do acidente, dedicava grande parte do seu tempo ao ginásio/musculação.
38. Em virtude do acidente, o Autor deixou de poder fazer ginásio e nunca mais poderá fazer musculação.
39. O Autor sente-se triste por não poder praticar musculação.
40. Como consequência do acidente, o Autor também deixou de conseguir fotografar e fazer vídeo, pois não consegue segurar a câmara por muito tempo mantendo o braço/pulso posicionados na mesma posição, o que lhe causa enorme tristeza.
41. O Autor deixou de conseguir carregar as caixas de mercadoria que recebem semanalmente, com facilidade.
42. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 18 de Junho de 2022.
43. O motociclo …-…-… foi adquirido pelo Autor no estado de novo em 13 de Abril de 2021, pelo valor de €8 550,60.
44. Em consequência do acidente, o motociclo sofreu diversos danos no valor de € 16135,00 (dezasseis mil cento e trinta e cinco euros).
45. Em virtude do acidente ocorrido, o capacete que o Autor utilizava danificou-se, partindo-se na parte que protege a nuca.
46. Esse capacete tinha o valor de € 359,00.
47. Em virtude do acidente, o blusão que o Autor estava a usar, da marca K Urban, ficou danificado, com rasgões.
48. Esse blusão tinha o valor de € 100,00.
49. Em virtude do acidente, os ténis que o Autor estava a usar, da marca Vans, ficaram danificados, com rasgões.
50. Os ténis tinham o valor de € 85,00.
51. Em virtude do acidente, o relógio que o Autor estava a usar, da marca apple watch series 5 44m, ficou danificado, com o ecrã rachado.
52. O relógio tinha o valor de € 419,99.
53. Em virtude do acidente, os óculos de sol que o Autor tinha no bolso do seu casaco, da marca rayban, ficaram danificados, com a haste partida.
54. Esses óculos tinham o valor de € 119,00.
55. Em virtude do acidente, o telemóvel do Autor, da marca Apple, modelo Iphone xs max 64gb, ficou danificado, com a parte de trás estilhaçada e rachada.
56. O telemóvel tinha o valor de € 439,95.
57. O Autor é vendedor de loja e trabalha para a sociedade E …, S.A., auferindo mensalmente o vencimento base, na altura do acidente, de € 682,00 acrescido de subsídio de alimentação no valor de € 30,77 e ainda acrescido de comissões.
58. Em Janeiro de 2022, o Autor passou a auferir o vencimento base de € 723,00 acrescido de subsídio de alimentação no valor de € 53,85 e ainda acrescido de comissões.
59. O Autor aufere um salário mensal em média de € 798,24.
60. Em virtude do acidente, atendendo à baixa e trabalho parcial, o Autor auferiu no mês de dezembro de 2021, a quantia de € 404,13 e no mês de janeiro de 2022, a quantia de € 459,42.
61. O Autor auferiu da segurança social, a título de subsídio por doença, o valor de € 250,56.
62. O acidente e prejuízos dele advenientes foram participados à Ré, que declinou a sua responsabilidade.
63. Por força do acidente em causa, o Autor ficou impossibilitado de circular com o seu veículo.
64. O Autor utilizava o motociclo nas suas deslocações diárias, profissionais e de lazer.
65. Não foi disponibilizado ao Autor qualquer veículo pela Ré.
66. O Autor adquiriu outro motociclo em Janeiro de 2024.
67. O valor médio de aluguer de um motociclo de caraterísticas similares ao veículo do Autor ascende a € 90,00 diários.
68. A Ré enviou carta ao Autor, em 20 de Janeiro de 2022, a informar que o valor venal do veículo era de 6.500,00 €, dando conta da entidade de uma empresa que se propunha adquirir o salvado por € 777,00.
69. O Autor possui carta de condução de veículos ligeiros.
70. Após o acidente o Autor sentiu muitas dificuldades em dormir.
71. O Autor teve necessidade de tomar medicação para as dores.
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A factualidade dada como não provada na decisão impugnada é a seguinte:
A. Após o embate, a condutora do veículo segurado pela Ré dirigiu-se imediatamente ao Autor, pediu desculpa e disse-lhe que não o havia visto por o veículo Volkswagen matrícula …-…-… estar estacionado no passeio, em cima do entroncamento, o que lhe cortou a visibilidade.
B. O Autor circulava com o seu veículo na via de trânsito da direita, a uma velocidade adequada, e seguramente entre 40 a 50km/h.
C. O Autor circulava a uma velocidade seguramente superior a 50km/h.
D. Quando ocorreu o embate, o Autor estava a efetuar uma manobra de ultrapassagem, circulando na faixa de rodagem da esquerda.
E. Quando ocorreu o embate, o Autor estava a finalizar uma manobra de ultrapassagem, regressando à faixa da direita.
F. A condutora do veículo segurado pela Ré tomou as devidas precauções e virou à sua esquerda, atento o seu sentido de marcha, entrando no Caminho da Igreja.
G. A condutora do veículo segurado pela Ré já tinha concluído a manobra e já se encontrava dentro da sua faixa de rodagem quando foi embatida pela dianteira do motociclo matrícula …-…-…, conduzido pelo Autor.
H. O veículo segurado pela Ré, no momento do embate, não obstruía a faixa de rodagem por onde transitava o motociclo do Autor, que circulava no Caminho da Igreja, em sentido contrário ao da marcha daquele.
I. O embate ocorreu na faixa de rodagem destinada à circulação do veículo segurado pela Ré (faixa da esquerda).
J. O veículo que se encontrava estacionado no passeio do lado direito da Rua da … (sentido este/oeste) junto ao entroncamento formado com o Impasse 2 do Caminho da Igreja ocupava cerca de 1,50 cm da faixa de rodagem onde o motociclo conduzido pelo Autor transitava.
K. A visibilidade no local é muito reduzida para quem sobe o Caminho da ….
L. A via Caminho da … apresenta uma largura de 5,80, dividida por ambas as faixas, com forte inclinação e visibilidade muito reduzida.
M. O valor venal do motociclo à data do sinistro era de € 6 500,00. N. O Autor não dispunha de outro veículo além do motociclo.
O. O Autor tem de fazer com frequência medicação para as dores e anti-inflamatório.
P. O choque e trauma advenientes deste acidente fizeram com que o Autor tenha muito medo de conduzir, procurando sempre outra alternativa para não passar no local do acidente a conduzir.
Q. O Autor ainda tem pesadelos e ainda sente muita dificuldade em dormir.
R. O Autor tem muitas cefaleias.
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3.
Sobre a modificabilidade da decisão de facto pela Relação, refere-se, no acórdão do TRG de 09-11-2023, processo n.º 2984/22.9T8GMR.G1 (acessível em dgsi.pt), nos termos seguintes:
“Mais se lê, no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, que a «Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».
Logo, quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, a dita modificação da matéria de facto - que a ela conduza - constitui um dever do Tribunal de Recurso, e não uma faculdade do mesmo (o que, de algum modo, também já se retiraria do art.º 607.º, n.º 4, do CPC, aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Estarão, nomeadamente, aqui em causa, situações de aplicação de regras vinculativas extraídas do direito probatório material (regulado, grosso modo, no CC), onde se inserem as regras relativas ao ónus de prova, à admissibilidade dos meios de prova, e à força probatória de cada um deles, sendo que qualquer um destes aspetos não respeita apenas às provas a produzir em juízo.
Quando tais normas sejam ignoradas (deixadas de aplicar), ou violadas (mal aplicadas), pelo Tribunal a quo, deverá o Tribunal da Relação, em sede de recurso, sanar esse vício; e de forma oficiosa. Será, nomeadamente, o caso em que, para prova de determinado facto tenha sido apresentado documento autêntico - com força probatória plena - cuja falsidade não tenha sido suscitada (art.ºs 371.º, n.º 1 e 376.º, n.º 1, ambos do CC), ou quando exista acordo das partes (art.º 574.º, n.º 2, do CPC), ou quando tenha ocorrido confissão relevante cuja força vinculada tenha sido desrespeitada (art.º 358.º, do CC, e art.ºs 484.º, n.º 1 e 463.º, ambos do CPC), ou quando tenha sido considerado provado certo facto com base em meio de prova legalmente insuficiente (vg. presunção judicial ou depoimentos de testemunhas, nos termos dos art.ºs 351.º e 393.º, ambos do CC).
Ao fazê-lo, tanto poderá afirmar novos factos, como desconsiderar outros (que antes tinham sido afirmados).
(…)
Lê-se no n.º 2, als. a) e b), do art.º 662.º, do CPC, que a «Relação deve ainda, mesmo oficiosamente»: «Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade de depoente ou sobre o sentido do seu depoimento» (al. a); «Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova» (al. b)».
«O atual art.º 662.º representa uma clara evolução [face ao art.º 712.º do anterior CPC] no sentido que já antes se anunciava. Através dos n.ºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e fundar a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis.
(…) Afinal, nestes casos, as circunstâncias em que se inscreve a sua atuação são praticamente idênticas às que existiam quando o tribunal de 1ª instância proferiu a decisão impugnada, apenas cedendo nos fatores de imediação e da oralidade.
Fazendo incidir sobre tais meios probatórios os deveres e os poderes legalmente consagrados e que designadamente emanam dos princípios da livre apreciação (art.º 607.º, n.º 5) ou da aquisição processual (art.º 413.º), deve reponderar a questão de facto em discussão e expressar de modo autónomo o seu resultado: confirmar a decisão, decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão num sentido restritivo ou explicativo» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, págs. 225-227).
É precisamente esta forma de proceder da Relação (apreciando as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios, e indo à procura da sua própria convicção), que assegura a efetiva sindicância da matéria de facto julgada, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise (conforme Ac. do STJ, de 24.09.2013, Azevedo Ramos, comentado por Teixeira de Sousa, Cadernos de Direito Privado, n.º 44, págs. 29 e segs.).
(…)
Contudo, reconhecendo o legislador que a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto «nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência», mas, tão-somente, «detetar e corrigir pontuais, concretos e seguramente excecionais erros de julgamento» (preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro), procurou inviabilizar a possibilidade de o recorrente se limitar a uma genérica discordância com o decidido, quiçá com intuitos meramente dilatórios.
Com efeito, e desta feita, «à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como se se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respetivas alegações que servem para delimitar o objeto do recurso», conforme o determina o princípio do dispositivo (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 228, com bold apócrifo).
Lê-se, assim, no art.º 640.º, n.º 1, do CPC, que, quando «seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas».
Precisa-se ainda que, quando «os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados», acresce àquele ónus do recorrente, «sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes» (al. a), do n.º 2, do art.º 640.º citado).
Logo, deve o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada; e esta última exigência (contida na al. c), do n.º 1, do art.º 640.º citado), «vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente», devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor enquanto «decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes», «impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 129, com bold apócrifo).
Dir-se-á mesmo que as exigências legais referidas têm uma dupla função: não só a de delimitar o âmbito do recurso, mas também a de conferir efetividade ao uso do contraditório pela parte contrária (pois só na medida em que se sabe especificamente o que se impugna, e qual a lógica de raciocínio expendido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a contraparte a poder contrariá-lo).
Por outras palavras, se o dever - constitucional (art.º 205.º, n.º 1, da CRP) e processual civil (art.ºs 154.º e 607.º, n.º s 3 e 4, do CPC) - impõe ao juiz que fundamente a sua decisão de facto, por meio de uma análise crítica da prova produzida perante si, compreende-se que se imponha ao recorrente que, ao impugná-la, apresente a sua própria. Logo, deverá apresentar «um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respetiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido» por si (Ac. da RP, de 17.03.2014, Alberto Ruço, Processo n.º 3785/11.5TBVFR.P1).
Com efeito, «livre apreciação da prova» não corresponde a «arbitrária apreciação da prova». Deste modo, o Juiz deverá objetivar e exteriorizar o modo como a sua convicção se formou, impondo-se a «identificação precisa dos meios probatórios concretos em que se alicerçou a convicção do Julgador», e ainda «a menção das razões justificativas da opção pelo Julgador entre os meios de prova de sinal oposto relativos ao mesmo facto» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pág. 655).
«É assim que o juiz [de 1ª Instância] explicará por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos. E é ainda assim por referência a certo depoimento e a propósito do crédito que merece (ou não), o juiz aludirá ao modo como o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões colocadas, às hesitações que não teve (teve), a naturalidade e tranquilidade que teve (ou não)» (Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, pág. 325).
«Destarte, o Tribunal ao expressar a sua convicção, deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que através das regras da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro (provado, não provado, provado apenas…, provado com o esclarecimento de que…), de modo a possibilitar a reapreciação da respetiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2ª Instância» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, Coimbra Editora, 2013, pág. 591, com bold apócrifo).
Dir-se-á mesmo que, este esforço exigido ao Juiz de fundamentação e de análise crítica da prova produzida «exerce a dupla função de facilitar o reexame da causa pelo Tribunal Superior e de reforçar o autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da justiça, inerente ao ato jurisdicional» (José Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, setembro de 2013, pág. 281).
É, pois, irrecusável e imperativo que, «tal como se impõe que o tribunal faça a análise crítica das provas (de todas as que se tenham revelado decisivas)… também o Recorrente ao enunciar os concreto meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa deve seguir semelhante metodologia», não bastando nomeadamente para o efeito «reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, Coimbra Editora, 2013, pág. 595, com bold apócrifo).
Compreende-se que assim seja, isto é, que a «censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não» possa «assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objetivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objetivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.
Doutra forma, seria uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão» (Ac. do TC n.º 198/2004, de 24 de março de 2004, publicado no DR, II Série, de 02.06.2004, reproduzindo Ac. da RC, sem outra identificação).
De todo o exposto resulta que o âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se de acordo com os seguintes parâmetros: só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente; sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento; e nesse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes).
Contudo (e tal como se referiu supra), mantendo-se em vigor os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta -, precisa-se ainda que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1.ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
Por outras palavras, a alteração da matéria de facto só deve ser efetuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1.ª Instância. «Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, Coimbra Editora, pág. 609).
Assim definidos os termos de apreciação do recurso sobre a matéria de facto, tendo o recorrente observado o disposto no art.º 640º, n.º 1, do CPC, importa referir que os tribunais não lidam só com realidades inequívocas ou que não suscitam controvérsia. De ordinário, lidam com a dúvida e com realidades esbatidas e discutidas. E é aqui que intervêm a sensibilidade, a experiência e o bom senso do julgador.
Como referido no acórdão do TRG de 07-12-2023 (processo n.º 573/20.1T8CHV.G1, acessível em dgsi.pt) o “nosso sistema processual é enformado pelo princípio da prova livre, nos termos do qual o tribunal aprecia livremente os meios de prova e é livre na atribuição do grau do valor probatório de cada um deles. Isto não significa o arbítrio, posto que a apreciação da prova está sempre vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório. Por outras palavras – as de Paulo Saragoça da Matta (“A Livre Apreciação da Prova”, Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos fundamentais, Coimbra: Almedina, 2004, p. 254) –, “a liberdade concedida ao julgador (…) não visa criar um poder arbitrário e incontrolável, mas antes um poder que na sua essência, estrutura e exercício se terá de configurar como um dever, justificado e comunicacional.” Para que o exercício de tal poder seja justificado e comunicacional é pressuposto que todo o caminho da prova, desde a sua admissão ou decisão de recolha até à sua valoração, seja suscetível de autocontrolo por parte do julgador e de controlo por parte da comunidade, incluindo os próprios sujeitos prejudicados com a atividade probatória em questão.
É esta necessidade que explica o disposto no art.º 607º, n.º 4, do CPC que, por imposição constitucional (art.º 205º, n.º 1, da CRP), diz que “[n]a fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.
Perante o referido princípio da livre apreciação da prova, o tribunal tem liberdade para, em cada caso, considerar suficiente a prova produzida ou para considerar que a mesma é afinal insuficiente e exigir outro meio de prova de maior valor probatório no sentido de ficar convencido da verdade do facto em discussão”.
*
Os segmentos decisórios que a recorrente impugna em primeiro lugar respeitam aos pontos 7, 10, 11, 13 e 14 da matéria provada e alíneas D), G), H) e I) da matéria não provada, todos atinentes à dinâmica do sinistro, incluindo o local do embate.
Na decisão impugnada, refere-se, a propósito da matéria de facto acima enunciada, o seguinte:
“No que concerne aos factos 6 a 16, cumprem tecer algumas considerações. O Autor prestou as suas declarações de modo preciso e sem hesitações, referindo que o acidente ocorreu na sua faixa de rodagem. Explicou que estava a conduzir o motociclo na via da direita da Rua da …, Santo António, no sentido ascendente e que, sem que nada o fizesse prever, o veículo Mitsubishi invadiu a sua faixa de rodagem, não tendo respeitado o sinal de cedência de passagem, motivo pelo qual foi inevitável a ocorrência do embate. Esclareceu que perante essa invasão repentina não teve tempo para evitar o embate tendo o embate ocorrido na faixa de rodagem destinada à sua circulação. Acrescentou que à direita, totalmente em cima do passeio, encontrava-se um veículo estacionado. Por fim, referiu que foi chamada a Polícia de Segurança Pública ao local, embora não tenha falado com os Agentes no local, uma vez que foi transportado de ambulância para o Hospital. Por seu turno, a testemunha C … (condutora do veículo Mitsubishi, interveniente no acidente de viação) apresentou uma versão diferente daquela que foi apresentada pelo Autor. A testemunha referiu, em síntese, que o acidente só ocorreu devido ao excesso de velocidade do motociclo e que nada pode fazer para evitar o acidente. Explicou que circulava no impasse do Caminho da Igreja e confirmou que existe nessa via um sinal de cedência de passagem (algo também provado pelo documento 3, junto com a petição inicial), bem como existe um espelho na parede em frente a essa via, acrescentando que virou à esquerda, no sentido descendente, para depois entrar na garagem do prédio onde vive. Afirmou que não conseguiu ver o motociclo, tendo o mesmo aparecido repentinamente e em grande velocidade, e que o seu veículo já estava praticamente todo na faixa destinada à sua faixa de rodagem quando o embate ocorreu. Referiu que estava um veículo estacionado parcialmente em cima do passeio e parcialmente na faixa de rodagem, o que lhe retirou visibilidade, mas que olhou para o espelho e que não viu o motociclo, motivo pelo qual estava convicta de que tinha tempo para efetuar a manobra, tendo efetuado a manobra tranquilamente. Acrescentou que o motociclo embateu na parte dianteira esquerda da sua viatura, em cima do farol e que o embate ocorreu exatamente em cima da linha que divide as duas faixas de rodagem. Confrontada com o croqui (documento 1 junto com a petição inicial), a testemunha afirmou que o embate não ocorreu junto ao ponto F) que consta do croqui, mas sim em cima da linha divisória. As restantes testemunhas ouvidas em sede de audiência de discussão e julgamento confirmaram a versão apresentada pelo Autor, não tendo nenhuma delas confirmado a versão apresentada pela Sra. C …, motivo pelo qual foi a versão do Autor aquela que resultou provada. A testemunha F … (Agente da PSP), que não presenciou o acidente, esclarecendo que apenas foi chamado ao local na sequência do acidente, referiu que, atendendo ao que visualizou, localiza o local do embate na faixa de rodagem da direita, destinada à circulação do motociclo. A testemunha foi confrontada com o croqui, por si elaborado, situando o ponto “F)” como local do embate, atendendo aos rastos de travagem existentes na via. Note-se que o croqui não é incompatível com a versão do Autor nem com a versão apresentada pelas restantes testemunhas (como se verá infra), uma vez que o croqui reproduz a posição final dos veículos e não a posição no momento do acidente. No mais, os danos do veículo com a matrícula …-…-… situaram-se na parte dianteira esquerda, junto ao farol dianteiro. Conjugando o local dos danos verificados no veículo e as marcas de derrapagem existentes na via (ponto F) do croqui), conclui-se que a versão apresentada pela condutora do veículo …-…-… (testemunha C …) não poderá corresponder à realidade, uma vez que o local do rasto de travagem e dos danos do veículo não é compatível com a versão de que o veículo já se encontrava quase todo na faixa da esquerda. Basta atentar as regras da lógica e da experiência comum para concluir que a parte dianteira esquerda do veículo onde ocorreu o veículo seria, juntamente com a roda dianteira do lado direito, a primeira parte do veículo a transpor a linha divisória das faixas (uma vez que a condutora se estava a virar à esquerda no sentido descente), motivo pelo qual é seguro afirmar que o veículo não estava na sua “quase totalidade” na faixa da esquerda, resultando, pelo contrário, do croqui e do local onde se verificaram os danos no veículo automóvel que o embate ocorreu na faixa da direita. A testemunha D … apresentou um depoimento com mais dúvidas que certezas. A testemunha referiu que conduzia o seu veículo no mesmo sentido e direção do motociclo que estava a ser conduzido pelo Autor. Acrescentou que o motociclo ultrapassou o seu veículo e retomou a faixa da direita, não conseguindo precisar se já tinha finalizado a manobra de ultrapassagem quando o embate ocorreu. Explicou que o embate ocorreu na lateral esquerda dianteira do carro e que estava um carro estacionado totalmente em cima do passeio. Confrontada com o croqui referiu não conseguir situar com exatidão o ponto de embate, referindo que pode ter sido na faixa de rodagem da direita ou mais ou menos em cima da linha divisória. Também não foi capaz de referir ou estimar a que velocidade circulava o motociclo. Por seu turno, a testemunha G … referiu que não viu o acidente tendo apenas sido chamado à atenção pelo barulho do mesmo. Explicou que se dirigiu ao local e aferiu que o embate ocorreu na parte lateral esquerda frontal do veículo e que os veículos se encontravam na faixa de rodagem que se destinava à circulação do motociclo, centrando-se o resto do seu depoimento nos danos que verificou no motociclo, capacete. A testemunha H … (amigo do Autor) não viu o acidente, tendo o seu depoimento versado sobre os danos do veículo e noutros objetos que estavam na posse do Autor no momento do acidente. Por fim, a testemunha I … referiu que assistiu ao acidente, esclarecendo que conhece muito bem o local, passando naquele local praticamente todos os dias. Explicou ao Tribunal que o motociclo seguia na sua faixa, não tendo qualquer dúvida sobre isso, e que a condutora do Mitsubishi saiu do Impasse do Caminho da Igreja sem respeitar o sinal de cedência de passagem, invadindo a faixa de rodagem do motociclo, tendo o embate ocorrido na faixa da direita, destinada à circulação do motociclo. Esclareceu que o embate ocorreu junto à roda da frente esquerda do Mitsubishi, junto ao farol e que o condutor do motociclo (Autor) caiu no solo. Acrescentou que existia um carro totalmente estacionado em cima do passeio, que retirava visibilidade à condutora do Mitsubishi, que avançou sem a devida cautela e prudência. Frisou, por diversas vezes, que o motociclo circulava na sua faixa da rodagem e que o embate ocorreu na faixa da direita, onde circulava o motociclo, não tendo quaisquer dúvidas sobre isso, referindo, ainda, que não viu o motociclo ultrapassar qualquer veículo. Afirmou, ainda, que não tem dúvidas de que existia um veículo totalmente estacionado em cima do passeio, uma vez que teve de ir para a estrada para prosseguir a sua marcha, porque o passeio estava totalmente ocupado por essa viatura. Por fim, a testemunha referiu que o motociclo circulava a uma velocidade normal, não se tendo apercebido de qualquer velocidade excessiva. Perante todos esses elementos probatórios, forçoso é de concluir que o Autor circulava na sua faixa de rodagem e que o embate ocorreu na faixa de rodagem onde o mesmo circulava (faixa de rodagem da direita). Forçoso é ainda de concluir que esse embate ocorreu devido à condutora do veículo segurado pela Ré não ter respeitado o sinal de cedência de passagem, existente no Impasse da Rua da …, não tendo atuado com a diligência necessária e de que era capaz, tendo invadido a faixa de rodagem em que circulava o Autor, sem verificar se existiam veículos a circular na Rua da …. Por fim, forçoso é ainda de concluir que existia um veículo automóvel totalmente estacionado em cima do passeio. Note-se que ainda que tivesse resultado provado que o acidente ocorreu na via da esquerda (algo que não aconteceu, tendo resultado provado que o acidente ocorreu na vida da direita), isso não retiraria responsabilidade à condutora do veículo segurado na Ré, uma vez que sempre seria dever da mesma averiguar se circulavam veículos no sentido ascendente, não tendo resultado provado qualquer excesso de velocidade por parte do motociclo. Por tudo o exposto, resultaram como provados os factos 6 a 16.”
*
Os pontos da matéria de facto impugnados pela recorrente, no que aos segmentos acima referidos respeita, face ao vertido nas conclusões A) e B) pela mesma apresentadas, têm o seguinte teor:
7 - O veículo segurado pela Ré saiu da via de trânsito onde circulava (impasse 2 do Caminho da Igreja), sem as devidas cautelas, ocupando/atravessando a via de trânsito da direita da Rua da … (sentido ascendente), onde circulava o Autor, com a finalidade de seguir por essa Rua da …, sentido descendente.
10 - A parte frontal do veículo conduzido pelo Autor acabou por embater no vértice inferior esquerdo do veículo segurado pela Ré.
11 - O embate ocorreu na via de trânsito da direita da Rua da …, no sentido ascendente onde circulava o Autor.
13 - A condutora do veículo segurado pela Ré não agiu com a diligência e cautela necessária e de que era capaz.
14 - A condutora do veículo segurado pela Ré não teve o cuidado de verificar se existiam veículos a circular na mencionada Rua da …, nem se inibiu de invadir a faixa de rodagem utilizada pelo Autor.
D - Quando ocorreu o embate, o Autor estava a efetuar uma manobra de ultrapassagem, circulando na faixa de rodagem da esquerda.
G - A condutora do veículo segurado pela Ré já tinha concluído a manobra e já se encontrava dentro da sua faixa de rodagem quando foi embatida pela dianteira do motociclo matrícula …-…-…, conduzido pelo Autor.
H - O veículo segurado pela Ré, no momento do embate, não obstruía a faixa de rodagem por onde transitava o motociclo do Autor, que circulava no Caminho da Igreja, em sentido contrário ao da marcha daquele.
I - O embate ocorreu na faixa de rodagem destinada à circulação do veículo segurado pela Ré (faixa da esquerda).
No que respeita à matéria de facto impugnada e acima identificada, o recorrente invoca que os depoimentos das testemunhas C … (na parte registada a 11:12:00 e 11:40:00) e D … (na parte registada a 11H40), conjugados com o documento n.º 1 junto com a petição inicial, que respeita à participação do sinistro, onde se inclui um croquis, impõem que a matéria dos pontos 7, 10, 11, 13 e 14 seja dada como não provada e que a matéria vertida nas alíneas D), G), H) e I) seja dada como provada, ao invés do assumido na decisão impugnada.
No que respeita ao ponto 7 da matéria de facto provada, das alegações da recorrente, decorre que a sua discordância em relação à mesma radica na referência a que condutora do veículo aí mencionado actuou do modo descrito “sem as devidas cautelas”, sendo que manifesta concordância com a realização, pela mesma condutora, da manobra de mudança de direcção à esquerda aí descrita.
A expressão “sem as devidas cautelas” não respeita a qualquer factualidade, antes se reconduz a uma conclusão, de natureza jurídica.
Como se refere no acórdão do TRP de 27-09-2023, processo n.º 9028/21.6T8VNG.P1 (acessível em dgsi.pt), “as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada. Dito de outro modo, só os factos materiais são susceptíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objecto de prova.” (veja-se, no mesmo acórdão, a referência a jurisprudência do STJ no mesmo sentido).
As conclusões devem ser excluídas do elenco factual a definir na sentença nos termos do art.º 607º, n.º 3, do CPC, mormente as que integrem questões de natureza jurídica que se insiram no objecto do processo. Por isso, sempre que um segmento da matéria de facto definida na sentença inclua uma afirmação conclusiva ou valoração de factos que se inclua nas questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta ou parte da resposta a tais questões, tal afirmação ou valoração deve ser eliminada ou tida como não escrita (cf., no mesmo sentido, o acórdão do TRP referido e o acórdão do STJ de 28-01-2016, processo n.º 1715/12.6TTPRT.P1.S1, acessível em dgsi.pt. Veja-se, ainda, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, CPC Anotado, vol. I, 3ª edição, 2024, Coimbra, Livraria Almedina, p. 28, nota 6, p. 774, notas 22 a 29).
Face ao referido, entende-se que a expressão “sem as devidas cautelas” constante do ponto 7 da matéria de facto provada na sentença recorrida deve ser dele eliminada.
Considerando o acabado de mencionar, mostra-se prejudicada a apreciação da impugnação da matéria de facto no que respeita ao aludido ponto 7 da matéria provada.
Passando à apreciação da impugnação em relação à matéria vertida no ponto 10 da matéria provada, a recorrente invoca, em seu sustento, que os depoimentos das testemunhas C … – condutora do veículo por si seguro – e D … – que conduzia veículo que foi precedido pelo motociclo sinistrado, tendo visto o embate -, conjugados com o teor da participação do sinistro, que constitui o documento n.º 1 junto com a petição inicial, importam que se tenha tal matéria como não demonstrada.
A recorrente nada alega, porém, que suporte tal afirmação, ou seja, não alega em que termos os elementos de prova que invoca excluem a ocorrência da matéria vertida no aludido ponto 10 que, como acima se mencionou, respeita às partes com que os veículos sinistrados embateram entre si.
Por outro lado, quer as testemunhas C … e D … reportaram o embate entre os veículos sinistrados nos termos dados como provados, tendo especificado que a parte embatida pelo veículo por si conduzido ocorreu na lateral esquerda, junto ao farol.
Acresce que a participação de acidente que constitui o documento n.º 1 junto com a petição inicial, mormente o esboço nela constante, é omissa quanto à matéria em referência, incluindo quanto aos danos que os veículos sinistrados apresentavam.
Conclui-se, pelo exposto, que os elementos de prova indicados pela recorrente não permitem afastar o juízo de demonstração da factualidade descrita no ponto 10 da matéria provada e, consequentemente, pela improcedência da impugnação no que a esse segmento respeita.
Passando à apreciação da matéria de facto provada constante do ponto 11, a recorrente invoca, em seu sustento, que os depoimentos das testemunhas C … e D …, conjugados com o teor da participação do sinistro, que constitui o documento n.º 1 junto com a petição inicial, importam que se tenha tal matéria como não demonstrada.
A recorrente alega que o referido documento, por constituir um documento autêntico, faz prova plena, por força do disposto no art.º 371º, n.º 1, do Cód. Civil, designadamente no que concerne ao croquis que incorpora, onde se identifica a posição dos veículos sinistrados e local de embate, o qual não foi objeto de impugnação ou alegação de falsidade.
Começando por esta última alegação, importa reter que o documento mencionado constitui um documento autêntico, uma vez que emana de um órgão de polícia criminal a quem é reconhecida competência para a sua elaboração, por força do disposto no art.º 369º, n.º 1, do Cód. Civil (no mesmo sentido, a título de exemplo, veja-se o acórdão desta Secção de 09-05-2024, processo n.º 1686/20.5T8FNC.L2-2, acessível em dgsi.pt).
De acordo com o art.º 371º, n.º 1, do Cód. Civil, os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo, assim como dos factos que nele são atestados com base nas percepções da entidade documentadora.
Como refere Luís Filipe Pires de Sousa, a propósito da força probatória da participação de acidente de viação, “o documento prova plenamente os factos que foram objecto das acções ou percepções do documentador, de que ele se certificou com os seus sentidos (…) e como pode, não obstante, não corresponder à verdade, pode tal força probatória ser combatida por prova do contrário (falsidade). O documento faz prova plena da verdade dos factos que se passaram na presença do documentador, mas não faz prova plena da sinceridade das declarações que lhe foram prestadas ou da sua validade e eficácia jurídica pois disto não pode aperceber-se o documentador. Partindo da distinção entre documentos autênticos dispositivos e testemunhais, o documento em causa assume a natureza de documento testemunhal na medida em que contém uma informação acerca de um acontecimento que ocorreu pelo que, em princípio, é admissível a prova de que o testemunho é inexacto, ou seja, de que o acontecimento se passou de maneira diferente. Assim, se o agente da autoridade efectua medições de rastos de travagem e os localiza, mede e anota a largura da faixa de rodagem, anota sinais de trânsito e sua localização, anota o local onde ficaram os veículos imobilizados após o acidente, descreve os danos externos visíveis nos veículos, todos estes factos passam a estar abrangidos pela força probatória plena do documento em causa. Tal força probatória será desvirtuada, ilidida mediante a arguição e prova da falsidade ideológica (a largura não é x mas y, o rasto não e de 10 mas de 20, etc.) ou a falsidade material do documento (v.g., o agente fez constar do croquis algo que depois rasurou ou alterou). Já no que tange à versão do acidente comunicada pelos intervenientes ao agente e demais elementos que este não presenciou, limitando-se a recolher declarações, o documento apenas prova plenamente que tais declarações foram feitas ao agente, fica provada a respectiva materialidade, mas não a sua veracidade, sinceridade ou eficácia. Podem as partes demonstrar que a declaração não é verdadeira ou eficaz sem necessidade de arguir a falsidade do documento. Só terão de arguir a falsidade do documento nesse segmento, se pretenderem demonstrar que constam do documento declarações diferentes das efectivamente prestadas.” (Direito Probatório Material Comentado, Almedina, 3ª edição, 2023, p. 157).
Atentando no referido, entende-se que a decisão recorrida em nenhum momento colocou em causa o valor de prova plena do documento mencionado, quanto aos factos praticados pelo documentador e por ele atestados ou presenciados.
Na verdade, a participação de acidente que constitui o documento invocado pela recorrente, no que concerne ao croquis que incorpora, apenas contempla a posição dos veículos sinistrados após o embate, conforme constatado pelo agente documentador, situando-os na hemi-faixa esquerda, atento o sentido ascendente, em que o motociclo conduzido pelo autor circulava.
Ora, a posição dos veículos sinistrados após o embate não tem correspondência necessária com a posição dos veículos no momento do embate, ao invés do que a recorrente parece pretender, tanto mais que, quando ocorreu, ambos os veículos se encontravam em movimento.
Por outro lado, no croquis constante do mesmo documento nada se refere quanto ao local da faixa de rodagem onde o embate mencionado ocorreu, o que se compreende, considerando que o seu autor não o presenciou.
Nessa perspectiva, pode-se afirmar que o aludido documento, no segmento mencionado, não reveste prova plena nem sobre o ponto ou local da faixa de rodagem onde o embate entre os veículos sinistrados ocorreu nem sobre a localização destes no momento de tal embate.
Pelo referido, não se vê como a afirmação de facto vertida no ponto 11 da matéria provada, no sentido de que o embate ocorreu na via de trânsito da direita da Rua da …, no sentido ascendente onde circulava o autor, possa ter contendido com a eficácia probatória plena do documento mencionado, ao invés do defendido pela recorrente.
Por outro lado, a testemunha C …, cujo depoimento foi objecto de audição integral por este Tribunal, ainda que tenha afirmado que o embate entre o veículo por si tripulado e o conduzido pelo autor ocorreu sobre a linha longitudinal que separa os sentidos de trânsito da faixa de rodagem, também afirmou, logo no início da sua prestação, que o veículo que tripulava estava 90% na sua faixa, querendo referir-se à hemi-faixa de rodagem direita, atento o sentido descendente, por onde passou a circular após ter virado à esquerda, o que aponta para que 10% do mesmo veículo ocupava a hemi-faixa de rodagem destinada à circulação em sentido oposto.
A imprecisão do depoimento em análise a que se fez referência não permite afirmar que dele se evidencia, muito menos de modo seguro e inequívoco, que o embate entre os veículos sinistrados ocorreu em local distinto da faixa de rodagem do que aquele que consta do ponto 11 da matéria de facto provada, designadamente, sobre a linha separadora dos sentidos de trânsito ou na hemifaixa de rodagem esquerda, atento o sentido de circulação do motociclo conduzido pelo autor.
Por outro lado, a factualidade vertida no ponto 3 da matéria provada, atinente ao relato do sinistro que a testemunha C … apresentou perante a ré quando lhe participou o sinistro, igualmente convocado pela recorrente, como coadjuvante da força probatória do depoimento acima mencionado, em nada coloca em causa o afirmado sobre esta nos parágrafos anteriores, antes reforça a imprecisão apontada, posto que em tal relato se reporta o local do embate na hemifaixa de rodagem esquerda, atento o sentido de circulação do motociclo sinistrado, o que se distingue do afirmado pela mesma testemunha em audiência final.
No que tange ao depoimento da testemunha D …, que, segundo a mesma, seguia atrás do motociclo conduzido pelo autor, no mesmo sentido, na altura do embate com a viatura conduzida pela testemunha C …, o mesmo evidenciou imprecisão na identificação do local da faixa de rodagem onde o embate entre as viaturas ocorreu, tendo-se limitado a referir que o mesmo ocorreu mais ou menos a meio dela. Tal imprecisão foi assumida na decisão recorrida, como se afere da fundamentação nela constante.
A afirmação do facto de que os motociclos são dotados de uma capacidade de aceleração e os seus condutores efetuarem frequentemente manobras que colocam em risco a sua própria segurança não reveste qualquer pertinência para a apreciação da questão de facto em referência, posto que não tem correspondência com a factualidade apurada e revela preconceito que deve ser repudiado.
Por outro lado, o autor, em sede de declarações de parte, prestadas em audiência (cuja audição integral se efectuou), reportou o local da faixa de rodagem onde o embate entre os veículos ocorreu em sintonia com o vertido no ponto 11 da matéria provada.
O mesmo ocorre com a testemunha I … (cujo depoimento foi integralmente ouvido por este Tribunal), que referiu ter visto o sinistro, encontrando-se, na altura do mesmo, a descer, caminhando no passeio da artéria onde o mesmo ocorreu, tendo tal testemunha evidenciado espontaneidade e desinteresse no desfecho da causa (mencionou que apenas conhece o autor do sinistro), sendo que o embate ocorreu na hemi-faixa direita, atento o sentido ascendente, em local próximo do ponto F identificado no croquis que integra a participação do sinistro e que constitui o documento n.º 1 junto com a petição inicial.
O referido pelo autor e pela testemunha I … coaduna-se com o registo constante do aludido croquis, no que respeita ao aludido ponto F, atinente a marcas de derrapagem de fricção, que a testemunha F …, agente da PSP que o elaborou, confirmou e atribuiu ao motociclo conduzido pelo autor como decorrentes do embate e consequente queda, o que se coaduna com critérios de normalidade.
Os elementos probatórios acabados de mencionar – declarações de parte do autor, depoimentos das testemunhas I … e F …, este conjugado com a participação do sinistro por si elaborada – são idóneos a sustentar o juízo formulado no ponto 11 da matéria de facto provada, tal como assumido na decisão recorrida.
Entende-se, pelo referido, que os elementos probatórios convocados pela recorrente para a impugnação da decisão sobre a matéria de facto constante do ponto 11 não permitem sustentar, muito menos com segurança, que a prova produzida em audiência e a constante dos autos aponta em sentido diverso da mesma.
No que tange à matéria vertida no ponto 13 do acervo provado, também objecto da impugnação que se aprecia, tal como referido a propósito da matéria constante do ponto 7, entende-se que a mesma não respeita a qualquer factualidade, antes se reconduz a matéria conclusiva e de natureza jurídica.
Pelo que acima se referiu, entende-se que a matéria vertida no ponto 13 da matéria de facto provada na sentença recorrida deve ser dele eliminada.
No que respeita à impugnação da matéria constante do ponto 14 do acervo factual provado - a condutora do veículo segurado pela ré não teve o cuidado de verificar se existiam veículos a circular na mencionada Rua da …, nem se inibiu de invadir a faixa de rodagem utilizada pelo autor -, a recorrente alega que os depoimentos das testemunhas C … e D …, conjugados com o teor da participação do sinistro, que constitui o documento n.º 1 junto com a petição inicial, importam que se tenha tal matéria como não demonstrada, sendo que este é um documento autêntico e, por isso, faz prova plena, por força do disposto no art.º 371º, n.º 1, do Cód. Civil, designadamente no que concerne ao croquis que incorpora, onde se reflete a posição dos veículos sinistrados e local de embate, o qual não foi objeto de impugnação ou alegação de falsidade.
Traz-se à colação o acima afirmado a propósito da força probatória do documento acabado de referir.
O documento em referência não contém qualquer menção ou evidência do comportamento da condutora do veículo seguro quando realizou a manobra de mudança de direcção à esquerda que antecedeu o embate, a que respeita a matéria vertida no ponto 14 do acervo factual provado, constante da decisão recorrida.
Não se vê, pois, como tal documento possa ser idóneo a comprometer o juízo de prova formulado na decisão recorrida, no que ao segmento atinente ao ponto 14 respeita.
Por outro lado, a testemunha C …, em audiência final, afirmou que não se apercebeu de que o motociclo conduzido pelo autor se aproximava do local onde se propunha mudar de direcção à esquerda, ainda que tenha olhado para o espelho existente à sua frente (documentado no croquis constante da participação do sinistro e em fotos juntas com a petição inicial), tendo dado conta da aproximação de um carro.
A testemunha também afirmou que apenas deu conta do aludido motociclo com o embate, tendo perguntado ao autor, assim que saiu do carro que conduzia, de onde é que o mesmo tinha saído.
A mesma testemunha referiu igualmente que, na altura em que realizou a aludida manobra de mudança de direcção, tinha música a tocar na aparelhagem sonora do veículo que conduzia e que não deu conta de qualquer barulho de um motociclo.
Por outro lado, a testemunha D … demonstrou não ter conhecimento do comportamento adoptado pela testemunha C … na execução da manobra de mudança de direcção, o que decorre da circunstância de tripularem veículos distintos em artérias diferentes.
Do depoimento da testemunha D … colhe-se que, de repente, viu a viatura conduzida pela testemunha C … a surgir na faixa de rodagem, vinda da direita, e, de imediato ou em simultâneo, o motociclo conduzido pelo autor a embater na mesma.
A testemunha D … reportou, também, que o veículo que conduzia foi ultrapassado pelo motociclo tripulado pelo autor em secção da faixa de rodagem algo afastada do local do embate, tendo esclarecido que, após a ultrapassagem, decorreram alguns segundos, cerca de três a quatro, e que o embate ocorreu “um bocadinho distante” de si, o que aponta para que o motociclo tenha percorrido alguma distância diante do veículo tripulado pela testemunha até ao local do embate. A testemunha não reportou, pois, que a manobra de ultrapassagem realizada pelo autor ocorreu imediatamente antes do local do sinistro.
Por outro lado, como resulta, designadamente, do croquis constante da participação do acidente (documento n.º 1 junto com a petição inicial), do depoimento da testemunha que o elaborou, F …, e do depoimento da testemunha C …, na altura do sinistro, existia um espelho destinado a permitir aos condutores que pretendiam realizar a manobra de mudança de direcção à esquerda, como a efectuada por esta última testemunha, visualizar os veículos que se aproximavam, pelo lado esquerdo, a circular na faixa de rodagem na qual a mesma pretendia passar a circular.
Como acima referido, a testemunha C … assumiu que não deu conta da aproximação do motociclo conduzido pelo autor, vindo da sua esquerda, quando se propôs entrar na faixa de rodagem por onde o mesmo circulava, não obstante ter olhado pelo espelho referido, tendo-se apercebido, apenas, da aproximação de um carro algo distante, explicando o aparecimento do motociclo com a velocidade elevada que o autor imprimia ao mesmo.
A afirmação da testemunha não se mostra conforme com critérios de normalidade, que apontam para que, caso a testemunha, imediatamente antes de invadir a faixa de rodagem por onde o motociclo circulava, prestasse atenção ao trânsito nela desenvolvido, designadamente, olhando para o espelho mencionado, teria se apercebido da aproximação do mesmo e obstado à entrada do veículo que conduzia na faixa de rodagem por onde aquele circulava.
Importa atentar em que a afirmação da testemunha C …, no sentido de que o motociclo circulava a velocidade elevada não tem qualquer substrato probatório, sendo certo que a mesma referiu que apenas deu conta do motociclo com o embate (o que compromete qualquer juízo sobre a velocidade de circulação do veículo) e nenhuma das testemunhas que viu o sinistro, D … e I …, designadamente o motociclo antes do embate, referiu ter-se apercebido de alguma anormalidade, por excesso, da velocidade de circulação do motociclo.
Entende-se, face ao referido, que os elementos de prova indicados pela recorrente para a impugnação da decisão sobre a matéria de facto constante do ponto 14 não permitem sustentar, muito menos com segurança, que a prova produzida em audiência e a constante dos autos aponta em sentido diverso da mesma.
Em bom rigor, os elementos de prova convocados pela recorrente, designadamente, os depoimentos das testemunhas C … e D …, apontam para a ocorrência da matéria dada como provada.
No que se reporta à impugnação da matéria de facto constante da alínea D do acervo não provado - quando ocorreu o embate, o autor estava a efetuar uma manobra de ultrapassagem, circulando na faixa de rodagem da esquerda -, a recorrente convoca os três elementos de prova já acima mencionados, ou seja, a participação do sinistro, designadamente, o croquis nela constante, dotado de força probatória plena conforme referido, e dos depoimentos das testemunhas C … e D ….
Trazendo à colação o que acima se referiu a propósito do aludido documento, importa salientar que o mesmo não evidencia a matéria em apreço, ou seja, a posição dos veículos no momento do embate nem se o autor realizava uma manobra de ultrapassagem quando o mesmo ocorreu.
Por outro lado, como também já se teve oportunidade de referir, a testemunha C … afirmou que não deu conta da aproximação do motociclo, nada tendo reportado, com razão de ciência, sobre a condução desenvolvida com o mesmo antes do embate.
A testemunha D …, como também já se mencionou, reportou que a manobra de ultrapassagem do veículo que conduzia pelo motociclo tripulado pelo autor ocorreu em local algo afastado do local do embate.
Por outro lado, como acima afirmado a propósito da apreciação da impugnação relativa ao ponto 11, os elementos probatórios ponderados na decisão recorrida, designadamente, declarações de parte do autor, depoimentos das testemunhas I … e F …, este conjugado com a participação do sinistro por si elaborada, são idóneos a demonstrar a matéria nele constante, relativa à localização dos veículos na hemi-faixa de rodagem direita, atento o sentido de marcha do motociclo, o que se coaduna com a circunstância de, na altura do embate, o autor já ter concluído a manobra de ultrapassagem.
Não pode, pois, afirmar-se que os elementos de prova invocados pela recorrente evidenciam, muito menos de modo seguro e inequívoco, a matéria de facto constante da alínea D do acervo não provado.
O mesmo ocorre no que respeita à matéria vertida na alínea G da matéria não provada - a condutora do veículo segurado pela ré já tinha concluído a manobra e já se encontrava dentro da sua faixa de rodagem quando foi embatida pela dianteira do motociclo matrícula …-…-…, conduzido pelo autor.
Na verdade, além do referido a propósito da força probatória da participação do acidente, importa atentar em que a testemunha D … reportou que, quando viu a viatura conduzida pela testemunha C …, a entrar na artéria por onde a primeira testemunha circulava, assistiu de imediato ao embate do motociclo conduzido pelo autor com a mesma viatura. O afirmado pela testemunha aponta, claramente, para que a manobra de mudança de direcção à esquerda estivesse a ser executada pela testemunha C … quando o embate ocorreu, posto que, caso esta tivesse sido concluída antes deste se verificar, a mesma testemunha teria, necessariamente, de se aperceber da viatura conduzida pela testemunha C … em momento anterior ao que reportou.
Por outro lado, o depoimento da testemunha C … também aponta para que o embate tenha ocorrido quando a mesma ainda realizava a manobra de mudança de direcção à esquerda.
Na verdade, a testemunha C … afirmou, como acima salientado, que o embate ocorreu sobre a linha longitudinal que separa os sentidos de trânsito da faixa de rodagem e, logo no início da prestação do seu depoimento, que o veículo que tripulava estava 90% na sua faixa, querendo referir-se à hemi-faixa de rodagem direita, atento o sentido descendente, por onde passou a circular após ter virado à esquerda, o que aponta para que 10% do mesmo veículo ocupava a hemi-faixa de rodagem destinada à circulação em sentido oposto.
O afirmado pela testemunha mencionada aponta, pois, para que a mesma ainda não tinha concluído a manobra de mudança de direcção à esquerda quando o embate ocorreu.
Acresce, como também já se mencionou, que as declarações de parte do autor, depoimentos das testemunhas I … e F …, este conjugado com a participação do sinistro por si elaborada, são idóneos a demonstrar a matéria constante do ponto 11 do acervo provado, referente à localização dos veículos na hemi-faixa de rodagem direita, atento o sentido de marcha do motociclo, quando o embate ocorreu, o que aponta para que, nessa altura, a manobra de mudança de direcção à esquerda ainda não estivesse concluída, com ocupação da hemi-faixa direita, atento o sentido do motociclo, pelo veículo conduzido pela testemunha C ….
Entende-se, pelo exposto, que os elementos de prova invocados pela recorrente não evidenciam, muito menos de modo seguro e inequívoco, a matéria de facto constante da alínea G do acervo não provado.
Os fundamentos invocados supra legitimam igual conclusão no que respeita à impugnação da matéria vertida nas alíneas H e I, com o seguinte teor:
H - O veículo segurado pela ré, no momento do embate, não obstruía a faixa de rodagem por onde transitava o motociclo do Autor, que circulava no Caminho da Igreja, em sentido contrário ao da marcha daquele.
I - O embate ocorreu na faixa de rodagem destinada à circulação do veículo segurado pela Ré (faixa da esquerda).
Na verdade, a matéria de facto constante das alíneas referidas que a recorrente impugna respeita à não obstrução da faixa de rodagem por onde o motociclo conduzido pelo autor circulava e ao local do embate, a que já acima se fez menção, sendo certo que, da matéria de facto provada, consta o sentido de circulação dos veículos sinistrados, como se afere dos pontos 6 e 7.
Em segundo lugar, a recorrente impugna a matéria de facto dada como provada nos pontos 35, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55 e 56, e 67 defendendo que a mesma deve ser dada como não provada (cf. conclusões B e R, ainda que nesta última não se refiram os pontos 35 e 67).
No que tange à impugnação da matéria vertida no ponto 35 - o autor ficou impossibilitado de conduzir -, importa reter que, nem em sede de alegações nem em sede de conclusões, se alcança argumentação que coloque em causa o juízo probatório assumido na decisão impugnada.
Por força do disposto no art.º 640º, n.º 1, al. b), do CPC, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo de gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
Decorre do preceito acabado de referir que recai sobre a apelante “o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, ónus esse que actua numa dupla vertente: cabe-lhe rebater, de forma suficiente e explícita, a apreciação crítica da prova feita no tribunal a quo e tentar demonstrar que tal prova deve conduzir a outra versão dos factos. Deve o recorrente aduzir argumentos no sentido de infirmar directamente os termos do raciocínio probatório adoptado pelo tribunal a quo, evidenciando que o mesmo é injustificado e consubstancia um exercício incorrecto da hierarquização dos parâmetros de credibilização dos meios de prova produzidos, ou seja, que é inconsistente” (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3ª edição, 2024, Coimbra, Livraria Almedina, p. 831).
O não cumprimento do ónus referido importa a rejeição do recurso, no que à impugnação da matéria de facto respeita.
Não tendo a recorrente dado cumprimento ao ónus em referência, impõe-se rejeitar a impugnação no que ao segmento de facto constante do ponto 35 respeita.
Alega a recorrente, para sustento da impugnação da matéria dos pontos 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55 e 56, que a decisão recorrida assentou exclusivamente nas declarações de parte, pois nenhuma outra prova decorre dos autos sobre os bens alegadamente danificados ou sobre o seu valor, pois o recorrido não apresentou documentos que sustentem o custo de aquisição ou até de substituição e as testemunhas que arrolou e que inquiriu sobre este tema nada esclareceram sobre tal.
A recorrente alega, ainda, que as declarações de parte, só por si, não podem sustentar uma prova que não seja aferida, complementada, por outras provas documentais e/ou testemunhais.
Na decisão impugnada, refere-se, a propósito da matéria de facto acima enunciada, o seguinte:
“No que concerne aos factos 45 a 56, os mesmos demonstram-se provados da conjugação das declarações de parte com os depoimentos das testemunhas e dos documentos 6 a 11 e 22 a 27, juntos com a petição inicial. O Autor referiu que, em consequência do acidente, sofreu danos no capacete, no blusão, nos ténis que usava, no relógio que utilizava, nos óculos que transportava no bolso e no telemóvel. Foi confrontado com os documentos (fotografias) juntos com a petição inicial, nomeadamente com os documentos 6 a 11 e 22 a 27 tendo confirmado serem esses os danos verificados nos diversos objetos. Os documentos 6 a 11 demonstram, efetivamente, os diversos danos sofridos nos objetos, nomeadamente o capacete fragmentado, os rasgões no blusão e nos ténis, o relógio com o ecrã rachado, a haste partida dos óculos rayban e os diversos danos no telemóvel. Por seu turno, os documentos 22 a 27 demonstram o valor desses objetos danificados. Ainda relativamente a esses factos relevaram os depoimentos das testemunhas G …, que referiu ter se apercebido dos danos no capacete e H …, que referiu que se apercebeu que o capacete, blusão e relógio do Autor tinham sofrido diversos danos, encontrando-se totalmente inutilizáveis. Por tudo o exposto, resultaram provados os factos 45 a 56. (…) Relativamente ao facto 67, o mesmo demonstra-se provado do documento 1, 2, 19 e 32 da petição inicial, que demonstram que o valor de aluguer diário de um motociclo com caraterísticas semelhantes ao do Autor ascende a 90 euros.”
Como se afere da fundamentação constante da decisão recorrida, a mesma, no que respeita à matéria vertida nos pontos 45 a 56, estriba-se nas declarações de parte do autor, conjugadas com os documentos 6 a 11 e 22 a 27, juntos com a petição inicial, e com os depoimentos das testemunhas G … e H ….
Atentando nos elementos de prova referidos na decisão recorrida, constata-se que os mesmos têm correspondência com o aí mencionado.
Na verdade, o autor, em sede de declarações de parte, reportou os estragos decorrentes do sinistro conforme a matéria dada como provada constante dos pontos 46 a 56.
Os documentos 6 a 11 juntos com a petição inicial, retratam um capacete estragado, um blusão de motard rasgado, umas sapatilhas da marca Vans com rasgões, um relógio idêntico a um apple watch com o ecrã partido, um par de óculos de sol da marca Ray Ban com a aste partida, um telemóvel da marca Apple com a parte traseira estilhaçada, em conformidade com a matéria dada como provada.
Os documentos 22 a 27 juntos com a petição inicial evidenciam o custo de objectos idênticos aos acima mencionados, igualmente em conformidade com a matéria dada como provada. Os valores constantes de tais documentos adequam-se a critérios de normalidade.
A testemunha G …, cujo depoimento se ouviu integralmente, confirmou, evidenciando razão de ciência, a existência de danos no capacete do autor, tendo sido confrontada com o documento n.º 6 junto com a petição inicial, que confirmou como respeitante a tal capacete.
A testemunha H …, cujo depoimento também se ouviu integralmente, reportou a existência de danos no capacete, blusão e relógio do autor, tendo sido confrontada com os documentos n.º 6 e ss.. que confirmou como respeitantes a tais objectos.
Do que se acaba de referir resulta que o juízo de evidenciação da matéria de facto constante dos pontos 46 a 56 da decisão recorrida se alicerçou nos elementos de prova acima mencionados, valorados em conjunto, sendo que os mesmos se concatenam entre si no sentido da sua verificação.
Ao invés do alegado pela recorrente, a decisão recorrida não se fundou apenas nas declarações de parte prestadas pelo autor, tendo recorrido aos documentos e depoimentos aludidos para tal, os quais as corroboram. Foi da concatenação dos meios de prova que resultou o juízo de evidência assumido na decisão.
Mostrando-se as declarações de parte do autor corroboradas pelos elementos de prova acima enunciados, não se vislumbra, pelo exposto, motivo para colocar em causa o juízo probatório assumido na decisão impugnada, no que respeita à matéria vertida nos pontos 46 a 56 da matéria provada.
A recorrente impugna, ainda, a matéria constante do ponto 67, com o seguinte teor: O valor médio de aluguer de um motociclo de caraterísticas similares ao veículo do Autor ascende a 90,00 € diários.
No que tange à impugnação da matéria vertida no aludido ponto, cumpre referir que, nem em sede de alegações nem em sede de conclusões, se alcança argumentação que coloque em causa o juízo probatório assumido na decisão impugnada.
Como já acima mencionado a propósito da impugnação do ponto 35 da matéria de facto, por força do disposto no art.º 640º, n.º 1, al. b), do CPC, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo de gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, sendo que o não cumprimento desse ónus importa a rejeição do recurso, no que à impugnação dessa matéria de facto respeita.
Não tendo a recorrente dado cumprimento ao ónus em referência, impõe-se rejeitar a impugnação no que ao segmento de facto constante do ponto 67 respeita.
A impugnação da matéria de facto mostra-se, face ao exposto, integralmente improcedente.
Conclui-se, face ao exposto, pela resposta negativa à primeira questão acima enunciada.
*
4.
Passando à apreciação da segunda questão acima enunciada (saber se ocorre fundamento para a ausência de responsabilidade pelos danos decorrentes do sinistro por parte da ré e, em caso negativo, para a repartição de tal responsabilidade entre a mesma e o autor), importa reter que a mesma foi suscitada pelo recorrente para a hipótese de a impugnação da decisão sobre a matéria de facto merecer provimento.
A improcedência do recurso no segmento atinente à impugnação da decisão da matéria de facto importa, necessariamente, a resposta negativa à questão em referência.
De todo o modo, sempre se dirá, remetendo para a argumentação expendida na sentença recorrida, que resulta da matéria de facto provada a responsabilidade da ré pelos danos decorrentes do sinistro em exclusivo (em consequência do contrato de seguro que celebrou), não existindo fundamento para a repartir com o autor ao abrigo do art.º 506º, n.º 2, do Cód. Civil.
*
5.
Considerando a improcedência da apelação, a ré /recorrente deverá suportar as custas do recurso (art.º 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
*
III.
Em face do exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem o Colectivo desta 2ª Secção em julgar o recurso interposto pela ré improcedente e, em consequência, manter a sentença impugnada, proferida a 10-06-2024.
Custas do recurso pela ré /recorrente.
Notifique.
*
Lisboa, 26-02-2025.
Os Juízes Desembargadores, Fernando Caetano Besteiro João Paulo Raposo Pedro Martins