REIVINDICAÇÃO
CONTRATO-PROMESSA
DIREITO DE RETENÇÃO
INVERSÃO DO TÍTULO DE POSSE
USUCAPIÃO
INDEMNIZAÇÃO
PRIVAÇÃO DE USO
Sumário

I- Na acção de índole ou natureza reivindicativa, se o autor demonstrar o seu direito, o possuidor ou detentor só pode evitar a restituição pedida se conseguir provar uma de três coisas:
1. que a coisa reivindicada lhe pertence por qualquer dos títulos admitidos em direito;
2. que tem sobre ela qualquer outro direito real que justifique a sua posse;
3. que a retém por virtude de direito pessoal bastante;
II – O direito de retenção do beneficiário da promessa, enquanto inovação introduzida pelo DL nº. 236/80, mantida pelo legislador de 1986, com fundamento na defesa do consumidor, presentemente enunciado na alín. f), do nº. 1, do art.º 755º, do Cód. Civil, tem os seguintes pressupostos de aplicabilidade:
a) goza do direito de retenção o beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa objecto do contrato prometido, valendo para qualquer contrato-promessa com traditio rei, seja de coisa móvel ou imóvel;
b) tal direito de retenção existe para garantia do crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos quadros do art.º 442º, do Cód. Civil, ou seja, crédito derivado do incumprimento definitivo (dobro do sinal, aumento do valor da coisa, indemnização convencionada nos termos do nº. 4, do referenciado art.º 442º).
III - tendo este natureza ou função garantística do crédito indemnizatório por incumprimento definitivo do contrato-promessa, imputável ao promitente-vendedor, a sua concessão ao promitente-comprador não tem por desiderato conceder-lhe ou manter-lhe o gozo da coisa objecto da promessa cuja tradição obteve, ou seja, não se destina a tutelar que o promitente-comprador seja mantido na fruição de qualquer direito de gozo do imóvel prometido vender;
IV - na inversão do título da posse, estatuída no art.º 1265º, do Cód. Civil, temos aquisição originária e instantânea, traduzindo-se na aquisição da posse por um mero detentor, que passa a comportar-se como possuidor, usurpando a posse do possuidor em nome do qual “possuía” (detinha, pois, a “mera detenção” mais não é do que “uma posse em nome de outrem”);
V - ocorre através de uma mudança de animus, pois, agindo até tal acto com animus detinendi, passa a agir com animus possidendi, ou seja, de animus de mero detentor passa a agir com animus de verdadeiro possuidor;
VI - para que ocorra uma verdadeira inversão do título da posse, enquanto aquisição instantânea e originária, com natureza usurpatória, urge preencherem-se dois requisitos:
1. deve existir alguém que exerça poderes de facto sobre a coisa, pois só pode inverter quem for já detentor, ou seja, quem já tiver uma autoridade empírica sobre a coisa;
2. que a pessoa que exerce poderes de facto em termos de mera detenção passe a exercer os poderes como se fosse titular dum direito real, substituindo um animus detinendi por um animus possidendi; em alternativa, a pessoa pode já exercer poderes de facto a título de um direito real, passando agora a exercê-los a título de um direito mais denso, o que sucede, exemplificativamente, na situação em que exercia poderes a título de usufrutuário e passou a exercê-los a título de proprietário;
VII - assim, ocorrendo mudança de animus de um direito obrigacional para um direito real, ou a mudança de animus de um direito real menos espesso para um direito real mais espesso ou denso, ocorre a legalmente configurada inversão do título da posse;
VIII - na oposição do detentor ao possuidor, tradutora de inversão por oposição, o detentor arroga-se publicamente, ou arroga-se perante o interessado, da titularidade de um direito real, ou seja, invoca para si uma titularidade através de uma declaração, configurando-se a oposição como uma declaração de que se tem certa qualidade, através de acto notificativo directo;
IX - esta oposição, por meios notificativos directos, feita ao interessado, ou feita em condições tais que o interessado é também o destinatário, traduz-se numa oposição explícita;
X - a oposição também pode ser implícita, a qual é efectuada por actos indirectos, mas concludentes ou inequívocos, em que não ocorre uma declaração de vontade expressa, mas antes uma declaração de vontade tácita, ou seja, o detentor, por actos inequívocos, manifesta que se arroga a qualidade de titular do direito real, ou a qualidade de possuidor contrária à posse da pessoa em nome da qual possuía;
XI - o contrato-promessa de compra e venda de imóvel, mesmo nas situações em que ocorre traditio daquele para a esfera de disponibilidade dos promitentes-compradores, não é susceptível de, por si só, transmitir-lhes a posse da coisa, passando antes estes a serem meros detentores ou possuidores precários da mesma;
XII – todavia, tal pode ocorrer em determinadas situações excepcionais, a considerar e ponderar de forma casuística, em função da análise do conteúdo do negócio, das circunstâncias concomitantes à sua celebração e das vicissitudes que se lhe seguiram, referenciando-se, exemplificativamente,  as situações em que o preço foi totalmente (ou quase) pago, em que tenha sido acordado não realizar a escritura pública do contrato prometido para evitar as despesas associadas, que a coisa tenha sido entregue ao promitente-adquirente com natureza definitiva como se fosse já dele, passando a praticar sobre a mesma actos materiais correspondentes ao direito de propriedade, não em nome do promitente-vendedor, mas antes em nome próprio;
XIII – exige-se, assim, que se extraia da factualidade apurada e, nomeadamente do acto de tradição do objecto do contrato prometido, terem querido as partes antecipar na totalidade os efeitos do contrato definitivo (transferência da propriedade para o comprador e percepção do preço pelo vendedor), cuja celebração não pretendem ou pretenderam na realidade outorgar, de forma a que o (promitente) comprador passou a agir sobre a coisa como se fosse o seu efectivo dono ou proprietário;
XIV – por outro lado, outra situação ou condição excepcional, decorre da existência de uma concreta inversão do título da posse, isto é, que o promitente-comprador (ou os seus sucessores), a partir de determinado momento tenha(m) passado a agir não como mero(s) detentor(es) do imóvel traditado, mas antes como seu(s) efectivo(s) dono(s) ou proprietário(s);
XV - concretizando, que num determinado momento se tenha(m) oposto perante os promitentes-vendedores, de forma explícita ou implícita, comunicando-lhes que, a partir desse momento, passavam a actuar e agir parente o imóvel como se este fosse coisa sua, ou seja, que aos actos tradutores do corpus possessório que até aí praticavam, aliavam, ainda, uma intenção ou animus de agirem como donos e concretos proprietários;
XVI - a propósito da problemática do direito à indemnização pela privação do uso de um bem, podem-se equacionar três diferenciadas correntes, teses ou posições;
XVII – Numa 1ª corrente, a privação do direito de uso e fruição integrado no âmbito do direito de propriedade traduz, por si só, um dano susceptível de indemnização, independentemente da utilização que se faça, ou não, do mesmo bem, no período de privação;
XVIII – para uma 2ª posição, para que seja atribuída uma indemnização, tem que o lesado provar a existência de um dano concreto, real e efectivo, exigindo-se, assim, ao lesado que demonstre e concretize a situação hipotética que existiria se não ocorresse a lesão, ou seja, a ocupação ou privação do uso por parte do lesante;
XIX – por fim, para uma 3ª tese, se é certo não bastar a mera e simples prova da privação da coisa, também não é exigível a prova de um dano efectivo ou concreto, bastando-se que o lesado logre demonstrar que pretendia usar ou usufruir da coisa, ou seja, da mesma retirar utilidades por esta normalmente proporcionáveis, caso não estivesse impedido ou limitado pela ilícita conduta do lesante.
Sumário elaborado pelo Relator – cf., nº. 7 do art.º 663º, do Cód. de Processo Civil

Texto Integral

ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]:

I – RELATÓRIO

1 – C … e D …, menor, representado pelo seu avô C …, ambos residentes na Rua Dr. …, nº. …, …, Sintra, intentou a presente acção declarativa de reivindicação, sob a forma de processo comum, contra:
- A …, com domicílio profissional em Limites …, Quinta …, …, Quinta do …, Estrada Municipal Cascais, nº. …, São Domingos de Rana; e
- B …, LDA., com sede na Vivenda …, Alto dos …, …, Quinta …, Estrada Municipal …, nº. …, São Domingos de Rana,
 deduzindo petitório no sentido destes serem condenados:
1.1 Reconhecer aos AA.. o seu direito de propriedade plena sobre o imóvel, identificado nos artigos 1.º e 2.º desta Petição.
1.2. Obrigar as RR. a restituir aos AA. o imóvel que ilegitimamente ocupam no estado em que o mesmo se encontrava à data em que por mera tolerância dos anteriores proprietários lhe foi concedido o favor de o ocuparem, abstendo-se da prática de qualquer acto que lhe provoque danos ou diminua o valor.
1.3. Entregar o supra referido imóvel, bem como a retirar todas os bens móveis, equipamentos e máquinas que estejam no imóvel.
1.4. A pagar ao A., a título de indemnização a quantia mensal de €1.000,00 (mil euros) por cada mês, desde a citação judicial da presente acção até efectiva restituição do imóvel”.
Para tanto, alegaram, em súmula, o seguinte:
§ são donos, em propriedade plena, na proporção de ¾ para o 1º Autor e ¼ para o 2º Autor, de um prédio urbano sito em Limites …, …, Estrada Municipal …, nº. …, Quinta do …, freguesia de São Domingos de Rana, concelho de Cascais;
§ o qual está inscrito na matriz predial urbana sob o art.º …-… e descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial sob o nº. …/…, com inscrição a favor dos Autores, por doação, pela apresentação …, de 2016/06/02;
§ tal imóvel é afecto à actividade industrial no qual a primeira Ré e o seu marido instalaram a sua actividade profissional (tendo a co-Ré aí instalado a sua sede);
§ o que foi legitimado por contrato-promessa de compra e venda com tradição da coisa que foi ajustado entre aqueles e E … e a esposa;
§ os promitentes vendedores não marcaram a escritura pública de compra e venda no prazo previsto (20 de Maio de 1985 e 20 de Julho de 1985) por os promitentes compradores não terem os meios necessários para pagar o remanescente do preço e os impostos devidos;
§ todavia, as Rés persistem indevidamente na detenção do imóvel, como meros detentores ou possuidores precários, o que impede o seu arrendamento a terceiros.
2 – Devidamente citada, veio a 1ª Ré apresentar Contestação/Reconvenção, alegando, em súmula, o seguinte:
=> em 1992, e na sequência de decisão desfavorável do Tribunal da Relação de Lisboa sobre o pedido de execução específica do contrato-promessa de compra e venda, que haviam formulado, a contestante e B …, Lda. opuseram-se aos anteriores proprietários e promitentes vendedores, tendo invertido o título da posse e passando a ocupar o imóvel como se donos fossem, contra a vontade daqueles;
=> por duas vezes, E … afirmou que o imóvel prometido vender não iria ficar para aqueles;
=> tendo sido anunciada a venda daquele em processo executivo fiscal, pagou a quantia global de € 11.872,87 por conta de dívidas fiscais que oneravam o prédio, a fim de evitar a sua alienação;
=> sendo este valor superior à parcela do preço que estaria em dívida no âmbito do aludido contrato-promessa de compra e venda;
=> ademais, a subsistência do contrato-promessa sempre legitimaria a detenção;
=> reconvencionalmente, reproduzindo o invocado, concluiu estarem reunidos os pressupostos de que depende o reconhecimento da aquisição por usucapião;
=> por outro lado., a Ré sofreu grande ansiedade, depressão e irritabilidade com a situação do imóvel e com a declaração - provinda de E … -, de que iria criar dívidas para que aquele fosse vendido em processo executivo;
=> o que se agravou com a afixação do edital no imóvel, publicitando a venda executiva.
Concluiu, no sentido da improcedência da acção e consequente procedência do pedido reconvencional de reconhecimento da aquisição prescritiva do imóvel e de condenação dos Reconvindos no pagamento de indemnização à primeira Ré, a título de danos não patrimoniais, no valor de € 50.000.
3 – A Ré sociedade também apresentou Contestação, na qual, em súmula, alegou o seguinte:
=> a utilização que faz do imóvel está legitimada por contrato de comodato (como fora reconhecido em precedente decisão judicial);
=> a utilização feita pela primeira Ré é legitimada pelo aludido contrato-promessa de compra e venda que ainda não foi resolvido e cuja subsistência legitima a detenção, ainda que não se verificasse a inversão do título da posse.
Conclui pela improcedência da acção.
4 – Perante a reconvenção deduzida, apresentaram os Autores réplica, na qual referenciaram, resumidamente, o seguinte:
o a facticidade integrante da invocada inversão do título da posse é insuficiente para que se possa reconhecer a aquisição da posse;
o ademais, tal posição jamais fora levada ao conhecimento de E …;
o os danos não patrimoniais alegados são desprovidos de relevância jurídica.
Conclui pela total improcedência da reconvenção.
5 – Em 14/01/2021, fo(i)(ram):
=> Dispensada a realização da audiência prévia;
=> Admitida a réplica deduzida;
=> Admitida parcialmente a reconvenção deduzida (apenas relativamente ao pedido reconvencional de reconhecimento da aquisição do direito de propriedade a favor da Reconvinte Ré, com base na usucapião);
=> Fixado o valor da causa;
=> Proferido saneador stricto sensu;
=> Fixados o objecto do litígio e os temas da prova, nos seguintes termos:
São questões controvertidas que importa apreciar e decidir:
· Se devem os AA. serem reconhecidos como proprietários do prédio em causa nos autos e, em caso, afirmativo se devem as RR. ser condenadas a restituí-lo e abster-se de praticar qualquer acto que impeça ou diminua a sua utilização e se devem ser condenadas no pagamento de uma indemnização até à sua restituição;
· Se deve a R. ser declarada como única e legal proprietária do prédio em causa nos autos.
Constituem temas da prova a apurar:
1. A aquisição pelos AA. do direito de propriedade sobre o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o art.º U-… e descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial sob o n.º …/…
2. A celebração de um contrato promessa e ocupação das RR. do sobredito prédio;
3. A extinção do sobredito contrato promessa e a posição dos AA. sobre a ocupação das RR.
4. A oposição da 1.ª R. à restituição e ocupação do prédio em causa nos autos aos seus anteriores proprietários.
5. Os pagamentos realizados pela 1.ª R. às Finanças”;
=> apreciados os requerimentos probatórios.
6 – Conforme resulta da acta datada de 19/09/2023, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo.
7 – Posteriormente, em 20/09/2023, foi proferida sentença, traduzindo-se o Dispositivo nos seguintes termos:
DECISÃO
Pelo exposto:
· julgo improcedente a excepção peremptória impeditiva aduzida pelas Rés A … e “B …, Lda.”;
· julgo a reconvenção improcedente e, em consequência, absolvo os Reconvindos C … e D … do pedido reconvencional contra eles formulado pela Reconvinte A ….
· julgo a acção procedente por provada e, em consequência:
- condeno as Rés A … e “ B …, Lda..” a restituírem aos Autores C … e D …, o prédio urbano sito em limites do Outeiro …, Quinta do …, Estrada … n.º … composto de armazém para actividade industrial, descrito na ficha n.º …/… da 1.ª Conservatória do Registo Predial de Cascais e inscrito na matriz sob o artigo …, no estado em que se encontrava à data em que foi autorizado o seu uso;
- condeno as Rés A … e “B …, Lda., Lda.” a retirarem todos os bens móveis, equipamentos e máquinas que se encontrem no imóvel referido no precedente parágrafo e a absterem-se da prática de actos que o danifiquem ou que diminuam o seu valor;
- condeno as Rés A … e “B …, Lda..” a pagarem aos Autores C … e D … a quantia € 1.000,00 (mil euros) por cada mês decorrido desde a data da respectiva citação para os termos da causa e até à efectiva entrega do imóvel referido no penúltimo parágrafo;
- Absolvo as Rés A … e “B …, Lda..” do demais peticionado.
Custas pelos Autores e pelas Rés, na proporção de 1/5 para os primeiros e de 4/5 para as segundas”.
8 – Inconformadas com o decidido, as Rés (uma delas Reconvinte) interpuseram recurso de apelação por referência à sentença prolatada, no qual formularam as seguintes CONCLUSÕES:
“1) O reconhecimento da subsistência do contrato promessa, a fls 11, conduz a que devesse ter sido levado em consideração o direito de retenção, uma importante protecção que o legislador da reforma de 1980-86 - conjuntamente com a obrigatoriedade da execução específica e a passagem do sinal em dobro para o valor da coisa ao tempo do incumprimento - concede ao promitente comprador quando ocorra a tradição da coisa objecto da promessa.
2) O direito de retenção, com uma clara inspiração social, visando assegurar o gozo da coisa tem uma dupla influência no caso sub judice.
3) Em primeiro lugar, a sua função legitimadora da posse do imóvel pelos RR., uma espécie de pré-aquisição pelo promitente da coisa prometida.
4) Daí que nenhuma razão conduza a cessar essa posse legítima pois é uma das mais importantes garantias de um contrato promessa vigente.
5) Os AA. não são terceiros como refere a sentença, mas sucessores dos promitentes vendedores, sendo-lhes aplicável o art.º 412º do Código Civil, pelo que devem respeitar - pacta sunt servanda - a posse do retentor.
6) Encontrando-se legitimada a posse, deve ser revogada a pesada indemnização de 1.000 € mensais desde a citação, baseada numa prestação de facere (dever geral de respeito perante o direito de propriedade) geradora responsabilidade extracontratual, cujo ónus de alegação e prova dos respectivos pressupostos incumbem ao lesado, sendo que os AA. nada alegaram e muito menos provaram algo nesse domínio.
7) A correcta solução do caso sub judice está, assim, no plano contratual (direito de retenção) e não no extracontratual (prestação de facere).
8) A traditio não é afectada pela vontade ilícita dos promitentes vendedores da restituição do imóvel, porquanto o direito de retenção torna lícita a ocupação pelo promitente comprador, constitui precisamente o remédio do legislador da reforma de 1980-86 para este tipo de abusos.
9) Tendo em conta que a acção de execução específica foi intentada pelos promitentes compradores em 1989, pelo menos nessa data, já ocorria a vontade ilícita de os AA. reaverem o prédio, pelo que também desde esse momento é exercido o direito de retenção.
10) A referida reforma do contrato promessa conduziu a uma alteração qualitativa da posição do promitente comprador que é tido como possuidor legítimo quando tenha havido traditio.
11) Ora entre 1989 (proposição da acção de execução específica) e 2017, ano em que foi proposta a presente acção, decorreram 28 anos.
12) A posse titulada presume-se de boa fé (art.º 1260º, nº 2 CC), in casu apoia-se no contrato-promessa com traditio, aplicando-se o prazo de 15 anos (art.º 1296º CC), pelo que a aquisição por usucapião ocorreu em 2004. Se a contagem ocorrer a partir de 1992, ano em que B …, Lda. referiu a E … que defenderia o imóvel contra qualquer ameaça, a usucapião ocorreu em 2007. Ou, por último, se a contagem se iniciar em 1999, o último contacto entre as partes, entre E … e a primeira Ré, a usucapião ocorre em 2014.
13) De harmonia com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de Maio de 1996, (ref SJ199605140852041) podem adquirir por usucapião, se a presunção de posse não for ilidida, os que exercem o poder de facto sobre uma coisa. Segundo o n.º 1 do artigo 350º do Código Civil, competia àqueles que se arrogam a posse – in casu os AA. – provarem que o detentor - a primeira Ré - não é possuidor.
14) No entanto, do elenco dos factos provados nada resulta directa ou indirectamente que elida tal presunção. E quando acrescentamos à qualidade de detentor a retenção, é ainda mais evidente que a presunção de posse dos promitentes compradores não só não é elidida como o estatuto de possuidor é reforçado, inequivocamente adquirido.
15) Outro inequívoco sinal da exteriorização do estatuto de possuidor flui da invocação perante um organismo público, pela primeira Ré, em 2010 e 2016, da qualidade de possuidora de boa fé, há mais de 20 anos, sem que a mesma tenha sido contraditada pelos AA.
16) Na eventualidade de não se perfilhar o entendimento de Menezes Cordeiro, Vaz Serra e vasta jurisprudência indicada - o promitente comprador com traditio é possuidor - degradando o gozo da coisa para mera detenção, verifica-se a inversão do título (art.º 1265º CC). Defender o imóvel contra qualquer ameaça, significa que B …, Lda. se arrogou dos poderes de proprietário, defendendo o que é seu. Um claro e inequívoco acto de oposição, não acedeu ao pedido de E … para a restituição do prédio, confrontando aquele com a afirmação que vai defender o prédio contra qualquer ameaça, sendo que uma das maiores é precisamente o ilícito pedido de restituição.
17) De forma censurável os AA. permitiram, em duas ocasiões, que o imóvel identificado nos autos, fosse alvo de execuções fiscais, provocando um enorme sofrimento e ansiedade à primeira Ré. O valor em dívida resultante do contrato-promessa, é 1.250.000$00, o qual convertido em euros representa €6 234,97, pelo que o valor pago às Finanças (11 872,87) com subrogação nos direitos da Fazenda Nacional é bem superior, quase o dobro. O preço em dívida é susceptível de compensação (art.º 847º CC). Não existe, assim, neste plano qualquer desequilíbrio económico.
18) Atenta a improcedência do primeiro pedido dos AA. - o reconhecimento da propriedade plena sobre o imóvel - não se descortina a fundamentação para considerar a acção procedente, sendo que também não é minimamente evidenciado o fundamento para o acolhimento dos segundo e terceiro pedidos dos AA., os quais se encontram umbilicalmente ligados ao primeiro.
19) No que tange à matéria de facto, inexistindo qualquer depoimento, ainda que indirecto, sobre o facto provado nº 15, deve alterar-se neste ponto a decisão de facto, dando o mesmo como não provado.
20) Ao invés, do depoimento da primeira Ré e da testemunha I … é possível apurar com segurança que na ocasião referida no ponto n.º 6, E … afirmou a B …, Lda. que o armazém e logradouro aí mencionados seriam vendidos em hasta pública, pelo que iriam ficar sem eles, tendo em 1989 reiterado tal ameaça à primeira Ré de que podia contrair uma dívida às Finanças sobre aquele imóvel por forma a que fosse vendido em hasta pública”.
Conclui, no sentido da revogação da sentença prolatada.
9 – Os Recorridos Autores/Reconvindos vieram apresentar contra-alegações, nas quais formularam as seguintes CONCLUSÕES:

I. A sentença sob crítica cumpre os requisitos formais essenciais, contendo o respectivo relatório, a necessária fundamentação bem como a parte dispositiva com a exposição da razões que levaram o juiz a quo a formar convencimento acerca da forma como os factos ocorreram e quais as consequências aplicáveis.
II. O Juiz a quo concretizou, a nosso ver, suficientemente os elementos que deveria levar em conta, tanto os pontos controvertidos de facto como os de direito, fundamentando devidamente, os motivos que orientaram a solução preconizada.
III. Entenderam as Recorrentes, expondo-o não só no Requerimento de interposição do recurso como nas alegações, que pretendiam a reapreciação da decisão proferida, quer em relação à matéria de direito quer em relação à matéria de facto.
IV. Como é sabido, na reapreciação da matéria de direito devem ser indicadas as normas jurídicas violadas e o sentido com que, no entender dos recorrentes, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas.
V. Contudo, nas suas alegações - relativas à matéria de direito - as Recorrentes não indicam as normas jurídicas violadas nem quais as que deviam ter sido aplicadas, invocando - à falta de melhor argumento - que o título que legitima a posse do imóvel pelas RR é o direito de retenção.
VI. Defendendo que o direito de retenção funda a posse pelo que, para além do direito de retenção, esta posse permite a formação da usucapião.
CONTUDO,
VII.   Com relevância para os autos, está demonstrado que as Recorrentes instalaram a sua actividade profissional e a sua sede no imóvel dos Recorridos "[...) o que foi legitimado por contrato-promessa de compra e venda com tradição da coisa que foi ajustado entre aqueles e E … e a esposa." [SENTENÇA - RELATÓRIO — 1.º parág.]
VIII. "Não foi outorgada a escritura pública de compra e venda no prazo previsto [20 de Maio de 1985 e 20 de julho de 1985] por os promitentes compradores não terem os meios necessários para pagar o remanescente do preço e os impostos devidos, persistindo (...) na detenção do imóvel, o que impede o seu arrendamento a terceiros" [SENTENÇA — RELATÓRIO — 2.º parág.]
IX. Nada invocando na primeira instância, vêm as Recorrentes alegar nesta sede que "[...] o tribunal a quo não considerou a crucial figura do direito de retenção e a sua função legitimadora da posse do imóvel." e que não existiria base legal para o estabelecimento de uma indemnização a favor dos AA.
X. Mais invocam as Recorrentes que o facto de ter sido demonstrada a traditio do imóvel objecto do contrato promessa que legitimaria a posse, deveria sobrepor-se à vontade dos promitentes vendedores na restituição do imóvel.
XI. Ora, sem mais delongas, entendem os Recorrentes não haver qualquer correção à sentença uma vez que os Recorridos beneficiam de uma presunção derivada do registo a seu favor do imóvel reivindicado e, em face desse reconhecimento, a restituição só poderia ser recusada caso os Recorrentes, enquanto possuidores, demonstrassem ser titulares de algum direito que legitimasse a posse ou a detenção.
XII. Invocam as Recorrentes que a tradição consubstanciada nos factos provados (2 e 3] tornava lícita a ocupação do imóvel, referindo que o juiz a quo ignorou grosseiramente a existência do direito de retenção que legítima a posse do imóvel (...)".
XIII. Tendo em conta que o direito de retenção exige o cumprimento dos pressupostos para o seu exercício, desde logo, a traditio da coisa, mas também uma situação de incumprimento definitivo do contrato pelo promitente alienante, apenas com esses elementos teria o promitente adquirente, por virtude desse incumprimento, um direito de crédito.
XIV. Ou seja, o exercício do direito de retenção pressupõe uma detenção lícita da coisa, sendo que essa licitude apenas poderia decorrer de um crédito que resultasse de um incumprimento definitivo do contrato promessa.
XV. Como é patente, não houve incumprimento aos termos do contrato promessa de compra e venda por parte do promitente vendedor, uma vez demonstrado - Factos Provados 4 - a escritura não se realizou nas datas mencionadas no contrato, por os Recorrentes não terem os meios necessários para pagar o remanescente do preço.
XVI. Desse modo, os promitentes vendedores - Factos Provados 5 - transmitiram aos promitentes compradores que pretendiam que estes lhes restituíssem os armazéns e não havendo incumprimento da obrigação por parte do promitente vendedor, não se constituí qualquer crédito passível de garantir o recurso à exceptio non adimpleti contractus.
XVII. É este desiderato que exige a al. f) do n.º 1 do artigo 755.º CC, que refere a concessão do direito de retenção ao beneficiário de promessa de transmissão em que obteve a tradição da coisa "(...) pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do artigo 442.º CC".
XVIII. Não tendo havido incumprimento, também o contrato não foi resolvido, estando o promitente comprador em mora - apesar de tão longo período - por falta de existência de uma comunicação da interpelação admonitória em cessar, definitivamente, o contrato em causa, facto reconhecido pela douta sentença em que é afirmando que o contrato ainda não foi resolvido judicial ou extrajudicialmente - fls 11 Sentença.
XIX. Nesse sentido, como também afirmado na douta sentença "[...] a subsistência do contrato-promessa de compra e venda, não pode ser erigida como fundamento da legitimação da detenção do imóvel pelas Rés." sendo que "[...) a valoração dos factos provados sob os n.ºs 6 e 8 evidencia que os promitentes compradores jamais pretenderam dispensar a celebração do contrato definitivo de compra e venda."
XX. Em reforço dessa posição, o facto de E … não pretender aceitar as propostas efecutadas pelo promitente comprador "[...] não evidenciam qualquer alheamento face ao destino do imóvel, mas antes denotam a intenção de não cumprir o contrato-promessa de compra e venda."
XXI. E se não havia obrigação a cumprir pelo promitente vendedor - pai e avó dos AA. - nenhuma faculdade tinham e têm as Recorrentes para a retenção do imóvel.
ACRESCE,
XXII. O tribunal a quo condenou as ora Recorrentes no pagamento de um valor pela utilização do imóvel desde a data de citação até efectiva entrega, à razão de €1.000,00 por mês, nos termos previstos para a responsabilidade extracontratual, em virtude dos factos referidos no ponto n.º 2, 3 e 10 - Factos Provados os Recorridos não terem cedido a terceiro o imóvel mediante pagamento da respectiva retribuição, pelo uso do armazém e logradouro;
XXIII. Sendo esse valor devido a título de danos patrimoniais que integram os danos emergentes, nos termos do art.º 564.º Código Civil, constituindo este dano em lucros cessantes - i.e. em vantagens que o lesado deixou de auferir em consequência da não restituição do imóvel, nos termos previstos n.º 2 do art.º 566.º do Código Civil)
XXIV. Tendo o Tribunal a quo considerado que a privação do uso do qual resulta uma perda temporária de poderes de fruição inerentes ao direito de propriedade é um dando indemnizável, sem prejuízo do recurso à equidade, nos termos previstos no art.º 566.º n.º3 CC.
XXV. E havendo dano - pressuposto primário do instituto da Responsabilidade Civil extracontratual - em conjunto com o facto ilícito (a utilização do imóvel sem título bastante) a culpa e o nexo de causalidade, deverá o lesado ser monetariamente compensado pelo período correspondente ao impedimento dos poderes de fruição do imóvel.
XXVI. Insurgiram-se as Recorrentes ao facto de ser considerado demonstrado o Facto Provado 15 - e à falta de alegação e prova dos pressupostos por parte das AA. a quem pendia o ónus da sua invocação em sede de responsabilidade civil extracontratual.
XXVII. Contudo, dos factos dados por provados, foi entendimento do juiz a quo que a ocupação do imóvel em causa pelas Recorrentes é ilegítima, pois que as mesmas nunca possuíram qualquer título que lhes reconhecesse legitimidade para a ocupação.
XXVIII. Tendo o tribunal a quo decidido bem ao considerar que "(...) mesmo que nada se prove a respeito da utilização ou do destino que seria dado ao bem, o lesado deve ser monetariamente compensado pelo período correspondente ao impedimento dos poderes de fruição ou de disposição, eventualmente, com recurso à equidade nos termos do n.º3 do art.º 566.º do Código Civil."
XXIX. A que juntaríamos, caso não fosse entendida a condenação com base no instituto da responsabilidade civil extracontratual - sempre o seria, com base no instituto do enriquecimento sem causa, por intervenção de terceiros em bens alheios e o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição;
XXX. Sendo certo que o enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, podendo essa vantagem consistir no uso ou exercício de direitos alheios há quase 40 anos!
ACRESCE,
XXXI. Invocaram as Recorrentes a aquisição do imóvel por usucapião com base na inversão do título da posse, com a oposição destes perante o titular do imóvel.
XXXII. Alegando que o primitivo promitente comprador terá exercido os poderes de facto sobre o imóvel em consequência da outorga do contrato promessa e, que a partir de 1992 comunicou a sua oposição à restituição, comportando-se como dono.
XXXIII. Desse modo, não há presunção de posse, porque se conhece a forma como se iniciou o poder de facto sobre a coisa e não tendo sido provada a existência de qualquer facto através do qual o promitente vendedor tivesse transmitido a posse, as Recorrentes teriam de fazer prova de terem adquirido originalmente a posse do prédio.
XXXIV. E apenas o podiam fazer através da inversão do título da posse, com a prova de factos que permitissem demonstrar a transformação do seu estado psicológico de meros detentores em verdadeiros possuidores, em oposição ao detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía.
XXXV. Para isso, teriam de demonstrar a intenção de actuar como titular do direito, o que não se julga demonstrado, sendo sintomático o facto de o promitente comprador - depois da data que invocam que se assumiram possuidores [1992] - ter procurado o pai do Recorrido para o "persuadir a vender o imóvel" facto referido pelas Recorrentes no seu articulado.
XXXVI. Em resultado, e em face desse facto - dado por provado - não se comportaram os Recorrentes como titulares do direito sobre o imóvel, mas como partes que pretendiam proceder à sua aquisição.
XXXVII. Não podendo fazer caminho a mera alegação de que houve intenção de inverter o título de posse em 1992 e afirmar que essa intenção foi plasmada na actuação dos detentores precários.
XXXVIII. As Recorrentes invocam que "[...] a circunstância do falecido B …, Lda. não ter entregue o imóvel como E … e mulher G … que lhe exigiram (Facto Provado 5) (...) e dizer-lhe que o defenderia contra qualquer ameaça (...)" [Facto Provado 7] consubstancia, indubitavelmente "um acto de oposição do detentor do direito contra a pessoa em cujo nome possuía."
XXXIX. Contudo, parece inequívoco que a comunicação referida como efectuada nos autos pelas Recorrentes não é suficiente para traduzir uma posse em nome próprio, sabendo que o imóvel pertencia ao pai do Recorrido.
XL. O facto de as Recorrentes invocarem que o promitente comprador sempre referiu fazer a defesa do imóvel contra qualquer ameaça, bem como não procedendo à restituição do imóvel requerida pelo pai do 1A. e ainda o facto de ter efectuado diversas propostas de compra, sempre recusadas, não pode ser entendido como uma demonstração que que pretendia actuar como se tivesse direito sobre o imóvel.
XLI. Essa posição é característica de um detentor precário - já que não agiu com animus possidendi, mas apenas com corpus possessório (relação material) - art.º 1251º do Código Civil.
XLII. Importava que essa "inversão", tivesse sido direccionada contra a pessoa em nome de quem detinha, através de actos públicos deles conhecidos, de forma que, sendo dada a conhecer essa intenção ao titular do imóvel, o titular pudesse reagir à proclamada inversão do título possessório.
XLIII. Não tendo existido essa actuação efectiva contra o titular do direito de propriedade, não se considera ter existido qualquer actuação contra o proprietário que permita afirmar que aquele exteriorizou a vontade de opor uma posse própria à posse em nome de quem eram detentores.
XLIV. Assim, havendo conflito de presunções, uma emergente da posse e outra derivada do registo, prevalece a designada presunção da propriedade, que só cede em confronto com a presunção derivada do registo anterior ao do início da posse, de acordo com o disposto no artigo 1268º, nº1 do Código Civil, em conjugação com o estatuído no artigo 7º, nº1, do Código de Registo Predial.
POR FIM,
XLV. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, indicando os meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e ainda, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
XLVI. As Recorrentes invocam que deveriam ter sido considerados não provados o facto dado por provado — de que os AA. não puderam ceder o imóvel a terceiro, mediante o pagamento da respectiva retribuição, em consequência da ocupação pelos RR. - [Facto Provado 5] uma vez que não foi invocado nem provado.
XLVII. Contudo, não precisavam os Recorridos de invocar ou de fazer prova sobre factos para poder reivindicar a requerida indemnização, considerando que as Recorrentes não dispunham que qualquer título que as habilitasse a ocupar o armazém em causa, a ocupação por estes teria de ser considerada ilícita.
XLVIII. Considerando que as Recorrentes não indicaram os meios probatórios que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, indicando os registos fonográficos com a produção de prova, nem houve indicação da decisão que entendiam dever ser proferida.
XLIX. Por outro lado, as Recorrentes invocam que deveriam ter sido considerados provados factos que foram considerados não provados:
L. Refere a douta sentença que não terá ficado provado que E … afirmou que "(...) o armazém e logradouro aí mencionados seriam vendidos em hasta pública e que iram ficar sem eles."
LI. Invocam as Recorrentes que esse facto terá ficado provado em face da contextualização dos factos, no sentido de que B …, Lda. terá referido a E … que "[...] defenderia o armazém contra qualquer ameaça."
LII. E referem as passagens com o depoimento da R. em declarações de parte da 1R. e da testemunha F …, filho da 1R., em que estes afirmaram que o pai do lA terá afirmado que pretendia que o bem fosse para venda em hasta pública.
LIII. Sem prejuízo de não ter sido feito prova indiscutível sobre este facto - considerando que a única testemunha que o afirmou é filho da Recorrente e com interesse directo na sorte da causa, e na verdade é que não se alcança o interesse da prova deste facto conforme pretendem as recorrentes.
LIV. Isto porque se pretendiam os Recorrentes demonstrar a utilização do imóvel em oposição ao titular do direito de propriedade, seria, a nosso ver irrelevante, a demonstração de que o promitente vendedor tenha referido que era sua pretensão que o imóvel fosse vendido em hasta pública”.
Conclui, no sentido de não provimento do recurso, com consequente manutenção da sentença proferida.
10 – O recurso foi admitido por despacho de 01/02/2024, como apelação, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
11 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir.

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II – ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Prescrevem os nºs. 1 e 2, do art.º 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do art.º 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação das recorrentes Apelantes que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Pelo que, no sopesar das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede determina o conhecimento das seguintes questões:

1. DA EVENTUAL PERTINÊNCIA DA MODIFICABILIDADE DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE A MATÉRIA DE FACTO, nos quadros do art.º 662º, do Cód. de Processo Civil, por referência aos indicados facto provado 15 e factualidade não provada, o que implica a REAPRECIAÇÃO DA PROVA (inclusive da gravada):
a) O facto provado sob o nº. 15 deve passar a figurar como não provadoConclusão 19);
b) O facto não provado (único) deve passar a figurar como provado (com ampliada redacção) – Conclusão 20);
2. Seguidamente, tendo por pressuposto a pretendida alteração da matéria de facto a figurar como provada, aferir acerca da SUBSUNÇÃO JURÍDICA EXPOSTA NA DECISÃO RECORRIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS, o que implica apreciação do ENQUADRAMENTO JURÍDICO DA CAUSA.
No âmbito desta, ponderar-se-á acerca do seguinte:
2.1 – Do DIREITO de RETENÇÃO
- Enquanto legitimador da utilização do imóvel, infundando a indemnização atribuída;
- Enquanto fundante da posse, cujo decurso temporal permite a formação da usucapião;
- Do injustificado recurso à responsabilização extracontratual na fixação da indemnização;
- Da pretensão que o promitente-comprador que tenha beneficiado da traditio, e a quem a lei reconhece o direito de retenção, seja possuidor, podendo, deste modo, adquirir por usucapião – Conclusões 1) a 12);
2.2 – Da INVERSÃO do TÍTULO da POSSE
- Caso se considere que o promitente-comprador, com a traditio da coisa, goza tão-somente de mera detenção, resulta dos factos provados 5. e 7. ter ocorrido inversão do título da posse - Conclusão 16);
2.3 – Do PAGAMENTO do PREÇO em DÍVIDA MEDIANTE COMPENSAÇÃO - Conclusão 17);
2.4 – Da não elisão da PRESUNÇÃO de POSSE, decorrente do exercício do poder de facto sobre uma coisa (o nº. 2, do art.º 1252º, do Cód. Civil) – Conclusões 13) e 14);
2.5 – Da invocação, pela 1ª Ré, em 2010 e 2016, da qualidade de POSSUIDORA de BOA-FÉ, há mais de 20 anos, perante um organismo público, sem contradição por parte dos Autores - Conclusão 15);
2.6 – Da IMPROCEDÊNCIA do PRIMEIRO PEDIDO formulado pelos Autores, e da não indicação do fundamento para o acolhimento dos 2º e 3º pedidos dos Autores, umbilicalmente ligados ao 1º - Conclusão 18).


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III - FUNDAMENTAÇÃO

A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Na sentença recorrida, foi considerado como PROVADO o seguinte:

1. Em escrito datado de 21 de Fevereiro de 1985 e encimado pela expressão “CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA”, E … e G …, aí identificados como “1º outorgante” e B …, Lda., aí identificado como “2.º outorgante” e como sendo casado com a primeira Ré declararam:
«1º
Os primeiros outorgantes são donos e legítimos possuidores dum prédio urbano, destinado a armazém, constituído por um barracão - área coberta de 168m2, logradouro -532m2, sito em … e …, omisso na matriz e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.º … da freguesia de S. Domingos de Rana

Os primeiros outorgantes prometem vender e o 2.º promete comprar o prédio acima referido, livre de quaisquer ónus ou encargos, pelo preço de Esc. 1.750.000$00 (…)

A título de sinal e princípio de pagamento o 2º outorgante entrega neste acto a quantia de Esc. 500.000$00.
4.º
O restante do preço será pago no acto da celebração da escritura de compra e venda respectiva.
5.º
Compete aos primeiros outorgantes a marcação da escritura de compra e venda, que deverá ser outorgada no prazo de 3 meses a partir de hoje. Se por qualquer motivo não puder ser outorgada a referida escritura dentro do prazo de 3 meses, este poderá ser prorrogado por mais 60 dias. (…)».
2. As chaves do armazém e logradouro referidos no ponto n.º 1 foram entregues a B …, Lda. e à primeira Ré, tendo a segunda Ré aí fixado a sua sede.
3. Com a autorização de E … e de G …, as Rés passaram a utilizar o armazém e logradouro referidos no ponto n.º 1 como armazém de máquinas e materiais, tendo lá residido trabalhadores.
4. A escritura pública referida no escrito parcialmente reproduzido no ponto n.º 1 não foi realizada nas datas aí mencionadas.
5. E … e G … transmitiram a B …, Lda. e à primeira Ré que pretendiam que estes lhe restituíssem os armazém e logradouro referidos no ponto n.º 1.
6. Em 1992, B …, Lda. ofereceu a E … Esc. 5.000.000$00 para concretizar o negócio referido no escrito parcialmente reproduzido no ponto n.º 1, mas este negou-se a fazê-lo.
7. B …, Lda. disse a E … que defenderia o armazém e logradouro referidos no ponto n.º 1 contra qualquer ameaça.
8. No Verão de 1999, a primeira Ré dirigiu-se a E … para tentar resolver a situação, tendo-lhe oferecido a importância de Esc. 10.000.000$00 para que a escritura pública mencionada no escrito parcialmente referida no ponto n.º 1 fosse realizada.
9. Na sequência do facto referido no ponto n.º 8 E … referiu que os espaços referidos no ponto n.º 1 não seriam para si nem para a primeira Ré.
10. B …, Lda. e a primeira Ré continuaram a ocupar o armazém e logradouro referidos no ponto n.º 1.
11. No ano de 2010, a primeira Ré pagou a quantia total de € 5.431,34 por conta de dívidas fiscais respeitantes ao armazém e logradouro referidos no ponto n.º 1.
12. No ano de 2016, a primeira Ré pagou a quantia total de € 6.441,53 por conta de dívidas fiscais respeitantes ao armazém e logradouro referidos no ponto n.º 1.
13. Pela ap. n.º … de 14 de Junho de 2006 da ficha n.º …/… da 1.ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, o prédio urbano sito em limites do … de …, Quinta do …, Estrada Municipal n.º …, inscrito na matriz sob o artigo … e composto de armazém para actividade industrial esteve inscrito a favor do primeiro Autor e de E … por dissolução da comunhão conjugal e sucessão hereditária de G ….
14. Pela ap. n.º … de 2 de Junho de 2016 da ficha referida no ponto n.º 13, o prédio aí mencionado está inscrito a favor dos Autores por sucessão hereditária e cessão de meação e quinhão hereditário de E ….
15. Em virtude dos factos referidos nos pontos n.ºs 2, 3 e 10, os Autores não cederam a terceiro, mediante o pagamento da respectiva retribuição, o uso do armazém e logradouro mencionados no escrito parcialmente reproduzido no ponto n.º 1.

Na mesma sentença, foi considerado como NÃO PROVADO o seguinte:

· Na ocasião referida no ponto n.º 6, E … afirmou que o armazém e logradouro aí mencionados seriam vendidos em hasta pública e que iriam ficar sem eles.

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Ao abrigo do disposto nos nºs. 3 e 4, do art.º 607º, ex vi do art.º 663º, nº. 2, ambos do Cód. de Processo Civil, tendo por base os documentos nºs. 6 e 7, juntos com a petição inicial, não impugnados, considera-se, igualmente, PROVADO o seguinte:
16. B.., Lda e esposa A …, instauraram contra E … e esposa G …, acção declarativa constitutiva de execução específica, sob a forma de processo sumário, que veio a tramitar sob o nº. …, da 2ª Secção, do … Juízo do Tribunal da Comarca de Cascais;
17. Nesse processo, em 17/12/1991, veio a ser proferido Acórdão, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, julgando parcialmente procedente a apelação, absolveu os Réus do pedido, confirmando o decidido quanto à reconvenção que havia sido deduzida e julgada improcedente, com consequente absolvição dos Autores/Apelados do pedido reconvencional;
18. Consta de tal Acórdão que na contestação apresentada os Réus deduziram pedido reconvencional de “resolução do contrato, com perda do sinal, nos termos do art.º 442º, nº. 2, do Cód. Civil”;
19. Consta da fundamentação de tal aresto – que aqui se dá por integralmente reproduzido – que “neste contexto, que é o nosso, não se verifica, portanto, incumprimento por parte dos Réus; antes, o que dele resulta é que são os Autores que incorreram em mora ao anunciarem antecipadamente aos promitentes vendedores que não cumpririam”;
20. acrescentando-se que “neste quadro factual continua a desenhar-se uma situação de mora, por parte dos Autores, independentemente da interpelação, dado virem comunicando aos Réus não poderem cumprir por falta de meios, o que tornava aquele acto absoleto e inútil.
Verifica-se, portanto, que são os Autores e não os Réus que incorreram em mora.
Mas se assim é, então é impossível recorrer-se à execução específica, permitida pelo art.º 830º do Código Civil, como pretendem os Autores, visto ser indispensável, para tanto, que os Réus estejam em situação de mora (…) e como acabamos de demonstrar eles não ficaram em tal situação. Donde o completo malogro da pretensão dos Autores”;
21. fazendo-se, ainda, constar que “por outro lado, a mora em que incorreram os Autores não é suficiente para possibilitar a sanção de perda do sinal, como pretendem os Réus em reconvenção.
(….)
Para isso seria, porém, necessário que os Réus tivessem alegado e provado que a mora em que incorreram os Autores se transformou, mercê da verificação neste caso, das vias de conversão previstas no art.º 808º do Código Civil, em incumprimento definitivo da obrigação.
Ora, tal não aconteceu e, daí, que não possam resolver o contrato, nem haver para eles o sinal prestado pelos Autores”.

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B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

I) Da REAPRECIAÇÃO da PROVA GRAVADA decorrente da impugnação da matéria de facto

Prevendo acerca da modificabilidade da decisão de facto, consagra o artigo 662º do Cód. de Processo Civil os poderes vinculados da Relação, estatuindo que:
“1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados”.

Para que tal conhecimento se consuma, deve previamente o recorrente/apelante, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o ónus a seu cargo, plasmado no artigo 640º do mesmo diploma, o qual dispõe que:
“1 -Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.
No caso sub judice, a prova produzida em audiência foi gravada. E, tendo as Recorrentes/Apelantes Rés dado, pelo menos em parte, global cumprimento ao preceituado no suprarreferido artigo 640º, nº. 2, alín. a), do Cód. de Processo Civil (em termos minimamente exigíveis), nada obsta a que o presente Tribunal proceda à reapreciação da matéria factual fixada, procedendo-se, assim, à devida audição da prova produzida e devida análise das transcrições efectuadas.

Não se desconhece que “para negar a admissibilidade da modificação da decisão da matéria de facto, designadamente quando esta seja sustentada em meios de prova gravados, não pode servir de justificação o mero facto de existirem elementos não verbalizados (gestos, hesitações, posturas no depoimento, etc.) insusceptíveis de serem recolhidos pela gravação áudio ou vídeo. Também não encontra justificação a invocação, como factor impeditivo da reapreciação da prova oralmente produzida e da eventual modificação da decisão da matéria de facto, da necessidade de respeitar o princípio da livre apreciação pelo qual o tribunal de 1ª instância se guiou ou sequer as dificuldades de reapreciação de provas gravadas em face da falta de imediação”.
Pelo que, poderá e deverá a Relação “modificar a decisão da matéria de facto se e quando puder extrair dos meios de prova, com ponderação de todas as circunstâncias e sem ocultar também a livre apreciação da prova, um resultado diferente que seja racionalmente sustentado” [2].
Reconhece-se que o registo dos depoimentos, seja áudio ou vídeo, “nem sempre consegue traduzir tudo quanto pôde ser observado no tribunal a quo. Como a experiência o demonstra frequentemente, tanto ou mais importante que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, sendo que a mera gravação dos depoimentos não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que porventura influenciaram o juiz da 1ª instância.
Na verdade, existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador”.
Efectivamente, e esta é uma fragilidade que urge assumir e reconhecer, “o sistema não garante de forma tão perfeita quanto a que é possível na 1ª instância a percepção do entusiasmo, das hesitações, do nervosismo, das reticências, das insinuações, da excessiva segurança ou da aparente imprecisão, em suma, de todos os factores coligidos pela psicologia judiciária e de onde é legítimo aos tribunais retirar argumentos que permitam, com razoável segurança, credibilizar determinada informação ou deixar de lhe atribuir qualquer relevo”.
Todavia, tais dificuldades não devem justificar, por si só, a recusa da actividade judicativa conducente à reapreciação dos meios de prova, ainda que tais circunstâncias ou fragilidades devam ser necessariamente “ponderadas na ocasião em que a Relação procede à reapreciação dos meios de prova, evitando a introdução de alterações quando, fazendo actuar o princípio da livre apreciação das provas, não seja possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de erro de apreciação relativamente aos concretos pontos de facto impugnados[3] (sublinhado nosso).
Vejamos.

- Do facto provado sob o nº. 15 =» da pretensão que passe a figurar como não provado
 
A presente matéria factual possui a seguinte redacção:
Em virtude dos factos referidos nos pontos n.ºs 2, 3 e 10, os Autores não cederam a terceiro, mediante o pagamento da respectiva retribuição, o uso do armazém e logradouro mencionados no escrito parcialmente reproduzido no ponto n.º 1”.
Referenciam as Impugnantes que o presente facto provado deve passar a figurar como não provado “pela ausência de qualquer depoimento directo ou indirecto sobre a matéria”.
Acrescentam que os Autores não foram questionados sobre tal facto, de forma directa ou indirecta, o mesmo sucedendo com a testemunha H … por si arrolada, sendo que os demais depoimentos também não versaram sobre tal matéria.
Assim, concluem, não resulta da fase de produção probatória a produção de “qualquer depoimento directo ou indirecto sobre essa intenção de cederem o imóvel a terceiro mediante o pagamento de determinada retribuição, pelo que o facto nº. 15 deve considerar-se como não provado”.

Na resposta apresentada, referenciam os Apelados que não precisavam de invocar ou fazer prova sobre factos para poderem reivindicar a requerida indemnização, pois, considerando que as Apelantes “não dispunham de qualquer título que as habilitasse a ocupar o armazém em causa, a ocupação do imóvel por aquelas só pode ser considerada ilícita”.
E, sendo ilícita tal ocupação, é forçosa “a condenação das Recorrentes a indemnizar os Recorridos nos termos da responsabilidade civil extracontratual conforme previsto no artigo 483º do Código Civil”.
Pelo que, ainda que existisse alteração acerca deste ponto factual, não se julga poder-se alterar a decisão relativamente ao ressarcimento dos danos decorrentes dessa utilização ilícita.

A sentença sob apelo, na parte da motivação da decisão de facto, no que se reporta ao presente ponto factual, ajuizou nos seguintes termos:
Os factos tidos como provados nos pontos n.ºs 1 a 5, 7 e 13 a 15 resultam da consideração do acordo entre as partes e/ou da valoração de documentos dotados de força probatória plena, pelo que, nesta sede, não cabe fundamentar o motivo pelo qual se têm como demonstrados (segunda parte do n.º 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil)”.
Ora, de acordo com o juízo exposto na sentença, e sendo certo que o facto ora em equação não é susceptível de decorrer da valoração de prova documental dotada de força probatória plena, a fonte para a sua consideração como provado radicará em alegado acordo entre as partes.
Analisemos.
A factualidade em equação tem por fonte o alegado pelos Autores no art.º 37º da petição inicial, com o seguinte teor: “impedindo os AA. de arrendar a terceiros eventualmente interessados, ou mesmo proceder à venda, causando-lhes prejuízos efectivos, resultante do não recebimento mensal da correspondente renda”.
Estatuindo acerca do ónus de impugnação, aduzem os nºs. 1 e 2, do art.º 574º, do Cód. de Processo Civil, que “ao contestar, deve o réu tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor”, sendo que “consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito; a admissão de factos instrumentais pode ser afastada por prova posterior”.
Ora, o facto em equação não foi expressamente impugnado pelas Rés e, compulsadas as contestações por estas apresentadas, não resulta, igualmente, que o mesmo facto se possa considerar em contradição ou oposição com a defesa aferida no seu conjunto.
Ou seja, apesar de entenderem como lícita a sua ocupação e utilização do imóvel enunciado no contrato-promessa, injustificando qualquer pretensão indemnizatória reivindicada pelos Autores, no que concerne a eventual cedência onerosa a terceiros, a efectivar por parte dos Autores, do uso do armazém e logradouro constituintes do imóvel, não se mostra apresentada, de forma directa ou indirecta, qualquer impugnação.
Donde, tal factualidade não pode deixar-se de considerar como admitida por acordo, conforme juízo defendido na sentença apelada, sendo que, relativamente a tal facto, e contrariamente ao defendido pelas Impugnantes, nenhuma prova teria que ser produzida.
O que determina, neste segmento, improcedência da impugnação apresentada, mantendo-se o ponto factual 15. na elencagem da factualidade provada.


- Do facto não provado =» da pretensão que passe a figurar como provado

A matéria factual em equação, correspondente ao único ponto não provado, possui a seguinte redacção:
Na ocasião referida no ponto n.º 6, E … afirmou que o armazém e logradouro aí mencionados seriam vendidos em hasta pública e que iriam ficar sem eles”.
Alegam as Impugnantes que, de harmonia com o facto 7. provado, B …, Lda. disse a E … que defenderia o armazém e logradouro, identificados no ponto 1., contra qualquer ameaça, “o que contextualizando tal afirmação pressupõe obviamente que tenha ocorrido a referida ameaça por parte do seu interlocutor”.
Pelo que, acrescentam, “não é forçado inferir que E … terá proferido perante B …, Lda. tal ameaça, como aliás o fez perante a primeira Ré, uma fragilizada viúva, pouco tempo decorrido da morte de B …, Lda. (…)”, conforme decorre dos indicados excertos áudio e transcrições que junta., quer das declarações de parte da Ré A …, quer do depoimento da testemunha F ….

Na resposta apresentada em sede contra-alegacional, referenciam os Apelados que, para além de não ter sido feita prova indiscutível sobre tal facto, pois a única testemunha que o aludiu é filho da Recorrente e tem interesse directo na sorte da causa, não se alcança qual o “interesse da prova deste facto” por parte das Recorrentes, pois, pretendendo estas “demonstrar a utilização do imóvel em oposição ao titular do direito de propriedade”, resulta irrelevante “a verificação e demonstração de que o promitente vendedor tenha referido que era sua pretensão que o imóvel fosse vendido em hasta pública”.
Donde, mesmo que tal pretendida alteração da matéria factual obtivesse êxito, tal não determinaria alteração da decisão relativamente à obrigação de restituição do imóvel.

Na motivação da decisão de facto consignada na sentença sob apelo, após global enunciação de que a valoração da prova produzida não foi susceptível de convencer acerca da veracidade do aludido facto dado como não provado, concretizou-se que “nem a primeira Ré nem as testemunhas que revelaram algum conhecimento desse facto (F … e I …) deram conta da reacção de E … (no segmento que se teve por indemonstrado) nos moldes descritos na contestação e a mesma não foi revelada por qualquer outro meio de prova”.

Apreciando:

Compulsadas as declarações de parte da Ré A …, não é possível extrair das mesmas a factualidade ora em equação, apesar da alusão à criação de dívidas sobre o imóvel.
E, no que respeita ao declarado pelo filho F …, reporta-se ao alegadamente declarado por E … em 1999, e não em 1992, sendo efectivamente a esta data que se reporta a factualidade não provada, atenta a remissão que faz para a ocasião referenciada no ponto 6 provado.
O que, aliás, a mesma testemunha confirma, não só ao aludir ao ano de 1999, como a referenciar que o putativamente declarado pelo E … o foi a si, à sua mãe e á sua esposa, pois, acrescentamos nós, naquela data, o pai B …, Lda. já havia falecido.
Donde, não resulta da prova mencionada pelas Impugnantes lastro factual suficiente e pertinente a que a factualidade não provada passe a figurar como provada, pelo que, igualmente no que concerne ao presente ponto factual, num juízo de improcedência da impugnação, deve o mesmo manter-se como não provado.


II) DO ENQUADRAMENTO JURÍDICO

Na sentença apelada raciocinou-se, parcialmente, nos seguintes termos:
- fixou-se como objecto do litígio:
1 Determinar se as Rés devem restituir aos Autores o armazém e logradouro identificados no escrito reproduzido no facto 1. provado;
2 Determinar se as Rés são civilmente responsáveis pelo ressarcimento dos danos peticionados pelos Autores;
3 Determinar se deve ser reconhecida à 1ª Ré a qualidade de proprietária daqueles espaços (armazém e logradouro);
- determinou-se como questões resolvendas:
a) Se se verificam os pressupostos de que depende o sucesso da acção de reivindicação; ou, inversamente,
b) Se deve ser reconhecida a aquisição da propriedade pela 1ª Ré;
c) O reconhecimento da obrigação de indemnizar;
- conhecendo acerca das questões identificadas em 1 e 3, referenciou estarmos indubitavelmente perante uma acção de reivindicação;
- por sua vez, a usucapião assenta em dois pressupostos fundamentais, a saber: a posse; mantida durante certo lapso de tempo;
- os Autores beneficiam de presunção derivada do registo, a seu favor, do imóvel reivindicando, pelo que cabe, à partida, reconhecer-lhes a qualidade de proprietários do mesmo;
- urgindo, assim, apurar se as Rés lograram ilidir a aludida presunção legal;
- resulta dos factos provados que tendo o promitente-vendedor E … passado a pretender a restituição do imóvel (o ponto 5. provado), o que comunicou à sua contraparte naquele contrato (promitente-adquirente) e à 1ª Ré, o exercício do poder de facto sobre o imóvel não está legitimado pelo contrato-promessa;
- tal exercício foi meramente consentido pelo promitente-vendedor no contexto do contrato-promessa de compra e venda, tendo sido este acto volitivo que legitimou, num primeiro momento, a ocupação protagonizada pelas Rés;
- pelo que, a mera subsistência do contrato-promessa de compra e venda – o mesmo não foi ainda resolvido judicial ou extrajudicialmente, tendo-se transmitido as posições contratuais, respectivamente, aos Autores e à 1ª Ré -, não pode ser erigida como fundamento da legitimação da detenção do imóvel pelas Rés;
- com efeito, o contrato-promessa de compra e venda, mesmo que acompanhado com a tradição da coisa prometida vender, não constitui, em regra, um meio idóneo de transmissão da posse incidente sobre aquela;
- donde, o promitente-comprador que beneficie da tradição da coisa deve, por via de regra, ser tido como um mero detentor;
- todavia, a análise do caso concreto pode revelar especiais circunstâncias que sejam incompatíveis com essa qualificação, tais como o integral pagamento do preço, a vontade declarada de não celebrar o contrato definitivo ou quaisquer outros factos que apontem no sentido da irreversibilidade da situação;
- assim, por si só, a detenção não corresponde ao típico exercício de faculdades integrantes do direito de propriedade, pois a ocupação do imóvel objecto do contrato-promessa de compra e venda é compatível com qualquer direito pessoal de gozo – mormente o comodato -, por via do qual o promitente-vendedor propicie ao promitente-adquirente o uso, ainda que em exclusivo, do bem prometido transmitir;
- ora, in casu:
1. o promitente-adquirente (B …, Lda.) apenas pagou a importância correspondente a menos de 1/3 do preço acordado para a projectada venda;
2. contrariamente ao pretendido pela 1ª Ré, a liquidação das dívidas fiscais respeitantes ao imóvel não pode ser juridicamente equiparado ao pagamento do remanescente do valor ajustado;
3. conforme decorre dos factos 6. e 8., os promitentes-compradores jamais pretenderam dispensar a celebração do contrato definitivo;
4. as reacções do promitente-vendedor E … às propostas referenciadas nos factos 6. e 8. não evidenciam qualquer alheamento face ao destino do imóvel, antes denotando tais atitudes a intenção de não cumprir o contrato-promessa de compra e venda. O que foi concretizado mediante o exercício – ainda que eventualmente censurável a título de responsabilidade civil contratual – de uma das faculdades integrantes do direito de propriedade, qual seja o poder de dispor da coisa;
- pelo que não pode considerar-se que o promitente-vendedor (e, obviamente, os seus sucessores – os ora Autores) abdicaram da sua qualidade de proprietários do identificado bem, tendo transferido essa qualidade para a 1ª Ré;
- donde, perante a dúvida quanto à existência da posse – suscitável pela perduração da ocupação ao longo do tempo -, inexiste motivo para convocar a presunção legal de posse inscrita no nº. 2, do art.º 1252º, do Cód. Civil, por a tanto se opor a ressalva contida no nº. 2, do art.º 1257º, do mesmo diploma;
- concluindo-se no sentido de que a 1ª Ré não se pode arrogar a qualidade de possuidora do bem em causa;
- o que, inclusive, a mesma assume, ao aventar que adquiriu a posse mediante a inversão do respectivo título;
- relativamente à alegada inversão do título da posse, apenas se apurou que, em 1992, B …, Lda. referiu que defenderia o imóvel contra quaisquer ameaças, e que ele e a 1ª Ré continuaram a ocupá-lo;
- tal factualidade apurada não evidencia a exteriorização, por qualquer uma das Rés (ou pelo B …, Lda.), do propósito de passarem a actuar como titulares do direito de propriedade e de romper com a antecedente situação de possuidores precários;
- e, se dúvidas existissem, bastaria convocar as insistências feitas junto do promitente-vendedor E … para celebrar o contrato definitivo;
- ademais, a factualidade provada também não revela que tal intuito haja sido levado ao conhecimento dos Autores e/ou ao conhecimento dos seus antecessores;
- assim, não sendo reconhecível uma situação de posse, tem de concluir-se pela não verificação de um dos pressupostos de que depende o reconhecimento da aquisição, por usucapião, do direito de propriedade;
- irrelevando, pois, o lapso de tempo durante o qual perdura a ocupação;
- adjectivamente, embora se deva reconhecer aos Autores a qualidade de proprietários do imóvel, deve improceder o 1º pedido formulado, pois o reconhecimento é, desde logo, imposto às demandadas pelo trânsito da presente decisão;
- consequentemente, improcede, também, a excepção peremptória impeditiva que a 1ª Ré/Reconvinte arguiu, e na qual, em substância, fundou o pedido reconvencional formulado, o qual não merece acolhimento;
- relativamente à 2ª Ré, a eventual existência de um vínculo obrigacional entre as Rés (comodato) não é oponível aos reivindicantes, por força do princípio da eficácia relativa dos contratos (o nº. 2 do art.º 406º, do Cód. Civil);
- pelo que não se constitui, assim, como um óbice à peticionada restituição;
- deste modo, não tendo qualquer das Rés procedido à entrega do imóvel, devem ser condenadas na obrigação da sua restituição, livre e devoluto de pessoas, no estado em que se encontrava aquando da prestação do consentimento para a sua utilização, bem como em absterem-se da prática de actos que danifiquem o imóvel ou que diminuam o seu valor.

Questionando tal enquadramento jurídico, as Apelantes Rés invocam, no essencial, o seguinte:
§ têm direito de retenção sob o imóvel que, enquanto fundante da posse, e aliado ao decurso temporal, permite a aquisição do imóvel por usucapião;
§ pois, o promitente-comprador que tenha beneficiado da traditio, e a quem a lei reconhece o direito de retenção, é possuidor, pelo que pode adquirir por usucapião;
§ no que concerne à inversão do título da posse, caso se venha a considerar que o promitente-comprador, com a traditio, goza tão-somente de mera detenção, resulta da factualidade provada sob os nºs. 5. e 7. ter ocorrido inversão do título da posse;
§ por outro lado, os pagamentos documentados nos factos provados 11. e 12., efectuados pela 1ª Ré, relativamente a dívidas fiscais respeitantes ao armazém e logradouro, são susceptíveis de funcionarem como compensação relativamente à parte do preço, não paga, do imóvel prometido alienar;
§ decorre da factualidade provada não ter ocorrido elisão da presunção de posse dos promitentes-compradores, decorrente do exercício do poder de facto sobre a coisa prometida alienar, pelo que surge reforçado o seu estatuto de possuidores, de acordo com o prescrito no nº. 2, do art.º 1252º, do Cód. Civil;
§ tal exteriorização da condição de possuidores de boa-fé dos promitentes-compradores ocorre, ainda, quando a 1ª Ré, em 2010 e 2016, apresenta-se naquela qualidade, perante um organismo público, de forma a proceder ao pagamento das dívidas fiscais relativas ao imóvel, sem contradição por parte dos Autores.

Na sua resposta contra-alegacional, os Recorridos Autores aduzem, basicamente, o seguinte:
- ocorre falta de cumprimento dos pressupostos para o exercício do direito de retenção;
- com efeito, um dos pressupostos é o da titularidade, por parte do promitente-adquirente, de um direito de crédito, decorrente do incumprimento definitivo do contrato-promessa por parte do promitente-alienante;
- devendo o crédito em causa ser o resultado de um incumprimento definitivo do contrato-promessa;
- todavia, não houve incumprimento dos termos do contrato-promessa de compra e venda por parte do promitente-vendedor;
- e, não havendo incumprimento por parte do promitente-vendedor, não se constituiu qualquer crédito passível de garantir o recurso à exceptio non adimpleti contractus, por carecer de qualquer relação sinalagmática;
- pois, a alínea f), do nº. 1, do art.º 755º, do Cód. Civil, referencia a concessão do direito de retenção ao beneficiário de promessa de transmissão em que obteve a tradição da coisa “(…) pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do art.º 442º”;
- relativamente à alegada aquisição por usucapião, não basta a mera alegação de que houve intenção de inverter o título da posse e afirmar que essa intenção foi plasmada na actuação dos detentores precários;
- com efeito, para além de não bastar o mero controlo da coisa, para que se possa falar de inversão do título, é ainda necessário que haja uma actuação efectiva contra o titular do direito de propriedade, de forma a que seja conhecida pelos interessados a posse do próprio que a invoca.

Tendo por subjacente a apreciação de tais questões, urge então aferir se as Rés devem ou não restituir aos reivindicantes Autores o armazém e logradouro identificados, ou se, ao invés, deve antes ser reconhecido à 1ª Ré a qualidade de proprietária daqueles, em virtude de os ter originariamente adquirido mediante aquisição prescritiva, ou se, por outro lado, é titular de direito de retenção dos mesmos, decorrente da outorga do contrato-promessa, no âmbito do qual teve acesso, mediante traditio, à ocupação do imóvel reivindicado.

Analisemos.


- da natureza da presente acção

Definindo o conteúdo do direito de propriedade, prescreve o art.º 1305º do Cód. Civil que “o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas”. No âmbito da defesa do mesmo direito de propriedade, acrescenta o n.º 1 do art.º 1311º do mesmo diploma que “o proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence”.
Na definição de Ulpiano, com total pertinência ainda no presente, a acção de reivindicação é reconduzível á seguinte definição: é aquela pela qual pedimos o que é nosso, de outrem que o possui. Assim, o autor é o proprietário que se encontra privado da coisa; Réu o que a possui; a procedência da acção consiste na devolução da coisa àquele [4]. Ora, o direito de reivindicar é uma manifestação da sequela, uma manifestação do conteúdo do direito real [5], prevendo o mencionado art.º 1311º uma verdadeira acção petitória.
Na acção de reivindicação existe, assim, um indivíduo que “que é titular do direito de propriedade, que não possui, há um possuidor ou detentor que não é titular daquele direito, há uma causa de pedir que é o direito de propriedade, há finalmente um fim, que é constituído pela declaração de existência da propriedade no autor e pela entrega do objecto sobre que o direito de propriedade incide” [6].
A sua causa de pedir tem natureza complexa, “compreendendo tanto o acto ou facto jurídico de que deriva o direito de propriedade do autor, como a ocupação abusiva do imóvel pelo réu, sendo estes os factos que o autor tem de provar para obter a procedência da acção, com condenação nos dois pedidos que deve formular: o do reconhecimento daquele direito e o da restituição da coisa reivindicada (...)” [7] [8]. Conforme legal definição [9], na presente acção real a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito de propriedade e, in casu, o facto jurídico de que deriva o direito real de plena propriedade [10].
Estatui o n.º 2 do citado art.º 1311º que “havendo reconhecimento do direito de propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei”. Deste modo, na acção reivindicativa se o autor demonstrar o seu direito, o possuidor ou detentor só pode evitar a restituição pedida se conseguir provar uma de três coisas:
4. que a coisa reivindicada lhe pertence por qualquer dos títulos admitidos em direito;
5. que tem sobre ela qualquer outro direito real que justifique a sua posse;
6. que a retém por virtude de direito pessoal bastante [11].

Ora, no caso concreto a presente acção tem índole manifestamente real e reivindicativa, alegando efectivamente os Autores que as Rés se encontram na detenção ou ocupação do imóvel reivindicado. Assim, os Autores não só efectuam o pedido principal, primário, essencial e nuclear, de efectivo reconhecimento do direito de propriedade sobre a coisa (pronuntiatio), como formulam, ainda, o pedido de condenação das Rés na sua entrega ou restituição (condemnatio), apesar desta ser a consequência lógica daquele reconhecimento.
O que traduz estarmos perante uma acção com verdadeiro cariz ou natureza reivindicativa.


- do contrato-promessa e do direito de retenção

Prevendo, em termos gerais, acerca do direito de retenção, enquanto direito real de garantia limitado, estatui o art.º 754º, do Cód. Civil, que “o devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados”.
Enunciando a propósito de caso especial, dispõe a alín. f), do nº. 1, do art.º 755º, do mesmo diploma, gozar, ainda, do direito de retenção “o beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos temos do artigo 442.º”.
Este normativo, prevendo acerca do sinal, aduz que:
1 - Quando haja sinal, a coisa entregue deve ser imputada na prestação devida, ou restituída quando a imputação não for possível.
2 - Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele a faculdade de exigir o dobro do que prestou, ou, se houve tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, o seu valor, ou o do direito a transmitir ou a constituir sobre ela, determinado objectivamente, à data do não cumprimento da promessa, com dedução do preço convencionado, devendo ainda ser-lhe restituído o sinal e a parte do preço que tenha pago.
3 - Em qualquer dos casos previstos no número anterior, o contraente não faltoso pode, em alternativa, requerer a execução específica do contrato, nos termos do artigo 830.º; se o contraente não faltoso optar pelo aumento do valor da coisa ou do direito, como se estabelece no número anterior, pode a outra parte opor-se ao exercício dessa faculdade, oferecendo-se para cumprir a promessa, salvo o disposto no artigo 808.º
4 - Na ausência de estipulação em contrário, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste, ou do aumento do valor da coisa ou do direito à data do não cumprimento”.
Por sua vez, na sua antecedente redacção – introduzida pelo DL nº. 236/80, de 18/07 -, prescrevia o nº. 3 deste normativo que “no caso de ter havido tradição da coisa objecto do contrato-promessa, o promitente-comprador goza, nos termos gerais, do direito de retenção sobre ela, pelo crédito resultante do incumprimento pelo promitente-vendedor”.

Referencia João Calvão da Silva – Sinal e Contrato-Promessa (Do Decreto-Lei nº. 236/80 ao Decreto-Lei nº. 379/86), 3ª Edição Revista e Aumentada, Coimbra, 1993, pág. 119 e 120 – que “em 1980, o Decreto-Lei nº. 236/80 concedeu ao promitente-comprador, no caso de ter havido tradição da coisa objecto do contro definitivo, o direito de retenção sob a mesma, pelo crédito resultante do incumprimento (art.º 442º, nº. 3)”, sendo que, “não obstante as críticas tecidas à solução, o legislador de 1986, em nome da defesa do consumidor, atribuiu o direito de retenção ao «beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do art.º 442º» (art.º 755º, nº. 1, al. f)”.
Assim, acrescenta, em primeiro lugar, “goza do direito de retenção o beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa objecto do contrato prometido. Vale dizer que o titular do direito de retenção é o beneficiário de qualquer contrato-promessa com traditio rei – coisa móvel ou imóvel, rústica ou urbana, para habitação comércio, indústria, etc. – e não só do contrato-promessa previsto no art.º 410º, nº. 3”.
Em segundo lugar, “o direito de retenção existe para garantia do crédito resultante do não cumprimento imputável à parte que promete transmitir ou constituir um direito real. Vale dizer, por outras palavras, que está em causa o crédito (dobro do sinal, valor da coisa, indemnização convencionada nos termos do nº. 4 do art.º 442) derivado do incumprimento definitivo” (sublinhado nosso).
Por sua vez, Antunes Varela – Sobre o Contrato-promessa, Coimbra Editora, 1988, pág. 107 a 111 e 114 (nota 1) – defende que, apesar da razão das inovações introduzidas pelo DL nº. 236/80, de 18/07, ter “sido a fácil e frequente frustração das expectativas do promitente-comprador do imóvel destinado a habitação própria”, o texto legal (o nº. 3, do art.º 442º) veio a estender “indiscriminadamente a todos os casos de contrato-promessa de compra e venda, fosse qual fosse o seu objecto (contanto que tivesse havido tradição da coisa objecto do contrato), abrangendo, por conseguinte, tanto a promessa bilateral de venda de imóveis, como de venda de móveis, e, no âmbito da promessa de venda de imóveis, sem nenhuma distinção entre a promessa de venda de imóveis para habitação própria e as promessas de venda adstritas a qualquer outro fim”.
Assim, no direito de retenção, enquanto forma especial de verdadeira autotutela, em primeiro lugar, “atende-se manifestamente à especial relação de conexão funcional existente entre os créditos garantidos e a coisa retida. Os créditos seleccionados através do critério bicéfalo da lei (art.º 754º., critério genérico, dum lado; e art.º 755º, discriminação específica, do outro) nascem dum modo geral de despesas feitas com a conservação, a gestão ou a valorização da coisa ou de danos provocados pela própria coisa”.
E, em segundo lugar, tais “créditos brindados nos artigos 854º e 755º com a comenda jurídica da retenção têm por via de regra como objecto quantias de pequeno montante (….), que o devedor, titular da coisa, pode com relativa facilidade pagar (….), nada repugnando assim que o seu prévio pagamento ou caucionamento condicione o levantamento ou desembaraço da coisa que está na origem do crédito”.
Todavia, aduz, citando Pires de Lima e Antunes Varela, “no caso, porém, do direito de retenção atribuído, desde 1980, ao promitente-comprador, a situação é completamente diferente. O critério do promitente-comprador, com efeito, quer ele opte, conforme a lei permite, pela restituição do sinal em dobro, quer pelo valor do objecto do contrato prometido à data do incumprimento, não provém de despesas feitas com a coisa e a sua satisfação prioritária pode absorver todo o valor desta, esvaziando por completo a garantia resultante da hipoteca”.
Após transcrever partes dos preâmbulos dos Decretos-Leis nºs. 236/80, de 18/07 e 379/86, de 11/03, aduz Rui Pinto Duarte – Código Civil Anotado, Vol. I, Coord. Ana Prata, 2017, Almedina, pág. 949 a 952 – que “a situação-tipo regulada na alínea f) é, sabidamente, muito vulgar: incumprimento pelo promitente-vendedor de contrato-promessa de compra e venda de imóvel (com especial relevo dos casos em que o mesmo se destina a habitação do próprio promitente-comprador) por conta de cujo preço foi pago sinal e cujo objecto já foi entregue ao promitente-comprador”.
Acrescenta que tendo sido a sua consagração motivada pela “tentativa de proteção dos promitentes-compradores de prédios urbanos ou de frações autónomas destes, a verdade é que aparentemente os preceitos legais em causa abrangem (…) todos os contratos-promessa de transmissão ou constituição de direito real em que tenha havido tradição da coisa”.
Aduz, ainda, que tal contradição entre os motivos do legislador histórico e o texto da lei “gerou e continua a gerar grande discussão, com várias tentativas de interpretação restritiva da lei (…), designadamente a limitação do direito em causa aos promitentes-compradores que sejam consumidores (….) a negação dos seus efeitos para com terceiros (….), em que se refere ter a Relação de Lisboa no acórdão recorrido adotado tal tese, que, porém, o STJ recusou, sustentando a eficácia erga omnes do direito em causa, orientação que parece ser constante (…)”, concluindo-se no sentido de não se vislumbrar, para tais restrições, “de iure condito, fundamento”.  

O direito de retenção do beneficiário da promessa, enquanto inovação introduzida pelo DL nº. 236/80, mantida pelo legislador de 1986, com fundamento na defesa do consumidor, presentemente enunciado na alín. f), do nº. 1, do art.º 755º, do Cód. Civil, tem os seguintes pressupostos de aplicabilidade:
c) goza do direito de retenção o beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa objecto do contrato prometido, valendo para qualquer contrato-promessa com traditio rei, seja de coisa móvel ou imóvel;
d) tal direito de retenção existe para garantia do crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos quadros do art.º 442º, do Cód. Civil, ou seja, crédito derivado do incumprimento definitivo (dobro do sinal, aumento do valor da coisa, indemnização convencionada nos termos do nº. 4, do referenciado art.º 442º).

Jurisprudencialmente, sumariou-se no douto Acórdão do STJ de 22/03/2011 – Relator: Moreira Alves, Processo nº. 3121/06.2TVLSB.E1.S1, in www.dgsi.pt – que “o titular do direito de retenção está legitimado a manter a coisa em seu poder, recusando entregá-la a quem for o seu titular, enquanto não lhe for pago o respectivo crédito, assim como pode proceder à execução e subsequente venda judicial da coisa retida a fim de obter o pagamento do seu direito de crédito”
Acrescentou-se no douto aresto do STJ de 04/02/2014 – Relator: Alves Velho, Processo nº. 360/09.8TCGMER.G1.S1, in www.dgsi.pt – que “no tocante aos pressupostos do direito de retenção, aponta-se, desde logo, a detenção ou posse material da coisa e legitimidade da detenção pelo credor da pessoa a quem a coisa deve ser restituída ser o detentor da coisa credor da pessoa a quem a coisa deve ser restituída.
Assim, o direito de retenção pressupõe uma detenção lícita da coisa, que pode consistir numa posse propriamente dita ou numa mera detenção ou posse precária, “apenas se exigindo, em caso de detenção, que o credor detentor tenha, por si ou através de representante, o controlo de facto da coisa, o domínio material desta, excluindo o devedor desse controlo material” (cfr. ac. STJ, de 27/11/2008, Proc. 08B2608).
O direito de retenção é um direito real de garantia (especial) das obrigações e não um direito real de gozo.
É conferido ao promitente-comprador para lhe garantir o crédito pela indemnização por incumprimento do contrato-promessa, e não para lhe conceder o gozo da coisa objecto da promessa cuja tradição obteve.
Como resulta do texto do da al. f) transcrita, o direito de retenção visa garantir o crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do art.º 442º, isto é, o crédito que representa o dobro do sinal, o do aumento do valor da coisa ou a indemnização estipulada pelas partes, nos termos previstos no n.º 4 do dito artigo.
Em causa estará, portanto, o crédito do promitente-comprador correspondente à indemnização devida pela outra parte em razão do seu incumprimento, isto é, o crédito “derivado do incumprimento definitivo, de que o direito de retenção constitui garantia acessória”, sendo que, por isso que o direito de retenção surge apenas para garantia do crédito gerado por um incumprimento definitivo do contrato-promessa, “quem pede a execução específica não goza do direito de retenção; que invoca o direito de retenção não goza de execução específica” (CALVÃO DA SILVA, ob. cit., 178 e 182).
Entende-se, assim, divergindo do entendimento sufragado pelo acórdão sob sindicância, que o crédito que o direito de retenção garante é sempre o crédito pela indemnização decorrente do incumprimento da promessa e não o crédito à prestação de facto, consubstanciada no cumprimento em espécie, por via da execução específica, até ao momento da decisão da acção” (sublinhado parcialmente nosso).
Em consonância, aduz-se no douto Acórdão, do mesmo STJ, de 13/03/2009 – Relator: Fonseca Ramos, Processo nº. 09A0265, in www.dgsi.pt -, que “o direito retenção é um direito de garantia que “consiste na faculdade que tem o detentor de uma coisa de a não entregar a quem lha pode exigir, enquanto este não cumprir uma obrigação a que está adstrito para com aquele” – “Código Civil Anotado” de Pires de Lima e Antunes Varela, vol.I, pág.722.
O direito de retenção conferido ao promitente-comprador não visa mantê-lo na fruição de qualquer direito de gozo, mas antes garantir o pagamento do seu crédito – dobro do sinal prestado – no pressuposto de que existe incumprimento definitivo imputável ao promitente-vendedor que recebeu o sinal” (sublinhado parcialmente nosso).

De retorno ao caso concreto, provou-se que após a outorga do contrato-promessa identificado no facto 1 provado, as chaves do armazém e logradouro foram entregues pelos promitentes-vendedores ao promitente-comprador e mulher deste (ora 1ª Ré), bem como à Ré sociedade, sendo que estas, com a autorização dos promitentes-alienantes, passaram a utilizar o armazém e logradouro, como armazém de máquinas e materiais, tendo lá residido trabalhadores – pontos 2 e 3 provados.
Ora, é incontestável que após a outorga do contrato-promessa de compra e venda, o imóvel urbano, objecto do contrato prometido, foi transferido para a posse ou detenção do promitente-comprador e mulher e, posteriormente, utilizado como sede da Ré sociedade. Ou seja, de forma pacífica, ocorreu traditio daquele para a esfera de disponibilidade material do promitente-adquirente.
Compulsadas as contestações apresentadas pelas Rés, e nomeadamente pela Ré singular, constata-se que, para além da confirmação daquela traditio do imóvel objecto do contrato prometido, esta, ainda que de forma pouco expressiva e consistente, faz alusão ao direito de retenção ora expressamente invocado – cf., o art.º 45º -, assim legitimando o seu conhecimento nesta sede.
Ora, conforme consignámos, o direito de retenção, enquanto direito real de garantia limitado, no âmbito dos contratos-promessa de compra e venda é concedido ao beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real, ou seja, ao promitente-adquirente, que obteve a tradição da coisa objecto do contrato prometido e, por outro lado, destina-se a garantir o crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, isto é, ao promitente-vendedor, nomeadamente o crédito derivado do incumprimento definitivo, nos termos referenciados no art.º 442º, do Cód. Civil (dobro do sinal, aumento do valor da coisa, indemnização convencionada nos termos do nº. 4 daquele normativo).    
Também referenciámos que, tendo este natureza ou função garantística do crédito indemnizatório por incumprimento definitivo do contrato-promessa, imputável ao promitente-vendedor, a sua concessão ao promitente-comprador não tem por desiderato conceder-lhe ou manter-lhe o gozo da coisa objecto da promessa cuja tradição obteve, ou seja, não se destina a tutelar que o promitente-comprador seja mantido na fruição de qualquer direito de gozo do imóvel prometido vender.
Ora, in casu, nos presentes autos, não está em equação a constatação de qualquer incumprimento definitivo do contrato-promessa imputável aos promitentes-alienantes (e, consequentemente, aos seus sucessores), o qual, ademais, apesar de invocado, não foi reconhecido em acção de execução específica anteriormente tramitada, na qual, inclusive, não só tal incumprimento dos promitentes-vendedores não foi reconhecido, como, ademais, foi considerado que o incumprimento moratório onerava a posição dos promitentes-adquirentes – cf., factos provados 16 a 21 -, conducente a juízo de improcedência da peticionada execução específica do contrato-promessa.
Deste modo, constata-se, com evidência que, apesar de comprovada a tradição do imóvel objecto do contrato prometido, não gozarem as Recorrentes Rés (e, com maior propósito, a Recorrente Ré singular) do invocado direito de retenção, ao não ser configurável, na sua titularidade, qualquer posição creditícia activa derivada do incumprimento definitivo do contrato-promessa em equação.

Por fim, sempre se poderia afirmar que, subsistindo o contrato-promessa, e mantendo-se subsistente o alegado direito pessoal de gozo concedido aos promitentes-adquirentes, decorrente da traditio do imóvel objecto do contrato prometido, estes deteriam título bastante para se manterem na detenção de tal bem imóvel enquanto o contrato se mantivesse em vigor.
Todavia, tal sempre dependeria da faculdade do que lhes viesse a ser reconhecido em caso de incumprimento do contrato-promessa imputável aos promitentes-vendedores, pois, conforme mencionado no douto aresto do STJ de 27/05/2004 – Processo nº. 04B1445 -. “… ao beneficiário da traditio assiste o direito de conservar a detenção da fracção enquanto não for indemnizado pelo incumprimento da promessa de venda, ou não for convencido de que o promitente-vendedor não foi o culpado do incumprimento”.
Ou, conforme sumariado no douto Acórdão do mesmo Alto Tribunal de 09/06/2016 – Relator: Tomé Gomes, Processo nº. 299/05.6TBMGA.P2.S2, in www.dgsi.pt -, “considerada legalmente impossível a execução específica do contrato-promessa, mas ainda assim tido este contrato como válido e subsistente, ficando em aberto a questão se saber a quem será imputável a não celebração do contrato prometido, aos promitentes-compradores assiste o direito pessoal de gozo emergente da traditio sobre a coisa que lhe foi entregue em contrapartida da prestação do sinal, além da expectativa de poderem vir a exercer o direito de retenção em caso de o incumprimento vir a ser imputado aos promitentes-vendedores, o que constitui título suficiente para os promitentes-compradores a manterem em seu poder”.
Todavia, conforme constatado, no que se reporta ao incumprimento definitivo do contrato-promessa imputável aos promitentes-alienantes (e, consequentemente, aos seus sucessores), não estamos perante uma questão ainda em aberto. Efectivamente, já foi devidamente invocado, mas não reconhecido em acção de execução específica anteriormente tramitada, na qual, inclusive, não só tal incumprimento dos promitentes-vendedores não foi reconhecido, como, ademais, foi considerado que o incumprimento moratório onerava a posição dos promitentes-adquirentes.
O que sempre determina que o presente argumento também não é susceptível de conduzir ao reconhecimento de que os promitentes-adquirentes possuem ou detêm título bastante para se manterem na detenção de tal bem imóvel enquanto o contrato se mantenha em vigor.
O que determina, neste segmento, total falência da pretensão recursória.


- da aquisição originária por prescrição aquisitiva

Estatui o art.º 1316º do Cód. Civil, relativamente ao modo de aquisição do direito de propriedade, que este adquire-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei.
Prescreve o art.º 1287º que “a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação: é o que se chama usucapião”. E, na presente modalidade de aquisição da propriedade, os seus efeitos reportam-se ao início da posse, desde que invocada – cf., art.ºs 1317º, alínea c) e 1288º, ambos do mesmo diploma.
O presente instituto, continuando a corresponder á noção de prescrição positiva ou aquisitiva que enformava o anterior código, traduz-se num “modo de aquisição originária de direitos reais, pela transformação em jurídica duma situação de facto, de uma mera aparência, em benefício daquele que exerce a gestão económica da coisa” [12], cujo fundamento reside “na necessidade de tornar certa e estável a propriedade, e na utilidade de transformar uma situação de facto numa verdadeira situação de direito, a favor de quem mantém e exerce, ininterruptamente, a gestão económica da coisa, face à incúria do proprietário”, e configurando-se como condições ou requisitos necessários para a sua verificação a existência de “uma coisa susceptível de posse, uma posse não viciada, e o decurso de um certo prazo” [13].
Para que o presente instituto se torne operatório e eficaz, necessita de ser invocado, judicial ou extrajudicialmente, pelo interessado a quem aproveita, atenta a legal redacção que afasta qualquer automaticidade de, através da posse, se adquirirem direitos, antes se falando que a mesma posse faculta ao possuidor a sua aquisição. Pelo que, dever-se-á concluir pela inexistência duma “aquisição ipso jure, mas uma faculdade de adquirir atribuída ao possuidor, ou aos credores deste, ou a terceiros com interesse na aquisição” [14].
Refere o douto Acórdão do STJ de 12/04/2005 [15] que “a usucapião faculta ao possuidor a constituição do direito real correspondente à sua posse, desde que reunidos determinados pressupostos. Assentando a usucapião na posse, torna-se necessário que esta assuma certas características, que seja mantida dentro dos prazos que a lei fixa e, obviamente, que o direito a constituir seja usucapível.
Esta forma de aquisição originária não é automática, antes dependendo de uma manifestação de vontade do possuidor em benefício de quem estejam reunidos os requisitos legais”.
Assim, a verdadeira explicitação do presente modo de aquisição originário da propriedade, implica uma análise, ainda que muito sumária, do instituto da posse e dos caracteres a esta associados.
Prescreve o art.º 1251º do Cód. Civil, que “posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real”.
De acordo com a doutrina e jurisprudência dominantes, no direito português foi consagrada a concepção subjectiva da posse [16]. Desta forma, será necessário que se concretizem no caso concreto dois elementos, um material designado por corpus e outro psicológico com o nome de animus.
O corpus traduz-se na realização de actos materiais (detenção, fruição, ou ambos conjuntamente) praticados sobre a coisa com o exercício de certos poderes sobre a mesma [17], ou no domínio de facto sobre a coisa, traduzido no exercício efectivo de poderes materiais sobre ela, ou na possibilidade física desse exercício [18].
Por sua vez, o animus traduz na intenção por parte do sujeito interessado em se comportar como titular do direito real correspondente aos actos praticados, ou na intenção de exercer sobre a coisa como seu titular, o direito real correspondente àquele domínio de facto [19].
Esses actos materiais que o sujeito desenvolve correspondem ao exercício dos poderes que compõem o conteúdo de um direito real. O interessado actua com a vontade de criar a convicção nas outras pessoas que é o titular do direito a que corresponde a actividade que realiza. A aquisição de um direito real por intermédio do instituto da usucapião tem, assim, por base dois elementos essenciais, que consistem no exercício duma actividade possessória por parte do sujeito interessado e a necessidade de haver decorrido um determinado período de tempo em que se efective tal posse [20].
Relativamente aos caracteres da posse, encontram-se os mesmos elencados nos artigos 1258º a 1262º do Cód. Civil, prescrevendo o primeiro dos normativos que aquela “pode ser titulada ou não titulada, de boa ou de má fé, pacífica ou violenta, pública ou oculta”, sendo que os demais normativos definem e conceptualizam tais espécies.
No âmbito da usucapião de imóveis, estatui o art.º 1296º do Cód. Civil, que “não havendo registo do título nem da mera posse, a usucapião só pode dar-se no termo de quinze anos, se a posse for de boa fé, e de vinte anos, se for de má fé”.
E, por posse titulada, deve entender-se a “fundada em qualquer modo legítimo de adquirir, independentemente, quer do direito do transmitente, quer da validade substancial do negócio jurídico” – cf., art.º 1259º do Cód. Civil. Sendo que, por modo legítimo de adquirir não pretende afirmar-se qualquer juízo de validade ou procedência, mas antes um juízo de existência e susceptibilidade de, em abstracto, atribuir ou constituir um direito, sendo que, os vícios de forma determinam, inquestionavelmente, a falta de título da posse.
A aquisição por usucapião é, assim, “originária. A sua fonte, a sua génese é a posse. É esta que faz gerar o direito: com título, sem título ou, até, contra um título de terceiro. E não só a eventual nulidade substantiva do título negocial (em que se integre a cedência) não macula a posse prescricional, como até a pode beneficiar, se o título está registado (artigos 1294 e 1298)” – Durval Ferreira, Posse e Usucapião, 3ª Edição, Almedina, 2008, pág. 499 a 501.


- da traditio (mera detenção ou posse?) e da inversão do título da posse

Prescreve a alínea d), do art.º 1263º, do Cód. Civil que, entre outras formas de aquisição da posse, esta adquire-se “por inversão do título da posse”.
Prevendo acerca desta forma de aquisição, aduz o art.º 1265º, do mesmo diploma, que “a inversão do título da posse pode dar-se por oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía ou por acto de terceiro capaz de transferir a posse”.
Doutrinariamente, referencia António Menezes Cordeiro – A Posse: Perspectivas Dogmáticas Actuais, Almedina, 1997, pág. 105 e 106 – configurar-se a inversão do título da posse como “a constituição duma situação possessória a favor do detentor”, isto é, “a inversão do título é uma operação pela qual o detentor obtém, ex novo, uma situação possessória, com referência à coisa que já detinha”.
Assim, “a oposição do detentor contra aquele em cujo nome possuía quebra o vínculo da posse em nome de outrem: consumada a operação, há posse em nome próprio”, postulando, assim, a oposição “o não-acordo do possuidor anterior: de outro modo, não haveria verdadeira oposição; a inversão do título seria, então, uma traditio brevi manu; sendo assim, a inversão do título implica, automaticamente, o esbulho”.
Acrescenta que “em termos práticos, a jurisprudência tem exigido, na inversão do título de posse, uma actuação mais enérgica do que num simples apossamento. Bem se compreende: não basta o mero controlo da coisa pois isso já o interessado tinha, como mero detentor. Temos de presenciar uma actuação efectiva contra o possuidor – isto é, sendo esse o caso, a pessoa em nome da qual possuía – de tal modo que, com publicidade, que também aqui deverá ser exigida – seja cognoscível, pelos interessados, a verdadeira posse em nome próprio”.
Defende A. Santos Justo – Direitos Reais, 5ª Edição, Coimbra Editora, Setembro 2017, pág. 205 – que a inversão do título traduz-se na “conversão duma situação de posse precária numa verdadeira posse, de forma que aquilo que se detinha a título de animus detinendi passa a deter-se a título de animus possidendi”.
Assim, um dos meios pelos quais ocorre a inversão do título traduz-se na “oposição do detentor contra aquele em nome de quem possuía: o caso mais corrente é o de o arrendatário que, em certo momento, se recusa a pagar a renda, afirmando que o prédio lhe pertence. Exige-se que a intenção do detentor de actuar como titular do direito seja comunicada (por via judicial ou extrajudicial) à pessoa em nome de quem possuía; e, ainda, que esta oposição não seja repelida”.
Em idêntico sentido, referencia Manuel Rodrigues – A Posse Estudo de Direito Civil Português, 4ª Edição Revista, Anotada e Prefaciada por Fernando Luso Soares, Almedina, 1996, pág. 232 a 234 – que, numa das modalidades, a inversão do título tem “por base uma contraditio oposta pelo detentor”, caso em que “a inversão exige dois elementos: 1) exige uma oposição feita pelo detentor ao direito do possuidor; 2) e que esta oposição não seja repelida pelo possuidor”.
Relativamente à contraditio, deve constituir-se através de actos “inequívocos, isto é, devem significar que o detentor quer, doravante, possuir para si. Ora esta significação só existe nos actos positivos, e por isso a doutrina e a jurisprudência têm ensinado e julgado que não há inversão quando o detentor continua a deter o objecto da posse, apesar de extinta a relação jurídica em que se baseava a detenção”.
Por outro lado, “os actos de inversão devem ser praticados na presença, ou com o conhecimento daquele a quem se opõem, e este efeito obtém-se com a prática de actos materiais – factos ou palavras como, por exemplo, o arrendatário que não permite a entrada no prédio ao proprietário; ou que faz a declaração de que não pagará renda porque é ele o proprietário – ou jurídicos ou judiciários (a conclusão de um contrato, etc)”.
A que acresce a necessidade “que a contraditio não seja repelida pelo possuidor”, tendo a virtualidade de se constituírem como actos repelentes “todos aqueles por que se traduz o exercício do direito possuído”.
Ainda em termos doutrinários, menciona Durval Ferreira – ob. cit., pág. 206 a 209 – pressupor o instituto da inversão do título da posse “que preexista uma relação possessória, cujo titular directo ou imediato detém, ou possui, nomine alieno; havendo pois, por intermédio daquele, também um possuidor mediato, em nome próprio”, pelo que “o titular, directo e imediato, da relação possessória para efeitos do instituto da inversão da posse não é tão só, em sentido restricto, o mero «detentor» (como refere o artigo 1265). Mas também, extensivamente, um titular, directo e imediato, que possa ser possuidor em nome próprio; desde que, simultaneamente, seja possuidor em nome alheio”.
A inversão do título da posse traduz-se, assim, “na «substituição» unilateral (por motu próprio do detentor, ou do possuidor directo, ou em colaboração com um terceiro) da «razão ou motivo» a cujo título possuía em nome alheio: e, no sentido (desviado e usurpatório, face ao alieno nomine) de passar a conduzir a relação possessória, subjectiva e vilitivamente, no plano factual e empírico, «como sendo dono»; ou, «como sendo beneficiário dum direito real mais extenso» do que aquele em termos do qual agia.
Não é necessária, pois, uma «inversão» em sentido restricto e preciso, de retorno ou colocação ao contrário: no sentido de passar a possuir «como sendo dono». Basta uma inversão no sentido, (mais amplo), de desvio, de subtracção, de usurpação, em prejuízo daquele em nome de quem possuía: passando animicamente a agir como sendo beneficiário dum direito real mais extenso”.
Estamos, assim, perante “um processo fundamentalmente psicológico, a mero nível do animus: e de desvio usurpatório, a esse nível, pelo detentor ou possuidor directo face ao possuidor indirecto e mediato. No mesmo corpus-possessório, e com o mesmo sujeito, este inverte o seu animus: ou seja, a razão ou o motivo, subjectivo e volitivo, que preside á relação de senhorio e contra o possuidor indirecto e mediato”.
Ora, de forma óbvia, “sendo tal substituição do animus pertença do foro psíquico do sujeito, acantonando-se na intimidade das razões subjectivas do seu juízo volitivo, tal inversão só pode alcançar relevo jurídico se, e como requisito geral sempre imprescindível, for manifestada, exteriorizada. E, por modo expresso ou tácito (artigo 217 do Código Civil) (…).   
Também, conduzindo a inversão a uma aquisição da nova posse a favor do sujeito que directamente conduz a relação de senhorio, sempre, e por razões gerais, ela seria «oculta» enquanto se exercesse (a nova posse) de modo a não poder ser conhecida pelos interessados (artigo 1262)”.
Assim, ocorrendo a aludida usurpação, “a posse por inversão do título é uma posse nova, e por tal adquirida. E, porque é adquirida unilateralmente e «contra» o anterior possuidor mediato e indirecto – só conta a partir da inversão e não pode haver acessão entre ela e a posse anterior (artigo 1256)”.
Traduz-se, deste modo, citando Orlando de Carvalho, numa “forma de aquisição originária e instantânea da posse. Originária, porque a posse antecedente apenas precede, mas não causa, a posse do inversor – que, ao invés, se adquire apesar dela e contra ela.
Instantânea, porque se adquire uno acto, quer dizer, no preciso momento em que se verifica o processo de inversão”.
O mesmo Autor, relativamente ao modo em que se consubstancia tal oposição explícita por parte do detentor – idem, pág. 213 a 217 -, para que ocorra inversão do título, alude não dever bastar, “para ser relevante uma inversão do título pelo detentor, que apenas se constate um comportamento exteriorizador (declarativo) do novo animus do detentor e o seu conhecimento pelo possuidor mediato: haverá que exigir algo mais”.
Assim, o art.º 1265º impõe como requisito necessário e suficiente o seguinte:
“que o detentor torne «directamente» conhecida da pessoa em cujo nome possuía (quer judicial, quer extrajudicialmente) a sua intenção de actuar, no plano dos factos e empiricamente, «como sendo» titular do direito”.
Acresce, citando Oliveira Ascensão, dever a oposição “ser categórica…. Por exemplo, o usufrutuário declara peremptóriamente que é ele quem é o proprietário….e faz saber ao proprietário a sua oposição”.
Assim, citando Orlando de Carvalho, adita ser necessária a existência duma “oposição formal, por meios notificativos directos e levada ao conhecimento do possuidor…… A declaração tem de ser levada ao conhecimento do possuidor (ainda que com funcionamento da teoria da recepção), e não apenas para que a posse do inversor seja pública, mas para que a própria inversão se verifique e, por conseguinte, se adquira a posse. O que resulta da ideia de comportamento declarativo ou notificativo – notum facere: levar a alguém o conhecimento de alguma coisa. Só que a notificação não tem que ser individualizada e muito menos presencial. Pode, nomeadamente, ser feita através de uma circular que se remete a um círculo mais ou menos alargado de pessoas, incluso o possuidor ou o seu representante”.
Tal comunicação directa pode ser, “naturalmente, acompanhada dos actos que representem oposição ao exercício dos direitos do possuidor mediato. Como se o arrendatário veda a entrada ao senhorio, ou não lhe restitue o prédio caduco o arrendamento, ou não lhe paga a renda: mas acompanhados esses comportamentos da declaração directa que o não faz, para passar a exercer o senhorio da coisa, no plano dos factos e empiricamente, como sendo dono”.
Acrescenta, assim, não bastarem “meros meios exteriorizadores (declarativos) do novo estado de ânimo”, ou seja, “não bastam, pois, meras «palavras», ou outros modos directos de mera expressão do novo animus. Nem bastam meros comportamentos, dos quais se conclua existir vesse novo animus, quer esses comportamentos revelem esse novo animus com toda a probabilidade, quer com um grau absolutamente concludente. Pois, daí apenas se poderá concluir da existência do novo animus.
Tem de haver mais do que a mera exteriorização (expressa ou implícita) do novo animus: mais, do que mera «declaração» (cognoscitiva do novo animus). Tem que se passar das palavras (ou mero comportamento declarativo) aos «actos»: pois, tem que haver uma «oposição» do detentor e «contra aquele em cujo nome possuía» (artigo 1265). Ainda que seja suficiente o especial «acto», do detentor contra o possuidor, «do notum facere» (ou seja, a sua notificação directa”.
Resulta, assim, como mister e necessário que “o detentor faça oposição contra o possuidor; ou seja, que «se arvore abertamente proprietário da coisa «e «faça constar a posse», ou com explícita declaração (oposição expressa) ou com actos concretos (oposição tácita) que intendam que detém a coisa como própria”.
Adita, citando Orlando de Carvalho, que “a declaração é que é importante e só ela, até porque na sua ausência os actos complementares seriam equívocos”.
Por fim, ressalva não ser necessário, para que se dê a inversão, “que a oposição (nos termos referidos) «não seja repelida» por aquele em cujo nome possuía: como se exigia no artigo 510 do código civil de Seabra.
E, aliás, nem sequer basta, para evitar a inversão, e a existência duma nova posse do detentor, que aquele em cujo nome possuía apenas rejeite a oposição; ou seja que esta seja repelida por aquele. Pois, aquele em cujo nome se possuía perderá «a sua posse», se não usar de acção directa ou não instaurar acção de restituição, dentro de um ano a contar da oposição (artigos 1267, nº. 1, d), 1277 e 1282). E, perderá o direito se pela duração da nova posse o seu titular adquirir o direito por usucapião (artigo 1287)”.
Aduzem, ainda, Rui Pinto e Cláudia Trindade – Código Civil Anotado, Vol. II, 2017, Coord. de Ana Prata, Almedina, pág. 46 e 47 – que na inversão do título da posse “o sujeito já exerce o corpus sobre a coisa mas em nome de outrem – são os casos abrangidos pela al. c) do art.º 1253º. Estamos a falar de titulares de direitos reias de gozo menores, de certos direitos reais de garantia e de direitos pessoais de gozo – comodato, locação, parceria, depósito. Ocorrida a inversão, nasce a posse e com ela o funcionamento do respectivo regime.
Por isso, se antes os detentores ou possuidores precários não podem adquirir para si, por usucapião, o direito possuído, só invertido o título é que o tempo necessário para a usucapião começa a correr (art.º 1290º.). Todo o tempo antes decorrido não releva, já que o sujeito não era possuidor”.
Desta forma, “o ato de inversão do título da posse não consiste num apossamento, pois a prática reiterada de atos materiais pré-existe, nos termos de um acordo de representação que legitimou a atuação do sujeito sobre a coisa de outrem. O ato de inversão deve ser, por isso, um ato de afastamento pelo sujeito desse acordo, destinado a cortar a ligação legitimadora com o dono da coisa”.
E, tal acto opositivo “traduz-se em o possuidor em nome alheio exprimir a sua intenção de deixar de representar na posse o representado e passar a agir como beneficiário do direito. Por outras palavas, declara um animus possidendi”, sendo que a maior parte da doutrina “exige que essa oposição seja expressa e comunicada ao antigo possuidor, ou seja, consista numa declaração de vontade dirigida ao possuidor, não bastando atos de incumprimento do acordo, como deixar de pagar rendas”.
Tal interpretação tem por base a constatação de que “tais comportamentos são significativos do ponto de vista obrigacional, mas não necessariamente do ponto de vista real”, tendo, ainda, “a seu favor proteger melhor todo o sujeito que coloca outro a tomar conta de coisa sua”.

Na inversão do título da posse temos aquisição originária e instantânea, traduzindo-se na aquisição da posse por um mero detentor, que passa a comportar-se como possuidor, usurpando a posse do possuidor em nome do qual “possuía” (detinha, pois, a “mera detenção” mais não é do que “uma posse em nome de outrem”). Ocorre através de uma mudança de animus, pois, agindo até tal acto com animus detinendi, passa a agir com animus possidendi, ou seja, de animus de mero detentor passa a agir com animus de verdadeiro possuidor.
Assim, para que ocorra uma verdadeira inversão do título da posse, enquanto aquisição instantânea e originária, com natureza usurpatória, urge preencherem-se dois requisitos:
1. deve existir alguém que exerça poderes de facto sobre a coisa, pois só pode inverter quem for já detentor, ou seja, quem já tiver uma autoridade empírica sobre a coisa;
2. que a pessoa que exerce poderes de facto em termos de mera detenção passe a exercer os poderes como se fosse titular dum direito real, substituindo um animus detinendi por um animus possidendi; em alternativa, a pessoa pode já exercer poderes de facto a título de um direito real, passando agora a exercê-los a título de um direito mais denso, o que sucede, exemplificativamente, na situação em que exercia poderes a título de usufrutuário e passou a exercê-los a título de proprietário.
 Assim, ocorrendo mudança de animus de um direito obrigacional para um direito real, ou a mudança de animus de um direito real menos espesso para um direito real mais espesso ou denso, ocorre a legalmente configurada inversão do título da posse.
Esta, configura-se como uma verdadeira usurpação, pois, na medida em que se inverte, usurpa-se a posse da pessoa em nome da qual se detinha.
Na oposição do detentor ao possuidor, tradutora de inversão por oposição, o detentor arroga-se publicamente, ou arroga-se perante o interessado, da titularidade de um direito real, ou seja, invoca para si uma titularidade através de uma declaração, configurando-se a oposição como uma declaração de que se tem certa qualidade, através de acto notificativo directo. Esta oposição, por meios notificativos directos, feita ao interessado, ou feita em condições tais que o interessado é também o destinatário, traduz-se numa oposição explícita.
Todavia, a oposição também pode ser implícita, a qual é efectuada por actos indirectos, mas concludentes ou inequívocos, em que não ocorre uma declaração de vontade expressa, mas antes uma declaração de vontade tácita. Isto é, o detentor, por actos inequívocos, manifesta que se arroga a qualidade de titular do direito real, ou a qualidade de possuidor contrária à posse da pessoa em nome da qual possuía.
Em conclusão, a inversão dá-se por oposição quando aquela é feita através duma declaração que revela a intenção duma alteração de animus, ou seja, através dum acto em que o detentor se arroga uma qualidade contrária à posse da pessoa em nome da qual possuía; ou afirmando que é dono da coisa, ou que é titular dum direito real sobre a coisa contrário à posse dele ou, então, afirmando que é possuidor.
Tal intenção usurpatória pode consumar-se de forma explícita (por meios notificativos directos), ou então de forma implícita, através de actos inequívocos do detentor, correspondentes a uma declaração de vontade tácita.

Analisemos a presente matéria em termos jurisprudenciais.
No douto Acórdão do STJ de 12/03/2015 – Relator: Lopes do Rego, Processo nº. 3566/06.8TBVFX.L1.S2, in www.dgsi.pt – apreciou-se a questão de saber “em que termos e circunstâncias se poderá qualificar como «verdadeiro» possuidor o promitente comprador que, no âmbito de um contrato promessa desprovido de eficácia real, obtém a tradição da coisa, em consequência de acordo negocial conexo com a promessa de venda, e permanece por período anormalmente dilatado no respectivo uso e fruição, em consequência de, não se realizando a escritura definitiva, também não ser definida pelas partes cabalmente a situação de pendência prolongada do contrato promessa”.
Questionou-se, então, se a situação jurídica do promitente-comprador do imóvel, em que houve tradição deste, é qualificável como posse e, consequentemente, desde que mantida pelo período de tempo legalmente exigível, conducente à aquisição originária do direito de propriedade, através do instituto da usucapião.
Acrescentou-se, então, que, “na verdade – sendo incontroverso que tal tradição da coisa prometida vender, assente na pressuposição e expectativa de que será cumprido o contrato definitivo e equivalendo, quando muito, à outorga ao promitente comprador de uma situação equiparável a um direito pessoal de gozo (cfr. Acs. de 17/4/07, proferido pelo STJ no P. 07A480 e de 22/3/11, no P. 3121/06.2TVLSB.E1.S1), apenas desencadeará normalmente uma situação de mera detenção, enquadrável no art.º 1253º do CC, possuindo aquele interessado o imóvel em nome do proprietário/promitente vendedor, sem que tal envolva a transmissão a seu favor da posse sobre o imóvel – poderão, todavia, verificar-se situações excepcionais em que assim não seja, merecendo a posição do promitente comprador com tradição do imóvel a qualificação originária de verdadeiro possuidor; ou ocorrer, na pendência da fruição do prédio, uma situação de inversão do título da posse, prevista no art.º 1265º do CC, susceptível de desencadear supervenientemente a aquisição de posse - verdadeira e própria - por parte do – até então – mero detentor”.
Assim, conforme reiterado entendimento jurisprudencial, “a qualificação da natureza da posse do beneficiário da tradição da coisa, no âmbito de um contrato promessa de compra e venda de imóvel, depende fundamentalmente de uma ponderação casuística que valore adequadamente os termos e o conteúdo do negócio, as circunstâncias que o rodearam e as vicissitudes que se seguiram à sua celebração, podendo efectivamente verificar-se situações – seguramente excepcionais – em que a «traditio» não teve originariamente como pressuposto subjacente à vontade dos contraentes a realização do contrato definitivo; ou em que, supervenientemente, ocorreram vicissitudes na vida da relação contratual determinantes de uma radical mudança no título que tinha justificado a inicial «entrega das chaves», a título precário e limitado, ao promitente comprador, enquadráveis na figura da inversão do título da posse” (sublinhado nosso).
O que determina a verificação casuística da eventual ocorrência das aludidas circunstâncias excepcionais capazes de justificar que a específica situação do promitente-comprador ultrapassa, de forma manifesta, o âmbito da mera detenção do imóvel por este utilizado e fruído após a sua traditio.
E, abono de tal entendimento, cita aresto do mesmo Alto Tribunal de 09/09/2008 – Processo nº. 08A1988 -, no qual se referenciou o seguinte:
“A posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real – art.º 1251 do C. C.
Na análise de uma situação de posse distinguem-se dois momentos : um elemento material (corpus), que se identifica com os actos materiais de detenção e fruição praticados com o exercício de certos poderes sobre a coisa; um elemento psicológico (animus) que se traduz na intenção de se comportar como titular do direito real correspondente aos actos praticados. A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação : é o que se chama a usucapião – art.º 1287 do C.C. A verificação da usucapião depende de dois elementos: da posse e do decurso de certo período de tempo, variável conforme a natureza móvel ou imóvel da coisa. Para conduzir à usucapião, a posse tem de revestir sempre duas características: ser pública e pacífica. Os restantes caracteres (boa ou má fé, titulada ou não titulada) influem apenas no prazo.
A qualificação da natureza da posse do beneficiário da traditio, no contrato promessa de compra e venda, depende essencialmente de uma apreciação casuística dos termos e do conteúdo do respectivo negócio. Como escrevem Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Vol. II, 2ª ed., págs 6/7), “o contrato promessa de compra e venda não é susceptível de transferir a posse ao promitente comprador. O contrato promessa, com efeito, não é susceptível de, só por si, transmitir a posse ao promitente comprador. Se este obtém a entrega da coisa antes da celebração do negócio translativo, adquire o corpus possessório, mas não adquire o animus possidendi, ficando, pois, na situação de mero detentor ou possuidor precário. São concebíveis, todavia, situações em que a posição jurídica do promitente comprador preenche, excepcionalmente, todos os requisitos de uma verdadeira posse. Suponha-se, por exemplo, que havendo sido paga já a totalidade do preço ou que, não tendo as partes o propósito de realizar o contrato definitivo (a fim de, v.g., evitar o pagamento da sisa ou precludir o exercício do direito de preferência), a coisa é entregue ao promitente comprador como se sua fosse já e que, neste estado de espírito, ele pratica sobre ela diversos actos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade. Tais actos não são realizados em nome do promitente vendedor, mas sim em nome próprio, com a intenção de exercer sobre a coisa um verdadeiro direito real. O promitente comprador actua, aqui, uti dominus, não havendo, por conseguinte, qualquer razão para lhe negar o acesso aos meios de tutela da posse “.
Trata-se de posição que tem sido sufragada pela doutrina (Antunes varela, R.L.J. Ano 124º- 348; Vaz Serra, R.L.J. Ano 109º-314 e Ano 114º-20, Calvão da Silva, BMJ nº 349-86, nota 55), bem como pela jurisprudência maioritária deste Supremo Tribunal de Justiça (Ac. do S.T.J. de 26-5-94, Col. Ac. S.T.J., II, 2º, 118; Ac. S.T.J. de 19-11-96, III, 3º, 96; Ac. S.T.J. de 11-3-99, Col. Ac. S.T.J., VII, 1º, 137; Ac. S.T.J. de 23-5-06, Col. Ac. S.T.J., XIV, 2º, 97, este também relatado pelo ora relator)
E, analisando situação cujos contornos apresentam alguma similitude com a dos presentes autos, continua o referido aresto:
Assim sendo, é bom de ver que não resultaram provadas quaisquer daquelas circunstâncias excepcionais que permitam concluir que possa existir o animus da posse, por parte do promitente comprador, em resultado da tradição da coisa que lhe foi facultada pelos promitentes vendedores, na sequência da celebração do contrato promessa de compra e venda.
Com efeito, nem a coisa foi entregue ao promitente comprador como se sua fosse já, nem este nesse estado de espírito (de proprietário) podia praticar sobre a coisa entregue actos materiais correspondentes ao direito de propriedade, pois era propósito das partes celebrar o contrato definitivo de compra e venda, quando foi outorgado o contrato promessa, sendo certo, por outro lado, que o preço não estava pago na totalidade e que não houve pagamento da sisa. A posse do promitente comprador foi exercida com referência à traditio da coisa decorrente do contrato promessa, por cujo cumprimento os próprios autores chegaram a reclamar em 2-8-66, quando notificaram os promitentes vendedores para comparecerem em cartório notarial no dia 15-12-66, a fim de outorgarem a escritura de compra e venda. Não se vislumbram, assim, circunstâncias excepcionais que justifiquem a consagração de uma excepção à regra da qualidade de mero detentor do promitente comprador.
Já vimos que o contrato promessa celebrado não é susceptível de, só por si, transmitir a posse ao promitente comprador. Com a entrega do andar e da arrecadação, antes da outorga da escritura de compra e venda do contrato prometido, o promitente comprador adquiriu o corpus possessório, mas não adquiriu o animus, ficando, pois, na situação de mero detentor ou possuidor precário.
Ao conferirem a posse precária aos recorridos, sem dúvida que os recorrentes queriam autorizar que aqueles usassem a arrecadação e fossem habitar, com a sua família, para o andar prometido vender, que lá preparassem e tomassem as suas refeições, que ali dormissem, recebessem a correspondência, amigos e conhecidos e lá organizassem a sua vida. Corolário dessa autorização seria também que os recorridos contratassem os fornecimentos de água, electricidade e gás, indispensáveis ao uso e fruição do andar consentido pelos promitentes vendedores, e suportassem os custos dos respectivos fornecimentos.
E, tendo sido celebrado contrato promessa de compra e venda, que definiu as prestações recíprocas das partes, nada se pode concluir do facto de não ser exigida qualquer contrapartida pela utilização do andar.
Relativamente ao facto de os recorridos terem comparticipado em outras despesas do andar e até do prédio, há que referir que nada mais se apurou para além dessa comparticipação, designadamente quanto a saber a que título foi feita, em que medida e porque razão. Tais actos traduzem o corpus da posse, que os recorrentes não contestam, sem que tenham a virtualidade de reflectir, necessariamente e de forma inequívoca, quanto aos mesmos recorrentes, o animus possidendi.
A tradição da coisa, realizada a favor do promitente comprador, no caso de promessa de compra e venda sinalizada, não investe o promitente comprador na qualidade de verdadeiro possuidor da mesma coisa. Os poderes que o promitente comprador exerce de facto sobre a coisa, sabendo que ela ainda não foi comprada, nem paga a totalidade do preço, não são os correspondentes ao direito do proprietário adquirente, mas os correspondentes ao direito de crédito do promitente adquirente perante o promitente alienante.
Por outro lado, cumpre ainda salientar que, embora se tivesse apurado que, desde 30-5-64, o autor se passou a julgar dono do andar e da arrecadação, o certo é que não basta tal estado psicológico de convicção interior, nem o facto do mesmo, desde 1966, ter comparticipado em certas despesas do andar e do prédio ou de ter pago a contribuição autárquica, a partir de 1974, pois não foi feita prova da inversão do título da posse em que aquele se encontrava, que teria de ser efectuada por oposição aos promitentes vendedores e levada ao conhecimento destes, em virtude da posse em nome próprio não ter sido originariamente conferida aos autores.
Nos termos do art.º 1265 do C.C., a inversão do título da posse só pode dar-se por oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía ou por acto de terceiro capaz de transferir a posse. Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª ed, pág. 30) “torna-se necessário um acto de oposição contra a pessoa em cujo nome o opoente possuía. Nesse sentido pode dizer-se que ainda se mantém a regra “nemo sibi causam possessionis mutare potest “. Não basta sequer que a detenção se prolongue para além do termo do título (depósito, mandato, usufruto a termo, etc) que lhe servia de base. O detentor há-de tornar directamente conhecida da pessoa cujo nome possuía (quer judicial, quer extrajudicialmente) a sua intenção de actuar como titular do direito”. Para ser eficaz, a inversão da posse tem de traduzir-se “em actos positivos (materiais ou jurídicos) inequívocos (reveladores que o detentor quer, a partir da oposição, actuar como se tivesse sobre a coisa o direito real que até então considerava pertencente a outrem) e praticados na presença ou com o consentimento daquele a quem os actos se opõem (Henrique Mesquita, Direitos Reais, 1967, pág. 98).
Ora, desde a outorga do ajuizado contrato promessa, os autores tiveram muitas oportunidades para inverterem o título da posse precária em que estavam investidos, levando ao conhecimento dos réus (ou dos seus herdeiros), quer judicial ou extrajudicialmente, a sua intenção de actuar como titulares do direito de propriedade sobre os mencionados andar e arrecadação. Mas nunca o fizeram, (…). E apenas se provou que os réus sempre souberam e nunca se opuseram à utilização que os autores faziam do andar, por eles expressamente consentida mediante a entrega das chaves, na sequência da celebração do contrato promessa, nada se tendo apurado quanto ao conhecimento, pelos réus, da mudança da convicção pessoal dos autores, nem quanto ao conhecimento do pagamento dos aludidos encargos que estes passaram a efectuar”.
Donde, ter-se sumariado que “o contrato promessa de compra e venda, embora acompanhado de tradição da coisa prometida vender, mas sem que se mostre integralmente pago o preço devido pela transacção, não é, em regra, susceptível de transmitir a posse ao promitente comprador que, normalmente, não se verificando circunstâncias excepcionais, adquire o corpus possessório, mas não o animus possidendi, ficando numa situação de mero detentor.
2. A posse em nome próprio do promitente comprador pode, porém, resultar de superveniente inversão do título da posse, a qual pressupõe a sua efectivação por oposição à contraparte, levada ao conhecimento desta, em termos de poder razoavelmente inferir-se uma oposição séria ao seu direito de propriedade.
3. Ao beneficiário da traditio (eventualmente geradora de direito de retenção a favor do promitente comprador) assiste, porém, o direito de conservar a detenção da fracção enquanto não for indemnizado pelo incumprimento da promessa de venda, ou não for convencido de que o promitente-vendedor não foi o culpado do incumprimento” (sublinhado nosso) – cf., com semelhante argumentação o douto aresto do mesmo Relator de 12/07/2011, Processo nº. 899/04.1TBSTB.E1.S1, in www.dgsi.pt.
E, idêntico sentido, sumariou-se no douto Acórdão do STJ de 11/09/2012 – Relator: Nuno Cameira, Processo nº. 4436/03.7TBALM.L1.S1, in www.dgsi.pt – que “a posse boa para usucapião é somente a que for pública e pacífica, ou seja, a exercida de modo a poder ser conhecida pelos interessados e adquirida sem coacção física ou moral, nos termos do art.º 255.º do CC (cf. arts. 1261.º, 1262.º e 1297.º do CC).
III - Os restantes caracteres da posse – o ser de boa ou má fé, titulada ou não e registada ou não – influem no prazo necessário para a aquisição por usucapião, mas não na aquisição propriamente dita.
IV - Iniciando-se a posse a partir da tradição material operada na sequência de um contrato-promessa, dum modo geral o promitente-comprador deve ser havido como um mero detentor ou possuidor precário, nos termos do art.º 1253.º, al. c), do CC, uma vez que possui em nome do promitente-vendedor até à realização do contrato definitivo.
V - Por si só, o contrato-promessa não é susceptível de transmitir para o promitente-comprador a posse, já que o que normalmente sucede é o contrato-promessa transmitir apenas o elemento material (corpus), mas não o elemento psicológico (animus) da posse verdadeira e própria.
VI - Em determinadas hipóteses, contudo, a posse exercida pelo promitente-comprador que detém a coisa é uma posse boa para usucapião e susceptível, portanto, de levar à aquisição do direito de propriedade, por se mostrar em concreto revestida do mencionado elemento psicológico, isto é, da intenção de agir como dono da coisa.
VII - Considerando que, na sequência do contrato-promessa, o promitente-vendedor entregou aos réus a fracção autónoma que prometeu vender-lhes, para que a utilizassem como coisa sua, e que os réus praticam desde Outubro de 1977, à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja, actos demonstrativos, no seu conjunto, de que se consideram (e são considerados) donos da fracção, tendo pago as despesas de reparação e manutenção do imóvel, as quotas do condomínio e arrendado a fracção a sucessivas pessoas, somente a ausência da licença de habitação tendo impedido a realização do contrato prometido, verifica-se que os réus adquiriram por usucapião o imóvel em causa” (sublinhado nosso).
Anteriormente, já se defendia no douto Acórdão do mesmo STJ de 17/04/2007 – Relator: Alves Velho, Processo nº. 07A480, in www.dgsi.pt – que “o contrato-promessa, cujo objecto é a prestação de um facto positivo – a realização do contrato prometido – não tem, em regra eficácia translativa. Desta só pode falar-se quando, referindo-se a imóveis, for outorgado por escritura pública e atribuída eficácia real à promessa (arts. 410º-1 e 413º C. Civil).
Daqui resulta que a eventual posse do promitente-adquirente não emerge do contrato-promessa, alheia que é ao respectivo objecto. O título de posse entronca num outro acordo negocial e na efectiva entrega do bem pelo promitente-alienante tendo em vista a celebração do contrato definitivo e por antecipação dos respectivos efeitos.
A doutrina e a jurisprudência vêm tomando sobre a questão da natureza da detenção da coisa pelo accipiens posições não coincidentes, mesmo posteriormente às alterações introduzidas ao regime legal do contrato-promessa pelos Dec.-Lei n.ºs 236/80, de 18/7 e 379/86, de 11/11, sendo que, após as mesmas, passou a admitir-se que, enquanto o contrato-promessa não for denunciado ou resolvido por motivo imputável ao promitente-comprador, pode haver posse deste e direito à correspondente defesa e dos seus efeitos.
Tal posse, em nome próprio e titulada, encontra fundamento na circunstância de ser exercida na pressuposição do cumprimento do contrato e como mera antecipação dos efeitos translativos do contrato definitivo e na da execução da pactuada tradição, também e ainda como antecipação dos efeitos da mesma venda, como se prevê no art.º 1263º- b) C. Civil.
Não deixará, mesmo assim, de, apesar de legítima, ser havida como uma “posse condicional” na medida em que a sua permanência e conservação andam associadas e, consequentemente, mantêm-se dependentes da celebração do contrato definitivo.
Dessa condicionalidade, de resto inerente à falta de eficácia translativa do contrato-promessa e da traditio, decorre ainda que o animus possidendi não se identificará, em tais casos, com o elemento subjectivo da posse do proprietário, pelo menos quanto à invocabilidade do domínio por usucapião.
Em regra, pois, o promitente-comprador exercerá sobre o bem um direito pessoal de gozo, semelhante ao do comodatário, mas que lhe não confere a realidade da posse, nem mereceu ainda equiparação legal.
Porém, sendo embora essa a regra, pode efectivamente haver, como começou por admitir-se, posse do promitente-adquirente, o que sucederá quando, obtido o corpus pela tradição, a coberto daquela pressuposição de cumprimento do contrato definitivo e na expectativa fundada de que tal se verifique, pratica actos de posse com o animus de estar a exercer o correspondente direito de proprietário em seu próprio nome, ou seja, intervindo sobre a coisa como se sua fosse.
Assim será quando a traditio e os actos praticados à sombra da mesma se apresentam como correspondentes ao cumprimento do contrato prometido, designadamente por aquela forte e fundada expectativa o justificarem.
Serve o referido para concluir que não se nos afigura possível qualificar dogmaticamente como mera posse precária ou como verdadeira posse a detenção exercida pelo promitente-comprador sobre a coisa objecto do contrato prometido em que é beneficiário de traditio.
Como a este propósito escreve CALVÃO DA SILVA (“Sinal e Contrato-Promessa”, 1988, pg. 160, nota 55), tudo dependerá do animus que acompanhe o corpus. “Se o promitente-comprador tiver animus possidendi – o que não é de excluir a priori – será possuidor, o que pode acontecer derivadamente, nos termos da al. b) do art.º 1263º (...), ou originariamente, nos termos da al. a) do art.º 1263º (...). Se o promitente-comprador tiver animus detinendi, exercendo, por exemplo o corpus em nome de outrem, por acto de tolerância do promitente-vendedor (art.º 1253º-c) e b)), será detentor ou possuidor precário”.
Naquela primeira situação, de verdadeira posse, poder-se-ão integrar, eventualmente entre outros, casos como os do promitente-comprador que pagou a totalidade ou quase totalidade do preço, ou em que a entrega da coisa lhe é feita pelo promitente-vendedor “como se sua fosse já” e aquele como tal passa a agir, ou ainda em que a tradição seja motivada ou acompanhada de circunstâncias que, por incompatíveis com acto de mera tolerância, revelem ou consolidem uma expectativa da irreversibilidade da situação (cfr. P. DE LIMA e A. VARELA, “Anotado”, III, 6; Acs. STJ de 11/3/99, 8/3/46, 7/5/03 e 4/7/02, in, respect., CJSTJ VII-I-137, XI-III-46 e “Sumários” 2001, 218 e 2002, 237).
Numa palavra hão-de ser o acordo de tradição e as circunstâncias relativas ao elemento subjectivo a determinar a qualificação da detenção” (sublinhado nosso).
Pugnando por idêntico entendimento, referencia-se no douto Acórdão do STJ de 08/03/2018 – Relator: Fonseca Ramos, Processo nº. 2723/04.6TBBRR.L1.S1, in www.dgsi.pt – que, em regra, “o promitente-comprador que obteve a traditio apenas frui um direito de gozo, que exerce em nome do promitente-vendedor e por tolerância deste – é, nesta perspectiva, um detentor precário – art.º 1253º do Código Civil – já que não age com animus possidendi, mas apenas detém o corpus possessório, a relação material com a coisa – art.º 1251º do Código Civil”.
Admitem-se, porém, situações excepcionais, a aferirem, “casuisticamente, saber se a posse do promitente-comprador, que obteve a traditio, deve ser qualificada como posse precária – o que acontece em regra – ou, se deve ser qualificada como posse em nome próprio (…)”, o que sucede naquelas situações em que a posição jurídica do promitente-adquirente preenche, de forma excepcional, todos os requisitos de uma verdadeira posse. Tais situações, enunciadas por Antunes Varela, são, exemplificativamente, já ter sido paga “a totalidade do preço ou que, não tendo as partes o propósito de realizar o contrato definitivo, (a fim de v.g., evitar o pagamento da sisa ou precludir o exercício de um direito de preferência), a coisa é entregue ao promitente-comprador como se sua fosse já e que, neste estado de espírito, ele pratica sobre ela diversos actos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade.
Tais actos não são realizados em nome do promitente-vendedor, mas sim em nome próprio, com a intenção de exercer sobre a coisa um verdadeiro direito real”.
Donde, ter-se sumariado que “em regra o contrato-promessa de compra e venda de bem imóvel, sem eficácia real, mesmo tendo havido traditio, não confere ao promitente comprador uma posse em nome próprio: inexistindo tal posse, a que é exercida pelo possuidor é em nome alheio e só é idónea para aquisição do direito real de propriedade ocorrendo inversão do título de posse e a verificação dos requisitos de posse usucapível, desde o momento da inversão” (sublinhado nosso).
Mencione-se, ainda, o doutamente exposto no já citado Acórdão do STJ, de 09/06/2016, o qual se exarou que “o presente litígio emerge de uma situação típica que tem vindo a ser vastamente tratada na doutrina e na jurisprudência, a qual se reconduz a saber em que termos é que, no âmbito de um contrato-promessa de compra e venda sem eficácia real, em que tenha ocorrido a tradição da coisa, o promitente-comprador pode ser qualificado como um verdadeiro possuidor, mormente para efeitos de aquisição por usucapião do bem prometido vender”.
Prossegue, referenciando que “desde já se diga que a orientação largamente maioritária e reiterada é a de que o contrato-promessa, em tais condições, não é suscetível de, só por si, transmitir a posse da coisa ao promitente-comprador, admitindo-se, porém, que tal possa acontecer, em determinadas situações excecionais, casuísticamente ponderadas em função do conteúdo do negócio e das circunstâncias concomitantes à sua celebração ou das vicissitudes que se lhe seguiram, como são, por exemplo, os casos em que tenha sido paga a totalidade do preço, em que tenha sido concertado o propósito de não realizar a escritura do contrato definitivo para evitar despesas, sendo a coisa entregue ao promitente-comprador a título definitivo, ou ainda em caso de ocorrência da inversão do título de posse”.
Relativamente às presunções legais confinantes, estatuídas nos artigos 1252º, nº. 2 e 1257º, nº. 2, do Cód. Civil, aduz que “para funcionar a presunção estabelecida no n.º 2 do artigo 1252.º do CC, importa que o pretenso possuidor se apresente como iniciador da posse, desligado portanto de qualquer possuidor antecedente, como nos casos de aquisição originária da posse por prática reiterada ou por inversão do título de posse, previstos, respetivamente, nas alíneas a) e c) do artigo 1263.º do CC. Já nos casos de aquisição derivada da posse, como sucede com a tradição material ou simbólica, efetuada pelo anterior possuidor, prevista na alínea b) do mesmo artigo, prevalecerá a presunção ilídivel estabelecida no n.º 2 do art.º 1257.º, segundo a qual se presume que a posse continua no anterior possuidor, competindo assim ao adquirente provar não só a mera materialidade da traditio mas também a intencionalidade subjacente, mormente com apelo ao negócio em se fundou aquela traditio”.
Acrescenta-se saber-se “que a celebração de um contrato-promessa de compra e venda protrai para momento posterior a realização do contrato prometido, só deste decorrendo o efeito típico de transmissão da propriedade da coisa, nos termos dos artigos 408.º, n.º 1, 879.º, alínea a), e 1317.º, alínea a), do CC, não tendo assim aquele contrato-promessa eficácia translativa.
Neste quadro, tendo a coisa prometida vender sido logo entregue pelo promitente-vendedor ao promitente-comprador, tal entrega traduzir-se-á numa aquisição derivada da posse, nos termos previstos na alínea b) do artigo 1263.º do CC, a qual se presume, por força do n.º 2 do artigo 1257.º do mesmo Código, que continua em nome de quem a começou, ou seja, do promitente-vendedor. Nestas circunstâncias, o promitente-comprador ficará investido na situação de mero detentor, enquadrável no art.º 1253.º do CC, ainda que, dada a sua expectativa de realização do contrato definitivo, se lhe reconheça a titularidade de um direito pessoal de gozo, de base contratual, mais precisamente o acordo respeitante à traditio”.
Todavia, “não obstante isso, a sobredita presunção da continuação da posse em nome do promitente-vendedor pode ser ilidida no sentido de que a vontade das partes fora a de transferir, desde logo, para o promitente-comprador por razões especificas - nas ditas situações excecionais -, a título definitivo, a posse da coisa correspondente ao direito de propriedade”.
No douto aresto do mesmo STJ de 21/03/2013 – Relator: Bettencourt de Faria, Processo nº. 1223/05.1TBCSC-B.S1, in www.dgsi.pt – aduziu-se que “do contrato promessa de compra e venda de uma fracção autónoma não podem decorrer efeitos de natureza real, uma vez que tal tipo contrato é meramente obrigacional. Havendo a tradição da coisa, o promitente comprador passa a ser mero detentor ou possuidor precário da mesma, não sendo titular de uma verdadeira posse que tenha o direito de defender.
No entanto, pode acontecer que, do caso concreto, se possa deduzir dessa tradição que as partes quiseram antecipar os efeitos do contrato definitivo – a transferência da propriedade para o comprador e a percepção do preço pelo vendedor -, por forma a que o mesmo comprador passe a actuar como se fosse o proprietário da coisa.
Não será de exigir o pagamento total do preço, mas certamente uma sua parte substancial. Tratando-se de fracção autónoma, o agir o promitente comprador como condómino, assumindo o exercício dos direitos e cumprindo os deveres de tal posição é outro aspecto determinante de um corpus possessório – a actuação como titular do direito de propriedade -, sendo certo que o animus possessório se presume. No mesmo sentido vai o realizar obras no andar. É esta a orientação que decorre dos art.ºs 1253º nº 1 e 1251º do C. Civil” (sublinhado nosso).
Por fim, sumariou-se no já identificado aresto do Colendo STJ de 12/03/2009 que, em regra, “o promitente-comprador de fracção predial, que obteve a traditio apenas frui um direito de gozo, que exerce em nome do promitente-vendedor e por tolerância deste – sendo, nesta perspectiva, um detentor precário já que não age com animus possidendi, mas apenas com corpus possessório (relação material)”.
Assim, importa “casuisticamente, averiguar se a posse do promitente-comprador, que obteve a traditio, deve ser qualificada como posse precária – o que acontece em regra – ou, se deve ser qualificada como posse em nome próprio”.
Ora, “tendo-se provado que – a Autora, está, desde o início de 1978, na fracção objecto mediato do contrato-promessa de compra e venda onde mora; obteve a entrega, “traditio”, por parte do promitente-vendedor da fracção; pagou a quase totalidade do preço (falta apenas pagar 50.000$00 (€ 249,40) do preço global estipulado em 22.7.1977 - (1.800.000$00); realizou obras, em 1978 e 1979, no valor de 1 626 211$00, que foram autorizadas pelo promitente-vendedor que, para tanto, lhe entregou as plantas, alçados, planos eléctricos e de conduta de água da fracção; que as obras de reconstrução incluíram deitar paredes abaixo e substituição de pavimentos, azulejos e pintura de paredes; que a escritura que incumbia ao promitente vendedor marcar fora aprazada para 30.1.78 mas não foi realizada, apesar de solicitada pela Autora; que a partir da entrega a Autora sempre pensou que ia efectuar a escritura pública de compra e venda, e ainda que, o promitente-vendedor nunca lhe exigiu a entrega do andar e que esta, no dia 03.8.82, fez a declaração na competente repartição de finanças para efeitos de isenção de sisa – importa concluir que adquiriu o direito de propriedade da fracção, por usucapião, tendo em conta que exteriorizou uma posse pública, pacífica, titulada, de boa-fé, exercida ininterruptamente, desde a data da entrega, no início do ano de 1978, até 30.11.2000 – data da propositura da acção”.
Com efeito, “a posse exercida pela Autora, além do elemento material – corpus – contacto e ligação à coisa detida – revestiu-se de intenção de exercer um direito próprio, animus rei sibi habendi e não em nome do promitente-comprador” (sublinhado nosso).

De retorno ao caso concreto, afira-se qual a factualidade ponderável.
Aquando da outorga do contrato-promessa de compra e venda, em 21/02/1985, as chaves do armazém e logradouro, correspondentes ao prédio urbano prometido vender, foram entregues ao promitente-adquirente e á 1ª Ré, sua mulher, tendo ainda a Ré sociedade fixado no local a sua sede.
Assim, com a autorização dos promitentes-vendedores, as Rés passaram a utilizar tal armazém e logradouro como armazém de máquinas e materiais, tendo lá residido trabalhadores.
O contrato prometido, a realizar mediante escritura pública, referenciado no contrato-promessa, deveria ser realizado até 20/05/1985 ou 20/07/1985, o que não sucedeu, tendo os promitentes-vendedores transmitido ao promitente-comprador e à sua mulher, ora 1ª Ré, que pretendiam que estes lhes restituíssem o armazém e logradouro.
Já no ano de 1992, o promitente-comprador ofereceu ao promitente-vendedor 5.000.000$00 para concretizar o negócio prometido, mas este negou-se a fazê-lo, tendo-lhe aquele referenciado que defenderia o armazém e logradouro contra qualquer ameaça.
No verão de 1999, a ora 1ª Ré (mulher do promitente-comprador) dirigiu-se ao promitente-vendedor para tentar resolver a situação, tendo-lhe oferecido a importância de 10.000.000$00 para que o contrato prometido fosse realizado, ao que este lhe respondeu que aqueles espaços (armazém e logradouro) não seriam para o próprio nem para a 1ª Ré.
Entretanto, quer o promitente-comprador, quer a sua mulher (ora 1ª Ré) continuaram a ocupar o armazém e logradouro.
Nos anos de 2010 e 2016, a 1ª Ré pagou, respectivamente, as quantias de € 5.431,34 e € 6.441,53, por conta de dívidas fiscais respeitantes ao armazém e logradouro.

Ora, já referenciámos que o contrato-promessa de compra e venda de imóvel, mesmo nas situações em que ocorre traditio daquele para a esfera de disponibilidade dos promitentes-compradores, não é susceptível de, por si só, transmitir-lhes a posse da coisa, passando antes estes a serem meros detentores ou possuidores precários da mesma.
Todavia, ressalvou-se que tal possa ocorrer em determinadas situações excepcionais, a considerar e ponderar de forma casuística, em função da análise do conteúdo do negócio, das circunstâncias concomitantes à sua celebração e das vicissitudes que se lhe seguiram. Exemplificativamente, referenciam-se as situações em que o preço foi totalmente (ou quase) pago, em que tenha sido acordado não realizar a escritura pública do contrato prometido para evitar as despesas associadas, que a coisa tenha sido entregue ao promitente-adquirente com natureza definitiva como se fosse já dele, passando a praticar sobre a mesma actos materiais correspondentes ao direito de propriedade, não em nome do promitente-vendedor, mas antes em nome próprio.
Ou seja, deve extrair-se da factualidade apurada e, nomeadamente do acto de tradição do objecto do contrato prometido, terem querido as partes antecipar na totalidade os efeitos do contrato definitivo (transferência da propriedade para o comprador e percepção do preço pelo vendedor), cuja celebração não pretendem ou pretenderam na realidade outorgar, de forma a que o (promitente) comprador passou a agir sobre a coisa como se fosse o seu efectivo dono ou proprietário.
Por outro lado, outra situação ou condição excepcional, decorre da existência de uma concreta inversão do título da posse, isto é, que o promitente-comprador (ou os seus sucessores), a partir de determinado momento tenha(m) passado a agir não como mero(s) detentor(es) do imóvel traditado, mas antes como seu(s) efectivo(s) dono(s) ou proprietário(s).
Concretizando, que num determinado momento se tenha(m) oposto perante os promitentes-vendedores, de forma explícita ou implícita, comunicando-lhes que, a partir desse momento, passavam a actuar e agir parente o imóvel como se este fosse coisa sua, ou seja, que aos actos tradutores do corpus possessório que até aí praticavam, aliavam, ainda, uma intenção ou animus de agirem como donos e concretos proprietários.
Ora, evidencia a supra exposta factualidade provada a existência de tais situações excepcionais ?
Cremos que, in casu, a resposta só pode ser negativa.
Efectivamente, não decorre da factualidade apurada verificarem-se as aludidas circunstâncias ou situações excepcionais, capazes de reconfigurar ou alterar a normal situação de mera detenção do promitente-adquirente, que decorreu da tradição do imóvel, convertendo-a em efectiva situação possessória. Seja porque esta é configurável desde a outorga do contrato-promessa, seja pelo facto desta ter ocorrido por superveniente intenção usurpatória, consumada de forma explícita (por meios notificativos directos), ou então de forma implícita, através de actos inequívocos do detentor, correspondentes a uma declaração de vontade tácita.
O que logramos sustentar no seguinte:
- parece-nos evidente que aquando da celebração do contrato-promessa era clara a intenção das partes contratantes em outorgarem o contrato definitivo. É o que decorre do facto de terem previsto um prazo inicial para o efeito, bem como a sua prorrogação, no caso daquele não poder ser cumprido, tradutor de real intencionalidade de não prescindirem da celebração da escritura pública que ia efectivar a translação da propriedade do imóvel;
- o preço contratualizado nunca foi integralmente pago, pois, do preço total estipulado (1.750.000$00) apenas foi entregue, a título de sinal, o montante de 500.000$00, ou seja, montante inferior a 1/3 daquele preço, sendo que o demais apenas seria liquidado no acto da celebração da escritura de compra e venda, a qual nunca se realizou;
- a mera circunstância da 1ª Ré, já nos anos de 2010 e 2016, ter liquidado dívidas fiscais respeitantes ao imóvel é ainda perfeitamente compatível e entendível perante o direito de gozo que tinha do mesmo, na decorrência da tradição que se havia operado, assim procurando salvaguardar e tutelar a continuidade da ocupação que efectuava. Com efeito, não é extraível de tais actos uma qualquer operação de inversão do título da posse, por oposição perante os proprietários possuidores, realçando-se, ainda, constar de tais documentos apresentados junto da autoridade tributária estarmos perante pagamentos efectuados com sub-rogação nos direitos da Fazenda Nacional e por terceiro, ou seja, estamos perante a prática de actos que não se podem qualificar necessariamente como actos materiais de fruição exclusiva da coisa, não se revelando como bastantes, por si só, ainda que como elementos coadjuvantes, para a descaracterização da situação de mera detenção.
Ademais, sempre se dirá não lograr provado ou indiciado nos autos que os promitentes-vendedores (ou os seus sucessores) tenham sequer tido conhecimento do teor dos requerimentos apresentados pela 1ª Ré junto da Fazenda Nacional, nomeadamente no que concerne aos termos utilizados, ou eventual convicção daí decorrente;
- também não decorre existir qualquer lastro factual, indiciador da aludida oposição receptícia ou notificativa, da mera circunstância do promitente-adquirente ou da sua mulher, ora 1ª Ré, terem adquirido uma qualquer simples convicção psicológica, não traduzida factualmente, de que seriam possuidores ou proprietários do imóvel, atenta a ausência de base factual demonstrativa de que tal convencimento tivesse sido expressado, devidamente comunicado e oposto aos promitentes-vendedores;
- por outro lado, a prova de que o promitente-comprador afirmou ao promitente-vendedor, em 1992, que defenderia o armazém e logradouro, constituintes do imóvel prometido vender, contra qualquer ameaça, afigura-se-nos carente de densidade factual suficiente para efeitos de inversão do título. Com efeito, esta declaração, atenta a sua equivocidade, prolatada perante a recusa do promitente-vendedor em concretizar o contrato prometido, mesmo perante o pagamento de um valor superior ao do preço em falta, ainda é perfeitamente compatível ou compaginável com a utilização e fruição do imóvel que era efectuada pelo declarante, na decorrência da traditio que havia operado, assim procurando tutelar a manutenção daquela situação. O que surge ainda mais compreensível se atentarmos a que, aquando desta declaração, já havia sido proferida decisão que negava a pretendida execução específica do contrato-promessa, e concluía por uma situação de mora do promitente-adquirente perante os promitentes-vendedores, sem que a estes pudesse ser imputado um qualquer incumprimento definitivo;
- por fim, ainda que dúvidas restassem ou subsistissem, o provado ulterior comportamento da 1ª Ré, diruindo-se, no verão de 1999, ao promitente-vendedor, no sentido de resolver a situação e oferecendo-lhe quantia manifestamente superior à parcela do preço não liquidada para a outorga do contrato prometido, evidencia e demonstra que, ainda naquela data, o considerava como dono do imóvel. O que contradita e entra em total distonia com uma alegada inversão do título anteriormente ocorrida.
Desta forma, aferida a matéria factual apurada, não se verificam as aludidas circunstâncias ou situações excepcionais capazes de induzirem numa reconfiguração ou alteração da normal situação de detenção do promitente-vendedor (e sucessora 1ª Ré), convertendo-a em verdadeira e própria posse.
Concretizando, não tendo a Reconvinte 1ª Ré provado factos demonstrativos de ter sido iniciada uma posse em nome próprio, susceptível de ilidir a presunção inscrita no nº. 2, do art.º 1257º, do Cód. Civil, da qual decorre que a posse correspondente ao direito de propriedade continuou nos anteriores possuidores, ou seja, nos promitentes-vendedores.
Pelo que, assentando originariamente o direito da Reconvinte 1ª Ré numa situação de detenção do imóvel, e inverificados que se mostram os pressupostos da inversão do título da posse, o juízo é necessariamente o de improcedência do pedido reconvencional de aquisição originária do direito de propriedade, com base em aquisição prescritiva.
Efectivamente, inexistindo posse, não se coloca sequer a questão da análise dos seus caracteres ou do cômputo do período temporal necessário ao preenchimento da aquisição originária por usucapião.
Assim, conforme se extrai dos factos provados 13 e 14, mostrando-se registada a favor dos Autores a propriedade do imóvel, funciona a presunção, legal e ilidível, estatuída no art.º 7º, do Cód. do Registo Predial, de que o direito existe na sua esfera jurídica, enquanto titulares inscritos, nos exactos termos em que o registo o define.
Presunção que, nos termos expostos, não lograram as Rés ilidir, nomeadamente com fundamento na alegada aquisição prescritiva do mesmo por parte da Reconvinte 1ª Ré. 
Ademais, e à latere, sempre se referirá existir alguma distonia e mesmo contradição no alegado pelas Rés contestantes, ao enunciarem, por um lado, que os promitentes-vendedores haviam transferido, para o promitente-comprador (e consequente sucessora), através da traditio emergente do contrato-promessa, a posse correspondente ao direito de propriedade e, por outro, invocarem uma ulterior situação de inversão do título da posse.

Em acréscimo, referenciemos, ainda o seguinte:
- a aduzida compensação relativamente ao preço em dívida, resultante do pagamento das dívidas fiscais por parte da 1ª Ré, mostra-se irrelevante, nos termos já apreciados, no que se reporta à sua eventual indiciação da ocorrência de efectiva oposição da 1ª Ré detentora, conducente à inversão do título da posse.
No que ao demais concerne, a existência ou não de uma efectiva compensação relativamente ao preço de venda contratualizado, é matéria inócua nos presentes autos, em que não se discute directamente acerca do cumprimento ou incumprimento do contrato-promessa, imputabilidade de incumprimento ocorrido ou acerca das consequências jurídicas de um aludido pagamento integral do preço. Matéria que, nos termos expostos, já teve o seu palco jurídico-processual de discussão;
- no que respeita à aludida não elisão da presunção de posse, decorrente do exercício do poder de facto sobre uma coisa, enunciada no nº. 2, do art.º 1252º, do Cód. Civil, já supra apreciámos acerca do funcionamento desta presunção legal, em confinância e articulação com a presunção inscrita no nº. 2, do art.º 1257º, do mesmo diploma.
Assim, conforme enunciámos, para que aquela presunção de posse funcione, é mister que o pretenso possuidor se apresente como iniciador da posse, desligado de qualquer antecedente possuidor, tal como sucede com as situações de aquisição originária da posse por prática reiterada ou inversão do título da posse.
Por sua vez, a presunção estabelecida no nº. 2, do art.º 1257º tem por palco as situações de aquisição derivada da posse, no sentido de presumir-se que a posse continua no anterior possuidor, pelo que, para a ilidir, deve o detentor provar não só a mera materialidade da traditio, como ainda a intencionalidade subjacente, procurando-a ou fundando-a no negócio que sustentou ou justificou a aludida traditio.
Ora, conforme verificámos, in casu não se logrou provar uma situação de aquisição originária da posse por prática reiterada, ou inversão do título da posse, a beneficiar a Reconvinte Ré, nem esta, enquanto detentora, para além da mera materialidade decorrente da traditio, logrou demonstrar uma subjacente intencionalidade expressante do animus possessório, de forma a não operar a presunção de conservação da posse acolhida no citado nº. 2, do art.º 1257º, do Cód. Civil.
Donde, decai, irremediavelmente, o aludido funcionamento da aludida presunção de posse, a favor da Ré Reconvinte, prevista no nº. 2, do art.º 1252º, do mesmo diploma.

Donde, em guisa conclusiva, improcedem, no que ao presente segmento recursório concerne, as conclusões apelatórias, com consequente confirmação do juízo sustentado na sentença recorrida.

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- da improcedência do 1º pedido formulado pelos Autores, e da não indicação do fundamento para o acolhimento dos 2º e 3º pedidos dos Autores, umbilicalmente ligados ao 1º

Aduzem as Recorrentes Apelantes que, atenta a improcedência do primeiro pedido dos AA. - o reconhecimento da propriedade plena sobre o imóvel - não se descortina a fundamentação para considerar a acção procedente, sendo que também não é minimamente evidenciado o fundamento para o acolhimento dos segundo e terceiro pedidos dos AA., os quais se encontram umbilicalmente ligados ao primeiro.

Na sentença sob sindicância ajuizou-se, relativamente a esta questão, nos seguintes termos (ignoram-se as notas de rodapé):
Desde logo, importa notar que, embora se deva reconhecer aos Autores a qualidade de proprietários do imóvel em questão, o primeiro pedido por eles formulado não deve merecer acolhimento.
Vejamos.
As acções de condenação são também de apreciação, já que o juiz não pode condenar o réu sem primeiro apurar se a pretensão é devida. Mas «(…) Mas a apreciação aparece aqui como meio para se chegar a um fim último: a condenação, ao passo que na acção de simples apreciação, o fim único da actividade jurisdicional é a apreciação (…)».
Significa isto que só aparentemente existe uma acção de simples apreciação positiva, cumulada com uma de condenação, porquanto o pedido é só um: a restituição da coisa após averiguação de determinada qualidade jurídica (a de proprietário), o que, aliás, emerge da letra do mencionado n.º 1 do artigo 1311.º do Código Civil16.
Radica assim numa errónea interpretação do que dispõe o n.º 1 do artigo 1311.º do Código Civil o pedido formulado no sentido de as Rés serem condenadas a reconhecer o direito de propriedade.
Aliás, conforme ensina OLIVEIRA ASCENSÃO «(…) uma exigência de reconhecimento pelo réu não teria qualquer sentido: o réu não tem de prestar declaração com este conteúdo (…)».
Acresce que qualquer sentença que viesse a condenar as Rés nesse reconhecimento do direito seria inexequível - já que não há forma de obter, coercivamente, a prestação de facto em causa - e que esse reconhecimento é, desde logo, imposto às demandadas pelo trânsito em julgado da presente decisão (cfr. n.º 1 do artigo 671.º do Código de Processo Civil).
Improcede, por isso, o primeiro pedido formulado pelos Autores contra as Rés”.

Ora, independentemente da assertividade jurídica do exposto, não logramos descortinar de que forma tal juízo inquina a procedência acional decretada, nomeadamente no que concerne ao segundo e terceiro pedidos dos Autores, nomeadamente o de condenação das Rés na restituição do imóvel, devidamente devoluto e no estado em que se encontrava à data da autorização do seu uso, e de condenação das mesmas Rés na abstenção da prática de actos que o possam danificar ou diminuir o seu valor.
Efectivamente, apesar da aludida ligação entre os enunciados pedidos, a decisão de julgar improcedente o primeiro fundou-se em exclusivas razões jurídicas, reportadas à natureza da acção, e mediante um juízo de reconhecimento de dispensabilidade, e não perante um qualquer juízo de não acolhimento do invocado direito de reivindicação, capaz de colidir ou afrontar a procedência dos demais indicados.
Donde, sem necessidade de ulteriores considerações, improcede, igualmente, o presente fundamento recursório de aludida ausência de fundamentação jurídica no acolhimento dos 2º e 3º pedidos, em aparente contradição com o decretado juízo de improcedência do 1º pedido.


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- da indemnização e do injustificado recurso à responsabilidade extracontratual na sua fixação

Referenciam as Apelantes que, encontrando-se legitimada a posse ou utilização do imóvel pelo direito de retenção, deve ser revogada a arbitrada indemnização, baseada “numa prestação de facere (dever geral de respeito perante o direito de propriedade) geradora de responsabilidade extracontratual, cujo ónus de alegação e prova dos respectivos pressupostos incumbem ao lesado, sendo que os AA. nada alegaram e muito menos provaram algo nesse domínio”.
Donde, ocorre injustificado recurso à responsabilidade extracontratual na fixação da indemnização.

Em sede contra-alegacional, aduzem os Recorridos Autores que relativamente á condenação em indemnização fundada na responsabilidade extracontratual, caso se entenda no sentido de não estarem cumpridos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, sempre será legítima a condenação das Rés através do instituto do enriquecimento sem causa.
O que, acrescentam, sempre determinaria a condenação das Recorrentes, em pagar aos Recorridos, um montante correspondente ao valor aproximado locativo do imóvel, desde a sua ocupação ilícita até à sua efectiva entrega.

Relativamente à presente vertente do petitório, a sentença sob sindicância ajuizou, em súmula, nos seguintes termos:
- estamos no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, pois a tradição da coisa é alheia ao cumprimento do contrato-promessa de compra e venda, operando a responsabilização nos quadros do art.º 483º, do Cód. Civil;
- a conduta das Rés é voluntária, ilícita e culposa, existindo um nexo causal entre a questionada conduta das Rés e a privação do uso que vem sendo suportada pelos Autores;
- e, não sendo possível reconstituir o uso preterido, deve a respectiva indemnização ser satisfeita em dinheiro;
- tal dano deve ser ressarcido, ainda que, como sucede in casu, não se aleguem e/ou apurem a existência de concretos prejuízos emergentes ou de lucros cessantes, devendo o Tribunal utilizar critérios de equidade na fixação da indemnização devida;
- ponderando, in casu:
· a desvalorização do prédio pelo decurso do tempo;
· o facto do mesmo ter sido adquirido pelos Autores a título gratuito;
· o seu valor (fixado, em 2018, em 90.000,00 €);
· o lapso de tempo pelo qual perdura a ocupação não consentida pelos Autores,
afigura-se equitativo fixar a indemnização devida por cada mês de atraso na restituição do imóvel em 1.000,00 €, a computar desde a data da citação das Rés para os termos da presente causa e até à efectiva entrega do imóvel.

Ora, justifica-se a decretada indemnização? E, na afirmativa, funda-se a mesma no âmbito da responsabilidade extracontratual, ou dever-se-á antes sustentar em efectiva responsabilidade contratual? Não se enquadrando em quaisquer destas responsabilidades de índole civil, deve, ainda assim, a mesma proceder com base no civilístico instituto do enriquecimento sem causa?
Analisemos.

Relativamente ao dano ou perda em equação, e mais incisivamente sobre a problemática do direito à indemnização pela privação do uso de um bem, podem-se equacionar três diferenciadas correntes.
Conforme referenciado no douto Acórdão do STJ de 28/01/2021 – Relatora: Rosa Tching, Processo nº. 14232/17.9T8LSB.L1.S1, in www.dgsi.pt, ignorando-se as referências ás notas de rodapé -, “segundo uma tese, defendida, designadamente por Abrantes Geraldes e Menezes Leitão e perfilhada mormente no Acórdão do STJ, de 05.07.2007 (processo nº 07B18496), a privação do direito de uso e fruição integrado no direito de propriedade configura, por si só, um dano indemnizável, independentemente da utilização que se faça, ou não, do bem em causa durante o período da privação” (sublinhado nosso).
Num outro entendimento, que se pode denominar por 2ª tese, “defendida entre outros, nos Acórdãos do STJ, de 10.07.2012 (processo nº 3482/06.3TVLSB.L1.S1), de 04.07.2013 (processo nº 5031/07.7TVLSB.L1.S1) e de 10.01.2012 (processo nº 189/04.0TBMAI.P1.S1), a atribuição de uma tal indemnização depende da prova do dano concreto, ou seja, para a determinação do dano deve o lesado concretizar e demonstrar a situação hipotética que existiria se não fosse a lesão (ocupação ou privação do uso)”.
Pelo que, “no que concerne à privação do uso de um bem imóvel, afirmou-se, nos Acórdãos do STJ, de 08.05.2007 (processo nº 07A1066) e de 06.05.2008 (processo nº 08A1389), que a mera privação (de uso) da fração reivindicada ou do prédio reivindicado «impedindo, embora, o proprietário do gozo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição nos termos do art.º 1305º do CC, só constitui dano indemnizável se alegada e provada, pelo dono, a frustração de um propósito real, concreto e efetivo de proceder à sua utilização, os termos em que o faria e o que auferiria, não fora a ocupação-detenção, pelo lesante». No mesmo sentido, afirmou-se no acórdão do STJ, de 10.07.2008 (processo nº 08A2179) que «A mera privação (de uso) do prédio esbulhado, impedindo, embora, possuidor do gozo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição (nos termos do artigo 1305.º do Código Civil) só constitui dano indemnizável se alegada e provada, por aquele a frustração de um propósito, real, concreto e efectivo de proceder à sua utilização, os termos em que o faria e o que auferiria, não fora a ocupação-detenção, pelo lesante »” (sublinhado nosso).
Por fim, no que se reporta a uma intitulada 3ª tese ou posição, “sufragada entre outros, nos Acórdãos do STJ de 02.06.2009 (processo nº 1583/1999.S1), de 12.01.2012 (processo nº 1875/06.5TBVNO.C1.S1), de 03.10.2013 (processo nº 1261/07.0TBOLHE.E1.S1) e de 14.07.2016 (processo nº 3102/12.7TBVCT.G1.S1), apesar de não chegar a prova da privação da coisa, pura e simples, também não é de exigir a prova efetiva do dano concreto, bastando, antes, que o lesado demonstre que pretende usar a coisa, ou seja, que dela pretende retirar as utilidades (ou alguma delas) que a coisa normalmente lhe proporcionaria se não estivesse dela privado pela atuação ilícita do lesante” (sublinhado nosso).
Acrescenta, citando Paulo Mota Pinto – Interesse Contratual Negativo e interesse contratual Positivo, Vol. I, 2008, págs. 594-596 – “que a indemnização do dano da privação do uso pressupõe a demonstração da possibilidade de certa utilização concreta ou da afetação da possibilidade dessa utilização, como integradora das faculdades do proprietário.
Assim, sendo a coisa em questão um prédio urbano, decidiu-se no Acórdão do STJ, de 26.05.2009 (processo nº 09A0531), que «será suficiente demonstrar que se destinava a ser colocado no mercado de arrendamento ou que o seu destino era a habitação própria, se pudesse dispor dele em condições de normalidade. Mas será dispensável a prova efectiva que estava já negociado um concreto contrato de arrendamento e a respetiva renda acordada ou os prejuízos efectivos decorrentes de o não poder, desde logo, habitar»”.
No aludido douto aresto do mesmo STJ de 03/10/2013 – Relator: Fernando Bento, Processo nº. 1261/07.0 TBOLHE.E1.S1, in www.dgsi.pt -, perfilhante da referida 3ª posição, consignou-se que “se é inquestionável que a privação do uso de uma coisa pode integrar um ilícito gerador de responsabilidade civil e da consequente obrigação de indemnizar, uma vez que impede o seu dono do exercício dos direitos de uso e fruição inerentes à propriedade, ou seja, a faculdade de se servir da coisa e de fazer seus os respectivos frutos (art.º 1484º nº1 CC), isso não significa, todavia, que a plenitude do direito de propriedade implique necessariamente o uso ou fruição; bem ao invés, o exercício do uso e fruição corresponde a meras faculdades do proprietário; melhor seria dizer, por isso, que o direito de propriedade envolve apenas e tão só a mera faculdade (que pode ser exercida ou não…) de uso e fruição, logo, o exercício de tal faculdade configura uma manifestação de liberdade do dono no que concerne ao aproveitamento dos seus bens: o proprietário absentista que não usa nem cede o uso nem tenciona fazê-lo, isto é, o que não aproveita nem permite que os outros aproveitem, não sofre dano de privação do uso, pois que nenhuma desvantagem patrimonial lhe advém da eventual actuação de terceiro susceptível de impedir o seu uso…” (sublinhado nosso).
Em abono do sustentado, cita vários arestos do mesmo STJ, nos seguintes termos:
“(…) este STJ entendeu em Ac de 10-01-2012 (cfr. Revista n.º 189/04.0TBMAI.P1.S1 - 6.ª Secção – Rel. Nuno Cameira) que:
“I - A privação do uso de uma coisa pode constituir um ilícito gerador da obrigação de indemnizar, uma vez que impede o seu dono do exercício dos direitos inerentes à propriedade, i.e., de usar, fruir e dispor do bem nos termos genericamente consentidos pelo art.º 1305.º do CC.
II - Não é suficiente, todavia, a simples privação em si mesma: torna-se necessário que o lesado alegue e prove que a detenção ilícita da coisa por outrem frustrou um propósito real – concreto e efectivo – de proceder à sua utilização” (negrito e sublinhado nosso).
Nesta perspectiva, a mera privação do uso, no sentido de impedimento do aproveitamento das utilidades dos bens, só constitui um dano relevante, susceptível de indemnização, se for explicitada nas concretas e explícitas desvantagens económicas - seja em termos de danos emergentes (v.g., custos de substituição do uso impedido) e de lucros cessantes (v.g, frustração de ganhos ou de rendimentos) seja em termos da frustração ou impedimento da obtenção das concretas vantagens associadas à disponibilidade imediata do bem (v.g., privação de uso concreto susceptível de subsunção à categoria de dano emergente ou de lucro cessante) - manifestados através da diferença patrimonial a que alude o art.º 566º nº2 CC.
A privação do uso e fruição é a privação da possibilidade de se servir e de fazer seus os frutos da coisa, no momento actual (o que pode integrar um dano emergente) e no futuro (o que pode integrar um lucro cessante) - devendo sempre concretizar-se em que consistiam esses serviços e aproveitamento de frutos.
Assim, o STJ em caso algo semelhante (reivindicação de fracção autónoma ocupada) doutrinou que
“A mera privação (de uso) da fracção reivindicada, impedindo, embora, o proprietário do gozo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição nos termos do artigo 1305º do CC, só constitui dano indemnizável se alegada e provada, pelo dono, a frustração de um propósito, real, concreto e efectivo de proceder à sua utilização, os termos em que o faria e o que auferiria, não fora a ocupação-detenção, pelo lesante”. (cfr. Ac STJ de 08-05-2007, Proc 07A1066, Rel. Sebastião Povoas).
E, contemplando embora a privação do uso de veículos automóveis, em princípio orientador que vale para quaisquer categorias de bens, na medida em que está em causa a privação da possibilidade de aproveitamento das respectivas utilidades, o STJ tem entendido que “a mera privação do uso de um veículo, independentemente da demonstração de factos reveladores de um dano específico emergente ou de um lucro cessante, é insusceptível de fundar a obrigação de indemnização, no quadro da responsabilidade civil” (cfr Ac. 10-07-2012, Proc. n.º 3482/06.3TVLSB.L1.S1 - 1.ª Secção, Cons. Hélder Roque (Relator).
Neste sentido se tem mantido a orientação da jurisprudência mais recente da jurisprudência desta 2ª Secção do STJ, como se alcança pelo Ac de 04-07-2013 (Proc. nº 5031/07.7TVLSB.L1.S1, Rel. Cons. Pereira da Silva):
“A privação do uso de um veículo automóvel não é suficiente para nela fundar a obrigação de indemnizar, a não serem alegados e provados danos emergentes e (ou) lucros cessantes por aquela causados”.
Temos seguido esta orientação; assim, o Ac de 12-01-2012 entendemos que
“a simples privação do uso de um veículo, desacompanhada da demonstração de outros danos – seja na modalidade de lucros cessantes (frustração de ganhos), seja na de danos emergentes (despesas acrescidas justificadas pela impossibilidade de utilização) – não é susceptível de fundar a obrigação de indemnizar” (Proc nº 1875/06.5TBVNO.C1.S1).
Foi este o entendimento subjacente à decisão da 1ª instância: sendo o uso o aproveitamento concreto e efectivo (ou a possibilidade dele) das utilidades económicas de um bem, os AA não demonstraram como pretendiam servir-se do prédio e aproveitar as suas vantagens (fazer obras e/ou habitá-lo nas férias ou permanentemente).
Desconhecem-se, pois, as concretas vantagens económicas de que a ocupação dos RR privou os AA e as que eles projectavam extrair dele e, muito embora se reconheça que a ocupação do imóvel impediu o exercício dos poderes de uso e de fruição pelos respectivos proprietários, tal situação “…não é, só por si, geradora do dever de indemnizar sem que a pretensão indemnizatória seja fundamentada.
E os fundamentos não podem consistir em mera virtualidade do bem gerar frutos civis, por susceptível de serem frustrados eventuais propósitos de o integrar em circuito comercial baseado unicamente nos usos correntes.
O dono que se vê privado do bem tem de alegar e provar ter visto frustrado um propósito, real e efectivo, proceder à sua utilização, e em que precisos termos o faria e o que auferiria não fora a ocupação pelo lesante.
A mera referência ao valor locativo é insuficiente, já que muitos proprietários mantêm prédios devolutos, não têm propósito de os arrendar nem nunca diligenciaram para o fazer, não existindo qualquer dano, real e efectivo, resultante da mera ocupação por outrem”. (cfr. Ac STJ 08-05-2007 citado)” (sublinhado nosso).
Ressalvando a admissibilidade de indemnização do dano abstracto de privação do uso, nomeadamente nos quadros do dano não patrimonial, desde que se revele com a necessária gravidade merecedora da tutela do direito, conforme o nº. 1, do art.º 496º, do Cód. Civil, conclui que “a indemnização do dano da privação do uso pressupõe, portanto, a demonstração da possibilidade de certa utilização concreta ou da afectação da possibilidade dessa utilização, como integradora das faculdades do proprietário
E é a privação das concretas vantagens de uso e não a mera perturbação da faculdade de utilização integrada no direito de propriedade que releva para efeitos de autonomização do dano ilícito decorrente da afectação da abstracta possibilidade de uso.
Porque importa distinguir entre a faculdade abstracta de utilização da coisa, ou seja, os direitos de utilização inerentes a certa relação jurídica com essa coisa, e as concretas e determinadas vantagens retiradas do gozo da coisa; a primeira, como possibilidade abstracta, inere e corresponde ao chamado licere que constitui o lado interno dos direitos de domínio (faculdades contidas nestes direitos) e a segunda, ou seja, “as concretas vantagens do gozo da coisa não se situam no plano do mero licere inerente à propriedade - (…) – mas situam-se também no plano fáctico”, sendo a privação destas concretas vantagens que importará como dano da privação do uso. e não a perturbação da faculdade (abstracta) de utilização que integra o direito de propriedade”.
Em consonância, aduz, com a posição de Paulo Mota Pinto, que cita – ob. cit., pág. 591 -, no sentido de que “«a concessão de uma indemnização pela mera privação do uso, independentemente da prova de outros prejuízos patrimoniais, corresponde à posição dominante na generalidade dos países europeus, mas tal não significa que baste a faculdade abstracta de utilização, ignorando-se a concreta vontade ou possibilidade de utilização da coisa, por si próprio ou por interposta pessoa. É neste sentido, também, que deve (tentar) entender-se a posição da jurisprudência alemã, a qual pode ser assumida na máxima “a privação da possibilidade de uso é apenas uma fonte possível de dano, mas não já em si um dano”» (sublinhado original do aresto).
Donde, em súmula, “não constituindo a mera privação do uso – melhor se diria, a mera privação da possibilidade de uso (que não deve ser confundida com a privação do uso…) - um dano patrimonial só por si indemnizável, desacompanhado da demonstração das concretas e efectivas utilizações que a coisa proporcionava ou era susceptível de proporcionar e que a ocupação fez frustrar, forçoso é concluir que falece um dos pressupostos da responsabilidade civil, ou seja, o dano.
Dano que, como se sabe, na sua vertente patrimonial – porque só esta está neste momento em causa – exprime uma diferença entre o valor real e efectivo do património do lesado e o valor que esse mesmo património teria sem o evento lesivo (valor hipotético, portanto) - (art.º 564º nº2 CC).
Ora, tal diferença só pode ser encontrada se o uso ou gozo tiver um valor material concreto, não um valor abstracto; ou seja, quando a sua privação se traduza num dano emergente (prejuízo causado) ou num lucro cessante (benefícios frustrados).
O uso pressupõe uma utilização e a impossibilidade (concreta) desta analisa-se ou numa diminuição patrimonial ou numa frustração de aumento do património; é nesta diferença patrimonial concreta e efectiva, resultante quer da diminuição, quer do não aumento, que consiste o dano da privação do uso.
Logo, não havendo uso, isto é, aproveitamento das vantagens económicas proporcionadas pela coisa, inexistirá obviamente dano da respectiva privação” (sublinhado nosso).

Aqui chegados, retornemos ao caso concreto sub judice.
Tendendo-se para a adopção da terceira posição enunciada, constata-se que relativamente à indemnização em equação logrou-se provar que em virtude da tradição do imóvel objecto do contrato prometido, e manutenção de ocupação do mesmo por parte do promitente-adquirente e mulher (ora 1ª Ré), os Autores não cederam a terceiro, mediante o pagamento da respectiva retribuição, o uso do armazém e logradouro – facto 15.
Conforme supra exposto, tal facto tem por base o alegado pelos Autores no art.º 37º da petição inicial, no sentido de terem ficado impedidos de arrendar o imóvel a terceiros, eventualmente interessados, ou mesmo proceder à sua venda, assim sendo-lhes causados prejuízos efectivos, resultantes do não recebimento mensal da correspondente renda.
Ora, de acordo com aquela factualidade provada, lograram os Autores alegar e provar a frustração de um propósito, real e efectivo, de utilização do imóvel, nomeadamente de cederem o uso do armazém e logradouro a terceiros, mediante o pagamento, em contrapartida, da respectiva retribuição, a qual indicaram no valor mensal de 1.000,00 € (mil euros).  Utilização que apenas se viu frustrada devido á ocupação mantida pelas Rés.
Por outro lado, constituindo-se a traditio da coisa alheia ao cumprimento do contrato-promessa, e estando em equação indemnização devida apenas após a citação para os termos da presente acção, num momento temporal em que o aludido incumprimento definitivo do contrato-promessa estava judicialmente solucionado, e em que inexistia qualquer direito de retenção a tutelar (nos termos já apreciados), o enquadramento no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, aquiliana ou por factos ilícitos, acolhida no art.º 483º, do Cód. Civil, afigura-se-nos assertiva e juridicamente fundada.
No que concerne ao quantum indemnizatório fixado, fundado na equidade e tendo em consideração as concretas circunstâncias enunciadas, não resulta do recurso sob apreciação ter sido o mesmo concretamente questionado, pois o recurso apenas foi incidente quanto à própria existência ou não da obrigação de indemnizar, e não propriamente quanto ao montante fixado.
Todavia, à latere, sempre se dirá que, na ponderação daquelas concretas circunstâncias, o quantum mensal fixado mostra-se perfeitamente compatibilizado com o exigível juízo equitativo, não justificando, assim, qualquer censura.
Por todo o exposto, igualmente no que concerne à presente vertente recursória, decai a pretensão apelante, com consequente confirmação da sentença apelada/recorrida.

Aqui chegados, mais não resta do que concluir por um juízo de total improcedência da presente apelação, com consequente confirmação, in totum, da sentença apelada/recorrida.

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Nos quadros do art.º 527º, nºs. 1, e 2, do Cód. de Processo Civil, atento o decaimento ocorrido, as custas da presente apelação são da responsabilidade das Recorrentes/Apelantes/Rés.

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IV. DECISÃO

Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em:
a) Julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pelas Apelantes/Recorrentes/Rés A … (igualmente na qualidade de Reconvinte) e B …, LDA., em que figuram como Recorridos/Apelados/Autores/Reconvindos C … e D …;
b) Em consequência, decide-se confirmar, in totum, a sentença apelada/recorrida;
c) Relativamente à responsabilidade tributária, nos quadros do art.º 527º, nºs. 1, e 2, do Cód. de Processo Civil, atento o decaimento ocorrido, as custas da presente apelação são da responsabilidade das Recorrentes/Apelantes/Rés.

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Lisboa, 13 de Fevereiro de 2025
Arlindo Crua
António Moreira
Higina Castelo
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[1] A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original.
[2] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª Edição, Almedina, pág. 285.
[3] Idem, pág. 285 a 287.
[4] cfr., Manuel Gonçalves Salvador, in Elementos da Reivindicação, pág. 16.
[5] assim, Mota Pinto, Direitos Reais, pág. 92.
[6] assim, o Ac. da RL de 27/05/97, processo nº 251/1/96, citando Manuel Rodrigues, A Reivindicação no Direito Português, RLJ, Ano 57, pág. 144.
[7] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, pág. 114, referem que na presente acção está em causa “a pretensão do proprietário não possuidor contra o possuidor não proprietário ou do proprietário possuidor contra o detentor”. E, os mesmos autores já anteriormente haviam defendido que na presente acção está em causa o direito exclusivo do proprietário, pois este “pode exigir que os terceiros se abstenham de invadir a sua esfera jurídica, quer usando ou fruindo a coisa, quer praticando actos que afectem o seu exercício” – cfr., pág. 93.
[8] Cfr., Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, Vol. V, 1997, Rei dos Livros, págs. 65 e 66.
[9] Vide o n.º 4 do art.º 498º do Cód. de Proc. Civil.
[10] Acerca do presente conceito, e de forma mais desenvolvida, cfr., Manuel J. G. Salvador, Ob. Cit., págs. 24 a 33, onde se refere expressamente que a causa de pedir é constituída “pelo acto ou  facto jurídico concreto de que se faz emanar o direito de propriedade (...)”. Jurisprudencialmente, e por todos, cfr., o Ac. da RL de 14/07/81, in BMJ, n.º 315, pág. 307.
[11] cfr., Menezes Cordeiro, Direitos Reais, págs. 848 e 849, e BMJ, nº 355, pág. 362, e nº 369, pág. 547.
[12] Cfr., Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, 2º Edição, Coimbra Editora, pág. 64.
[13] Cfr., Rodrigues Bastos, Ob. Cit., Vol. V, 1997, Rei dos Livros, pág. 43.
[14] Pires de Lima e Antunes Varela, Ob. Cit., pág. 65.
[15] Doc. nº SJ200504120047871, Relator. Pinto Monteiro, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf.
[16] cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Ob. Cit., pág. 5; Mota Pinto, Direitos Reais, pág. 189; Henrique Mesquita, Direitos Reais, pág. 69, segs.; Orlando Carvalho, RLJ, 122º, p. 65, segs.; Penha Gonçalves, Direitos Reais, 2ª ed., pág. 243.
[17] vide Mota Pinto, ob. cit., pág. 180.
[18] vide Henrique Mesquita, ob. cit., pág. 66 e 67.
[19] Acerca do animus e corpus da posse, cfr., o douto Acórdão do STJ de 12/02/87, in BMJ, n.º 364, pág. 855 e segs..
[20] Nas palavras do douto Acórdão do STJ de 07/06/2005 – Doc. nº SJ200506070016076, Relator: Fernandes Magalhães -, “a posse na sua força jurísgena aspira ao direito, tende a converter-se em direito.
Daí que o ordenamento não somente a proteja, como a reconheça como um caminho para a dominialidade, reconstituindo, através dela, a própria ordenação definitiva.
É o fenómeno da usucapião, cuja "ratio" Heck vislumbra no valor do conhecimento (Erkentnisverten) que a posse é.
A usucapião é, no que importa agora considerar, uma forma originária de aquisição do direito de propriedade e requer que a posse tenha certas características, que seja, de algum modo, "digna" do direito a que conduz. O que nela se homenageia, é menos a posse em si do que o direito que a mesma indicia, que é a prefiguração do direito a cujo título se possui”.
Acrescenta, citando Orlando de Carvalho – Introdução à Posse, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 122º, pág. 67 - “donde a exigência, em qualquer sistema possessório de uma posse em nome próprio, de uma intenção de domínio, e uma intenção que não deixe dúvidas sobre a sua autenticidade”.