AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CLAÚSULAS CONTRATUAIS GERAIS
CONTRATO DE SEGURO DE GRUPO
CLÁUSULA ABUSIVA
Sumário

I - O legislador isolou a falta das indicações referidas no nº2 do artigo 639º do CPC como um dos vícios que pode afectar as conclusões. Sendo as mesmas reputadas como deficientes quando nelas se omite, total ou parcialmente, a indicação das normas jurídicas violadas, adoptou o legislador uma solução paliativa que possibilita a supressão das deficiências através de despacho de convite ao aperfeiçoamento. No entanto, a prolação do despacho de aperfeiçoamento fica dependente do juízo que for feito acerca da maior ou menor gravidade das irregularidades ou incorrecções, em conjugação com a efectiva necessidade de uma nova peça processual que respeite os requisitos legais.
II - A ampliação da decisão da matéria de facto pressupõe a essencialidade da matéria omitida na base de facto, no sentido de se tratar de matéria indispensável para a resolução do litígio, possibilitando enquadramento jurídico diverso do adotado pelo tribunal recorrido.
III - Tendo presente que a autonomia da vontade é o que caracteriza o negócio jurídico, ou seja, a faculdade de o contraente regular por si os seus próprios interesses, ainda que dentro de esquemas legais pré-estabelecidos, assume particular relevância o conhecimento do conteúdo do contrato em momento prévio à sua adesão. Todavia, a conclusão esclarecida do contrato, base de uma efectiva autodeterminação, não se contenta com a comunicação das cláusulas. Estas devem ser efectivamente entendidas.
IV - Consciente que nas situações em que ocorre a impossibilidade fáctica de uma das partes exercer a sua liberdade de estipulação, o contrato pode ser celebrado sem que o aderente se possa aperceber do seu conteúdo, só sendo efectivamente confrontado com o regime contratual que aceitou no momento em que surge um litígio, o legislador, no regime das cláusulas contratuais gerais, veio impor, além da exigência de comunicação adequada e efectiva, a exigência de informar a outra parte, de acordo com as circunstâncias, de todos os aspectos compreendidos nas cláusulas cuja aclaração se justifique e de prestar todos os esclarecimentos razoáveis solicitados. Em suma, deve ser assegurado ao contraente o conhecimento real e efectivo das cláusulas que integram o contrato e das suas implicações por forma a que o mesmo possa decidir se quer ou não contratar nessas condições.
V - O legislador estabeleceu a cargo da seguradora um dever geral de esclarecimento e informação ao tomador do seguro que o habilite à compreensão das condições do contrato. Assim, a seguradora tem o dever de informar o tomador do seguro sobre os contornos positivos e negativos da prestação a que se obriga, designadamente quanto ao tipo de risco que cobre e respectiva delimitação.
VI - No contrato de seguro de grupo, os aderentes, a parte débil na relação de seguro, não podem ter menor protecção pelo facto de se vincularem à seguradora, sob promoção do tomador do seguro.
VII - Atento o decidido pelo TJUE, no Acórdão de 20/4/2023, proferido no processo nº C-263/22, «quando uma cláusula de um contrato de seguro relativa à exclusão ou à limitação da cobertura do risco segurado, da qual o consumidor em causa não pôde tomar conhecimento antes da celebração desse contrato, é qualificada de abusiva pelo juiz nacional, este tem de afastar a aplicação dessa cláusula a fim de que não produza efeitos vinculativos relativamente a esse consumidor.».

Texto Integral

Processo nº 468/23.7T8MCN.P1




Acordam os Juízes da 5.ª Secção (3ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto, sendo






Relatora: Anabela Mendes Morais;
Primeira Adjunta: Ana Paula Amorim
Segundo Adjunto: José Eusébio Almeida







I_ Relatório

AA instaurou a presente acção declarativa de condenação contra “A... S.A.” pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de €18.724,91 (dezoito mil, setecentos e vinte e quatro euros e noventa e um cêntimos) ou, se assim não se entender, a restituir-lhe todo o montante por si pago indevidamente a título de prémio de seguro.
Para o efeito, alega, em síntese que:
_ A 29 de Dezembro de 1999, o Autor AA e mulher celebraram um contrato de crédito habitação, no valor de 14.000.00$00 (catorze milhões de escudos) para aquisição de um imóvel para habitação própria e permanente, e um seguro de vida associado a esse contrato.
_ Em dezembro de 2004, foi determinada a fusão por incorporação do Banco 1... e do Banco 2..., no Banco 3..., passando a nova instituição a designar-se Banco 4....
_ Por carta datada de 09 de Junho de 2011, o Autor foi informado que a Seguradora havia procedido “à ampliação da cobertura de invalidez, determinada pela Tabela Nacional de Incapacidades, que passou do limite de 75% para 66%.”
_ O Autor continuou sempre a liquidar o valor do prémio do seguro, através de debito directo.
_ Em Abril do ano de 2022, tendo então o Autor 64 anos de idade, foi-lhe atestada a incapacidade de 0,880%, segundo a Tabela Nacional de Incapacidades e, nessa sequência, apresentou junto da instituição bancária toda a documentação inerente à sua incapacidade, com intuito de activar o seguro de vida, sendo o montante total em dívida pelo crédito de habitação, de €18.724,91 (dezoito mil, setecentos e vinte e quatro euros e noventa e um cêntimos).
_ A Ré, a 18 de Novembro de 2022, após análise dos documentos entregues pelo Autor, respondeu-lhe “(…) Relembramos que na contratação do seguro, foram subscritas as garantias de Morte (Cobertura Principal) e por Invalidez Total ou Permanente (Cobertura Complementar). Como referido nas condições de seguro, a cobertura complementar por invalidez total ou permanente cessa aos 60 anos de idade da Pessoa Segura. No caso concreto, cessou para o estimado cliente, uma vez já completada a idade referida.”.
_ Perante esta resposta, o Autor solicitou e insistiu para que lhe fosse disponibilizada uma cópia do contrato de seguro de vida por si assinado da qual constasse a idade máxima para usufruir do seguro, bem como a percentagem de invalidez.
_ Em resposta, a Ré facultou-lhe apenas uma cópia genérica do “Plano de Seguro Habitação – Resumo das Garantias”, que não foi acordado com o Autor que desconhece as cláusulas aí constantes, não sendo estas as cláusulas do seguro por si subscrito.
_ Foi-lhe negada, sempre, uma cópia do contrato de seguro que foi assinado e rubricado, por si e pela Ré, à data da assinatura do crédito habitação, isto é, no ano de 1999.
_ Em momento algum, a Ré referiu, quer através de correspondência, quer em esclarecimentos prestados no balcão, que o seguro de vida tinha como idade máxima, em caso de invalidez, 60 anos de idade, tanto assim é que o Autor sempre continuou a liquidar a mesma quantia a título de prémio de seguro mesmo após perfazer os 60 anos de idade.
No final da petição inicial, requereu o Autor que a apólice de seguros, por si subscrita em 1999, seja junta aos autos.


I.1_ Citada a A... S.A.” apresentou contestação.
Admitiu ter sido celebrado um contrato de seguro de “Vida Grupo – Crédito à Habitação, titulado pela apólice n.º ...96, pelo certificado n.º ...92, entre si, enquanto Seguradora, o Banco 3..., enquanto tomador de seguro, e o ora Autor, na qualidade de pessoa segura, remetendo para os documentos nºs 1[1], 2[2] e 3[3].
Alegou, em síntese, que:
_ Nos termos do clausulado referente às garantias contratadas, a garantia por invalidez total e permanente por doença ou acidente cessa para cada pessoa segura, sendo esta excluída do grupo seguro, aos 60 (sessenta) anos de idade, conforme decorre da cláusula V, n.º 1, alínea d) do Resumo das Garantias, junto como documento. n.º 3.
_ O evento participado que ocasionou a incapacidade ao Autor encontrava-se expressamente excluído do Contrato de Seguro já que tal cobertura havia cessado aos 60 (sessenta) anos de idade, nos termos das condições do seguro contratado.
_Nos termos das coberturas contratadas, «[…] c) a Pessoa Segura será considerada em situação de invalidez total e permanente quando, em consequência de doença ou acidente a coberto das garantias do contrato e no decurso de um período máximo dos trezentos e sessenta dias que se lhe seguirem, cumulativamente:
i) se se encontrar total e definitivamente incapaz para o exercício da sua profissão ou qualquer outra actividade lucrativa compatível com os seus conhecimentos e capacidades;
ii) seja clínica e objectivamente constatada uma incapacidade funcional permanente de grau igual ou superior a 75%, determinada pela Tabela Nacional de Incapacidades em vigor sem aplicação dos factores correctivos nela estabelecidos para o cálculo das desvalorizações finais em função da possibilidade de reconversão para o posto de trabalho ou profissão; […]», conforme previsto na garantia 2, alínea c), que consta do documento n.º 3.
_ O evento participado não reúne os pressupostos da cobertura de invalidez total e permanente porquanto, para que se considere que a pessoa segura se encontra numa situação de invalidez total ou permanente, tem de, cumulativamente, ser-lhe atribuída uma incapacidade funcional permanente de grau igual ou superior a 75%, determinada pela Tabela Nacional de Incapacidades, e, por outro lado, encontrar-se, total e definitivamente, incapaz para o exercício da sua profissão ou qualquer outra actividade lucrativa, o que não se verifica.
_ O Autor, com 64 anos de idade, veio alegar que em Abril do ano de 2022, a incapacidade que lhe fora atribuída agravou-se e passou para uma incapacidade de 80%, porquanto, alegadamente, lhe foi diagnosticado um linfoma no ano de 2020.
_Aquando do alegado agravamento da incapacidade, a cobertura complementar de invalidez já havia cessado quando o Autor perfez 60 (sessenta) anos de idade, isto é, em outubro de 2017.
._ Aquando da subscrição da apólice, foram devidamente informadas e explicadas todas as cláusulas contratuais do contrato ao ora Autor, conforme decorre da proposta de seguro por ele assinada, tendo a Ré remetido para a morada do ora Autor as correspondentes Condições Gerais e Especiais do contrato em causa.
_ O Autor, atenta a sua qualidade de pessoa segura, apenas solicitou esclarecimentos no que diz respeito ao conteúdo da presente apólice ou às cláusulas gerais e especiais do contrato celebrado, na sequência da participação do presente evento e, nessa sequência, a Ré reenviou, em 9 de Março de 2023, a documentação solicitada: a cópia da proposta de seguro subscrita e a cópia das condições gerais da apólice.
_ Conclui que não pode o Autor vir agora alegar desconhecer o teor do contrato de seguro a que aderiu, tendo a Ré cumprido os deveres de informação a que se encontrava adstrita por força da lei e do contrato. Não existindo violação dos deveres de comunicação e informação, deverão todas as cláusulas contratuais manter-se válidas e aplicáveis na sua totalidade.
_ A partir de 1 de Outubro de 2017, o prémio mensal deixou de incluir a fracção associada à cobertura complementar de invalidez, tendo havido redução do prémio.
_ Nos termos da apólice, não existe inclusão do evento participado nas coberturas contratadas, recaindo sobre o Autor o ónus de alegação e prova dos danos e nos termos do artigo 414.º do Código de Processo Civil, «A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita».
Conclui que não são alegados prejuízos passíveis de enquadramento e indemnização o que importa a improcedência da acção e, em consequência a absolvição da Ré do pedido.

I.2_ Notificado para, querendo responder, à matéria de excepção, o Autor, por requerimento de 26/7/2023, alegou que o prémio referente à cobertura complementar de invalidez foi sendo debitado da sua conta bancária, de forma ininterrupta, até Outubro de 2022, juntando aos autos extractos bancários com vista a demonstrar esse facto.

I.3_ Por requerimento de 4/8/2023, a Ré veio alegar não ter na sua posse qualquer documento que evidencie ou discrimine que o prémio mensal cobrado deixou de incluir a fracção associada à cobertura complementar de invalidez, tendo procedido à junção de “prints” do sistema à data Setembro e Outubro de 2017, do recibo datado de 13 de Julho de 2023, referente ao prémio pago em 3/10/2017, no valor de €47,13, e do recibo datado de 13 de Julho de 2023, referente ao prémio pago em 3/11/2017, no valor de €41,62.

I.4_ Realizada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, fixado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.

I.5_ Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, constando do dispositivo:
“Nestes termos, julgo a ação improcedente por não provada e em consequência absolvo a ré A..., SA. dos pedidos formulados.
Condeno o autor nas custas do processo.
Registe e notifique.”

I.6_ Inconformado com a decisão, o Autor interpôs recurso da mesma, formulando as seguintes conclusões:
“1. A 29 de Dezembro de 1999, o A. celebrou um contrato de crédito habitação para aquisição de um imóvel para habitação própria e permanente e foi outorgado um seguro de vida, no qual consta, única e exclusivamente que: “O imóvel hipotecado será seguro em companhia seguradora aceite pela “IC”. Na respetiva apólice deverá constar a declaração expressa de ser “IC” credor privilegiado. Faz parte integrante da garantia do presente contrato o seguro de vida aceite pela “IC” sendo esta beneficiaria. Os aludidos seguros só poderão ser alterados ou anulados por intermedio desta “IC” ou com o seu prévio acordo.”.
2. A 06/05/2008, quando o A. tinha somente 51 anos de idade foi-lhe atestada uma incapacidade de caracter permanente de 0,6000%. Esta incapacidade foi reavaliada a 16/03/2012 quando o A. tinha 54 anos, tendo-se mantido o grau de incapacidade nos 0,6000%.
3. A 22/04/2022 a incapacidade foi mais uma vez revista e foi o A. atestado com uma incapacidade de 0,880%, tendo nesta data, 64 anos de idade, completando os 65 anos nesse mesmo ano, mais precisamente a 07 de Outubro de 2022.
4. O A. informou e juntou toda a documentação que comprovava essa incapacidade, tendo sido entregue à R. através de um Balcão da sucursal.
5. Todavia, a 18 de Novembro de 2022, o A. foi informado pela R.: “Relembramos que na contratação do seguro, foram subscritas as garantias de Morte (Cobertura Principal) e por Invalidez Total e Permanente (Cobertura Complementar). Como referido nas condições de seguro, a cobertura complementar por Invalidez Total e Permanente cessão aos 60 anos de idade da Pessoas Segura. No caso em concreto, cessou para o estimado cliente, uma vez já completada a idade referida.”.
6. O A. quando informou a instituição bancaria no intuito de ativar o seguro de vida, tinha o montante total em dívida pelo crédito de habitação, no valor de €18.724,91 (dezoito mil, setecentos e vinte e quatro euros e noventa e um cêntimo).
7. Para surpresa do A. a 18 de Novembro de 2022, foi informado pela R.: “Relembramos que na contratação do seguro, foram subscritas as garantias de Morte (Cobertura Principal) e por Invalidez Total e Permanente (Cobertura Complementar). Como referido nas condições de seguro, a cobertura complementar por Invalidez Total e Permanente cessão aos 60 anos de idade da Pessoas Segura. No caso em concreto, cessou para o estimado cliente, uma vez já completada a idade referida.”
8. A celebração de um contrato de seguro de vida, resulta de uma imposição das instituições de crédito como condição necessária à celebração do contrato de mútuo.
9. Somente após o A. ter solicitado ativação de seguro com 88% de incapacidade, é que lhe foi enviada uma carta a informar que o seguro tinha cessado quando este fez 60 anos de idade, sendo certo que mesmo após essa idade continuou a pagar o prémio de seguro.
10. O A. pagou o prémio de seguro até perfazer os 65 anos de idade.
11. O A. foi sendo debitado da sua conta bancaria, desde 2017 (ano que fez 60 anos de idade), até Outubro (inclusive) de 2022 pelo prémio de seguro de vida.
12. O Tribunal a quo deu como provado que em Abril de 2022 (quando o A. tinha 64 anos) estava a pagar o valor de €272,48 (duzentos e setenta e dois euros e quarenta e oito cêntimos) a título de prestação pelo crédito habitação, €48,57 (quarenta e oito euros e cinquenta e sete cêntimos) a título de seguros. Valores estes que constam de todos os extratos bancários juntos com o requerimento com a Ref.ª 46215899, concernentes ao período de 2017 a Outubro de 2022.
13. Além disso, a R. junta documento que prova que o valor do prémio comercial era de €45,98, valor este que coincide com os valores debitados mensalmente da conta do A. com a descrição SEPA DD-A....
14. Todavia a R. afirma que o A. já não estaria abrangido pelo seguro de vida.
15. Não tendo sido dada pela R. qualquer explicação para o A. ter continuado de forma interrupta dos 60 anos de idade do A. até aos 65 anos de idade a ser debitado por um seguro, cujo A. já não estava abrangido…
16. A R. não possuiu qualquer cópia do contrato de seguro celebrado aquando da assinatura do contrato de mútuo, as únicas condições entregues ao A. com as indicações das condições de seguro, é um plano geral que foi somente entregue após o mesmo ter solicitado ativação do seguro.
17. A R. apenas juntou um “Plano de Seguro Habitação – Resumo das Garantias”, que se trata se um plano geral que nem sequer está assinado e/ou rubricado pelo A. e que não prova que foram estas as condições apresentas e contratualizadas pelo A. em 1999.
18. Perante a prova produzida, o Tribunal a quo não teve dúvidas que o A. nunca foi informado que a idade máxima de invalidez era os 60 anos de idade e que o Plano de Seguro Habitação – Resumo das Garantias não foi o contrato outorgado pelo A. tratando-se de uma cópia genérica.
19. A Instituição de Crédito incumpriu (gravemente) o dever de informação (Ponto 15,16 e 17 dos Factos Provados).
20. Conclui-se que o A. nunca foi informado pela R., “(…) como lhe competia, desde logo porque a testemunha arrolada não foi capaz de garantir que o autor foi avisado das condições de cobertura”. Fls. 8 da Sentença.
21. A R. tinha o ónus de provar que prestou as informações ao A. relativamente à idade máxima (60 anos de idade) para este beneficiar da apólice de seguro.
22. Certo é. que esse ónus foi frustrado, a R. não provou que prestou esse dever de informação, conforme matéria provada no ponto 17 dos Factos Provados da Sentença recorrida e fls. 12 da Sentença – “É indiscutível face ao prescrito nos artigos 5º n.º3 do citado DL que impende sobre a Ré Seguradora, que submete a outrem as cláusulas gerais, o ónus de provar ter cumprido o dever de comunicação”.
23. Ficou sim, provado que no caso em apreço o A. desconhecia que a cobertura de invalidez era até aos 60 anos de idade. O A. ainda hoje não sabe quais as cláusulas de seguro contratadas, pois a R. afirma não apresenta qualquer informação sobre aquilo que foi outorgado.
24. Tendo o Tribunal a quo concluído que o A. desconhecida as cláusulas do seguro.
25. Todavia o Tribunal a quo, decidiu pela improcedência do pedido, afirmando: “(…) nada tendo alegado e por isso provado sobre a consolidação da referida incapacidade/ invalidez nem sequer, por um limite mínimo de incapacidade definitiva.
26. Mas, nunca foi questionado ao A. quer antes ou durante o processo, se o mesmo tinha ou não uma incapacidade que o impedia de exercer a sua profissão.
27. Não foram suscitadas dúvidas quanto a esta situação.
28. Até porque o A. não podia proactivamente esclarecer seja o que for, porque nunca foi esclarecido dos requisitos que teria de preencher para que lhe fosse ativado o seguro.
29. O A. relativamente ao seguro, apenas sabe o prémio que pagava mensalmente, bem como única e exclusivamente o que vem descrito na cláusula 13º outorgada no contrato de mútuo.
30. A R., mais uma vez nunca informou que teria de ser uma incapacidade de 66% que revista natureza definitiva ou permanente.
31. O tipo de invalidez apenas foi referido como consta do Ponto 14 dos Factos Provados, por carta datada de 18 de novembro de 2022, sendo que o foco da resposta da carta da R. endereçada ao A., era no intuito de o informar que o seguro de vida teria cessado aos 60 anos e não, a pôr em causa ou questionar o tipo de invalidez que o mesmo tinha sido atestado.
32. Sublinha-se que esta foi a resposta da R. aos documentos juntos pelo A. no qual atestava que o mesmo tinha uma incapacidade de 88%, pois, até então nada tinha sido referido.
33. Todavia, e embora mais uma vez se sublinhe que nunca foi questionado pela R. o tipo de invalidez do A., até porque, o atestado Médico que incapacita o A. em 88% é claro neste sentido.
34. Extrai-se deste mesmo documento, que o A. padece de uma Hemiparesia – (Marcha possível sem utilização de auxiliares, membro superior utilizável com descoordenação de movimentos, sem ou com ligeiras alterações da linguagem) e um tumor maligno sem metástases e permitindo uma vida de relação. (Esta análise resulta da tabela que consta neste documento que remonta à Tabela Nacional de Incapacidade – aos números 2.12.2.1. e IV 3.).
35. Aliás, nunca foi questionado ao A. se o mesmo tinha ou não uma incapacidade que o impedia de exercer a sua profissão.
36. Não foram suscitadas dúvidas quanto a esta situação.
37. Apenas estava em discussão nos presentes autos a apreciação da questão, se o A. tinha sido informado que já não podia acionar o prémio de seguro que liquidou até perfazer os 65 anos de idade?!
Assim sendo,
38. Após concluir que existiu por parte da R. o incumprimento do dever de comunicação e tal ficou provado “(…) que o autor desconhecia, por disso não ter sido informado, que após os 60 anos a cobertura de invalidez permanente seria excluída do contrato”.
39. Decisão não pode ser diversa no que concerne à “invalidez total e permanente”, pois tal definição não foi comunicada ao autor, como resulta dos factos provados.
40. O dever de comunicação caracteriza-se como uma obrigação de meios e impõe que o predisponente desenvolva uma atividade que, em função da importância, extensão e complexidade das cláusulas contratuais gerais por si empregues, se revele razoavelmente adequada a que o aderente tome efetivo conhecimento das mesmas, sem que, para tanto, empenhe mais do que uma comum diligência (art. 5.º, n.º 2, da LCCG).
41. “Para além da exigência de comunicação adequada e efetiva, surge ainda a exigência de informar a outra parte, de acordo com as circunstâncias, de todos os aspetos compreendidos nas cláusulas contratuais geras cuja aclaração se justifique (art.6º, nº1) e de que prestar todas os esclarecimentos razoáveis solicitados (art.º 6, n.º2)”
42. Pelo que, nada mais se pode aplicar do que, a exclusão de qualquer cláusula que indique que o A. ficou excluído do seguro de vida aos 60 anos de idade - art.º 8º do DL 446/85, de 25 de Outubro.
43. O tipo de invalidez apenas foi referido como consta do Ponto 14 dos Factos Provados, por carta data de 18 de novembro de 2022, sendo que o foco da resposta da carta da R. endereçada ao A., era no intuito de o informar que o seguro de vida teria cessado aos 60 anos e não, a pôr em causa ou questionar o tipo de invalidez que o mesmo tinha sido atestado.
44. Sublinha-se que esta foi a resposta da R. aos documentos juntos pelo A. no qual atestava que o mesmo tinha uma incapacidade de 88%, pois, até então nada tinha sido referido.
45. Aliás, o que sempre foi informado o A. é que teria de preencher uma incapacidade de 66%, nada mais foi referido.
46. Assim sendo, pelo que, mais uma vez se demonstra que existiu por parte da R. inobservância e transparência nas condições do seguro.
47. Não tendo sido comunicada esta cláusula, nada mais se aceita que apenas a exclusão da mesma - “(…) falta de comunicação e de informação, a consequência era ter-se por excluída a cláusula em crise, valendo o contrato de seguro de acordo com a informação que fora prestada ao segurado.”
48. Estamos perante uma violação do dever de informação, do princípio da boa-fé e que por sua vez, nada mais pode existir, senão uma redução do negócio jurídico, nos termos do art.º 292º do Código Civil.
49. A R. apenas pode exigir do A. o cumprimento daquilo que foi informado e outorgado pela cláusula 13 do contrato de mútuo.
50. O objeto desta ação, ou seja, a postulação que os apelantes dirigem ao Tribunal - e que, portanto, que fique provado que a R. incumpriu gravemente o deve de informação, e por consequência ser excluída as cláusulas em crise, valendo o contrato de seguro de acordo com a informação que fora prestada ao segurado.
Considerando todos os vícios alegados e os erros de julgamento sobre a matéria de facto e de direito desenvolvidos até aqui, entendem os aqui Apelantes que a decisão apelada deve ser revogada e sem prejuízo da utilização por parte do Tribunal ad quem dos poderes instrutórios e decisórios que lhe cabem por lei, deve, desde logo por a prova produzida não só admitir, mas antes impor, mesmo, decisão diferente (662º, nº 1 do CPC):
- ordenar a ampliação da matéria dada como provada atenta a prova constate nos autos já referida de modo a dar como provado que a R. incumpriu o dever de informação na integralidade do contrato, (idade e tipo de invalidez) devendo o A. estar apenas vinculado ao preceituado na cláusula 13 do Contrato de Mútuo devidamente por si outorgado em 1999;
- ser dado como como provado o facto vertido em C) dos Factos Não Provados, atenta a prova constate nos autos já referida de modo a dar como provado que o A., por inúmeras vezes solicitou junto do Balcão Banco 4..., que lhe fosse facultada uma cópia por si devidamente assinada aquando a celebração do contrato de mútuo com um resumo das garantias do seguro de vida, nunca tendo sido entregue;
- ser dado como provado o facto vertido em D) dos Factos Não Provados por se encontrar em total contradição com o vertido no ponto 13 da matéria provada e ordenar a ampliação da matéria dada como provada atenta a prova constate nos autos já referida de modo a dar como provado que liquidou o seguro de vida até perfazer os 65 anos de idade, nos termos do artigo 662º, nº 2 c), parte final e nº 3 b) e c) do CPC.
E, consequentemente, com base nisto e sem mais revogar a decisão de improcedência quanto ao pedido formulado e ser condenada a pagar a quantia de €18.724,91 (dezoito mil setecentos e vinte e quatro euros e noventa e um cêntimos).”


I.7_ A Recorrida apresentou resposta, formulando as seguintes conclusões:
“1. O presente recurso vem interposto da douta Sentença proferida no âmbito do processo supra identificado o qual, tendo julgado improcedente por não provada a acção instaurada pelo Autor, ora Recorrente, veio absolver a R., ora Recorrida, dos pedidos contra si formulados.
2. No entanto, atendendo à prova produzida em sede de Audiência de Julgamento e documentação junta aos autos, entende a ora Recorrida não assistir qualquer razão à Recorrente.
3. O Autor recorre, desde logo, da decisão da matéria de facto, fazendo referência aos pontos da matéria de facto que entende incorrectamente julgados, nomeadamente os pontos C, D e E dos factos não provados.
4. Tendo o recurso por objecto a reapreciação da matéria de facto, deve o recorrente, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, motivá-lo através da indicação das passagens da gravação que reproduzam os meios de prova que, no seu entendimento, determinam decisão dissemelhante da que foi proferida pelo tribunal a quo.
5. Ora, no presente caso o Autor limita-se a transcrever os pontos que entende incorrectamente julgados e a alegar genericamente que tais pontos deveriam ter sido dados como provados.
6. O Autor não concretiza os meios de prova que poderiam conduzir a decisão diferente daquela que foi alcançada ou sequer concretiza aquela que, no seu entender, deveria ter sido a decisão proferida.
7. Deverá ser rejeitado o recurso genérico da decisão da matéria de facto apresentado pelo Recorrente porquanto, para além de não se delimitar com precisão os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa, não se deixa expressa a decisão que, no entender do mesmo, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
8. Ora, analisadas as alegações da Recorrente constata-se que elas não observaram todos os pressupostos estabelecidos pelo artigo 640, do C.P.C., para a impugnação da decisão da matéria de facto, pois que, pese embora façam referência aos concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados não indica, justificadamente, os elementos probatórios que conduziriam à alteração de cada concreto ponto e a decisão que devia ter sido proferida quanto a cada concreto facto, procedendo a uma análise critica das provas e indicando a decisão que devia ser proferida sobre as concretas questões de facto impugnadas.
9. E assim sendo, incumprindo o Apelante o ónus imposto pelo art. 640º, nºs 1 e 2, do Cód. Processo Civil, ao recorrente que impugna a matéria de facto, está o tribunal impedido de sindicar o julgamento da matéria de facto, não podendo, por decorrência, esta Relação apreciar o recurso, na vertente da impugnação da matéria de facto, nos termos do artigo 662, nº 1, do C.P.C., impondo-se, assim, a rejeição, nessa parte, do recurso interposto.
10. No que respeita à matéria de direito aqui em causa, igualmente o A. é omisso naqueles que são os fundamentos de direito do seu recurso.
11. Na verdade, o A. limita-se a alegar mas sem nunca indicar quais as normas jurídicas violadas; qual o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; sem invocar o erro na determinação da norma aplicável e indicar a norma jurídica que, em seu entendimento, deveria ter sido aplicável.
12. Ora, admitindo-se que o ora Recorrente pretende a alteração da matéria de facto não provada constante dos pontos C e D da douta sentença, sempre se dirá que a decisão proferida é bastante esclarecedora na sua fundamentação, no que respeita aos factos dados como provados e não provados e quanto à prova que conduziu à convicção do Tribunal.
13. Entendendo o douto Tribunal a quo que tais factos não foram provados por qualquer meio, uma vez que o autor juntou um comprovativo do pagamento do prémio do seguro datado de 29.04.2022, sem que se extraia do documento que o prémio de seguro contemplasse a cobertura de invalidez permanente.
14. O Autor, aqui Recorrente, igualmente nas suas alegações de recurso, não alega factos e, consequente, prova idónea à alteração de tais quesitos para “provados”. Nomeadamente, e em concreto, porque tal prova não foi efectivamente produzida ou junta aos autos.
15. Não basta ao A. alegar, como faz, que entre 2017 e 2022 procedia ao pagamento de um prémio de seguro no montante de € 48,57, pois que tal não prova, como pretende o Autor, que esse valor abrangia a cobertura complementar de invalidez.
16. Pelo que não poderá o A. pretender fazer prova de que pagando prémio de seguro estava convicto, através de tal pagamento, de que estava segurado em caso de morte ou incapacidade quando nenhuma prova trouxe aos autos de que tal prémio contemplasse a cobertura de invalidez, conforme (e bem) concluiu o douto Tribunal a quo.
17. Acontece que, independentemente de o Tribunal a quo não ter dado como provada a comunicação e explicação das cláusulas ao Autor, considerando, nessa medida, como excluída a cláusula definidora do conceito de invalidez total e permanente do contrato, ainda assim entendeu o Tribunal improcedente a presente acção, absolvendo a ora Recorrida dos pedidos contra si formulados.
18. Considerando-se uma cláusula contratual, definidora de uma cobertura, como excluída de um contrato que se pretende manter válido e eficaz, sempre será necessário e indispensável recorrer a uma forma de interpretar e integrar tal contrato ainda que desprovido dessa cláusula. O que só poderá acontecer com recurso ao sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, daria a tal cláusula.
19. Neste conspecto, não bastaria ao Autor, como fez, provar que se encontrava numa situação de incapacidade superior a 75%, mas, ainda, que essa incapacidade o impossibilitava de exercer uma actividade profissional remunerada compatível com os seus conhecimentos e aptidões, sendo tal situação irreversível e, por isso, permanente. O que não fez!
20. E quanto a isso, não se poderá senão concluir como a douta sentença fez, dado que não foi sequer alegado - não tendo por isso sido provado - que tal incapacidade era definitiva e que, sendo definitiva, incapacitava o Autor para o exercício da sua actividade profissional.
21. Por tudo quanto se acabou de expor, resulta, salvo melhor opinião, claro e cristalino que a douta sentença proferida deverá manter-se inalterada.”.

I.7_ Por despacho de 25/6/2024, foi admitido o recurso.
I.8_ Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


II_ Objecto do recurso
Nos termos do disposto nos artigos 635º, nº. 4, e 639º, nºs1 e 2, do Código de Processo Civil são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que resultem dos autos.
Na sua resposta, a Ré/Recorrida invocou o não cumprimento, pelo Recorrente, dos ónus impostos pelo artigo 640º, nº1, alíneas b) e c), do Código de Processo Civil e a inadmissibilidade do recurso com fundamento na omissão das normas que considera violadas e o sentido com que as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas.
Assim, são as seguintes as questões a apreciar:
1_ Rejeição do recurso quanto à impugnação da decisão da matéria de facto com fundamento na não verificação dos pressupostos de índole formal, referidos no artigo 640º,nº1, alíneas b) e c), do Código de Processo Civil.
2_ Rejeição do recurso sobre a matéria de direito com fundamento na omissão, pelo Recorrente, das normas que considera violadas e do sentido com que as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas.
3_ Impugnação da decisão da matéria de facto por referência aos seguintes factos considerados não provados:
i. Facto ínsito no ponto c) dos factos não provados [“C. O Autor, por inúmeras vezes solicitou junto do Balcão do Banco 4..., que lhe fosse facultada uma cópia por si devidamente assinada aquando da celebração do contrato de crédito habitação com um resumo das garantias do seguro de vida, nunca tendo sido entregue”]: deve transitar para os factos provados.
ii. Facto ínsito no ponto d) dos factos não provados [“D. O Autor sempre continuou a liquidar a mesma quantia monetária pela apólice de seguro mesmo após perfazer os 60 anos de idade.”]: deve transitar para os factos provados.
iii. Facto ínsito no ponto e) dos factos não provados. [“E. Aquando da subscrição da apólice, foram devidamente informadas e explicadas todas as cláusulas contratuais ao autor.”]: deve transitar para os factos provados.
4_ Ampliação da decisão proferida quanto à matéria de facto mediante a inclusão, nos factos provados, dos seguintes pontos:
i “A R. incumpriu o dever de informação na integralidade do contrato, (idade e tipo de invalidez) devendo o A. estar apenas vinculado ao preceituado na cláusula 13 do Contrato de Mútuo devidamente por si outorgado em 1999”.
ii. “O Autor liquidou o seguro de vida até perfazer os 65 anos de idade”.
5_ Direito do Autor ao capital que se encontrava em dívida, no contrato de crédito à habitação, em Abril de 2022, com base na cobertura complementar por “invalidez total e permanente por doença ou acidente”, abrangida pelo contrato de seguro.


II_ Fundamentação de facto
Pelo Tribunal a quo foram considerados os seguintes factos:
“A. Os Factos
Estão provados os seguintes factos com interesse para a decisão da causa:
1. A 29 de Dezembro de 1999, o Autor AA e mulher BB, celebraram um contrato de crédito habitação à data no valor de 14.000.00$00 (catorze milhões de escudos) para aquisição de um imóvel para habitação própria e permanente.
2. O contrato foi celebrado entre o Autor a mulher e a Banco 3..., sendo que em 1999, após acordo entre CC e o Banco 2..., este foi comprado, através da escritura com data de 07 de abril de 2000.
3. Em dezembro de 2004, foi determinada a fusão por incorporação do Banco 1... e do Banco 2..., no Banco 3..., passando a nova instituição a designar-se Banco 4....
4. Em face do que, as cláusulas do contrato de crédito celebrado com a Banco 3... foram assumidas pela nova Instituição Bancária.
5. No contrato mencionado em 1., na cláusula 13ª, pode ler-se o seguinte:
“O imóvel hipotecado será seguro em companhia seguradora aceite pela “IC”. Na respetiva apólice deverá constar a declaração expressa de ser “IC” credor privilegiado. Faz parte integrante da garantia do presente contrato o seguro de vida aceite pela “IC”, sendo esta beneficiaria. Os aludidos seguros só poderão ser alterados ou anulados por intermédio desta “IC” ou com o seu prévio acordo.”
6. Em data não concretamente apurada, foi atestada uma incapacidade de 0,6000% ao Autor.
7. Por carta datada de 09 de junho de 2011 o Autor foi informado de que, uma das cláusulas do Seguro de Vida Crédito à Habitação seriam alteradas – “Recordamos, ainda, que procedemos à ampliação da cobertura de Invalidez, determinada pela Tabela Nacional de Incapacidades, que passou do limite de 75% para 66%.”
8. O Autor continuou sempre a liquidar o valor da apólice de seguro, através de debito direto.
9. No ano de 2022, mais precisamente em abril desse ano, a incapacidade do Autor agravou-se e passou de uma incapacidade de 0,6000% para uma incapacidade de 0,880%.
10. Na data em que o segurado AA foi atestado com um grau de incapacidade de 0,880%, o mesmo tinha 64 anos de idade.
11. O autor informou e apresentou junto da Instituição Bancária toda a documentação inerente à sua incapacidade, com o intuito de agora sim, ativar o seguro de vida.
12. Em Abril de 2022, o Autor ainda tinha o montante total em dívida pelo crédito de habitação, o valor de €18.724,91 (dezoito mil, setecentos e vinte e quatro euros e noventa e um cêntimos).
13. Em Abril de 2022 o autor pagou o valor €272,48 (duzentos e setenta e dois euros e quarenta e oito cêntimos) a título de prestação pelo crédito habitação, €48,57 (quarenta e oito euros e cinquenta e sete cêntimos) a título de seguro e auferiu de pensão a quantia de €402,37 (quatrocentos e dois euros e trinta e sete cêntimos).
14. A ora Ré a 18 de novembro de 2022, após análise dos documentos entregues pelo Autor, por carta respondeu o que se passa a transcrever:
“Na sequência da sua exposição, e no sentido de esclarecer a decisão sobre o sinistro (…) Relembramos que na contratação do seguro, foram subscritas as garantias de Morte (Cobertura Principal) e por Invalidez Total ou Permanente (Cobertura Complementar). Como referido nas condições de seguro, a cobertura complementar por invalidez total ou permanente cessa aos 60 anos de idade da Pessoa Segura. No caso concreto, cessou para o estimado cliente, uma vez já completada a idade referida.”
15. Perante esta resposta, o Autor inconformado solicitou e insistiu para que lhe fosse disponibilizada uma cópia do contrato de seguro de vida por si assinada em que constava a idade máxima para usufruir do seguro, bem como a percentagem de invalidez.
16. O que é certo, é que a Ré facultou uma cópia genérica do “Plano de Seguro Habitação – Resumo das Garantias”, que não foi outorgada pelo Autor, sendo certo que as cláusulas aí constantes, são do desconhecimento total do Autor.
17. Além disso, em momento algum a Ré referiu quer através de correspondência ou esclarecimentos através do balcão, que o seguro de vida tinha como idade máxima em caso de invalidez os 60 anos de idade.
18. Nas circunstâncias referidas em 1. foi celebrado entre a ora Ré, enquanto Seguradora, o Banco 3..., enquanto Tomador de Seguro, e o ora Autor, na qualidade de Pessoa Segura, um Contrato de Seguro de Vida Grupo – Crédito à Habitação, titulado pela apólice n.º ...96, pelo certificado n.º ...92.
19.O suprarreferido contrato tem como coberturas contratadas a Morte, como cobertura principal, e a Invalidez Total e Permanente por doença ou acidente, como cobertura complementar.
20. O referido Contrato de Seguro teve o seu início em 1 de janeiro de 2000.
21. E tinha como beneficiário irrevogável o Banco 3..., atualmente designado como Banco 4..., S.A.
22. Conforme decorre da cláusula V, n.º 1, alínea d) do Resumo das Garantias: “As garantias cessam os seus efeitos para cada Pessoa Segura, sendo esta excluída do grupo seguro: d) aos 60 (sessenta) anos de idade da Pessoa Segura para a garantia em caso de Invalidez Total e Permanente por Doença ou Acidente.
23. Na Garantia 2, alínea c), do Resumo das Garantia consta o seguinte: “[…] c) a Pessoa Segura será considerada em situação de Invalidez Total e Permanente quando, em consequência de doença ou acidente a coberto das garantias do contrato e no decurso de um período máximo dos trezentos e sessenta dias que se lhe seguirem, cumulativamente:
i) se encontrar total e definitivamente incapaz para o exercício da sua profissão ou qualquer outra atividade lucrativa compatível com os seus conhecimentos e capacidades;
ii) seja clínica e objetivamente constatada uma incapacidade funcional permanente de grau igual ou superior a 75%, determinada pela Tabela Nacional de Incapacidades em vigor sem aplicação dos fatores corretivos nela estabelecidos para o cálculo das desvalorizações finais em função da possibilidade de reconversão para o posto de trabalho ou profissão; […]”.
Factos Não Provados
A. Em 16.03.2008, foi atestada uma incapacidade de 0,6000% ao Autor.
B. Após tal situação, o Autor comunicou e apresentou ao balcão, numa sucursal da instituição de crédito toda a documentação referente à incapacidade, contudo a percentagem de incapacidade era insuficiente para ativação do seguro.
C. O Autor, por inúmeras vezes solicitou junto do Balcão do Banco 4..., que lhe fosse facultada uma cópia por si devidamente assinada aquando da celebração do contrato de crédito habitação com um resumo das garantias do seguro de vida, nunca tendo sido entregue.
D. O Autor sempre continuou a liquidar a mesma quantia monetária pela apólice de seguro mesmo após perfazer os 60 anos de idade.
E. Aquando da subscrição da apólice, foram devidamente informadas e explicadas todas as cláusulas contratuais ao autor.”.


IV_ Fundamentação de direito
1ª Questão
Dissente o Recorrente da decisão proferida pelo Tribunal a quo quanto à matéria de facto por referência aos factos constantes dos pontos c), d) e e), dos factos não provados.
Na sua resposta, a Recorrida invoca o não cumprimento dos ónus impostos pelo artigo 640º, nº1, alíneas b) e c), do Código de Processo Civil. Sustenta que o Recorrente limitou-se a transcrever os pontos da matéria de facto que, no seu entender, se mostram incorrectamente julgados e a alegar genericamente que tais factos deveriam ter sido dados como provados, não concretizando os meios de prova que impunham decisão diferente daquela que foi alcançada, nem deixando expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Conclui que se impõe a rejeição da impugnação da decisão da matéria de facto, por não se mostrarem cumpridos os ónus estabelecidos no art. 640º do CPC. Acrescenta que “estes vícios relativos à Impugnação da decisão relativa à matéria de facto (art. 640º do CPC) não são susceptíveis de serem objecto de um despacho convite (…) já que este tipo de despacho está reservado apenas e só para os recursos sobre matéria de direito (art. 639º, nº3, do CPC)”.
Cumpre apreciar e decidir.
Dispõe o nº1 do artigo 639º do Código de Processo Civil que “o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”.
Nos termos do artigo 640º, n.º 1, do Código de Processo Civil, “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a. Os concretos pontos de factos que considera incorretamente julgados;
b. Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c. A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
Dispõe o n.º 2 do artigo 640º do Código de Processo Civil,, do Código de Processo Civil, ”No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3. […]”.
De harmonia com o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 12/2023, publicado no DR 220, 1ª série, de 14 de Novembro de 2023), «Nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa».
Pode ler-se, na fundamentação - que permitimo-nos respeitosamente transcrever - do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência citado:
«Da articulação dos vários elementos interpretativos, com cabimento na letra da lei, resulta que em termos de ónus a cumprir pelo recorrente quando pretende impugnar a decisão sobre a matéria de facto, sempre terá de ser alegada e levada para as conclusões, a indicação dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, na definição do objeto do recurso.
Quando aos dois outros itens, caso da decisão alternativa proposta, não podendo deixar de ser vertida no corpo das alegações, se o for de forma inequívoca, isto é, de maneira a que não haja dúvidas quanto ao seu sentido, para não ser só exercido cabalmente o contraditório, mas também apreendidos em termos claros pelo julgador, chamando à colação os princípios da proporcionalidade e razoabilidade instrumentais em relação a cada situação concreta, a sua não inclusão nas conclusões não determina a rejeição do recurso, conforme o n.º 1, alínea c) do artigo 640[…].
5 — Em síntese, decorre do artigo 640, n.º 1, que sobre o impugnante impende o dever de especificar, obrigatoriamente, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera julgados de modo incorreto, os concretos meios de probatórios constantes do processo, de registo ou de gravação nele realizado, que imponham decisão diversa da recorrida, bem como aludir a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Tais exigências, traduzidas num ónus tripartido sobre o recorrente, estribam-se nos princípios da cooperação, adequação, ónus de alegação e boa-fé processuais, garantindo a seriedade do recurso, num efetivo segundo grau de jurisdição quanto à matéria de facto, necessariamente avaliado de modo rigoroso, mas sem deixar de ter em vista a adequada proporcionalidade e razoabilidade, de modo a que não seja sacrificado um direito das partes em função de um rigorismo formal, desconsiderando aspetos substanciais das alegações, numa prevalência da formalidade sobre a substância que se pretende arredada.».
Ensina António Abrantes Geraldes[4] que o sistema actual de apelação que envolva a impugnação sobre a matéria de facto exige ao impugnante, o seguinte:
“a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
b) O recorrente deve especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considera oportunos; (…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos e pendor genérico e inconsequente;…”.
Transpondo tais princípios para o caso dos autos, o Recorrente impugnou a decisão proferida quanto à matéria de facto por referência à factualidade vertida nos pontos c), d) e e) dos factos não provados. Na motivação, indicou expressamente que considera tais factos incorrectamente julgados e qual a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Lidas as conclusões [entendendo-se como parte integrante das conclusões, a pretensão recursória deduzida após a enunciação das cinquenta conclusões], constata-se que das mesmas não consta qualquer referência ao ponto e) dos factos não provados, o que impõe a rejeição da impugnação da decisão da matéria de facto, nesta parte.
No que tange ao ponto c) dos factos não provados, o Recorrente pretende a sua transferência para os factos provados. Sustenta que o facto aí vertido é “completamente contrário ao ponto 15 dos factos provados” e, na motivação, indica como meio de prova o depoimento prestado pela testemunha DD, enunciando com exactidão a passagem da gravação que entende relevante, procedendo, ainda, à transcrição do excerto que, na passagem indicada, considera oportuno.
Situação similar ocorre com o ponto d) dos factos não provados. Pretende que seja “dado como provado o facto vertido em d) dos factos não provados” e na motivação, indica como meios de prova os extractos bancários por si juntos (mediante requerimento com referência 46215899).
Pelo exposto, rejeita-se a impugnação da decisão da matéria de facto por referência ao ponto e) dos factos não provados, por não cumprimento do ónus imposto pelo nº1 do art. 640º do CPC.
2ª Questão
Invoca a Recorrida que o Recorrente é omisso naqueles que são os fundamentos de direito do seu recurso, limitando-se a alegar que “não tendo sido comunicada esta cláusula, a mesma tem obrigatoriamente de ser excluída. – (fls. 12 da Sentença)” e que o Tribunal a quo violou “normas de direito preceituadas no DL n.º 446/85, de 25 de Outubro, o núcleo essencial do direito de informação”, mas “sem nunca indicar quais as normas jurídicas violadas; qual o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; sem invocar o erro na determinação da norma aplicável e indicar a norma jurídica que, em seu entendimento, deveria ter sido aplicável”.
Dispõe o artigo 639º do Código de Processo Civil que:
“1 - O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.
3 - Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada”.
Como decorre do disposto no artigo 639º, nº1, do Código de Processo Civil, a interposição de um recurso em processo civil sujeita o recorrente a dois ónus:
a) O ónus de alegação, no cumprimento do qual o Recorrente deve identificar as questões suscitadas e relativamente às quais pretende uma resposta diversa daquela que foi dada pelo Tribunal a quo; indicar as normas violadas, o sentido que deve ser atribuído às normas cuja aplicação e interpretação determinou o resultado que pretende impugnar e, perante eventual erro na determinação das normas aplicáveis, indicação das que deveriam ter sido aplicadas; e deve expor os fundamentos da sua pretensão no sentido da alteração, anulação ou revogação da decisão.
b) O ónus de conclusão, no cumprimento do qual o Recorrente deve condensar os fundamentos por que pede a revogação, a modificação ou a anulação da decisão em função da resposta que deve ser dada às questões de direito suscitadas.
Ensinava o Professor Alberto dos Reis[5], a palavra conclusões é expressiva. No contexto da alegação o recorrente procura demonstrar esta tese: Que o despacho ou sentença deve ser revogado, no todo ou em parte. É claro que a demonstração desta tese implica a produção de razões ou fundamentos. Pois bem: essas razões ou fundamentos são primeiro expostos, explicados e desenvolvidos no curso da alegação; hão-de ser, depois, enunciados e resumidos, sob a forma de conclusões, no final da minuta.”, acrescentando “As conclusões são as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação (…). O que importa essencialmente, é que a alegação feche pela indicação resumida das razões por que se pede o provimento do recurso”.
A falta absoluta de alegações ou de conclusões gera o indeferimento do recurso [artigo 641.º, nº 2, al. b), do CPCivil], não sendo essa a situação dos autos.
O legislador isolou a falta das indicações referidas no nº2 do artigo 639º do CPC como um dos vícios que pode afectar as conclusões. Sendo as mesmas reputadas como deficientes quando nelas se omite, total ou parcialmente, a indicação das normas jurídicas violadas, o legislador adoptou uma solução paliativa que possibilita a supressão das deficiências através de despacho de convite ao aperfeiçoamento.
Ensina António Santos Abrantes Geraldes[6], “[a] prolação do despacho de aperfeiçoamento fica dependente do juízo que for feito acerca da maior ou menor gravidade das irregularidades ou incorrecções, em conjugação com a efetiva necessidade de uma nova peça processual que respeite os requisitos legais”.
Da leitura, quer da motivação, quer das conclusões apresentadas pelo Recorrente, verifica-se que o fundamento do seu recurso consiste na violação dos deveres de comunicação e de informação e do princípio da boa fé: imputa à Ré o não incumprimento dos deveres de comunicação e de informação das cláusulas que integram o contrato de seguro, mormente as cláusulas referentes à “idade e tipo de invalidez”. Indicou como normas violadas as constantes dos artigos 5º e 6º da LCCG e do artigo 292º do Código Civil.
Refere o Recorrente que pese embora o Tribunal a quo tenha concluído que o A. desconhecida tais cláusulas, decidiu pela improcedência do pedido com fundamento numa questão que nunca lhe foi colocada, quer antes ou durante o processo, ou seja, se o Autor tinha ou não uma incapacidade que o impedia de exercer a sua profissão. Nunca foram suscitadas dúvidas quanto a esta situação, nem o Autor podia proactivamente esclarecer pois, “nunca foi esclarecido dos requisitos que teria de preencher para que lhe fosse activado o seguro”.
Advoga que tendo o Tribunal a quo concluído que existiu por parte da R. o incumprimento do dever de comunicação e “(…) que o autor desconhecia, por disso não ter sido informado, das cláusulas que integram o contrato de seguro”; “nada mais pode existir, senão uma redução do negócio jurídico, nos termos do art.º 292º do Código Civil”.
Pelo exposto, improcede a pretensão recursiva da Recorrida de rejeição do recurso com fundamento na omissão das normas violadas.


3ª Questão
Dissentem os Recorrentes da decisão da matéria de facto por referência aos seguintes factos:
i. Facto ínsito no ponto c) dos factos não provados [“C. O Autor, por inúmeras vezes solicitou junto do Balcão do Banco 4..., que lhe fosse facultada uma cópia por si devidamente assinada aquando da celebração do contrato de crédito habitação com um resumo das garantias do seguro de vida, nunca tendo sido entregue”]: deve transitar para os factos provados.
ii. Facto ínsito no ponto d) dos factos não provados [“D. O Autor sempre continuou a liquidar a mesma quantia monetária pela apólice de seguro mesmo após perfazer os 60 anos de idade.”]: deve transitar para os factos provados.
iii. Facto ínsito no ponto e) dos factos não provados. [“E. Aquando da subscrição da apólice, foram devidamente informadas e explicadas todas as cláusulas contratuais ao autor.”]: deve transitar para os factos provados.


Considerando a solução conferida à 1ª questão, mostra-se prejudicada a apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto quanto ao facto constante do ponto e) dos factos provados.
Pretende o Recorrente que seja transferido para a matéria de facto provada o facto vertido no ponto c) dos factos não provados. Reapreciada a prova produzida, em particular o excerto do depoimento da testemunha DD, indicado pelo Recorrente, salvo o devido respeito, não se mostra o mesmo idóneo para a alteração da decisão da matéria de facto pretendida.
A testemunha DD, profissional de seguros a exercer funções numa companhia de seguros que presta serviços para a A..., não teve qualquer intervenção no momento da celebração dos contratos de mútuo e de seguros. A sua intervenção só ocorre após a participação do sinistro, pelo Autor, pelo que não tem conhecimento directo sobre quaisquer comunicações ou informações prestadas a este em momento anterior. Reportando-se ao momento da celebração dos contratos, a testemunha DD limitou-se a referir o procedimento habitualmente observado: aquando da “elaboração” da proposta de seguro e da celebração do contrato, é entregue ao cliente uma cópia das garantias e este, por sua vez, assina uma declaração “a dizer que recebeu essas condições”. Importa, ainda, salientar que pela testemunha foi declarado desconhecer os procedimentos do Banco 3..., advindo o seu conhecimento sobre esse momento da leitura do processo interno que existe na Ré. Ouvida a gravação do depoimento da testemunha DD, nas passagens indicadas pelo recorrente, nada foi mencionado quanto às alegadas solicitações, pelo Autor, quer no momento da celebração do contrato, quer em momento posterior, de uma cópia contendo o “resumo” das garantias do seguro de vida.
Improcede, assim, a impugnação da decisão proferida quanto à matéria de facto, nesta parte, acrescentando-se que não se verifica a alegada contradição entre o facto vertido no ponto 15 dos factos provados e o facto ínsito no ponto c) dos factos não provados pois, respeitam a realidades diversas.
O ponto 15 dos factos provados reporta-se à reacção do Autor à resposta apresentada pela Ré em 18 de Novembro de 2022 e à solicitação, nessa altura, de “uma cópia do contrato de seguro de vida” por si assinada da qual constasse “a idade máxima para usufruir do seguro, bem como a percentagem de invalidez”. No ponto c) dos factos não provados não está em causa a cópia do contrato de seguro mas um “resumo das garantias do contrato de seguro”.
No que concerne ao ponto d) dos factos não provados, o Recorrente pretender ver o facto em causa transferido para os factos provados, pretensão que sustenta nos extractos bancários juntos com o requerimento de 26/7/2023.
Contrariamente ao referido pelo Tribunal a quo, o Autor não juntou aos autos apenas o extracto que consta como documento nº 5 e do qual resulta o movimento a débito com a denominação “débito directo A...”, no valor de €48,57, em 1/4/2022. Juntou, ainda, extractos bancários referentes ao período de 2017 a Outubro de 2022. Da análise de tais extractos resulta que o Autor/Recorrente pagou efectivamente, mensalmente, mediante débito, o prémio do seguro [Importa salientar que o prémio do seguro sempre seria devido pois, o contrato de seguro abrange, além da cobertura pela incapacidade total e permanente, a cobertura pelo sinistro morte]. Porém, de tais extractos não resulta que o Autor pagou sempre a mesma quantia ao longo desse período pois, o prémio do seguro foi sofrendo alterações no seu quantitativo. A título de exemplo, o Autor, no mês de Setembro de 2017, pagou a quantia de €47,49; no mês de Outubro de 2017 (mês em que atingiu os 60 anos de idade), pagou a quantia de €47,49; no mês de Novembro de 2017, pagou a quantia de €41,62; e no mês de Dezembro de 2017, pagou a quantia de €41,29. No ano de 2018, no mês de Janeiro, pagou a quantia de €40,96, sofrendo um aumento no mês de Fevereiro de 2018 para a quantia de €43,20 e no mês de Março de 2018, para a quantia de €48,34. Dos dois documentos juntos pela Ré, em 4/8/2023, consta o valor pago em Novembro de 2017 e em Julho de 2023. Da articulação do documento referente ao mês de Novembro de 2017 com os “prints” do sistema introduzidos no próprio requerimento não se mostra possível aferir qual o procedimento nos restantes meses, ou seja, que o prémio mensal cobrado, a partir de Outubro de 2017 em diante deixou de incluir a fracção associada à cobertura complementar de invalidez.
Por último, relevante para o objecto do recurso não é apurar se o Autor, desde Outubro de 2017, continuou a pagar a mesma quantia a título de prémio de seguro mas, se o prémio mensal cobrado pela Ré deixou de incluir, a partir de Outubro de 2017, a fracção associada à cobertura complementar de invalidez, sendo a prova manifestamente insuficiente para se concluir nesse sentido. Acrescenta-se, ainda, que não se verifica a alegada contradição entre o facto ínsito no ponto 13 dos factos provados e o facto vertido no ponto d) dos factos não provados. A não prova de um facto equivale à não articulação desse facto, tudo se passando como se o mesmo não existisse. Dito de outro modo, da não demonstração que o Autor sempre continuou a liquidar a mesma quantia monetária pela apólice de seguro após perfazer os 60 anos de idade, não se pode extrair que o Autor não pagou mensalmente o prémio do seguro. No ponto 13 dos factos provados consta “Em Abril de 2022 o autor pagou o valor €272,48 (duzentos e setenta e dois euros e quarenta e oito cêntimos) a título de prestação pelo crédito habitação, €48,57 (quarenta e oito euros e cinquenta e sete cêntimos) a título de seguro e auferiu de pensão a quantia de €402,37 (quatrocentos e dois euros e trinta e sete cêntimos)”. Assim, não existe qualquer contradição entre esse facto e o facto constante do ponto d) dos factos não provados.
Pelo exposto, improcede a impugnação da decisão da matéria de facto.

*

No ponto 9 dos factos provados, o Tribunal a quo considerou demonstrado que “[n]o ano de 2022, mais precisamente em Abril desse ano, a incapacidade do Autor agravou-se e passou de uma incapacidade de 0,6000% para uma incapacidade de 0,880%” e no ponto 10, [n]a data em que o segurado AA foi atestado com um grau de incapacidade de 0,880% o mesmo tinha 64 anos de idade”.
Do atestado médico de incapacidade – Multiuso - documento nº 4 junto com a petição inicial - consta expressamente que de acordo com a TNI – Anexo I, aprovada pelo Decreto-Lei nº 352/2007, de 23 de Outubro, “o utente é portador de deficiência que (…) lhe confere uma incapacidade permanente global de 88%, susceptível de variação futura, devendo ser reavaliado no ano de 2025”.
Assim, ao abrigo do disposto no artigo 662º, nº1, do CPC, procede-se à alteração dos pontos 9 e 10 dos factos provados passando a constar dos mesmos a seguinte redacção:
9. Em Abril de 2022, a incapacidade do Autor agravou-se e passou de 0,6000% para uma incapacidade permanente de 0,880%.
10. Na data em que ao segurado AA foi atestado um grau de incapacidade permanente de 0,880% o mesmo tinha 64 anos de idade”.
*

4ª Questão
Pretende o Autor/Recorrente a ampliação da matéria de facto dada como provada, por forma a constar dos factos provados que “a R. incumpriu o dever de informação na integralidade do contrato, (idade e tipo de invalidez) devendo o A. estar apenas vinculado ao preceituado na cláusula 13 do Contrato de Mútuo devidamente por si outorgado em 1999”.
O primeiro segmento não contém qualquer facto, tratando-se de matéria conclusiva a extrair dos factos provados, respeitando a matéria de direito saber se o Autor está vinculado à cláusula 13ª do contrato de mútuo ou a qualquer outra cláusula, pelo que se indefere a pretensão recursória de ampliação da decisão da matéria de facto.

Pretende, ainda, o Recorrente a ampliação da matéria de facto mediante a inclusão nos factos provados que o Autor liquidou o seguro de vida até perfazer os 65 anos de idade. Da inclusão deste facto, na matéria de facto provada, não advém qualquer efeito juridicamente útil ou relevante.

De acordo com o previsto no nº 1, do artigo 5º do Código de Processo Civil, às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas. Por outro lado, além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz os factos instrumentais que resultem da instrução da causa, os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes tenham alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar, os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por força do exercício das suas funções (artigo 5º, nº 2, do Código de Processo Civil).

A ampliação da decisão da matéria de facto pressupõe a essencialidade da matéria omitida na base de facto, no sentido de se tratar de matéria indispensável para a resolução do litígio, possibilitando enquadramento jurídico diverso do adotado pelo tribunal recorrido.

Conforme já se explicou, atento o objecto dos presentes não releva apurar se o Autor, desde Outubro de 2017, continuou a pagar a mesma quantia a título de prémio de seguro mas, aferir se o prémio mensal cobrado pela Ré manteve, desde Outubro de 2017, a fracção associada à cobertura complementar de invalidez.
Pelo exposto, improcede a pretensão recursória nesta parte.

5ª Questão
Insurge-se o Recorrente contra a decisão proferida pelo Tribunal a quo sustentando que, apesar de concluir que o Autor desconhecida que a cobertura de invalidez era até aos 60 anos de idade, bem como as cláusulas que integravam o contrato de seguro, julgou improcedente o pedido com fundamento numa questão que nunca lhe foi colocada, quer antes ou durante o processo, ou seja, se o Autor tinha ou não uma incapacidade que o impedia de exercer a sua profissão. Nunca foram suscitadas dúvidas quanto a esta situação, nem o Autor podia proactivamente esclarecer essa questão pois, “nunca foi esclarecido dos requisitos que teria de preencher para que lhe fosse activado o seguro”. Relativamente ao contrato de seguro, sabe, apenas, que pagava mensalmente o prémio e o teor da cláusula 13ª do contrato de mútuo. Nunca foi informado que a incapacidade de 66%, para assumir relevância, teria de ser definitiva ou permanente. O tipo de invalidez apenas foi referido por carta de 18 de Novembro de 2022, carta que teve como intuito informar o Autor que a cobertura por invalidez havia cessado aos 60 anos de idade e não questionar o tipo de invalidez que lhe tinha sido atestado. O Autor nunca foi questionado se estava incapacitado para exercer a sua profissão pois, apenas estava em discussão se tinha sido informado, ou não, que após os 60 anos de idade não podia accionar a cobertura de invalidez permanente por ter sido excluída do contrato.
O Tribunal entendeu que a Ré incumpriu o dever de comunicação e, consequentemente, excluiu do contrato a cláusula que estipulava a cessação, aos 60 anos, da cobertura por invalidez permanente. Não pode ser diversa a decisão quanto à cobertura por “invalidez total e permanente” pois, a definição desse conceito não foi comunicada ao Autor. Concluiu o Recorrente que o Tribunal a quo violou o dever de informação, e o princípio da boa-fé e que “nada mais pode existir, senão uma redução do negócio jurídico, nos termos do art.º 292º do Código Civil”.
Advoga a Ré/Recorrida que “considerando-se uma cláusula contratual, definidora de uma cobertura, como excluída de um contrato que se pretende manter válido e eficaz, sempre será necessário e indispensável recorrer a uma forma de interpretar e integrar tal contrato ainda que desprovido dessa cláusula. O que só poderá acontecer com recurso ao sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, daria a tal cláusula. Neste conspecto, não bastaria ao Autor, como fez, provar que se encontrava numa situação de incapacidade superior a 75%, mas, ainda, que essa incapacidade o impossibilitava de exercer uma actividade profissional remunerada compatível com os seus conhecimentos e aptidões, sendo tal situação irreversível e, por isso, permanente. O que não fez”.
Previamente à apreciação e decisão da questão, importa referir o seguinte. Nos articulados não foi suscitada a questão da redução do negócio, à luz do artigo 292º do Código Civil. Os recursos são meios de impugnação de decisões proferidas pelo Tribunal recorrido. Exceptuando o caso da verificação de nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia (artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil), da existência de questão de conhecimento oficioso (artigos 608º, nº 2, 2ª parte e 663º, nº 2, ambos do Código de Processo Civil), da alteração do pedido, em segunda instância, por acordo das partes (artigo 264º do Código de Processo Civil) ou da mera qualificação jurídica diversa da factualidade articulada (artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil), os recursos destinam-se à reponderação de questões que hajam sido colocadas e apreciadas pelo tribunal recorrido, não se destinando ao conhecimento de questões novas[7] .
Por isso, no que respeita a este segmento das conclusões apresentadas pelo recorrente, por constituir uma questão nova que não é de conhecimento oficioso, este tribunal abstém-se de conhecer este fundamento do recurso.
Resulta dos factos provados que em 29 de Dezembro de 1999, o Autor AA e mulher BB, celebraram com Banco 3... um contrato de crédito habitação à data no valor de 14.000.00$00 (catorze milhões de escudos) para aquisição de um imóvel para habitação própria e permanente. A instituição bancária Banco 3... foi adquirida pelo Banco 2... e, posteriormente, foi determinada a fusão por incorporação do Banco 1... e do Banco 2..., no Banco 3..., passando a nova instituição a designar-se Banco 4....
Do contrato de crédito à habitação consta a cláusula «O imóvel hipotecado será seguro em companhia seguradora aceite pela “IC”. Na respetiva apólice deverá constar a declaração expressa de ser “IC” credor privilegiado. Faz parte integrante da garantia do presente contrato o seguro de vida aceite pela “IC”, sendo esta beneficiaria. Os aludidos seguros só poderão ser alterados ou anulados por intermédio desta “IC” ou com o seu prévio acordo.».
Nesse contexto, foi celebrado entre a Ré, enquanto seguradora, o Banco 3..., enquanto tomador de seguro, e o Autor, na qualidade de pessoa segura, um Contrato de Seguro de Vida Grupo – Crédito à Habitação, titulado pela apólice n.º ...96 - certificado n.º ...92. Este contrato teve o seu início em 1 de Janeiro de 2000 e tem como coberturas contratadas a “morte”, como cobertura principal, e a “invalidez total e permanente por doença ou acidente”, como cobertura complementar. Por carta datada de 09 de Junho de 2011, a Ré informou o Autor que, no Seguro de Vida Crédito à Habitação, procedeu “à ampliação da cobertura de Invalidez, determinada pela Tabela Nacional de Incapacidades, que passou do limite de 75% para 66%”.
Em Abril do ano de 2022, foi atestada a incapacidade permanente de 88%, ao Autor, tendo então 64 anos de idade. Nessa sequência, o Autor informou e apresentou junto da instituição bancária toda a documentação inerente à sua incapacidade, com intuito de activar o seguro de vida na cobertura complementar “incapacidade total e permanente". A Ré, a 18 de Novembro de 2022, após análise dos documentos entregues pelo Autor, informou que “na contratação do seguro, foram subscritas as garantias de Morte (Cobertura Principal) e por Invalidez Total ou Permanente (Cobertura Complementar). Como referido nas condições de seguro, a cobertura complementar por invalidez total ou permanente cessa aos 60 anos de idade da Pessoa Segura. No caso concreto, cessou para o estimado cliente, uma vez já completada a idade referida.”.
Perante esta resposta, o Autor solicitou e insistiu para que lhe fosse disponibilizada uma cópia do contrato de seguro de vida por si assinado com a menção da idade máxima para usufruir do seguro, bem como a percentagem de invalidez, tendo então sido facultada pela Ré, uma cópia do “Plano de Seguro Habitação – Resumo das Garantias” que não foi outorgada pelo Autor, sendo desconhecidas deste as cláusulas aí constantes.
Consta dos factos não provados que “[a]quando da subscrição da apólice, foram devidamente informadas e explicadas todas as cláusulas contratuais ao autor”.
Na sentença consideraram-se nulas por violação do dever de informação, ao abrigo do regime das Cláusulas Contratuais Gerais: a cláusula que prevê o limite de idade (60 anos) e a cláusula constante do “Resumo das Garantias” que define o que se deve entender por “invalidez total e permanente”. Este segmento da decisão transitou em julgado, tendo o recurso por objecto saber se assiste ao Autor/Recorrente o direito ao capital coberto pelo contrato de seguro accionando a cobertura “invalidez total e permanente”.
Designa-se por contrato de seguro o acordo pelo qual uma pessoa transfere para outra o risco de verificação de um dano, na esfera própria ou alheia, mediante o pagamento de uma remuneração. A pessoa que transfere o risco diz-se tomador ou subscritor do seguro; a que assume esse risco e recebe a remuneração – prémio – diz-se seguradora; a pessoa cuja esfera jurídica é protegida diz-se segurado, que pode ou não coincidir com o tomador do seguro.
O contrato de seguro é um negócio formal[8], que tem de ser reduzido a escrito, chamando-se apólice ao documento que o consubstancia e dela devendo constar todas as condições estipuladas entre as partes. A apólice deverá conter os riscos contra que se faz o seguro e, em geral, todas as circunstâncias cujo conhecimento possa interessar ao segurador, a par de todas as condições estipuladas entre as partes.
Na fixação do conteúdo de qualquer negócio jurídico interessa, antes do mais, analisar os termos do acordo que os respectivos outorgantes firmaram ao abrigo da liberdade contratual ditada pelo artigo 405º do Código Civil, termos esses que, no contrato de seguro, como referido, terão de constar da respectiva apólice.
Mostra-se junto aos autos – documento nº1 junto com a contestação – o documento “Crédito à habitação seguro de vida grupo – certificado individual – exemplar para a pessoa segura” de cujo teor consta “dados da apólice: apólice nº ...96. Certificado ...92”[9]. Desse documento consta “Garantias e valores seguros”: “morte” e “invalidez total e permanente”.
Trata-se de um contrato de seguro de grupo. Os contratos de seguro de grupo cobrem riscos de um conjunto de pessoas ligadas ao tomador do seguro por um vínculo que não seja o de segurar [artigo 1º alínea g), do Decreto-Lei 176/95, vigente à data da celebração do contrato], sendo estes celebrados por um tomador, por conta de vários segurados, ligados ao subscritor por um vínculo distinto do de segurar, cobrindo cumulativamente riscos homogéneos de todos os segurados, podendo tais contratos ser, segundo a sua tipologia, contributivos ou não contributivos. Os contributivos têm a característica de os segurados suportarem no todo ou em parte o pagamento do montante correspondente ao prémio devido pelo tomador do seguro por oposição aos não contributivos onde o segurado não comparticipa com qualquer valor.
A formação do contrato de seguro de grupo estabelece-se em dois momentos distintos: num primeiro momento, o contrato é celebrado entre a seguradora e o tomador do seguro, estando prevista a possibilidade de virem a existir pessoas seguras, que são aquelas que vierem a aderir e que terão o seguro com as coberturas e nos termos em que foram contratados; num segundo momento, o tomador do seguro promove a adesão ao contrato junto dos membros do grupo, começando o mesmo a produzir efeitos, como seguro, no momento da primeira adesão ou num momento posterior se tal for acordado pelas partes.
Revertendo para o caso dos autos, significa que no contrato de seguro grupo ramo vida, o tomador do seguro é a instituição bancária e a seguradora a ora Ré. O Autor, mutuário do crédito concedido, é a pessoa cujo risco de vida, saúde ou integridade física foi aceite pela seguradora depois da recepção da declaração de adesão ao seguro (declaração que consta do documento nº 2 junto com a contestação).
Ensina o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 11/1/2017[10], é «intenção há muito concretizada pelo legislador, em várias áreas do nosso ordenamento jurídico, de garantir a protecção do consumidor – entendido no sentido do nº 1 do artigo 2º da lei nº 24/96 de 31/7 (Lei de defesa dos consumidores) – que, em geral, assume uma posição mais desfavorecida, em relação a quem desenvolve, no âmbito profissional, uma actividade económica. É o que sucede, designadamente, com o reconhecimento da «importância da informação do consumidor no novo quadro da actividade seguradora», como esclareceu o preâmbulo do DL 176/95 de 26/7,(…) que estabeleceu «regras de transparência para a actividade seguradora e disposições relativas ao regime jurídico do contrato de seguro».
A essa luz, a formação do contrato de seguro é antecedida por uma série de deveres de informação que recaem sobre a seguradora e que representam um papel fulcral na protecção do segurado. No quadro da formação do contrato, estes deveres de comunicação e informação radicam, evidentemente, no princípio da autonomia privada, cujo exercício efectivo pressupõe que se encontre bem formada a vontade do aderente ao contrato e, para tanto, que este tenha um prévio e cabal conhecimento das cláusulas a que se vai vincular, sob pena de não ser autêntica a sua aceitação.
Como é fácil de entender, são, assim, convocados deveres pré-contratuais de comunicação das cláusulas (a inserir no negócio) e de informação (prestação de esclarecimentos), como meios ordenados à apropriada formação da vontade do aderente. A obtenção desse objectivo requer, desde logo, que a comunicação do clausulado contratual seja feita com antecedência necessária ao conhecimento completo e efectivo do aderente, tendo em conta as circunstâncias (objectivas e subjectivas) presentes na negociação e na conclusão do contrato, para que o mesmo, usando da diligência própria do cidadão médio ou comum, as possa analisar e, assim, aceder ao seu conhecimento completo e efectivo, para além de poder pedir algum esclarecimento ou sugerir qualquer alteração.
Ora, mediante o art. 171º do DL 102/94 de 20/4, o legislador já impusera às empresas que se propusessem celebrar contratos de seguro do ramo «Vida» o dever de fornecer ao tomador, antes da celebração do contrato de seguro, informação, de forma clara, por escrito, sobre (além do mais): definição de cada garantia e opção; duração do contrato; modalidades de resolução do contrato; modalidades e período de pagamento dos prémios; prémios relativos a cada garantia; indicações gerais relativas ao regime fiscal aplicável ao tipo de contrato. E com os arts. 2º e 10º do citado DL 176/95, a tais deveres de informação pré-contratuais, acresceram (entre outros), a prestar da mesma forma, as relativas à quantificação dos encargos e condições, prazo e periodicidade do pagamento dos prémios.».
À data da celebração do contrato, dispunha o nº1 do artigo 179º do Decreto-Lei 94-B/98, de 17 de Abril, que “As empresas de seguros que se proponham celebrar contratos de seguro ou operações do ramo «Vida» previstos nos n.os 1 a 4 do artigo 124.º e em que Portugal seja o Estado membro do compromisso devem, antes da respectiva celebração, fornecer ao tomador, de forma clara, por escrito e redigidas em língua portuguesa, as seguintes informações: (…) d) Definição de cada garantia e opção; e) Duração do contrato; (…) j) Prémios relativos a cada garantia, principal ou complementar, sempre que tal informação se revele adequada…”, estipulando o nº 2, “A proposta deve conter uma menção comprovativa de que o tomador tomou conhecimento das informações referidas no número anterior, presumindo-se, na sua falta, que o mesmo não tomou conhecimento delas, assistindo-lhe, neste caso, o direito de resolver o contrato de seguro no prazo referido no artigo 182.º e de ser reembolsado da totalidade das importâncias pagas”.
Nos termos do nº1 do artigo 181º do Decreto-Lei 94-B/98, de 17 de Abril, “Para além das informações referidas nos artigos 179.º e 180.º, as empresas de seguros referidas na presente secção devem prestar ao tomador todas as informações suplementares necessárias para a efectiva compreensão do contrato ou operação”.
Estabeleceu o legislador a cargo da seguradora um dever geral de esclarecimento e informação ao tomador do seguro que o habilite à compreensão das condições do contrato. Assim, a seguradora tem o dever de informar o tomador do seguro sobre os contornos positivos e negativos da prestação a que se obriga, designadamente quanto ao tipo de risco que cobre e respectiva delimitação.
É aplicável ao contrato celebrado pelo autor, quanto ao que agora está em causa, o regime definido pelo Decreto-Lei nº 176/95, de 26 de Julho, que estabelece regras de transparência para a actividade seguradora e disposições relativas ao regime jurídico do contrato de seguro.
O dever de informar os segurados encontra-se expressamente previsto no Decreto-Lei nº 176/95, de 26 de Julho, relativamente aos contratos de seguro de grupo, dispondo o artigo 4º que:
“1 - Nos seguros de grupo, o tomador do seguro deve obrigatoriamente informar os segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas, as obrigações e direitos em caso de sinistro e as alterações posteriores que ocorram neste âmbito, em conformidade com um espécimen elaborado pela seguradora.
2 - O ónus da prova de ter fornecido as informações referidas no número anterior compete ao tomador do seguro.
3 - Nos seguros de grupo contributivos, o incumprimento do referido no n.º 1 implica para o tomador do seguro a obrigação de suportar de sua conta a parte do prémio correspondente ao segurado, sem perda de garantias por parte deste, até que se mostre cumprida a obrigação.
4 - O contrato poderá prever que a obrigação de informar os segurados referida no n.º 1 seja assumida pela seguradora.
5 - Nos seguros de grupo a seguradora deve facultar, a pedido dos segurados, todas as informações necessárias para a efectiva compreensão do contrato.”.
Por força do nº 1 do citado artigo, o tomador do seguro deve, fundamentalmente, informar os segurados quanto a três elementos: i) coberturas contratadas e as suas exclusões; ii) as obrigações e os direitos em caso de sinistro; e (iii) as alterações ao contrato, em conformidade com um espécimen elaborado pelo segurador.
O cumprimento dos deveres de informar, a cargo do tomador, não preclude o dever de o segurador facultar, a pedido dos segurados, todas as informações necessárias para a efectiva compreensão do contrato (nº5).
Pelo Tribunal a quo foi decidido que face ao disposto no artigo 5º, n.º 3, do Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro, “impende sobre a Ré Seguradora, que submete a outrem as cláusulas gerais, o ónus de provar ter cumprido o dever de comunicação” e, por não ter sido comunicada a cláusula V, nº1, alínea d) do Resumo das Garantias, determinou a sua exclusão do contrato de seguro. A sentença, nessa parte, não se mostra impugnada, pelo que transitou em julgado, não se suscitando, assim, a questão, no presente recurso, da aplicação do regime das cláusulas contratuais gerais para regular as relações entre o segurado e a seguradora; bem como da extensão, ou não, no contrato de seguro de grupo, do dever de informar à seguradora, por via dos artigos 5º e 6º do Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro, e da exclusão da cláusula do contrato, no caso da sua omissão, por aplicação do artigo 8º do mesmo diploma[11].
Dispõe o artigo 5.º do Decreto-Lei 446/85 que:
“1 – As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las.
2 – A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.
3 – O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais”.
De harmonia com o disposto no nº1 do artigo 6.º do mesmo diploma, “O contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique”, estatuindo o nº2, “Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados”.
Os deveres de comunicação e informação têm como fundamento a protecção da parte contratualmente mais fraca, procurando assegurar a boa formação da vontade do aderente ao contrato, de forma a que tenha um prévio e cabal conhecimento das cláusulas a que se vai vincular e das suas implicações.
Nos termos do artigo 8º da LCCG devem ser excluídas as “cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5º.” (al. a), assim como as “cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo” (al. b).
Assim, não se provando a comunicação e consequente explicação do teor das cláusulas, a cominação com que a lei sanciona tal comportamento é a de que tais cláusulas se consideram excluídas dos contratos celebrados, recaindo sobre o proponente o ónus de prova do cumprimento de tais deveres.
Escreve Almeno de Sá[12], «Exige-se, em primeiro lugar, que as condições gerais sejam integralmente comunicadas à contraparte, impondo-se para além disso, que tal comunicação se realize de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento efectivo pelo contraente que actue com a diligência comum.
Com a exigência da comunicação à contraparte das condições gerais como pressuposto de inclusão no contrato singular, está em causa como que uma forma qualificada de dar conhecimento do projecto negocial. Com efeito, a comunicação não só deverá ser completa, abrangendo a globalidade das condições negociais em causa, como deverá igualmente mostrar-se idónea para a produção de um certo resultado: tornar possível o real conhecimento das cláusulas pela contraparte.
Deste modo, para além de ter de dar a conhecer ou transmitir ao parceiro contratual as condições gerais que pretende inserir no contrato, o utilizador deverá ainda preocupar-se com o modo como dá cumprimento a essa exigência, pois, sendo certo que este pode variar na sua configuração concreta, e mesmo no que concerne ao momento em que é realizado, permanece como fundamental o imperativo de proporcionar à contraparte a possibilidade de, razoavelmente, tomar conhecimento do clausulado.»
Refere, no entanto, que «não se exige que o cliente venha efectivamente a conhecer as cláusulas contratuais gerais que estão na base do contrato. Na verdade, a imposição ao utilizador deste ónus de comunicação tem como correlato, do lado do aderente, a necessidade de adopção de uma conduta que possa ter-se como razoável ou exigível. Tal conduta é aferida segundo o critério abstracto da diligência comum, o que nos reconduz ao cuidado ou zelo normal do tipo médio de agente pressuposto pela ordem jurídica, colocado na situação em causa. Ora, bem pode suceder que o comportamento do cliente não corresponda àquele padrão de diligência, pelo que se abre a possibilidade de este não vir a ter, de facto, conhecimento real das condições negociais gerais, que vão integrar, não obstante, o conteúdo do contrato singular.».
Ainda a este propósito, escreve Almeno de Sá, «A esta necessidade de comunicar as condições gerais acresce, em certas situações, uma particular exigência de informação. Com efeito, o utilizador está obrigado a informar o seu parceiro contratual, de acordo com as circunstâncias, sobre determinados aspectos compreendidos nas condições gerais cuja aclaração se justifique. Com a consagração desta específica exigência de informar, há um reforço da ideia de tentar pôr à disposição da contraparte os elementos necessários à formação de uma decisão negocial responsável. Trata-se de uma projecção particular, ainda que com especificidades, do dever pré-contratual de esclarecimento, que a boa fé faz recair, em geral, sobre os contratantes, estando, assim, em perfeita sintonia com o preceito fundamental contido no artigo 227.º do Código Civil.
O que se visa aqui é que o utilizador clarifique aqueles concretos pontos do regulamento contratual predisposto que postulem, nas particulares circunstâncias do caso, uma advertência suplementar, de forma a que a contraparte tome consciência do seu significado e alcance no quadro global do programa contratual. Saber quando é que se justifica, de facto, uma aclaração de certos aspectos do conteúdo regulativo predisposto, é sempre algo, todavia, que só poderá verdadeiramente dilucidar-se face ao condicionalismo da situação contratual em causa.».
Refere o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 30 de Março de 2017[13], “a lei prescreve cautelas tendentes a assegurar o efectivo conhecimento das cláusulas contratuais gerais pela parte a quem são propostas e a defendê-la da sua irreflexão, natural em tais circunstâncias. Cautelas que constam dos artigos 5.º e 6.º, do DL n.º 446/85, de 25/10, fazendo recair sobre o proponente: o dever de comunicação do teor das cláusulas, bem como o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva e o dever de informação sobre os aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique”.
A este propósito, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 13/9/2016 [14]:
“II - O cumprimento das prestações impostas pelos arts. 5.º e 6.º da LCCG – cuja prova onera o predisponente – convoca deveres pré-contratuais de comunicação das cláusulas (a inserir no negócio) e de informação (prestação de todos os esclarecimentos que possibilitem ao aderente conhecer o significado e as implicações dessas cláusulas), enquanto meios que radicam no princípio da autonomia privada, cujo exercício efectivo pressupõe que se encontre bem formada a vontade do aderente ao contrato e, para tanto, que este tenha um antecipado e cabal conhecimento das cláusulas a que se vai vincular, sob pena de não ser autêntica a sua aceitação.
III - Por isso, esse cumprimento deve ser assumido na fase de negociação e feito com antecedência necessária ao conhecimento completo e efectivo do aderente, tendo em conta as circunstâncias (objectivas e subjectivas) presentes na negociação e na conclusão do contrato – a importância deste, a extensão e a complexidade (maior ou menor) das cláusulas e o nível de instrução ou conhecimento daquele –, para que o mesmo, usando da diligência própria do cidadão médio ou comum, as possa analisar e, assim, aceder ao seu conhecimento completo e efectivo, para além de poder pedir algum esclarecimento ou sugerir qualquer alteração.
IV - É certo que as exigências especiais da promoção do efectivo conhecimento das cláusulas contratuais gerais e da sua precedente comunicação, que oneram o predisponente, têm como contrapartida, também por imposição do princípio da boa-fé, o aludido dever de diligência média por banda do aderente e destinatário da informação – com intensidade e grau dependentes da importância do contrato, da extensão e da complexidade (maior ou menor) das cláusulas e do nível de instrução ou conhecimento daquele –, de quem se espera um comportamento leal e correcto, nomeadamente pedindo esclarecimentos, depois de materializado que seja o seu efectivo conhecimento e informação sobre o conteúdo de tais cláusulas.
V - Porém, essa constatação, em caso algum, poderá levar a admitir que o predisponente fique eximido dos deveres que o oneram, ou a conceber como legítimas uma sua completa passividade na promoção do efectivo conhecimento das cláusulas contratuais gerais e, sobretudo, uma ausência de comunicação destas ao aderente com a antecedência necessária ao conhecimento completo e efectivo, até para que o mesmo possa exercitar aquele seu dever de diligência, nos apontados termos. Uma tal concepção conduziria à inversão não consentida da hierarquia legalmente estatuída entre os deveres do predisponente e do aderente.».
Decidiu o Tribunal a quo «ficou provado que o autor desconhecia, por disso não ter sido informado, que após os 60 anos a cobertura de invalidez permanente seria excluída do contrato (cláusula V, n.º 1, alínea d) do Resumo das Garantia), razão pela qual, em 2022, já esclarecido sobre o grau de incapacidade a partir do qual podia acionar a cobertura, o fez. Daqui resulta a inevitabilidade de aplicação à dita cláusula as consequências legalmente definidas, ou seja, a sua exclusão do contrato. Excluída a cláusula V, n.º 1, alínea d) do Resumo das Garantia, vejamos as consequências que se podem extrair da falta de comunicação da Garantia 2, alínea c), do Resumo das Garantia, segundo a qual, “c) a Pessoa Segura será considerada em situação de Invalidez Total e Permanente quando, em consequência de doença ou acidente a coberto das garantias do contrato e no decurso de um período máximo dos trezentos e sessenta dias que se lhe seguirem, cumulativamente: i) se encontrar total e definitivamente incapaz para o exercício da sua profissão ou qualquer outra atividade lucrativa compatível com os seus conhecimentos e capacidades; ii) seja clínica e objetivamente constatada uma incapacidade funcional permanente de grau igual ou superior a 75%, determinada pela Tabela Nacional de Incapacidades em vigor sem aplicação dos fatores corretivos nela estabelecidos para o cálculo das desvalorizações finais em função da possibilidade de reconversão para o posto de trabalho ou profissão”.
A referida cláusula versa sobre a definição de “invalidez total e permanente” a considerar no accionamento da garantia. Tal definição não foi comunicada ao autor, como resulta dos factos provados, pelo que, não tendo sido comunicada, tem que ser excluída. Assim, devendo ter-se por excluída tal cláusula definidora da invalidez total e permanente e não questionando o autor que o contrato deva subsistir despojado daquelas cláusulas nos termos do art. 9º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 486/85, temos apenas que o contrato de seguro em causa, para além do risco de morte (que não está em causa), garante os riscos de invalidez total e permanente da pessoa segura».
Em suma, o Tribunal a quo não considerou excluída do contrato de seguro a cobertura complementar por “invalidez total e permanente por doença ou acidente” que se encontra mencionada na apólice datada de 24/5/2022, mas a cláusula vertida no “Resumo das Garantias” que fixa as condições necessárias para ser accionada essa cobertura.
Socorrendo-se das normas constantes do art. 10º do citado Decreto-Lei n.º 446/85 e dos artigos 236º a 238º do Código Civil, concluiu o Tribunal a quo que «Da análise dos termos do contrato de seguro celebrado resulta que o mesmo tem por escopo ou pretende prevenir, cobrindo o respetivo risco, as situações de morte ou doença grave e incapacitante em que o Autor, na qualidade de segurado, possa ficar e em consequência das mesmas não lhe seja possível cumprir o contrato de mútuo que lhe permitiu a construção (ou aquisição) do imóvel hipotecado.
Nesta conformidade, pensamos que o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, no caso do autor, pode deduzir no comportamento do declarante (art. 236º, n.º 1 do CC) e que tem correspondência com o texto do respetivo documento (art. 238º, n.º 1 do CC), é que estaria abrangida na cobertura do contrato de seguro a doença (ou acidente) que o deixasse total ou definitivamente incapaz para o exercício de uma atividade remunerada, em termos de obtenção de meios de subsistência, podendo obrigar a seguradora a ter que assumir o encargo indemnizatório perante o banco mutuante.».
Acrescentou «Por invalidez deve entender-se um estado de incapacidade, entendida como uma inaptidão para o trabalho, pois só esta, na medida em que priva o segurado da possibilidade de obter rendimentos que lhe permitam cumprir o contrato de mútuo, justifica o interesse do tomador do seguro em obter a adesão; o uso do adjetivo “total” está ligado ao grau de incapacidade, correspondendo a uma incapacidade não absoluta (de 100%), mas a uma incapacidade importante, igual ou superior a 75%, que impossibilite o aderente de exercer atividade profissional remunerada; a utilização do adjetivo “permanente” pretende restringir a cobertura a estados irreversíveis, de acordo com o estado de evolução da medicina, afastando as sequelas suscetíveis de atenuação ou desaparecimento.».
Pretende o Recorrente que seja revogado o segmento da sentença que julgou improcedente o seu pedido e condenada a Ré a pagar-lhe a quantia de €18.724.91, pretensão que esteou na cobertura complementar de “invalidez total e permanente” e na incapacidade permanente de 88% que lhe foi atribuída. Em rigor, o Recorrente aceita que da apólice consta a cobertura por “invalidez total e permanente por doença ou acidente” e que esta cobertura pode operar com a incapacidade de 66%, mas dissente da interpretação dessa cláusula feita pelo Tribunal a quo que conduz a um resultado similar à definição que da mesma consta na cláusula 2, alínea c), do Resumo das Garantias cuja exclusão foi determinada na sentença sob recurso (conclusões 27 a 30, 35 e 36).
Resulta da factualidade provada que o contrato de seguro incluía a cobertura por “invalidez total e permanente por doença ou por acidente”, não tendo a Ré/Recorrida logrado demonstrar que “foram devidamente informadas e explicadas todas as cláusulas contratuais ao Autor” [ponto e) dos factos não provados].
Como resulta do já exposto, a obrigação de comunicação é, muitas vezes, insuficiente, para assegurar que o acordo do aderente foi livre e esclarecido. Refere Ana Prata[15], «Não raro o mero teor literal das cláusulas não permite apreender o seu sentido por uma pessoa de diligência razoável. Há cláusulas que, pela sua complexidade e pelo seu significado jurídicos, a generalidade das pessoas – mesmo com alguma preparação jurídica – não compreende, ou não compreende completamente. Há outras que, por terem que ver com a complexidade tecnológica do bem que é objecto do contrato, uma pessoa de preparação e diligência médias não percebe, mesmo conhecendo o seu teor literal. E ainda há cláusulas cujo significado é diverso do aparente, já que carecem de uma interpretação combinada com outras – que podem estar até sistematicamente distantes no texto do clausulado -, não se apercebendo o aderente do seu sentido salvo se lhe for explicada a articulação que tem de ser feita entre elas. Muitas vezes, estas cláusulas constituirão cláusulas surpresa, pelo que estarão no âmbito da al. c do artigo 8º, mas, em qualquer caso, se o aderente não tiver sido informado da existência de várias disposições sobre a mesma matéria, cujo sentido conjugado resulte ser diverso daquele que uma das cláusulas indiciava, terá de se entender que o dever de informação imposto pelo nº1 deste artigo foi incumprido. Há finalmente, cláusulas que, por respeitarem a questões de especial importância, justificam uma informação, também ela especialmente cuidada e completa e informada».
Tendo presente que a autonomia da vontade é o que caracteriza o negócio jurídico, ou seja, a faculdade de o contraente regular por si os seus próprios interesses, ainda que dentro de esquemas legais pré-estabelecidos, assume particular relevância o conhecimento do conteúdo do contrato em momento prévio à sua adesão. Todavia, a conclusão esclarecida do contrato, base de uma efectiva autodeterminação, não se contenta com a comunicação das cláusulas. Estas devem ser efectivamente entendidas. Consciente que nas situações em que ocorre a impossibilidade fáctica de uma das partes exercer a sua liberdade de estipulação, o contrato poder ser celebrado sem que o aderente se possa aperceber do seu conteúdo, só sendo efectivamente confrontado com o regime contratual que aceitou no momento em que surge um litígio, o legislador, no regime das cláusulas contratuais gerais, veio impor, além da exigência de comunicação adequada e efectiva, a exigência de informar a outra parte, de acordo com as circunstâncias, de todos os aspectos compreendidos nas cláusulas cuja aclaração se justifique (artigo 6º, n.º 1, da LCCG) e de prestar todos os esclarecimentos razoáveis solicitados (artigo 6º, n.º 2, da LCCG). Em suma, deve ser assegurado ao contraente o conhecimento real e efectivo das cláusulas que integram o contrato por forma a que o mesmo possa decidir se quer ou não contratar nessas condições.
Nesse sentido, escreve Luísa Maria Morais Pereira Ferreira, em “O contrato de seguro de vida (contributivo)”[16] que os aderentes consumidores, «a parte débil na relação de seguro, não podem ter menor proteção pelo facto de se vincularem à seguradora, sob promoção do tomador do seguro. Tendo a entidade financiadora omitido conduta regular, a verdade é que para ela os segurados não contribuíram, sendo de todo injusto fazer recair sobre eles as consequências de uma cláusula a que não aderiram. O que implicará a responsabilidade direta da seguradora pela falta de comunicação e informação das cláusulas gerais de exclusão das coberturas do seguro, mesmo que essa falta seja imputável, em primeira linha, ao tomador do seguro. [A responsabilização] direta da seguradora para com o segurado resulta, quer do princípio da boa-fé, quer da consideração de que, estando-se no domínio do direito do consumo, se deve proteger, em primeira mão, a parte mais débil na relação contratual - o consumidor/segurado (…)”.
No Acórdão de 20/4/2023 - citado por Luísa Maria Morais Pereira Ferreira -, o Tribunal de Justiça da União Europeia (processo C‑263/22), em resposta ao reenvio jurisprudencial, no âmbito do processo nº 2224/14.4TBSTS.P1.S1, procedeu à seguinte interpretação da Directiva 93/13/CEE do Conselho, de 05.04.1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores:
«O artigo 4.º, n.º 2, e o artigo 5.º da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, lidos à luz do vigésimo considerando desta diretiva, devem ser interpretados no sentido de que: um consumidor deve ter sempre a possibilidade de tomar conhecimento, antes da celebração de um contrato, de todas as cláusulas que este contém.».
(…)
«O artigo 3.º, n.º 1, e os artigos 4.º a 6.º da Diretiva 93/13 devem ser interpretados no sentido de que: quando uma cláusula de um contrato de seguro relativa à exclusão ou à limitação da cobertura do risco segurado, da qual o consumidor em causa não pôde tomar conhecimento antes da celebração desse contrato, é qualificada de abusiva pelo juiz nacional, este tem de afastar a aplicação dessa cláusula a fim de que não produza efeitos vinculativos relativamente a esse consumidor.».
Refere Luísa Maria Morais Pereira Ferreira, «a exigência de transparência das cláusulas contratuais assim interpretadas pelo Tribunal de Justiça implica a obrigação de facultar ao consumidor, antes da celebração do contrato, todas as informações necessárias para que este possa compreender as consequências económicas dessas cláusulas e decidir, com pleno conhecimento de causa, vincular-se contratualmente [e] pressupõe necessariamente que o consumidor possa tomar conhecimento de todas as cláusulas de um contrato antes da sua celebração [uma] vez que é o conjunto das cláusulas deste último que determinará, nomeadamente, os direitos e as obrigações que incumbem ao consumidor por força do mesmo contrato. [A circunstância] de um consumidor não ter podido tomar conhecimento de uma cláusula contratual antes da celebração do contrato em causa constitui um elemento essencial na apreciação do eventual caráter abusivo dessa cláusula, uma vez que essa circunstância poderia levar o consumidor a assumir obrigações que de outro modo não teria aceitado e, por conseguinte, poderia ser suscetível de dar origem a um desequilíbrio significativo entre as obrigações mútuas das partes nesse contrato.».
Revertendo ao caso dos autos e tendo presente o expendido sobre o dever de informação que recai sobre a seguradora sobre as cláusulas que integram o contrato, em momento anterior à sua adesão pelo segurado, e a relevância do cumprimento desse dever, no âmbito da autonomia privada, como base da efectiva autodeterminação, não logrou a Ré demonstrar que prestou informação sobre o significado e implicações, no quadro global do programa contratual, da cláusula que prevê a cobertura complementar por “invalidez total e permanente por doença ou acidente”, ou seja, que o preenchimento dessa cláusula exigia a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: (i) ter sido atribuída à pessoa segura uma incapacidade funcional permanente de grau igual ou superior a 75%, determinada pela Tabela Nacional de Incapacidades; (ii) a pessoa segura encontrar-se, total e definitivamente, incapaz para o exercício da sua profissão ou qualquer outra actividade lucrativa.
A Ré não juntou aos autos as condições gerais e particulares que integram o contrato de seguro que mereceu a adesão do Autor, sendo do teor dessas condições que deve resultar os critérios para a definição do conceito “invalidez total e permanente”. Limitou-se a juntar um “resumo” do “Plano de garantias” que não foram subscritas pelo Autor.
Do texto da apólice resulta simplesmente que a cobertura complementar ocorre na situação de “invalidez total e permanente por doença ou acidente”. Nenhuma referência é feita à actividade profissional do Autor ou à sua capacidade/incapacidade de auferir rendimentos provenientes do seu trabalho ou de qualquer outra actividade remunerada.
Durante a execução do contrato, a Ré comunicou - por carta datada de 09 de Junho de 2011 - ao Autor que procedeu “à ampliação da cobertura de invalidez, determinada pela Tabela Nacional de Incapacidades, [passando] do limite de 75% para 66%”. Da apólice não consta a menção de incapacidade de 75%. Na carta de 9/6/2011, além de ter utilizado a expressão “incapacidade”, a Ré não fez qualquer menção à necessidade de cumulação da incapacidade de 66% com a incapacidade de o Segurado/Autor auferir rendimentos provenientes do seu trabalho ou de qualquer outra actividade remunerada.
Em suma, não se encontra demonstrado que a Ré comunicou ao Autor os pressupostos para o preenchimento da cláusula que prevê a cobertura complementar por invalidez total e permanente por doença ou acidente.
Pelo exposto, não se pode considerar vinculativa a exigência, para o accionamento da cláusula que prevê a cobertura complementar por “invalidez total e permanente por doença ou acidente”, da verificação, cumulativa, dos seguintes pressupostos: (i) ter sido atribuída à pessoa segura uma incapacidade funcional permanente de grau igual ou superior a 75%, determinada pela Tabela Nacional de Incapacidades; (ii) e a pessoa segura encontrar-se, total e definitivamente, incapaz para o exercício da sua profissão ou qualquer outra actividade lucrativa.
Resulta do documento junto pela Ré que o Autor exercia actividade profissional de motorista. Em Abril de 2022, auferia uma pensão na quantia de €402,37 (quatrocentos e dois euros e trinta e sete cêntimos).
Em 27/4/2022, foi atribuída, ao Autor, a incapacidade permanente de 88%, de harmonia com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho e Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei 352/2007, de 23/10, tendo então 64 anos de idade. De harmonia com o atestado multiuso – documento nº 4 junto com a petição -, o grau de incapacidade foi fixado em 0,880 - ou seja, distando 0,12 da invalidez total -, tendo por base as patologias constantes do capítulo III, número 2.12.2.1, correspondendo a “Hemiparésia: Marcha possível sem utilização de auxiliares, membro superior utilizável com descoordenação de movimentos, sem ou com ligeiras alterações da linguagem” (Decreto-Lei 352/2007, de 23/10, e Anexo); e do capítulo XVI, número IV.3 correspondendo a “um tumor maligno sem metástases e permitindo uma vida de relação”.
Assim, desconsideradas as exigências para accionamento da cláusula de cobertura complementar por “invalidez total e permanente por doença ou acidente” e mantendo-se a vigência do contrato integrando essa cláusula, atento o elevado grau de incapacidade permanente atribuído, bem próximo da incapacidade absoluta; a idade do Autor à data da atribuição da incapacidade permanente de 88% (64 anos de idade) e a distância entre essa e o limite da idade activa; mostram-se preenchidos todos os pressupostos para o accionamento do seguro.
Pelo exposto, impõe-se a condenação da Ré no pagamento:
i. ao Autor, dos montantes por este pagos, desde 27/4/2022 até ao momento actual, à instituição bancária Banco 4..., a título de prestações de capital, juros e demais encargos, por força e para amortização do empréstimo mencionado no ponto 1 dos factos provados;
ii. ao Banco 4..., do valor ainda em dívida referente ao contrato de crédito para a habitação referido no ponto 1 dos factos provados.
Procede, assim, o recurso.


Custas
Sendo procedente a pretensão recursória, a Recorrida é responsável pelas custas da acção e do recurso (artigo 527.º, n.º1, do Código de Processo Civil).

*

V_Decisão

Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso interposto pelo Autor e, consequentemente, decide-se:
i.revogar a sentença;
ii. condenar a Ré/Recorrida no pagamento:
ii.1_ ao Autor, dos montantes por este pagos, desde 27/4/2022 até ao momento actual, à instituição bancária Banco 4..., a título de prestações de capital, juros e demais encargos, por força e para amortização do empréstimo mencionado no ponto 1 dos factos provados;
ii.2_ ao Banco 4..., do valor ainda em dívida referente ao contrato de crédito para a habitação referido no ponto 1 dos factos provados.

Custas da acção e do recurso a cargo da Ré/Recorrida- cfr. artigo 527.º, n.º1, do Código de Processo Civil.

*
Sumário:
………………………………….
…………………………………
…………………………………

*



Porto, 2025/2/10.

Anabela Morais;
Ana Paula Amorim
José Eusébio Almeida

__________________________________________

[1] Documento nº 1, intitulado “Crédito à Habitação – Seguro de Vida Grupo – Apólice - Certificado Individual,  datado de 24/5/2022 e não assinado pelo Autor.

[2] Documento nº 2, assinado pelo autor mas do qual não constam as cláusulas contratuais.

[3] Documento nº 3, intitulado “Plano Seguro Habitação – Resumo das garantias”, não datado, nem assinado.
[4] António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª ed. actualizada, Almedina, 2022, págs. 197 e 198.
[5] Professor Alberto dos Reis, “ Código de Processo Civil Anotado ”, vol. V, pág. 359.
[6] António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos em Processo Civil”, Almedina, 7ª ed. actualizada, págs. 188.
[7]Acórdão proferido em 25/11/2024, por esta Relação, no processo nº 3105/20.8T8GDM.P1, acessível em https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/dcb39743e634b46d80258bf1003bec01?OpenDocument.
[8]Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/1/2017, proferido no processo nº 2644/13.1TJVNF.G1.S1, acessível em  https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/bbdf7ff1a6e9dc22802580a5005a9997?OpenDocument: “O seguro é um contrato formal. E, diferentemente do que sucede com os contratos celebrados após a entrada em vigor (1/1/2009) do actual Regime Jurídico do Contrato de Seguro (DL 72/2008 de 16/4), perante o preceituado no art. 426º do C. Com., vigente na data das negociações a que os autos se reportam, a respectiva apólice, ou a minuta depois de aceite pela seguradora, constituía documento ad substantiam (cf. art. 364º do CC), portanto, insubstituível por qualquer outro meio de prova. O conteúdo da necessidade da forma escrita do contrato de seguro, para a validade do negócio, enquanto formalidade ad substantiam, face ao disposto naquele art. 426º, ficou conformado com o entendimento expresso pelo Assento do STJ de 22-1-1929 (DG, II série de 5-2-1929) que, pondo termo à controvérsia sobre o valor jurídico-contratual da minuta ou proposta de seguro, estabeleceu que esta «equivale para todos os efeitos à apólice».Com efeito, «O contrato de seguro é um contrato consensual (por oposição a contrato real) formal (só se prova por escrito) receptício por adesão, que se aperfeiçoa com o encontro de duas vontades na forma legal, que se aperfeiçoa com a aceitação da proposta, não relevando a entrega da apólice ou o pagamento do prémio que não adquirem o significado de elementos constitutivos para a perfeição do contrato, ainda que possam condicionar a eficácia e execução de um contrato já perfeito com a aceitação receptícia por parte do proponente, da proposta a todos dirigida por parte do segurador».
[9] Não foi junto aos autos a apólice emitida na data da celebração do contrato de seguro. A apólice junta encontra-se datada de 24 de Maio de 2022, constando dos factos provados que o contrato de seguro celebrado entre a Ré, enquanto Seguradora, o Banco 3..., enquanto Tomador de Seguro, e o ora Autor, na qualidade de Pessoa Segura, encontra-se titulado pela apólice n.º ...96 e certificado n.º ...92.
[10] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11/1/2017, proferido no processo nº 2644/13.1TJVNF.G1S1, acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/bbdf7ff1a6e9dc22802580a5005a9997?OpenDocument

[11] Existem duas posições divergentes. Uma orientação, maioritária, defende que compete ao tomador do seguro (e não à seguradora) a obrigação de informação das cláusulas contratuais constantes do seguro, bem como o ónus da prova do cumprimento desse dever. Neste sentido, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 15 de Maio de 2015, proferido no proc. 385/12.6TBBRG.G1.S1; no Acórdão de 05/04/2016, proferido no proc. 36/12.9TBALD.C1-A.S1 e no Acórdão de 10/03/2016, proferido no processo 137/11.0TBALD.C1.S1, todos acessíveis em www.dgsi.pt..

Uma segunda orientação, defende que o facto de o legislador ter fixado, no art. 4.º, n.º 1, do DL n.º 176/95, de 26 de Julho, deveres de informação a cargo do tomador de seguro, não significa que tenha querido onerar exclusivamente o banco com estes deveres e exonerar a seguradora, perante o aderente, dos deveres que já decorriam dos arts 5.º e 6.º do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro. Neste sentido, decidiu  o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 25/5/2023, proferido no processo nº 2224/14.4TBSTS.P1.S1, e  no Acórdão de 12/4/2015, proferido no processo nº 294/2002.E1.S1; o Tribunal da Relação de Coimbra, no Acórdão de 12/10/2020, proferido no processo 1531/19.4T8PBL.C1, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
[12] Almeno de Sá, Cláusulas Contratuais Gerais E Directiva Sobre Cláusulas Abusivas, 2ª edição revista e aumentada, Almedina, 2000, págs.60 e 61.
[13] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Março de 2017, proferido no processo n.º 4267/12.3TBBRG.G1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[14] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/9/2016, proferido no processo n.º1262/14.1T8VCT-B.G1.S1, Supremo Tribunal de Justiça, acessível em www.dgsi.pt.
[15] Ana Prata, Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, 2ª edição, Almedina, 2021, pág. 278.
[16] Luísa Maria Morais Pereira Ferreira, O contrato de seguro de vida (contributivo), Revista Julgar Online, Novembro 2024, pág. 13.