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CONTRA-ORDENAÇÃO
CONCORRÊNCIA
CARTEL
PRESCRIÇÃO
Sumário
- A prescrição do procedimento contraordenacional deve ser aferida por referência ao regime legal vigente no momento da prática do facto em análise, tal como decorre do artigo 2.º do RGCO; - E, quando mais favoráveis ao arguido, aos demais regimes legais que vigoraram desde aquele momento até ao do seu conhecimento, conforme decorre do artigo 3.º, n.º 2, do RGCO; - Sendo que se tem que aferir, por reporte ao prazo, às circunstâncias interruptivas e às circunstâncias suspensivas, por se repercutirem na sua natureza, ou seja, no “tempo”; - O artigo 74.º da Lei Concorrência/ 2012, vigente à data da prática dos factos em análise, consubstancia um regime prescricional suspensivo especial relativamente ao artigo 27.º-A do RGCO, pelo que afasta a sua aplicação subsidiária; - Tal como o artigo 27.º-A do RGCO, por regular de forma completa e exaustiva o instituto da suspensão da prescrição do procedimento, afasta a aplicação do artigo 120.º do CP; - O reenvio prejudicial não concretiza uma causa de suspensão autónoma do procedimento contraordenacional, pois não se mostra previsto no referido artigo 74.º da LC/2012, o que, aliás, também sucede com o artigo 27.º-A do RGCO; - Por sua vez, o artigo 9.º da Lei 17/2022, de 17 de agosto, que aprovou as alterações à Lei da Concorrência, em termos de “aplicação no tempo”, afasta a aplicação da nova redação (sejam adjetivas e/ou substantivas e/ ou mistas) aos processos “desencadeados” em data anterior à sua entrada em vigor; - Também não se verificam os requisitos enunciados pelo Acórdão “Taricco”, do TJUE, para se poder afastar a aplicação da norma nacional, no caso, o artigo 74.º da LC/2012; - Assim, tendo decorrido o prázo máximo de prescrição previsto no artigo 74.º da LC/2012, no caso de sete anos e meio mais três anos (prazo máximo de suspensão), o que importa o total de dez anos e seis meses, mostra-se prescrito o procedimento contraordenacional.
Texto Parcial
Acordam na Seção da Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I - Relatório
A …, SA, B …, SA, C …, SA, D …, S.A., E …, S.A., F …/Popular, SA, G …, PLC, H …, SA, I …, J… , e L … apresentaram recurso de impugnação judicial da decisão proferida pela Autoridade da Concorrência, que as condenou nos seguintes termos: (i) €500.000,00 (quinhentos mil euros) ao N …, S.A. …, S.A.; (ii) € 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil euros) ao C …, S.A.; (iii) €30.000.000,00 (trinta milhões de euros) ao B …, S.A.; (iv) € 60.000.000,00 (sessenta milhões de euros) ao D …, S.A.; (v) € 700.000,00 (setecentos mil euros) ao D …, S.A.; (vi) € 35.650.000,00 (trinta e cinco milhões seiscentos e cinquenta mil euros), em cúmulo jurídico, ao Popular/F …, S.A. – € 35.000.000,00 (trinta e cinco milhões de euros) ao F …, S.A., pelos factos por si praticados, e € 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil euros) pelos factos praticados pelo Banco F …, S.A.; (vii) € 8.000.0000 (oito milhões de euros) ao G …, PLC; (viii) € 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros) à H …, S.A.; (ix) € 26.000.000,00 (vinte e seis milhões de euros) ao I …; (x) € 82.000.000,00 (oitenta e dois milhões de euros) à J …; e (xi) € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) à L…. Mais decidiu a Recorrida: i) conceder ao G …, PLC dispensa da coima, nos termos e para os efeitos do artigo 77.º da Lei n.º 19/2012, bem como dispensa da sanção acessória; ii) conceder ao I … uma redução em 50% da coima, nos termos e para os efeitos do artigo 78.º da Lei n.º 19/2012 – fixando a mesma em € 13.000.000,00 (treze milhões de euros), bem como dispensa da sanção acessória. A douta decisão recorrida condenou os Recorrentes A …, S.A., C …, S.A., B …, S.A., D …, S.A., E …, S.A., F …, S.A., O …, S.A., H …, S.A., J …, S.A. e L… na sanção acessória de publicação, no prazo de 20 dias a contar do trânsito em julgado da Decisão, de um extrato da decisão condenatória, em termos a delimitar pela AdC, nos termos e conforme cópia que lhes será comunicada, na II Série do Diário da República e em jornal nacional de expansão nacional.”
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Por sentença proferida a 20 de setembro de 2024 foi a referida impugnação judicial julgada improcedente, nos seguintes termos:
I. “JULGAR IMPROCEDENTES AS QUESTÕES PRÉVIAS, NULIDADES E INCONSTITUCIONALIDADES SUSCITADAS PELAS RECORRENTES;
II. JULGAR VERIFICADA UMA INFRAÇÃO POR OBJETO, praticada pelas Recorrentes N/A …, S.A., C …, S.A., B …, S.A., D …, S.A., E …, S.A., Popular/F …, S.A., F…, S.A., G …, PLC, H …, S.A., I …, J …, S.A. e L…, consubstanciada num intercâmbio de informações sensíveis com as concorrentes, comportamento proibido pelo artigo 4.º da Lei n.º 18/2003 e/ou pelo artigo 9.º da Lei n.º 19/2012, bem como pelo artigo 101.º, número 1 do TFUE, constituindo 1 (uma) contraordenação na aceção do artigo 68.º da Lei n.º 19/2012, punível nos termos da interpretação conjugada dos artigos 68.º e 69.º da Lei n.º 19/2012;
III. Consequentemente, CONDENAR AS RECORRENTES NAS SEGUINTES COIMAS: - SANÇÃO DE ADMOESTAÇÃO à Visada G …, PLC; - Visada Banco A …, S.A., uma coima de €500.000,00 (quinhentos mil euros); - Visada Banco C …, S.A., Sucursal em Portugal, uma coima de € 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil euros); - Visada Banco B …, S.A., uma coima de €30.000.000,00 (trinta milhões de euros); - Visada D …, S.A., uma coima de € 60.000.000,00 (sessenta milhões de euros); - Visada E …, S.A. – em Liquidação, uma coima de € 700.000,00 (setecentos mil euros); - Visada Banco F …, S.A.., uma coima de € 35.000.000,00 (trinta e cinco milhões de euros), pelos factos por si praticados e uma coima de € 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil euros), pelos factos praticados pelo Popular/F …, S.A., fixando coima única de € 35.650.000,00 (trinta e cinco milhões, seiscentos e cinquenta mil euros); - Visada Caixa Central – H …, CRL, uma coima de € 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros); - Visada Caixa Económica I …, M …, S.A., uma coima de € 26.000.000,00 (vinte e seis milhões de euros), REDUZIDA A METADE POR FORÇA DO DISPOSTO NO ARTIGO 78.º DA LEI DA CONCORRÊNCIA; - Visada J …, S.A., uma coima de € 82.000.000,00 (oitenta e dois milhões de euros); - Visada L …, S.A., Establecimiento Financiero de Crédito (Sociedad Unipersonal) – Sucursal em Portugal, uma coima de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros).
IV. A título de SANÇÃO ACESSÓRIA, por a gravidade das práticas o justificar, ao abrigo do artigo 71.º da Lei n.º 19/2012, CONDENAR as Visadas A …, S.A., C …, S.A., B …, S.A., D …, S.A., E …, S.A., F …, S.A., H …,S.A. J …, S.A. e L …, S.A. a fazerem publicar, no prazo de 20 dias a contar do trânsito em julgado da decisão judicial, um extrato da mesma, com o referido em II e III, na II Série do Diário da República e em jornal nacional de expansão nacional.
V. Custas a cargo das Recorrentes, fixadas no seu limite máximo atenta a extensão e complexidade das questões suscitadas (artigo 87.º do Regulamento de Custas Processuais e Tabela III anexa ao Diploma).”
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Inconformado com tal decisão, veio o E …, SA, interpôr recurso da mesma para este Tribunal da Relação, formulando as conclusões que constam do Anexo I [que aí se transcrevem].
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Inconformado com tal decisão, veio o G …, PLC interpôr recurso da mesma para este Tribunal da Relação, formulando as conclusões que constam do Anexo II [que aí se transcrevem].
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Inconformado com tal decisão, veio o D …, SA, interpôr recurso da mesma para este Tribunal da Relação, formulando as conclusões que constam do Anexo III [que aí se transcrevem].
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Inconformada com tal decisão, veio a Caixa Central – H …, CRL, interpôr recurso da mesma para este Tribunal da Relação, formulando as conclusões que constam do Anexo IV [que aí se transcrevem].
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Inconformado com tal decisão, veio o Banco C …, SA – Sucursal em Portugal interpôr recurso da mesma para este Tribunal da Relação, formulando as conclusões que constam do Anexo V [que aí se transcrevem].
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Inconformada com tal decisão, veio a L …, SA, Estabelecimento Financeiro de Crédito (Sociedad Unipersonal) – Sucursal em Portugal interpôr recurso da mesma para este Tribunal da Relação, formulando as conclusões que constam do Anexo VI [que aí se transcrevem].
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Inconformado com tal decisão, veio o Banco F …, SA, interpôr recurso da mesma para este Tribunal da Relação, formulando as conclusões que constam do Anexo VII [que aí se transcrevem].
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Inconformado com tal decisão, veio o Banco B …, SA, interpôr recurso da mesma para este Tribunal da Relação, formulando as conclusões que constam do Anexo VIII [que aí se transcrevem].
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Inconformado com tal decisão, veio o Banco A …, SA, interpôr recurso da mesma para este Tribunal da Relação, formulando as conclusões que constam do Anexo IX [que aí se transcrevem].
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Inconformada com tal decisão, veio a J …, SA, interpôr recurso da mesma para este Tribunal da Relação, formulando as conclusões que constam do Anexo X [que aí se transcrevem].
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Inconformada com tal decisão, veio a Caixa Económica I …, M …, SA, interpôr recurso da mesma para este Tribunal da Relação, formulando as conclusões que constam Anexo XI [que aí se transcrevem].
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Admitidos os recursos, respondeu o Ministério Público, nos seguintes termos:
Requerimento de 18/11/24 (resposta ao recurso do Banco B …, S.A.): Em síntese, CONCLUI-SE, pois, que não assiste qualquer razão ao recorrente em todas as questões que levanta, seja por não verificação de qualquer prescrição, seja pela inexistência de quaisquer vícios previstos no artigo 410º nº 2 als. a), b) e c) do CPP, ou erros de julgamento, quer na subsunção dos factos ao Direito, bem como ao postulado no Acórdão do TJUE proferido em 29/07/2024, ou até mesmo quaisquer vícios na aplicação da coima em que o recorrente foi condenado. Pelo que, face ao assim exposto, deve o recurso a que por ora se responde improceder, por não provado, e a douta sentença recorrida ser mantida na sua íntegra.
Requerimento de 18/11/24 (resposta ao recurso do G …, PLC): Termos em que deve o recurso a que por ora se responde ser objecto de decisão liminar de rejeição, em virtude da falta de interesse em agir do recorrente, da inadmissibilidade legal prevista no artigo 73º nº 1 do RGCOC, ex vi artigo 83º da LdC, e ainda por não reunir os pressupostos advindos do nº 2 da mesma norma
Requerimento de 18/11/24 (resposta ao recurso do C …, S.A.): Desta feita, CONCLUI-SE, em síntese, que não assiste qualquer razão ao recorrente nas razões que aduz quanto à suposta insuficiência da matéria de facto necessária para a sua condenação, ou quanto à aplicação dos próprios critérios do TJUE relativamente à sua participação no acordo havido com os demais visados e que teve sempre como escopo o falseamento das regras da concorrência e a violação do artigo 101º do TFUE e do artigo 9º nº 1 da LdC. Pelo que deve o recurso a que por ora se responde ser julgado improcedente, por não provado, e a douta decisão recorrida mantida na sua íntegra.
Requerimento de 18/11/24 (resposta ao recurso da Caixa Central – H …, S.A.): Face a tudo quanto assim se expõe, CONCLUI-SE que a douta sentença proferida não padece de qualquer um dos vícios ou erros apontados pela recorrente, seja no tocante à prescrição, seja no tocante à utilização da prova digital apreendida, seja ainda no que diz respeito à ponderação de todos os factos tidos como provados e à conformidade dos mesmos com a conclusão de que a recorrente efectivamente actuou, livre, deliberada e conscientemente num ‘acordo’ – com troca e recepção de informação - acertado com os restantes visados, incidindo sobre o núcleo essencial da sua actividade bancária, e que sempre teve como escopo deturpar a concorrência, anular qualquer competição, e homogeneizar os produtos financeiros e as taxas de juros e spreads apresentados ao púbico em geral, em claro prejuízo dos mesmos, na justa medida em que viram puramente vedado o seu direito à escolha de opções economicamente mais sustentáveis ou vantajosas para o seu orçamento. Deste modo, deve o presente recurso improceder, por não provado, e a douta sentença proferida ser mantida na sua íntegra.
Requerimento de 20/11/24 (resposta ao recurso da Caixa Económica I …): Em síntese, CONCLUI-SE que a douta sentença recorrida não padece de qualquer vício, insuficiência ou contradição que a afecte na sua totalidade, devendo ser mantida em toda a sua essência. Por outro lado, não é correcto que o presente procedimento contraordenacional se mostre prescrito, tal como acima já demonstrado. No mais, o Ministério Público não se opõe a que seja materialmente fixado um diverso e mais reduzido montante da coima actualmente fixada à recorrente, tendo em conta as razões acima apontadas e que apenas repetem a posição já tomada em fase anterior do processo. * Termos em que deve o recurso ser julgado improcedente, por não provado, quanto às invocadas nulidades, erros ou vícios de que a douta sentença não padece; mais se reiterando, por outro lado e sem contradição, que, no tocante ao montante concreto da coima, nada haverá a opor à sua respectiva redução, tendo presentes as valorações acima deixadas escritas sobre o papel social que a recorrente desempenha na sociedade.
Requerimento de 20/11/24 (resposta ao recurso do Banco E …, S.A. (em liquidação): Pelo que, em síntese, CONCLUI-SE que a douta sentença proferida não padece de qualquer omissão de pronúncia quando chega a reconhecer a manutenção da personalidade jurídica da recorrente, logo no acervo dos factos provados, e de onde se retira a aptidão da mesma para ser ainda assim condenada por factos ilícitos contraordenacionais cometidos no passado e anteriores à própria medida de resolução adoptada pelo Banco de Portugal. Por outro lado, e dada a posição já anteriormente adoptada pelo Ministério Público – em razão de ter sido ponderada a própria necessidade de aplicação de coima, dado o não retorno ao mercado da recorrente –, manda um imperativo de consciência e coerência que seja apenas pedida a esperada e costumada JUSTIÇA no que toca quer à aplicação àquela de uma coima simbólica, talqualmente peticionado, quer até à possível suspensão da mesma na sua execução.
Requerimento de 20/11/24 (resposta ao recurso da J …, S.A.): Em síntese, CONCLUI-SE que a douta sentença não padece de qualquer dos vícios previstos no artigo 410º nº 2 als. a), b) e c), tendo feito uma correcta utilização de prova inteiramente permitida e aplicado à recorrente uma sanção que, ponderados todos os elementos aplicáveis se mostra adequada. Diga-se ainda, que, ao contrário do pretendido pela recorrente, o presente procedimento contraordenacional não se mostra de forma alguma prescrito. Termos em que deve o recurso em apreço ser julgado improcedente, não provado, e a douta sentença recorrida ser mantida na sua íntegra no que à recorrente diz respeito.
Requerimento de 20/11/24 (resposta ao recurso do D …, S.A.): Assim face ao exposto e em síntese, CONCLUI-SE: O presente procedimento contraordenacional não se encontra prescrito mesmo no tocante à ora visada; A prova digital constante dos autos mostra-se como prestável à prova dos factos dados como assentes, inexistindo qualquer proibição no tocante à sua utilização, sendo certo que, em muitos casos, mesmo quanto à ora recorrente, estão em causa meros documentos, entregues por um terceiro aqui também visado; A douta sentença não padece de qualquer um dos vícios previstos no artigo 410º nº 2 als. a), b) e c); A douta sentença ora posta em crise fez uma correcta aplicação do direito a dar ao caso concreto, quer ao nível da sua fundamentação, quer ao nível da condenação aplicada à recorrente – não se mostrando desadequado ou sequer desproporcional o montante da coima em aplicada. O tribunal a quo soube reconhecer o respeito devido ao princípio do primado do Direito da União Europeia – previsto no artigo 8º nº 4 da CRP, sendo insusceptível de qualquer censura na operação de subsunção dos factos dados como assentes ao propugnado pelo dispositivo exposto no Acórdão do TJUE de 29/07/2024; Mais se mostrando isenta de qualquer censura a imputação subjectiva da infracção como conjunta e extensível a todas as visadas que, na verdade, participaram num temporalmente longo acordo de troca de informações sobre elementos essenciais da actividade bancária quotidiana que, na sua essência, não estava disponível para o público em geral e que era susceptível de criar encargos-excedentes nas opções de financiamento dos seus clientes que se viram privados de qualquer diversidade de ofertas. Termos em que deve o presente recurso improceder, por não provado, e a douta sentença recorrida ser mantida na sua íntegra, nomeadamente no que toca à punição da ora recorrente.
Requerimento de 21/11/24 (resposta ao recurso do Banco F …, S.A.): Face ao exposto, em síntese, CONCLUI-SE que a douta sentença não padece de nenhum dos vícios e erros aduzidos pelo recorrente, sendo ainda certo que o presente procedimento contraordenacional não se mostra prescrito e que a prova digital apreendida pela AdC mediante mandado de Juiz de Instrução e utilizada em audiência de discussão e julgamento é inteiramente válida e legítima; não impendendo sobre si nenhum tipo de proibição ou qualquer nulidade. Termos em que deve o presente recurso ser julgado improcedente, por não provado, e a douta sentença proferida ser mantida na sua íntegra, em especial no tocante ao recorrente.
Requerimento de 21/11/24 (resposta ao recurso da L …, S.A.): Face ao exposto, em síntese, CONCLUI-SE que a douta sentença não padece de nenhum dos vícios e erros aduzidos pelo recorrente, sendo ainda certo que o presente procedimento contraordenacional não se mostra prescrito e que a prova digital apreendida pela AdC mediante mandado de Juiz de Instrução e utilizada em audiência de discussão e julgamento é inteiramente válida e legítima; não impendendo sobre si nenhum tipo de proibição ou qualquer nulidade. Termos em que deve o presente recurso ser julgado improcedente, por não provado, e a douta sentença proferida ser mantida na sua íntegra, em especial no tocante ao recorrente.
Requerimento de 21/11/24 (resposta ao recurso do Banco A …, S.A.): Termos em que deve o recurso a que por ora se responde ser julgado improcedente, por não provado, e a douta sentença proferida ser mantida na sua íntegra. Pelo que, apenas desse modo, e mais do que nunca – num processo com uma complexidade nunca antes vista neste domínio – farão Vossas Excelências a Esperada e Costumada JUSTIÇA!
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Respondeu ainda a Autoridade da Concorrência, concluindo nos seguintes termos: Nestes termos e nos demais de direito que V. Exa. doutamente suprirá, deve: a) Requer-se a não admissão do Recurso do G …, PLC nos termos do n.º 2 do artigo 401.º do CPP, atenta a falta de verificação do pressuposto do interesse em agir, bem como subsidiariamente, da falta de verificação dos pressupostos para a interposição do Recurso ao abrigo do n.º 2 do artigo 73.º do RGCO (a invocada necessidade de melhoria na aplicação do direito); b) Ser indeferido o requerimento apresentado pela H… no sentido de ser atribuído novo prazo para interposição de recurso jurisdicional da Sentença para o TRL; c)Ser fixado o efeito meramente devolutivo ao presente recurso, salvo se for prestada caução no valor de metade da coima aplicada no prazo de 20 dias nos termos do n.º 5 do artigo 84.º da Lei da Concorrência; d) Ser julgadas totalmente improcedentes as nulidades invocadas, por não demonstradas; e) Ser julgadas totalmente improcedentes as inconstitucionalidades arguidas, porque não verificadas; f) Ser julgado totalmente improcedente, por não provado, os Recursos de Impugnação, nos termos da Lei da Concorrência e do TFUE e, em consequência, ser mantida, na íntegra, a Sentença de 20 de setembro de 2024. g) Deverá, por fim, ser mantido o caráter urgente do processo declarado pelo Tribunal recorrido com base nos fundamentos vertidos no despacho de 8 de abril de 2022, com a referência n.º 351239.
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Decisão de 2022 (determinou o reenvio).
Inconformado com a decisão de 28/04/22, veio o B …, S.A. interpôr recurso da mesma para este Tribunal da Relação, formulando as conclusões que constam do Anexo XII [que aí se transcrevem].
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Inconformado com a decisão de 28/04/22, veio o D …, S.A. interpôr recurso da mesma para este Tribunal da Relação, formulando as conclusões que constam do Anexo XIII [que aí se transcrevem].
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Inconformado com a decisão de 28/04/22, veio o A …, S.A. interpôr recurso da mesma para este Tribunal da Relação, formulando as conclusões que constam do Anexo XIV [que aí se transcrevem].
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Inconformado com a decisão de 28/04/22, veio o F …, S.A. interpôr recurso da mesma para este Tribunal da Relação, formulando as conclusões que constam do Anexo XV [que aí se transcrevem].
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Inconformada com a decisão de 28/04/22, veio a L …, S.A. interpôr recurso da mesma para este Tribunal da Relação, formulando as conclusões que constam do Anexo XVI [que aí se transcrevem].
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Inconformada com a decisão de 28/04/22, veio a H… interpôr recurso da mesma para este Tribunal da Relação, formulando as conclusões que constam do Anexo XVII [que aí se transcrevem].
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Inconformada com a decisão de 28/04/22, veio a J …, S.A. aderir ao recurso do B …, S.A. interpôr recurso da mesma para este Tribunal da Relação.
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Admitidos os recursos, respondeu o Ministério Público, nos seguintes termos:
Requerimento de 13/11/24 (resposta ao recurso do Banco B …, S.A.): Termos em que deve o recurso a que por ora se responde ser julgado improcedente, por não provado e por manifesta falta de fundamentação legal, e os pedidos formulados a final pelo recorrente indeferidos em conformidade.
Requerimento de 13/11/24 (resposta ao recurso do D …, S.A.): Pelo que face ao exposto, CONCLUI-SE que deve o presente recurso ser julgado improcedente, uma vez que as questões por si suscitadas deverão ser analisadas no âmbito do recurso da decisão final, também já interposto, sem obnubilar o facto de a decisão de 28/04/2022, não ser passível de recurso, uma vez que se tratou apenas de um acervo decisório formulado nos termos e para os efeitos já acima expostos. Termos em que deve o recurso a que por ora se responde ser julgado improcedente, por não provado e por manifesta falta de fundamentação legal, e os pedidos formulados a final pelo recorrente indeferidos em conformidade
Requerimento de 13/11/24 (resposta ao recurso do Banco A …, S.A.): Pelo que face ao exposto, CONCLUI-SE que deve o presente recurso ser julgado improcedente, uma vez que as questões por si suscitadas deverão ser analisadas no âmbito do recurso da decisão final, também já interposto, sem obnubilar o facto de a decisão de 28/04/2022, não ser passível de recurso, uma vez que se tratou apenas de um acervo decisório formulado nos termos e para os efeitos já acima expostos. Termos em que deve o recurso a que por ora se responde ser julgado improcedente, por não provado e por manifesta falta de fundamentação legal, e os pedidos formulados a final pelo recorrente indeferidos em conformidade.
Requerimento de 13/11/24 (resposta ao recurso do Banco F …, S.A.): Pelo que face ao exposto, CONCLUI-SE que deve o presente recurso ser julgado improcedente, uma vez que as questões por si suscitadas deverão ser analisadas no âmbito do recurso da decisão final, também já interposto, sem obnubilar o facto de a decisão de 28/04/2022, não ser passível de recurso, uma vez que se tratou apenas de um acervo decisório formulado nos termos e para os efeitos já acima expostos. Termos em que deve o recurso a que por ora se responde ser julgado improcedente, por não provado e por manifesta falta de fundamentação legal, e os pedidos formulados a final pelo recorrente indeferidos em conformidade.
Requerimento de 13/11/24 (resposta ao recurso da L…, S.A.): Pelo que face ao exposto, CONCLUI-SE que deve o presente recurso ser julgado improcedente, uma vez que as questões por si suscitadas deverão ser analisadas no âmbito do recurso da decisão final, também já interposto, sem obnubilar o facto de a decisão de 28/04/2022, não ser passível de recurso, uma vez que se tratou apenas de um acervo decisório formulado nos termos e para os efeitos já acima expostos. Termos em que deve o recurso a que por ora se responde ser julgado improcedente, por não provado e por manifesta falta de fundamentação legal, e os pedidos formulados a final pelo recorrente indeferidos em conformidade.
Requerimento de 13/11/24 (resposta ao recurso da H…, S.A.): Pelo que face ao exposto, CONCLUI-SE que deve o presente recurso ser julgado improcedente, uma vez que as questões por si suscitadas deverão ser analisadas no âmbito do recurso da decisão final, também já interposto, sem obnubilar o facto de a decisão de 28/04/2022, não ser passível de recurso, uma vez que se tratou apenas de um acervo decisório formulado nos termos e para os efeitos já acima expostos. Termos em que deve o recurso a que por ora se responde ser julgado improcedente, por não provado e por manifesta falta de fundamentação legal, e os pedidos formulados a final pelo recorrente indeferidos em conformidade.
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A Autoridade da Concorrência consignou que responderia a final.
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Recursos Interlocutórios.
Inconformado com a decisão de 08/05/20, veio o B …, S.A. interpôr recurso da mesma para este Tribunal da Relação, formulando as conclusões que constam do Anexo XVIII [que aí se transcrevem].
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Inconformada com a decisão de 08/05/20, veio a L …, S.A. interpôr recurso da mesma para este Tribunal da Relação, formulando as conclusões que constam do Anexo XIX [que aí se transcrevem].
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Inconformado com a decisão de 08/05/2020, veio o F …, S.A. interpôr recurso da mesma para este Tribunal da Relação, formulando as conclusões que constam do Anexo XX [que aí se trancrevem].
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Inconformada com a decisão de 26.06.2020, veio a J …, S.A. interpôr recurso da mesma para este Tribunal da Relação, formulando as conclusões que constam do Anexo XXII [que aí se trancrevem].
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Inconformado com a decisão de 8/1/21, veio o D …, S.A. interpôr recurso da mesma para este Tribunal da Relação, formulando as conclusões que constam do Anexo XXIII [que aí se trancrevem].
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Inconformado com a decisão de 06.09.2021, veio o F …, S.A. interpôr recurso da mesma para este Tribunal da Relação, formulando as conclusões que constam do Anexo XXIV [que aí se trancrevem].
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Inconformados com a decisão de 08/10/21, vieram o D …, S.A., F …, S.A. e J …, S.A., com adesão ao recurso do B …, S.A. e A …, S.A., interpôr recurso da mesma para este Tribunal da Relação, formulando as conclusões que constam do Anexo XXV [que aí se trancrevem].
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Admitidos os recursos, respondeu o Ministério Público, nos seguintes termos:
Requerimento de 19/09/24 (resposta ao recurso do Banco F …, S.A., relativamente à decisão de 08/05/20): Nestes termos CONCLUI-SE que – em virtude de ter sido prestada caução, havida como válida, e atribuído que foi efeito suspensivo ao recurso de impugnação judicial apresentado pelo visado – o recurso a que por ora se responde deve ser liminarmente rejeitado, quer por falta de interesse em agir, quer por inadequação do meio processual utilizado para fixar melhor jurisprudência, quer ainda por falta de fundamento legal (atento que seja inclusivamente um dado venire contra factum proprium.
Requerimento de 19/09/24 (resposta ao recurso do Banco F …, S.A., relativamente à decisão de 06/09/21): Em síntese e CONLUINDO: I) O despacho posto assim em crise é irrecorrível, devendo o recurso ser liminarmente rejeitado.
Requerimento de 19/09/24 (resposta ao recurso dos Bancos D …, S.A., F …, S.A. e J …, S.A., com adesão ao recurso do B …, S.A. e A …, S.A., relativamente à decisão de 08/10/21): Desta forma, e CONCLUINDO, devem os presentes recursos ser liminarmente rejeitados por manifesta inadmissibilidade, deixando-se claramente consignado, caso assim se entenda, que: i) a apreciação da validade da prova produzida é parte constitutiva da própria decisão de mérito do processo; ii) a decisão sobre a aptidão de determinado meio de prova poder ser utilizado durante a fase de julgamento é uma questão meramente processual, que não cria qualquer situação consolidada que possa prejudicar os direitos e as garantias dos visados.
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Admitidos os recursos, respondeu a Autoridade da Concorrência, concluindo nos seguintes termos:
Requerimento de resposta ao recurso do Banco F …, S.A. de 17/06/20: Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. Doutamente suprirão: (i) Não ser admitido o presente conquanto o despacho de 8.05.2020 é irrecorrível, caso assim não se considere, (ii) Deve ser rejeitado o recurso por manifesta inutilidade; Caso assim não se considere, (iii) Deve o mesmo ser julgado improcedente porque a sua pretensão já se encontra satisfeita; (iv) E também julgado improcedente a alegada inconstitucionalidade dos n.ºs 4 e 5 do artigo 84.º da Lei da Concorrência, Assim se fazendo a devida justiçaTermos em que,
Requerimento de resposta ao recurso dos Bancos D …, S.A., F …, S.A. e J …, S.A., com adesão ao recurso do B …, S.A. e A …, S.A., de 21/10/20: Termos em que, i) deve ser negado o conhecimento do recurso interposto pelas Recorrentes, por inadmissibilidade legal; ii) caso assim não se entenda (no que não se concede e apenas por hipótese de raciocínio se equaciona!), deve o mesmo ser julgado totalmente improcedente.
Requerimento de resposta ao recurso do Banco F …, S.A. de 20/09/21, quanto à sua admissibilidade: Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, deverá ser negada a admissibilidade do recurso interposto pelo Banco F …, S.A..
Requerimento de resposta ao recurso do Banco F …, S.A. relativamente à decisão de 06/09/21, concluindo nos termos constantes do Anexo XXVI [que aí se transcrevem].
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O Tribunal admitiu as respostas e determinou a remessa dos autos a este Tribunal.
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O Banco A …, S.A., por requerimento de 03/12/24, reportado ao parecer junto pela AdC, tomou posição, “mantendo integralmente as razões – explanadas nas motivações de recurso apresentadas pelos Recorrentes e nos Pareceres ali juntos – que sustentam a total procedência dos recursos e a consequente revogação da Sentença recorrida.”. *
Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Senhor Procuradora Geral Adjunto, apôs o seu visto, pugnando pela improcedência dos recuros, porquanto a decisão em crise não padece de qualquer dos vícios apontados, mas admitindo a redução da coima no caso do I …, a aplicação de coima simbólica até suspensa na sua execução no caso do E …, S.A. e que seja rejeitado o recuros do G …, PLC.
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O A …, S.A. apresentou resposta ao parecer do Digno MP, tendo, em resumo, reiterado posição já assumida nos autos.
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A AdC apresentou resposta ao parecer do Digno MP, tendo, em resumo, concordado com este, exceto na parte que respeita à redução da coima aplicada ao I … e ao E …, S.A..
*
O G …, PLC apresentou resposta ao parecer do Digno MP, tendo, em resumo, reiterado posição já assumida nos autos.
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O I … apresentou resposta ao parecer do Digno MP, tendo, em resumo, reiterado posição já assumida nos autos.
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O B …, S.A. apresentou resposta ao parecer do Digno MP, tendo, em resumo, reiterado posição já assumida nos autos.
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Após exame preliminar, foram os autos aos vistos, foi realizada a audiência e, de seguida, à conferência.
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II - Questões a decidir
(D …, S.A.)
- Nulidade da Sentença por Omissão de Pronúncia;
- Extinção do Procedimento Contraordenacional;
- Efeitos da medida de resolução e posterior entrada em liquidação e suas repercussões no âmbito contraordenacional;
- Coima e Sanção Acessória (Desnecessidade);
- Incorreta Aplicação das Linhas de Orientação e Ausência de "Volume de Negócios";
- Desproporcionalidade e Desigualdade na Aplicação da Coima;
- Substituição da Coima por Admoestação ou Coima Mínima Suspensa;
- Revogação da Sanção Acessória de Publicação.
(G …, PLC)
- Admissibilidade do recurso;
- Prescrição do procedimento contraordenacional;
- Pedido de absolvição em caso de provimento do recurso das demais Visadas.
(D …, S.A.)
- Prescrição do procedimento contraordenacional;
- Inadequação do regime processual e violação de direitos fundamentais;
- Nulidade da prova obtida através de emails apreendidos;
- Nulidade da decisão por falta de factos para imputação da responsabilidade da pessoa coletiva;
- Inconstitucionalidade do artigo 9.º, n.º 1 da LdC por violação dos princípios da legalidade, tipicidade e determinabilidade;
- Nulidade da decisão por omissão de pronúncia e falta de fundamentação quanto à sanção;
- Nulidade da sentença por omissão de pronúncia sobre matéria de facto alegada pelo recorrente;
- Nulidade da sentença por falta de fundamentação e exame crítico da prova;
- Insuficiência da matéria de facto provada para fundamentar a qualificação da conduta como restrição por objeto e a imputação subjetiva;
- Contradição insanável da sentença;
- Erro de Direito;
- qualificação da conduta como restrição da concorrência por objeto;
- qualificação subjetiva da conduta;
- determinação da medida da coima e violação do princípio da igualdade.
(H…, S.A.)
- Prescrição do procedimento contraordenacional;
- Nulidade por proibição de prova;
- Nulidade por falta de fundamentação da coima;
- Nulidade por inadequação do processo contraordenacional à tutela jurisdicional efetiva;
- Nulidade por insuficiência do prazo para recurso;
- Distinção entre matéria de facto e de direito;
- Erro notório na apreciação da prova;
- Contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão;
- Insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito;
- Erro direito;
- tipo objetivo;
- tipo subjetivo;
- Coima;
(C …, S.A.)
- Prescrição do procedimento contraordenacional;
- Nulidade por limitação de acesso ao processo;
- Nulidade por imputação imprecisa, genérica e conclusiva dos factos;
- Nulidade por violação do dever de fundamentação ao nível da medida da coima;
- Insuficiência da matéria de facto;
- violação do princípio da presunção de inocência.
- Erro direito;
- tipo objetivo;
- tipo subjetivo;
- Coima;
(L…, S.A.)
- Prescrição do procedimento contraordenacional;
- Inconstitucionalidade do artigo 9.º, n.º 1, da Lei da Concorrência;
- Inconstitucionalidade das alíneas a) e b) do Artigo 68.º, n.º 1 da LdC (artigos 88 a 94 das conclusões)
- Inadmissibilidade dos pedidos de clemência;
- Nulidade por limitação do direito de defesa;
- limitações no acesso a elementos de prova;
- falta de concretização da nota de ilicitude e da decisão da AdC;
- Nulidade das diligências de busca e apreensão;
- Inconstitucionalidade da limitação do âmbito do recurso (artigo 75.º, n.º 1, do RGCO);
- Erro de Direito;
- tipo objetivo;
- tipo subjetivo;
- Coima.
(F …, S.A.)
- Prescrição do procedimento contraordenacional;
- Inconstitucionalidade do artigo 9.º, n.º 1, da Lei da Concorrência;
- Inconstitucionalidade das alíneas a) e b) do Artigo 68.º, n.º 1 da LdC (artigos 88 a 94 das conclusões)
- Inadmissibilidade dos pedidos de clemência;
- Nulidade por limitação do direito de defesa;
- limitações no acesso a elementos de prova;
- falta de concretização da nota de ilicitude e da decisão da AdC;
- Legalidade da limitação das testemunhas de defesa (10);
- Nulidade das diligências de busca e apreensão;
- correio eletrónico;
- sigilo bancário;
- Nulidade da decisão da AdC por falta de fundamentação da coima;
- Nulidade da setença por falta de fundamentação da coima;
- Nulidade por leitura de requerimento de clemência em julgamento;
- Inconstitucionalidade da limitação do âmbito do recurso (artigo 75.º, n.º 1, do RGCO);
- Erro de Direito;
- tipo objetivo;
- tipo subjetivo;
- Coima.
- Constitucionalidade do artigo 69.º, n.º 2, da LC.
(B …, S.A.)
- Prescrição do procedimento contraordenacional;
- Ilegalidade da duração da fase administrativa da instrução;
- Restrições ao exercício dos direitos de defesa decorrentes das condições de acesso aos autos;
- Inadmissibilidade da apreensão de correio eletrónico;
- Nulidade da utilização da prova obtida através da apreensão de correio eletrónico;
- Nulidade da decisão final da AdC por vícios processuais;
- Invalidades da Sentença;
- inexistência parcial da sentença;
- nulidade da sentença por se fundamentar em provas nulas;
- nulidade da sentença por falta de fundamentação;
- Inconstitucionalidade da limitação do âmbito do recurso (artigo 75.º, n.º 1, do RGCO);
- Vícios da sentença à luz do Artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal;
- contradição na matéria de facto;
- erro notório na apreciação da prova;
- Erro de Direito;
- tipo objetivo;
- tipo subjetivo;
- Coima;
- nulidade por falta de fundamentação quanto ao cálculo;
- inconstitucionalidade do artigo 69.º, n.º 2, da LC;
(A …, S.A.)
- Prescrição do procedimento contraordenacional;
- Nulidades (indevido indeferimento das nulidades e questões prévias suscitadas);
- Não constituição da Recorrente como Visada;
- Nulidade da prova obtida por violação do sigilo bancário;
- Apreensão indiscriminada e aleatória de documentos;
- Apreensão de correspondência eletrónica;
- Falta de acesso ao processo;
- documentos na versão confidencial;
- pedidos de dispensa/ redução da coima do G …, PLC e do I …;
- documentação confidencial desentranhada;
- documentos que integral o processo de auxílios de Estado;
- documentos e emails que foram desentranhados dos autos sem prévio contraditório;
- falta de prorrogação do prazo de pronúncia à NI (artigo 50.º do RGCO) e irrelevância da alteração do n.º 4 do artigo 33.º da LC;
- Falta de factos para imputação das infrações;
- nulidade por falta de factos imputáveis à PC;
- nulidade por falta de factos para imputação subjetiva;
- Falta de elementos para determinação da sanção;
- Ilegal duração das fases de inquérito e de instrução;
- Nulidades da sentença;
- erro notório na apreciação da prova;
- contradição insanável da fundamentação;
- contradição insanável entre a decisão e a matéria de facto provada;
- Erro direito
- Dupla extinção da responsabilidade e do processo contraordenacional;
- a pessoa coletiva;
- nacionalização da PC;
- reestruturação e venda do N …, S.A. ao A …, S.A.;
- inaplicabilidade da Lei n.º 19/2012;
- tipo objetivo do ilícito;
- tipo subjetivo do ilícito;
- erro sobre a proibição;
- Coima;
- inconstitucionalidade do artigo 69.º, n.º 2, da LC;
- atenuação especial;
- admoestação;
- suspensão da execução;
- Sanção acessória.
(J …, S.A.)
- Prescrição do procedimento contraordenacional;
- Nulidade;
- insuficiência da matéria de facto;
- contradição insanável na fundamentação e do erro notório na apreciação da prova;
- da decisão final da AdC
- preterição de direitos de defesa;
- da prova;
- apreensão;
- inconstitucionalidade da apreensão de correio eletrónico;
- omissão de pronúncia;
- Erro direito;
- tipo objetivo do ilícito;
- tipo subjetivo do ilícito;
- exclusão ou atenuação da culpa;
- Coima.
(I …)
- Prescrição do procedimento;
- Nulidade da decisão da AdC;
- falta de fundamentação na determinação da medida da coima;
- Nulidade sentença;
- falta de fundamentação na determinação da medida da coima;
- omissão de indicação e exame crítico das provas;
- erro notório na apreciação da prova;
- Nulidade julgamento por omissão de diligências essenciais à descoberta da verdade;
- Erro direito;
- tipo objetivo do ilícito;
- tipo subjetivo do ilícito;
- ausência de consciência da ilicitude;
- elemento subjetivo especial;
- Coima;
- inconstitucionalidade do artigo 69.º, n.º 2, da LC;
*
III - Fundamentação
A - Factos provados
A decisão recorrida deu como provados os factos que constam do Anexo A [que aí se transcrevem].
*
B - Factos não provados
A decisão recorrida deu como não provados os factos que constam do Anexo B [que aí se transcrevem].
*
IV - O Direito
O âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. os artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2 e 410º, n.º 2, als. a), b) e c) do Código de Processo Penal) e atento o disposto no artigo 75.º, n.º 1, do RGCO, por regra, este Tribunal apenas conhece de matéria de direito.
*
- Recursos da decisão de 28 de abril de 2022.
Não se admitem os recursos interpostos da decisão de 28 de abril de 2022, porquanto esta mais não é que o “projeto” da sentença que se seguirá em 2024 e, em termos efetivos, a única decisão que daí se retira é o pedido de reenvio prejudicial, matéria que não se mostra sindicada pelos recursos.
No mais, consideramos que se está perante considerandos preparatórios da sentença final ou (meros) considerandos/ argumentos, que, como é bom de ver, por não consubstanciarem matéria decisória, não são, por isso, suscetíveis de recurso.
Aliás, as próprias Recorrentes admitem interpor os recursos por cautela, pois que, não estavam certas do alcance que o Tribunal ad quem daria à decisão em crise.
Não obstante, a matéria vertida nos mesmos acabou por ser reproduzida nos recursos interpostos da decisão final.
*
- Recurso do G …, PLC.
Admitimos o recurso do G …, PLC por força do artigo 80.º da LC e porque existe interesse neste.
Na verdade, o regime previsto no artigo 80.º da LC prevê a regra da recorribilidade e, ao contrário do artigo 73.º do RGCO, não exige a condenação por coima superior a Euros 249,40, pelo que a admoestação não se mostra afastada daquele.
Acresce ainda, atento o objeto do recurso, a circunstância de ser diversa a aplicação de uma admoestação da extinção do procedimento por prescrição.
Efetivamente, no primeiro caso, existe o reconhecimento da prática de factos ilícitos que levam a uma condenação, enquanto que, no segundo, inexiste o reconhecimento da respetiva conduta tipificada e, por isso, não importa a condenação.
O referido reconhecimento acarreta, desde logo, como dá conta a Recorrente, o respetivo registo contraordenacional, com as conhecidas consequências, nomedamente em sede de aplicação de coima em futuras condenações.
Por isso, sim, admitimos o respetivo recurso.
*
- Da prescrição do procedimento contraordenacional.
A primeira questão suscitada pelas Recorrentes, com exceção do D …, S.A., reporta-se à prescrição do procedimento contraordenacional.
Para o efeito, mediante recurso aos mesmos argumentos, pugnam que o procedimento contraodenacional já se mostra prescrito.
Alegam, em resumo, que:
- o prazo de prescrição é de 5 anos;
- a prescrição tem sempre lugar quando tiverem decorrido sete anos e meio, ressalvado o tempo de suspensão;
- as causas de suspensão são as previstas no artigo 74.º, n.º 4, da LC (versão de 2012, que corresponde à vigente aquando da prática dos factos);
- a suspensão da prescrição não pode ultrapassar três anos;
- o reenvio prejudicial não suspende o prazo de precrição;
- a redação do artigo 74.º, n.º 4, da LC, operada em 2022, não se aplica aos presentes autos por ser, em concreto, desfavorável.
Por sua vez, o Ministério Público e a Autoridade da Concorrência entendem que o procedimento contraordenacional não se mostra prescrito.
Para o efeito, em resumo, alegam que:
- o reenvio suspende o prazo de prescrição;
- se aplicam as “leis Covid”;
- o artigo 74.º da LC, que resultou da versão de 2022, aplica-se aos presentes autos.
Vejamos, então.
A decisão em crise estabelece/ identifica corretamente o início do prazo de prescrição, o prazo abstratamente aplicável à prescrição do procedimento e, ainda, a aplicação de causas de interrupção.
Aliás, exceto quanto ao ínicio do prazo, os intervenientes processuais estão de acordo sobre estas questões e mesmo por reporte ao início do prazo, fazem a sua contagem por reporte ao artigo 74.º, n.º 1, da LC.
Porém, a discórdia surge quanto à contagem do período de tempo em que o reenvio prejudicial esteve pendente, enquanto causa de suspensão da prescrição do procedimento contraordenacional e, bem assim, pela aplicação do artigo 74.º da LC, na versão que resultou da alteração de 2022 da respetiva lei.
Em termos do início do prazo, considerando a factualidade apurada, temos então que considerar setembro de 2012 (por referência à sociedade arguida G …, PLC), outubro de 2012 (N …, S.A. e A …, S.A.), fevereiro de 2013 (H…, S.A. e L …, S.A.) e de 1 março de 2023 (as restantes Arguidas), por corresponderem às datas em que as infrações cessaram (artigo 74.º, n.º 1, da LC/2012, que remete para efeitos de contagem para o artigo 119.º do CP).
A matéria objeto dos autos reporta-se à Lei da Concorrência e, em termos de imputação, aquelas foram condenadas pelo Tribunal a quo pela prática de uma contraordenação prevista e punida “pelo artigo 4.º da Lei n.º 18/2003, artigo 9.º da Lei 19/2012, bem como pelo artigo 101.º, n.º 1, do TFUE” e “artigo 68.º e 69.º da Lei n.º 19/2012.”
Dito isto, centremo-nos então no regime da Lei da Concorrência (2012), reportada à data da prática dos factos, conforme determina o artigo 3.º, n.º 1, do RGCO.
Estabelece o artigo 74.º, sob a epígrafe, “Prescrição”, que: “1 - O procedimento de contraordenação extingue-se por prescrição no prazo, contado nos termos do artigo 119.º do Código Penal, de: a) Três anos, nos casos previstos nas alíneas h) a k) do n.º 1 do artigo 68.º; b) Cinco anos, nos restantes casos. 2 - O prazo de prescrição das sanções é de cinco anos a contar do dia em que se torna definitiva ou que transita em julgado a decisão que determinou a sua aplicação, salvo nos casos previstos nos n.ºs 3, 6 e 7 do artigo 69.º, que é de três anos. 3 - A prescrição do procedimento por contraordenação interrompe-se com a constituição de visado ou com a notificação a este de qualquer ato da Autoridade da Concorrência que pessoalmente o afete, produzindo a interrupção efeitos desde a notificação do ato a qualquer um dos visados pelo processo. 4 - A prescrição do procedimento por contraordenação suspende-se: a) Pelo período de tempo em que a decisão da Autoridade da Concorrência for objeto de recurso judicial; b) A partir do envio do processo ao Ministério Público e até à sua devolução à Autoridade da Concorrência, nos termos previstos no artigo 40.º do regime geral do ilícito de mera ordenação social. 5 - Nos casos em que a Autoridade da Concorrência tenha dado início a um processo de contraordenação por infração aos artigos 101.º e 102.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, o prazo de prescrição suspende-se quando a Autoridade da Concorrência, tendo tido conhecimento de que uma autoridade nacional de concorrência de outro Estado membro deu início, pelos mesmos factos, a um processo por infração aos mesmos artigos do Tratado, notifique o visado pelo processo da decisão de suspensão do processo ao abrigo do n.º 1 do artigo 13.º do Regulamento (CE) n.º 1/2003, do Conselho, de 16 de dezembro de 2002. 6 - No caso referido no número anterior, a suspensão termina na data em que a Autoridade da Concorrência tome conhecimento da decisão proferida naquele processo. 7 - A suspensão da prescrição do procedimento não pode ultrapassar três anos. 8 - A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando tiverem decorrido cinco ou sete anos e meio, respetivamente nos casos das alíneas a) ou b) do n.º 1, ressalvado o tempo de suspensão.” (destaques nossos)
Analisada a presente disposição legal, temos por assente, sendo que nenhum dos sujeitos processuais põe em causa, que o legislador não faz referência ao reenvio prejudicial enquanto causas de suspensão da prescrição do procedimento.
Naturalmente, que suscitada a intervenção do Tribunal de Justiça nesse âmbito, seja o mesmo entendido como “recurso”, conforme parecer subscrito pelos Professores Maria João Antunes e Miguel João Costa, junto pela AdC, seja como “instrumento de cooperação judiciária internacional”, como adiantado por outros, por se inserir na fase do recurso judicial da decisão da AdC, estará sempre a coberto da alínea a) do n.º 4.
Porém, como assinalamos, não é essa a questão suscitada e também não foi esse o entendimento da decisão em crise.
A sentença em crise chega ao reenvio prejudicial, enquanto causa de suspensão da prescrição do procedimento contraordenacional, através da aplicação subsidiária do RGCO e, por sua vez, do CP.
Para o efeito, baseou a referida suspensão da prescrição do procedimento contraordenacional na suspensão da instância decorrente dos artigos 267.º do TFUE, 19.º do TUE, 23.º do ETJ e 7.º, n.º 2 e 4, do CPP, devidamente adaptado e aplicável por remissão do disposto no art.º 41.º do RGCO, e, em particular, por referência à suspensão da prescrição, aos artigos 27.º-A, n.º 1, al. a, do RGCO e 74.º, n.º 4, al. a, da LC.
Os primeiros quatro preceitos legais, salvo o devido respeito, não estabelecem qualquer causa de suspensão da prescrição do procedimento contraordenacional, ainda que devidamente adaptado.
Efetivamente, a primeira norma, prevista no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, reporta-se ao processo do reenvio prejudicial e aí é estabelecido que: “O Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial: a) Sobre a interpretação dos Tratados; b) Sobre a validade e a interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União. Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie. Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal. Se uma questão desta natureza for suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional relativamente a uma pessoa que se encontre detida, o Tribunal pronunciar-se-á com a maior brevidade possível.” (destaques nossos)
Por sua vez, a segunda norma, prevista no Tratado da União Europeia, reporta-se ao Tribunal de Justiça e estabelece que: “1. O Tribunal de Justiça da União Europeia inclui o Tribunal de Justiça, o Tribunal Geral e tribunais especializados. O Tribunal de Justiça da União Europeia garante o respeito do direito na interpretação e aplicação dos Tratados. Os Estados-Membros estabelecem as vias de recurso necessárias para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União. 2. O Tribunal de Justiça é composto de um juiz por cada Estado-Membro. O Tribunal de Justiça é assistido por advogados-gerais. O Tribunal Geral é composto de, pelo menos, um juiz por cada Estado-Membro. Os juízes e os advogados-gerais do Tribunal de Justiça e os juízes do Tribunal Geral são escolhidos de entre personalidades que ofereçam todas as garantias de independência e reúnam as condições estabelecidas nos artigos 253.o e 254.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. São nomeados de comum acordo pelos Governos dos Estados-Membros, por seis anos. Os juízes e os advogados-gerais cujo mandato tenha chegado a seu termo podem ser de novo nomeados. 3. O Tribunal de Justiça da União Europeia decide, nos termos do disposto nos Tratados: a) Sobre os recursos interpostos por um Estado-Membro, por uma instituição ou por pessoas singulares ou coletivas; b) A título prejudicial, a pedido dos órgãos jurisdicionais nacionais, sobre a interpretação do direito da União ou sobre a validade dos atos adotados pelas instituições; c) Nos demais casos previstos pelos Tratados.”(destaque nosso)
A terceira norma, referente ao Estatuto do Tribunal de Justiça, dispõe que: “Nos casos previstos no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, a decisão do órgão jurisdicional nacional que suspenda a instância e que suscite a questão perante o Tribunal de Justiça é a este notificada por iniciativa desse órgão. Esta decisão é em seguida notificada, pelo secretário do Tribunal, às partes em causa, aos Estados-Membros e à Comissão, bem como à instituição, órgão ou organismo da União que tiver adotado o ato cuja validade ou interpretação é contestada. No prazo de dois meses a contar desta última notificação, as partes, os Estados-Membros, a Comissão e, se for caso disso, a instituição, órgão ou organismo da União que tiver adotado o ato cuja validade ou interpretação é contestada tem o direito de apresentar ao Tribunal alegações ou observações escritas. Nos casos previstos no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, a decisão do órgão jurisdicional nacional é igualmente notificada pelo secretário do Tribunal aos Estados partes no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu que não sejam Estados-Membros, bem como ao Órgão de Fiscalização da EFTA mencionado no referido Acordo, que têm o direito de apresentar ao Tribunal alegações ou observações escritas, no prazo de dois meses a contar da notificação e quando esteja em causa um dos domínios de aplicação desse Acordo. No caso de um acordo em determinada matéria, celebrado pelo Conselho e um ou mais Estados terceiros, prever que estes últimos têm a faculdade de apresentar memorandos ou observações escritas quando um órgão jurisdicional de um Estado-Membro submeta ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial sobre matéria do âmbito de aplicação do mesmo acordo, a decisão do órgão jurisdicional nacional que contenha essa questão é igualmente notificada aos Estados terceiros em causa que, no prazo de dois meses a contar da notificação, podem apresentar ao Tribunal memorandos ou observações escritas.”(destaque nosso)
Finalmente, o referido artigo 7.º do CPP, sob a epígrafe “Suficiência do processo penal”, estabelece que: “1 - O processo penal é promovido independentemente de qualquer outro e nele se resolvem todas as questões que interessarem à decisão da causa. 2 - Quando, para se conhecer da existência de um crime, for necessário julgarqualquer questão não penal que não possa ser convenientemente resolvida no processo penal, pode o tribunal suspender o processo para que se decida esta questão no tribunal competente. 3 - A suspensão pode ser requerida, após a acusação ou o requerimento para abertura da instrução, pelo Ministério Público, pelo assistente ou pelo arguido, ou ser ordenada oficiosamente pelo tribunal. A suspensão não pode, porém, prejudicar a realização de diligências urgentes de prova. 4 - O tribunal marca o prazo da suspensão, que pode ser prorrogado até um ano se a demora na decisão não for imputável ao assistente ou ao arguido. O Ministério Público pode sempre intervir no processo não penal para promover o seu rápido andamento e informar o tribunal penal. Esgotado o prazo sem que a questão prejudicial tenha sido resolvida, ou se a acção não tiver sido proposta no prazo máximo de um mês, a questão é decidida no processo penal.” (destaques nossos)
Compulsadas as citadas normas legais, não podemos, sem mais, dizer que prevejam causa de suspensão da prescrição do procedimento, e, em particular, do contraordenacional.
Efetivamente, temos por assente que a suspensão da instância, que implica a inviabilidade de serem praticados atos processuais, e a suspensão da prescrição do procedimento contraordenacional, que impede que o prazo da prescrição decorra, são realidades jurídicas diversas.
Por isso mesmo, para que essa diferente realidade possa estar “ligada” é necessário que o legislador o determine.
Dito de outra forma, a causa de suspensão da instância adquire relevância ao nível da prescrição do procedimento quando o legislador expressamente o determina, exemplo disso é o artigo 120.º, n.º 1, al. a) do CP.
Aliás, quando o Tribunal a quo invoca as diferentes normas para justificar a sua posição, reportada à prescrição do procedimento contraordenacional, assim o reflete.
No entanto, como demos conta, o Tribunal invoca, enquanto causa de suspensão da prescrição do procedimento contraordenacional, o artigo 27.º-A, n.º 1, al. a), do RGCO e o já citado artigo 74.º, n.º 4, al. a, da LC/2012.
Estabelece o artigo 27.º-A, sob a epígrafe “Suspensão da prescrição”, que: 1 - A prescrição do procedimento por contra-ordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento: a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal; b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do artigo 40.º; c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso. 2 - Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses.” (destaques nossos)
Importa ter presente que o artigo 13.º da LC/2012 prevê a aplicação subsidiária do RGCO ao processo sancionatório relativo a práticas restritivas.
Assim, em teoria, é admissível a aplicação do citado artigo 27.º-A, que faz parte do Regime Geral das Contraordenações, ao caso sub judice que se mostra regulado pela Lei da Concorrência.
Porém, como é bom de ver, a sua aplicação subsidiária, enquanto norma geral, depende da necessidade e/ou inexistência de regulamentação do regime especial que para ele remete.
Dito de outra forma, a aplicação subsidiária ocorre quando o regime especial não prevê ou não o faz com a abrangência necessária à efetivação do respetivo regime.
É reconhecido o caráter autónomo do regime legal dos processos sancionatórios da concorrência e são inúmeras as diferenças do regime contraordenacional em matéria de concorrência, sendo disso exemplo, desde logo, o regime dos recuros.
Efetivamente, neste âmbito impera a regra da recorribilidade, aliás, diriamos mesmo que tudo ou quase tudo é recorrível, enquanto que no RGCO prevalece a regra da recorribilidade apenas da decisão final (artigos 55.º, n.º 3, e 73.º do RGCO).
Não obstante, naquilo que não se mostra previsto, e não alterando o sentido do regime especial, será através do RGCO que se completará aquele.
Aliás, a respeito da referida autonomia, José Lobo Moutinho/ Tito Rendas/ Miguel Gorjão-Henriques, em anotação ao artigo 13.º da LC/2012, referem que “o RJC desenvolve de modo assinalável a regulamentação do processo sancionatório relativo às práticas restritivas, intensificando, também por essa via e nesse sentido, a autonomia deste processo em relação ao regime do processo contraordenacional e do processo penal.” (cfr. Lei da Concorrência, Comentário Conimbricense, 2.ª Edição).
Voltemos a nossa atenção para o regime da suspensão da prescrição do procedimento contraordenacional.
Comparando as duas normas citadas, ou seja, o artigo 74.º da LC/2012 e o artigo 27.º-A, julgamos, pois, que a primeira corresponde a uma adaptação/ transposição da segunda, naturalmente adaptada à realidade da concorrência.
Porém, também temos por certo que o legislador foi mais além, pois que eliminou uma causa de suspensão, introduziu uma nova causa de suspensão e também aumentou, perentoriamente, diriamos nós, o respetivo prazo máximo de suspensão que era de 6 meses e passou a estar fixado em 3 anos (artigo 74.º, n.º 7, da LC/2012).
Efetivamente, a nova causa de suspensão da prescrição do procedimento contraordenacional a que nos referimos decorre do n.º 5 e está ligada, inequivocamente, à realidade do Espaço Europeu e da possibilidade/ necessidade de as Autoridades da Concorrência funcionarem em interligação em matéria contraordenacional por infração aos artigos 101.º e 102.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
Dito isto, temos para nós que a norma do artigo 74.º da LC/2012 consubstancia em si um regime específico, com coerência interna, através do qual o legislador pretendeu autonomizar o regime prescricional suspensivo da lei da concorrência.
Aliás, sobre esta autonomia, não podemos deixar de assinalar que a reforma operada em 2022, além do mais, procedeu à alteração do regime legal da suspensão no sentido do reforço da respetiva autonomia à face do RGCO.
Efetivamente, o legislador nacional, na sequência da adoção/ transposição da Diretiva 1/2019, voltou a efetuar alterações neste regime que, além de continuarem a ser específicas, denotam a referida autonomia do regime de prescrição.
Nessa medida, salvo o devido respeito, não vemos que seja possível recorrer ao regime geral.
Assim, temos por aplicável ao caso em análise a aludida norma que prevê um prazo máximo de suspensão do procedimento contraordenacional de 3 anos e, reportado ao reeenvio, não lhe fazendo referência, como vimos supra, sempre estará abrangido pela alínea a) do n.º 4.
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Passemos agora para a análise das normas cuja aplicação ao caso concreto é reclamada pelo MP e pela AdC.
Vamos então admitir que o RGCO se aplica subsidiarimente em matéria de suspensão do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional em matéria de concorrência e verificar se é possível chegar a um resultado diverso.
Antecipa-se que a resposta é negativa.
Isto porque o regime previsto no artigo 27.º-A do RGCO, já citado, não prevê o reenvio prejudical como causa de suspensão da prescrição do procedimento contraordenacional, como aliás sucede na LC/2012.
Naturalmente, tal como os intervenientes processuais argumentam, não é esse o foco.
Este prende-se, antes, por um lado, com o enunciado no artigo 27.º-A, n.º 1, al. a), do RGCO, e, por outro, com a putativa necessidade de fazer valer o artigo 120.º, n.º 1, al. a) do CP, a título subsidiário, por remissão do artigo 32.º do RGCO.
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Relativamente à aplicação do artigo 27.º-A, n.º 1, al. a) do RGCO, julgamos, pois, que a redação dada pelo legislador não permite, de todo, associar o reenvio prejudicial, porque, efetivamente, a norma corresponde a um decalque - parcial - da norma do artigo 120.º do CP, sendo que nesta ainda consta “… ou de sentença a proferir por tribunal não penal, ou por efeito da devolução de uma questão prejudicial a juízo não penal;” sendo que o legislador, podendo, não o “transpôs” para o artigo 27.º-A.
Aliás, tendo presente a natureza do reenvio prejudicial e do Tribunal de Justiça, orgão jurisdicional, fora do âmbito dos tribunais comuns, com competência ao nível da interpretação das normas Europeias, teriamos alguma dificuldade em entender que o legislador tivesse acautelado a sua intervenção com base na citada norma, e não o tivesse feito, de igual modo, por referência à intervenção do Tribunal Constitucional no plano da aferição da validade das normas e das interpretações normativas infraconstitucionais.
No que diz respeito à formulação constante do número 1 do artigo 27.º-A do RGCO, ou seja, “para além dos casos especialmente previstos na lei”, julgamos também que não resultam dúvidas que esta parte da norma se refere a situações – especialmente previstas na lei – “do género dos previstos para o Presidente da República e para os deputados à Assembleia da República, em matéria de procedimento criminal, nos art.s 130.º, n.º 4, da CRP e 11.º, n.º 3, da Lei n.º 7/93, de 1 de Março, republicada pela Lei n.º 3/2001, de 23 de Fevereiro) e não os casos de obstáculos práticos a esse início.” (cfr. Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, in Contra-Ordenações, Anotação ao Regime Geral, 6ª Edição, pág. 262).
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Relativamente à aplicação do artigo 120.º, n.º 1, al. a) do CP, temos a dizer que, tal como o artigo 74.º da LC/2012 encerra em si mesmo um regime especial, entendemos que também o artigo 27.º-A do RGCO, face à alteração encetada em 2001, se mostra igualmente autonomizado relativamente ao regime previsto no referido artigo 120.º do CP.
Aliás, o Acórdão de fixação de jurisprudência do STJ 4/2011, publicado em DR, n.º 30, de 11 de Fevereiro de 2011, a respeito da evolução legislativa da prescrição, dá disso conta quando refere “Especialmente com a Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro, revela-se, no âmbito do instituto da prescrição consagrado no regime geral das contra-ordenações, pela adesão do legislador às soluções do direito penal, desde logo com a importação de um prazo limite findo o qual o procedimento contra-ordenacional prescreverá, independentemente de todas as causas de interrupção que se tenham verificado e com a regulamentação, agora completa e exaustiva, do instituto da suspensão moldada nas soluções tradicionais do direito penal”. (destaques nossos)
Também, a este respeito, Paulo Pinto de Albuquerque, em anotação ao referido artigo, disso dá conta, quando refere que “as causas de suspensão da prescrição do procedimento criminal previstas no artigo 120.º, n.º 1, al. a), segunda e terceira parte do CP (“ou de sentença a proferir por tribunal não penal, ou por efeito da devolução de uma questão prejudicial a juízo não penal”) não são aplicáveis no processo contraordenacional, uma vez que a norma do 27.º-A do RGCO é exaustiva.” (cfr. Comentário do Regime Geral das Contraordenações, 2.ª Edição, pág. 144).
Da mesma forma entendem Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, pois, em anotação ao referido artigo, referem que “A existência desta norma especial sobre o regime da suspensão da prescrição do procedimento contra-ordenacional, que reproduz uma das situações de suspensão previstas no art.º 120.º, n.º 1, do Código Penal (o procedimento criminal não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal), leva a concluir que não são aplicáveis neste procedimento as restantes causas admitidas no processo penal que tinham potencialidade para serem aplicadas em processo contra-ordenacional (falta de sentença prévia de tribunal não penal e devolução de questão prejudicial para juízo não penal)” (cfr. in obra citada, pág. 262).
Naturalmente que se conhece o Acórdão de fixação de jurisprudência do STJ 2/2002, publicado em DR de 5 de março de 2002, porém, como o mesmo dá conta, a jurisprudência emanada teve como permissa “saber se em processo contra-ordenacional – artigo 27.º-A do Decreto-Lei n.º 433/82, de de 27 de Outubro, na redação emergente do Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro – as causas de suspensão de prescrição do procedimento são apenas as contempladas no estrito quadro de previsão de tal dispositivo, como decidiu o acórdão recorrido, ou se, ao invés, como assegura o acórdão fundamento, aí tem aplicação susbsidiária o regime geral das causas de suspensão do procedimento criminal desenhado no artigo 120.º do Código Penal, na redação que lhe adveio do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, e da Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro, artigo 119.º na versão originária do mesmo diploma.”
Porém, também julgamos que o legislador, com a Lei n.º 109/2001, de 24 de dezembro, reformou o regime legal em análise, tendo procedido à sua regulamentação exaustiva no âmbito do processo contraordenacional, alterando-se, por isso, salvo melhor opinião, os pressupostos para a aplicação do citado Acórdão.
Acresce referir que este último Acórdão, dando conta da alteração legislativa operada pela Lei 109/2001, ao nível do artigo 27.º-A, não deixa de referir que “a solução do problema, à luz das implicações do novo quadro legislativo, ultrapassa o objecto do presente recurso extraordinário, pelo que, neste momento, àquele se terá de cingir o veredito deste Supremo Tribunal.”
Finalmente, a respeito desta matéria, julgamos ainda oportuno dar conta que o TRP, em acórdão de 22 de maio de 2019, no âmbito de processo contraordenacional n.º 116/14.6TPPRT.P1, sintetiza esta temática e conclui nos termos referidos, ou seja, que “No procedimento contra-ordenacional só vigoram as causas de suspensão da prescrição desse procedimento que são próprias do seu regime específico” e que “Não é aplicável ao procedimento contra-ordenacional a causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal referida no artigo 120.º, n.º 1, al. a), do Código Penal («quando o procedimento criminal não poder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal, ou de sentença a proferir por tribunal não penal, ou por efeito de devolução de uma questão prejudicial a juízo não penal»).”(in www.dgsi.pt)
É pois, então, certo que a solução do caso sub judice passa pelo citado artigo 74.º da LC de 2012.
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Mas a complexidade da questão é acentuada pela alteração da Lei da Concorrência.
Efetivamente, em setembro de 2022 entrou em vigor a Lei n.º 17/2022, de 17 de agosto, em resultado da transposição da Diretiva (EU) 2019/1 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018, e o referido artigo 74.º da LC passou a ter uma redação diversa.
Dispõe então o artigo 74.º, sob a epígrafe “Prescrição”, que: “1 - O procedimento por infração aos artigos 9.º, 11.º e 12.º da presente lei e aos artigos 101.º e 102.º do TFUE, incluindo o processo de aplicação de coimas e sanções pecuniárias compulsórias, extingue-se por prescrição no prazo, contado nos termos do artigo 119.º do Código Penal, de: a) Três anos, nos casos previstos nas alíneas h) a k) do n.º 1 do artigo 68.º; b) Cinco anos, nos restantes casos. 2 - (Revogado.) 3 - A prescrição do procedimento interrompe-se com a notificação ao visado de qualquer ato da AdC que pessoalmente o afete, produzindo a interrupção efeitos desde a notificação do ato a qualquer uma das pessoas que possam responder pela infração em virtude de fazerem parte da mesma unidade económica ou manterem entre si laços de interdependência, nos termos do artigo 3.º, sendo a interrupção aplicável a todas as empresas que tenham participado na infração. 4 - (Revogado.) 5 - Nos casos em que a AdC tenha dado início a um processo de contraordenação por infração aos artigos 101.º e 102.º do TFUE, o prazo de prescrição suspende-se quando a AdC, tendo tido conhecimento de que a Comissão Europeia ou uma autoridade nacional de concorrência de outro Estado-Membro deu início, pelos mesmos factos, a um processo por infração aos mesmos artigos do TFUE, notifique o visado da decisão de suspensão do processo. 6 - No caso referido no número anterior, a suspensão cessa na data em que a autoridade nacional de concorrência ou a Comissão Europeia adote uma decisão que constate a existência de uma infração, ordene a sua cessação, torne obrigatórios compromissos, imponha coimas ou outras sanções ou conclua que não existem motivos para uma nova intervenção da sua parte. 7 - (Revogado.) 8 - Quando o prazo normal de prescrição tenha sido interrompido ou suspenso nos termos dos números anteriores, a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando tiverem decorrido cinco ou sete anos e meio, respetivamente, nos casos das alíneas a) ou b) do n.º 1. 9 - A prescrição do procedimento por infração suspende-se pelo período de tempo em que a decisão da AdC for objeto de recurso judicial, incluindo recurso interlocutório ou recurso para o Tribunal Constitucional, sem qualquer limitação temporal. 10 - O prazo de prescrição das sanções é de cinco anos a contar do dia em que se torna definitiva ou que transita em julgado a decisão que determinou a sua aplicação, salvo nos casos previstos nos n.ºs 6, 10 e 11 do artigo 69.º, que é de três anos.” (destaques nossos)
Porém, o legislador nacional no artigo 9.º da referida lei, sob a epígrafe “Aplicação no tempo”, estabeleceu que: “1 - As disposições da presente lei aplicam-se aos procedimentos desencadeados após a respetiva entrada em vigor. 2 - As alterações ao artigo 17.º dos estatutos da Autoridade da Concorrência, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 125/2014, de 18 de agosto, aplicam-se aos membros do conselho de administração que venham a ser designados após a entrada em vigor da presente lei.”(destaques nossos)
Temos então que, no nosso entender, o legislador “ordinário”, no caso, a Assembleia da República, expressamente afastou a nova redação da Lei da Concorrência aos procedimentos desencadeados em data anterior à entrada em vigor da respetiva Lei.
Considerando que o presente procedimento teve o seu início em data muito anterior a 2022, salvo o devido respeito, não vemos que seja possível a sua aplicação ao caso em análise.
Efetivamente, o legislador não só não distingue as normas como, tendo presente o disposto no artigo 100.º do respetivo regime, dá um sinal inequívoco que pretendeu ir além do regime em vigor, pois, de outra forma, seria redundante a consignação do citado artigo 9.º.
Nessa medida, entendemos que o legislador se reportou, sem distinguir, às novas redações, sejam adjetivas e/ ou substantivas e/ ou mistas.
Assim, em termos de solução do caso sub judice, remete-nos novamente para o citado artigo 74.º da LC/2012.
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Não obstante, mesmo que a nova redação do artigo 74.º da LC/2022 fosse aplicado ao caso concreto, o resultado final não seria diferente no que respeita à prescrição do procedimento no plano da aplicação da lei no tempo.
Efetivamente, considerando a natureza do direito contraordenacional, que faz parte do Direito Público de carácter punitivo ou sancionatório, em face das normas constitucionais e legais que lhe são aplicáveis, sempre importava considerar o regime legal mais favorável, ou seja, aplicar ao caso as duas redações do referido artigo 74.º das LC e verificar, em concreto, a que se mostra mais favorável.
Aliás, em termos das normas legais, desde logo se destaca o artigo 3.º do RGCO, sendo que este, no seu n.º 2, refere expressamente que “se a lei vigente ao tempo da prática do facto for posteriormente modificada, aplicar-se-á a lei mais favorável ao arguido, salvo se este já tiver sido condenado por decisão definitiva ou transitada em julgado e já executada.”
Em reforço da posição que seguimos, julgamos oportuno chamar à colação o Acórdão n.º 319/2021 do TC, de 18 de maio de 2021, proferido em Plenário, que conhece/ julga matéria de contraordenação reportada às contas das campanhas eleitorais, sendo que, estando em causa uma sucessão de leis no tempo, em particular de causas de suspensão, aplica o regime mais favorável.
Para o efeito, deu conta que: “Conforme este Tribunal tem entendido, ocorrendo sucessão de leis no tempo, é necessário determinar se o novo regime legal amplia ou diminiu o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional (cfr., por último, os Acórdãos n.ºs 231/2021 e 232/2021). Traduzindo-se a prescrição do procedimento numa renúncia do Estado ao direito de sancionar, condicionada pelo decurso de um determinado lapso temporal, cuja razão de ser se situa na não realização dos fins das sanções, as normas sobre prescrição do procedimento, para além da indiscutível vertente processual, têm natureza substantiva. Tal natureza determina, no domínio da aplicação da lei no tempo, a sujeição das respetivas normas ao princípio da aplicação retroactiva do regime jurídico concretamente mais favorável ao agente da infração (n.º 2 do artigo 3.º do RGCO). Significa isto que não pode ser aplicada lei sobre prescrição que se revele, em concreto, mais gravosa do que a vigente à data da prática dos factos, bem como deve ser aplicado retroativamente o regime prescricional que eventualmente se mostre, em concreto, mais favorável. Ora, na determinação do regime de prescrição mais favorável deve proceder-se à aplicação do regime legal da prescrição, no seu todo, que vigorava à data da prática das infrações, por comparação com o ou os regimes que lhe sucederam até à data em que a decisão sancionatória – in caso, o Acórdão 236/2021 – transita em julgado. Ou seja, aplica-se a lei antiga (LA) e a seguir a lei nova (LN), uma e outra integralmente, comparando-se os resultados. Impõe-se, pois, conhecer da prescrição do procedimento contraordenacional em função do regime concretamente mais favorável.” (in www.Tc.pt) (destaques nossos)
Dito isto, desde já, mesmo em abstrato, não temos dúvida em referir que é a LC de 2012 a mais favorável, ou seja, a que se reporta ao momento da prática dos factos.
Naturalmente que também conhecemos a existência de entendimentos diversos sobre esta(s) temática(s), seja sobre a natureza do instituto da prescrição e, em concreto, da suspensão, seja da aplicação da lei no tempo, seja ainda da dicotomia lei penal e contraordenacional, e também não temos dúvidas que se mostram suportadas por argumentos jurisprudenciais e doutrinais de relevo.
Porém, em matéria da prescrição do procedimento contraordenacional, acompanhamos aqueles que pugnam pela aplicação do princípio da legalidade, consagrado no artigo 29.º da CRP e no artigo 2.º do RGCO e ainda do princípio do Estado de Direito Democrático, no caso, previsto no artigo 2.º da CRP.
Os argumentos existentes na defesa das diferentes teses/ posições, tal como resulta da sentença, acompanhada, no essencial, pelo M.P. e pela AdC, de um lado, e das posições das Arguidas, por outro, são disso reflexo.
No entanto, permita-se-nos apenas reiterar que, havendo fundamentos/argumentos válidos de parte a parte, no nosso modesto entendimento o regime legal da prescrição está intimamente relacionado com a punição, ou, dito de outra forma, é indissociável desta, destacando-se, por isso, a componente (natureza) substantiva, e, em consequência, a sujeição áqueles princípios constitucionais e legais, sendo, aliás, os primeiros para o julgador nacional um verdadeiro imperativo!
Aliás, tal resulta, desde logo, dos artigos 8.º, n.º 4, 18.º, 19.º, 29.º, 32.º, 202.º e 204.º, todos da CRP.
Finalmente, de forma a que não subsistam dúvidas, também não podemos deixar de referir que os referidos princípios se repercutem em toda a vertente do instituto da prescrição que, naturalmente, contendam com a sua natureza, ou seja, com o “tempo”.
Nessa medida, sejam o prazo, as circunstâncias interruptivas e as circunstâncias suspensivas, por manifestamente se repercutirem no “tempo”, estão necessariamente sujeitas àqueles princípios; sendo que o da legalidade obriga a que tais elementos estejam previstos por lei escrita, prévia, certa e estrita.
Mais uma vez, leva-nos, pois, a concluir que a solução do caso sub judice remete para o citado artigo 74.º da LC/2012,
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Foi ainda invocado o primado do direito Europeu para justificar a aplicação do “novo” regime da Lei da Concorrência.
Cientes da importância desta temática, em particular nesta área contraordenacional, não podemos deixar de referir que, salvo o devido respeito, a Diretiva (EU) 2019/1 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018, não “obriga” o legislador nacional a “forçar” a sua aplicação de forma retroativa ou, dito de outra forma, in malam partem.
Efetivamente, o artigo 29.º da Diretiva, sob a epígrafe “Regras relativas aos prazos de prescrição da aplicação de coimas e de sanções pecuniárias compulsórias”, dispõe que: “1. Os Estados-Membros asseguram que os prazos de prescrição da aplicação pelas autoridades nacionais da concorrência de coimas ou de sanções pecuniárias compulsórias nos termos dos artigos 13.o e 16.o se suspendem ou interrompem na pendência dos processos de aplicação perante as autoridades nacionais da concorrência de outros Estados-Membros ou da Comissão, relativamente a uma infração referente ao mesmo acordo, decisão de uma associação, prática concertada ou outra conduta proibida pelos artigos 101.o ou 102.o do TFUE. A suspensão do prazo de prescrição começa a contar, ou a interrupção do prazo de prescrição tem lugar, a partir da data de notificação da primeira medida de investigação formal a pelo menos uma das empresas objeto do processo de aplicação. É aplicável a todas as empresas ou associações de empresas que tenham participado na infração. A suspensão ou a interrupção cessam na data em que a autoridade da concorrência competente encerrar o processo pela adoção de uma decisão nos termos dos artigos 10.o, 12.o ou 13.o da presente diretiva, ou nos termos dos artigos 7.o, 9.o ou 10.o do Regulamento (CE) n.o 1/2003, ou se tiver concluído que não existem motivos para uma nova intervenção da sua parte. A duração dessa suspensão ou interrupção não prejudica os prazos de prescrição gerais previstos no direito nacional. 2. Os prazos de prescrição para a aplicação de coimas ou de sanções pecuniárias compulsórias por parte de uma autoridade nacional de concorrência são suspensos ou interrompidos enquanto a decisão dessa autoridade nacional da concorrência for objeto de recurso pendente perante um tribunal de recurso. 3. A Comissão assegura que a notificação da primeira medida de investigação formal recebida de uma autoridade nacional da concorrência nos termos do artigo 11.o, n.o 3, do Regulamento (CE) n.o 1/2003 seja disponibilizada às demais autoridades nacionais da concorrência no âmbito da Rede Europeia da Concorrência.”
Nessa medida, julgamos, pois, que a incidência temporal a que nos referimos supra ficou na disponibilidade do legislador nacional, pelo que não se pode afirmar que houve violação daquele primado.
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É ainda invocada a jurisprudência do TJ, no caso, o Acórdão “Taricco” para se afastar a aplicação do regime da LC/2012.
Importa dar conta que o Acórdão declarou que: “1) Um regime nacional de prescrição de infrações penais, como o estabelecido pelo artigo 160.º, último parágrafo, do Código Penal, conforme alterado pela Lei n.º 251, de 5 de dezembro de 2005, lido em conjugação com o artigo 161.º do referido código, que previa, à data dos factos do processo principal, que o ato que determina a interrupção da prescrição no quadro de procedimentos penais relativos a fraudes graves em matéria de imposto sobre o valor acrescentado tem o efeito de prorrogar o prazo de prescrição em apenas um quarto da sua duração inicial, é suscetível de violar as obrigações impostas aos Estados Membros por força do artigo 325.º, n.ºs 1 e 2, TFUE, caso esse regime nacional impeça a aplicação de sanções efetivas e dissuasoras num número considerável dos casos de fraude grave lesiva dos interesses financeiros da União Europeia ou preveja prazos de prescrição mais longos para os casos de fraude lesiva dos interesses financeiros do Estado Membro em causa do que para os casos de fraude lesiva dos interesses financeiros da União Europeia, o que incumbe ao órgão jurisdicional nacional verificar. Incumbe ao órgão jurisdicional nacional dar pleno efeito ao artigo 325.º, n.ºs 1 e 2, TFUE, não aplicando, se necessário, as disposições de direito nacional que têm o efeito de impedir que o Estado Membro em causa respeite as obrigações que lhe são impostas pelo artigo 325.º, n.ºs 1 e 2, TFUE. 2) Um regime de prescrição aplicável a infrações penais cometidas em matéria de imposto sobre o valor acrescentado, como o previsto no artigo 160.º, último parágrafo, do Código Penal, conforme alterado pela Lei n.º 251, de 5 de dezembro de 2005, lido em conjugação com o artigo 161.º do referido código, não pode ser apreciado à luz dos artigos 101.º TFUE, 107.º TFUE e 119.º TFUE.” (cfr. Ac de 8 de setembro de 2015, processo C-105/14, in EUR-Lex).
Posteriormente, na sequência de pedido de decisão prejudicial que teve como objeto a interpretação do artigo 325.º, n.ºs 1 e 2, do TFUE, conforme interpretado no Acórdão de 8 de setembro de 2015, “Taricco”, o TJ, por acórdão de 5 de dezembro de 2017, proferiu a seguinte decisão: “O artigo 325.º, n.ºs 1 e 2, TFUE deve ser interpretado no sentido de que, no âmbito de um processo penal por infrações relativas ao imposto sobre o valor acrescentado, impõe ao juiz nacional que se abstenha de aplicar disposições internas do direito substantivo nacional em matéria de prescrição que obstem à aplicação de sanções penais efetivas e dissuasoras num número considerável de casos de fraude grave lesiva dos interesses financeiros da União Europeia ou que prevejam prazos de prescrição mais curtos para os casos de fraude grave lesiva dos referidos interesses do que para os casos de fraude lesiva dos interesses financeiros do Estado‑Membro em causa, a menos que essa não aplicação implique uma violação do princípio da legalidade dos crimes e das penas, em razão da falta de precisão da lei aplicável ou devido à aplicação retroativa de uma legislação que impõe condições de incriminação mais severas do que as vigentes no momento em que a infração foi cometida.”(Acórdão de 5 de dezembro de 2017, processo C-42/17, in Euro-Lex).
Antes de mais, importa desde já assinalar que a aplicação da referida jurisprudência aos presentes autos se afigura bastante discutível, uma vez que a aplicação assenta no âmbito do artigo 325.º do TFUE, ou seja, “fraudes e quaisquer atividades lesivas dos interesses financeiros da União”.
Efetivamente, sendo a concorrência um interesse evidente da União, já se afigura discutível integrá-la no âmbito dos seus interesses financeiros.
Aliás, nos referidos Acórdãos dá-se conta desse interesse quando se refere que “constituem recursos próprios inscritos no orçamento geral da União Europeia as receitas provenientes: … da aplicação de uma taxa uniforme, válida para todos os Estados-Membros, à base do IVA, determinada de maneira harmonizada segundo regras da Comunidade.”
Ainda assim, admitindo essa possibilidade, necessariamente terá que se aquilatar se os demais requisitos a que aludem os citados Acórdãos se verificam.
Antecipa-se que a resposta é negativa.
Efetivamente, os prazos máximos previstos no ordenamento nacional para a prescrição dos demais procedimentos contraordenacionais são mais curtos que os previstos para a Lei da Concorrência.
Por outro lado, importa dar conta que – seja da análise da marcha do processo, donde se destaca o facto (invulgar) de o processo ter levado cerca de 6 meses a transitar da AdC para o Tribunal, seja da nossa experiência profissional – também não se nos afigura possível afirmar que a norma nacional, no caso, o artigo 74.º da LC/2012, “obste à aplicação de sanções … efetivas e dissuadoras num número considerável de casos”, ou seja, que a sua aplicação origine a prescrição de um número considerável de casos.
Dito de outra forma, mesmo tendo presente a complexidade deste tipo de processos, atento o prazo de prescrição máximo, no caso de 10 anos e 6 meses (5 + 2,6 + 3), não podemos, de todo, afirmar com segurança que a impunidade de facto constitua em Portugal “não um caso excecional, mas a norma”, ao contrário do que se dá conta no citado Acórdão do TJ, de 8 de maio de 2015, a respeito da realidade italiana.
Naturalmente que este critério está envolto num grau de maior subjetividade, aliás, disso se dá conta no segundo Acórdão quando se refere “17 Em segundo lugar, o orgão jurisdicional de reenvio constata que o acórdão Taricco não precisa suficientemente os elementos que o juiz nacional deve ter em conta para definir o «número considerável dos casos» a que está associada a aplicação da regras resultante deste acórdão e não coloca, portanto, limites ao poder discricionário dos juízes.”
Porém, como referimos, não temos conhecimento profissional da existência de um número “significativo”, quanto mais “considerável”, de processos prescritos no âmbito da legislação da concorrência e, em particular, decorrente da aplicação do artigo 74.º da LC/2012.
Finalmente, e não menos relevante, temos ainda a reserva do princípio da legalidade, que devido à aplicação retroativa de legislação, no caso a versão de 2022, impõe, como já assinalamos, condições mais severas do que as vigentes no momento em que a infração foi cometida.
Ainda assim, julgamos oportuno, reportado ao instituto da prescrição, dar conta do Acórdão do TJ, de 14 de janeiro de 2021, C-450/19, ECLI:EU:C:2021:10, n.º 40, quando refere que o “direito da União, em aplicação de princípios característicos de uma União de direito, admite o próprio princípio da prescrição da ação da Comissão e das autoridades nacionais de concorrência para perseguir e punir as infrações ao artigo 101.º do TFUE, a aplicação efetiva desta disposição não pode justificar que se prolongue artificialmente a duração do período da infração para permitir a sua repressão.” (in curia.europa.eu; citado no Parecer junto aos autos do Professor Paulo Pinto de Albuquerque).
Face ao exposto, salvo o devido respeito, também não vemos fundamento para que se imponha ao julgador nacional afastar a aplicação do regime legal da concorrência vigente em 2012.
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Por fim, importa dar conta, que mesmo que se lograsse ultrapassar os “obstáculos” que acabamos de referir, ainda assim seria aplicável o regime da Lei da Concorrência de 2012 e não o de 2022.
Efetivamente, mesmo que se determinasse a aplicação da redação de 2022 aos casos em curso, em face dos princípios de aplicação da lei no tempo a que nos referimos supra, nomeadamente os artigos 29.º da CRP e art.º 3.º do RGCO, matéria relativa aos princípios fundamentais, sempre teríamos que considerar a lei mais favorável.
Isto porque, de acordo com o artigo 8.º, n.º 4, da CRP, “as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático”; esta imposição constitucional aplica-se, por maioria de razão, ao caso sub judice, pois que estamos perante norma nacional que transpôs a Diretiva.
Reiteramos, pois, com o devido respeito por opinião diversa, que os prazos de prescrição do procedimento contraordenacional e a sua contagem, estão intimamente ligados à punição e, também por isso, à defesa do cidadão, à necessidade de certeza, de previsibilidade da actuação punitiva dos poderes públicos e de paz jurídica, valores indissociáveis de um Estado de Direito Democrático, como é o nosso.
Aliás, no caso que nos ocupa, apesar da Diretiva 2019/01 ter sido publicada em 14 de janeiro de 2019, não deixa de ser verdade que apenas foi transposta para o nosso ordenamento em finais de 2022, quando as impugnações judiciais, como vimos, deram entrada em finais de outubro de 2019.
Acresce, ainda, a circunstância de existirem instrumentos legais na lei da concorrência aptos a mitigar a responsabilidade dos visados, nomeadamente os artigos 75.º a 78.º da LC/2012, sujeitos também a prazos, que, seguramente, sendo suscetíveis de “recurso” pelas defesas, não se pode afastar, de todo, como tendo sido por estas sopesados no contexto de uma realidade que, como vimos, se alterou.
O que sempre nos transportava para a imperatividade da lei mais favorável, no caso, repetindo, a Lei da Concorrência de 2012.
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Aqui chegados, certos do regime legal aplicável, importa então verificar se o procedimento contraordenacional se mostra esgotado.
Vejamos.
O prazo máximo de prescrição corresponde, conforme decorre dos n.ºs 7 e 8 do artigo 74.º da LC (versão de 2012), a 10 anos e 6 meses.
Recordando que a consumação das infrações em apreço se reportam a setembro de 2012 (arguida G …, PLC), outubro de 2012 (N …, S.A. e A …, S.A.), fevereiro de 2013 (H… e L …, S.A.) e 1 de março de 2013 (as restantes Arguidas), temos então que o prazo normal de 5 anos de prescrição, acrescido de metade (2 anos e 6 meses), ou seja, o prazo máximo de 7 anos e 6 meses, acrescido de mais 3 anos a título de prazo máximo de suspensão da prescrição, significa que a responsabilidade contraordenacional relativa a todas as infrações se extinguiu até ao dia 1 de setembro de 2023.
Relativamente à suspensão das leis Covid-19, reportadas aos periodos entre 9 de março de 2020 e 2 de junho de 2020 e entre 22 de janeiro de 2021 e 5 de abril de 2021, no total de 160 dias, mesmo que se tomem em consideração esses períodos, a sua aplicação apenas nos remete para o dia 11 de fevereiro de 2024.
Dito isto, aplicado o regime legal vigente no momento da prática do facto, temos para nós que o procedimento contraordenacional objeto dos presentes autos já se mostra precrito desde 1 de setembro de 2023 ou, no limite, aplicadas as leis Covid-19, desde 11 de fevereiro de 2024.
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Face a todo o exposto, importa concluir pela procedência dos recursos apresentados pelas sociedades Arguidas e considerar totalmente prescrito o procedimento contraordenacional objeto dos presentes autos.
Esta prescrição, sendo causa extintiva da responsabilidade contraordenacional, obsta ao conhecimento do objeto do recurso e determina o arquivamento global do processo.
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V - Decisão
Em consequência, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em declarar prescrito o presente procedimento contraordenacional pendente contra as sociedades Arguidas relativamente à prática da contraordenação p. e p. pelos artigos 4.º da Lei 18/20003, 9.º da Lei 19/2012, 101.º, n.º 1, do TFUE e 68.º e 69.º da referida Lei 19/2012, e mais determinam o oportuno arquivamento dos autos.
Sem custas.
Notifique.
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Lisboa, 10 de fevereiro de 2025
Bernardino Tavares
A. M. Luz Cordeiro (com o voto de vencido que segue infra)
Paulo Abrantes Registo
“Declaração de vencido
Ressalvado o muito respeito pela posição que fez vencimento, entendo que existem importantes razões para chegar a entendimento diferente e considerar não estarem prescritos os ilícitos pelos quais as recorrentes foram condenadas em 1ª instância.
As razões da minha discordância são, em síntese, as seguintes:
i. O artigo 74.º, n.º 9, da Lei da Concorrência atualmente em vigor é aplicável ao prazo de prescrição em curso no presente processo.
ii. A alteração do prazo de suspensão da prescrição operada pelo referido artigo 74.º, n.º 9, não viola o princípio da legalidade.
iii. Os princípios constitucionais não têm a mesma intensidade no direito das contraordenações e no direito penal. O Tribunal Constitucional assim o tem afirmado reiteradamente.
iv. Não se verifica, em concreto neste processo, a violação de qualquer outro princípio constitucional.
v. Esta é a única interpretação conforme ao direito da união, cujo primado está expressamente consagrado no artigo 2º da Lei da Concorrência, e a única que possibilita a aplicação eficaz dos artigos 101.º e 102.º do Tratado (TFUE).
vi. Ainda que assim não fosse, entendo que o reenvio prejudicial suspende os prazos de prescrição em curso até que seja proferida decisão pelo TJUE, sem limite de tempo.
vii. Devem igualmente ser aplicadas as suspensões do prazo de prescrição previstas nas Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março e Lei 13-B/2021, de 05 de abril (motivadas pela Covid-19).
viii. O prazo de prescrição apenas se completaria, nos dias 25.12.2025 (G …, PLC), 25.01.2026 (N …, S.A. e A …, S.A.), 25.05.2026 (H…e L…) e 26.05.2026 (restantes recorrentes).
Em conclusão, entendo que o procedimento não se mostra prescrito.
A. Como ponto de partida para a apreciação da prescrição do procedimento contraordenacional, atendendo aos ilícitos em apreciação e, como é o caso, à necessidade de aplicação do direito da União Europeia, é pacífico que o julgador deve escolher a interpretação que melhor se adeque ao direito da União Europeia, salvaguardada a sua conformação constitucional.
Neste sentido o importante Acórdão TC n.º 268/2022, de 19.4.2022:
O princípio da interpretação conforme — nascido na década de 70 do século XX a propósito da obrigação de os tribunais nacionais alcançarem, através da interpretação do direito nacional, o efeito útil de diretivas insuscetíveis de produzir efeito direto (cfr., entre muitos outros, Acórdãos do TJUE Mazzalai, de 20.05.1976, proc. 111/75, e Von Colson, de 10.04.1984, proc. 14/83; Marleasing, de 13.11.1990, proc. 106/89) — foi sendo reconduzido a um cânone geral de interpretação do direito nacional (de todo o direito nacional) de modo a atingir a plena eficácia do direito da União Europeia. Determina tal princípio que os tribunais nacionais, ao aplicar o direito interno, são obrigados a interpretá-lo, na medida do possível, à luz do direito europeu: «Esta obrigação de interpretação conforme do direito nacional é inerente ao sistema do Tratado FUE, na medida em que permite aos órgãos jurisdicionais nacionais assegurar, no âmbito das suas competências, a plena eficácia do direito da União quando decidem dos litígios que lhes são submetidos» (Acórdão do TJUE de 24.01.2012, Maribel Dominguez, proc. C-282/10).
Assim, os tribunais dos Estados-Membros, na fixação do sentido das normas de direito nacional, estão vinculados ao efeito útil do direito europeu e devem, dentro da margem permitida pelas regras interpretativas internas, escolher a exegese que melhor se acomode às normas europeias. No fundo, no seio da obrigação de as autoridades nacionais tomarem as medidas que garantam a efetividade do direito da União, «uma dessas medidas consiste precisamente na obrigação de os tribunais, e as restantes autoridades nacionais, interpretarem a lei nacional em conformidade com o direito da União» (cfr. Sofia Oliveira Pais, “Princípio da interpretação conforme”, Princípios Fundamentais de Direito da União Europeia, 3.ª Edição, Almedina, 2016, p. 96). Trata-se, pois, de uma garantia de eficácia do direito europeu plenamente recebida pelo disposto no n.º 4 do artigo 8.º da Constituição. (…)
Em consequência, caso as regras constitucionais convocadas comportem várias interpretações, impõe-se ao Tribunal Constitucional, no domínio de aplicação do direito da União Europeia, privilegiar a congruência com o direito europeu e garantir a sua efetividade. Trata-se de uma decorrência do princípio de cooperação leal, que é recebida na primeira parte do n.º 4 do artigo 8.º da Constituição (cfr. Acórdão n.º 268/2022, ponto 8.). (…)
(…) Na verdade, nos termos definidos pelo direito da União Europeia, a interpretação do direito nacional (em qualquer das suas fontes) tem em conta o direito europeu: «Cabe ao tribunal nacional dar à lei interna, em toda a medida em que uma margem de apreciação lhe seja concedida pelo respectivo direito interno, uma interpretação e uma aplicação em conformidade com as exigências do direito comunitário» (Acórdão do TJUE de 4 de Fevereiro de 1988, Murphy, proc. 157/86).
(…)
Por estas razões, situando-se as normas fiscalizadas no domínio de aplicação do direito da União Europeia, a interpretação dos parâmetros constitucionais a que as regras em crise se submetem tem em conta o sentido das normas europeias, procurando-se estabelecer a interpretação mais próxima do direito europeu. (…). E foi justamente o que o Tribunal Constitucional concluiu no Acórdão n.º 464/2019: «por força das normas do artigo 8.º da Constituição que estabelecem a relevância do Direito Internacional e do Direito da União na ordem jurídica interna e, também, da cláusula aberta no domínio dos direitos fundamentais consagrada no artigo 16.º da Constituição, este Tribunal não pode deixar de considerar os direitos fundamentais consagrados na CDFUE e na referida Convenção, devendo igualmente ter em conta, numa perspetiva de diálogo interjurisdicional, a interpretação que dos mesmos tem vindo a ser feita pelas instâncias competentes para a sua aplicação, nomeadamente o Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) e o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (“TEDH”)».
Vejamos, definido este pressuposto essencial.
B. O art.º 74.º da Lei 19/2012, atualmente em vigor estabelece que:
9 - A prescrição do procedimento por infração suspende-se pelo período de tempo em que a decisão da AdC for objeto de recurso judicial, incluindo recurso interlocutório ou recurso para o Tribunal Constitucional, sem qualquer limitação temporal.
Entendo que este art.º 74.º, n.º 9, da Lei da Concorrência atualmente em vigor é aplicável porque o art.º 9.º, n. 1, da Lei n.º 17/2022, de 17 de agosto (que aprovou o Novo Regime Jurídico da Concorrência), que estipula que “as disposições da presente lei aplicam-se aos procedimentos desencadeados após a respetiva entrada em vigor” deve ser interpretado no sentido de apenas obstar à aplicação imediata das normas novas decaráterprocessual e não às normas substantivas.
É pacífico que as disposições substantivas serão aplicáveis por referência à lei em vigor à data da prática dos factos independentemente da data em que o procedimento se desencadeou (designadamente as disposições mais favoráveis).
Esta conclusão – da aplicação restrita às normas processuais – encontra apoio na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça.
O art.º 9.º, n. 1, da Lei n.º 17/2022, de 17 de agosto, como referido no acórdão que fez vencimento, tem redação quase idêntica à do art.º 100.º (aplicação da lei no tempo) da Lei n.º 19/2012, de 08 de Maio, na sua versão originária e na atual:
1 - O novo regime jurídico da concorrência, aprovado pela presente lei, aplica-se:
a) Aos processos de contraordenação cujo inquérito seja aberto após a entrada em vigor da presente lei;
(…)”
O Acórdão STJ de 19.1.2017 (ECLI:PT:STJ:2017:11.15.1YQSTR.S1.2C), a propósito da norma prevista no art.º 100.º, da Lei n.º 19/2012, de 08 de Maio, (com redação, repetimos, idêntica àquela atualmente em vigor) entendeu que:
“Ou seja, contrariamente às normas gerais de aplicação da lei processual penal no tempo em que a lei nova se aplica imediatamente (salvo quando determine um agravamento da situação processual do arguido), no presente caso optou-se por aplicar a nova lei apenas aos novos processos de contraordenação (ob. e loc. cit. supra) (diferentemente será o caso das regras de aplicação da lei substantiva no tempo, caso em que se aplica a lei do momento da prática do facto, salvo no caso de a nova lei ser mais favorável ao arguido (…)”
(são meus os destaques)
Atualmente é consensual que o instituto jurídico da prescrição criminal não tem natureza exclusivamente processual, sendo maioritária a posição daqueles que consideram ter natureza híbrida, como refere o Acórdão TC n. 73/2024:
“Entre nós, a doutrina tem vindo a atribuir uma natureza híbrida ao instituto da prescrição, que por esta classificação parece convocar uma forma de síntese entre estas duas posições. FIGUEIREDO DIAS concede à doutrina germânica quando localiza os efeitos da prescrição em espaço exterior à estrutura dogmática do facto punível (i. e., do crime), assinalando que daqui resulta, face às normas criminais previsivas da responsabilidade criminal, diferente consequência no ambiente jurisdicional: enquanto estas últimas orientarão uma decisão de mérito da causa (absolvição ou condenação), o instituto da prescrição do procedimento participa na regularidade da instância penal, reclamando pela sua extinção quando dotada de efeito operativo e aliviando o órgão judiciário de pronúncia (extinção do procedimento jurisdicional ou arquivamento do inquérito).
No entanto, se a prescrição se entende alheia à dogmática do facto punível, nem por isso o A. deixa de sublinhar que, associando ao curso do tempo um efeito impeditivo da punição, ou, melhor, constituindo ela “causa de afastamento da punição”, a prescrição participa na regulação das consequências jurídicas da infração. Este é também domínio jurídico qualificável como Direito penal material, dotando assim o instituto da prescrição da sobredita natureza mista (v. J. FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, As Consequências…, pp. 700-702).
O referido Acórdão TC n. 73/2024, contudo, não deixa de ressalvar que:
“Será por tributo à natureza híbrida da prescrição que se observa na jurisprudência constitucional uma abordagem que busca no fundamento do princípio da legalidade – enquanto instrumento de garantia contra a ação punitiva – o padrão de juízo sobre a sua aplicabilidade enquanto parâmetro de controlo em matéria de prescrição, não se bastando com uma análise classificatória que se esgotasse na controvérsia sobre a sua localização como instituto substantivo ou adjetivo de Direito criminal:
(…)
A prescrição (do procedimento criminal ou da pena) associa ao curso do tempo um efeito impeditivo da ação penal ou da executoriedade de uma pena, desempenhando uma função de estabilização da ordem jurídica decorrente da dilação irrazoável entre o facto e o juízo condenatório (prescritibilidade do procedimento) ou entre o juízo condenatório e a punição (prescritibilidade da pena). Não se trata, aqui,de um direito subjetivo do indiciado (Acórdão do TC n.º 483/2002), mas de um instituto que conduz a consequências a dissipação da estrutura fundamental que suporta o Direito do crime e legitima a ingerência em direitos, liberdades e garantias do agente da infração por via da medida criminal, desautorizando o cerceamento da esfera jurídica de particulares.
Dito de outra forma e como vem fazendo ver a jurisprudência constitucional, “a razão de ser das normas que regulam a prescrição (…) tem na verdade relação direta com as garantias de certeza, segurança e paz social no que concerne à efetivação do poder punitivo do Estado em tempo útil e sem inércia injustificada” (Acórdão do TC n.º 366/2018, sublinhado nosso).
(…)
Assim, será nas dimensões em que esteja em causa a efetividade da prescrição enquanto garantia jurídico-penal que o instituto receberá cobertura de princípios normativos coevos ao Direito criminal, precisamente quando estes com o instituto da prescrição se entrecruzem em desempenho da respetiva função de tutela no plano jurídico-penal.
Em particular sobre a proibição de retroatividade de Lei desfavorável (também refração do princípio da legalidade – cfr. artigo 29.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa) e prescrição, o Tribunal Constitucional fez ver:
“O princípio [da legalidade] encontra-se estabelecido para as leis que determinam os pressupostos da relevância criminal das condutas ativas e omissivas - o complexo do facto punível - e para as leis que estabelecem as respetivas consequências jurídicas - as penas. Na dimensão correspondente à exigência de lei prévia, dele resulta que o legislador não pode atribuir relevância criminal a factos passados, nem punir mais severamente crimes praticados em momento anterior. As normas relativas à prescrição do procedimento criminal não se encontram incluídas, de modo literal, na proibição da retroatividade in pejus fixada para as normas incriminadoras (neste sentido, quanto à proibição da analogia, v. Acórdão n.º 205/1999). A sua recondução ao âmbito de aplicação do artigo 29.º, n.ºs 1, 3 e 4.º, da Constituição, só poderá fazer-se, por isso, com apoio em argumentos jurídico-constitucionais, os quais, por sua vez, haverão de extrair-se, não da classificação das normas atinentes ao instituto da prescrição segundo os critérios desenvolvidos no plano infraconstitucional, mas antes da ratio da proibição da retroatividade in pejus e, por conseguinte, dos próprios fundamentos do princípio da legalidade penal. Ainda que para justificar uma leitura maximizadora das garantias inerentes àquela proibição, não deixa de ser esse o sentido em que adverte Pedro Caeiro: a distinção entre normas processuais formais e normas processuais materiais não deve constituir um «prius relativamente à questão da (não) sujeição das normas» — ou de certa norma — «àquela proibição da retroatividade, mas sim um resultado da correta delimitação do âmbito de aplicação da retroatividade desfavorável» (“Aplicação da lei penal no tempo e prazos de suspensão da prescrição do procedimento criminal: um caso prático”, Separata de Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, 2001, Coimbra Editora, p. 243). O que vale por dizer que, quando se trata de determinar o estatuto constitucional de certo elemento legal à face do artigo 29.º, n.ºs 1, 3 e 4, da Constituição, importa ter em definitivo presente, «não tanto a integração deste ou daquele instituto no direito penal ou processual, quanto a função atribuída pela Constituição ao princípio da irretroatividade» (Giorgio Marinucci e Emilio Dolcini, ob. cit., p. 59).”
(Acórdão do TC n.º 500/2021, sublinhado nosso)”
(são meus os carregados)
Servem estas extensas, mas necessárias, citações para demonstrar que as “normas relativas à prescrição do procedimento criminal não se encontram incluídas, de modo literal, na proibição da retroatividade in pejus fixada para as normas incriminadoras” e que“a razão de ser das normas que regulam a prescrição (…) tem na verdade relação direta com as garantias de certeza, segurança e paz social no que concerne à efetivação do poder punitivo do Estado em tempo útil e sem inércia injustificada”.
Centrarei agora a apreciação da existência, ou não, da inércia do Estado no exercício do seu poder punitivo no âmbito deste processo.
A simples observação cronológica de todos os atos praticados no processo, na fase administrativa e na fase judicial, bem como as paragens resultantes da existência de injunção legal ou jurisdicional à impossibilidade de prática de atos, resultante de interposição de recursos com efeito suspensivo das decisões recorridas, demonstram não só a total ausência da referida inércia como, muito pelo contrário, o empenho ativo dos diversos órgãos do Estado no exercício dos seus poderes.
Uma simples apreciação do número de atos praticados, apenas na fase judicial, é reveladora da intensa atividade manifestada nos presentes autos.
Para além do processo principal existem já mais de duas dezenas de apensos, resultantes de recursos interlocutórios deduzidos em separado, alguns já com decisão do tribunal superior.
Apenas no processo principal (o processo n. 225/15.4YUSTR-W) e segundo a contagem eletrónica disponível no citius, na 1ª instância foram proferidos 107 despachos judiciais, sendo que, na generalidade, cada um desses despachos aprecia diversas das questões suscitadas pelas ora recorrentes; constam, ainda, 50 atas de audiências de julgamento ou de produção de prova, tendo sido inquiridas mais de uma centena de testemunhas, embora constem do citius listadas cerca de 210 testemunhas, nem todas foram inquiridas ou porque não admitidas ou porque foram prescindidas.
Descontado o período em que o processo esteve suspenso devido ao reenvio, todos estes atos ocorreram num período de pouco mais de dois anos, havendo ainda que descontar o tempo de paragem devido à pandemia Covid-19.
O processo foi apresentado pelo ministério público em 20.4.2020, sendo presentes a juiz em 08-05-2020. A decisão de reenvio é de 28.4.2022.
Podemos, pois, concluir que a presente prescrição não pode encontrar o seu fundamento na inércia do Estado no que concerne à efetivação do seu poder punitivo, nem, muito menos, à inércia injustificada.
Igualmente, as garantias de certeza, segurança e paz social encontram-se neste caso ou asseguradas, não existem ou, como referirei, sem a intensidade suficiente para que se possam entender merecedoras de tutela.
Pelo exposto, é meu entendimento que, no caso concreto, a mera alteração do prazo de suspensão da prescrição não viola o princípio da legalidade.
Impõe-se realçar que este entendimento refere-se à alteração de prazos ainda em curso. Apenas quanto a estes entendemos que não está em causa o princípio da legalidade, na senda da abundante jurisprudência do TEDH (neste sentido, TEDH, Coëme e o. c. Bélgica, n. os 32492/96, 32547/96, 32548/96, 33209/96 e 33210/96, § 149, CEDH 2000-VII; Scoppola c. Itália (n. o 2), n. o 10249/03, § 110 e jurisprudência referida, 17 de setembro de 2009; e OAO Neftyanaya Kompaniya Yukos c. Rússia, n. o 14902/04, §§ 563, 564, 570 e jurisprudência aí referida, 20 de setembro de 2011).
Já assim poderá não ser nos casos de alteração ou de criação de causas de interrupção ou de causas de suspensão da prescrição, as quais já estarão, por princípio, subordinadas à proibição da retroatividade in pejus. (Acórdãos TC 483/2002, 90/2019, 205/1999, 285/1999, 122/2000 e 412/2003, 183/2008 e 500/2021).
Ainda assim, o Acórdão TC n.º 449/2002, ocupando-se expressamente da aplicação da lei no tempo de uma causa de suspensão da prescrição (a da norma do art.º 336º, n. 1, do Código de Processo Penal que passou a prever como causa de suspensão da prescrição a declaração de contumácia), não deixa de salientar que se tratava de “retroactividade de segundo grau (artigo 12º, n.º 2, segunda parte, do Código Civil), "retroactividade inautêntica" ou "retrospectividade”:
“Esta solução normativa só poderia ser julgada inconstitucional se ofendesse de modo arbitrário, inesperado ou desproporcionado, expectativas do agente do crime contemporâneas da prática do facto (artigo 2º e 29º, n.ºs 1, 3e 4, da Constituição). Ora, não se pode inferir do princípio da confiança, que constitui corolário do Estado de direito democrático, a exacta cognoscibilidade de todas as causas de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal no momento da prática do facto.
Por isso, a interpretação e consequente aplicação temporal que o tribunal a quo fez do artigo 119º, n.º 1, do Código Penal de 1982 não viola o princípio da legalidade, na sua exigência de não retroactividade in pejus.
(são meus os destaques e o sublinhado)
Esta linha de raciocínio veio a ser retomada e desenvolvida no Acórdão TC n.º 500/2021, o qual, reconheço, aponta para uma leitura distinta da aqui exposta:
“21. Ao considerar que a aplicação imediata da causa de suspensão da prescrição prevista no artigo 7.º, n.º 3, da Lei n.º 1-A/2020, não integra uma hipótese de «retroatividade direta ou de primeiro grau, no sentido de aplicação de regra nova a contexto passado» — mas antes, depreende-se, uma situação de retroatividade inautêntica ou imprópria, própria das normas que preveem inovadoramente consequências jurídicas para situações que se constituíram antes da sua entrada em vigor, mas que se mantêm nessa data -, o Tribunal a quo não só aderiu a uma conceção do instituto da prescrição inteiramente distinta daquela que é defendida pelo recorrente, como acabou por alinhar, ainda que sem o dizer, com a posição que, a propósito das normas que procedem ao alargamento dos prazos de prescrição, vem sendo sufragada por importantes sectores da doutrina estrangeira, sobretudo germânica e italiana, assim como pelo TEDH e pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (adiante, «TJUE»).”
(…)
22. A construção exposta – cujo essencial acaba por reconduzir-se à ideia de que a retroatividade proibida em matéria de prescrição do procedimento criminal tem como marco temporal de referência, não o facto criminoso, mas o terminus do prazo prescricional fixado na lei em vigor à data da respetiva prática —, encontra igualmente respaldo na jurisprudência do TEDH. (…)”
(são meus os destaques)
Contudo o Tribunal Constitucional, neste Acórdão n.º 500/2021, afasta-se de tal orientação:
“24. Não é esta, todavia, a orientação que vem sendo sufragada na jurisprudência deste Tribunal quanto à prescrição do procedimento criminal e da pena”.
Ainda assim, no mesmo Acórdão n.º 500/2021, não deixa de se reconhecer a valia dos fundamentos do Acórdão n.º 449/2002:
“26. Ao contrário dos arestos acima mencionados, que trataram da relação do instituto da prescrição com o princípio da legalidade apenas na dimensão de lei estrita, o Acórdão n.º 449/2002, proferido no mesmo contexto, ocupou-se diretamente do problema da vinculação daquele instituto às exigências de lei prévia e lei certa, tendo-o feito justamente a propósito da tipificação das causas desuspensão da prescrição do procedimento criminal. (…)
(…)
Quanto à segunda, considerou expressamente que a aplicação imediata da nova causa de suspensão da prescrição do procedimento não configura um caso de retroatividade proibida pelos n.ºs 1 e 3 da Constituição: ao aplicar-se imediatamente, a nova causa de suspensão «aplica-se para o futuro a processos crimes ainda pendentes, embora resultantes de crimes cometidos no passado» (itálico aditado).”
(São meus os destaques)
Já o Acórdão n.º 660/2021 do Tribunal Constitucional dá nota de alguma diferença de entendimento entre a doutrina nacional (“é quase transversal o entendimento de que às regras referentes ao regime da prescrição do procedimento criminal são aplicáveis as garantias previstas no artigo 29.º da CRP, no tocante à retroatividade da lei penal.”) e a jurisprudência constitucional que “evidencia modos diferenciados de ponderação do escopo de aplicação do princípio da legalidade e, em particular, da proibição da irretroatividade da lei penal in malam partem.”.
No que agora importa, considera o Tribunal Constitucional neste Acórdão:
“Igualmente nesta senda, tem sido afirmado que o princípio da proibição da imprescritibilidade das penas ou das sanções equiparáveis não ancora um direito subjetivo do arguido à prescrição (cfr. Acórdãos n.º 483/2002 e 366/2018), sendo lícito ao legislador estabelecer causas de suspensão e de interrupção da prescrição, ou prever limites máximos temporais a causas de suspensão, desde que isso não implique, em concreto, a ineficácia do instituto de que o arguido possa vir a beneficiar.
Com efeito, partindo destas premissas, no Acórdão n.º 126/2009 – que se pronunciou no sentido da não inconstitucionalidade da norma resultante do artigo 120.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, do Código Penal, quando interpretada e aplicada como o foi na decisão recorrida, em termos de admitir e permitir que a suspensão da prescrição do procedimento criminal, por crime fiscal constante do nº 3 do artigo 2º da Lei nº 51-A/96, com referência aos nºs 1 e 2 do mesmo artigo, não se englobe no limite máximo da suspensão previsto no nº 2 do artigo 120.º do Código Penal, aplicável apenas ao caso previsto na alínea b) do nº 1 do mesmo preceito legal, somando-se assim ao prazo máximo previsto no citado artigo 120.º, nº 2, do Código Penal, mesmo tendo tal suspensão ocorrido em data anterior à data de início ou começo do prazo de prescrição, constante do artigo 119.º, nº 2, alínea b), do Código Penal –, o Tribunal considerou existir fundamento bastante para o estabelecimento de um nova causa de suspensão da prescrição, ainda que fundada em facto jurídico diverso do previsto na aludida alínea b), decorrente do benefício concedido pelo legislador ao agente para aderir a plano de regularização de dívidas, eximindo-se à responsabilidade decorrente de comportamentos ilícitos passados (cfr. Lei n.º 51-A/96), na medida em que não importa qualquer preterição das garantias de defesa do arguido ou violação do princípio da proporcionalidade ou do princípio da legalidade da perseguição criminal.
A solução alcançada neste aresto mobilizou uma ponderação baseada num juízo de justo balanceamento entre a proteção das expectativas dos cidadãos, decorrentes do princípio do Estado de direito democrático, e a liberdade constitutiva e conformadora do legislador, ao qual, inequivocamente, há que reconhecer a legitimidade de tentar adequar as soluções jurídicas às realidades existentes, consagrando as soluções mais acertadas e razoáveis, impondo a intervenção do princípio da proteção da confiança e da segurança jurídica sempre que a nova norma desrespeite standards mínimos de certeza e segurança dos destinatários na ordenação da sua vida de acordo com a ordem jurídica vigente.”
(são meus os destaques)
Apesar de reconhecer a natureza excecional da causa de suspensão em apreciação (“A razão de ser desta causa de suspensão derivou, única e exclusivamente, da situação de emergência sanitária e que originou o estancamento da atividade judiciária, por um determinado período”.), neste Acórdão não deixa, ainda assim, de se considerar que:
“Assim, consideramos que a aplicação imediata desta causa de suspensão a processos em curso não colide com as garantias asseguradas pelo princípio da proibição da aplicação retroativa da lei penal, quando, como é o caso, no momento da sua entrada em vigor, o prazo de prescrição já se tinha iniciado e, apesar de se encontrar em curso, não se havia ainda extinto – aliás, encontra-se fora do respetivo âmbito de proteção (v., de novo, o Acórdão n.º 500/2021).
Quer isto dizer que, na linha de pensamento de GIAN LUIGI GATTA, quando o prazo de prescrição não tenha ainda atingido o seu fim, ao determinar o prolongamento – como no caos da suspensão motivada pela pandemia –, a lei superveniente não torna punível um facto não punível: ela limita-se a conceder ao Estado, por qualquer motivo, neste caso por força de uma emergência sanitária, mais tempo para apurar os factos e a responsabilidade criminal. O direito de defesa não resulta, de modo algum, comprometido e o Estado não abusa do poder punitivo, nem frustra aquela exigência de previsibilidade das consequências da violação da norma penal: como mostra a própria disciplina da prescrição do crime (…) o momento em que se cumpre a prescrição é, na verdade, variável e em boa medida imprevisível antes da prática do facto, quando o agente nem sequer sabe se alguma vez será alvo de um procedimento criminal(cfr. “Lockdown da justiça penal, suspensão da prescrição do crime e princípio da irretroatividade: um curto-circuito”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Separata, Ano 30, n.º 20, maio-agosto 2020, Gestlegal, pág. 312 e 313)”
(são meus os destaques)
Igualmente chamado a pronunciar-se sobre a mesma questão suscitada pelas Leis Covid-19, o Acórdão TC n. 798/2021, reitera as fundamentações dos acórdãos n.s 500/2021 e 660/2021, e conclui:
“Resultam, assim, afastados os argumentos invocados pelo recorrente, designadamente, no que respeita: (a) à invocada violação da proibição da aplicação retroativa da lei desfavorável ao arguido (que, em matéria de prescrição, não é absoluta), seja na perspetiva geral da proteção da confiança, seja nos precisos termos do artigo 29.º da CRP; e (b) à relevância das razões de emergência sanitária como fundamento do regime de suspensão dos prazos de prescrição e à sua projeção sobre o regular andamento do processo e a realização da justiça contraordenacional.”
(são meus os destaques)
Expostos, ainda que brevemente, os termos da questão, entendo que, em matéria de prazo de prescrição, a retroatividade, mais propriamente, a "retroatividade inautêntica" ou "retrospetividade” deve ser aferida pelo terminus do prazo e não pelo tempus deliti.
No que respeita à aplicação da lei nova e consequente alteração do prazo de suspensão da prescrição, não ocorre violação do princípio da legalidade. No caso, a conformidade constitucional deve ser aferida, designadamente, pelos princípios da tutela da confiança e do direito à decisão em prazo razoável.
Na data da entrada em vigor do novo prazo de suspensão da prescrição, os respetivos prazos de suspensão da prescrição já se tinham iniciado e, apesar dese encontrarem em curso, tais prazos não se haviam ainda exaurido, nem se estava perto de tal suceder.
A causa de suspensão prevista em ambas as leis j á se tinha verificado e a suspensão decorria sem que o prazo limite da lei velha estivesse verificado.
É um facto que a lei nova não veio criar nenhuma outra causa de suspensão da prescrição do procedimento que já não estivesse prevista em Lei anterior.
O art.º 74.º da Lei 19/2004, na versão original, estabelecia que:
4 - A prescrição do procedimento por contraordenação suspende-se:
a) Pelo período de tempo em que a decisão da Autoridade da Concorrência for objeto de recurso judicial;
(…)
7 - A suspensão da prescrição do procedimento não pode ultrapassar três anos.
Atualmente, tendo sido revogado o anterior n. 4, a redação da norma, no que importa, é a seguinte:
9 - A prescrição do procedimento por infração suspende-se pelo período de tempo em que a decisão da AdC for objeto de recurso judicial, incluindo recurso interlocutório ou recurso para o Tribunal Constitucional, sem qualquer limitação temporal.
É, pois, fácil de constatar, e pacífico, que a causa de suspensão da prescrição aqui em causa já se encontrava prevista na Lei 19/2004 (2012).
O que se alterou, e com significado, foi o prazo, o qual passou a deixar de estar sujeito a qualquer limitação temporal.
Esta particularidade faz, assim entendo, toda a diferença, como já referi.
Estando a causa de suspensão da prescrição prevista em lei prévia, em ambas as leis, a sua conformidade ou desconformidade constitucional já não deverá ser aferida pelo princípio da legalidade, mas sim, no caso, pelo princípio da tutela da confiança ou do direito à decisão em prazo razoável. E, como adiante tentaremos demonstrar, não se mostram violados. Sendo que a jurisprudência do TEDH e do TJUE expressamente exigem que a conformidade com esses princípios deve ser “apreciado caso a caso em função das circunstâncias da causa” e “em função das circunstâncias próprias de cada processo, designadamente da importância do litígio para o interessado, da complexidade do processo e do comportamento das partes em presença” (cf. TJUE Acórdão C-334/12 (ECLI:EU:C:2013:134) e restante jurisprudência nele citada). A jurisprudência do TEDH indica o mesmo sentido o (cf. o acórdão no caso Ferreira da Silva e Brito e outros c. Portugal, de 22.05.2012, queixa n.º 46273/09).
Ao que sabemos, o Tribunal Constitucional ainda não se pronunciou sobre uma questão de mera alteração de prazo de prescrição, por efeito do aumento do prazo de uma causa de suspensão, mas não ignoramos o Acórdão TC 508/2023, em sentido aparentemente diferente daquele que acabámos de expor, ou a Declaração de Voto do Cons. Gonçalo de Almeida Ribeiro, no Acórdão 500/2021 (“Concordo ainda que a matéria da prescrição em toda a sua extensão – a fixação do prazo de prescrição do procedimento e a previsão de causas interruptivas ou suspensivas do mesmo – se encontra, em princípio, abrangida pela proibição da retroatividade penal in pejus.)”.
As normas que regulam a prescrição do procedimento contraordenacional (ou criminal) visam oferecer “garantias de certeza, segurança e paz social no que concerne à efetivação do poder punitivo do Estado em tempo útil e sem inércia injustificada” (Acórdão TC n.º 366/2018).
Ora, no caso, e como já vimos, não ocorreu qualquer inércia do Estado, inexistiu arbitrariedade (Acórdão do TC n.º 449/2002), existia lei prévia da causa de suspensão e a alteração do prazo de suspensão da prescrição ocorreu quando este ainda não estava esgotado.
Acresce, relevantemente, que as razões que justificam o instituto da prescrição no domínio penal não valem por inteiro no domínio contraordenacional:
“independentemente da adesão que mereça este entendimento, é seguro que ele não é transponível para o presente caso, desde logo porque então estava em causa matéria criminal e o prazo de prescrição do procedimento criminal e agora trata-se de matéria contraordenacional” (cf Acórdão TC n.º 629/2005).
Era razoável as aqui recorrentes contarem com a inexistência de limite temporal da suspensão da prescrição a partir do momento em que a decisão da AdC fosse objeto de impugnação judicial por sua iniciativa.
E não existe direito subjetivo à prescrição, como reiteradamente o tem afirmado o Tribunal Constitucional (entre muitos, os Acórdãos n.º 483/2002, n.º 629/2005, n.º 366/2018, e n.º 492/2021.).
Em conclusão, a alteração do prazo de suspensão da prescrição, nas leis em apreciação, não viola o princípio da legalidade, mesmo na orientação generosa que acima sinteticamente indiquei e a maioria da doutrina e jurisprudência perfilham.
C. Como referi, o julgador deve optar pela interpretação que melhor se compatibilize com o direito da União Europeia, salvaguardada a sua conformação constitucional.
Tentei demonstrar a conformidade constitucional da minha interpretação da lei em vigor aos factos objeto de apreciação neste processo e quanto ao prazo de suspensão da prescrição aplicável.
Admito, como referido, que a questão é complexa e que a maioria da doutrina e da jurisprudência constitucional nacionais parecem apontar noutra direção.
Como reforço desta minha interpretação e para tentar ultrapassar algumas dificuldades constitucionais que ainda subsistam, já que é evidente que a lei que considero atualmente em vigor resulta desfavorável às recorrentes, por ampliação do prazo de prescrição em curso, importa trazer à colação a matéria concretamente em apreciação neste processo.
Está em causa a violação de regras do regime jurídico da concorrência.
A norma em apreciação (o art.º 74.º, n.º 9) é uma norma imposta pelo direito da União.
A Lei n.º 17/2022, de 17 de Agosto, que aprovou o novo regime jurídico da concorrência, expressamente indica que:
“Transpõe a Diretiva (UE) 2019/1 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018, que visa atribuir às autoridades da concorrência dos Estados-Membros competência para aplicarem a lei de forma mais eficaz e garantir o bom funcionamento do mercado interno, alterando o regime jurídico da concorrência, aprovado pela Lei n.º 19/2012, de 8 de maio, e os estatutos da Autoridade da Concorrência”.
A Diretiva (UE) 2019/1 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018 (conhecida como ‘Diretiva ECN+’), foi publicada em 14.1.2019, com entrada em vigor 20 dias depois (art.º 36.º).
Foi concedido prazo até 4 de fevereiro de 2021 para os Estados porem “em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente diretiva” (art.º 34.º, n. 1).
A Lei 17/2022 (que procedeu à transposição da Diretiva), é como vimos, de 17 de Agosto de 2022, com entrada em vigor 30 dias após a sua publicação. Ou seja, o Estado português incumpriu o prazo de transposição em mais de 1 ano e 7 meses. Embora parte desse período tenha sido abrangido pela pandemia Covid-19.
O art.º 29.º da Diretiva (Regras relativas aos prazos de prescrição da aplicação de coimas e de sanções pecuniárias compulsórias) estabelecia que:
1.Os Estados-Membros asseguram que os prazos de prescrição da aplicação pelas autoridades nacionais da concorrência de coimas ou de sanções pecuniárias compulsórias nos termos dos artigos 13.º e 16.º se suspendem ou interrompem na pendência dos processos de aplicação perante as autoridades nacionais da concorrência de outros Estados-Membros ou da Comissão, relativamente a uma infração referente ao mesmo acordo, decisão de uma associação, prática concertada ou outra conduta proibida pelos artigos 101.º ou 102.º do TFUE.
A suspensão do prazo de prescrição começa a contar, ou a interrupção do prazo de prescrição tem lugar, a partir da data de notificação da primeira medida de investigação formal a pelo menos uma das empresas objeto do processo de aplicação. É aplicável a todas as empresas ou associações de empresas que tenham participado na infração.
A suspensão ou a interrupção cessam na data em que a autoridade da concorrência competente encerrar o processo pela adoção de uma decisão nos termos dos artigos 10.º, 12.º ou 13.º da presente diretiva, ou nos termos dos artigos 7.º, 9.º ou 10.º do Regulamento (CE) n.º 1/2003, ou se tiver concluído que não existem motivos para uma nova intervenção da sua parte. A duração dessa suspensão ou interrupção não prejudica os prazos de prescrição gerais previstos no direito nacional.
2.Os prazos de prescrição para a aplicação de coimas ou de sanções pecuniárias compulsórias por parte de uma autoridade nacional de concorrência são suspensos ou interrompidos enquanto a decisão dessa autoridade nacional da concorrência for objeto de recurso pendente perante um tribunal de recurso.
3. (…)”
(são meus os destaques)
O considerando (70) expressamente indica a matéria dos prazos de prescrição como um obstáculo à aplicação eficaz das regras da concorrência:
“(70) Para assegurar a aplicação eficaz pelas ANC dos artigos 101.º e 102.º do TFUE, é necessário prever regras viáveis em matéria de prazos de prescrição. Em especial, num sistema de competência paralela, deverão ser suspensos ou interrompidos os prazos nacionais de prescrição durante a pendência do processo perante as ANC de um outro Estado-Membro ou da Comissão. Tal suspensão ou interrupção não deverá impedir que os Estados-Membros mantenham ou prevejam prazos de prescrição absoluta, desde que a duração de tais prazos não torne praticamente impossível ou excessivamente difícil a aplicação eficaz dos artigos 101.º e 102.º do TFUE”.
(são meus os destaques)
O considerando (1) demonstra a particular importância dos artigos 101.º e 102.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia:
“Os artigos 101.º e 102.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) relevam da ordem pública e deverão ser aplicados de forma eficaz em toda a União para assegurar que a concorrência não seja falseada no mercado interno. É necessária uma aplicação eficaz dos artigos 101.º e 102.º do TFUE para garantir mercados concorrenciais mais abertos e mais justos na União, nos quais as empresas concorram mais em função dos seus próprios méritos e não criem obstáculos à entrada no mercado, de modo a permitir-lhes criar riqueza e empregos. Desta forma, protegem-se os consumidores e as empresas que exercem atividades no mercado interno de práticas comerciais que mantêm os preços de produtos e serviços artificialmente elevados e aumenta as suas possibilidades de escolha de produtos e serviços inovadores.”
(são meus os destaques)
“7.11. Tornar completamente operacionais os tribunais especializados em matéria de concorrência e de Direitos de Propriedade Intelectual. [T1‐2012]
(…)
Concorrência, contratos públicos e ambiente empresarial
Objectivos
Assegurar condições concorrenciais equitativas e minimizar comportamentos abusivos de procura de rendimentos (rent-seeking behaviours), reforçando a concorrência e os reguladores sectoriais (…).
7.20. Adoptar medidas para melhorar a celeridade e a eficácia da aplicação das regras da concorrência. Em particular:
v.Estabelecer um tribunal especializado no contexto das reformas do sistema judicial; [T1-2012]
vi.Propor uma revisão da Lei da Concorrência, tornando-a o mais autónoma possível do Direito Administrativo e do Código do Processo Penal e mais harmonizada com o enquadramento legal da concorrência da UE, em particular: [T4-2011]
Simplificar a lei, separando claramente as regras sobre a aplicação de procedimentos de concorrência das regras de procedimentos penais, no sentido de assegurar a aplicação efectiva da Lei da Concorrência;
Racionalizar as condições que determinam a abertura de investigações, permitindo à Autoridade da Concorrência efectuar uma avaliação sobre a importância das reclamações;
Estabelecer os procedimentos necessários para um maior alinhamento entre a lei portuguesa relativa ao controlo de fusões e o regulamento da UE sobre fusões, nomeadamente no que diz respeito aos critérios para tornar obrigatória a notificação ex ante de uma operação de concentração;
Garantir mais clareza e segurança jurídica na aplicação do Código do Processo Administrativo ao controlo de fusões; Avaliar o processo de recurso e ajustá-lo onde necessário para aumentar a equidade e a eficiência em termos das regras vigentes e da adequação dos procedimentos.
vii.Assegurar que a Autoridade de Concorrência dispõe de meios financeiros suficientes e estáveis para garantir o seu funcionamento eficaz e sustentável; [T4-2011]
7.21. Garantir que as Autoridades Reguladoras Nacionais (ARN) têm a independência e os recursos necessários para exercer as suas responsabilidades. [T1-2012] Nesse sentido:
i. (…); [T4-2011]
ii. (…). [T4-2011]
(são meus os sublinhados)
Como a legislação posterior e a experiência demonstram, muito ficou por cumprir. Não pode deixar de se referir, contudo, que no regime jurídico da concorrência os recorrentes deixaram de ser designados de “arguidos”, ao contrário do que sucede no RGCO e na generalidade dos regimes especiais.
Esta simples alteração, não meramente simbólica, deve, ainda, servir-nos de indicador de que não estamos perante matéria verdadeiramente penal, nem os visados devem estar sujeitos às conotações negativas que a designação “arguido” indiscutivelmente contém.
Impõe-se, ainda, chamar à colação o que, na sequência do que expus, consta do art.º 2.º (Âmbito de aplicação), da Lei n.º 19/2012, de 8 de maio, em vigor:
1 – (…).
2 – (…).
3 - A presente lei é interpretada de modo conforme ao direito da União Europeia, à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, incluindo no que diz respeito às práticas restritivas da concorrência que não sejam suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados-Membros.
4 - Na ausência de legislação aplicável de direito da União Europeia, a aplicação da presente lei não pode tornar praticamente impossível ou excessivamente difícil a eficácia e uniformidade do direito da concorrência da União Europeia.
5 - No âmbito dos artigos 101.º e 102.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), a aplicação da presente lei deve respeitar os princípios gerais do direito da União Europeia e a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.”
(são meus os destaques)
A diferente natureza do direito penal e do direito das contraordenações, exemplarmente exposta no Acórdão n. 336/2008 (reafirmada, p. ex., no Acórdão 252/2016), levou o Tribunal Constitucional a ditar a importante advertência de que “Estas diferenças não são nada despiciendas e deverão obstar a qualquer tentação de exportação imponderada dos princípios constitucionais penais em matéria de penas criminais para a área do ilícito de mera ordenação social”.
Impondo-se reafirmar, em sede interpretativa, a intenção manifestada pelo Estado português de separar “claramente as regras sobre a aplicação de procedimentos de concorrência das regras de procedimentos penais, no sentido de assegurar a aplicação efectiva da Lei da Concorrência”.
A “aplicação efectiva da Lei da Concorrência” relaciona-se diretamente com o princípio da eficácia, ou da efetividade, do direito da União.
Determina este importante princípio que as regras nacionais não podem tornar impossível ou excessivamente difícil a efetivação de um direito decorrente da ordem jurídica europeia.
Esta necessidade de aplicação efetiva da Lei da Concorrênciatambém resulta expresso da Diretiva ECN+ (cf. considerando 1, acima reproduzido).
Impõe-se, portanto, uma interpretação das leis nacionais que não torne impossível ou excessivamente difícil a efetivação das regras do regime jurídico da concorrência.
Havendo, neste caso, que chamar à colação o Acórdão TARICCO, e muitos outros na mesma linha: Acórdão de 9 de Março de 1978, Simmenthal (106/77, EU:C:1978:49), e Acórdão de 5 de Dezembro de 2017, M.A.S. e M.B. (C-42/17, EU:C:2017:936), para além do fundador Acórdão do Tribunal de Justiça, de 15 de Julho de 1964, Costa 6/64 (EU:C:1964:66).
No acórdão TARICCO (C-105/14, EU:C:2015:555) estava em causa um reenvio prejudicial pelo Tribunale di Cuneo (Itália) porque uma lei posterior havia encurtado os prazos de prescrição para determinados crimes em matéria de IVA. Temendo que tal alteração legislativa levasse à impunidade num número considerável de casos, os juízes italianos, que estavam a julgar um conjunto de arguidos acusados de terem formado e organizado uma associação com o fim de cometer diversos crimes e de cometer uma fraude em sede de IVA no montante de vários milhões de euros, poderem beneficiar de uma impunidade de facto, devido à expiração do prazo de prescrição, submeteram ao TJUE as seguintes questões prejudiciais:
“1) [O artigo 160.º, último parágrafo, do Código Penal,] na parte em que, no caso de interrupção do prazo de prescrição, prevê apenas que este seja acrescido de um quarto da sua duração [inicial], permitindo assim a prescrição dos crimes e consequentemente a sua impunidade, não obstante o exercício tempestivo da ação penal[,] é contrári[o] à norma que tutela a concorrência prevista no artigo [101.º] TFUE?
2) [O artigo 160.º, último parágrafo, do Código Penal,] na parte em que, no caso de interrupção do prazo de prescrição, prevê apenas que este seja acrescido de um quarto da sua duração [inicial], privando assim de consequências penais os crimes cometidos por operadores económicos sem escrúpulos[,] traduz-se numa forma de auxílio de Estado concedido pel[a] [República Italiana], proibido pelo artigo 107. o TFUE?
3) [O artigo 160.º, último parágrafo, do Código Penal,] na parte em que, no caso de interrupção do prazo de prescrição, prevê apenas que este seja acrescido de um quarto da sua duração [inicial], criando assim uma possibilidade de impunidade para quem instrumentaliza a Diretiva 2006/112, traduz-se na criação indevida[,] pel[a] [República Italiana,] de uma isenção adicional relativamente às que estão [taxativamente] previstas no artigo 158.º da referida diretiva?
4) [O artigo 160.º, último parágrafo, do Código Penal,] na parte em que, no caso de interrupção do prazo de prescrição, prevê apenas que este seja acrescido de um quarto da sua duração [inicial], e a consequente renúncia à punição dos comportamentos que privam o Estado dos recursos necessários, incluindo para fazer face às suas obrigações para com a União Europeia, viola o princípio das finanças públicas sólidas consagrado no artigo 119.º TFUE?”
Considerou-se, neste importante Acórdão:
“Quanto às consequências de uma eventual incompatibilidade das disposições nacionais em causa com o direito da União e ao papel do juiz nacional
49 Caso o órgão jurisdicional nacional chegue à conclusão de que as disposições nacionais em causa não satisfazem a exigência do direito da União quanto ao caráter efetivo e dissuasor das medidas de luta contra a fraude ao IVA, incumbir-lhe-á garantir a plena eficácia do direito da União, não aplicando, se necessário, as referidas disposições e neutralizando assim a consequência assinalada no n.º 46 do presente acórdão, sem que tenha de pedir ou esperar pela sua revogação prévia por via legislativa ou por qualquer outro procedimento constitucional (v., neste sentido, acórdãos Berlusconi e o., C-387/02, C-391/02 e C-403/02, EU:C:2005:270, n. o 72 e jurisprudência referida, e Kücükdeveci, C-555/07, EU:C:2010:21, n. o 51 e jurisprudência referida).
50 A este respeito, importa sublinhar que a obrigação dos Estados-Membros de combater as atividades ilícitas lesivas dos interesses financeiros da União através de medidas dissuasoras e efetivas, bem como a sua obrigação de adotar as mesmas medidas que adotarem para combater as fraudes lesivas dos seus próprios interesses financeiros, são obrigações impostas, designadamente, pelo direito primário da União, a saber, o artigo 325.º, n.ºs 1 e 2, TFUE.
(..)
57 A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativa ao artigo 7. o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950, que consagra os direitos correspondentes aos garantidos pelo artigo 49.º da Carta, corrobora esta conclusão. Com efeito, segundo essa jurisprudência, a prorrogação do prazo de prescrição e a sua aplicação imediata não implicam uma violação dos direitos garantidos pelo artigo 7. o da referida Convenção, uma vez que esta disposição não pode ser interpretada no sentido de que impede uma prorrogação dos prazos de prescrição quando os factos imputados não estão prescritos [v., neste sentido, TEDH, Coëme e o. c. Bélgica, n. os 32492/96, 32547/96, 32548/96, 33209/96 e 33210/96, § 149, CEDH 2000-VII; Scoppola c. Itália (n. o 2), n. o 10249/03, § 110 e jurisprudência referida, 17 de setembro de 2009; e OAO Neftyanaya Kompaniya Yukos c. Rússia, n. o 14902/04, §§ 563, 564, 570 e jurisprudência referida, 20 de setembro de 2011].
(são meus os destaques)
Perante todas as considerações, decidiu o TJUE:
“1) Um regime nacional de prescrição de infrações penais, como o estabelecido pelo artigo 160.º , último parágrafo, do Código Penal, conforme alterado pela Lei n.º 251, de 5 de dezembro de 2005, lido em conjugação com o artigo 161.º do referido código, que previa, à data dos factos do processo principal, que o ato que determina a interrupção da prescrição no quadro de procedimentos penais relativos a fraudes graves em matéria de imposto sobre o valor acrescentado tem o efeito de prorrogar o prazo de prescrição em apenas um quarto da sua duração inicial, é suscetível de violar as obrigações impostas aos Estados-Membros por força do artigo 325.º , n.os 1 e 2, TFUE, caso esse regime nacional impeça a aplicação de sanções efetivas e dissuasoras num número considerável dos casos de fraude grave lesiva dos interesses financeiros da União Europeia ou preveja prazos de prescrição mais longos para os casos de fraude lesiva dos interesses financeiros do Estado-Membro em causa do que para os casos de fraude lesiva dos interesses financeiros da União Europeia, o que incumbe ao órgão jurisdicional nacional verificar. Incumbe ao órgão jurisdicional nacional dar pleno efeito ao artigo 325.º, n.ºs 1 e 2, TFUE, não aplicando, se necessário, as disposições de direito nacional que têm o efeito de impedir que o Estado-Membro em causa respeite as obrigações que lhe são impostas pelo artigo 325.º, n. os 1 e 2, TFUE.
A jurisprudência do TJUE no Acórdão TARICCO é aplicável a todos os casos em que normas nacionais em matéria de prescrição impeçam a aplicação de sanções efetivas e dissuasoras num número considerável dos casos. Como considero que é o caso, na interpretação que fez vencimento.
Posteriormente o TJUE, embora reiterando o entendimento de que os órgãos jurisdicionais nacionais devem abster-se, por norma, de aplicar disposições nacionais em matéria de prescrição que coloquem em causa a aplicação efetiva de sanções penais dissuasoras num número considerável de casos, veio esclarecer que esta obrigação deve ceder na hipótese de o afastamento do direito nacional implicar a violação dos direitos fundamentais das pessoas acusadas de terem cometido uma infração penal, em particular, os decorrentes do princípio da legalidade dos crimes e das penas.
O recente Acórdão TJUE de 21.1.2021, (C-308/19 - ECLI:EU:C:2021:47) volta a apreciar o tema relativamente à matéria de prescrição, reiterando o que resultava da jurisprudência anterior do TJUE e agora precisamente no âmbito da concorrência:
“43 Antes de mais, saliente-se que nem as disposições do Tratado FUE em matéria de concorrência nem, como decorre da resposta à primeira questão prejudicial, as do Regulamento n.º 1/2003 estabelecem regras sobre prescrição em matéria de aplicação de sanções pelas autoridades nacionais de concorrência, seja nos termos do direito da União ou do seu direito nacional.
44 De resto, o artigo 35.º, n.º 1, do Regulamento n.º 1/2003 precisa expressamente que incumbe a cada Estado-Membro tomar as medidas necessárias para dotar as autoridades nacionais de concorrência do poder de aplicação dos artigos 101.º e 102.º TFUE.
45 Assim, na falta de uma regulamentação vinculativa do direito da União nesta matéria, cabe aos Estados-Membros estabelecer e aplicar regras nacionais de prescrição em matéria de aplicação de sanções pelas autoridades nacionais de concorrência, incluindo as modalidades de suspensão e/ou de interrupção (v., por analogia, Acórdão de 14 de junho de 2011, Pfleiderer, C-360/09, EU:C:2011:389, n.º 23)
46 No entanto, conforme sublinhou o advogado-geral no n.º 49 das suas conclusões, embora o estabelecimento e a aplicação destas regras sejam abrangidos pela competência dos Estados-Membros, estes devem exercer essa competência no respeito do direito da União e, em especial, do princípio da efetividade. Assim, não podem tornar, na prática, impossível ou excessivamente difícil a aplicação do direito da União e, especificamente, no domínio do direito da concorrência, devem zelar por que as regras que estabeleçam ou apliquem não prejudiquem a aplicação efetiva dos artigos 101.º e 102.º TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 14 de junho de 2011, Pfleiderer, C-360/09, EU:C:2011:389, n.º 24). Com efeito, as autoridades designadas em conformidade com o artigo 35.º, n.º 1, do Regulamento n.º 1/2003 devem assegurar a aplicação efetiva dos referidos artigos, no interesse geral (Acórdão de 7 de dezembro de 2010, VEBIC, C-439/08, EU:C:2010:739, n.º 56).
47 Por outro lado, importa realçar que, por força do artigo 4.º, n.º 3, TUE, os Estados-Membros são obrigados a não prejudicar, por intermédio da sua legislação, a aplicação plena e uniforme do direito da União e a não tomar ou manter em vigor medidas suscetíveis de eliminar o efeito útil das regras de concorrência aplicáveis às empresas (v., neste sentido, Acórdão de 19 de março de 1992, Batista Morais, C-60/91, EU:C:1992:140, n.º 11 e jurisprudência referida).
48 Não obstante, a fixação de prazos de prescrição razoáveis em matéria de aplicação de sanções pelas autoridades nacionais de concorrência, no interesse da segurança jurídica, que protege as empresas em causa e essas autoridades, é compatível com o direito da União. Com efeito, esses prazos não são suscetíveis de, na prática, impossibilitarem ou dificultarem excessivamente a aplicação do direito da União (v., por analogia, Acórdão de 17 de novembro de 2016, Stadt Wiener Neustadt, C-348/15, EU:C:2016:882, n.º 41).
49 Assim, as regras nacionais que fixam os prazos de prescrição devem ser concebidas de modo a estabelecerem um equilíbrio entre, por um lado, os objetivos de garantir a segurança jurídica e de assegurar a tramitação dos processos num prazo razoável enquanto princípios gerais do direito da União e, por outro, a aplicação efetiva e eficaz dos artigos 101.º e 102.º TFUE, a fim de respeitar o interesse público de evitar que o funcionamento do mercado interno seja distorcido por acordos ou práticas anticoncorrenciais.
50 Para determinar se um regime nacional de prescrição estabelece tal equilíbrio, há que considerar todos os elementos desse regime (v., por analogia, Acórdão de 28 de março de 2019, Cogeco Communications, C-637/17, EU:C:2019:263, n.º 45), entre os quais podem figurar, nomeadamente, a data a partir da qual o prazo de prescrição começa a correr, a duração desse prazo, bem como as modalidades de suspensão ou de interrupção deste.
51 É igualmente importante ter em conta as especificidades dos processos abrangidos pelo direito da concorrência e, mais especificamente, a circunstância de esses processos necessitarem, em princípio, da realização de uma análise factual e económica complexa (v., por analogia, Acórdão de 28 de março de 2019, Cogeco Communications, C-637/17, EU:C:2019:263, n.º 46).
52 Consequentemente, uma legislação nacional que fixa a data a partir da qual o prazo de prescrição começa a correr, a duração e as regras de suspensão ou de interrupção deste deve ser adaptada às especificidades do direito da concorrência e aos objetivos da execução das regras desse direito pelas pessoas envolvidas, a fim de não prejudicar a plena efetividade das regras do direito da concorrência da União (v., por analogia, Acórdão de 28 de março de 2019, Cogeco Communications, C-637/17, EU:C:2019:263, n.º 47).
53 Ora, um regime nacional de prescrição que, por razões que lhe são inerentes, obsta de modo sistemático a aplicação de sanções efetivas e dissuasivas por infrações ao direito da concorrência da União é suscetível de tornar, na prática, a aplicação das regras desse direito impossível ou excessivamente difícil (v., por analogia, Acórdão de 17 de janeiro de 2019, Dzivev e o., C-310/16, EU:C:2019:30, n.º 31 e jurisprudência referida).
(…)
57 Incumbe ao órgão jurisdicional nacional, à luz do princípio da efetividade, verificar se a interpretação do regime nacional de prescrição em causa no processo principal, referida no n.º 55 do presente acórdão, apresenta, tendo em conta todos os elementos do regime nacional de prescrição em causa no processo principal, um risco sistémico de impunidade dos factos constitutivos dessas infrações.
58 Se se verificasse ser esse o caso, incumbiria, em princípio, ao órgão jurisdicional de reenvio, sem esperar que a regulamentação nacional em causa seja alterada por via legislativa ou por qualquer outro procedimento constitucional, conferir pleno efeito às obrigações referidas no n.º 47 do presente acórdão através da interpretação desta regulamentação, tanto quanto possível, à luz do direito da União e, em particular, das regras do direito da União em matéria de concorrência, conforme interpretadas pelo Tribunal de Justiça, nomeadamente no n.º 56 do presente acórdão, ou afastando, se necessário, a aplicação da referida regulamentação (v., por analogia, Acórdão de 5 de junho de 2018, Kolev e o., C-612/15, EU:C:2018:392, n.º 66 e jurisprudência referida).
(…)
60 Nestas condições, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio, tomando em consideração todo o direito interno e aplicando os métodos de interpretação por este reconhecidos, interpretar as disposições nacionais em causa no processo principal, na medida do possível, à luz do direito da União e, mais especialmente, da letra e da finalidade do artigo 101.º TFUE (v., neste sentido, acórdãos de 11 de janeiro de 2007, ITC, EU:C:2007:16, n.º 68, e de 13 de julho de 2016, Pöpperl, C-187/15, EU:C:2016:550, n.º 43).
61 Ora, o princípio da interpretação interna do direito interno, por força do qual o órgão jurisdicional nacional deve dar ao direito interno, na medida do possível, uma interpretação conforme com as exigências do direito da União, é inerente ao sistema dos Tratados, na medida em que permite ao órgão jurisdicional nacional assegurar, no âmbito das suas competências, a plena eficácia do direito da União quando decide do litígio que lhe é submetido [Acórdão de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal), C-585/18, C-624/18 e C-625/18, EU:C:2019:982, n.º 159].
62 Neste contexto, o princípio da interpretação conforme do direito nacional está sujeito a certos limites. Assim, a obrigação de o juiz nacional ter de se reportar ao conteúdo do direito da União quando interpreta e aplica as regras pertinentes do direito interno é limitada pelos princípios gerais do direito, incluindo pelo princípio da segurança jurídica, e não pode servir de fundamento a uma interpretação contra legem do direito nacional (v., neste sentido, Acórdão de 13 de julho de 2016, Pöpperl, C-187/15, EU:C:2016:550, n.º 44 e jurisprudência referida).”
(são meus os destaques)
No caso, não estão em causa direitos fundamentais, infrações penais, nem, como já referi, entendo que esteja em causa o princípio da legalidade. Pelo que, segundo entendo, a interpretação que proponho não viola os limites referidos no n.º 62 do Acórdão citado.
O recente Acórdão do TJUE de 30.01.2025 (proferido no processo C 511/23, ECLI:EU:C:2025:42) reafirma esta jurisprudência:
65. Embora os prazos processuais razoáveis visem assim, nomeadamente, garantir o exercício efetivo dos direitos de defesa das empresas que são objeto de um processo de infração, não é menos verdade que uma regulamentação nacional que estabelece prazos processuais em matéria de aplicação de sanções pelas autoridades nacionais da concorrência deve ser adaptada às especificidades do direito da concorrência da União e aos objetivos da execução desse direito pelas pessoas envolvidas, a fim de não prejudicar a sua plena eficácia (v., neste sentido, Acórdão de 21 de janeiro de 2021, Whiteland Import Export, C 308/19, EU:C:2021:47, n.º 52).
(…)
78. Na medida em que, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a aplicação do prazo em causa no processo principal resulta de uma determinada interpretação do direito nacional por um órgão jurisdicional superior, importa ainda acrescentar que, para garantir a efetividade de todas as disposições do direito da União, o princípio do primado impõe aos órgãos jurisdicionais nacionais que interpretem, tanto quanto possível, o seu direito interno em conformidade com o direito da União [Acórdãos de 6 de outubro de 2021, Sumal, C 882/19, EU:C:2021:800, n.º 70 e jurisprudência referida, e de 12 de outubro de 2023, Z. (Direito a uma cópia do contrato de crédito), C 326/22, EU:C:2023:775, n.º 34 e jurisprudência referida].
79. Ao aplicar o direito nacional, esses órgãos jurisdicionais são obrigados a interpretá lo, na medida do possível, à luz da letra e da finalidade das disposições pertinentes do direito da União, tomando em consideração todo o direito interno e aplicando os métodos de interpretação por este reconhecidos, a fim de garantir a plena eficácia das referidas disposições e alcançar uma solução conforme com a finalidade por elas prosseguida [v., neste sentido, Acórdãos de 6 de outubro de 2021, Sumal, C 882/19, EU:C:2021:800, n.º 71 e jurisprudência referida, e de 22 de setembro de 2022, Vicente (Ação para pagamento de honorários de advogado), C 335/21, EU:C:2022:720, n.º 72 e jurisprudência referida].” (são meus os destaques)
Ao contrário da posição que fez vencimento, entendo que a não aplicação imediata do novo prazo de suspensão do prazo de prescrição aos prazos ainda em curso, decorrentes de uma causa de suspensão já preexistente e já verificada não afasta o “risco sistémico de impunidade dos factos constitutivos” das infrações ao direito da concorrência, risco esse que entendo existente.
A suspensão do prazo de prescrição pelo período máximo de 3 anos “em que a decisão da Autoridade da Concorrência for objeto de recurso judicial”, previsto na Lei da Concorrência (2012) – art.º 74., n. 4, al. a) e n. 7), não pode considerar-se um prazo razoável.
Apesar da reconhecida complexidade destes processos, como expressamente admitida no Acórdão do TJUE C-308/19, citado, e que aponta, em linha com jurisprudência anterior, “a circunstância de esses processos necessitarem, em princípio, da realização de uma análise factual e económica complexa”, o legislador estabeleceu um prazo máximo de 3 anos para a suspensão do prazo de suspensão resultante da impugnação judicial.
Tal prazo não é razoável por inúmeras circunstâncias a acrescer à da já referida complexidade.
Sem preocupações de exaustão aponto as seguintes:
i. a apreciação judicial das impugnações é de jurisdição plena (cf. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, uniformizador de jurisprudência, n. 3/2019, de 23 maio de 2019);
ii. a impugnação judicial apenas cessa com a última decisão judicial (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, uniformizador de jurisprudência, n.º 4/2011, de 13 de Janeiro de 2011);
iii. tal prazo máximo de 3 anos é manifestamente inferior ao constante, por exemplo, no art.º 418.º, ns. 2 e 3, do CMVM, na redação conferida pela Lei n.º 28/2017, de 30 de Maio, para procedimentos contraordenacionais que podem apresentar semelhante complexidade;
iv. a necessidade reconhecida pela Diretiva ECN+ referida de obrigar os Estados a alterar tais prazos de suspensão da prescrição e que levou o legislador português a prever a suspensão sem limite temporal, é o reconhecimento, para mim evidente, da ausência de razoabilidade do prazo de 3 anos inicialmente previsto.
É certo que ainda não temos evidência de que tal prazo máximo de 3 anos “obsta de modo sistemático a aplicação de sanções efetivas e dissuasivas por infrações ao direito da concorrência da União”.
Contudo, como resulta da referida jurisprudência do TJUE, o que importa é que se entenda verificado o “risco sistémico de impunidade”.
Embora esta avaliação comporte alguma subjetividade, a experiência nesta secção do tribunal da Relação de Lisboa, leva-me a concluir que esse risco é real e que a litigância manifestada em tais impugnações judiciais (tal como no presente processo) atinge proporções desmesuradas, irrazoáveis. São interpostos todos os recursos interlocutórios permitidos, são suscitadas todas as nulidades, irregularidades, ilegalidades, reclamações e inconstitucionalidades imagináveis e percorridas todas as instâncias de recurso até ao Tribunal Constitucional. Sem que, na esmagadora maioria dos casos, como as estatísticas indicam, se obtenha vencimento de causa, com exceção da prescrição, pelo mero decurso do tempo.
Os presentes autos dão-nos conta dessa litigância gigantesca. E não deixa de ser curioso aquilo que a sentença em recurso aponta:
“O recurso excessivo e ficcionando a pretensas questões prévias contribui para a complexificação dos autos, dificulta a inteligibilidade da sentença e, pelo menos, em teoria, é suscetível de colocar o Tribunal numa situação de omissão de pronúncia, mesmo que, na verdade, a sua apreciação não seja devida por não se tratarem de questões prévias e por estarem, mais à frente, a final, e a propósito da fundamentação de facto e de direito, devidamente apreciadas e decididas.
Não pode deixar de se sinalizar que as Recorrentes convocam, amiúde, a Jurisprudência do TJUE e a prática decisória da Comissão Europeia - fóruns onde, por certo, pleitam com distinta capacidade de síntese e de delimitação do objecto normativo pertinente, pois que os doutos arestos convocados e a que alegam que este Tribunal deve atender, quedam-se por 10 a 20 páginas - e, pelo contrário, nesta sede nacional, algumas dos Recorrentes apresentaram recursos com mais 2 tomos, ou seja mais, de 1000 páginas.
Por outro lado, pese embora a mitigada extensão material daquelas doutas decisões prolatadas pelo Tribunal de Justiça, também não se surpreende nos seus argumentários indícios de crítica àquela Jurisprudência, no sentido de que se encontra erigida sobre uma censurável simplicidade no tratamento das questões; nem tão pouco se surpreende a invocação, pelas Recorrentes, da existência de qualquer entrave ou compressão do exercício efetivo do direito de defesa e de tutela jurisdicional por pleitearem, naquela sede, com limitações de páginas impostas pelo Regulamento do Tribunal Europeu.”
Como consta do relatório, apenas para o presente recurso, as recorrentes, a maioria das recorrentes, a recorrida e o Ministério Público apresentaram alegações com centenas de páginas, e centenas de conclusões que ocupam quase 700 páginas. À leitura destas peças processuais acrescem os relatórios técnicos e pareceres.
Em 24.6.2020, a Mma. Juíza de 1ª instância fez constar:
“Embora, presentemente, o Tribunal se tenha limitado a receber os recursos de impugnação judicial apresentados e a fixar o efeito (devolutivo) dos mesmos (fls. 97379, 234.º volume), entraram, legitimamente, em juízo, após aquele despacho, dezenas de requerimentos que completam o 234.º volume e constituem integralmente o volume 235.º”
Tal como consta da nota 212 da sentença, cada tomo (volume) é constituído por 500 folhas.
Durante o julgamento, na 1ª instância já se contabilizava em mais de 240 o número de volumes/tomos apenas dos autos principais. E mais de 100.000 (cem mil) páginas de processado.
O tempo necessário para a simples leitura das impugnações judiciais e das alegações recursivas conta-se em largas semanas de tarefa exclusiva, superando, em muito, a leitura da obra “Em Busca do Tempo Perdido” de Marcel Proust. E, como é evidente, em matérias desta complexidade, não é suficiente a simples leitura, sendo exigido um desmesurado trabalho intelectual de apreensão, comparação e avaliação do que é invocado. A que se segue o estudo das matérias e questões suscitadas.
Por tudo isto, sou levado a concluir que se verifica o “risco sistémico de impunidade”.
Impõe-se, ainda, referir que não proponho a simples não aplicação do prazo máximo de suspensão da prescrição previsto no art.º 74.º, n. 4, al., a) e 7, da Lei 19/2004 (2012) por prever um prazo não razoável de suspensão do prazo de prescrição, como resultaria da jurisprudência do TJUE a que aludi (Acórdão TJUE C-308/19, parágrafo n. 58).
O que proponho é aplicar a lei nova que veio prever um prazo de prescrição razoável e que afasta o risco sistémico de impunidade, acima aludido.
A Diretiva ECN+ não previa expressamente regras vinculativas do direito da União quanto à duração do prazo de suspensão a que se reporta o art.º 29.º, n. 4, e a que se referia o considerando (70). A Diretiva ECN+ apenas impunha a necessidade de “prever regras viáveis em matéria de prazos de prescrição”, ao considerar que “Tal suspensão ou interrupção não deverá impedir que os Estados-Membros mantenham ou prevejam prazos de prescrição absoluta, desde que a duração de tais prazos não torne praticamente impossível ou excessivamente difícil a aplicação eficaz dos artigos 101.º e 102.º do TFUE”.
O Estado português, contudo, atenta a falta de razoabilidade do prazo anteriormente previsto, optou pela solução que veio a consagrar:
“A prescrição do procedimento por infração suspende-se pelo período de tempo em que a decisão da AdC for objeto de recurso judicial, incluindo recurso interlocutório ou recurso para o Tribunal Constitucional, sem qualquer limitação temporal.” (art.º 74.º, n. 9)
Pelo exposto, atendendo às normas e princípios aplicáveis, entendo que apenas a interpretação das normas nacionais de acordo com o direito da União permitirá assegurar a eficácia das normas do regime da concorrência. Sem violação do apontado princípio da legalidade, inerente à proibição da retroatividade de lei penal desfavorável.
Aliás, como vimos, os denominados acórdãos COVID-19 (Acórdãos n.ºs 500/2021, 660/2021, e 798/2021, a que se somam outra jurisprudência entretanto proferida: Acórdão 226/2023 e Decisões Sumárias n.os 177/2023, 225/2023, 226/2023 e 256/2023) demonstram que o Tribunal Constitucional admite que possam ocorrer condições que pela sua “singularidade, escapa totalmente a ambas as rationes com base nas quais é possível justificar o alargamento às normas sobre prescrição das garantias inerentes à proibição da retroatividade”.
Impõe-se realçar que a referida singularidade ocorreu por duas vezes num período inferior a 2 anos.
No caso, atentos os considerandos da Diretiva ECN+, entendo estarmos, também, perante uma dessas situações excecionais, de ordem pública, que reclamam a compressão do princípio da legalidade caso se entenda aplicável.
Como já referimos, o Tribunal Constitucional tem afirmado que não existe direito subjetivo à prescrição.
A aplicação retroativa, de 2º grau, aqui em causa é aplicação "retroativa inautêntica" ou mera "retrospetividade”.
Não se mostram violados outros princípios constitucionais já que a Diretiva ECN+ foi publicada em momento anterior ao das impugnações judiciais da decisão da AdC por parte das recorrentes. Não existe nenhum facto na sentença em recurso, nem alegado, que demonstre que os recorrentes teriam agido de outra forma caso pudessem contar com a aplicação deste novo prazo de suspensão. Ou que algum dos direitos de defesa que, em concreto, pretendessem exercer tivesse sido afetado.
O novo prazo de suspensão da prescrição entrou em vigor quando o prazo em curso ainda não se havia esgotado.
Os princípios constitucionais não têm a mesma intensidade no direito das contraordenações e no direito penal.
Todas estas razões apontam, a meu ver e ressalvado o devido respeito por outra opinião, para a aplicação imediata do novo prazo de suspensão da prescrição.
Os acórdãos proferidos pelo Tribunal Constitucional relacionados com as denominadas leis covid-19 demonstram, sem margem para dúvidas, que os princípios constitucionais têm intensidades diferentes consoante as situações de facto a que se apliquem.
Como já vimos, apesar dos entendimentos referidos quanto à aplicação do princípio da legalidade com a criação de causas de suspensão de prazos de prescrição motivadas pela pandemia, o Tribunal Constitucional acabou por entender “Não julgar inconstitucional o artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, interpretado no sentido de que a causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional aí prevista é aplicável aos processos a correr termos por factos cometidos antes do início da respetiva vigência;”
Contudo, nos casos em que se apreciava a base legal de criminalização ou agravamento das penas de algumas condutas, durante a pandemia Covid-19, o Tribunal Constitucional, igualmente reconhecendo a situação de pandemia e até de calamidade, decidiu julgar inconstitucionais diversas dessas normas (cf. Acórdãos n.s 350/2022, 477/2022; 557/2022, 619/2022).
Assim, ainda que se entenda que está em causa a aplicação de lei penal desfavorável, com violação do princípio da legalidade, sempre existem fortes e excecionais razões para considerar que tal violação não atinge intensidade suficiente para que não seja admitida. Especialmente se considerarmos, como considero, que não existe um direito subjetivo à prescrição.
D. Mas mesmo que assim não se considere, entendo que, ainda assim, o prazo máximo de prescrição (10 anos e 6 meses), ressalvadas as causas de suspensão, ainda não está exaurido, ao contrário do que considera a posição que fez vencimento.
Entendo que não está ainda exaurido o prazo de prescrição porque deve descontar-se o período em que o processo e o prazo de prescrição estiveram suspensos pela formulação do reenvio prejudicial.
Como resulta do processo, e a sentença em recurso descreve tais contornos, a pedido dos recorrentes e porque se entendeu necessário a partir de determinada fase do julgamento, foi formulado pedido de reenvio prejudicial ao TJUE.
Em 28 de Abril de 2022 o tribunal de 1ª instância proferiu o seguinte despacho:
“O pedido de reenvio prejudicial vem impulsionado desde o início da fase judicial pelas Recorrentes.
No entanto, afigura-se que a sua operabilidade estava dependente da prévia discussão da causa em juízo, na medida em que esta possibilitou a estabilização dos factos provados e não provados, sendo este último segmento relevante na medida em que respeita, em larga medida, a efeitos ambivalentes ou pró-concorrenciais pretensamente decorrentes do intercâmbio, mas que não se demonstraram em juízo.
(…)
Tratando-se de um reenvio alusivo a questões prejudiciais determina-se a suspensão da presente instância nos termos constantes no artigo 267.º do TFUE, artigo 7.º, números 2 a 4 do Código de Processo Penal devidamente adaptado e aplicável por remissão do disposto no artigo 41.º do RGCO, com suspensão do prazo prescricional em curso, nos termos constantes no artigo 27.º-A, número 1, alínea a) do RGCO (artigo 74.º, número 4, alínea a) da Lei da Concorrência)”.
Consta dos autos que, depois de terminar a suspensão, as recorrentes BANCO B …, S.A., BANCO D …, S.A., BANCO A …, S.A., BANCO F …, S.A., CAIXA CENTRAL – H …, CRL e L …, S.A., Establecimiento Financiero de Crédito (Sociedad Unipersonal) – Sucursal m Portugal, impugnaram, em recursos interlocutórios, esta decisão, a qual determina “a suspensão da presente instância” e a “suspensão do prazo prescricional em curso”. A, J …, S.A declarou aderir ao recurso apresentado pelo B …, S.A..
Ainda que se considere sem qualquer valor jurídico o despacho judicial que determinou a “suspensão do prazo prescricional em curso”, sempre concordamos com o mesmo por entender que o reenvio prejudicial é causa de suspensão da prescrição, sem o limite temporal previsto no n. 7 da Lei da Concorrência (2012).
A sentença em recurso considerou que essa suspensão decorre do “artigo 27.º-A, número 1, alínea a) do RGCO (artigo 74.º, número 4, alínea a) da Lei da Concorrência)”, aplicável por via da permissão prevista no artigo 13.º da mesma Lei da Concorrência. Ou seja, por entender que se estava perante um dos casos em que o procedimento não podia legalmente continuar por falta de autorização legal”.
Atentas as características do reenvio prejudicial e a jurisprudência reiterada do TJUE quanto à necessidade de inexistirem obstáculos ao reenvio prejudicial por parte dos juízes sempre que se suscitarem dúvidas quanto à interpretação do direito da União, a suspensão da instância bem como a necessária suspensão dos prazos de prescrição que estejam em curso, são consequência evidente e necessária.
Embora tal suspensão não resulte expressamente de nenhuma norma do direito da União quanto aos reenvios, como o dos autos (de interpretação), surge implícita designadamente no art.º 23.º, do Estatuto do TJUE:
“Nos casos previstos no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, a decisão do órgão jurisdicional nacional que suspenda a instância e que suscite a questão perante o Tribunal de Justiça é a este notificada por iniciativa desse órgão. Esta decisão é em seguida notificada, pelo secretário do Tribunal, às partes em causa, aos Estados-Membros e à Comissão, bem como à instituição, órgão ou organismo da União que tiver adotado o ato cuja validade ou interpretação é contestada.”
Não podemos esquecer, como auxiliar interpretativo, o Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002 (versão consolidada disponível in https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:02003R0001-20090701), relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.o] e [102.o TFUE], no considerando 7:
“(7) Os tribunais nacionais desempenham uma função essencial na aplicação das regras [da União] de concorrência. Ao deliberarem sobre os litígios entre particulares, salvaguardam os direitos subjetivos decorrentes do direito [da União], nomeadamente através da concessão de indemnizações às vítimas das infrações. Neste capítulo, o papel dos tribunais nacionais vem complementar o das autoridades dos Estados‑Membros responsáveis em matéria de concorrência. Assim, é necessário permitir‑lhes que apliquem integralmente os artigos [101.o] e [102.o TFUE]”.
Para o efeito, o artigo 16.o do Regulamento (CE) n.o 1/2003, dispõe:
“1. Quando se pronunciarem sobre acordos, decisões ou práticas ao abrigo dos artigos [101.o] e [102.o TFUE] que já tenham sido objeto de decisão da Comissão, os tribunais nacionais não podem tomar decisões que sejam contrárias à decisão aprovada pela Comissão. Devem evitar tomar decisões que entrem em conflito com uma decisão prevista pela Comissão em processos que esta tenha iniciado. Para o efeito, o tribunal nacional pode avaliar se é ou não necessário suster a instância. Esta obrigação não prejudica os direitos e obrigações decorrentes do artigo [267.o TFUE].
2. Quando se pronunciarem sobre acordos, decisões ou práticas ao abrigo dos artigos [101.o] e [102.o TFUE] que já tenham sido objeto de decisão da Comissão, as autoridades dos Estados‑Membros responsáveis em matéria de concorrência não podem tomar decisões que sejam contrárias à decisão aprovada pela Comissão.”
(são meus os destaques)
No Acórdão do TJUE de 15.10.2002, proferido em vários processos apensos (ECLI:EU:C:2002:582), afirma-se que “No n.º 1098 do acórdão recorrido, o Tribunal sublinhou que o próprio objectivo desse artigo 3.º é permitir a suspensão da prescrição quando a Comissão está impedida de intervir por uma razão objectiva que lhe não é imputável, que decorre do próprio facto de um recurso estar pendente.”
Podemos, pois concluir que a suspensão da instância, e da prescrição, decorre da própria natureza do reenvio prejudicial, obrigatório nos casos previstos no artigo 267.º do TFUE, e encontra-se expressa e implicitamente prevista no direito da União.
O Acórdão n. C-176/22 do TJUE (ECLI:EU:C:2023:416) recorda que “24 (…) na falta de regras da União na matéria, cabe à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro, por força do princípio da autonomia processual, definir as modalidades processuais das ações judiciais destinadas a assegurar a salvaguarda dos direitos conferidos aos litigantes pelo direito da União (v., neste sentido, Acórdãos de 16 de dezembro de 1976, Rewe‑Zentralfinanz e Rewe‑Zentral, 33/76, EU:C:1976:188, n.o 5, e de 22 de abril de 2021, Profi Credit Slovakia, C‑485/19, EU:C:2021:313, n.o 52 e jurisprudência referida)..
Ainda assim, não deixa de observar, no sentido da necessidade de suspensão, que
“25. Todavia, este princípio deve ser aplicado no respeito dos princípios da equivalência e da efetividade, a fim de preservar o efeito útil das disposições do direito da União aplicáveis (v., neste sentido, Acórdão de 3 de junho de 2021, Bankia, C‑910/19, EU:C:2021:433, n.o 45 e jurisprudência referida). Em especial, por força do princípio da efetividade, os Estados‑Membros não podem exercer a sua autonomia processual de um modo que torne impossível na prática ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pelo direito da União [v., neste sentido, Acórdãos de 9 de novembro de 1983, San Giorgio, 199/82, EU:C:1983:318, n.o 14, e de 24 de novembro de 2022, Varhoven administrativen sad (Revogação da disposição impugnada), C‑289/21, EU:C:2022:920, n.o 33 e jurisprudência referida].
Ou seja, e no seguimento de jurisprudência há muito consolidada, a suspensão da instância na sequência de um pedido de reenvio justifica-se para assegurar a eficácia da decisão já que:
“27. Segundo jurisprudência constante, um acórdão proferido no âmbito deste processo vincula o juiz nacional quanto à interpretação do direito da União para a solução do litígio que lhe foi submetido [v., neste sentido, nomeadamente, Acórdãos de 3 de fevereiro de 1977, Benedetti, 52/76, EU:C:1977:16, n.o 26, e de 22 de fevereiro de 2022, RS (Efeito dos acórdãos de um tribunal constitucional), C‑430/21, EU:C:2022:99, n.o 74].
O que atualmente se discute é saber se o juiz do reenvio pode, ainda assim, praticar alguns atos no processo suspenso.
Considerou o referido Acórdão que:
“32 (…) há que responder à questão submetida que o artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um órgão jurisdicional nacional que apresentou um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE suspenda a instância no processo principal apenas no que se refere aos aspetos deste suscetíveis de serem afetados pela resposta do Tribunal de Justiça a esse pedido.
Como me parece evidente, uma suspensão da instância que não fosse acompanhada da necessária suspensão dos prazos de prescrição em curso levaria, precisamente, a frustrar a validade e eficácia da resposta do Tribunal de Justiça ao pedido. Tal como sucede no caso, atenta a posição que fez vencimento. A decisão do Tribunal de Justiça ao pedido de reenvio prejudicial já não tem qualquer efeito vinculativo do “juiz nacional quanto à interpretação do direito da União para a solução do litígio que lhe foi submetido”. A decisão do TJUE tornou-se, neste processo, um ato inútil.
Assim, ao contrário da posição que fez vencimento, posso concluir que o despacho que determinou a “suspensão do prazo prescricional em curso” mostra-se totalmente correto, e, consequentemente, caso viessem a ser admitidos (e entendo que são extemporâneos) deveriam ser julgados improcedentes os recursos interpostos quanto ao referido despacho. E devem ser extraídas as devidas consequências do mesmo.
Mas ainda que se entenda que tal despacho não tem valor jurídico, entendo que o pedido de reenvio prejudicial suspende os prazos de prescrição em curso, sem o limite previsto no art.º 74.º, n. 7 da Lei da Concorrência (2012), independentemente da existência de decisão de suspensão dos prazos de prescrição nesse sentido.
Uma interpretação do direito nacional segundo a qual o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional não se suspenderia no caso de pedido de reenvio para o TJUE é contrária ao próprio instituto jurídico do reenvio, mostra-se suscetível de prejudicar a aplicação efetiva do direito da União, sendo contrária aos princípios a que já aludi, à jurisprudência já citada e ao disposto no art.º 2.º, ns. 3 e 4 da Lei 19/2012, em vigor, e acima descritos.
Deverá, pelo exposto, entender-se que o reenvio prejudicial (por alguma razão se chama de “prejudicial”) suspende, melhor, mantém suspensos, necessariamente os prazos de prescrição em curso, devendo entender-se que tal suspensão se mostra compreendida no art.º 74.º, n. 4, al. a) da Lei da Concorrência (2012), tal como consta do atual n. 9, da Lei da Concorrência atualmente em vigor.
Assim não se entendendo, sempre se chegaria à mesma conclusão por recurso à analogia entre o reenvio prejudicial com os recursos aí previstos, já que este funciona, para estes efeitos, como que um recurso, atenta a vinculação do juiz do reenvio à decisão do TJUE.
E esta suspensão não tem limite temporal já que não compete ao juiz do reenvio fixar prazo ao TJUE. De resto, é o que sucede com todas as suspensões motivadas pela existência de causa prejudicial, independentemente da matéria (cf. art.º 120.º, n. 1, al. a), do Código Penal, e 272.º, ns. 1 e 3, do Código de Processo Civil).
A aplicação do disposto no art.º 120.º do Código Penal pode, de resto, mostrar-se justificada pelas razões constantes dos Acórdãos uniformizadores de jurisprudência ns. 2/2002, 6/2001 e 4/2011, que aqui escuso de desenvolver, mas que se prendem com a ideia de que o legislador assumiu, explicitamente, a reposição de equilíbrio estatutário pela previsão de um prazo de suspensão da prescrição para evitar que aplicação de qualquer coima se torne “vulnerável a toda a espécie de manobras dilatórias, em suma, dependente em último termo, da vontade do acusado”.
Tendo, expressamente, referido Acórdão n. 4/2011, que
“Embora o acórdão [2/2002] não a tenha considerado na resolução do conflito, pois, como se esclareceu, «a solução do problema, à luz do novo quadro legislativo, ultrapassa o objecto do presente recurso extraordinário, pelo que, àquele se terá de cingir o veredicto deste Supremo Tribunal», não deixou de ponderar que «a nova redacção do artigo 27.º -A do regime geral, conferida pela citada Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro, ao aditar à anterior duas novas causas de suspensão da prescrição do procedimento dá corpo à ideia de que o legislador assumiu, explicitamente, a reposição daquele equilíbrio».
Posso, por todo o exposto, concluir que haveria que descontar ao prazo de prescrição o tempo em que o processo esteve suspenso a aguardar pela decisão do reenvio prejudicial.
Deverão ainda ser descontados ao prazo de prescrição 160 dias por força do estatuído na Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março (86 dias) e na Lei 13-B/2021, de 05 de abril (74 dias), pelas razões constantes dos Acórdãos do Tribunal Constitucional já acima referidos e que escuso de repetir e desenvolver.
Assim sendo, ainda que se aplicasse a Lei da Concorrência (2012) e considerando, como a posição que fez vencimento, que “a consumação das infrações em apreço se reportam a setembro de 2012 (arguida G …, PLC), outubro de 2012 (N …, S.A. e A …, S.A.), fevereiro de 2013 (H… e L…) e 1 de março de 2013 (as restantes Arguidas)” - embora algumas das recorrentes contestem tal conclusão -, e como também considero que esse é o marco relevante para contar o início do prazo de prescrição, a prescrição ainda não ocorreu. Sem prejuízo de outra conclusão depois de apreciados os fundamentos dos recursos de algumas das recorrentes e se considerasse que o início do prazo de prescrição é anterior ao referido.
Atendendo às datas do início do prazo de prescrição e descontando o tempo em que o prazo de prescrição esteve suspenso por virtude do reenvio (838 dias, de 28.4.2022 a 13.8.2024), e os 160 dias das Leis Covid-19, num total de 998 dias, sempre a prescrição apenas ocorreria 13 anos, 2 meses e 26 dias após a prática dos factos.
Assim, atentas as datas relevantes acima referidas, o prazo de prescrição apenas se completaria, ressalvado algum erro de cálculo, nos dias 25.12.2025 (G …, PLC), 25.01.2026 (N …, S.A. e A …, S.A.), 25.05.2026 (H… e L… ) e 26.05.2026 (restantes recorrentes).
A conclusão a retirar é a de que o presente procedimento por violação às regras da concorrência ainda não se encontra prescrito.