CONTRATO DE ARRENDAMENTO
CADUCIDADE
NORMA SUPLETIVA
COMUNICAÇÃO
CARTA REGISTADA COM AVISO DE RECEPÇÃO
OPOSIÇÃO
NRAU
Sumário

(art.º 663 n.º 7 do CPC)
1.  O art.º 1110.º do C.Civil referindo-se à duração, denuncia ou oposição à renovação dos arrendamentos para fins não habitacionais, como expressamente resulta dos n.º 1 a 3, integra normas supletivas que podem ser afastadas por vontade das partes quando da celebração do contrato ou até na sua vigência, ao abrigo do princípio da liberdade contratual contemplado no art.º 405.º do C.Civil que lhes dá, designadamente, a faculdade de fixar livremente o conteúdos dos contratos dentro dos limites da lei.
2. Na avaliação da regularidade e produção de efeitos da comunicação da oposição ao contrato de arrendamento feita pela senhoria à inquilina, através de carta registada com aviso de receção, importa ter em conta o regime especial relativo às comunicações entre as partes previsto nos art.º 9.º e 10.º do NRAU, na redação da Lei 43/2017 de 14 de junho, atenta a data do envio das cartas em outubro e dezembro de 2022.
3.  O facto da carta registada com AR enviada pela senhoria a 28.10.2028 ter sido devolvida com a indicação de que não havia sido reclamada integra-se na previsão expressa da al. c) do n.º 2, do art.º 10.º do NRAU, não estando contemplada em qualquer das circunstâncias previstas no n.º 1, que consideram a comunicação realizada ainda que não tenha sido rececionada pelo locatário.
4. Não obstante a senhoria tenha cumprido o procedimento estabelecido no n.º 3 do art.º 10.º, remetendo nova carta registada com aviso de receção em 15.12.2023 entre os 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta, tendo sido esta carta rececionada pela inquilina a 16.12.2023, só nesta data a comunicação de oposição à renovação ao contrato de arrendamento produz efeitos.
5. Não pode dizer-se que a segunda carta enviada à locatária opera como condição de eficácia da primeira que foi devolvida por não ter sido reclamada, o que seria incoerente com a previsão do n.º 4 do art.º 10.º que considera a comunicação recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio no caso da carta ser novamente devolvida.
6. Além de que tal seria passar por cima da alteração introduzida a este artigo pela Lei 43/2017 de 14 de junho, que precisamente deixou de equiparar a situação da carta ser recusada pelo destinatário, àquela em que não foi levantada nos serviços postais, situação anteriormente prevista no art.º 10.º n.º 1 al. a) e que passou a estar contemplada na al. c) do n.º 2 de tal artigo.
7. Impõe-se distinguir o que o legislador aqui quis distinguir com aquela alteração legislativa: a recusa do destinatário em receber a carta ou o AR ter sido assinado por pessoa diferente do destinatário – art.º 10.º n.º 1 – dos casos contemplados no n.º 2, designadamente quando a carta é devolvida por não ter sido levantada pelo destinatário, sendo que aquelas circunstâncias do n.º 1 podem facilmente qualificar-se como casos em que só por culpa do destinatário a comunicação não é por ele recebida, na previsão do art.º 224.º n.º 2 do C.Civil, o que não é tão linear, nem confere tanta segurança, na situação em que a carta é devolvida por não ter sido levantada pelo destinatário.

Texto Integral

Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
Vem a A. “A” instaurar a presente ação declarativa de condenação contra “B” e “C”, pedindo que seja decretada a caducidade do contrato de arrendamento relativo às frações autónomas que identifica, destinadas a comércio, em virtude da oposição à renovação ter produzido os seus efeitos legais, devendo condenar-se a 1ª R. a despejar de imediato o arrendado e a entregá-lo inteiramente livre e devoluto de pessoas e coisas, e no estado em que se encontrava, bem como ambas as RR. solidariamente, a pagar à A. a título de indemnização, conforme previsto na Cláusula Décima Segunda do contrato de arrendamento, o valor mensal de € 506,16 (€ 253,08 – valor da renda x 2), por cada mês em que o locado não for restituído após a oposição da senhoria à renovação do contrato e até à sua efetiva entrega, acrescido de juros à taxa legal.
Alega, em síntese, que A. e R. celebraram, entre si, um acordo escrito, cuja produção de efeitos remontou a 01.03.2015, pelo período de 2 anos e renovável por períodos iguais e sucessivos, nos termos do qual aquela se comprometeu a ceder, para fins não habitacionais, o gozo das frações autónomas em questão, em contrapartida do pagamento de uma renda mensal no valor de € 250,00, que a 1ª R. se comprometeu a pagar até ao dia 1 do mês anterior a que dissesse respeito, valor que à data da instauração da ação é de € 253,08. Mais acordaram que, no caso de a 1.ª R. não restituir o locado após a oposição à renovação da A., aquela ficaria obrigada a pagar, a título de indemnização e até ao momento da restituição, o dobro da renda estipulada, bem como a suportar as despesas judiciais e extrajudiciais decorrentes desse incumprimento. Refere que em 28.10.2022, remeteu à 1.ª R. carta registada com aviso de receção, na qual a informou da intenção de não renovação do acordo, com efeitos a 28 de fevereiro de 2023, tendo a carta sido devolvida com a menção de objeto não reclamado. Em virtude disso, remeteu idêntica comunicação a 15.12.2022, mediante carta registada com aviso de receção, a qual foi recebida pela R. a 16.12.2022. A 1.ª R. não deixou o locado livre de pessoas e bens depois do termo do contrato a 28.02.2023, permanecendo no mesmo e continuou a pagar o montante estipulado a título de renda o que a A. tentou devolver mas não o logrou fazer. Alega ainda que a 2.ª R. interveio no acordo na qualidade de fiadora, tendo assumido solidariamente com a 1.ª R. a obrigação do fiel cumprimento de todas as cláusulas contratuais, seus aditamentos legais e renovações até à efetiva restituição do locado.
Regularmente citadas, a 1ª R. veio apresentar procuração aos autos, não tendo as RR. apresentado contestação.
Foi proferido despacho a julgar provado os factos articulados pela A.
A A. veio comunicar ao processo a entrega das frações pela R. a 28.02.20242.
Foi proferida sentença que declarou a inutilidade superveniente da lide relativamente ao pedido de condenação da 1.ª R. a despejar de imediato o arrendado e a entregá-lo à A. inteiramente livre e devoluto de pessoas e coisas, no estado em que se encontrava, nos termos do art.º 277.º, al. e) do CPC, tendo no mais julgado ação improcedente, absolvendo as RR. do pedido de declaração da caducidade do contrato de arrendamento relativo às frações autónomas designadas pelas letras “C”, “D”, e “E”, destinadas a comércio, em virtude da oposição à renovação não poder produzir os seus efeitos legais em 28.02.2023, bem como do pedido de condenação solidária no pagamento da indemnização previsto na Cláusula 12ª do contrato de arrendamento, do valor mensal de € 506,16 (€ 253,08 – valor da renda x 2), por cada mês em que o locado não for restituído após a oposição da senhoria à renovação do contrato, e até à sua efetiva entrega, acrescido de juros à taxa legal.
É com esta decisão que a A. não se conforma e dela vem interpor recurso, pugnando pela sua revogação e substituição por outra que julgue eficaz a declaração de oposição à renovação do contrato de arrendamento, declarando-se a sua cessação em 28.02.2023, condenando as RR. solidariamente a pagar à A. a indemnização mensal de € 506,16 por cada mês em que o locado não foi restituído após a oposição da senhoria à renovação do contrato, no total de € 6.073,92, apresentando para o efeito as seguintes conclusões que se reproduzem:
1. Resultou provado que o contrato em causa começou a produzir os seus efeitos a 1 de Março de 2015, e que a A. comunicou à 1.ª R. que a oposição à renovação produzia efeitos a partir de 28 de Fevereiro de 2023, já tendo decorrido 5 anos desde o início do contrato.
2. O contrato renovou-se em 01.03.2017, 01.03.2019, e 01.03.2021.
3. A A. remeteu em 28 de Outubro de 2022 para o locado uma carta registada com aviso de recepção, dirigida à 1.ª R., nos termos da qual lhe comunicou a denúncia do contrato de arrendamento com efeitos a partir de 28 de Fevereiro de 2023, não pretendendo a sua renovação.
4. Tal carta veio devolvida, com a menção “objecto não reclamado”.
5. Em 15 de Dezembro de 2022, a A. enviou nova comunicação à 1.ª R. para o locado, mediante carta registada com aviso de recepção, de teor idêntico àquela enviada a 28.10.2022, através da qual a A. referiu expressamente que não pretendia a renovação do contrato de arrendamento, com efeitos a partir de 28.02.2023.
6. Contrariamente à interpretação do Tribunal de 1ª Instância, consideramos que a declaração de oposição à renovação foi eficaz e, por isso, o contrato cessou em 28.02.2023.
7. À data do envio das cartas em questão nestes autos, vigorava o art.º 9º da Lei 6/2006, de 27/02, na redacção da Lei 43/2017, de 14/06.
8. Por seu turno o art.º 10º da referida lei, prevê que, de acordo com o respectivo n.º 1, as comunicações entre as partes estão sujeitas ao regime geral das declarações negociais recipiendas previsto no art.º 224º do CC, sendo por isso eficazes logo que cheguem ao poder do destinatário ou sejam dele conhecidas (art.º 224º nº 1 do CC); sendo ainda consideradas eficazes as declarações que só por culpa do destinatário não são recebidas (art.º 224º nº 2 do CC) – Cf. Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, 6ª edição, pág. 118).
9. Por ser assim, é estabelecido no preceito em questão - o art.º 10º nº 1 do NRAU - que a comunicação entre senhorio e inquilino considera-se realizada mesmo que o destinatário se recuse a recebê-la ou se o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro.
10. Os nºs 2 a 5 do art.º 10º da Lei 06/2006 (NRAU), decorrem algumas alterações ao regime geral da eficácia das comunicações entre as partes, estabelecendo que as comunicações por carta registada que constitua iniciativa do senhorio para a transição para o NRAU e actualização da renda, ou integrem título para pagamento de rendas encargos ou despesas ou que possam servir de base a procedimento especial de despejo, a recusa de assinatura ou a assinatura por terceiro não se consideram eficazes (nº 2 do art.º 10º do NRAU).
11. Nestes casos, o senhorio deve remeter nova carta registada, com aviso de recepção, decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta (art.º 10º nº 3 do NRAU).
12. E mesmo que essa carta venha devolvida considera-se a comunicação realizada no 10º dia posterior ao do seu envio (art.º 10º nº 4 do NRAU).
13. A questão em crise tem a ver com a interpretação do art.º 10º nº 3 do NRAU: devolvida a carta registada com aviso de recepção – enviada com vista, além do mais, como é o caso dos autos, em que a senhoria pretende a cessação do contrato e o consequente despejo do locado, por efeito da oposição à renovação do contrato – e enviada outra, passados 30 dias do envio da primeira, e sendo a segunda carta recebida pelo destinatário inquilino, a declaração de oposição à renovação do contrato opera na data da primeira carta enviada.
14. Porque a segunda ao ter sido enviada entre 30 e 60 dias após o envio da primeira, opera como condição de eficácia da declaração de, no caso, oposição à renovação do contrato, declarada pela primeira carta.
15. A este propósito veja-se a posição do STJ no acórdão de 19/10/2017 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), cfr. acima desenvolvida nas alegações.
16. Perante este entendimento e considerando que a segunda carta foi enviada a 15.12.2022, portanto no 48º dia após o envio da primeira (remetida a 28.10.2022), temos que operou a condição de eficácia da declaração de oposição à renovação do contrato, declarada pela primeira carta.
17. Não apenas pelo que antecede, mas também porque a primeira foi expedida dentro do prazo de 120 previsto contratualmente para aquele efeito.
18. Conclui-se assim que a declaração de oposição à renovação do contrato, deverá ter-se como eficaz, operando a cessação do contrato em 28.02.2023, devendo em consequência a resposta à questão de incumprimento da obrigação da 1ª R. de restituir o locado à A., ser respondida afirmativamente.
19. Considerando-se eficaz a declaração de oposição à renovação, deveria o Tribunal de 1ª Instância ter-se pronunciado sobre as demais questões decidendas, em ordem aos pedidos formulados.
20. Dos autos resulta ainda provado (facto provado 24), que a 1ª R. veio restituir as fracções objecto de arrendamento no dia 29 de Fevereiro de 2024.
21. Deste modo, importa que haja pronuncia sobre a outra questão à qual o Tribunal a quo não respondeu - e que é o direito da A. receber da 1ª R. o valor mensal de € 506,16 por cada mês que a 1ª R. não restituiu o locado após a cessação do contrato de arrendamento dos autos.
22. De acordo com a cláusula Décima Segunda do contrato de arrendamento, encontra-se previsto que, no caso da inquilina não restituir o locado após a oposição da senhoria à renovação do contrato, que esta fica obrigada, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição, o dobro da renda estipulada, bem como a suportar as despesas judiciais e extrajudiciais decorrentes deste incumprimento, ou seja, que correspondem ao valor mensal de € 506,16 (€ 253,08 – valor da renda x 2).
23. Como é sabido a restituição da coisa locada findo o contrato constitui uma das obrigações do inquilino (art.º 1038º, al. i) do CC). Sendo que no âmbito do arrendamento urbano o art.º 1081º nº 1 do CC estabelece que a cessação do contrato torna imediatamente exigível a entrega do locado, salvo se outro for o momento legalmente fixado para a entrega ou acordado pelas partes.
24. A própria lei estabelece no art.º 1045º nº 1 do CC que se a coisa locada não for restituída logo que finde o contrato, o locatário é obrigado a pagar, até ao momento da restituição, a título de indemnização, quantia correspondente ao valor da renda; acrescentado o nº 2 do art.º 1045º do CC que se o locatário se constituir em mora a indemnização é elevada ao dobro.
25. Se computarmos o valor € 506,16, desde Março de 2023 (mês seguinte à data da cessação do contrato (28.02.2023), e até ao mês em que a 1ª R. restituiu voluntariamente as fracções dadas de arrendamento (Fevereiro de 2024), apuramos o valor de € 6.073,92 correspondente a 12 meses de permanência no locado.
26. Caberá por último dar igualmente resposta à última questão, que era a qualidade em que a 2ª R. interveio no contrato em causa nos autos, bem como as obrigações daí emergentes para a mesma.
27. Nos termos da Cláusula Décima Terceira do contrato de arrendamento, consta que a fiadora (aqui 2ª R.) assume solidariamente com a inquilina a obrigação do fiel cumprimento de todas as cláusulas do contrato, seus aditamentos legais e suas renovações até à efectiva restituição do locado, livre, devoluto, e nas condições estipuladas, subsistindo a fiança ainda que haja alteração da renda.
28. Sendo nessa medida responsável solidária.
A R. não respondeu ao recurso.
II. Questões a decidir
São as seguintes as questões a decidir, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela Recorrente nas suas conclusões- art.º 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do CPC - salvo questões de conhecimento oficioso- art.º 608.º n.º 2 in fine:
- da (in)eficácia da comunicação enviada pela A. à locatária no sentido da oposição à renovação do contrato de arrendamento a partir de 28.02.2023
 - da responsabilidade da locatária e da fiadora pelo pagamento do dobro da renda por cada mês de atraso na entrega do locado partir de 28.02.2023.
III. Fundamentos de Facto
Não tendo sido impugnada a matéria de facto e nos termos do disposto no art.º 663.º n.º 6 do CPC, remete-se para os termos da decisão do tribunal de 1ª instância que a decidiu, tendo resultado provados os seguintes factos:
1. Mediante acordo escrito, datado de 28 de fevereiro de 2015 e com início da produção dos seus efeitos a 01/03/2015, o A. declarou ceder à 1.ª R., para o exercício da atividade de gabinete de estética e pelo período de 2 anos, renovável por sucessivos e iguais períodos, as frações autónomas, designadas pelas letras C, D e E, do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo predial da Amadora sob o n.º … e inscrito na matriz predial sob o art.º …, sito na Rua (…), n.º … a … D, da freguesia da ..., Amadora.
2. Em contrapartida, a 1.ª R. comprometeu-se ao pagamento de uma quantia mensal no valor de € 250,00, até ao dia 1 do mês anterior a que dissesse respeito.
3. A quantia referida em 2 foi atualizada, mediante aplicação dos coeficientes de atualização de renda legalmente previstos, cifrando-se, à data de 28/02/2023, nos € 253,08.
4. A 2.ª R. também subscreveu o acordo referido em 1, na qualidade de «fiadora e principal pagadora».
5. No acordo referido em 1, A. e RR. estipularam, de entre o mais, o seguinte:
«Cláusula segunda:
O contrato de arrendamento
Cláusula quarta:
A senhoria pode denunciar o contrato de arrendamento mediante comunicação à inquilina, feita com a antecedência de 120 (cento e vinte) dias sobre o fim do prazo do contrato ou da renovação em curso, através de carta registada com aviso de recepção (…)
Cláusula décima segunda:
Quando a Senhoria se opuser à renovação do presente contrato e a inquilina não restituir o locado no prazo legal, esta fica obrigada, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição, o dobro da renda estipulada, bem como a suportar as despesas judiciais e extrajudiciais decorrentes desse incumprimento.
Cláusula décima terceira:
A fiadora assume solidariamente com a inquilina a obrigação do fiel cumprimento de todas as cláusulas deste contrato, seus aditamentos legais e suas renovações até à efectiva restituição do local livre, devoluto e nas condições estipuladas e, bem assim declara que a fiança que acaba de prestar subsistirá ainda que haja alteração da renda».
6. O acordo referido em 1 renovou-se a 01/03/2017, 01/03/2019 e 01/03/2021.
7. No dia 28/10/2022, a A. remeteu para a Rua (…), Amadora, uma carta registada com aviso de receção, dirigida à 1.ª R., da qual constava, de entre o mais, o seguinte:
«Na qualidade de mandatário da Sra. Dra. “A”, vimos nos termos do previsto nas cláusulas 3ª e 4ª do contrato, comunicar a V. Exa. a denuncia do contrato de arrendamento com efeitos a 28 de Fevereiro de 2023, não pretendendo a sua renovação».
8. Na mesma data referida em 7, a A. enviou para a Rua de Porto (…), uma carta registada com aviso de receção, dirigida à 1.ª R., com o mesmo teor da comunicação referida em 7.
9. As cartas referidas em 7 e 8 vieram devolvidas, com a menção «objeto não reclamado».
10. No dia 15/12/2022, a A. remeteu para a Rua (…) Amadora, uma carta registada com aviso de receção, dirigida à 1.ª R., da qual constava, de entre o mais, o seguinte:
«Na qualidade de mandatário da Sra. Dra. “A”, vimos nos termos do previsto nas cláusulas 3ª e 4ª do contrato, comunicar a V. Exa. a denuncia do contrato de arrendamento com efeitos a 28 de Fevereiro de 2023, não pretendendo a sua renovação.
A presente comunicação que é a segunda, é feita nos termos da conjugação do art.º 10º nº 2 al. d) e nºs 3 e 4 da Lei 6/2006, de 27/02, na redacção dada pela Lei 43/2017, de 14/06, de onde decorre que o envio de uma 2ª carta ao inquilino deve ser remetida entre o trigésimo e o sexagésimo dia sobre a data do envio da primeira, o que está a ser cumprido, uma vez que V. Exa. não recebeu a primeira que foi remetida em 28 de Novembro de 2022».
11. A 1.ª R. assinou o aviso de receção da carta referida em 10 no dia 16/12/2022.
12. Na mesma data referida em 10, a A. enviou para a Rua de Porto (…), uma carta registada com aviso de receção, dirigida à 1.ª R., com o mesmo teor da comunicação referida em 9, a qual veio devolvida com a menção «objeto não reclamado».
13. Após fevereiro de 2023, a 1.ª R. continuou a proceder ao pagamento mensal à A. da quantia de € 253,08.
14. Após fevereiro de 2023, a A. solicitou à 1.ª R. que indicasse o seu IBAN, de forma a devolver os valores que, entretanto, esta lhe transferiu.
15. A 1.ª R. recusou-se a facultar o seu IBAN à A.  
16. A A. tentou obter a informação referida em 15 junto do seu banco, ao que a entidade bancária não acedeu por razões de sigilo bancário.
17. A A. deslocou-se à Caixa Geral de Depósitos para efeitos de proceder ao depósito numa conta de consignação em depósito dos valores pagos pela 1.ª R. após fevereiro de 2023, o que não conseguiu, em virtude de a utilização desse tipo de contas apenas estar prevista para os arrendatários.
18. A 08/03/2023, a A. remeteu para o local referido em 7 uma carta registada com aviso de receção, dirigida à 1.ª R., da qual constava, de entre o mais, o seguinte:
«Venho por este meio remeter em anexo, um cheque do valor correspondente às transferências que realizou durante o mês de Fevereiro e Março, considerando que uma vez cessado o contrato em 28.02.2023, já não haveria lugar ao pagamento de qualquer valor referente a meses vindouros.
Agradecia que doravante se abstenha de transferir qualquer valor relacionado com o contrato em causa, pelos motivos já aduzidos.
Aproveito para lhe solicitar a entrega do locado até dia 15.03.2023».
19. A A. fez acompanhar a comunicação referida em 18 de um cheque, emitido pela A. à ordem da 1.ª R. e com o valor aposto de € 506,16.
20. No dia 09/03/2023, a 1.ª R. assinou o respetivo aviso de receção da carta referida em 18.
21. No dia 08/03/2023, a A. remeteu também um e-mail à 1.ª R., do qual constava, de entre o mais, o seguinte:
«Venho por este meio informar o seguinte:
1. O contrato de arrendamento cessou no dia 28.02.2023, pelo que agradeço a entrega do locado até ao dia 15.03.2023, no estado em que se encontrava.
2. Estou na presente data a devolver o valor que me transferiu em Fevereiro e Março, considerando que uma vez cessado o contrato, já não tem lugar ao pagamento da renda.
3. Agradecia que rececpcionasse o cheque que lhe remeti na presente data, e que o descontasse, ou que, em alternativa me informasse qual o seu IBAN para poder transferir o valor».
22. Mediante e-mail, datado de 13/03/2023, a 1.ª R. comunicou à A., de entre o mais, o seguinte:
«Recebido a carta e o cheque relativamente ao valor das rendas de Fevereiro e Março, informo que não irei levantar ou depositar o valor do cheque.
Irei permanecer no espaço, pagando as rendas onde me é permitido até ao dia 28/02/2024.
Não é de todo a minha intenção de prejudicar, estou a tratar da minha saída do espaço, assim que me for possível antes da data que me é permitido, eu comunico».
23. No dia 13/04/2023, a A. apresentou em juízo a sua petição inicial.
24. A 1.ª R. restituiu à A. as frações referidas em 1 no dia 29/02/2024.
IV. Razões de Direito
- da (in)eficácia da comunicação enviada pela A. à locatária no sentido da oposição à renovação do contrato de arrendamento a partir de 28.02.2023
A Recorrente vem insurgir-se contra a sentença proferida, por entender que comunicou tempestivamente à locatária a oposição à renovação do contrato de arrendamento a partir de 28.02.2023, produzindo efeitos a carta que lhe enviou a 28.10.2022, com antecedência de 120 dias relativamente ao termo do prazo do contrato, ainda que não tenha sido por ela recebida, por ter sido enviada e rececionada a segunda carta que lhe enviou no prazo legalmente estabelecido, constituindo esta segunda declaração uma condição de eficácia da primeira.
A sentença sob recurso entendeu que só pode considerar-se eficaz a comunicação da senhoria realizada com o envio da segunda carta, por só esta ter sido rececionada pela locatária a 16.12.2022, não estando cumprida a antecedência necessária para a oposição à renovação do contrato de arrendamento, que por isso não caducou a 28.02.2023.
Está em causa nestes autos, um contrato de arrendamento celebrado entre as partes, com fim não habitacional, que teve o seu início em 01.03.2015, pelo prazo de dois anos, tendo-se renovado em 01.03.2017, 01.03.2019 e 01.03.2021.
Para o caso que nos interessa, e considerando o tipo de contrato de arrendamento em questão, importa ter em conta o regime legal dos art.º 1108.º a 1113.º do C.Civil que compõem a subsecção VIII que integra as disposições especiais para o arrendamento com fins não habitacionais.
O art.º 1110.º do C.Civil, na redação da Lei 13/2019 de 12 de fevereiro, referindo-se à duração, denúncia ou oposição à renovação, estabelece:
1 - As regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais são livremente estabelecidas pelas partes, aplicando-se, na falta de estipulação, o disposto quanto ao arrendamento para habitação.
2 - Na falta de estipulação, o contrato considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de cinco anos, não podendo o arrendatário denunciá-lo com antecedência inferior a um ano.
3 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado por prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de cinco anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 1096.º
4 - Nos cinco primeiros anos após o início do contrato, independentemente do prazo estipulado, o senhorio não pode opor-se à renovação.”
Este artigo, como expressamente resulta dos n.ºs 1 a 3 quando dispõem sobre a falta de estipulação em contrário, integra normas supletivas que podem ser afastadas por vontade das partes quando da celebração do contrato ou até na sua vigência.
O art.º 405.º do C.Civil que vem contemplar o princípio da liberdade contratual dá às partes, designadamente, a faculdade de fixar livremente o conteúdos dos contratos dentro dos limites da lei, como expressamente prevê o seu n.º 1.
Diz-nos Menezes Leitão, in Direito das Obrigações, Vol. I, pág. 21 ss.: “A liberdade contratual é, assim, a possibilidade conferida pela ordem jurídica a cada uma das partes de auto-regular, através de um acordo mútuo, as suas relações para com a outra, por ela livremente escolhida, em termos vinculativos para ambas (cfr. art.º 406, nº 1). A liberdade contratual é a parte mais importante da autonomia privada, enquanto princípio fundamental do Direito das Obrigações.”
No caso, quando da celebração do contrato de arrendamento e ao abrigo da liberdade contratual que é conferida aos contraentes pelo art.º 405.º do C.Civil e da possibilidade que expressamente lhes é dada pelo art.º 1110.º do C.Civil, as partes estabeleceram a duração do contrato pelo prazo inicial de dois anos, renovável por sucessivos e iguais períodos – ponto 2 dos factos provados – acordando ainda na antecedência de 120 dias a contar do termo do prazo do contrato ou da renovação em curso para a senhoria denunciar o contrato, através de carta registada com aviso de receção – ponto 5 dos factos provados.
Na situação em presença, uma vez que o contrato de arrendamento se renovou em 01.03.2021 pelo prazo de dois anos, querendo a A. opor-se à sua renovação a partir de 28.02.2023 teria de comunicar à R. a sua oposição à renovação, por carta registada com aviso de receção, com a antecedência mínima de 120 dias relativamente a essa data.
Como é pacífico, e a Recorrente também não põe em causa, esta comunicação do senhorio ao locatário a opor-se à renovação do contrato de arrendamento, é de natureza recetícia.
A este respeito diz-nos com toda a pertinência o Acórdão do STJ de 19.10.2017 no proc. 83/16.1YLPRT.L1.S1 in www.dgsi.pt : “Não se levantam dúvidas quanto ao carácter receptício da declaração do senhorio de oposição à renovação do contrato de arrendamento; assim resulta do nº 1 do artigo 1097º do Código Civil – “(…) mediante comunicação ao arrendatário (…)”. Nem tão pouco se duvida de que é no artigo 224º do Código Civil que encontramos o regime geral aplicável à determinação da eficácia das declarações receptícias. Sucede, todavia, que a Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro (NRAU), prevê um regime complexo e especial para a eficácia dessa declaração de oposição, que prevalece sobre a recepção ou conhecimento a que o nº 1 do citado artigo 224º do Código Civil dá relevância (…).”
Centrando-se a questão controvertida na regularidade e produção de efeitos da comunicação da oposição ao contrato de arrendamento feita pela senhoria através de carta registada com aviso de receção, importa ter em conta o regime legal que se reporta às comunicações entre o senhorio e o arrendatário, previsto nos art.º 9.º e 10.º do NRAU, na redação da Lei 43/2017 de 14 de junho, em face da data do envio das cartas pela A. em outubro e dezembro de 2022.
O art.º 9.º do NRAU na redação da Lei 43/2017 estabelecia o seguinte, quanto à forma de comunicação entre senhorio e inquilino:
“1 - Salvo disposição da lei em contrário, as comunicações legalmente exigíveis entre as partes relativas a cessação do contrato de arrendamento, atualização da renda e obras são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de receção.
2 - As cartas dirigidas ao arrendatário, na falta de indicação por escrito deste em contrário, devem ser remetidas para o local arrendado.
3 - As cartas dirigidas ao senhorio devem ser remetidas para o endereço constante do contrato de arrendamento ou da sua comunicação imediatamente anterior.
4 - Não existindo contrato escrito nem comunicação anterior do senhorio, as cartas dirigidas a este devem ser remetidas para o seu domicílio ou sede.
5 - Qualquer comunicação deve conter o endereço completo da parte que a subscreve, devendo as partes comunicar mutuamente a alteração daquele.
6 - O escrito assinado pelo declarante pode, ainda, ser entregue em mão, devendo o destinatário apor em cópia a sua assinatura, com nota de receção.
7 - A comunicação pelo senhorio destinada à cessação do contrato por resolução, nos termos do n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil, é efetuada mediante:
a) Notificação avulsa;
b) Contacto pessoal de advogado, solicitador ou agente de execução, comprovadamente mandatado para o efeito, sendo feita na pessoa do notificando, com entrega de duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem, devendo o notificando assinar o original;
c) Escrito assinado e remetido pelo senhorio nos termos do n.º 1, nos contratos celebrados por escrito em que tenha sido convencionado o domicílio, caso em que é inoponível ao senhorio qualquer alteração do local, salvo se este tiver autorizado a modificação.”
Já o art.º 10.º, com a epígrafe “vicissitudes”, também na redação da mesma Lei 43/2007 regia:
“1 - A comunicação prevista no n.º 1 do artigo anterior considera-se realizada ainda que:
a) A carta seja devolvida por o destinatário se ter recusado a recebê-la;
b) O aviso de receção tenha sido assinado por pessoa diferente do destinatário.
2 - O disposto no número anterior não se aplica às cartas que:
a) Constituam iniciativa do senhorio para a transição para o NRAU e atualização da renda, nos termos dos artigos 30.º e 50.º;
b) Integrem título para pagamento de rendas, encargos ou despesas ou que possam servir de base ao procedimento especial de despejo, nos termos dos artigos 14.º-A e 15.º, respetivamente, salvo nos casos de domicílio convencionado nos termos da alínea c) do n.º 7 do artigo anterior.
c) Sejam devolvidas por não terem sido levantadas no prazo previsto no regulamento dos serviços postais.
3 - Nas situações previstas no número anterior, o senhorio deve remeter nova carta registada com aviso de receção decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta.
4 - Se a nova carta voltar a ser devolvida, nos termos da alínea a) do n.º 1, considera-se a comunicação recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio.
5 - Nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 7 do artigo anterior, se:
a) O destinatário da comunicação recusar a assinatura do original ou a receção do duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem, o advogado, solicitador ou agente de execução lavra nota do incidente e a comunicação considera-se efetuada no próprio dia face à certificação da ocorrência;
b) Não for possível localizar o destinatário da comunicação, o senhorio remete carta registada com aviso de receção para o local arrendado, decorridos 30 a 60 dias sobre a data em que o destinatário não foi localizado, e considera-se a comunicação recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio.”
No caso, não há dúvida que a A. enviou à R. carta registada com aviso de receção para a morada do locado, comunicando a sua oposição à renovação do contrato de arrendamento a partir de 28.02.2023, em observância da forma prevista no art.º 9.º n.º 1 e n.º 2 do NRAU, importando então saber quando se considera realizada tal comunicação, reposta que nos é dada pela interpretação do art.º 10.º do NRAU.
O art.º 10.º n.º 1 do NRAU contempla nas al. a) e b), respetivamente, o caso da carta ser recusada pelo destinatário e do aviso de receção ser assinado por pessoa diferente dele, prevendo nesses dois casos que a comunicação se considera realizada. Já o n.º 2 deste artigo, elenca expressamente os casos em que tal não ocorre, ou seja, em que não se considera feita a comunicação, prevendo designadamente, na al. c) que será assim quando a carta tenha sido devolvida por não ter sido levantada nos serviços postais.
Ora, a situação dos autos integra-se precisamente na previsão da al. c) deste n.º 2, já que a carta registada com AR enviada pela senhoria a 28.10.2028 foi devolvida com a indicação de que não havia sido reclamada, pelo que não pode ter-se como realizada a comunicação de oposição à renovação do contrato.
É certo que a senhoria cumpriu o procedimento estabelecido no n.º 3 do art.º 10.º, remetendo nova carta registada com aviso de receção em 15.12.2023 entre os 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta, tendo sido esta carta rececionada pela inquilina a 16.12.2023, mas tal apenas significa, como entendeu a sentença sob recurso, que é nesta data que é comunicada a oposição à renovação ao contrato de arrendamento, só aí podendo produzir efeitos.
A posição defendida pela Recorrente, no entendimento de que a segunda carta enviada à locatária, entre 30 e 60 dias após o envio da primeira que foi devolvida por não ter sido reclamada, em observância do procedimento previsto no n.º 3 do art.º 10.º, opera como condição de eficácia da primeira declaração de oposição à renovação do contrato, carece de suporte legal.
Se assim fosse, careceria de sentido útil ou coerência a previsão do n.º 4 do art.º 10.º que estabelece que: “Se a nova carta voltar a ser devolvida, nos termos da alínea a) do n.º 1, considera-se a comunicação recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio”.
Diz-se a dada altura, na bem elaborada sentença recorrida, com argumentação em que nos revemos: “O sentido do art.º 10.º do NRAU não é facilmente apreensível, porquanto o legislador não é absolutamente claro, no que respeita às comunicações abrangidas pelas alíneas do seu n.º 2, quanto ao momento em que a comunicação se considera recebida, nem cuida, designadamente, das situações em que a segunda carta é efetivamente recebida pelo destinatário. Quanto à primeira questão, o legislador refere, no n.º 4 do art.º 10.º do NRAU, que se a segunda carta vier novamente devolvida, por o destinatário se recusar a recebê-la ou por este não a ter levantado no prazo previsto no regulamento dos serviços postais, a comunicação considera-se recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio. Da leitura desta norma resulta evidente que o legislador quis afastar o regime geral da eficácia das declarações recetícia previsto no art.º 224.º do CC4. Com efeito, se o destinatário se recusou a receber a primeira carta ou não a levantou no prazo previsto no regulamento dos serviços postais, dúvidas inexistem de que chegou à sua esfera de poder. E, por isso, nos termos do art.º 224.º, n.º 1 do CC, a declaração negocial adquiriria plena eficácia relativamente ao destinatário no dia em que se recusou a receber a 1.ª carta ou em que o aviso de levantamento foi depositado no recetáculo postal do locado. Mas este não foi o regime previsto pelo legislador em matéria de arrendamento, uma vez que o mesmo exigiu que, entre o 30.º e 60.º dia, fosse enviada nova carta. Mais previu que, no caso de a 2.ª carta ser novamente devolvida, nos termos do art.º 10.º, n.º 1, al. a) e 2.º, al. c) do NRAU, a comunicação se consideraria recebida no 10.º dia posterior ao envio da segunda carta. No que respeita à segunda questão, o legislador não estabeleceu concretamente o momento em que, nos casos em que a 2.ª carta é efetivamente recebida pelo destinatário (isto é, em que o aviso de receção se mostra assinado), a mesma se considera eficaz. Não obstante, perscrutado e interpretado na sua globalidade o regime previsto no art.º 10.º do NRAU, assemelha-se que a comunicação se deverá considerar eficaz na data em que o aviso de receção da 2.º carta foi assinado. Com efeito, apesar de não ter previsto este caso em concreto, o legislador estabeleceu que, nos em casos em que a segunda carta vem devolvida, em virtude de o destinatário se ter recusado a recebê-la ou não a ter levantado no prazo previsto no regulamento dos serviços postais, a comunicação se considera recebida no 10.º dia posterior ao seu envio (art.º 10.º, n.º 4 do NRAU). Estatui-se, assim, uma ficção legal de conhecimento da comunicação pelo destinatário no 10.º dia posterior ao envio da segunda carta. E, se assim é nos casos em que a segunda carta vem devolvida, por um argumento de maioria de razão e de coerência do sistema ter-se-á de entender que, nas situações em que o aviso de receção da segunda carta enviada se mostra assinado, a comunicação ter-se-á de considerar recebida e eficaz nessa mesma data. Sendo que o legislador não o terá previsto expressamente pelo facto de tal se mostrar intuitivo, preocupando-se apenas com os casos em que, por a segunda carta também vir devolvida, ser necessário criar uma ficção legal que balize a data em que a comunicação se considera recebida.”
Por outro lado, impõe-se ao intérprete distinguir o que o legislador aqui quis distinguir relativamente às circunstâncias em que considera realizada a comunicação, daqueles em que o exclui: no primeiro caso integrando a recusa do destinatário em receber a carta ou o AR ter sido assinado por pessoa diferente do destinatário – art.º 10.º n.º 1 – no segundo caso as situações contempladas no n.º 2, designadamente quando a carta é devolvida por não ter sido levantada pelo destinatário. A verdade é que aquelas circunstâncias do n.º 1 podem mais facilmente qualificar-se como casos em que só por culpa do destinatário a comunicação não é por ele recebida, na previsão do art.º 224.º n.º 2 do C.Civil, o que não é tão linear na situação em que a carta é devolvida por não ter sido levantada.
Salienta-se ainda, que na sua anterior redação o art.º 10.º n.º 1 al. a) do NRAU equiparava as duas situações, ao estabelecer: A comunicação prevista no n.º 1 do artigo anterior considera-se realizada ainda que: a) A carta seja devolvida por o destinatário se ter recusado a recebê-la ou não a ter levantado no prazo previsto no regulamento dos serviços postais.”
Contudo o legislador veio alterar esta norma mais tarde com a redação que lhe foi dada pela Lei 43/2017 de 14 de junho, excluindo precisamente daquela al. a) a situação da carta não ter sido levantada pelo destinatário, que passou a ficar contemplada na al. c) do n.º 2 daquele artigo.
Este foi também o entendimento expresso no voto de vencido proferido no Acórdão do TRL de 27.04.2023 no proc. 6018/21.2T8ALM.L1-6 in www.dgsi.pt onde se refere: “Portanto, deste regime do art.º 10º nºs 2 a 4 resulta, claramente, que o legislador afastou a aplicação, nessas situações, do regime geral da eficácia da comunicação das declarações previsto no art.º 224º do CC, designadamente nos casos do nº 2, al. c) do art.º 10º, ou seja, quando as cartas para comunicação de cessação do contrato sejam devolvidas por não terem sido levantadas no prazo previsto no regulamento dos serviços postais (nº 2, al. c)). E vimos que nessas situações, de acordo com o nº 4, as comunicações apenas podem considerar-se recebidas no 10º dia posterior ao do envio da 2º carta. Portanto, atendendo ao elemento literal da norma do art.º 10º nº 4 do NRAU, se a nova (segunda) carta voltar a ser devolvida, nos termos da alínea a) do n.º 1 e da alínea c) do n.º 2, isto é e para que ao caso interessa, por não ter sido reclamada no prazo previsto no regulamento dos serviços postais, considera-se a comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento recebida no 10º dia posterior ao do seu envio. Além da letra da lei ser clara, a ratio legis da solução dos nºs 3 e 4 do art.º 10º do NRAU é facilmente alcançável: afasta o regime do art.º 224º nº 2 do CC, estabelece um factor de equilíbrio que tenta conciliar dois interesses em conflito, do senhorio e do inquilino: se por um lado visa salvaguardar o interesse do inquilino a um conhecimento da comunicação, por outro, pretende salvaguarda o interesse do senhorio à efectivação eficaz da comunicação, ficcionando que se considera a comunicação recebida no 10º dia posterior ao do envio da 2ª carta.”
Em defesa da sua posição vem ainda a Recorrente invocar o já citado Acórdão do STJ de 19.10.2017 no proc. 83/16.1YLPRT.L1.S1 que considera a segunda carta enviada pelo senhorio uma condição de eficácia da primeira, ali se referindo ainda: “E apenas se acrescenta, quanto a este ponto, que não é inédita entre nós a exigência de uma segunda carta quando a primeira, enviada com aviso de recepção, não foi assinada pelo destinatário; cfr. a citação feita em pessoa diversa do citando, actuais artigos 228º, nº 2 e 233º do Código de Processo Civil, no caso em que a citação é realizada por carta registada com aviso de recepção.”
Contudo, uma leitura minimamente atenta mostra que este Acórdão não é de forma alguma suscetível de sustentar a posição defendida pela Recorrente para o caso em presença - de que envio da segunda carta vale como condição de eficácia da primeira comunicação enviada. É que, por um lado, a situação ali contemplada não se reporta a uma carta de oposição à renovação do contrato de arrendamento que não foi reclamada, mas antes a um AR que foi assinado por terceiro, o que desde logo a torna integrável no n.º 1 al. b) e não no n.º 2 al. c) do art.º 10.º do NRAU e por outro lado, o caso que ali se discute situa-se num momento temporal anterior relativo a comunicação realizada em 2015, em que a versão do art.º 10.º do NRAU não é a que se encontrava em vigor à data em que as cartas foram enviadas pela aqui A., sendo que, como se referiu, anteriormente o legislador equiparava a recusa do recebimento da carta ao não levantamento da mesma, o que deixou de acontecer com a redação que foi dada a este artigo pela Lei 43/2017.
 Resta concluir, que tendo sido devolvida a carta registada com aviso de receção enviada pela A. a 28.10.2022 comunicando a sua oposição à renovação do contrato de arrendamento a partir de 28.02.2023 e tendo sido remetida uma segunda carta entre os 30 e 60 dias a contar da primeira, que apenas foi rececionada pela locatária a 16.12.2022, não foi observada a antecedência mínima de 120 para que tal comunicação pudesse produzir os seus efeitos para o termo da renovação em curso, confirmando-se a sentença que assim o decidiu.
- da responsabilidade da locatária e da fiadora pelo pagamento do dobro da renda por cada mês de atraso na entrega do locado
Em razão da confirmação da sentença recorrida, fica prejudicado o conhecimento desta questão suscitada pela Recorrente, nos termos do art.º 608.º n.º 2 do CPC, não importando conhecer da mesma.
IV. Decisão:
Em face do exposto, julga-se totalmente improcedente o recurso interposto pela A., confirmando-se a sentença proferida.
Custas do recurso pela Recorrente que fica vencida - art.º 527.º n.º 1 e 2 do CPC.
Notifique.
*
Lisboa, 13 de fevereiro de 2025
Inês Moura
Susana Mesquita Gonçalves
Pedro Martins