ACÇÃO DE ANULAÇÃO DE DECISÃO ARBITRAL
FUNDAMENTO
ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
DECISÃO SURPRESA
EQUIDADE
DIREITO DE ACESSO AOS TRIBUNAIS
IMPARCIALIDADE
ORDEM PÚBLICA INTERNACIONAL
Sumário

(art.º 663º, n.º 7, do CPC):
I. A pretensão de anulação da decisão arbitral não envolve um amplo conhecimento do mérito da decisão que se pretende anular, estando a competência do tribunal estadual circunscrita à matéria da verificação do específico fundamento da pretendida anulação.
II. Se as partes não deduzirem oposição imediata ou no prazo que possa estar estabelecido para o efeito, com fundamento no desrespeito de uma das disposições da LAV que podem derrogar ou uma qualquer condição enunciada na convenção de arbitragem – designadamente atinente ao prazo global da arbitragem -, entende-se que a invalidade dele derivada ficou sanada.
III. Decorre do disposto no art.º 42º, n.º 3, da LAV, que a sentença arbitral deve ser fundamentada, salvo se as partes tiverem dispensado tal exigência ou se tratar de sentença proferida com base em acordo das partes, nos termos do art.º 41º do mesmo diploma
IV. O vício de falta de fundamentação da sentença arbitral que não seja susceptível de recurso deve ser aferido pelo critério de inteligibilidade da decisão, no sentido de que o mesmo apenas ocorrerá nas situações em que não seja possível às partes compreender os seus fundamentos, ou seja, quando dela não seja possível compreender o que motivou a decisão do Tribunal.
V. De acordo com o art.º 30º, n.º 1, al. b), do referido diploma, o processo arbitral deve sempre respeitar o princípio de que as partes são tratadas com igualdade e deve ser-lhes dada uma oportunidade razoável de fazerem valer os seus direitos, por escrito ou oralmente, antes de ser proferida a sentença final.
VI. O conceito de decisão surpresa integra as decisões que adoptem solução para uma questão que não tenha sido configurada pela parte e que esta, actuando com uma diligência normal, não tinha a obrigação de prever, sendo violadoras do princípio do contraditótio.
VII. Por força do disposto art.º 39º, n.º 1, da LAV, está vedado ao Tribunal Arbitral que, em sede de subsunção jurídica à factualidade apurada, recorra a critérios de equidade quando as partes em tal não tenham acordado, sendo essa situação que viola a convenção arbitral e gera invalidade da sentença arbitral nos termos do referido art.º 46º, n.º 3, al. a), subalínea iv), da LAV, com ressalva das situações de aplicação da equidade por determinação normativa.
VIII. Do referido art.º 39º, n.º 1, da LAV, não resulta qualquer impedimento referente à valoração dos elementos de prova tendo em vista o apuramento da factualidade demonstrada.
IX. Porque o direito de acesso aos tribunais implica o direito a um processo equitativo e o procedimento de arbitragem voluntária constitui um modo de exercício do direito de acesso aos tribunais, tal procedimento tem de obedecer aos padrões do processo equitativo, o que se traduz na necessidade de independência e imparcialidade dos árbitros que nele participam, conforme estatuído no art.º 9º, n.º 3, da LAV.
X. A imparcialidade traduz-se no alheamento dos árbitros relativamente ao interesse das partes, na liberdade de os mesmos decidirem sem constrangimentos.
XI. De acordo com o disposto no art.º 46º, n.º 3, al. b), subalínea ii), da LAV, a sentença arbitral pode ser anulada se o tribunal verificar que o conteúdo da sentença ofende os princípios da ordem pública internacional do Estado Português.
XII. A ofensa aos princípios da ordem pública internacional do Estado Português não se confunde com o simples erro na sua interpretação e aplicação, reconduz-se a uma situação mais grave, correspondendo a uma grosseira desconsideração ou abusiva distorção dos mesmos.

Texto Integral

Acção de Anulação de Decisão Arbitral n.º 2394/22.8YRLSB

I. Relatório.
A …, LDA., com sede e na Rua … - …, nº …, Amoreiras, Torre … - …º piso, Lisboa, apresentou, contra B …, S.A., com sede na Rua …, n.º …/…, o presente processo especial de anulação de sentença arbitral, pedindo que a sentença arbitral que identifica, proferida a 29-06-2022, seja anulada com todas as consequências legais.
Como fundamentos da sua pretensão, em síntese, além do mais que não releva para a economia da presente decisão, alegou que:
a) verifica-se a caducidade do processo arbitral nos termos do art.º 43º, n.º 3, da LAV, posto que a sentença foi proferida após o termo do prazo máximo para a conclusão da arbitragem (arts. 60º e ss. da petição inicial);
b) ocorre contradição entre os fundamentos e a sentença arbitral (arts. 89º e ss. da petição inicial);
c) verifica-se falta de fundamentação da sentença arbitral, posto que a mesma, no segmento que identifica, é ininteligível, não sendo possível perceber a razão que levou o tribunal a decidir da forma que menciona (arts. 104º e ss. da petição inicial);
d) ocorre condenação ultra petitum na sentença arbitral, posto que a condenou no pagamento de “juros de mora vencidos desde 9 de maio de 2019 e de juros vincendos até integral pagamento” incidentes sobre a totalidade do “valor [apurado] dos trabalhos e dos prejuízos que resultaram da resolução ilícita do Contrato de Empreitada”, que fixou em € 865.489,63, sendo que a ré peticionou que seja condenada no pagamento de juros de mora, vencidos e vincendos, calculados sobre o valor dos danos relacionados com os encargos de estrutura e com os custos diretos, no valor total de 418.365,15 €, à taxa de juro comercial em vigor em cada momento, nos termos do artigo 102.º do Código Comercial, atualmente de 7 %, desde 09.05.2019 até efetivo e integral pagamento” (arts. 116º e ss. da petição inicial);
- apresentou, ao abrigo do artigo 45.º, n.º 1 e 2, da LAV, requerimento de rectificação da sentença arbitral com fundamento em erro material respeitante à sua condenação no pagamento de juros além do que fora peticionado pela ré, reservando o direito a pedir a anulação da sentença arbitral com fundamento nessa condenação ultra petitum, sendo que o Tribunal Arbitral ainda não se pronunciou sobre tal requerimento;
e) verifica-se falta de fundamentação da sentença arbitral quanto ao valor dos lucros cessantes da ré (arts. 128º e ss. da petição inicial);
f) ocorre uma decisão surpresa a respeito do proveito que a ré poderia tirar com a obra (arts. 146º e ss. da petição inicial);
g) a sentença arbitral, no segmento em que se funda em juízos de equidade para determinação dos custos de estrutura, viola a cláusula compromissória, com influência decisiva na resolução do litígio (arts. 162º e ss. da petição inicial); 
h) na decisão arbitral verifica-se violação da imparcialidade pelo Tribunal Arbitral e do direito ao processo justo (arts. 193º e ss. da petição inicial);
i) a sentença arbitral viola o princípio da autonomia privada das partes ao decidir com base na equidade e ao arrepio da estipulação das partes, ao desrespeitar a lei aplicável de acordo com estipulação das Partes, recorrendo a regras do Código Civil quando existem regras aplicáveis do Código dos Contratos Públicos, e ao ignorar a vontade das partes quando estabeleceram que a eficácia do contrato ficava dependente de um acto formal de consignação, o que constitui violação da ordem pública (arts. 256º e ss. da petição inicial);
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A 08-11-2022, a ré, B …, S.A., apresentou oposição onde, rebatendo todos os fundamento invocados na petição, concluiu pela improcedência da acção assim como pela manutenção da decisão arbitral, e pediu a condenação da autora, como litigante de má-fé, no pagamento de multa e indemnização a fixar pelo Tribunal nos termos do artigo 543º, nº 1 e nº 2 do CPC, mas que não deverá ser inferior a € 50.000,00.
No mesmo articulado, a ré alegou que o Tribunal Arbitral havia dado acolhimento ao requerimento apresentado pela, aqui, autora, tendo rectificado a sentença arbitral nos termos por esta peticionados, e que, por via disso, o fundamento de anulação de tal decisão atinente à condenação ultra petitum tornou-se insubsistente, ocorrendo, por isso, inutilidade superveniente da lide quando a tal (art.º 277º, al. e), do CPC) – cf. art.º 217º da peça processual em referência.
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Por despacho proferido a 05-12-2022, convidaram-se as partes a informar se mantêm interesse na audição das testemunhas por si indicadas e se prescindem da realização de audiência de julgamento, concordando, nesse caso, que se passe diretamente à tramitação do recurso de apelação com as necessárias adaptações (al. e) do nº 2 do mesmo art.º 46), passando a conhecer-se do mérito da acção.
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A 04-01-2023, a ré apresentou requerimento onde pediu que se declare a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide e de falta superveniente de interesse em agir, reiterou o pedido de condenação da autora como litigante de má-fé formulado na oposição e, subsidiariamente, manifestou concordância em o Tribunal determinar a dispensa da realização de audiência para produção de prova oral e passar, de imediato, à apreciação da validade e/ou procedência dos fundamentos de anulação da sentença arbitral aduzidos pela autora.
A 09-01-2023, a autora também manifestou concordância em o Tribunal determinar a dispensa da realização da audiência de julgamento, para produção da prova oral, e passar directamente ao conhecimento do mérito da causa.
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A 24-01-2023, a autora respondeu ao pedido de declaração da extinção da instância, pugnando pela sua improcedência.
Na mesma peça, a autora respondeu ao pedido da sua condenação como litigante de má-fé, no sentido da improcedência, e formulou pedido de condenação da ré, a tal título, em multa e indemnização a seu favor correspondente a todas as despesas com o presente processo, incluindo os honorários dos seus Mandatários.
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A 06-02-2023, a ré respondeu ao pedido da sua condenação por litigância de má-fé formulado contra si pela autora, no sentido da sua improcedência.
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A 28-02-2023, foi proferido acórdão em que:
a) se julgou extinta a presente instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art.º 277, al. e), do C.P.C.;
b) se absolveram autora e ré dos recíprocos pedidos de condenação por litigância de má-fé.
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A autora interpôs recurso do acórdão referido, no segmento atinente à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, para o Supremo Tribunal Justiça que, por acórdão proferido a 31-10-2023, foi julgado procedente, revogando o acórdão recorrido e determinando a baixa do processo a esta Relação para prosseguimento da presente acção.
A 15-10-2024, o STJ proferiu acórdão onde dispensou o pagamento pela Requerida/Recorrida, B …, S.A., da taxa de justiça remanescente respeitante à presente instância recursória em 80% do respetivo valor.
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Por despacho proferido 29-11-2024, convidou-se a autora a, no prazo de 10 dias, pronunciar-se sobre a inutilidade superveniente da lide respeitante ao fundamento de anulação da decisão arbitral atinente à condenação ultra petitum, arguida pela ré em sede de oposição (art.º 217º da oposição).
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A autora, por requerimento junto a 13-12-2024, alegou, além do mais que não releva para a economia da presente decisão, que, tendo o Tribunal Arbitral proferido decisão de rectificação da decisão arbitral nos termos por si peticionados, o fundamento da sua anulação respeitante à condenação ultra petitum carece de objecto e, consequentemente, o seu pedido, no que ao mesmo respeita, tornou-se supervenientemente inútil.
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A ré, por requerimento junto a 20-12-2024, pronunciou-se sobre o requerimento junto a 13-12-2024 pela autora.
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II. Fundamentação.
Nos termos do art.º 46º, nº 2, al. e) da Lei da Arbitragem voluntária (LAV - Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro) segue-se a tramitação do recurso de apelação, com as necessárias adaptações.
O Tribunal da Relação é o competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia (art.º 46º, nº 1 e 59º da LAV).
Inexistem nulidades principais.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade ad causam.
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- Inutilidade superveniente da lide quanto ao fundamento de condenação ultra petitum.
Como acima se referiu, um dos fundamentos invocados pela autora na presente acção respeita a que a sentença arbitral condenou além do pedido formulado pela aqui ré no processo arbitral.
Invoca a autora que a ré pediu a sua condenação no pagamento de juros de mora, vencidos e vincendos, calculados sobre o valor dos danos relacionados com os encargos de estrutura e com os custos directos, no valor total de € 418 365,15, à taxa de juro comercial em vigor em cada momento, nos termos do artigo 102.º do Código Comercial, atualmente de 7 %, desde 09-05-2019 até efetivo e integral pagamento”, ao passo que a aludida sentença a condenou a pagar juros de mora vencidos desde 09-05-2019 e juros vincendos até integral pagamento, incidentes sobre a totalidade do “valor [apurado] dos trabalhos e dos prejuízos que resultaram da resolução ilícita do Contrato de Empreitada”, que fixou em € 865 489,63 (arts. 116º e ss. da petição inicial).
Mostra-se pacífico nos autos que a sentença arbitral foi objecto de rectificação por decisão do Tribunal Arbitral de 27-08-2022, no sentido de acolher a posição da, aqui, autora, ou seja, da condenação da mesma a pagar à, aqui ré, juros de mora vencidos desde 09-05-2019 e vincendos até integral pagamento, calculados sobre o valor dos danos relacionados com encargos com a estrutura, trabalhos realizados e custos de mão-de-obra, no valor total de € 211.509,27, à taxa de juros comercial em vigor em cada momento nos termos do art.º 102º do Código Comercial.
O fundamento de anulação da decisão arbitral referido deixou, pois, de subsistir.
Face ao exposto, entende-se ocorrer a inutilidade superveniente da lide e consequente extinção da instância, no que respeita ao fundamento identificado, ao abrigo do art.º 277º, al. e), do CPC, o que será declarado a final.
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Não se vislumbra impedimento em conhecer do mérito da causa.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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QUESTÕES A DECIDIR
Nos presentes autos está em causa, face ao decidido no acórdão desta Relação de 28-02-2023 a propósito dos pedidos de condenação das partes como litigantes de má-fé transitado em julgado, apurar se a decisão arbitral em apreciação enferma de vícios que conduzam à sua anulação, tal como peticionado pela requerente.
Assim, cumpre apreciar se estão verificados e são relevantes os seguintes vícios que vêm suscitados pela requerente:
a) Caducidade do processo arbitral nos termos do art.º 43º, n.º 3, da LAV, posto que a sentença foi proferida após o termo do prazo máximo para a conclusão da arbitragem (arts. 60º e ss. da petição inicial);
b) Contradição entre os fundamentos e a sentença arbitral (arts. 89º e ss. da petição inicial);
c) Falta de fundamentação da sentença arbitral, posto que a mesma é ininteligível (arts. 104º e ss. da petição inicial);
d) Falta de fundamentação da sentença arbitral quanto ao valor dos lucros cessantes da ré (arts. 128º e ss. da petição inicial);
e) Decisão surpresa a respeito do proveito que a ré poderia tirar com a obra (arts. 146º e ss. da petição inicial);
f) A sentença arbitral, no segmento em que se funda em juízos de equidade para determinação dos custos de estrutura, viola a cláusula compromissória, com influência decisiva na resolução do litígio (arts. 162º e ss. da petição inicial); 
g) Da sentença arbitral resulta a violação da imparcialidade pelo Tribunal Arbitral e do direito ao processo justo (arts. 193º e ss. da petição inicial);
h) A sentença arbitral viola o princípio da autonomia privada das partes ao decidir com base na equidade e ao arrepio da estipulação das partes, ao desrespeitar a lei aplicável de acordo com estipulação das Partes, recorrendo a regras do Código Civil quando existem regras aplicáveis do Código dos Contratos Públicos, e ao ignorar a vontade das partes quando estabeleceram que a eficácia do contrato ficava dependente de um acto formal de consignação, o que constitui violação da ordem pública (arts. 256º e ss. da petição inicial).
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II – Fundamentação.
- De Facto.
Para apreciação das questões acima enunciadas, tem-se por relevante a seguinte factualidade, demonstrada nos autos:
1. O processo arbitral n.º …/…/…/AP, que correu os seus termos junto do Centro de Arbitragem Comercial da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, foi iniciado pela, aqui, ré contra a, aqui, autora, ao abrigo da convenção de arbitragem prevista na cláusula 26.ª (“Cláusula Compromissória”) do Contrato de Empreitada celebrado entre ambas a 25-09-2018, relativo à “Empreitada Geral para a Construção do Edifício Promenade”, sito na Avenida … de …, n.º …, em Lisboa.
2. Os termos da cláusula 26.ª do Contrato de Empreitada acima referida são os seguintes:
26.1 As Partes poderão, querendo, submeter qualquer litígio a arbitragem, no caso de não chegarem a acordo no prazo de 10 (dez) dias a contar da data da comunicação, por uma das partes, feita através de carta registada, com aviso de receção da situação do diferendo.
26.2 Todos os litígios emergentes do presente contrato ou com ele relacionados que não tenham sido resolvidos por acordo nos termos do número anterior serão definitivamente resolvidos de acordo com a Lei de Arbitragem Voluntária – Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro, por três árbitros nomeados nos termos da referida lei.
26.3. A arbitragem terá lugar em Lisboa.
26.4. As partes expressamente aceitam a consolidação de arbitragens e integração de partes adicionais, desde que fundada em cláusula compromissória compatível e relativamente a disputas relacionadas com o presente contrato.
26.5 Durante a arbitragem, de qualquer divergência, ambas as partes continuarão a cumprir as obrigações resultantes do presente contrato (cf. doc. n.º 2 junto com a pi).
3. Os termos da cláusula 1.3 do Contrato de Empreitada acima referido são os seguintes:
A) No âmbito do presente Contrato e da execução da Empreitada, observar-se-á o seguinte, por ordem de prevalência:
1. As cláusulas do presente contrato;
2. O disposto no caderno de encargo e no programa de concurso;
3. O disposto nos demais documentos contratuais;
4. O regime jurídico das empreitadas de obras públicas, com as necessárias adaptações, atendendo à natureza privada da empreitada;
5. A demais legislação aplicável ao presente contrato e à execução da empreitada, nomeadamente, mas sem limitar, a legislação e regulamentos relativos à construção, instalação de pessoal, segurança social, relações de trabalho, higiene, segurança e medicina no trabalho e prejuízos causados a terceiros.
Os diplomas legais e regulamentares referidos em 4 e 5 supra apenas serão aplicáveis a título subsidiário, quando não exista regulamentação expressa da matéria em causa no presente contrato, ou quando as disposições legais ou regulamentares tenham carácter imperativo (cf. doc. n.º 2 junto com a pi).
4. Os termos da cláusula 27.ª do Contrato de Empreitada acima referido são os seguintes:
27.1 O contrato produz os seus efeitos com a consignação da obra, que será feita no prazo máximo de 6 (seis) meses desde a assinatura do presente contrato, sendo válidas, até essa data, todas as condições reguladas e anexadas no presente contrato.
27.2 Findos os 6 (seis) meses desde a assinatura do presente contrato, sem que a obra tenha sido consignada, as partes têm o direito a renegociar as condições reguladas e anexadas no presente contrato. Não existindo acordo na renegociação das condições, o contrato será resolvido por mútuo acordo, não existindo por isso lugar à reclamação de valores provenientes de custos, indemnizações e/ou penalizações (cf. doc. n.º 2 junto com a pi).
5. O processo arbitral referido teve por objeto o diferendo referente à resolução do Contrato pela A …, Lda., em 03-04-2019.
6. No âmbito do Processo Arbitral, a, aqui, ré, no papel de Demandante, formulou os seguintes pedidos:
“a) Que seja declarada a ilicitude da resolução do Contrato de Empreitada declarada pela A …, Lda.;
b) Cumulativamente, com o pedido da alínea a), que seja declarada que, ao resolver ilicitamente o Contrato de Empreitada, a Demandada A …, Lda. desistiu da Empreitada, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1299° do Código Civil;
c) Subsidiariamente em relação ao pedido da alínea b), mas cumulativamente com o pedido da alínea a) que se declare o Contrato resolvido por incumprimento definitivo da A …, Lda.;
d) Cumulativamente com os pedidos das alíneas a) e b) ou, subsidiariamente, das alíneas a) e c), que a Demandada seja condenada a pagar à B …, S.A. a cláusula penal no montante de €1.547.930,99;
e) Cumulativamente com o pedido da alínea d), que a Demandada seja condenada a pagar à B …, S.A. os trabalhos executados no auto de medição n.º 1, no valor de €20.690,15;
f) Subsidiariamente, em relação aos pedidos das alíneas d) e e), mas cumulativamente com os pedidos das alíneas a) e b) ou, subsidiariamente, das alíneas a) e c), que a Demandada seja condenada no pagamento à B …, S.A. de uma indemnização no valor total de 1.272.590,87€, sendo o montante de 321.780€ correspondente a encargos de estrutura, o montante de 96.585,15 a custos directos e o montante de 854.225,71€ aos proveitos que a B …, S.A. deixou de obter por força da cessação unilateral do Contrato;
g) Cumulativamente com o pedido da alínea f), que a Demandada seja condenada no pagamento de juros de mora, vencidos e vincendos, calculados sobre o valor dos danos relacionados com os encargos de estrutura e com os custos diretos, no valor de 418.365,15€, à taxa de juro comercial em vigor em cada momento, nos termos do artigo 102º do Código Comercial, atualmente de 7%, desde 09.05.2019 até efetivo e integral pagamento;
h) Cumulativamente com os pedidos supra, que a Demandada seja condenada no pagamento dos honorários dos árbitros e demais encargos do processo arbitral, incluindo encargos administrativos, honorários de peritos, técnicos e advogados (doc. n.º1 junto com a petição inicial).
7. No âmbito do mesmo processo arbitral, a, aqui, autora, na qualidade de demandada, formulou os seguintes pedidos:
a) Requer que sejam consideradas totalmente improcedentes, por não provadas, as pretensões da Demandante, e, por conseguinte, absolvida a Demandada dos pedidos, nos termos e para todos os efeitos legais; Subsidiariamente, se, por mera hipótese de raciocínio, o Tribunal entender que não houve resolução nos termos da Cl. 27.2 do Contrato de Empreitada;
b) Requer, que seja julgado procedente, por provado, o pedido reconvencional que ora se deduz nos termos acima alegados e que, em consequência:
i. seja declarada a resolução por justa causa do Contrato de Empreitada nos termos e para os efeitos da Cl. 25.8, alínea a),
ii. seja a Demandante condenada a pagar à Demandada o montante de € 3.529.596,82 referente à indemnização dos prejuízos e danos emergentes, em conformidade com a Cl. 25.10 do Contrato de Empreitada;
iii. seja a Demandante condenada a pagar à Demandada as penalidades previstas na Cl. 7.1 do Contrato de Empreitada no montante de € 3.100.000,00,
iv. seja a Demandante condenada a pagar à Demandada os juros de mora, vencidos e vincendos, calculados à taxa de juro comercial em vigor desde a data da propositura da arbitragem até o efetivo e integral pagamento;
c) Cumulativamente com os demais pedidos, seja a Demandante condenada a suportar todas as custas do presente processo arbitral, incluindo os honorários dos árbitros e demais encargos administrativos, e ainda os honorários que a Demandada vier a suportar com sua defesa, designadamente com os honorários dos seus advogados, técnicos auxiliares e peritos, nos termos do disposto no Art.º 42.º, n.º 5 da Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro (doc. n.º 1 junto com a petição inicial).
8. Por Sentença Arbitral proferida no dia 29-06-2022, o Tribunal Arbitral decidiu:
a) Julgar procedente o pedido formulado na alínea a) da petição inicial da B …, S.A. e, consequentemente, declarar ilícita a resolução do Contrato de Empreitada promovida pela A …, Lda. através de comunicação à B …, S.A. de 3 de abril de 2019;
b) Condenar a A …, Lda. a pagar à B …, S.A. o valor dos trabalhos e dos prejuízos que resultaram da resolução ilícita do Contrato de Empreitada, o qual se fixa em €865.489,63 (assumindo que o valor do custo de mão-de-obra de €30.959,12 é um valor mínimo), acrescido de juros de mora vencidos desde 9 de maio de 2019 e de juros vincendos até integral pagamento, à taxa de juro comercial em vigor em cada momento nos termos do artigo 102º do Código Comercial;
c) Julgar improcedentes os demais pedidos formulados pela B …, S.A. na sua petição inicial, sem prejuízo do referido na alínea g) abaixo;
d) Julgar improcedentes, por não provados, todos os pedidos reconvencionais formulados pela A …, Lda., absolvendo a B …, S.A. dos mesmos;
e) Julgar improcedente o pedido de cancelamento da factura a que respeitam os trabalhos indicados no Auto de Medição n.º … - Doc. A-51;
f) Julgar improcedente o pedido formulado pela B …, S.A. no sentido da condenação da A …, Lda. no pagamento das quantias identificadas nas alíneas b) e c) do ponto 46. do seu requerimento da B …, S.A. de 13 de abril de 2021, assim como o pedido da A …, Lda. formulado na alínea c) da parte final da sua contestação;
g) Condenar as Partes no pagamento dos encargos com o presente processo arbitral e que foram liquidados junto do Centro de Arbitragem Comercial relativos a árbitros, à produção de prova (incluindo prova pericial) e encargos administrativos, na proporção do decaimento das suas pretensões e que o Tribunal Arbitral fixa em 9% para a B …, S.A. e 91% para a A …, Lda., condenando esta última no reembolso à primeira dos valores correspondentes;
h) Na sequência do despacho deste tribunal arbitral de 30 de margo de 2022, e na ausência de pronúncia das partes, fixa-se o valor da presente arbitragem em €8.198.217,96 (oito milhões cento e noventa e oito mil duzentos e dezassete euros) (doc. n.º 1 junto com a petição inicial).
9. Por decisão do Tribunal Arbitral de 27-08-2022, determinou-se a rectificação da sentença arbitral referida no ponto anterior nos seguintes termos:
a) Na página 110 da sentença arbitral, onde se lê
“Em síntese, considera o tribunal arbitral que a resolução do Contrato de Empreitada pela A …, Lda. na sua comunicação à B …, S.A. de 4 de abril de 2019 é ilícita e gerou um direito a indemnização da B …, S.A., apurado nos termos do art.º 1229º do Código Civil, o qual face à prova produzida se traduz num valor de € 865.489,63 (assumindo como valor mínimo de custo de mão-de-obra de € 30 959,12), acrescido de juros de mora vencidos desde 9 de maio de 2019 e de juros vincendos até integral pagamento, à taxa de juro comercial em vigor em cada momento nos termos do artigo 102º do Código Comercial”
deverá passar a ler-se 
“Em síntese, considera o tribunal arbitral que a resolução do Contrato de Empreitada pela A …, Lda. na sua comunicação à B …, S.A. de 4 de abril de 2019 é ilícita e gerou um direito a indemnização da B …, S.A., apurado nos termos do art.º 1229º do Código Civil, o qual face à prova produzida se traduz num valor de € 865.489,63 (assumindo como valor mínimo de custo de mão-de-obra de € 30 959,12), acrescido de juros de mora vencidos desde 9 de maio de 2019 e de juros vincendos até integral pagamento calculados sobre o valor dos danos relacionados com os encargos de estrutura, trabalhos realizados e custos de mão-de-obra, no valor total de € 211 509,27, à taxa de juro comercial em vigor em cada momento nos termos do artigo 102º do Código Comercial.”
b) Na alínea b) da Decisão (página 122 da sentença arbitral), onde se lê
“Condenar a A …, Lda. a pagar à B …, S.A. o valor dos trabalhos e dos prejuízos que resultaram da resolução ilícita do Contrato de Empreitada, o qual se fixa em € 865.489,63 (assumindo que o valor do custo de mão-de-obra de € 30 959,12 é um valor mínimo), acrescido de juros de mora vencidos desde 9 de maio de 2019 e de juros vincendos até integral pagamento, à taxa de juro comercial em vigor em cada momento nos termos do artigo 102º do Código Comercial”
deverá passar a ler-se
“Condenar a A …, Lda. a pagar à B …, S.A. o valor dos trabalhos e dos prejuízos que resultaram da resolução ilícita do Contrato de Empreitada, o qual se fixa em € 865.489,63 (assumindo que o valor do custo de mão-de-obra de € 30 959,12 é um valor mínimo), acrescido de juros de mora vencidos desde 9 de maio de 2019 e de juros vincendos até integral pagamento calculados sobre o valor dos danos relacionados com os encargos de estrutura, trabalhos realizados e custos de mão-de-obra, no valor total de € 211.509,27, à taxa de juro comercial em vigor em cada momento nos termos do artigo 102º do Código Comercial” (doc. n.º1 junto com a oposição).
10. O Tribunal Arbitral foi constituído em 12.09.2019, conforme resulta da Ata n.º 1 de 12.09.2019 (doc. n.º 9 junto com a petição inicial);
11. Conforme sugerido pelo Tribunal Arbitral e aceite pelas partes, o processo arbitral correu os seus termos junto do CAC e de acordo com o respetivo Regulamento de Arbitragem, com as seguintes adaptações:
(i) “Não aplicação do disposto nos Artigos 19.º (Requerimento de Arbitragem) e Artigo 20.º (Citação e Resposta);
(ii) Convocação da Audiência Preliminar prevista no Artigo 22.º do Regulamento de Arbitragem após aceitação pelas Partes do teor da presente carta;
(iii) Caso, no âmbito do processo arbitral a tramitar, qualquer uma das Partes entenda que uma qualquer invalidade processual foi praticada por inobservância das regras legais ou regulamentares aplicáveis e se da mesma não reclamar de imediato, incluindo quanto aos ajustamentos ao Regulamento de Arbitragem acima indicados, considera-se que a mesma renunciou à invocação dessa invalidade, para todos os efeitos legais;
(iv) O Tribunal Arbitral tem poderes para, sempre que necessário para a condução do processo, promover a interpretação das normas do Regulamento de Arbitragem e a sua adaptação, em função das necessidades processuais de celeridade e eficiência aplicáveis;
(v) As competências atribuídas ao Presidente do CAC são exercidas pelo Tribunal Arbitral (doc. n.º 9 junto com a petição inicial);
12. A 17-08-2020, o Tribunal Arbitral proferiu despacho com os seguintes termos, além do mais:
1 Do prazo para conclusão da arbitragem
Tendo ambas as partes manifestado a sua concordância relativamente à prorrogação da presente arbitragem por 12 meses, determina-se a prorrogação da mesma pelo referido prazo de 12 meses (doc. n.º 10 junto com a petição inicial);
13. Na audiência de julgamento do dia 05-07-2021, com fundamento na concordância das partes, o Tribunal Arbitral determinou a prorrogação do prazo do processo arbitral para o dia 31-03-2022 (doc. n.º 11 junto com a petição inicial);
14. Em 06-12-2021, as partes apresentaram as suas alegações finais (docs. n.º 5 e 24 juntos com a petição inicial);
15. A 08-03-2022, o Tribunal Arbitral proferiu despacho com os seguintes termos:
“Na sessão do Tribunal Arbitral de 05-07-2021, foi acordado entre as Partes a prorrogação do prazo do presente processo arbitral para o dia 31-03-2022.
Tendo em conta o desenvolvimento sucessivo do presente processo arbitral, em particular a apresentação de alegações finais pelas Partes e a extensão das mesmas, aliado ao volume de documentos, à complexidade da matéria de facto e de direito objecto destes autos, os Árbitros pretendem uma prorrogação, pelo prazo de 60 dias (ou seja, até dia 30-05-2022), para proferir a sentença arbitral.
Atento o disposto no art.º 33º do Regulamento de Arbitragem, o Tribunal Arbitral notifica as Partes para, no prazo de 5 dias, informarem se estão de acordo quanto à pretensão de prorrogação do prazo acima indicada.” (doc. n.º 13 junto com a pi);
16. Em 14-03-2022, a ré, B …, S.A., apresentou resposta ao despacho referido no ponto anterior com os seguintes termos, além do mais que não releva para a presente decisão:
“(…) tendo sido notificada dos despachos do Tribunal Arbitral de 08.032022, vem, pelo presente, informar que está de acordo (i) com a prorrogação por 60 dias do prazo para proferir a decisão arbitral (…)” (doc. n.º 15 junto com a petição inicial);
17. Em 14-03-2022, a autora, A …, Lda., apresentou resposta ao mesmo despacho com os seguintes termos, além do mais que não releva para a presente decisão:
“(…) notificada dos despachos proferidos por este douto Tribunal Arbitral no passado dia 08.032022, vem, muito respeitosamente, declarar o seu acordo de princípio quanto (i) à prorrogação do prazo para proferir a sentença arbitral em 60 dias (…)” doc. n.º 16 junto com a petição inicial);
18. A 15-03-2022, o Tribunal Arbitral proferiu despacho com os seguintes termos:
“Na sessão do Tribunal Arbitral de 05.07.2021, foi acordado entre as Partes a prorrogação do prazo de decisão do presente processo arbitral para o dia 31.03.2022.
Tendo em conta o desenvolvimento sucessivo do presente processo arbitral, em particular a apresentação das alegações finais pelas Partes e a extensão das mesmas, aliado ao volume de documentos, à complexidade da matéria de facto e de direito objeto destes autos, os Árbitros informaram as Partes de que pretendiam uma prorrogação, pelo prazo de 60 dias (ou seja, até dia 30.05.2022), do prazo para proferir a sentença arbitral e notificaram as Partes para sobre isso se pronunciarem.
A B …, S.A. declarou, expressamente, aceitar a referida prorrogação do prazo.
A A …, Lda. não se pronunciou no prazo concedido para o efeito.
Considerando os fundamentos anteriormente expressos no despacho de 8 de março de 2022, a aceitação da prorrogação por parte da B …, S.A. e a não objeção por parte da A …, Lda., o Tribunal Arbitral determina, ao abrigo do disposto no artigo 33º do Regulamento de Arbitragem, a prorrogação do prazo para emissão de decisão arbitral até ao próximo dia 30.05.2022.” (doc. n.º 17 junto com a petição inicial);
19. A 30-03-2022, o Tribunal Arbitral proferiu novo despacho com os seguintes termos, além de outros que não relevam para a presente decisão:
“1. Por despacho de 15-03-2022, o Tribunal Arbitral determinou a prorrogação do prazo da arbitragem e de emissão da decisão arbitral, fazendo menção a que a B …, S.A. se havia pronunciado em sentido concordante e que a A …, Lda. se não tinha oposto. Verifica-se, porém, existir um lapso nessa referência, rendo em conta o requerimento apresentado pela A …, Lda. em 14-03-2022 e onde esta declara a que concordância em relação àquela decisão. Nesse sentido, retifica-se o despacho de 15.03-2022, determinando-se, assim, com a concordância expressa de ambas as partes, a prorrogação do prazo de arbitragem e de emissão da decisão arbitral até ao dia 30.05.2022.
(…)”doc. n.º 17 junto com a petição inicial);
20. A 24-05-2022, o Tribunal Arbitral proferiu novo despacho com os seguintes termos:
“1. Por despacho de 30.03.2022, foi determinado, com o acordo expresso das Partes, que a decisão arbitral pudesse ser emitida até ao 30.05.2022.
2. Na presente data, o tribunal arbitral encontra-se ainda a elaborar a decisão arbitral, tendo, para efeito de conclusão da mesma, a necessidade de um prazo adicional de 30 dias.
3. Para o efeito, notificam-se as Partes para, no prazo de dois dias, manifestarem a sua concordância expressa no sentido de a decisão arbitral poder ser proferida até 29.06.2022.” (doc. n.º 19 junto com a petição inicial);
21. Após comunicação de concordância pelas partes, o Tribunal Arbitral, a 27-05-2022, proferiu despacho com os seguintes termos:
“1. Na sequência do despacho do tribunal arbitral do passado dia 24.05.2022, as Partes vieram manifestar o seu acordo no sentido de a decisão arbitral poder ser proferida até 29.06.2022.
2. Deste modo, determina-se a prorrogação do prazo para a emissão da decisão arbitral até dia 29.06.2022.” (doc. n.º 20 junto com a petição inicial);
22. A Sentença Arbitral foi proferida e notificada às Partes no dia 29.06.2022 (doc. n.º 21 junto com a petição inicial).
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Não se vislumbra matéria de facto alegada pelas partes e relevante para a decisão que não se tenha provado.
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Tem-se a factualidade acima enunciada como demonstrada por força da documentação junta aos autos pelas partes nas respectivas peças processuais, designadamente, na que se fez referência a propósito de cada um dos pontos acima constantes, a qual não se mostra impugnada.
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- De direito.
A actual Lei da Arbitragem Voluntária (LAV) apenas admite, como regime-regra, a reacção contra a sentença arbitral pela via do “pedido de anulação” dirigido ao tribunal estadual competente, excepto se as partes tiverem acordado na recorribilidade da sentença arbitral para os tribunais estaduais (art.º 46º, nº 1 e 39º, nº 4 da LAV).
De igual modo, por força do disposto no art.º 42º do Regulamento de Arbitragem, aplicável ao processo de arbitragem onde foi proferida a sentença em referência nesta decisão, a mesma não é susceptível de recurso.
Nessa perspectiva, a acção de anulação de decisão arbitral, como a presente, é um meio processual que não visa obter a decisão de um litígio – como sucede na arbitragem que a precede -, tendo antes por objectivo controlar a integridade do Tribunal Arbitral, a integridade do processo adoptado e a integridade da decisão proferida, verificando a sua compatibilidade com os princípios, regras e valores fundamentais do ordenamento jurídico.
O pedido de anulação, que origina uma forma procedimental autónoma moldado pelas regras da apelação no que se não mostre especialmente previsto no nº2 do art.º 46º da LAV, pressupõe a verificação de algum ou alguns dos fundamentos taxativamente previstos na lei.
A pretensão de anulação não envolve um amplo conhecimento do mérito da decisão que se pretende anular, estando a competência do tribunal estadual circunscrita à matéria da verificação do específico fundamento da pretendida anulação, pelo que mesmo nos casos em que proceda a pretensão anulatória, a reapreciação do mérito cabe a outro tribunal arbitral - nº 9 do art.º 46º.
Como refere Manuel Pereira Barrocas, sobre a concepção e tramitação do processo de arbitragem, in A Razão por que não são aplicáveis à Arbitragem nem os Princípios nem o regime legal do Processo Civil, in ROA, Ano 75, Lisboa, Jul/Dez 2015, pág. 625 a 630, acessível em https://barrocas.pt/publ/A_Razao2.pdf: “O processo arbitral assenta em princípios fundamentais próprios contidos, no caso da lei portuguesa, no art.º 30º, nº 1 da LAV, que não se confundem, embora possam parcialmente coincidir, com os que são próprios do processo civil. A sua aplicação prática, porém, obedece às características da arbitragem, designadamente ao seu menor formalismo e à desejada eficácia em vista do seu desígnio final que é a resolução do litígio.[…] O processo arbitral obedece, pois, a princípios e a práticas distintas do processo nos tribunais estaduais.[…] Apenas a analogia com o regime legal do processo civil pode, eventual e muito parcimoniosamente, ser útil ao processo arbitral como repositório de conceitos técnico-científicos e, eventualmente, como exercício analógico, não obrigatório para o árbitro do preenchimento de uma lacuna legal verificada num processo arbitral. Não é, assim, admissível a invocação de uma norma legal do processo civil para fundamentar uma invalidade do processo ou do próprio laudo arbitral. E o mesmo é relevante para a exclusão do seio da arbitragem de princípios processuais que não sejam os que são próprios do processo arbitral (sobre os princípios fundamentais do processo arbitral, ver o art.º 30º nº 1 da LAV)”.
O art.º 46º, nº 3 da LAV dispõe que:
A sentença arbitral só pode ser anulada pelo tribunal estadual competente se:
a) A parte que faz o pedido demonstrar que:
i) Uma das partes da convenção de arbitragem estava afectada por uma incapacidade; ou que essa convenção não é válida nos termos da lei a que as partes a sujeitaram ou, na falta de qualquer indicação a este respeito, nos termos da presente lei; ou
ii) Houve no processo violação de alguns dos princípios fundamentais referidos no n.º 1 do artigo 30.º com influência decisiva na resolução do litígio; ou
iii) A sentença se pronunciou sobre um litígio não abrangido pela convenção de arbitragem ou contém decisões que ultrapassam o âmbito desta; ou
iv) A composição do tribunal arbitral ou o processo arbitral não foram conformes com a convenção das partes, a menos que esta convenção contrarie uma disposição da presente lei que as partes não possam derrogar ou, na falta de uma tal convenção, que não foram conformes com a presente lei e, em qualquer dos casos, que essa desconformidade teve influência decisiva na resolução do litígio; ou
v) O tribunal arbitral condenou em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento ou deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar; ou
vi) A sentença foi proferida com violação dos requisitos estabelecidos nos nºs 1 e 3 do artigo 42.º; ou
vii) A sentença foi notificada às partes depois de decorrido o prazo máximo para o efeito fixado de acordo com ao artigo 43.º; ou
b) O tribunal verificar que:
i) O objecto do litígio não é susceptível de ser decidido por arbitragem nos termos do direito português;
ii) O conteúdo da sentença ofende os princípios da ordem pública internacional do Estado português”.
Os fundamentos previstos no art.º 46º, n.º 3, al. a), carecem de ser invocados e provados pelas partes, cabendo àquela que deles se pretenda valer fazê-lo. Os fundamentos consagrados no art.º 46º, n.º3, al. b), podem ser conhecidos oficiosamente, mesmo sem alegação ou prova pelas partes (no mesmo sentido, vejam-se José Robin de Andrade, Lei da Arbitragem Voluntária Anotada, coordenação de Dário Moura Vicente, 6ª edição, 2023, Livraria Almedina/APA, p. 198, e Manuel Pereira Barrocas, Lei da Arbitragem Comentada, 2ª edição, 2018, Livraria Almedina, p. 179).
Passando ao conhecimento dos fundamentos de anulação da sentença arbitral arguidos pela autora.
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- Caducidade do processo arbitral nos termos do art.º 43º, n.º 3, da LAV (art.º 46º, n.º 3, al. a), vii), da LAV).
Nos arts. 60º e ss. da petição inicial, a autora invoca que a sentença arbitral foi proferida após o termo do prazo para conclusão da arbitragem, alegando, em síntese, que:
- na sequência de despachos anteriores, o Tribunal Arbitral, em 30-05-2022, determinou a prorrogação do prazo de arbitragem e de emissão da decisão arbitral até ao dia 30-05-2022;
- no dia 24-05-2022, o Tribunal Arbitral proferiu novo despacho a solicitar a concordância das partes “no sentido de a decisão arbitral poder ser proferida até 29-06-2022”, sendo que, após acordo manifestado pelas partes, a 24-05-20222, o Tribunal proferiu despacho onde determinou a “prorrogação do prazo para a emissão de decisão arbitral até ao dia 29-06-2022”;
- a sentença arbitral foi proferida e notificada às partes no dia 29-06-2022;
- o artigo 33º do Regulamento, preceitua, no seu n.º 1, que “A sentença final é proferida, salvo prazo diferente acordado pelas partes, no prazo de dois meses, a contar do encerramento do debate”, e, no seu n.º 4, que “O prazo global para conclusão da arbitragem é de um ano, a contar da data em que o tribunal arbitral se considere constituído”;
- o prazo para proferir a sentença arbitral não invalida que esta tenha que ser notificada às partes dentro do prazo global para conclusão da arbitragem – sem prejuízo de prorrogação pelas partes -, sob pena de extinção do processo arbitral e da competência dos árbitros;
- por força do disposto no art.º 43º, n.º 3, da LAV, a sentença arbitral foi proferida por quem já não tinha poderes para tanto.
Em sede de oposição, nos arts. 30º e ss., a ré defende a improcedência da arguição em referência, alegando, em síntese, que:
- a autora não invocou a questão a que se fez menção perante o Tribunal Arbitral, designadamente, até ter sido proferida a sentença arbitral;
- mesmo após ter sido proferida tal decisão, a autora dirigiu diversos requerimentos ao Tribunal Arbitral, incluindo de rectificação da sentença, assim reconhecendo expressamente a sua competência;
- o prazo dentro do qual a sentença tinha de ser notificada às partes – prazo global da arbitragem -, previsto nos arts. 43º, n.º 1, da LAV, e 33º, n.º 4, do Regulamento de Arbitragem, foi prorrogado pelo Tribunal Arbitral, com acordo expresso das partes;
- atenta a redação do artigo 43.º, n.º 1 da LAV (para o qual o Tribunal Arbitral expressamente remete logo no primeiro despacho de 22.07.2020) e o teor dos sucessivos despachos, só se pode concluir que o Tribunal Arbitral (como, aliás, as partes) se referiu sempre, incluindo nos últimos despachos de 24.05.2022 e 27.05.2022, ao prazo global da arbitragem entendido como o prazo dentro do qual o tribunal arbitral podia proferir e notificar às partes a sentença arbitral, tendo sido sempre e só esse prazo que foi sendo sucessivamente prorrogado;
- a essa conclusão conduz, aliás, a interpretação do teor dos dois despachos do Tribunal Arbitral, de acordo com os critérios enunciados nos artigos 236.º, n.º 1 e 237.º do Código Civil, que a doutrina e a jurisprudência consideram, pacificamente, como aplicáveis à interpretação de decisões jurisdicionais;
- acresce que resulta das regras propostas pelo Tribunal Arbitral e aceites pelas partes que “[c]aso, no âmbito do processo arbitral a tramitar, qualquer das partes entenda que uma qualquer invalidade processual foi praticada por inobservância das regras legais ou regulamentares aplicáveis e se da mesma não reclamar de imediato, incluindo quanto aos ajustamentos ao regulamento de Arbitragem acima indicados, considera-se que a mesma renunciou à invocação dessa invalidade, para todos os efeitos legais” (carta de 19.09.2019 dirigida às partes, junta como Doc. n.º 9 em anexo à petição);
- o n.º 4 do artigo 46.º da LAV dispõe que “[s]e uma parte, sabendo que não foi respeitada uma das disposições da presente lei que as partes podem derrogar ou uma qualquer condição enunciada na convenção de arbitragem, prosseguir apesar disso a arbitragem sem deduzir oposição de imediato ou, se houver prazo para este efeito, nesse prazo, considera-se que renunciou ao direito de impugnar, com tal fundamento, a sentença arbitral”;
- estão preenchidos os requisitos de que depende a aplicação do art.º 46º, n.º 4, da LAV, o que obsta à arguição da anulabilidade de sentença arbitral pelo motivo em referência.
Passando à apreciação do fundamento de anulação em referência.
Por força do disposto no art.º 46º, n.º 3, al. a), vii), da LAV, a notificação da sentença às partes depois de decorrido o prazo máximo para o efeito fixado de acordo com o art.º 43º constitui fundamento de anulação da sentença arbitral.
De acordo com o art.º 43º, n.º 1, da LAV, salvo se as partes, até à aceitação do primeiro árbitro, tiverem acordado prazo diferente, os árbitros devem notificar-lhes a sentença final proferida sobre o litígio que por elas lhes foi submetido dentro do prazo de 12 meses a contar da data da aceitação do último árbitro.
Já o art.º 43º, n.º 2, da LAV, estatui que os prazos definidos de acordo com o número 1 podem ser livremente prorrogados por acordo das partes ou, em alternativa, por decisão do tribunal arbitral, por uma ou mais vezes, por sucessivos períodos de 12 meses, devendo tais prorrogações ser devidamente fundamentadas, ficando, porém, ressalvada a possibilidade de as partes, de comum acordo, se oporem à prorrogação determinada pelo tribunal arbitral.
Importa, ainda, atentar em que, por força do disposto no art.º 43º, n.º 3, da LAV, a falta de notificação da sentença final dentro do prazo máximo determinado de acordo com os números anteriores do mesmo artigo, põe automaticamente termo ao processo arbitral, fazendo, também, extinguir a competência dos árbitros para julgarem o litígio que lhes foi submetido, sendo que, face ao estatuído no número 4 do mesmo artigo, os árbitros que injustificadamente obstarem a que a decisão seja proferida dentro do prazo fixado respondem pelos danos causados.
Por força do disposto no art.º 6º da LAV, a referência ao prazo acordado pelas partes constantes dos números 1 e 2 do art.º 43º da LAV abrange quer o prazo concretamente fixado pelas partes na convenção de arbitragem quer o prazo que decorra da aplicação do regulamento do centro de arbitragem institucionalizada para o qual as partes hajam remetido a arbitragem, ou da deliberação do órgão competente desse centro, nos termos do aludido regulamento (no mesmo sentido, José Robin de Andrade, Lei da Arbitragem Voluntária Anotada, Coordenação de Dário Moura Vicente, 6ª edição, Maio 2023, Livraria Almedina e APA, Coimbra, p. 181).
Considerando o disposto no art.º 43º, n.º 1, da LAV, existindo um prazo convencional, o mesmo prevalece sobre o prazo aí fixado, sendo esse o que deve ser atendido para apurar se o motivo de anulação da decisão arbitral consagrado no art.º 46º, n.º 3, al. a), vii), da LAV, ocorre.
O prazo referido no mesmo preceito tem início com a constituição do Tribunal Arbitral.
Por outro lado, de acordo com o disposto no art.º 46º, n.º4, do LAV, se uma parte, sabendo que não foi respeitada uma das disposições do mesmo diploma que as partes podem derrogar ou uma qualquer condição enunciada na convenção de arbitragem, prosseguir apesar disso a arbitragem sem deduzir oposição de imediato ou, se houver prazo para este efeito, nesse prazo, considera-se que renunciou ao direito de impugnação, com tal fundamento, da sentença arbitral.
O preceito acabado de referir consagra o princípio que se reconduz a “evitar e sancionar comportamentos das partes que violem regras de boa-fé: trata-se de fazer presumir a renúncia à impugnação, de comportamentos da parte que não são compatíveis com o ulterior pedido de anulação da sentença”, permitindo incrementar a eficiência dos processos arbitrais e dificultar “práticas de tentar a utilização a posteriori de questões que na altura oportuna – se tivessem sido invocadas – poderiam ter sido corrigidas” (cf. José Robin de Andrade, Lei da Arbitragem Voluntária Anotada, Coordenação de Dário Moura Vicente, 6ª edição, Maio 2023, Livraria Almedina e APA, Coimbra, p. 207). 
Se as partes não deduzirem oposição imediata ou no prazo que possa estar estabelecido para o efeito, com fundamento no desrespeito de uma das disposições do mesmo diploma que podem derrogar ou uma qualquer condição enunciada na convenção de arbitragem, entende-se que a invalidade ficou sanada (cf. Manuel Pereira Barrocas, Lei da Arbitragem Voluntária Comentada, 2ª edição, Julho 2018, Livraria Almedina, Coimbra, p. 191).
No caso dos autos, o processo arbitral correu os seus termos junto do CAC, de acordo com o respectivo Regulamento de Arbitragem, conforme sugerido pelo Tribunal Arbitral e aceite pelas partes (cf. ponto 11 da matéria de facto provada).
Foi, também, aceite pelas partes que caso, no âmbito do processo arbitral, qualquer uma delas entenda que uma qualquer invalidade processual foi praticada por inobservância das regras legais ou regulamentares aplicáveis e se da mesma não reclamar de imediato, incluindo quanto aos ajustamentos ao Regulamento de Arbitragem acordados, considera-se que a mesma renunciou à invocação dessa invalidade, para todos os efeitos legais.
Por força do disposto no art.º 33º, n.º 4, do Regulamento do CAC, de 1 de Março de 2014 (doc. n.º 6 junto com a petição inicial), o prazo global para a conclusão da arbitragem é de um ano, a contar da data em que o Tribunal Arbitral se considere constituído.
Cumpre, ainda, mencionar que resulta dos números 1 e 2 do mesmo artigo que a sentença final é proferida, salvo prazo diferente acordado pelas partes, no prazo de dois meses, a contar do encerramento do debate, sendo que as partes podem acordar na prorrogação ou na suspensão de tal prazo.
No caso dos autos, o prazo global para a conclusão da arbitragem é de um ano, a contar da data em que o Tribunal Arbitral se constituiu, o que ocorreu a 12-09-2019 (cf. ponto 10 da matéria de facto provada), considerando o art.º 33º, n.º4, do Regulamento do CAC, de 1 de Março de 2014, cuja aplicação foi acordada entre as partes sob proposta do Tribunal Arbitral.
Sendo admissível a prorrogação de tal prazo, designadamente com a concordância das partes, entende-se que, por força das decisões expressas do Tribunal Arbitral proferidas a 17-08-2020, 05-07-2021 e 30-03-2022, o prazo para a conclusão da arbitragem foi prorrogado até 30-05-2022 (cf. pontos 12, 13 e 19 da matéria de facto provada).
Como se afere do ponto 20 da matéria de facto provada, a 24-05-2022, o Tribunal Arbitral, fazendo referência expressa ao despacho anterior, proferido a 30-03-2024, e que nele foi determinado, com o acordo das partes, que a decisão arbitral pudesse ser emitida até ao dia 30-05-2022, determinou a notificação das partes para manifestarem a sua concordância expressa no sentido de a decisão arbitral poder ser proferida até 29-06-2022.
Constata-se, ainda, do ponto 21 da matéria de facto provada que, na sequência do aludido despacho e da comunicação da concordância das partes, o Tribunal Arbitral, a 27-05-2022, proferiu despacho onde determinou a prorrogação do prazo para a emissão da decisão arbitral até dia 29-06-2022.
Entende a autora que esta última decisão respeita, apenas, ao prazo previsto no art.º 33º, n.º1, do Regulamento do CAC, de 1 de Março de 2014, não se referindo ao prazo global da conclusão da arbitragem previsto no número 4 do mesmo artigo, pelo que, tendo a sentença arbitral sido proferida a 29-06-2022, este último se mostra ultrapassado, posto que apenas terá sido prorrogado até 30-05-2022, conforme decisão do Tribunal Arbitral de 30-03-2022.
Importa atentar em que, a decisão do Tribunal Arbitral proferida a 27-05-2022 surge na sequência do despacho de 30-03-2022, onde se determinou a prorrogação do prazo de arbitragem e de emissão da decisão arbitral até ao dia 30.05.2022.
A decisão de 27-05-2022 do Tribunal Arbitral, ainda que mencione expressamente apenas ao prazo para a emissão da decisão arbitral até ao dia 29-06-2022, deve, face ao referido, ser interpretada no sentido de que o prazo de arbitragem e de emissão da decisão arbitral foi prorrogado até ao dia nele fixado, ou seja, 29-06-2022.
Para tal aponta, inequivocamente, o critério do normal declaratário previsto no art.º 236º, n.º 1, do Código Civil, considerando a referência constante da decisão ao despacho de 30-03-2022 e a circunstância de, tendo já sido apresentadas alegações finais, o termo do processo arbitral depender, apenas e tão só, da sentença arbitral a proferir.
Na verdade, não se vê qualquer utilidade razoável da decisão em causa se, com a mesma, apenas se pretendesse prorrogar o prazo para a sentença arbitral, posto que tal importaria a violação do prazo global da arbitragem e, com isso, a invalidade dessa mesma decisão e a possível responsabilidade dos membros do Tribunal Arbitral por danos derivados dessa violação nos termos do art.º 43º, n.º 4, da LAV.
Entende-se, pois, que o Tribunal Arbitral, na decisão que proferiu a 27-05-2022, prorrogou o prazo para a conclusão da arbitragem até ao dia 29-06-2022.
Tendo a sentença arbitral sido proferida e notificada às partes na última data referida, forçoso se mostra concluir que o prazo para a conclusão da arbitragem não se mostra ultrapassado e que, por isso, o fundamento de anulação da decisão arbitral previsto no art.º 46º, n.º3, al. a), vii), da LAV, não se verifica.
Ainda que se perfilhasse o entendimento da autora, no sentido de que a decisão do Tribunal Arbitral proferida a 27-05-2022 apenas prorrogou o prazo para a conclusão da decisão arbitral e que, por via disso, esta foi proferida após o termo do prazo para a conclusão do processo arbitral, que, no entendimento da autora, ocorreu a 30-05-2022, sempre o arguição da invalidade de tal decisão haveria de improceder.
Na verdade, como se afere do ponto 11 da matéria de facto, conforme sugerido pelo Tribunal Arbitral e aceite pelas partes, o processo arbitral correu os seus termos junto do CAC e de acordo com o respetivo Regulamento de Arbitragem, a que acima se fez referência, com, além de outras que não relevam, a adaptação de que, caso, no âmbito do processo arbitral, qualquer uma das partes entenda que uma qualquer invalidade processual foi praticada por inobservância das regras legais ou regulamentares aplicáveis e se da mesma não reclamar de imediato, incluindo quanto aos ajustamentos ao Regulamento de Arbitragem, considera-se que a mesma renunciou à invocação dessa invalidade, para todos os efeitos legais.
A adaptação acabada de mencionar é semelhante à norma contida no art.º 46º, n.º 4, do LAV, sendo de considerar que a sua finalidade é idêntica à de tal norma, a que acima se fez menção.
Seguindo a tese da autora, a mesma, face à adaptação referida e ao decurso do prazo de conclusão da arbitragem sem a sentença arbitral lhe ser notificada, disporia da faculdade de, em 10 dias (art.º 46º, n.º4, do Regulamento do CAC), a contar do termo desse prazo, ou seja, a partir de 30-05-2022, para o arguir no processo arbitral e invocar as respectivas consequências para o processo, o que, manifestamente, não fez, tendo, não apenas aguardado a decisão arbitral como assumido a competência do Tribunal Arbitral, mesmo após tal decisão, designadamente, requerendo a sua rectificação nos termos constantes da matéria de facto provada, além do mais.
Assim, quer por força da aludida adaptação do Regulamento do CAC quer em decorrência do disposto no art.º 46º, n.º 4, do LAV, a postura processual da autora no processo arbitral obstaria a que a invocação do decurso do prazo global do mesmo tivesse acolhimento.
Pelo exposto, conclui-se pela improcedência do fundamento de anulação da decisão arbitral ora apreciado.
*
- Contradição entre os fundamentos e a sentença arbitral (arts. 89º e ss. da petição inicial).
Nos arts. 89º e ss. da petição inicial, a autora invoca, como fundamento para a anulação da sentença arbitral, que a mesma contém uma contradição entre os seus fundamentos e o dispositivo, o que é equiparável à falta de fundamentação, porquanto a contradição entre fundamentos e decisão mais não é do que uma ausência de fundamentação – a decisão do tribunal não foi racionalmente explicada.
A alegada contradição consiste, em síntese, em que:
- na sentença arbitral, considerou-se que “à luz dos factos dados como provados, não existiu um acto formal de consignação da obra” (resposta ao tema de prova …);
- no entanto, como resulta da mesma decisão, nela acabou por se considerar que existiu, sim, uma consignação material da empreitada, o que, no seu entender, significa que o contrato celebrado entre as partes se encontrava em vigor;
- se na sentença arbitral se conclui, e bem, que a condição suspensiva prevista na cláusula 27 do contrato de empreitada estava dependente de um acto de consignação formal que, “à luz dos factos provados, não existiu”, não se concebe como poderá acabar por concluir que o contrato se encontrava, afinal, em vigor, bastando-se com um acto de consignação material;
- ou seja, para o Tribunal Arbitral, o contrato previa como condição a sua consignação formal, mas, afinal, o mesmo Tribunal considera suficiente uma consignação material, o que contraria o fundamento considerado pelo Tribunal que consiste na necessidade contratual de uma consignação formal;
- uma interpretação dos artigos 42.º, n.º3, e 46.º, n.º3, alínea a), vi), da LAV, que admita uma sentença não fundamentada, ou que admita que uma sentença se encontra fundamentada desde que dela constem alguns fundamentos e que apenas a absoluta ausência de fundamentos é reconduzível àqueles artigos da LAV, é materialmente inconstitucional por violação do dever de fundamentação previsto no artigo 205.º da CRP
Em sede de oposição, nos arts. 168º e ss., a ré defende que a contradição arguida pela autora não ocorre, além do que a mesma não constitui fundamento para a anulação da decisão arbitral.
Apreciando o fundamento de anulação em referência.
Decorre do disposto no art.º 42º, n.º 3, da LAV, que a sentença arbitral deve ser fundamentada, salvo se as partes tiverem dispensado tal exigência ou se tratar de sentença proferida com base em acordo das partes, nos termos do art.º 41º do mesmo diploma.
Não tendo as partes dispensado a exigência de fundamentação e não incidindo a decisão arbitral sobre acordo das mesmas, a decisão impugnada carece de ser fundamentada, como, aliás, assumido pelo Tribunal Arbitral.
Não sendo fundamentada, a sentença arbitral será nula, atento o disposto no art.º 46º, n.º 3, al. a), subalínea vi), da LAV.
Como refere José Robin de Andrade (Lei da Arbitragem Voluntária Anotada, Coordenação de Dário Moura Vicente, 6ª edição, Maio 2023, Livraria Almedina e APA, Coimbra, p. 173 e ss.), entende-se que a norma contida no art.º 42º, n.º3, da LAV, não exige qualquer tipo específico de fundamentação nem impõe que sejam expressamente considerados todos os argumentos jurídicos invocados pelas partes, sendo que a tendência jurisprudencial dominante  vai no sentido de que o grau de fundamentação exigido seja menor do que é a prática corrente nas sentenças judiciais, posto que a fundamentação destas tem por função habilitar as partes e o tribunal de recurso a controlar o modo como o tribunal a quo  aplicou o Direito substantivo e processual  ao passo que a fundamentação daquelas, nas situações em que não há recurso, a fundamentação visa “apenas promover a compreensão pelas partes da razão de ser da decisão e assim possibilitar a pacificação dos conflitos”, o que será suficiente para assegurar o respeito pelo art.º 205º da Constituição da República Portuguesa.
O vício apontado pela autora à decisão arbitral que ora se aprecia, idêntico ao consagrado como causa de nulidade das sentenças e dos despachos no art.º 615º, n.º1, al. c), do CPC (cf. art.º 613º, n.º3, do mesmo código), demanda um erro de raciocínio lógico, em que a decisão corresponde a um resultado contrário ao que os seus fundamentos de direito impõem (cf., no mesmo sentido, a título de exemplo o Ac. STJ de 14-04-2021, processo n.º 3167/17.5T8LSB.L1.S1, acessível em dgsi.pt. Veja-se, também: Geraldes, Pimenta e Pires de Sousa, CPC Anotado, Vol. I, 3ª ed., 2024, Livraria Almedina, p. 793, nota 11; Lebre de Freitas, Montalvão Machado, Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 670).
O vício verifica-se quando exista contradição entre o raciocínio expresso pelo juiz na fundamentação da decisão, mas já não quando “o antagonismo interceda entre o elenco de factos provados propriamente ditos e a decisão, já que, sendo aqueles factos o terreno de apreciação do caso à luz do direito aplicável, qualquer incompatibilidade entre a sua significância jurídica e a apreciação efetiva que o juiz faça deles envolve erro de julgamento” (ac. desta Secção de 20-06-2024, processo n.º 11433/21.9T8LSB.L1).
Porque com relevo para a decisão, passa-se a transcrever o segmento da decisão a que a autora se reporta na arguição que ora se aprecia, que se alcança a páginas 110 e ss. da mesma.
Face à redação da Cláusula 27, cabe, desde logo, apurar se o Contrato de Empreitada, à data da resolução operada pela A …, Lda., estava ou não em vigor face aos termos que constam da cláusula 27.1. A resposta não pode deixar de ser afirmativa por três razões objetivas: (i) em primeiro lugar, as Partes, na segunda parte da redação da cláusula 27.1, aceitaram a validade das condições contratuais previstas no Contrato de Empreitada; (ii) em segundo lugar, e como resulta da conduta das Partes ‒ desde a data da celebração do Contrato de Empreitada até à comunicação de resolução do mesmo em 3 de abril de 2019 ‒, as mesmas aceitaram os termos do Contrato de Empreitada e nunca colocaram em causa a validade ou a eficácia do mesmo, tendo, aliás, chegado a praticar atos compreendidos no objeto do Contrato de Empreitada; (iii) em terceiro lugar, a própria A …, Lda., ao resolver o Contrato de Empreitada nos termos em que o fez, evidencia que o mesmo produzia efeitos na relação entre as Partes.
O tribunal arbitral não ignora que a referida Cláusula 27 do Contrato de Empreitada, a respeito da qual as Partes na arbitragem teceram diversas considerações, inclui uma condição suspensiva determinante da eficácia do mesmo e que a faz depender de um ato de consignação formal da empreitada. À luz dessa cláusula, a eficácia do Contrato de Empreitada ‒ ou a sua entrada em vigor, como se refere nessa disposição ‒ apenas ocorreria com a “consignação da obra”. O tribunal arbitral também não ignora, à luz dos factos dados como provados, que não existiu um ato formal de consignação da obra à B …, S.A., diversamente do que sucedeu com a E …, na medida em que a A …, Lda., logo após (5 dias) a resolução do Contrato de Empreitada com aquela, consignou a obra a esta última. Porém, como se descreve abaixo com maior detalhe, as circunstâncias específicas em que as Partes atuaram levam o tribunal arbitral a afastar o entendimento de que a entrada em vigor (rectius, a eficácia) do Contrato de Empreitada não teria ocorrido dada a circunstância de não ter sido formalizado um ato de consignação entre a A …, Lda. e a B …, S.A..
Com efeito, e numa primeira perspetiva de análise, note-se que da conduta das Partes após a assinatura do Contrato de Empreitada e dos atos e intervenções por estas levadas a cabo até à data da resolução do mesmo resulta que aquelas materializaram a execução do Contrato de Empreitada. Foram múltiplas as prestações realizadas com a invocação do Contrato de Empreitada, destacando-se, em particular, a colaboração que foi exigida à B …, S.A. relativamente à obtenção de licenças e realização de outras prestações que se mostrariam necessárias para esse efeito. Diferentemente do que a posição da A …, Lda. poderia sugerir, as Partes não atuaram, ao longo dos meses iniciais após a celebração do Contrato de Empreitada, como se este não estivesse em vigor e aguardasse um qualquer ato formal que lhe desse eficácia. A atuação foi diferente disso, materializando, por isso, o afastamento da condição suspensiva relativa à formalização da consignação, através da celebração do respetivo auto.
Ao exposto também acresce que, ainda que não tenha sido celebrado um ato formal de consignação da empreitada, o certo é que a A …, Lda. facultou à B …, S.A. os documentos indicados no Facto Assente 29 e que foi dado, a partir de determinado momento e como resulta dos factos provados, acesso ao local da obra ao empreiteiro, o que, de um ponto de vista material, corresponde a um ato de consignação. Resulta provado que a atuação das partes, na ausência de um ato formal de consignação, corrobora a prevalência da materialidade da sua atuação em prejuízo de tal formalização.
Mesmo que assim se não entendesse, e tal condição suspensiva não tivesse sido afastada, a mesma teria de se dar como verificada nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 275 do Código Civil. Com efeito, ficou demonstrado nos presentes autos que, a partir do momento em que o processo de licenciamento municipal evoluiu para a sua conclusão favorável ‒ não tendo a A …, Lda. produzido prova de manter a B …, S.A. a par desses desenvolvimentos ‒ as condições teóricas para a celebração do auto de consignação estavam verificadas. À luz disso, os trabalhos da empreitada poderiam evoluir. Todavia, o que sucede é que a A …, Lda. optou, então, por não desencadear o procedimento formal para a consignação da obra, mantendo, então, a ausência desse ato formal com o propósito de se prevalecer do regime previsto na Cláusula 27. Em reforço deste entendimento, não é a este tribunal indiferente que a A …, Lda. tenha formalizado a consignação a outro empreiteiro cinco dias após a resolução do Contrato de Empreitada conforme Tema de Prova … e Docs. R-… e R-…) ‒ sendo que o fez, por razões que não ficaram claras para o tribunal arbitral, com a celebração de dois documentos autónomos, apesar de conteúdo totalmente complementar. Esse facto permite ao tribunal arbitral concluir que a consignação da obra à B …, S.A. não teve lugar de um ponto de vista formal ‒ e já se deixaram considerações a respeito do ponto de vista material ‒ apenas porque a A …, Lda. decidiu que não o faria à luz das circunstâncias que então se verificavam e que resultam documentadas nos presentes autos. Essa opção da A …, Lda., porém, não lhe permite prevalecer-se da Cláusula 27.2, precisamente porque a partir do momento em que há uma obstaculização de uma das partes à verificação daquela condição, tem aplicação o artigo 275., n.º 2, do Código Civil, dando-se a condição por verificada.
É importante sublinhar que a obstaculização a que se alude é contrária às exigências de boa-fé, aspeto a que o mesmo preceito legal também atribui relevância. Para o tribunal arbitral mostra-se claro, à luz da prova produzida, que a A …, Lda. teria decidido que não pretendia prosseguir a empreitada com a B …, S.A., sendo que esse entendimento não basta para que se possa opor à verificação da referida condição suspensiva.
Consequentemente, na perspetiva do tribunal arbitral, o Contrato de Empreitada já era eficaz à data em que a resolução foi emitida, tendo em conta que se teria de dar como verificada, pelas razões descritas acima, a condição referida na Cláusula 27.1.
Ora, a consequência imediata desta conclusão do tribunal arbitral é a de que não havia, à data em que a resolução foi declarada, a possibilidade de invocação da Cláusula 27.2 do Contrato de Empreitada, precisamente por já se ter por verificada a condição prevista na Cláusula 27-1. Repare-se que aquele disposição apenas opera enquanto a obra não tivesse sido consignada e, portanto, não se tivesse por verificada a condição prevista na Cláusula 27.1. Pelo que não sendo esse o caso, o mecanismo de resolução que as partes previram para o cenário de atraso na realização do ato de consignação não se verifica.
Neste quadro, a declaração de resolução do Contrato de Empreitada emitida pela A …, Lda. tem de se considerar ilícita, na medida em que o fundamento resolutivo invocado já não subsistia. Tratou-se, portanto, de uma resolução sem fundamento que a suportasse, na medida em que o contrato de empreitada não o previa e o mesmo se passa com a lei aplicável. O tribunal arbitral entende, em função disso, que a resolução do Contrato de Empreitada operada pela A …, Lda. em 3 de Abril de 2019 é ilícita.
Do segmento da fundamentação da sentença arbitral acabado de transcrever resulta, com clareza, o percurso lógico que o Tribunal Arbitral adoptou, sendo o mesmo apreensível, não se vislumbrando qualquer contradição entre si ou entre a mesma (fundamentação) e o dispositivo que, em síntese, se reconduz na definição dos termos de responsabilidade da, aqui, autora, pela resolução ilícita do contrato de empreitada que celebrou com a, aqui, ré.
Da aludida fundamentação alcança-se que o Tribunal Arbitral considerou, pelos motivos que explicita, que o aludido contrato, à data em que a, aqui, autora comunicou a sua resolução à, aqui, ré, se encontrava em vigor, que o fundamento nela invocado não se verificava e que, por isso, tal resolução era ilícita.
Da alegação da autora resulta que a contradição apontada à decisão radica nos motivos aduzidos na decisão arbitral para concluir pela vigência do contrato.
Tal contradição não se verifica, porém, como a simples leitura do segmento acima transcrito evidencia, de onde se afere a coerência da argumentação exposta.
Considerando a ausência da contradição arguida pela autora, conclui-se pela improcedência do fundamento pela mesma invocado para anulação da decisão arbitral ora apreciado.
Entende-se, face ao exposto, a ausência da violação, pela decisão arbitral, da norma contida no art.º 205º da Constituição da República Portuguesa, invocada pela autora.
*
- Falta de fundamentação da sentença arbitral, por ser ininteligível.
Nos arts. 104º e ss. da petição inicial, a autora invoca que a sentença arbitral padece de falta de fundamentação, por, em síntese:
- no capítulo da matéria de direito, lê-se que a A …, Lda. “optou por não desencadear o procedimento formal para a consignação da obra”, mantendo “a ausência deste acto formal com o propósito de se prevalecer do regime previsto na cláusula 27”;
- da matéria de facto constante da sentença arbitral – quer na parte relativa à matéria assente, quer na matéria de facto objeto dos temas de prova – não se encontra nenhum facto assente ou provado que consubstancie ou de onde se retire tal opção e propósito;
- o Tribunal Arbitral considera, assim, no capítulo sobre a matéria de direito da sentença arbitral, factos que não se encontram assentes ou provados e cuja origem da formação da convicção do Tribunal Arbitral ignora;
- a decisão do Tribunal Arbitral é, assim, ininteligível, porquanto não é possível perceber por que razão decidiu da forma referida;
- verifica-se, assim, uma falta de fundamentação da Sentença Arbitral, o que configura uma causa da sua anulação e uma violação do artigo 205.º da CRP.
A ré pronunciou-se sobre o fundamento de anulação da decisão arbitral em referência nos arts. 188º e ss. da oposição, pugnando pela sua improcedência, alegando, em síntese, que a sentença é perceptível, dela constando o percurso lógico e jurídico que, a partir da apreciação efectuada dos factos assentes ou dados como provados no processo, ponderando o direito aplicável, conduziu às conclusões enunciadas (art.º 212º da oposição).
Passando à apreciação do fundamento enunciado.
Da argumentação da autora afere-se que a mesma imputa a ininteligibilidade da decisão à ausência de factos provados que suportem a conclusão assumida na decisão arbitral de a mesma ter optado por não desencadear o procedimento formal para a consignação da obra, mantendo a ausência deste acto formal com o propósito de se prevalecer do regime previsto na cláusula 27.
A ininteligibilidade da decisão arbitral alegada radica, em bom rigor (não obstante a argumentação expendida pela autora), na ausência de matéria de facto provada que sustente a conclusão mencionada, formulada em sede de direito. Por outras palavras, a autora entende que os factos dados como provados na decisão arbitral não suportam a valoração jurídica que deles nela se faz, sendo esse o motivo da sua alegada ininteligibilidade.
Ora, tal fundamento respeita a erro de julgamento, atinente ao mérito da decisão arbitral, e não a vício da fundamentação da decisão, sendo que o mesmo não pode ser apreciado nesta sede, de acção de anulação de decisão arbitral, como acima se referiu.
Tanto basta para se concluir pela não verificação do fundamento de anulação da decisão arbitral ora apreciado.
Ainda que se perfilhasse o entendimento defendido pela autora, no sentido de que o por si invocado respeita à ininteligibilidade da decisão arbitral, sempre haveria de se excluir a verificação do fundamento da sua anulação.
Na verdade, como se afere da leitura da decisão arbitral, designadamente do segmento acima transcrito, nela apela-se a factualidade provada para sustentar a conclusão de que a autora optou por não desencadear o procedimento formal para a consignação da obra, mantendo a ausência deste acto formal com o propósito de se prevalecer do regime previsto na cláusula 27, como se constata da seguinte passagem:
Mesmo que assim se não entendesse, e tal condição suspensiva não tivesse sido afastada, a mesma teria de se dar como verificada nos termos do disposto no n.2 2 do artigo 275 do Código Civil. Com efeito, ficou demonstrado nos presentes autos que, a partir do momento em que o processo de licenciamento municipal evoluiu para a sua conclusão favorável ‒ não tendo a A …, Lda. produzido prova de manter a B …, S.A. a par desses desenvolvimentos ‒ as condições teóricas para a celebração do auto de consignação estavam verificadas. À luz disso, os trabalhos da empreitada poderiam evoluir. Todavia, o que sucede é que a A …, Lda. optou, então, por não desencadear o procedimento formal para a consignação da obra, mantendo, então, a ausência desse ato formal com o propósito de se prevalecer do regime previsto na Cláusula 27. Em reforço deste entendimento, não é a este tribunal indiferente que a A …, Lda. tenha formalizado a consignação a outro empreiteiro cinco dias após a resolução do Contrato de Empreitada conforme Tema de Prova … e Docs. R- … e R- …) ‒ sendo que o fez, por razões que não ficaram claras para o tribunal arbitral, com a celebração de dois documentos autónomos, apesar de conteúdo totalmente complementar. Esse facto permite ao tribunal arbitral concluir que a consignação da obra à B …, S.A. não teve lugar de um ponto de vista formal ‒ e já se deixaram considerações a respeito do ponto de vista material ‒ apenas porque a A …, Lda. decidiu que não o faria à luz das circunstâncias que então se verificavam e que resultam documentadas nos presentes autos.
Como se afere da passagem transcrita, na decisão arbitral convoca-se a conclusão favorável do processo de licenciamento municipal, dela se deduzindo a existência de condições para a celebração do auto de consignação, a ausência desta celebração e a formalização, pela autora, da consignação a outro empreiteiro cinco dias após a resolução do Contrato de Empreitada pela mesma como factualidade provada que fundamenta a aludida conclusão.
Do que se referiu resulta que a decisão se mostra plenamente perceptível, logicamente coerente, sendo possível apreender o seu sentido, ao invés do defendido pela autora.
O fundamento de anulação da decisão arbitral arguido pela autora ora apreciado não se verifica, pelo exposto.
Também não se encontra, na decisão arbitral, a violação da norma contida no art.º 205º da Constituição da República Portuguesa arguida pela autora.
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- Falta de fundamentação da sentença arbitral quanto ao valor dos lucros cessantes da ré (arts. 128º e ss. da petição inicial).
Nos arts.128º e ss. da petição inicial, a autora invoca, como fundamento para a anulação da sentença arbitral, que a mesma, no que tange ao tema de prova …, não apresenta fundamentação para o montante, aí referido, de € 453.735,00 como limite mínimo para o valor dos lucros cessantes da ré, sendo que nenhum elemento de prova aponta para tal, designadamente, relatório pericial, esclarecimentos de peritos e o Tribunal Arbitral em nenhum momento explica como alcançou esse valor, remetendo a fundamentação da sua prova, genericamente e sem qualquer justificação, para o relatório pericial, esclarecimentos dos Senhores Peritos na sessão de 14-09-2021 e resposta ao tema de prova …;
- Uma interpretação dos artigos 42.º, n.º3, e 46.º, n.º3, alínea a), vi), da LAV, que admita uma sentença não fundamentada, ou que admita que uma sentença se encontra fundamentada desde que dela constem alguns fundamentos e que apenas a absoluta ausência de fundamentos é reconduzível àqueles artigos da LAV, é materialmente inconstitucional por violação do dever de fundamentação previsto no artigo 205.º da CRP.
Em sede de oposição, nos arts. 226º e ss., a ré defende que o vício apontado pela autora à decisão não ocorre e que a alegação desta se reconduz a uma errada interpretação pelo Tribunal Arbitral da prova produzida no processo arbitral, cujo conhecimento, em sede de acção de anulação de decisão arbitral, está vedado.
Apreciando o fundamento invocado.
O tema de prova … tem o seguinte teor:
“Os lucros cessantes decorrentes para a B …, S.A. da cessação do Contrato de Empreitada ascendem a 854 225,72 € [Art.º 187º da p.i.]”.
A resposta constante da sentença arbitral a tal tema de prova é a seguinte:
“Provado que, caso não ocorressem custos adicionais relacionados com o tratamento dos solos, o valor dos lucros cessantes é de € 854.225,72. Caso o tratamento dos solos tivesse de ser assumido pela B …, S.A., o valor dos lucros cessantes é de € 453.735,00 (cfr. Relatório Pericial, esclarecimentos dos Senhores Peritos na sessão de 14-09-2021 e resposta ao TP …)”.
Por sua vez, a resposta ao tema de prova … tem os seguintes termos:
“Na fase de compras houve uma melhoria de, pelo menos, 200.000 euros na relação com os subempreiteiros (cfr. Depoimentos de C … e D …).”
Apreciando o fundamento de anulação em referência.
Como acima se referiu, decorre do disposto no art.º 42º, n.º 3, da LAV, que a sentença arbitral deve ser fundamentada, salvo se as partes tiverem dispensado tal exigência ou se tratar de sentença proferida com base em acordo das partes, nos termos do art.º 41º do mesmo diploma.
Não tendo as partes dispensado a exigência de fundamentação e não incidindo a decisão arbitral sobre acordo das mesmas, a decisão impugnada carece de ser fundamentada, como, aliás, assumido pelo Tribunal Arbitral.
Não sendo fundamentada, a sentença arbitral será nula, atento o disposto no art.º 46º, n.º 3, al. a), subalínea vi), da LAV.
Já supra se mencionou que se entende que a norma contida no art.º 42º, n.º3, da LAV, não exige qualquer tipo específico de fundamentação nem impõe que sejam expressamente considerados todos os argumentos jurídicos invocados pelas partes, sendo que a tendência jurisprudencial dominante  vai no sentido de que o grau de fundamentação exigido seja menor do que é a prática corrente nas sentenças judiciais, posto que a fundamentação destas tem por função habilitar as partes e o tribunal de recurso a controlar o modo como o tribunal a quo  aplicou o Direito substantivo e processual  ao passo que a fundamentação daquelas, nas situações em que não há recurso, a fundamentação visa “apenas promover a compreensão pelas partes da razão de ser da decisão e assim possibilitar a pacificação dos conflitos”, o que será suficiente para assegurar o respeito pelo art.º 205º da Constituição da República Portuguesa.
O fundamento alegado pela autora para a anulação da decisão arbitral que ora se aprecia identifica-se com a causa de nulidade da sentença que ocorre quando nela não se especifiquem os fundamentos de facto ou de direito que justificam a decisão (art.º 615º, n.º 1, al. b), do CPC).
A nulidade em referência abrange apenas a absoluta falta de fundamentação da decisão e não a fundamentação alegadamente errada, incompleta ou insuficiente (cf., no mesmo sentido, a título de exemplo o Ac. STJ de 03-03-2021, processo n.º 3157/17.8T8VFX.L1.S1, acessível em dgsi.pt. Veja-se, também: Geraldes, Pimenta e Pires de Sousa, CPC Anotado, Vol. I, 3ª ed., 2024, Livraria Almedina, p. 793, nota 10; Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1985, p. 687; Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, Lex, 1997, p. 221; Lebre de Freitas, A Ação declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, 2013, p. 332);
A falta absoluta de fundamentação pode respeitar apenas aos fundamentos de facto da decisão ou apenas aos seus fundamentos de direito (cf. o ac. STJ de 15-05-2019, processo n.º 835/15.0T8LRA.C3.S1, acessível em dgsi.pt), além de poder incidir sobre ambos.
Na perspectiva acima assumida sobre a função da fundamentação da decisão arbitral como a impugnada nestes autos, o vício de falta de fundamentação da sentença arbitral que não seja susceptível de recurso deve ser aferido pelo critério de inteligibilidade da decisão, no sentido de que o mesmo apenas ocorrerá nas situações em que não seja possível às partes compreender os seus fundamentos, ou, como referido no acórdão desta Relação de 09-02-2023, processo n.º 3215/22.7YRLSB, acessível em dgsi.pt (cuja certidão foi junta pela autora aos autos a 16-02-2023), relatado pelo, aqui, segundo adjunto, quando dela não seja possível compreender o que motivou a decisão do Tribunal.
Nessa perspectiva, em sede de factualidade dada como demonstrada, haverá situações em que a mera enunciação dos meios de prova ponderados pelo Tribunal Arbitral para dar como demonstrada determinada matéria é suficiente para uma fundamentação adequada, desde que daí se possa apurar o motivo da decisão do tribunal, designadamente, naquelas em que esses meios de prova se mostram unívocos na evidenciação que revestem.
Por outro lado, existirão outras situações em que tal enunciação de meios de prova, por si só, será insuficiente para preencher uma fundamentação adequada da decisão, que permita a apreensão do que motivou a decisão do tribunal, mormente naquelas em que a evidenciação que os meios de prova enunciados na decisão revestem não seja unívoca. Nessas situações, para que a fundamentação da decisão seja bastante, poderá a mesma ter que incluir uma apreciação crítica dos meios de prova convocados, de modo a que tal apreensão seja possível para as partes.
Na sentença arbitral em referência nos autos, consta o seguinte, a propósito do item 2, atinente aos Temas de Prova:
Na resposta aos temas de prova, o Tribunal Arbitral atendeu à prova apresentada pelas Partes, com particular incidência para a prova documental e para a prova pericial, por se revelarem os meios de prova que, face à matéria objecto do litígio, continham a informação mais relevante a esse respeito.
Em todo o caso, o tribunal arbitral valorou também a prova testemunhal produzida em audiência, que permitiu clarificar alguns aspetos que seriam menos claros a partir da análise dos documentos juntos aos presentes autos ou mesmo enquadrar algumas considerações deixadas pelos peritos, tendo, após análise dos depoimentos das testemunhas apresentadas pelas Partes, relevado, em particular, os depoimentos das testemunhas (cujas gravações estão juntas aos presentes autos arbitrais) que, em função da sua ligação ao caso dos autos e das funções que exerciam nas respetivas empresas, participaram ou tomaram conhecimento direto da matéria objeto de prova.
Com efeito, e considerando as várias etapas da relação entre as Partes – primeiramente na fase pré-contratual e, num segundo momento, em sede de execução do Contrato de Empreitada -, a intervenção ou ligação das testemunhas à matéria objeto do presente processo arbitral teve graus diversos, tendo o tribunal arbitral considerado os depoimentos das testemunhas que tiveram conhecimento direto dos factos ou evidenciaram, pelo seu depoimento, um conhecimento análogo fruto das funções que exerceram no que toca ao Contrato de Empreitada sub judice.
Neste contexto, na decisão sobre os temas de prova constantes dos pontos seguintes, o tribunal arbitral inclui a matéria que considera provada em relação a cada um deles, em função da prova produzida na presente arbitragem, identificando para cada um desses temas de prova os meios de prova que se revelaram relevantes para formar a convicção do tribunal arbitral. Naturalmente, relativamente aos temas de prova cuja resposta é feita por remissão para as respostas a outros temas de prova, deve ser entendido que a prova relevante para esse efeito é a mesma que foi relevante para o tema de prova que serve de referência à resposta.
Da decisão arbitral, em sede de resposta ao tema de prova …, consta o seguinte:
“Os lucros cessantes decorrentes para a B …, S.A. da cessação do Contrato de Empreitada ascendem a 854.225,72 € [Art.º 187º da p.i.] ?
Provado que, caso não ocorressem custos adicionais relacionados com o tratamento dos solos, o valor dos lucros cessantes é de € 854.225,72. Caso o tratamento dos solos tivesse de ser assumido pela B …, S.A., o valor dos lucros cessantes é de € 452.735,00 (cfr. Relatório Pericial, esclarecimentos dos Senhores Peritos na sessão de 14.09-2021 e resposta ao TP 220)”.
Por sua vez, em sede de resposta ao tema de prova …, na decisão arbitral consta que:
“Na fase de compras, depois de celebrado o Contrato de Empreitada, a B …, S.A. conseguiu melhorar o preço de várias subempreitadas, tendo fechado oito contrato de subempreitada no valor total de 4.817.157,04 € e, portando, em condições mais benéficas do que as conseguidas na fase de orçamentação, com uma margem positiva de 831.291,77 €, ao que corresponde uma evolução da margem de melhoria em 33,42 % relativamente aos pressupostos da proposta contratual [Art.º 192º da p.i.] ?
Provado que na fase de compras houve uma melhoria de, pelo menos, 200.000 euros na relação com os subempreiteiros. (cfr. Depoimentos de C … e D …).”
Dos segmentos da decisão arbitral acima transcritos, no que respeita à resposta ao tema de prova …, alcança-se que o juízo de demonstração da factualidade aí dada como provada se escudou no relatório pericial junto ao processo arbitral, nos esclarecimentos dos Senhores Peritos prestados na sessão de 14-09-2021 bem como nos meios de prova ponderados na resposta dada ao tema de prova …, que se reconduzem aos depoimentos das testemunhas C … e D ….
Do que acaba de se referir resulta que a decisão em análise contém a referência aos meios de prova ponderados para dar como provada a matéria identificada no tema de prova …, ainda que sem a sua apreciação crítica, reconduzindo-se os mesmos aos seguintes:
1) Relatório pericial junto ao processo arbitral;
2) Esclarecimentos dos Senhores Peritos prestados na sessão de 14-09-2021;
3) Depoimentos das testemunhas C … e D ….
Ao invés do que a autora alega, designadamente no art.º 138º da petição inicial, a decisão impugnada, em sede de resposta ao tem de prova …, não remete a fundamentação apenas para o relatório pericial e esclarecimentos dos Senhores Peritos acima referidos, posto que também convoca os depoimentos das testemunhas aludidas para o efeito.
Quanto a tais depoimentos, a autora nada alega.
Como acima se referiu, incumbe à parte que o invoca, neste caso a autora, demonstrar a verificação do fundamento de anulação da sentença arbitral em apreço, previsto no art.º 46º, n.º 3, al. a), subalínea vi), da LAV.
Nessa perspectiva, a procedência do fundamento em apreço depende da demonstração de que a decisão arbitral contém fundamentação ininteligível no que concerne à resposta ao tema de prova …, ou seja, que esta resposta não permite às partes, designadamente, à autora, compreender os seus fundamentos.
Tal demonstração não se mostra cumprida quando a parte arguente não convoca todos os meios de prova referidos na fundamentação da decisão sobre o aludido tema de prova para suportar a conclusão da ininteligibilidade e se limita a invocar parte desses meios de prova e a ausência de conteúdo nos mesmos que sustente o juízo de evidenciação formulado na decisão ou que tal conteúdo é idóneo a evidenciar factualidade distinta da dada como provada para sustento de tal conclusão.
Essa demonstração apenas se encontraria verificada quando a parte demonstrasse, devendo previamente alegar, que todos os meios de prova invocados na fundamentação da decisão arbitral não permitem compreender os fundamentos desta.
Como se referiu, a autora não convoca a totalidade dos meios de prova invocados na decisão arbitral para sustentar o sentido da mesma no que respeita à resposta ao tema de prova ….
Nessa perspectiva, a autora não alega argumentação bastante para sustentar um juízo de ininteligibilidade da decisão arbitral no que ao segmento apontado respeita.
Razão por que se conclui pela improcedência do fundamento pela mesma invocado para anulação da decisão arbitral ora apreciado.
Também não se vislumbra qualquer violação da norma contida no art.º 205º da Constituição de República Portuguesa, arguida pela autora.
*
- Decisão surpresa a respeito do proveito que a ré poderia tirar com a obra (arts. 146º e ss. da petição inicial).
Nos arts, 146 e ss. da petição inicial, a autora invoca que a sentença arbitral, no segmento em que procedeu à aplicação dos arts. 570º, n.º 1, do Cód. Civil, e 378º, n.º3 e 4, do Cód. dos Contratos Públicos (em articulação com o art.º 50º, n.º4, do mesmo código) e, por via disso, repartiu a responsabilidade entre as partes quanto aos sobrecustos com o tratamento dos solos contaminados da obra, é inválida por consistir uma decisão surpresa, posto que as partes, designadamente a autora, não tiveram a oportunidade de, previamente, se pronunciar sobre a aplicação de tais normas.
A autora alega, ainda, que por força do disposto no art.º 30º, n.º 1, als. b) e c), da LAV, as partes são tratadas com igualdade e deve ser-lhes dada uma oportunidade razoável de fazerem valer os seus direitos, por escrito ou oralmente, antes de ser proferida a sentença final, e, em todas as fases do processo arbitral é garantida a observância do princípio do contraditório, salvas as excepções previstas no mesmo diploma, o que se mostra violado com a decisão arbitral no segmento mencionado, configurando tal fundamento de anulação da mesma, ao abrigo do art.º 46º, n.º3 (certamente por lapso, no art.º 157º da petição inicial refere-se o número 2), al. a), subalínea ii), da LAV.
A autora alega, ainda, que “ao fazer uma interpretação do artigo 30.º, n.º 1, alíneas b) e c), da LAV no sentido de não ser necessário ouvir as partes sobre as vias jurídicas por si identificadas para a decisão da causa, violou o disposto no artigo 20.º da CRP, i.e., o direito de defesa e o direito a um processo justo e equitativo” (art.º 160º da petição inicial).
A ré, por sua vez, nos arts. 236º e ss. da oposição, pugna pela improcedência da argumentação expendida pela autora.
Em síntese, alega que uma decisão surpresa, conforme é definida no art.º 3º, n.º 3, do CPC, viola o princípio do contraditório enunciado neste preceito e no artigo 30.º, n.º 1, c) da LAV, e não o princípio da igualdade das partes enunciado no artigo 4.º do CPC e no artigo 30.º, n.º 1, b) da LAV invocado pela autora.
Mais alega que o art.º 378º, n.ºs 3 e 4, do Cód. dos Contratos Públicos, foi invocado na sentença arbitral como argumento de reforço, embora ainda não estivesse em vigor à data da celebração do contrato, tendo as partes estipulado no contrato de empreitada, no ponto 1.3, A), a sua aplicação com as necessárias adaptações.
A ré também alega que a questão da responsabilidade pelos sobrecustos inerentes ao tratamento dos solos contaminados foi amplamente debatida na arbitragem precedente, tendo o Tribunal Arbitral se pronunciado sobre ela em sede de respostas aos temas de prova, nas quais se apoiou, tendo as partes, nas respectivas alegações finais, se pronunciado sobre essa questão no sentido de imputar a responsabilidade para a contraparte.
Alega, ainda, a ré que, face à posição assumida pelas partes em relação à aludida questão, as mesmas não podia deixar de saber que não estava nem podia estar excluída a possibilidade de o Tribunal Arbitral, na decisão final sobre o litígio, não vir a atribuir a responsabilidade pelos referidos sobrecustos exclusivamente a uma das partes ou à outra, antes decidindo que ambas concorreram para a verificação dos mesmos, com convocação do art.º 570º do Cód. Civil e, a título de argumento de reforço, o art.º 378º, n.º 3 e 4, do Cód. dos Contratos Públicos.
Passando à apreciação do fundamento de anulação da sentença arbitral em referência, cumpre ter presente que, por força do disposto no art.º 46º, n.º3, alínea a), subalínea ii), da LAV, a sentença arbitral pode ser anulada se a parte que faz o pedido demonstrar que houve no processo violação de algum dos princípios fundamentais referidos no art.º 30º, n.º1, da LAV, com influência decisiva na resolução do litígio.
Por força do preceito acabado de enunciar, a violação dos princípios fundamentais referidos no art.º 30º, n.º1, da LAV, apenas constitui fundamento de anulação da sentença arbitral se ficar demonstrado que, se tal violação não tivesse ocorrido, o desfecho do processo provavelmente teria sido diferente, posto que só assim teve influência decisiva na resolução o litígio (cf., no mesmo sentido, José Robin de Andrade (Lei da Arbitragem Voluntária Anotada, Coordenação de Dário Moura Vicente, 6ª edição, Maio 2023, Livraria Almedina e APA, p. 199).
Os princípios que a autora alega terem sido violados no segmento decisório em referência são os consagrados no art.º 30º, n.º 1, als. b) e c), da LAV.
Como refere António Sampaio Caramelo (A impugnação da sentença arbitral, 3ª edição, p. 52), nesta norma encontram-se identificados «como postulados da garantia do “processo equitativo”, a exigência do conhecimento efectivo (pelo demandado) do processo instaurado, o direito de defesa reconhecido a cada parte (i.e., de expor as suas razões de facto ou de direito perante o tribunal, antes que este tome a sua decisão), a necessidade de assegurar a igualdade de armas e a de observar o princípio do contraditório ao longo do processo (de modo que cada uma das partes possa exercer uma influência efectiva no desenvolvimento do processo, nos planos da alegação, da prova e do direito aplicável).».
De acordo com o art.º 30º, n.º 1, al. b), do referido diploma, o processo arbitral deve sempre respeitar o princípio de que as partes são tratadas com igualdade e deve ser-lhes dada uma oportunidade razoável de fazerem valer os seus direitos, por escrito ou oralmente, antes de ser proferida a sentença final.
No que respeita ao primeiro princípio referido, decorre do mesmo que as partes, ao longo do processo arbitral, devem ser tratadas “com igualdade”, sendo-lhes concedidas as mesmas oportunidades de intervirem no processo e de exporem as suas posições, ou, como referido pelo TCAN no acórdão de 14-03-2014, processo n.º 00001/12.6BCPRT (acessível em dgsi.pt), as partes devem merecer “um tratamento igualitário, paritário, de molde a que, em termos substanciais e não meramente formais, tenham ou gozem das mesmas oportunidades de fazer valer em juízo as suas razões, de apresentar a sua causa, incluindo, mormente, o uso de meios de defesa e aplicação de cominações/sanções processuais, ou, ao nível da admissão da prova e da apreciação do seu valor de molde a que não se coloque uma parte em situação de nítida desvantagem em relação à contraparte”.
No que tange ao segundo princípio referido, dele resulta que as partes devem dispor da possibilidade de exercerem os seus direitos no processo arbitral, de modo substantivo e não formal, atendendo-se, pois, à sua situação efectiva.
Por sua vez, resulta do art.º 30º, n.º 1, al. c), do mesmo diploma, que, em todas as fases do processo arbitral, deve ser garantida a observância do princípio do contraditório, salvas as excepções previstas na LAV.
À semelhança do art.º 3º, n.º3, do CPC, resulta deste último preceito referido que deve observar-se e fazer-se cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não sendo lícito, salvo as excepções previstas na LAV, decidirem-se questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
O preceito em referência consagra o princípio do contraditório e, na sua decorrência, a proibição das decisões surpresa.
Como refere Miguel Teixeira de Sousa (CPC Online, acessível no blog do IPPC) em anotação ao art.º 3º, n.º3, do CPC, o princípio do contraditório, sendo um dos corolários do processo equitativo, importa duas garantias ou direitos: o direito de resposta de uma parte perante a outra parte, posto que qualquer das partes tem o direito de se pronunciar sobre as alegações da parte contrária; o direito à audição prévia da parte perante o tribunal, sendo que este, em momento prévio à decisão, deve ouvir sempre as partes, o que importa a proibição da emissão de decisões que afectem quem antes não dispôs da possibilidade de se pronunciar em relação à matéria sobre que tal decisão versa.
Nessa perspectiva, se o Tribunal Arbitral conhecer de uma matéria de facto ou de direito alegada por uma das partes sem previamente ter sido concedida à parte contrária a possibilidade de exercer o contraditório, a decisão é passível de anulação.
Por outro lado, no que respeita ao conceito de decisão surpresa, o mesmo integra as decisões que adoptem solução para uma questão que não tenha sido configurada pela parte e que esta, actuando com uma diligência normal, não tinha a obrigação de prever.
Face ao referido, como assumido no acórdão do STJ de 19-01-2023, processo n.º 15910/21.3T8PRT-P1.S1 (acessível no site dgsi.pt), a decisão surpresa não se confunde com a suposição que as partes possam ter ou com a expectativa que possam ter criado quanto à decisão, de facto ou de direito, do Tribunal.
Seguindo o mesmo aresto, entende-se que “O que se pretende com a proibição da decisão-surpresa é que o juiz não enverede por uma solução que os sujeitos processuais não abordaram e não quiseram submeter a juízo, surgindo a decisão de forma absolutamente inopinada e distanciada do condicionalismo factual e jurídico vertido na acção pelas partes.”
Resulta do que se tem vindo a afirmar que a decisão surpresa é apta a ofender o princípio do contraditório, com o conteúdo acima enunciado, e não os princípios do tratamento igualitário das partes no processo e da oportunidade de fazer valer os seus direitos antes de ser proferida a sentença final, como defendido pela ré, ao invés do que a autora parece defender.
Na decisão arbitral, em sede de fundamentação de direito, a propósito do conhecimento da questão dos sobrecustos com o tratamento dos solos contaminados da obra objecto do contrato de empreitada celebrado entre as partes, consta o seguinte:
No apuramento do valor dos gastos e trabalho e do proveito que a B …, S.A. poderia tirar da obra, cabe dar nota, desde logo, que não há que recorrer – ao contrário do que alega a B …, S.A. – ao mecanismo previsto no art.º 381º do Código dos Contratos Públicos, o qual prevê a situação de indemnização por redução do preço contratual – situação que não é aplicável aos autos, na medida em que pressupõe a continuação da vigência do contrato de empreitada (o que não sucede no caso). Assim, resta, face à prova produzida, apurar as rúbricas que correspondam a gastos e trabalho realizado pela B …, S.A., assim como ao proveito que esta poderia tirar da empreitada. Para o efeito, importa considerar as rúbricas e os valores seguintes:
i) Encargos de estrutura no valor de € 159.860,00 (cfr. matéria dada como provada na resposta ao tema de prova …);
j) Trabalhos realizados no valor de € 20.690,15 (cfr. Auto de Medição n.º 1 – Doc. A 51). Entende o tribunal arbitral que os trabalhos a que respeita a presente fatura foram efetivamente realizados, pelo que não existe fundamento para o cancelamento da fatura a que os mesmos respeitam.
k) Custos de mão-de-obra, no valor mínimo de € 30.959,12 (cfr. matéria dada como provada na resposta ao tema de prova …);
l) Proveito que poderia tirar com a obra no valor de € 653.980,36.
No apuramento do valor de € 653.980,36, o tribunal arbitral atendeu aos seguintes elementos:
- A presente arbitragem, como decorre expressamente da cláusula 26.2 do Contrato de Empreitada, rege-se pela LAV, cujo n.º 1 do art.º 39º prevê que os árbitros julgam segundo o direito constituído, a menos que as partes determinem, por acordo, que julgam segundo a equidade.
- a B …, S.A. reclama uma perda de proveitos (a que chama “margem de lucro”) de € 854.225,72. Um dos temas que tem relevo para o cálculo dos proveitos que a B …, S.A. poderia retirar da empreitada prende-se com o facto de saber se a mesma seria, ou não, responsável pelo encaminhamento do volume de solos contaminados, rubrica esta que, caso a B …, S.A. fosse responsável e de acordo com a matéria dada como provada no Tema de Prova …, levaria a que os proveitos da B …, S.A. com a empreitada fossem de apenas € 453.735,00.
A respeito desta matéria, o Tribunal entende que existe uma concorrência de responsabilidade entre as Partes, na medida em que:
(i) Do lado da B …, S.A., esta aceitou participar num concurso que expressamente previa um contrato em regime de preço global fixo e não revisível, incluindo omissões, assim como aceitou (de acordo com a alínea C) da cláusula 1.3 do Contrato de Empreitada) que “os Documentos Contratuais são claros e o conteúdo dos mesmos adequado ao objecto da Empreitada bem como este se ajusta ao Edifício cujas características se coadunam com a execução da Empreitada”, não tendo, na sua resposta, nem identificado a situação real dos solos que não poderia ser dirigidos a vazadouro, em linha com o que estava previsto no relatório da F …, nem apresentado, em momento próprio, o processo de erros e omissões a respeito dessa questão.
A este respeito, entende o tribunal arbitra que a análise do relatório da F …, mesmo na fase pré-contratual, teria permitido à B …, S.A. concluir que as várias quantidades de solos a transportar e tratar que se encontravam previstas mo MQT não estariam corretas ou, pelo menos, justificariam a solicitação de um pedido de esclarecimentos para efeitos da sua confirmação. Sendo esse aspeto visível a partir do relatório, que se debruça sobre os diferentes tipos de solos, as diferentes quantidades, os diferentes tratamentos e a diferente expressão percentual entre cada um deles, não pode o tribunal desvalorizar em absoluto a sua inclusão nas peças do concurso, a ponto de assumir que a B …, S.A. não o devia ter tido em consideração (mínima que fosse) na sua proposta;
(ii) Do lado da A …, Lda., esta elaborou/apresentou o MQT que serviu de base à apresentação das propostas ao concurso para o Contrato de Empreitada sem ter refletido no mesmo quer a realidade dos solos, quer a informação de que já dispunha por via do relatório da F … de Maio de 2017.
É para o tribunal arbitral claro que o MQT indica como solos a transportar a vazadouro aqueles (em parte) que seriam contaminados e que, por isso, não poderia ter aquele destino. Seja qual for a razão que levou ao desenvolvimento do MQT nesse termos, o certo é que o relatório da F … não dá cobertura a essa metodologia de cálculo, nem o tribunal arbitral entende que se trata de uma simples forma alternativa de agregar as quantidades de solos disponíveis no terreno. Tratando-se de solos que tinham destinos diferentes, é evidente para o tribunal arbitral que não podiam os mesmos ser agregados como se tivessem um único destino, ou seja, a colocação e, vazadouro. Faz-se notar que, relativamente à matéria dos solos contaminados e ao seu destino, a utilização do mecanismo de erros e omissões, face à factualidade demonstrada e à conduta das partes, sempre teria de ser feita à luz do princípio da proporcionalidade, ou seja, considerando o relevo que cada uma das partes deu (ou teria dado) ao tema associado ao dever de diligência que se imporia; e que
(iii) A questão relativa aos solos contaminados apenas surge, pela primeira vez, após a assinatura do Contrato de Empreitada, mais precisamente em outubro de 2018.
Nestes termos, o tribunal arbitral considera que ambas as Partes concorreram, em entende que em igual proporção, para a situação relativa aos sobrecustos como tratamento dos solos contaminados da obra, e nessa medida, decide a repartição da respectiva responsabilidade pelas partes em termos iguais.
Cabe a este respeito, fazer apelo ao mecanismo previsto no n.º 1 do artigo 570º do Código Civil, na medida em que o mesmo acolhe a repartição de responsabilidade em caso de culpa do lesado. Isto significa que, ainda que exista responsabilidade pela A …, Lda. na forma como fez a solicitação de preço aos concorrentes, a atuação da B …, S.A. – à luz do que se deixou descrito e sem ter tomado qualquer iniciativa relativa ao tratamento destes solos na fase de onstrução – permitiu que esse sobrecusto – e o dano que dele resultaria – ocorresse em cenário de execução.
Note-se, adicionalmente, que a repartição em partes iguais do custo relativo a situações passíveis de poderem consubstanciar erros ou omissões no caderno de encargos de um contrato de empreitada, para a qual possa ter concorrido quer a conduta do dono da obra, quer a conduta do empreiteiro, é atualmente admitida como solução jurídica nos n.ºs 3 e 4 do artigo 378º do Código dos Contratos Públicos (em articulação com o n.º 4 do art.º 50º do mesmo diploma). Pelo que, com a devida adaptação ao presente caso, como expressamente admite o n.º 4 do parágrafo A do ponto 1.3 do Contrato de Empreitada, entende o tribunal arbitral que tal solução se ajusta ao presente caso, no qual a conduta de ambas as partes concorreu para a questão relativa aos solos contaminados, assim como ao destino a dar aos mesmos e respetivos custos associados.
Daqui decorre que, para efeitos de apuramento dos proveitos que a B …, S.A. teria com o Contrato de Empreitada, importa repartir a responsabilidade pelos custos inerentes à atividade de tratamento dos solos e refletir o respetivo encargo na compensação a atribuir na presente arbitragem. Ora, a diferença entre a execução do Contrato de Empreitada sem que a B …, S.A. tenha uma qualquer responsabilidade pelo tratamento dos solos (€ 854.225,72) e a execução o mesmo Contrato de Empreitada com a responsabilidade atribuída em exclusivo à mesma entidade (€ 453.735,00) é de € 400 490,72. É precisamente esta diferença que, em função da repartição das responsabilidades pelo tratamento dos solos, deve ser repartida entre as partes, ou seja, € 200.245,36 para cada uma delas. Assim, somando o valor de € 453.735,00 com o valor de € 200.245,36, temos que o valor de proveitos que a B …, S.A. retiraria da empreitada num cenário em que seria repartida entre as partes a responsabilidade pelos custos de tratamento dos solos é de € 653.980,36.”
Por outro lado, como se alcança da documentação junta aos autos, designadamente do documento n.º 24, referente às alegações finais apresentadas pela autora no processo arbitral,  em especial nas páginas 831 e ss. e 853 e ss., a mesma teve a oportunidade de se pronunciar sobre a questão da responsabilidade das partes respeitante aos sobrecustos com o tratamento dos solos contaminados da obra, defendendo que a mesma impende, em exclusivo, sobre a, aqui, ré (cfr. ponto 40 da aludida página 831 e pontos 193 e ss. de páginas 853 e ss. do documento mencionado).
Tal questão havia sido suscitada pela, aqui, ré, na petição inicial que deu origem ao processo arbitral, onde imputou à, aqui, autora, a responsabilidade respeitante aos sobrecustos com o tratamento dos solos contaminados da obra (arts. 82 e ss. e 187 e ss. da peça em referência), que a mesma reitera a páginas 286 e ss. das alegações finais que apresentou no processo arbitral.
Também se constata ao longo das peças processuais referidas, que a, aqui autora, no processo arbitral, refuta a aplicação das normas contidas no Código Civil à resolução do litígio, salvo as atinentes à interpretação das declarações negociais, defendendo a aplicação das normas previstas no Código dos Contratos Públicos, ao passo que a, aqui ré, defende a aplicação das normas constantes no aludido Código Civil à resolução do litígio.
Do que se acaba de referir resulta que as partes, ao longo do processo arbitral, discutiram a questão apreciada na decisão arbitral atinente à responsabilidade das mesmas em relação aos sobrecustos com o tratamento dos solos contaminados da obra objecto do contrato de empreitada celebrado entre si, tendo-se pronunciado sobre a matéria de facto pertinente e sobre as normas jurídicas aplicáveis.
A fundamentação jurídica assumida na decisão arbitral para a questão enunciada, no sentido da repartição da responsabilidade e convocação das normas contidas nos arts. 570º do Cód. Civil e 378º, n.ºs 3 e 4, do Cód. dos Contratos Públicos, enquadra-se no âmbito de previsibilidade acessível às partes, face à natureza da questão em causa e à argumentação que cada uma delas apresentou no processo.
Na verdade, tendo cada parte defendido a responsabilidade da outra parte em relação aos sobrecustos com o tratamento dos solos contaminados da obra objecto do contrato de empreitada celebrado entre si, a solução adoptada na decisão arbitral evidencia-se como uma das possíveis.
De igual modo, o apelo, na decisão arbitral, a título principal, à norma contida no art.º 570º, n.º 1, do Cód. Civil, inserida no regime cível que a, aqui, ré defendeu como aplicável ao litígio, insere-se no âmbito de previsibilidade acessível às partes.
O mesmo se diga em relação à convocação, a título de reforço e não determinante, da norma constante do art.º 378º, n.ºs 3 e 4, do Cód. dos Contratos Públicos, considerando que a, aqui, autora, nas suas peças processuais defendeu a aplicação de tal diploma ao caso em litígio.
A circunstância de a autora não se referir, nas peças processuais que apresentou no processo arbitral, às normas referidas, não obsta à legitimidade da sua invocação na decisão arbitral, posto que se encontram no âmbito de previsibilidade de que a mesma dispunha, no que respeita à solução jurídica da questão acima identificada, ainda que contrária ao que defendeu para a mesma.
Entende-se, pois, ao invés do defendido pela autora, que a decisão arbitral, no segmento em referência, não configura uma decisão surpresa e, por isso, não viola o princípio do contraditório consagrado no art.º 30º, n.º 2, al. c), da LAL.
Por outro lado, não se vê como a decisão arbitral tenha violado o princípio do tratamento igualitário das partes ao longo do processo arbitral ou o princípio da concessão da oportunidade razoável de fazerem valer os seus direitos previstos no art.º 30º, n.º 2, al. b), da LAL, considerando que a argumentação apresentada pela autora não preenche qualquer ofensa aos mesmos.
Por via do referido, também não se encontra, no segmento da decisão arbitral referido, qualquer violação do 20.º da CRP, designadamente, do direito de defesa ou do direito a um processo justo e equitativo.
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- A sentença arbitral, no segmento em que se funda em juízos de equidade para determinação dos custos de estrutura, viola a cláusula compromissória, com influência decisiva na resolução do litígio (arts. 162º e ss. da petição inicial).
Nos arts. 162 e ss. da petição inicial, a autora alega, em síntese, que, na decisão arbitral, para determinação do valor dos encargos com a estrutura e em resposta ao tema de prova …, recorre-se a um juízo de equidade.
A autora alega, também, que, de acordo com a cláusula compromissória, que remete para a LAV e não contém autorização para os árbitros decidirem segundo a equidade, o Tribunal Arbitral estava vinculado a decidir o litígio arbitral de acordo com o direito constituído, estando impedido de decidir segundo juízos de equidade.
Alega, ainda, a autora que o Tribunal Arbitral não invocou qual a norma que o habilitou a decidir segundo a equidade, o que, por si só, já é bastante para se concluir que a decisão arbitral viola o disposto no art.º 39º da LAV e na cláusula compromissória.
A autora alega, igualmente, que, nos termos do artigo 46.º, n.º 3, alínea a), subalínea iv), da LAV, a sentença arbitral é anulável se a “composição do tribunal arbitral ou o processo arbitral não foram conformes com a convenção das partes, a menos que esta convenção contrarie uma disposição da presente lei que as partes não possam derrogar ou, na falta de uma tal convenção, que não foram conformes com a presente lei e, em qualquer dos casos, que essa desconformidade teve influência decisiva na resolução do litígio”.
Por fim, a autora alega que a decisão do Tribunal Arbitral, ao fazer uma interpretação do artigo 39.º da LAV no sentido de decidir segundo a equidade e do artigo 405.º do CC no sentido de poder desrespeitar a convenção das partes, violou o princípio fundamental da autonomia privada, em contravenção do artigo 13.º, do artigo 26.º, do n.º 1 do artigo 27.º e do n.º 1 do artigo 62.º da CRP, e que uma interpretação do artigo 405.º do CC e dos artigos 39.º e 46.º, n.º 3, alínea a) iv), da LAV, que admita o desrespeito pelo estipulado pelas partes e pela convenção de arbitragem, é materialmente inconstitucional por violação do princípio da autonomia privada.
A ré, nos arts. 256 e ss. da oposição, responde à arguição mencionada, pugnando pela sua improcedência.
Em síntese, a ré alega que o recurso a critérios de equidade feito na sentença arbitral cumpre quer o limite legal do n.º 3 do artigo 566.º do Cód. Civil, quer os limites gerais que têm vindo a ser estabelecidos pela jurisprudência, satisfazendo o fito de fixar uma solução justa e equilibrada nos presentes autos, o que não contende com o disposto no art.º 39º da LAV nem como o conteúdo da cláusula compromissória.
De acordo com o disposto no art.º 46º, n.º 3, al. a), subalínea iv), da LAV, a sentença arbitral pode ser anulada se a parte que faz o pedido demonstrar, além de outras situações que não relevam para o que ora se aprecia, que o processo arbitral não foi conforme com a convenção das partes, a menos que esta contrarie uma disposição da LAV que as partes não possam derrogar, desde que essa desconformidade tenha tido influência decisiva na resolução do litígio.
Por força do disposto no art.º 39º, n.º 1, da LAV, os árbitros julgam segundo o direito constituído, a menos que as partes determinem, por acordo, que julguem segundo a equidade.
No caso dos autos, as partes não acordaram em os árbitros julgarem o litígio segundo a equidade, pelo que estão sujeitos ao direito constituído pelas mesmas indicado no contrato de empreitada que celebraram.
Tal como afirma José Robin de Andrade (Lei da Arbitragem Voluntária Anotada, Coordenação de Dário Moura Vicente, 6ª edição, Maio 2023, Livraria Almedina e APA, p. 157), o artigo 39º, n.º1, da LAV, não obsta a que, numa arbitragem sujeita ao direito estrito, a decisão arbitral aplique norma que determine a aplicação da equidade, como sucede com o art.º 812º e 566º, n.º3, do CC, ainda que na ausência de acordo das partes.
Como se refere no acórdão do STJ de 22-09-2016, processo n.º 660/15.8YRLSB.L1.S1 (acessível em dgsi.pt), invocado pela ré, “o art.º 39º da LAV condiciona a possibilidade de os árbitros julgarem segundo a equidade à existência de acordo das partes, deixando, aliás, de se exigir que tal opção das partes constasse da própria convenção de arbitragem ou ocorresse antes da aceitação do primeiro árbitro – nada obstando a que , mesmo em fase adiantada do litígio, as partes possam ainda optar pelo julgamento segundo critérios de equidade, apenas cumprindo acautelar, neste caso, a aceitação de tais critérios decisórios pelos árbitros.
É, porém, evidente, que este regime específico não pode ser convocado e aplicado quando o tribunal arbitral tiver de aplicar uma norma legal cuja fattispecie contiver uma específica remissão para a aplicação pelo tribunal – por qualquer tribunal , estadual ou arbitral, que for chamado a aplicar essa norma – de critérios de equidade no julgamento do pleito: na verdade, neste tipo de situações, o apelo à equidade não resulta de opção das partes, tomada no exercício da sua autonomia da vontade acerca dos critérios que devem presidir à composição do litígio, mas de opção do próprio legislador que considerou mais adequada à peculiar fisionomia do caso a dirimição do litígio segundo critérios que ultrapassam o direito estrito.
Tal distinção encontra, aliás, e desde há muito, suporte na norma constante do art.º 4º do CC, destrinçando-se aí claramente os casos em que o recurso à equidade decorre de disposição expressa que o permite das situações em que tal apelo resulta do exercício da autonomia privada, no campo das relações disponíveis: ora, como parece evidente, a norma constante do art.º 39º da LAV tem de se relacionar com aquele exercício da autonomia privada, previsto nas alíneas b) e c) do art.º 4º do CC – e não com a aplicação de uma norma que expressamente comete ao julgador o encargo de decidir, não segundo critérios de juridicidade e legalidade estrita, mas antes de acordo com a equidade, ou seja, com a busca essencial de uma justiça do caso concreto.
É que, neste caso, o tribunal arbitral, ao apelar à equidade como critério decisório, em cumprimento do expressamente previsto na norma legal convocada e aplicada, está a fazer exactamente o mesmo que qualquer tribunal estadual a que cumprisse aplicar essa norma, obedecendo, não á vontade das partes, mas a uma específica determinação legislativa.
Importa, ainda, atentar em que o recurso ao critério da equidade mencionado no art.º 39º, n.º 1, da LAV, se situa no momento da subsunção jurídica (à factualidade apurada), seja em sede de decisões sobre o mérito do litígio seja em sede de decisões que versem sobre questões processuais.
O segmento da decisão arbitral convocado pela autora para sustento da invalidade que se aprecia respeita ao tema de prova …, com o seguinte teor:
É este o valor mensal (53.630 €) a considerar no cálculo dos encargos de estrutura imputáveis à empreitada Promenade, valor que importa multiplicar pelo número de meses em que a B …, S.A. tenha estado a trabalhar na obra, de final de setembro de 2018 ao início de abril de 2019, no total de pouco mais de seis meses, o que perfaz o montante total de encargos de estrutura de 321.780 € [Art.º 170º da p.i.]”.
A resposta do Tribunal Arbitral ao tema de prova transcrito foi a seguinte:
Provado que houve custos de estrutura. Da prova produzida, resulta que o valor máximo de tais custos ascenderia a 321.780,00, valor este que, repartido pelo período de tempo de vigência do Contrato, perfaz o valor mensal de € 53.630.
Atendendo à prova pericial e à posição de disparidade dos Senhores Peritos, afigura-se adequado ao Tribunal o recurso a um juízo de equidade para a determinação do montante relativo a custos de estrutura. Assumindo o indicado valor mensal de 53.630 e o valor indicado pelo Senhor Perito do Tribunal e pelo Senhor Perito da Demandada que indicam o valor mensal de 2.058,19, decide o Tribunal fixar o valor em causa no valor que resulta da média entre os dois valores, o que perfaz um valor de 159.860 € para o período em causa (cfr. Relatório Pericial e Docs. A-74 e A-08).”
Em sede de subsunção jurídica dos factos apurados, na decisão arbitral, depois de se concluir pela resolução ilícita do contrato de empreitada celebrado entres as partes pela, aqui, autora, na definição das suas consequências jurídicas, em especial, no apuramento do valor dos gastos, trabalho e proveito que a, aqui, ré, poderia retirar da obra, refere-se, a propósito da matéria acima mencionada, a páginas 115, parte final, e 116, o seguinte:
Assim, resta, face à prova produzida, apurar as rúbricas que correspondem a gastos e trabalho realizados pela B …, S.A., assim como ao proveito que esta poderia tirar da empreitada. Para o efeito, importa considerar as rúbricas e os valores seguintes:
i) Encargos de estrutura no valor de € 159.860,00 /cfr. matéria dada como provada na resposta ao tema de prova …).
(…)
Afere-se dos segmentos da decisão arbitral acima identificados que na mesma não se convoca o critério da equidade para a solução jurídica do litígio, designadamente, no que respeita à determinação do valor a pagar pela, aqui, autora à, aqui, ré, a título de encargos de estrutura por esta suportados. Nesta sede, a decisão limita-se a convocar a factualidade dada como provada.
Também se afere dos segmentos da decisão arbitral mencionados que, em sede de decisão sobre a matéria de facto, no que tange ao tema de prova …, o Tribunal Arbitral, apreciando os elementos de prova de que dispunha, que identificou como sendo os relatórios periciais e os documentos A-… e A-…, considerando a disparidade dos dois valores para que os primeiros apontavam, decidiu fixar valor resultante da média entre os mesmos, com apelo à equidade.
 Constata-se, pois, que equidade não foi adoptada pelo Tribunal Arbitral como critério de subsunção jurídica, de aplicação do direito (processual ou substantivo) a factos, mas antes como critério de valoração da prova carreada para os autos, tendo em vista a definição de matéria de facto provada.
Ora, como acima se referiu, o que, por força do disposto art.º 39º, n.º 1, da LAV, está vedado ao Tribunal Arbitral é que, em sede de subsunção jurídica à factualidade apurada, recorra a critérios de equidade quando as partes em tal não tenham acordado, sendo essa situação que viola a convenção arbitral e gera invalidade da sentença arbitral nos termos do referido art.º 46º, n.º3, al. a), subalínea iv), da LAV, com ressalva, claro está, do que acima se referiu a propósito da aplicação da equidade por determinação normativa.
Do referido art.º 39º, n.º 1, da LAV, não resulta qualquer impedimento referente à valoração dos elementos de prova tendo em vista o apuramento da factualidade demonstrada.
Nessa perspectiva, tendo o Tribunal Arbitral apelado à equidade em sede de valoração dos elementos de prova para fixação dos factos provados, entende-se que a convenção arbitral não se mostra infringida e que a invalidade da sentença arbitral prevista no art.º 46º, n.º3, al. a), subalínea iv), da LAV, arguida pela autora, não ocorre.
Face ao referido, não se vê como a decisão possa afectar os preceitos constitucionais invocados pela autora, a que acima se fez referência.
*
- Violação da imparcialidade pelo Tribunal Arbitral e do direito ao processo justo (arts. 193º e ss. da petição inicial).
Nos arts. 193 e ss. da petição inicial, a autora alega que a sentença arbitral viola a imparcialidade que o Tribunal Arbitral deve ter posto que favorece a, aqui, ré ao não ter em conta os factos demonstrados e ao não aplicar o Direito aos factos que foram demonstrados.
Para sustento de tal afirmação, a autora alega que:
- na aludida decisão, procede-se à aplicação do art.º 275º, n.º2, do Código Civil, quando o mesmo só seria aplicado subsidiariamente, por força do que as partes acordaram na cláusula 1.3. do Contrato de Empreitada, sendo que na mesma não se demonstra a ausência de um regime previsto no mesmo contrato como aplicável em sua precedência (designadamente, um regime previsto no contrato ou no direito público das empreitadas);
- o regime do art.º 275º, n.º 2, do Código Civil, não foi discutido nos autos, não tendo tido a possibilidade de o discutir e dele se defender se fosse caso disso - trata-se, assim, de mais uma decisão surpresa;
- o artigo 275.º, n.º 2, do Código Civil, exige dois requisitos cumulativos: (i) impedir a verificação da condição; (ii) contra as regras de boa fé, por aquele a quem a verificação da condição prejudica. Logo, o impedimento da verificação da condição não basta; é necessário ainda que seja contra as regras de boa fé;
- o Tribunal Arbitral considerou que impedir em si mesmo é contrário à boa fé, mas ficou por demonstrar a má fé, pelo que o art.º 275º, n.º 2, do Código Civil não podia ter sido aplicado;
- tendo a questão dos solos sido um tema central no arrastar da economia contratual, que levou a que a, aqui, ré, solicitasse mais quatro meses de prazo e tendo o Tribunal Arbitral considerado, mal, que a, aqui, ré foi culpada em 50% pela questão dos solos, não se afigura que atente contra a boa fé o Dono de Obra que não quis continuar com aquela empreitada, nem se que age contra a boa fé, o Dono de Obra que tentou accionar o mecanismo da cláusula 27ª do Contrato, mas que, na comunicação de 3 de Abril, reconhece que os requisitos da cláusula 27ª não estariam reunidos e resolve o contrato com fundamento em incumprimento que alegou nessa comunicação e que provou em tribunal;
- não atentou contra a boa fé, nem disso cuidou o Tribunal Arbitral, que se bastou em considerar o impedimento da condição em si uma violação da boa fé, o que é insuficiente para aplicação do artigo 275º, n.º 2, do Código Civil, o qual foi aplicado, ilegalmente, pelo Tribunal de surpresa, à margem da discussão das Partes e à revelia do direito de defesa e ainda à margem da regra de direito aplicável determinada livremente pelas Partes;
- impunha a cláusula 1.3 do Contrato que o Tribunal Arbitral tivesse em conta o Código dos Contratos Públicos e, em especial, o seu artigo 406.º, no qual se prevê na alínea a) que o empreiteiro pode resolver o contrato se não for feita a consignação da obra no prazo de 6 meses contados da celebração do contrato, por facto não imputável ao empreiteiro, sendo que, através da cláusula 27.ª as partes aceitaram bilateralizar essa norma, o que significa que, por força deste mecanismo, haveria um direito à desistência de qualquer das partes, durante seis meses, desde que não houvesse consignação formal da obra;
- diz a Sentença Arbitral que, mesmo que a pretensão da, aqui, autora, passasse nesse crivo (o da não consignação), devido ao elemento literal, não passaria na exigência de mútuo acordo, sendo que, nesta sede, a mesma decisão faz tábua rasa dos elementos teleológicos que antes usou para ultrapassar o elemento literal que exigia a consignação formal, e isto não obstante o elemento literal levar à inutilidade do mecanismo previsto na cláusula 27ª:
- assim, decorridos 6 meses sem consignação, as partes tinham o direito a renegociar as condições; não havendo acordo, a parte descontente necessitaria de mútuo acordo para resolver o Contrato, ou seja, a que não quisesse renegociar e que se sentisse satisfeita com as condições em vigor e com o Contrato teria de dar o seu acordo para o contrato se extinguir, o que, naturalmente, nunca ocorreria, tornando-se, assim, este mecanismo contratual inoperante, letra morta;
- a interpretação mencionada não é uma interpretação plausível, nem legal, por ilógica e por atentar contra a teleologia de estipulação;
- o Tribunal Arbitral foi sobejamente alertado para esta situação quer na prova testemunhal quer nas alegações;
- não se diga, assim, que se trata de um mero erro de julgamento, mas antes, de parcialidade da decisão, sobretudo quando se compara a rigidez literal que o Tribunal Arbitral apõe na interpretação do nº 2 e a oposta falha de rigidez na interpretação do nº 1 da mesma cláusula;
- dualidade de critério na interpretação da mesma cláusula não constitui erro de julgamento, mas uma decisão que favorece uma parte em detrimento de outra, violando-se o dever de imparcialidade;
 - no último parágrafo da página 113 e no primeiro da página 114 da decisão arbitral, o Tribunal Arbitral discorre sobre o 1º § da comunicação de 3 de Abril para concluir que era necessário o acordo da B …, S.A. para resolver o Contrato, sendo surpreendente que, após a exegese detalhada desse excerto da referida comunicação, também não conclua que a A …, Lda. afirma nesse mesmo excerto que não é aplicável o regime da cláusula 27.ª e que resolve o Contrato com fundamento nos incumprimentos que nessa comunicação alega;
- no aspecto referido, mostra-se novamente a postura parcial do Tribunal Arbitral, que desconsidera tudo o que possa sustentar a posição da A …, Lda. e apenas considera o que possa favorecer as pretensões da B …, S.A.;
- no momento de analisar a carta de resolução de 3 de Abril, em vez de continuar com a sua lupa escrupulosa que vai ao detalhe, o Tribunal Arbitral passa pelas fundamentações invocadas nessa carta como cão por vinha vindimada e simplesmente refere que a A …, Lda. “alega um conjunto de vicissitudes inerentes ao Contrato de Empreitada, como sucede com o tema da Contaminação dos Solos” e mais refere que, se a A …, Lda. entendia que a 3 de Abril existiam incumprimentos passíveis de resolução, devia ter lançado mão da cláusula 25.8, o que não fez, pelo que conclui que não pode “aceitar como válida que a resolução do CE feita pela A …, Lda. na sua comunicação de 3 de Abril de 2019 tenha tido por fundamento um conjunto de (agora) alegadas vicissitudes contratuais, quando a própria A …, Lda. assim não o entendeu na comunicação que então remeteu à B …, S.A., bem como não agiu de acordo com o contratualmente previsto caso fosse essa a situação;
- a decisão é errática e não fundamentada, posto que o Tribunal Arbitral refere que a A …, Lda. alegou um conjunto de vicissitudes contratuais, mas por outro lado, diz que a A …, Lda. tem como fundamentos um conjunto de vicissitudes contratuais (agora) alegadas, quando a própria autora assim mesmo entendeu na sua comunicação de 3 de abril;
- a autora alegou nas suas comunicações de 2 e 3 de abril um conjunto de vicissitudes, que afinal só alegou “agora” (?! no processo?) e que a própria A …, Lda. entendia não servir para fundamentar a resolução;
- o que consta destas comunicações é claro: a A …, Lda. resolveu unilateralmente o contrato, com fundamento nos seguintes incumprimentos: - a B …, S.A. obrigou-se a preparar a obra de forma detalhada e que, decorridos 6 meses, encontrando-se a licença a pagamento, no dia 3 de abril, a B …, S.A. nada tinha preparado; só colocava obstáculos; pedia mais prazo (ficou provado que solicitou mais 4 meses) e mais preço e, em vez de a obra se encontrar em plena produção, tinham voltado à fase comercial com o Empreiteiro a querer renegociar um contrato de valor global com erros e omissões. - a B …, S.A. mantinha a posição relativamente aos solos, defendendo a A …, Lda. que a B …, S.A. tinha de assumir o erro, caso existisse, e alegando que a B …, S.A. dispunha de toda a informação sobre os solos nos elementos contratuais;
- espantosamente, o Tribunal Arbitral não se pronuncia sobre nada destas circunstâncias que motivaram a resolução, afirmando que a A …, Lda. não lançou mão do mecanismo da cláusula 25.8 do Contrato;
- contudo, a cláusula 25.8 e seguintes do Contrato não contêm nenhum mecanismo: apenas aí se prevê que o Dono de Obra pode resolver o contrato com fundamento em justa causa, nos casos previstos na Lei e nos previstos na cláusula 28.5, sendo que na alínea a) se prevê o incumprimento e na alínea b) o atraso superior a 20 dias. Nada mais previa esta cláusula, não se exigindo qualquer comunicação prévia ou uma interpelação admonitória.;
- de resto, o artigo 405º do C.C.P não prevê qualquer interpelação admonitória;
- a citada cláusula 6.4 do Contrato também nada prevê e, pelo contrário, estipula que, em caso de atraso superior a 15 dias, o Dono de Obra pode resolver o contrato;
- é evidente que o facto de não ter aludido expressamente às cláusulas 25.8 ou à 6.4 não implica a perda do direito à resolução com justa causa que a A …, Lda. operou na comunicação de 3 de abril, na qual constam os referidos fundamentos;
- era obrigação do Tribunal Arbitral analisar esses fundamentos e aferir da sua procedência ou não;
- era obrigação do Tribunal Arbitral usar o mesmo critério de que lançou mão quando analisou a cláusula 27ª, não podendo, com argumentos contraditórios e confusos, repudiar esse caminho legal, o de resolução do contrato através da carta de 3 de abril, onde se alega atraso de seis meses, falha de preparação de obra, não aceitação do preço e repúdio do tratamento dos solos contaminados dentro do preço acordado, violando um contrato por preço global com erros e omissões;
- os fundamentos referidos estão alegados e claramente. Não os decidir é recusar julgar e, além do mais, novamente o Tribunal usou dois pesos e duas medidas, ou seja, não foi imparcial.
- por último, na página 117 da Sentença Arbitral, o Tribunal Arbitral cita parcialmente a cláusula 1.3 do Contrato, omitindo os seus últimos parágrafos, onde se imputava à B …, S.A. toda a responsabilidade por quaisquer dúvidas na interpretação dos documentos contratuais, o que foi desconsiderado na decisão arbitral para apenas considerar a parte favorável à B …, S.A.;
- todos os factos objeto dos Temas da Prova cujo ónus de prova cabia à B …, S.A. são considerados provados com base nas declarações de parte do legal representante da B …, S.A. e com mais uma ou duas testemunhas, mesmo que a opinião dos Peritos seja diversa, sendo que algumas vezes o Tribunal até desconsidera a opinião destes;
- é normal, avisado e pacífico, quer na jurisprudência estadual quer na arbitral, que, em matérias técnicas ou de números, as declarações de parte e os depoimentos das testemunhas de nada ou pouco valem, sobretudo havendo prova pericial e mais ainda tratando-se de uma perícia colegial em que o terceiro perito é nomeado pelo tribunal, como foi o caso;
- viola essa jurisprudência a conduta do Tribunal Arbitral vertente, que só é explicável pela ausência de imparcialidade com que julgou;
- noutras situações, o Tribunal Arbitral dá como provados factos sem fundamentar a decisão, como no tema de prova …;
- no que respeita aos factos objeto dos Temas de Prova cujo ónus cabia à A …, Lda., especialmente os respeitantes a danos e números, o Tribunal Arbitral desconsiderou a prova por declarações e testemunhal produzida pela A …, Lda., bem como a prova documental, e apenas deu como provado um tema da prova (o 260) com base no relatório pericial;
- tal diferença de critério é gritante: para a prova dos danos da B …, S.A., bastou a declaração de parte e um depoimento testemunhal, mesmo que a prova pericial tenha ido em sentido contrário ou diverso; para a prova dos danos da A …, Lda., as declarações de parte e a prova testemunhal de nada valem, apenas contando a prova pericial.
- de tudo quanto se expôs resulta, assim, que a sentença arbitral evidencia uma mão pesada e com uma direção única: a de penalizar a A …, Lda. e a de decidir em favor da B …, S.A., o que consubstancia uma decisão parcial e violadora do processo justo e equitativo;
- a violação da imparcialidade gera a anulação da sentença arbitral ao abrigo do artigo 46.º, n.º 3, alínea a) ii) e iv), e alínea b) (ii) da LAV;
- a sentença arbitral, ao fazer uma interpretação dos artigos 9.º, n.º 3, e 30.º, n.º 1, da LAV no sentido de não ser necessário ouvir as partes sobre as vias jurídicas por si identificadas para a decisão da causa, violou o disposto no artigo 20.º e 203.º da CRP, que consagram o direito à tutela jurisdicional efetiva;
- uma interpretação dos artigos 9.º, n.º 3, 30.º, n.º 1, alíneas b) e c), e 46.º, n.º 3, alínea a) ii) e iv), e alínea b) (ii), da LAV que admita uma decisão parcial é materialmente inconstitucional por violação do direito à tutela jurisdicional efetiva.
Por sua vez, a ré respondeu à argumentação invocada pela autora a que acima se fez referência no sentido da sua improcedência, nos arts. 307º e ss. da oposição.
Em síntese, alega que:
- os fundamentos de parcialidade aduzidos pela autora passam ao lado do conceito de “parcialidade”, pois todos redundam na mera recitação de opções erradas do Tribunal Arbitral na opinião da Requerente;
- a circunstância de o sentido da sentença “favorecer uma parte em detrimento de outra” não significa, por si só, que os árbitros violaram o princípio da imparcialidade, já que estes não estão obrigados a produzir uma decisão “salomónica”, que beneficie igualmente ambas as partes;
- o recurso ao disposto no n.º 2 do artigo 275.º do Código Civil, inexistindo lei ou acordo que o impeçam, não carece de “demonstração”, por configurar a aplicação de um regime basilar do Direito português, por isso sempre aplicável, directa ou subsidiariamente;
- a aplicação do aludido preceito não constitui decisão surpresa, sendo que cada uma das partes sabia ou não podia deixar de saber que o Tribunal Arbitral poderia vir a decidir nesse sentido;
- a afirmação de que um dos requisitos do aludido artigo 275º, n.º 2, do Código Civil – respeitante à má-fé -, não está preenchido é própria de recurso;
- a alegação referente à forma como o Tribunal Arbitral procedeu análise da cláusula 27º do contrato de empreitada, reconduz-se a uma causa de discordância quanto à solução adoptada na decisão arbitral, e não configura a evidência de dualidade de critérios apontada pela requerente;
- a invocação de que a parte decisória relativa à carta de resolução de 3 de Abril, que a autora reputa de “errática e não fundamentada”, consiste num desfiar de discordâncias relativamente ao caminho decisório do Tribunal Arbitral, que não constitui, minimamente, uma demonstração de alguma parcialidade da parte deste;
- da alegada desconsideração, pelo Tribunal Arbitral, da parte da cláusula 1.3 do contrato de empreitada que imputava à B …, S.A. toda a responsabilidade por quaisquer dúvidas na interpretação dos documentos contratuais para apenas considerar a parte favorável à B …, S.A., não decorre a parcialidade na análise conduzida pelo Tribunal a esse propósito;
- a invocação da forma como o Tribunal Arbitral apreciou a prova produzida pelas partes respeita à alegação de um erro de julgamento e não a fundamento de anulação de decisão arbitral;
- não se encontra, na Sentença Arbitral, qualquer indício de que tenha sido violado o princípio da imparcialidade dos árbitros.
Passando à apreciação do fundamento acima enunciado, começa-se por referir que, como já supra mencionado, por força do disposto no art.º 46º, n.º 3, al. a), subalínea ii), da LAV, a sentença arbitral pode ser anulada se a parte que o faz demonstrar que, no processo arbitral, houve violação de alguns dos princípios fundamentais referidos no art.º 30º, n.º1, da mesma lei, com influência decisiva na resolução do litígio.
Reiterando o acima afirmado, por força do preceito aludido, a violação dos princípios fundamentais referidos no art.º 30º, n.º 1, da LAV, apenas constitui fundamento de anulação da sentença arbitral se ficar demonstrado que, se tal violação não tivesse ocorrido, o desfecho do processo provavelmente teria sido diferente, posto que só assim teve influência decisiva na resolução o litígio.
Decorre do art.º 204º da Constituição da República Portuguesa que os Tribunais Arbitrais são órgãos jurisdicionais, sendo o resultado da sua actividade, em larga medida, coincidente com o exercício da função jurisdicional de qualquer Tribunal, posto que lhes compete “proceder à hetero-resolução de um conflito entre sujeitos privados, num plano estritamente jurídico, ou seja, visando a composição dos interesses conflituantes a pura realização do direito objectivo ou da equidade (e não a prossecução activa de outros interesses, diferenciados da estrita actuação do ordenamento jurídico)” [acórdão do STJ de 12-07-2011, processo n.º 170751/08.7YIPRT.L1.S1, acessível, em dgsi.pt)].
A utilização dos Tribunais Arbitrais corresponde, assim, a um modo possível do exercício do direito de acesso à Justiça.
Por força do disposto no art.º 203º da Constituição da República Portuguesa, os tribunais, incluindo os arbitrais, são independentes e apenas estão sujeitos à lei.
Por outro lado, estipula o art.º 20º, n.º 1, da Lei Fundamental, que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses protegidos.
Já o número 4 do mesmo artigo preceitua que todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.
Da conjugação dos aludidos arts. 203º e 20º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, resulta que a independência e imparcialidade de quem julga representam o requisito mínimo de um processo equitativo.
Nessa perspectiva, porque o direito de acesso aos tribunais implica o direito a um processo equitativo e o procedimento de arbitragem voluntária constitui um modo de exercício do direito de acesso aos tribunais, tal procedimento tem de obedecer aos padrões do processo equitativo, o que se traduz na necessidade de independência e imparcialidade dos árbitros que nele participam, conforme estatuído no art.º 9º, n.º3, da LAV.
Assim, por força do aludido normativo, é exigido ao árbitro que “seja e se mantenha, em todo o processo arbitral, independente e imparcial” (Manuel Pereira Barrocas, Lei da Arbitragem Comentada, 2ª edição, 2018, Livraria Almedina, Coimbra, p. 58).
O princípio da imparcialidade traduz-se no alheamento dos árbitros relativamente ao interesse das partes, na liberdade de os mesmos decidirem sem constrangimentos. “A imparcialidade situa-se em concreto no estado de consciência do árbitro relativamente às partes e ao litígio e ao modo como ele deve ser resolvido sem qualquer favorecimento a uma das partes por razões estranhas ao mérito da posição de cada uma” (Manuel Pereira Barrocas, Lei da Arbitragem Comentada, 2ª edição, 2018, Livraria Almedina, Coimbra, p. 58)
Tendo, igualmente, sido convocada, pela autora, a violação do direito ao processo justo ou equitativo, cumpre reiterar o já acima mencionado a esse propósito, no sentido de que se entende que, na esteira de António Sampaio Caramelo (A impugnação da sentença arbitral, 3ª edição, p. 52), nas normas contidas no art.º 30º, n.º1, als. b) e c), da LAV, estão consagradas decorrências de tal direito, sendo legítimo nelas se incluir a necessidade de imparcialidade dos árbitros que participam no processo arbitral, ou seja, a necessidade de os mesmos serem alheios em relação ao interesse das partes.
Alega a autora que a sentença arbitral viola a imparcialidade porque favorece a ré ao não ter em conta os factos demonstrados e ao não aplicar o Direito aos factos demonstrados (art.º 195º da petição inicial).
Em concretização de tal alegação, a autora começa por referir que o regime consagrado no art.º 275º, n.º2, do Código Civil, convocado na decisão arbitral, apenas deveria ser aplicado ao litígio subsidiariamente, por força do acordado pelas partes na cláusula 1.3 do contrato de empreitada que celebraram, dela não constando argumentação que sustente o afastamento da aplicação do regime previsto no mesmo contrato ou no direito público das empreitadas, conforme previsto na mesma cláusula.
Como já acima se teve oportunidade de referir, na presente acção, está apenas em causa controlar a integridade da decisão proferida, verificando a sua compatibilidade com os princípios, regras e valores fundamentais do ordenamento jurídico, daí se excluindo a aferição do mérito sobre o direito aplicado ou da solução dada ao litígio.
Ora, o argumento apresentado pela autora que se aprecia respeita ao mérito da decisão arbitral no que concerne ao direito aplicado e à solução dada ao litígio.
Do segmento da decisão mencionado não se evidencia, ao contrário do defendido pela autora, que o Tribunal Arbitral o tenha assumido por razões estranhas ao mérito da posição de cada uma das partes, limitando-se a definir a orientação jurídica que teve por adequada ao caso, ainda que em sentido diverso do defendido pela autora, o que não evidencia qualquer intenção de favorecer a, aqui, ré.
Entende-se, pelo exposto, que tal segmento da decisão arbitral não é apto a constituir a causa da sua anulação constante do art.º 46º, n.º 3, al. a), subalínea ii), da LAV
Após, no art.º 201º da petição inicial, a autora alega que o regime constante do art.º 275º, n.º 2, do Código Civil, não foi discutido nos autos, não tendo tido a possibilidade de o fazer, o que constitui uma decisão surpresa.
Como acima referido, resulta do art.º 30º, n.º 1, al. c), da LAV, que, no processo arbitral, deve observar-se e fazer-se cumprir o princípio do contraditório, não sendo lícito, salvo as excepções previstas na LAV, decidirem-se questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
Verifica-se que as partes, ao longo do processo arbitral, discutiram o direito aplicável ao litígio, designadamente, no que respeita aos efeitos da “comunicação da resolução do contrato de empreitada” pela mesma efectuada perante a ré, tendo a autora defendido a não aplicação do regime constante do Código Civil, antes pugnando pela aplicação do regime contratual e, eventualmente, de regime de direito público, ao passo que a ré pugnou pela aplicação do regime civilístico, como se afere das peças processuais que apresentaram.
A fundamentação jurídica assumida na decisão arbitral para a questão enunciada, no sentido da convocação da norma contida no art.º 275º, n.º 2, do Código Civil, enquadra-se no âmbito de previsibilidade acessível às partes, face à natureza da questão em causa e à argumentação que cada uma delas apresentou no processo.
Como, também, já se mencionou nesta decisão, a circunstância de a autora não se referir, nas peças processuais que apresentou no processo arbitral, à norma mencionada, não obsta à legitimidade da sua invocação na decisão arbitral, posto que se encontra no âmbito de previsibilidade de que a mesma dispunha, no que respeita à solução jurídica da questão acima identificada, ainda que contrária ao que defendeu.
Entende-se, pois, ao invés do defendido pela autora, que a decisão arbitral, no segmento em referência, não configura uma decisão surpresa e, por isso, não viola o princípio do contraditório consagrado no art.º 30º, n.º 2, al. c), da LAL, muito menos o princípio da imparcialidade dos árbitros a que acima se fez menção.
Nos arts. 202º e ss. da petição inicial, a autora alega, para sustento da anulação da sentença arbitral, que o Tribunal Arbitral não podia ter aplicado ao litígio a norma contida no art.º 275º, n.º2, do Código Civil, porque não ficou demonstrado um dos requisitos nele previstos, que se reconduz à ofensa das regras de boa-fé.
O argumento em referência respeita ao mérito da decisão arbitral, no que concerne ao direito aplicado e à solução dada ao litígio.
Do segmento da decisão mencionado não se evidencia, ao invés do defendido pela autora, que o Tribunal Arbitral o tenha assumido por razões estranhas ao mérito da posição de cada uma das partes, limitando-se a definir a orientação jurídica que teve por adequada ao caso, ainda que em sentido diverso do defendido pela autora.
Razão por que se entende que o segmento da decisão arbitral mencionado não é apto a constituir causa da sua anulação constante do art.º 46º, n.º 3, al. a), subalínea ii), da LAV, ao invés do defendido pela autora.
A autora invoca, como fundamento de anulação da decisão arbitral, que o Tribunal Arbitral, apresenta dualidade de critérios na interpretação da cláusula 27º do contrato de empreitada, o que constitui parcialidade da mesma decisão e fundamento para a sua anulação, ao abrigo do art.º 46º, n.º 3, al. a), subalínea ii), da LAV.
Também aqui falece razão à autora.
Na verdade, do segmento da decisão mencionado não se evidencia, ao invés do defendido pela autora, que o Tribunal Arbitral o tenha assumido por razões estranhas ao mérito da posição de cada uma das partes, limitando-se a definir a orientação jurídica que teve por adequada ao caso, ainda que em sentido diverso do defendido pela autora, o que não evidencia preocupação do Tribunal Arbitral em favorecer a, aqui, ré.
Razão por que se entende que o segmento da decisão arbitral mencionado não é apto a constituir causa da sua anulação constante do art.º 46º, n.º 3, al. a), subalínea ii), da LAV, ao invés do defendido pela autora.
Nos arts. 222º e ss. da petição inicial, a autora alega nova postura parcial da decisão arbitral, ao não concluir que a mesma afirma na comunicação de 3 de Abril, no primeiro parágrafo, que não é aplicável o regime da cláusula 27.ª do aludido contrato de empreitada e que o resolve com fundamento nos incumprimentos que nessa comunicação alega e ao não considerar tal declaração.
O argumento em referência respeita à valoração jurídica de factos, ou seja, ao mérito da decisão arbitral.
Entende-se que não assiste razão à autora, posto que do segmento da decisão mencionado não se evidencia, ao invés do defendido pela autora, que o Tribunal Arbitral o tenha assumido por razões estranhas ao mérito da posição de cada uma das partes, limitando-se a definir a orientação jurídica que teve por adequada ao caso, ainda que em sentido diverso do defendido pela autora.
Razão por que se entende que o segmento da decisão arbitral mencionado não é apto a constituir causa da sua anulação constante do art.º 46º, n.º 3, al. a), subalínea ii), da LAV, ao invés do defendido pela autora.
Como fundamento de anulação da decisão arbitral subsumível no art.º 46º, n.º3, al. a), subalínea ii), da LAV, por violação do dever de imparcialidade, a autora alega que, na sentença arbitral,  não se aprecia a argumentação por si expendida no sentido de que resolveu unilateralmente o contrato de empreitada que celebrou com a ré pelos seguintes incumprimentos:
- a B …, S.A. obrigou-se a preparar a obra de forma detalhada e que, decorridos 6 meses, encontrando-se a licença a pagamento, no dia 3 de Abril, a B …, S.A. nada tinha preparado; só colocava obstáculos; pedia mais prazo (ficou provado que solicitou mais 4 meses) e mais preço e, em vez de a obra se encontrar em plena produção, tinham voltado à fase comercial com o Empreiteiro a querer renegociar um contrato de valor global com erros e omissões;
- a B …, S.A. mantinha a posição relativamente aos solos, defendendo a A …, Lda. que a B …, S.A. tinha de assumir o erro, caso existisse, e alegando que a B …, S.A. dispunha de toda a informação sobre os solos nos elementos contratuais.
Mais alega a autora que era obrigação do Tribunal Arbitral analisar esses fundamentos e aferir da sua procedência ou não bem como de usar o mesmo critério de que lançou mão quando analisou a cláusula 27ª, não podendo, com argumentos contraditórios e confusos, repudiar esse caminho legal, o de resolução do contrato através da carta de 3 de Abril, onde se alega atraso de seis meses, falha de preparação de obra, não aceitação do preço e repúdio do tratamento dos solos contaminados dentro do preço acordado, violando um contrato por preço global com erros e omissões, sendo que esses fundamentos estão alegados e claramente e não os decidir é recusar julgar e, além do mais, novamente o Tribunal usou dois pesos e duas medidas, ou seja, não foi imparcial.
A autora, na argumentação acima enunciada, mantém-se no âmbito do controlo do mérito da decisão arbitral, posto que a mesma se reconduz em rebater o “caminho jurídico” nela percorrido para a solução do litígio.
Ora, desse “caminho” não se retira, ao invés do defendido pela autora, que o Tribunal Arbitral o tenha assumido por razões estranhas ao mérito da posição de cada uma das partes, limitando-se a definir a orientação jurídica que teve por adequada ao caso, ainda que em sentido diverso do defendido pela autora.
Razão por que se entende que o segmento da decisão arbitral mencionado não é apto a constituir causa da sua anulação constante do art.º 46º, n.º 3, al. a), subalínea ii), da LAV, ao invés do defendido pela autora.
A autora alega, nos arts. 241º e ss. da petição inicial, como fundamento da anulação da sentença previsto no art.º 46º, n.º3, al. a), subalínea ii), da LAV, que a decisão arbitral é omissa na referência aos últimos parágrafos da cláusula 1.3 do contrato de empreitada que celebrou com a ré, desconsiderando o segmento que imputava à B …, S.A. toda a responsabilidade por quaisquer dúvidas na interpretação dos documentos contratuais para apenas considerar a parte favorável à B …, S.A.
Como já acima referido, a autora, na argumentação acima enunciada, mantém-se no âmbito do controlo do mérito da decisão arbitral, posto que a mesma se reconduz em rebater o “caminho jurídico” nela percorrido para a solução do litígio.
Ora, desse “caminho” não se retira, ao invés do defendido pela autora, que o Tribunal Arbitral o tenha assumido por razões estranhas ao mérito da posição de cada uma das partes, limitando-se a definir a orientação jurídica que teve por adequada ao caso, ainda que em sentido diverso do defendido pela autora, o que não evidencia preocupação do Tribunal Arbitral em favorecer a, aqui, ré.
Razão por que se entende que o segmento da decisão arbitral mencionado não é apto a constituir causa da sua anulação constante do art.º 46º, n.º 3, al. a), subalínea ii), da LAV, ao invés do defendido pela autora.
Mais alega a aultora que todos os factos objecto dos Temas da Prova cujo ónus de prova cabia à B …, S.A. são considerados provados com base nas declarações de parte do legal representante da B …, S.A. e com mais uma ou duas testemunhas, mesmo que a opinião dos Peritos seja diversa, sendo que algumas vezes o Tribunal até desconsidera a opinião destes.
Alega, também, que é normal, avisado e pacífico, quer na jurisprudência estadual quer na arbitral, que, em matérias técnicas ou de números, as declarações de parte e os depoimentos das testemunhas de nada ou pouco valem, sobretudo havendo prova pericial e mais ainda tratando-se de uma perícia colegial em que o terceiro perito é nomeado pelo tribunal, como foi o caso, sendo que viola essa jurisprudência a conduta do Tribunal Arbitral vertente, que só é explicável pela ausência de imparcialidade com que julgou.
Tal como os antecedentemente apreciados, o argumento referido respeita ao mérito da decisão arbitral, desta vez no que respeita ao juízo probatório nela formulado.
Ao invés do alegado pela autora, não se vê como do juízo probatório formulado pelo Tribunal Arbitral referido pela mesma se possa inferir a violação do dever de imparcialidade, ou seja, que o Tribunal tenha formulado tal juízo por razões estranhas à prova carreada para os autos, alheias ao mérito da mesma, em detrimento da autora.
Invoca a autora, como evidenciador da violação do dever de imparcialidade, que, em algumas situações, a decisão arbitral dá como provados factos sem fundamentar a decisão, designadamente, no que respeita ao tema de prova …, ao passo que, no que respeita aos factos objeto dos temas de prova cujo ónus lhe cabia (à autora), especialmente os respeitantes a danos e números, desconsidera a prova por declarações e testemunhal produzida por si, bem como a prova documental, e apenas deu como provado um tema da prova (…) com base no relatório pericial, o que se traduz numa diferença de critério.
Ao invés do alegado pela autora, também aqui não se vê como do juízo probatório referido se possa inferir a violação do dever de imparcialidade do Tribunal Arbitral, de que o mesmo decidiu por razões estranhas à prova carreada para os autos, alheias ao mérito da mesma, em detrimento da autora.
Conclui-se, pelo exposto, pela ausência de demonstração da violação do dever de imparcialidade do Tribunal Arbitral e do fundamento de anulação da decisão arbitral constante do art.º 46º, n.º 3, alínea a), subalínea ii), do LAV, nela alicerçada invocada pela autora.
A autora, no âmbito dos fundamentos acima enunciados e apreciados, alega que a violação da imparcialidade gera a anulação da decisão arbitral prevista no art.º 46º, n.º 3, alínea a), subalínea iv), do LAV (art.º 252º da petição inicial).
A autora parece entender que a violação do aludido princípio da imparcialidade do Tribunal Arbitral, em sede de decisão arbitral, importa, além da anulação prevista no art.º 46º, n.º 3, alínea a), subalínea ii), da LAV (violação dos princípios fundamentais do processo arbitral previstos no art.º 30º da mesma lei), a anulação prevista nos mesmos artigos e alínea, subalínea iv), da LAV.
De acordo com este último preceito, a sentença arbitral pode ser anulada se a parte que faz o pedido demonstrar que a composição do tribunal arbitral ou o processo arbitral não foram conformes com a convenção das partes, a menos que esta convenção contrarie uma disposição da LAV que as partes não possam derrogar ou, na falta de uma tal convenção, que não foram conformes com a presente lei e, em qualquer dos casos, que essa desconformidade teve influência decisiva na resolução do litígio.
Como se afere da leitura do preceito mencionado, a causa de anulação da decisão arbitral aí prevista reside na composição do tribunal arbitral ou no formalismo adoptado na tramitação do processo arbitral e não respeita ao conteúdo da decisão arbitral.
Nessa perspectiva, o argumento em referência mostra-se inidóneo para sustentar a anulação da decisão arbitral pretendida pela autora, tendo-se o mesmo, por isso, improcedente, posto que não respeita nem à composição do Tribunal Arbitral nem ao formalismo adoptado no processo arbitral, antes se reconduz ao conteúdo da decisão arbitral.
Ainda que assim se não entendesse, sempre haveria de se considerar, perante a ausência de demonstração da violação do princípio da imparcialidade pelo Tribunal Arbitral na decisão por si proferida, que o argumento em referência é improcedente.
A autora, ainda no âmbito dos fundamentos acima enunciados e apreciados, alega que a violação da imparcialidade gera a anulação da decisão arbitral prevista no art.º 46º, n.º 3, alínea a), subalínea iv), do LAV (art.º 252º da petição inicial).
A autora parece entender que a violação do aludido princípio da imparcialidade do Tribunal Arbitral, em sede de decisão arbitral, importa, além da anulação prevista no art.º 46º, n.º3, alínea b), subalínea ii) (violação dos princípios fundamentais do processo arbitral previstos no art.º 30º da mesma lei), e da consagrada na subalínea iv) (referente à composição do tribunal arbitral e ao formalismo da tramitação do processo arbitral), da LAV, a anulação prevista no mesmo artigo, alínea b), subalínea ii), da LAV.
De acordo com este último preceito, a sentença arbitral pode ser anulada se o tribunal verificar que o conteúdo da sentença ofende os princípios da ordem pública internacional do Estado Português.
Como acima se referiu, entende-se que a sentença arbitral não viola o princípio da imparcialidade do Tribunal Arbitral.
Em consequência do que se acaba de referir, conclui-se pela improcedência da argumentação em referência, sem necessidade de, neste momento da decisão, se discorrer sobre o conteúdo do preceito em análise.
Perante a ausência de demonstração da violação do princípio da imparcialidade acima referida, também se entende que, no caso dos autos, não ocorre a violação das normas constitucionais invocadas pela autora, designadamente, as previstas no art.º 20º e 203º da Constituição da República Portuguesa, a que acima se fez menção.
*
- A sentença arbitral viola o princípio da autonomia privada das partes ao decidir com base na equidade e ao arrepio da estipulação das partes, ao desrespeitar a lei aplicável de acordo com estipulação das Partes, recorrendo a regras do Código Civil quando existem regras aplicáveis do Código dos Contratos Públicos, e ao ignorar a vontade das partes quando estabeleceram que a eficácia do contrato ficava dependente de um acto formal de consignação, o que constitui violação da ordem pública (arts. 256º e ss. da petição inicial).
Nos arts. 256º e ss. da petição inicial, a autora alega que a sentença arbitral desrespeitou o princípio da autonomia privada das partes nos seguintes segmentos:
- ao decidir com base na equidade ao arrepio da estipulação das partes;
- ao desrespeitar a lei aplicável de acordo com estipulação das partes, recorrendo a regras do Código Civil quando existem regras aplicáveis do Código dos Contratos Públicos;
- ao ignorar a vontade das partes quando estabeleceram que a eficácia do contrato ficava dependente de um acto formal de consignação.
Além se reiterar o por si alegado a propósito do recurso à equidade na decisão arbitral, a que acima se fez referência, a autora alega que:
- a cláusula 13ª do contrato de empreitada celebrado por si com a ré, com a epígrafe “Interpretação”, na alínea a), determina, para efeitos de interpretação do contrato e da respetiva execução, que se deve observar, por ordem de prevalência: Cláusulas do Contrato; Caderno de encargos e Programa de Concurso; Demais Documentos Contratuais; Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas, com as necessárias adaptações; Demais legislação aplicável ao presente Contrato.
- foi no âmbito do primado da autonomia de vontade que as Partes entenderam celebrar o Contrato ao abrigo do regime jurídico das empreitadas de obras públicas, com as devidas adaptações por se tratar de uma empreitada privada;
- as partes fizeram exatamente o contrário do que o Tribunal Arbitral afirmou terem feito: “terem optado por celebrar o contrato, ao abrigo de autonomia privada, em conformidade com o artigo 405º e 1207º do Código Civil e, por isso, o contrato ter a natureza de empreitada de Direito Privado;
- o contrato remete para o Regime Jurídico das Empreitadas Públicas e, mesmo subsidiariamente, remete, na cláusula 1.3 A), 5, para a demais legislação aplicável às empreitadas, mas cita legislação regulamentar de carácter público, nunca fazendo qualquer alusão ou remissão para o Código Civil;
- é inquestionável que as partes quiseram regular a sua relação e, no omisso, remeteram para o Regime Jurídico das Empreitadas Públicas, pelo que, em consequência, a autonomia privada das Partes levou-as a decidir que, no omisso, fosse aplicado o regime público das empreitadas e não o privado;
- o Tribunal Arbitral, recorrendo sistematicamente e sem ser a título subsidiário ao regime privado das empreitadas, designadamente no que respeita à desistência de empreitada, subverteu o que as partes acordaram sob a égide do princípio da autonomia da vontade;
- nos termos da cláusula 27 do contrato, as partes estipularam que:
“27.1 O contrato produz os seus efeitos com a consignação da obra, que será feita no prazo máximo de 6 (seis) meses desde a assinatura do presente contrato, sendo válidas, até essa data, todas as condições reguladas e anexadas no presente contrato.
27.2 Findos os 6 (seis) meses desde a assinatura do presente contrato, sem que a obra tenha sido consignada, as PARTES têm o direito a renegociar as condições reguladas e anexadas no presente contrato. Não existindo acordo na renegociação das condições, o contrato será resolvido por mútuo acordo, não existindo por isso lugar à reclamação de valores provenientes de custos, indemnizações e/ou penalizações.”
- não obstante ter julgado provado que não existiu nenhum acto de consignação formal da obra (resposta ao tema de prova …), o Tribunal Arbitral voltou a ignorar a vontade das partes quando estabeleceram que a eficácia do contrato estava dependente desse acto formal de consignação;
- o Tribunal Arbitral reconhece que foi vontade das partes estabelecer um contrato nos termos referidos, que a condição suspensiva que determinava a eficácia do contrato de empreitada consistia na prática de um acto de consignação formal e deu como provado (Tema da Prova n.º …) que não houve qualquer ato de consignação formal;
- o resultado normal do silogismo jurídico deveria ser, neste caso, evidente: se as partes estabeleceram contratualmente que a eficácia do contrato depende de um acto de consignação formal, e se foi dado como provado que não houve lugar a qualquer ato de consignação formal (o Tribunal Arbitral vai mais longe e refere mesmo que “não existiu um acto formal de consignação da obra à B …, S.A., diversamente do que sucedeu com a E …”), resulta lógico que o contrato não chegou a entrar em vigor e, por isso, a B …, S.A. nunca poderia vir a invocar que o Contrato de Empreitada foi resolvido ilicitamente;
- porém, o Tribunal Arbitral decidiu, em total desrespeito pela vontade das Partes conforme plasmada no Contrato de Empreitada por elas celebrado, ignorar por completo a letra da cláusula 27 do Contrato de Empreitada e declarar que esse contrato se encontrava em vigor, não obstante ter dado como provado que a condição suspensiva nele prevista nunca ter ocorrido;
- o Tribunal Arbitral declarou, unilateralmente e ao arrepio da letra do contrato firmado pelas partes, que “as circunstâncias específicas em que as partes actuaram levaram o tribunal arbitral a afastar o entendimento de que a entrada em vigor (rectius, a eficácia) do Contrato de Empreitada não teria ocorrido dada a circunstância de não ter sido formalizado um acto de consignação entre a A …, Lda. e a B …, S.A.;
- não se entende de que modo é que “as circunstâncias específicas em que as partes actuaram” são suscetíveis de modificar o regime contratual que ambas as partes quiseram, negociaram e formalizaram aquando da assinatura do contrato de empreitada;
- o que o Tribunal Arbitral fez – atuando muito para além daqueles que são os seus poderes, e infringindo os princípios imperativos que regem a ordem pública internacional – foi sobrepor-se à autonomia e à vontade das partes, efetivamente operando uma modificação do regime contratual contra a sua vontade, posto que estabeleceu, motu proprio, que a eficácia do contrato de empreitada não deveria depender de um acto formal de consignação, como previsto, negociado, querido e firmado pelas partes, mas que deveria sim depender da “conduta das partes após a assinatura do Contrato de Empreitada” dos “atos e intervenções por estas levadas a cabo até à data de resolução do mesmo”;
- a decisão do Tribunal Arbitral constitui um inaceitável excesso, que ultrapassa por completo aqueles que devem ser os poderes de qualquer órgão judicativo – e, em especial, de um Tribunal Arbitral, cujos poderes judicativos têm a sua origem, fundamento e limites na vontade das partes;
- a segurança jurídica das partes fica ameaçada, se não mesmo obliterada, se for permitido a um Tribunal Arbitral desfazer e refazer, à sua vontade, as condições de eficácia estabelecidas por acordo entre as partes para os contratos que regem as suas relações jurídicas;
- ao definir, arbitrariamente, que o Contrato de Empreitada entrou em vigor num momento indeterminado entre a sua assinatura e a sua resolução (o Tribunal Arbitral não define, em concreto, qual foi o “acto” ou a “intervenção” “levada a cabo” pelas Partes “até à data de resolução” do Contrato que teria determinado a sua eficácia), o Tribunal Arbitral subtraiu efetivamente do poder das partes a capacidade de definir o momento em que o contrato de empreitada passaria a ser eficaz;
- o n.º 2 do artigo 359.º do CCP exige que a consignação seja “formalizada em auto”; pelo que é a própria lei que consagra a primazia da formalidade do acto de consignação sobre a materialidade da atuação das partes;
- ao deixar explícito e formalizado no contrato que a sua entrada em vigor ocorreria em data posterior à sua assinatura, as partes exprimiram contratualmente a sua vontade de revisitar o seu consentimento; ou seja, as partes remeteram para uma fase posterior à da assinatura do contrato a sua prestação de um acto formal, que finalmente daria eficácia ao acordado;
- tal regime confere a ambas as partes um enorme controlo sobre o momento a partir do qual estas passam a estar obrigadas pelo contrato de empreitada;
- o Tribunal Arbitral, com a sua decisão, retirou este controlo da esfera jurídica das partes, sem que qualquer preceito legal o exigisse; e, com isso, violou o princípio fundamental da autonomia privada;
- do acima referido resulta que a decisão arbitral desrespeitou aquilo que as partes decidiram e estipularam como a sua vontade no contrato que, como é sabido, “deve ser pontualmente cumprido”, pelo que tal decisão violou não só o princípio pacta sunt servanda, princípio estruturante da ordem jurídica que integra a Ordem Pública Internacional do Estado Português, como o princípio da autonomia privada das partes que aquele visa preservar e que também a integra;
- a decisão do Tribunal Arbitral, ao fazer uma interpretação das cláusulas do Contrato, do artigo 405.º do CC, do artigo 359.º do CCP e do artigo 39.º da LAV no sentido de poder desrespeitar a autonomia das partes e o que pactuaram, violou o princípio fundamental da autonomia privada, em contravenção do artigo 13.º, do artigo 26.º, do n.º 1 do artigo 27.º e do n.º 1 do artigo 62.º da CRP.
A ré, nos arts. 394º e ss. da oposição, respondeu, pugnando pela improcedência da argumentação expendida pela autora.
Em síntese, além de reiterar que a decisão arbitral não apreciou o litígio com base em juízos de equidade, alega que:
- a qualificação do contrato celebrado entre as partes como de empreitada de direito privado efectuada na decisão arbitral, que as mesmas livremente entenderam celebrar ao abrigo da sua autonomia contratual privada, em conformidade com o disposto n.º 1 do artigo 405.º e artigo 1207.º do Código Civil, é a correcta, como, de resto, expressamente se reconheceu no Ponto 1.3. A) 4. do contrato;
- sendo um contrato de empreitada de direito privado, estava indubitavelmente sujeito ao quadro normativo constante dos artigos 1207.º a 1230.º do Código Civil, apenas com a ressalva decorrente do facto de as partes haverem convocado a aplicação do regime jurídico das empreitadas de obras públicas, “com as necessárias adaptações atendendo à natureza privada da empreitada”, o que teria como efeito fazer prevalecer, sobre a normas supletivas integrantes daquele quadro normativo civilístico, as normas pertencentes ao regime da empreitada de obras públicas que porventura estatuíssem em termos diferentes dos das primeiras e, ainda, permitir suprir, com recurso ao regime jurídico das empreitadas de obras públicas (com as necessárias adaptações atendendo à natureza privada da empreitada), os espaços carecidos de regulação que o Contrato não havia disciplinado;
- o Tribunal Arbitral procedeu à aplicação correcta das normas jurídicas ao litígio, em respeito pelo convencionado pelas partes, no que respeita à desistência da empreitada e seus efeitos;
- no que respeita ao segmento da decisão arbitral referente à adjudicação da obra, o Tribunal Arbitral também procedeu à aplicação correcta das normas jurídicas ao litígio, em respeito pelo convencionado pelas partes;
- acresce que, ainda que tivesse havido alguma incorrecção ou desacerto na aplicação dessas regras e princípios ‒ o que não se concede que tenha ocorrido ‒, aos tribunais estaduais aos quais compete exercer o controlo de anulação das sentenças arbitrais está vedado proceder à ‘revisão do mérito’ decidido por essas sentenças, não lhes cabendo censurar nem, muito menos, corrigir os erros de julgamento (errores in judicando) quanto ao direito aplicável, eventualmente cometidos pelos árbitros;
- o Tribunal Arbitral explica as três razões objetivas que o levaram a concluir que o contrato de empreitada entrou em vigor;
- o resultado da sentença arbitral em questão, isto é, a situação criada por ela, não afronta algum princípio estruturante do sistema jurídico português, pelo que o fundamento de anulação da sentença arbitral invocado pela autora deve ser julgado improcedente.
Apreciando o fundamento de anulação de sentença invocado pela autora acima enunciado.
De acordo com o disposto no art.º 46º, n.º 3, al. b), subalínea ii), da LAV, a sentença arbitral pode ser anulada se o tribunal verificar que o conteúdo da sentença ofende os princípios da ordem pública internacional do Estado Português.
O fundamento de anulação da sentença arbitral consagrado no preceito mencionado é de conhecimento oficioso, como resulta do teor literal do preceito, ao invés dos previstos na alínea a) do mesmo artigo, conforme já acima se teve oportunidade de mencionar.
Sendo seguro que, por força do disposto no art.º 46º, n.º 9,da LAV, está vedado a este Tribunal proceder à revisão ou reexame do mérito da decisão arbitral,  a aferição do fundamento de anulação da mesma em referência respeita ao seu conteúdo, ao seu sentido e medida, e não apenas ao modo como o processo deveria desenvolver-se para se obter uma resolução substantiva e adjectivamente sã, como se refere no acórdão do STJ de 31-01-2024, processo n.º 1195/22.8YRLSB.S1 (acessível em dgsi.pt).
Na esteira do aludido aresto, que se louva em António Sampaio Caramelo, entende-se que “Quando decide sobre um pedido de anulação, o tribunal estadual de controlo não raciocina sobre o “litígio primário” (…) [“litígio submetido ao tribunal inferior”] e não exprime a sua opinião sobre o modo como que esse litígio foi decidido, quanto aos factos ou ao direito, pelo tribunal arbitral”; “em vez de verificar se o tribunal arbitral estava certo ou errado relativamente aos factos considerados como provados ou à lei aplicada (pois tal verificação pertence ao “litigio primário”, como acima se referiu), o tribunal estadual de controlo verifica se a sentença arbitral, atendendo à sua forma, ao processo através do qual foi proferida e ao resultado produzido, preenche as condições de regularidade e de validade que justificam que o Estado disponibilize os seus meios coercivos para fazer executar aquilo que os árbitros decidiram. É a verificação da existência destas condições que constitui o que alguns autores designam por litígio secundário e que é o exclusivo objeto da análise do tribunal estadual de controlo”.
Chegados à conformidade, para apreciação dessa (in)validade, com a “ordem pública internacional”, “o que importa averiguar é se a solução que os árbitros adotaram quanto ao fundo da questão colide, ou não, com a ordem pública. A ‘parte dispositiva’ da sentença arbitral raramente consagra uma solução contrária à ordem pública, sendo geralmente ‘neutra’ em relação a esta. Portanto, só o exame dos motivos da decisão arbitral e dos dados do caso permite concluir se a decisão constante da parte dispositiva da sentença ofende ou não a ordem pública”; “[o] controlo do juiz sobre a sentença do árbitro deve ser efetuado com o preciso fim de apurar se a situação criada pela sentença arbitral ofendeu, concreta e gravemente, os objetivos prosseguidos pelas regras e princípios de ordem pública aplicáveis ao caso. É o resultado concreto consagrado pela sentença que deve ofender real e materialmente os objetivos prosseguidos pela regra de ordem pública aplicável. Além disso, em homenagem ao ‘princípio da atualidade da ordem pública’, essa ofensa deve existir no momento em que se exerce o controlo do juiz. Para esse efeito, o juiz deve, confrontando a solução acolhida pelo árbitro com a que ele teria adotado, examinar os efeitos decorrentes da aplicação das regras ou princípios de ordem pública ao caso em apreço. Só se justifica a anulação da sentença arbitral, se a situação criada por esta colidir com os fins prosseguidos por aquelas regras ou princípios. Todo o conteúdo da sentença arbitral deve ser examinado, mas é em função do seu resultado que ela deverá ser sancionada. Embora todo o raciocínio do árbitro deva poder ser examinado pelo juiz, o controlo deste deve incidir, não sobre esse raciocínio, mas sobre a solução dada ao litígio (A impugnação da sentença arbitral, 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 2023, págs. 185-186, 190-191, 193-194).”
A ordem pública internacional integra, como se afirma no acórdão do STJ de 31-01-2024 já mencionado, louvando-se no autor acima referido,  “princípios estabelecidos para protecção de interesses ou valores considerados absolutamente fundamentais e inderrogáveis” para o Estado em que a arbitragem teve lugar, “cuja observância se impõe mesmo nas relações jurídicas internacionais”. Deste modo, “apenas certas e limitadas normas e princípios e valores essenciais da ordem jurídica nacional integram o núcleo restrito da ordem pública internacional do Estado português”. Ou seja, dentro do reduto normativo constituído pelas regras ou princípios da ordem pública de direito material, há que circunscrever “um núcleo menos compreensivo designado por ‘ordem pública internacional (de direito material)’”, que funciona como uma verdadeira cláusula de salvaguarda em sede de controlo de validade, como “bitola (de valoração) segundo a qual se apura a legitimidade da sentença arbitral, exprimindo a sua reconhecibilidade ou tolerabilidade pelo sistema jurídico no quadro do qual foi proferida; se ela faltar, a sentença poderá ser anulada. Cuida-se então de verificar se a sentença arbitral preenche as condições elementares de justiça material que justificam que o Estado disponibilize o seu aparelho coercitivo para fazer impor o que na sentença se determina aos seus destinatários”.
Na definição do conceito de ordem pública internacional, tem-se entendido que o mesmo integra o princípio da igualdade das partes perante a lei, o princípio pacta sunt servanda, o princípio da boa fé e da protecção da confiança, o princípio da rebus sic stantibus, o princípio da proibição do abuso do direito, o princípio da interdição da fraude à lei, o princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso, a garantia de acesso aos tribunais para defesa de direitos e interesses legítimos, a proibição das medidas discriminatórias ou espoliadoras, a garantia da irretroactividade da lei sancionatória, a protecção dos civilmente incapazes, a proibição das vinculações perpétuas, a proibição de indemnizações punitivas em matéria cível, o princípio da protecção da parte contratante mais fraca, a proibição de condenações expropriativas ou desproporcionadas e enriquecimentos arbitrários sem justa causa (“cláusulas penais excessivas, punitive damages, expropriações sem indemnização minimamente razoável, manutenção de quadros ruinosos e similares”), entre outros (cf. acórdão do STJ de 31-01-2024, processo n.º 1195/22.8YRLSB.S1, acessível em dgsi.pt, louvando-se em doutrina que aí identifica).
Importa reter que a ofensa aos princípios da ordem pública internacional do Estado Português não se confunde com o simples erro na sua interpretação e aplicação, reconduz-se a uma situação mais grave, correspondendo a uma grosseira desconsideração ou abusiva distorção dos mesmos (José Robin de Andrade, Lei da Arbitragem Voluntária Anotada, Coordenação de Dário Moura Vicente, 6ª edição, Maio 2023, Livraria Almedina e APA, p.204-205).
A situação geradora da anulação da sentença arbitral em referência deverá ser a que se traduza num resultado intolerável ou inassimilável pela comunidade, por revestir um manifesto e efectivo atropelo grosseiro do sentimento ético jurídico dominante e dos interesses de primeira grandeza ou de princípios estruturantes da ordem jurídica nacional (cf. ac. STJ de 26-09-2017, processo n.º 1008/14.4YRLSB.L1.S1, acessível em dgsi.pt).
Passando a apreciar se os resultados ou efeitos da decisão arbitral alcançados devem ser considerados violadores da ordem pública internacional do Estado Português,  no que respeita ao princípio da autonomia privada das partes (invocado pela autora), importa referir que se entende, ao invés do pela mesma defendido, como já acima referido, que o Tribunal Arbitral não decidiu o litígio com base na equidade, isto é, não convocou o critério da equidade para a solução jurídica do litígio.
Como acima se mencionou, o Tribunal Arbitral recorreu à equidade como critério de valoração da prova carreada para os autos, tendo em vista a definição de matéria de facto provada, o que, manifestamente, não colide com o princípio da autonomia privada, no sentido de postergar a aplicação das normas jurídicas que as partes fixaram para a resolverem o litígio, ao invés de defendido pela autora
No que respeita à alegada violação do aludido princípio com fundamento na aplicação, na decisão arbitral, das regras do Código Civil em detrimento das regras do Código dos Contratos Públicos, importa atentar em que, lida a fundamentação de direito da decisão, se afere que nela se menciona que o contrato de empreitada sobre o qual se debruça foi celebrado entre as partes “ao abrigo da sua autonomia contratual privada, em conformidade com o disposto no n.º1 do artigo 405º e artigo 1207º do Código Civil”.
Mas se afere do segmento referido da decisão arbitral, que se identifica o regime jurídico acordado pelas partes para a interpretação do contrato (em conformidade com o vertido no mesmo), passando-se, de seguida, à identificação e tratamento das questões jurídicas relevantes para a resolução do litígio.
Nesta última sede, a decisão arbitral identifica como primeira questão saber se a resolução do contrato de empreitada celebrado entre as partes comunicada pela, aqui, autora, à, aqui, ré, é ou não lícita, no sentido de estar conforme ao contrato e à lei aplicável.
Depois de referir os termos da comunicação de resolução do aludido contrato, convoca-se a cláusula 27 do mesmo para, após sua interpretação, se concluir que, à data de tal comunicação, o acordo estava em vigor, elencando-se três razões para essa conclusão, que se reconduzem:
1) O teor da cláusula 27.1 do contrato, no sentido de as partes aceitarem a validade das condições contratuais;
2) O comportamento das partes, que aceitaram os termos do contrato, nunca colocaram em causa a sua validade ou eficácia e chegaram a praticar actos compreendidos no seu objecto;
3) A autora, ao resolver o contrato nos termos em que o fez, evidencia que o mesmo produzia efeitos na relação entre si e a ré.
Continuando a percorrer a decisão arbitral, constata-se que, na mesma, na interpretação da cláusula 27 do contrato de empreitada, se entende que dela resulta uma condição suspensiva determinante da sua eficácia, que faz depender tal eficácia de um acto formal de consignação da empreitada, e que, face à matéria de facto provada, tal consignação formal não ocorreu.
O Tribunal Arbitral, considerando o que se acabou de referir, refere que as circunstâncias específicas em que as partes actuaram legitimam o seu entendimento de que a eficácia do contrato de empreitada ocorreu apesar da ausência do acto formal de consignação, concretizando tais circunstâncias específicas mencionando que as partes, após a assinatura do contrato até à resolução, materializaram a sua execução (com referência a situações que consubstanciam essa materialização), referindo que a, aqui, autora, facultou à, aqui, ré documentos (que especifica) e acesso ao local da obra, o que, de um ponto de vista material, corresponde a um acto de consignação, e que a actuação das partes corrobora a prevalência da materialidade da sua actuação em prejuízo da formalização da consignação.
De seguida, o Tribunal Judicial refere que, ainda que se afastasse o entendimento, por si assumido, sempre a condição suspensiva determinante da eficácia do contrato teria de se dar como verificada, com fundamento no art.º 275º, n.º2, do Código Civil, posto que, a partir do momento em que o processo de licenciamento municipal evoluiu para a sua conclusão favorável, as condições teóricas para a celebração do auto de consignação (o acto formal) estavam verificadas, podendo os trabalhos da empreitada evoluir, tendo, então, a, aqui, autora, optado por não desencadear o acto formal de consignação com o propósito de se prevalecer do regime consagrado na referida cláusula 27.
Em reforço do entendimento assumido, o Tribunal Arbitral invoca a circunstância de a, aqui, autora, ter formalizado a consignação da obra a outro empreiteiro cinco dias após a resolução da empreitada.
Após o Tribunal Arbitral invoca que a opção da, aqui, autora, de não desencadear o acto formal de consignação, obstando à verificação da condição referida, legitima a aplicação o art.º 275º, n.º 2, do Código Civil, dando-se a condição por verificada, e que tem tal comportamento como contrário às exigências de boa-fé.
Em jeito de conclusão, o Tribunal Arbitral assume que entende que o contrato de empreitada já era eficaz à data em que a resolução foi emitida pela, aqui, autora, posto que a condição suspensiva prevista na cláusula 27.1 do contrato já se havia verificado.
Após o Tribunal Arbitral, apelando ao que havia concluído, retira a consequência de que, à data em que a resolução foi efectuada, não havia a possibilidade de invocação da cláusula 27.2 do contrato de empreitada, que, no seu entendimento, apenas opera enquanto a obra não tivesse sido consignada e não estivesse verificada a condição suspensiva prevista no número um da mesma cláusula.
De seguida, o Tribunal Arbitral refere que a declaração de resolução do contrato de empreitada emitida pela, aqui, autora, é ilícita por o fundamento resolutivo invocado já não subsistir, sendo uma resolução sem fundamento na medida em que nem o contrato nem a lei aplicável o previa.
O Tribunal Arbitral menciona, também, que ao mesmo entendimento chegaria se a cláusula 27.2 do contrato fosse aplicável, posto que a resolução comunicada não cumpre os respectivos termos porque:
1) Tal cláusula não prevê nenhuma resolução automática do contrato de empreitada por terem decorrido seis meses sobre a data da respectiva assinatura sem que a obra tenha sido consignada e não tenha ocorrido acordo das partes na renegociação das condições contratuais;
2) A mesma cláusula não confere a qualquer parte o poder para, por si só e de forma unilateral, promover a resolução do contrato, como pretendeu a, aqui, autora, com a comunicação da resolução;
3) O mútuo acordo para a resolução não ocorria na altura em que a comunicação de resolução foi efectuada.
Com fundamento no acabado de mencionar, o Tribunal Arbitral refere que entende que a causa invocada pela, aqui, autora, para resolução do contrato de empreitada não é conforme com a cláusula 27.2 e, por isso, tal resolução sempre seria ilícita.
O Tribunal Arbitral menciona, ainda, que, na altura da comunicação de resolução efectuada pela, aqui, autora, se esta entendia que ocorria um incumprimento do contrato pela, aqui, ré, a mesma deveria ter recorrido à faculdade prevista na cláusula 25.8 do contrato de empreitada, o que não fez, não podendo aceitar-se a resolução como válida com fundamento em vicissitudes contratuais aí não referidas.
De seguida, o Tribunal Arbitral, face à resolução ilícita do contrato de empreitada efectuada pela, aqui, autora, passou a determinar as consequências da mesma tendo, nessa sede, entendido que o contrato celebrado entre as partes não prevê qualquer solução que regule a desistência da empreitada e, por isso, aplicado a norma constante do art.º 1229º do Código Civil.
Na decisão em referência, refere-se, ainda, para justificar a aplicação do aludido art.º 1229º do Código Civil, que nela se assume o entendimento de que, apesar de a cláusula 1.3 do contrato de empreitada mandar atender ao regime das empreitadas de obras públicas (apelando ao ponto 4 da cláusula) e, só depois, ao regime constante do Código Civil, a resolução do contrato realizada pela, aqui, autora, não se equipara à resolução por razões de interesse público a que alude o art.º 334º do Código dos Contratos Públicos, o qual pressupõe a natureza pública do dono da obra e a prossecução do interesse público que lhe cabe, que, no caso não ocorre.
Após, o Tribunal Arbitral assume o entendimento de que, no apuramento dos gastos, trabalho e proveito que a, aqui, ré, poderia retirar da obra, não se pode recorrer ao mecanismo previsto no art.º 381º do Código dos Contratos Públicos, que prevê a situação de indemnização por redução do preço contratual, por o mesmo não ser aplicável uma vez que tal pressupõe a continuação da vigência do contrato, o que não ocorre no caso apreciado.
De seguida, o Tribunal Arbitral procedeu à determinação dos gastos e trabalhos realizados pela, aqui, ré, bem como no proveito que poderia retirar da obra, ponderando a matéria de facto provada.
Como já acima se referiu, na determinação do proveito mencionado, quantificado em € 653.980,36, o Tribunal Arbitral assumiu o entendimento de que ocorre concorrência de responsabilidades das partes em relação aos sobrecustos com o tratamento dos solos contaminados da obra objecto do contrato de empreitada pelas mesmas celebrado, pelos motivos que explicita, que são os seguintes:
1) A, aqui, ré, aceitou participar no concurso prévio à assinatura do contrato que previa expressamente a celebração deste em regime de preço global fixo e não revisível, incluindo erros e omissões, e que os documentos contratuais são claros e o conteúdo dos mesmos é adequado ao objecto da empreitada bem como que se ajusta ao edifício cujas características se coadunam com a execução da empreitada (de acordo com a cláusula 1.3, al. c), do contrato), não tendo, na sua proposta, nem identificado a situação real dos solos que não poderiam ser dirigidos para vazadouro nem apresentado o processo de erros e omissões a respeito dessa questão, tendo a, aqui, ré, disposto da possibilidade de, face à análise do relatório que identifica, concluir que as várias quantidades de solos a transportar e tratar que estavam previstas não estariam correctas ou, pelo menos, justificariam a solicitação de pedido de esclarecimentos para sua confirmação;
2) A, aqui, autora, elaborou e apresentou documento (que identifica) que serviu de base à apresentação das propostas ao contrato de empreitada  sem ter reflectido no mesmo quer a realidade dos solos quer a informação de que já dispunha por via do relatório que se menciona, tendo indicado como solos a transportar para vazadouro aqueles que, em parte, seriam solos contaminados e que, por isso, não poderiam ser conduzidos para vazadouro, notando que, face à factualidade provada e à conduta das partes, a utilização do mecanismo de erros e omissões deve ser afastada à luz do princípio da proporcionalidade.
3) A questão dos solos contaminados apenas surge após a assinatura do contrato de empreitada, em Outubro de 2018.
Face ao referido, o Tribunal Arbitral decidiu repartir a responsabilidade das partes em relação aos sobrecustos com o tratamento dos solos contaminados da obra em igual proporção, apelando à norma constante do art.º 570º, n.º 1, do Código Civil, que contempla tal solução.
O Tribunal Arbitral referiu, ainda, em reforço da argumentação invocada para a solução da repartição da responsabilidade, que a mesma é admitida no art.º 378º, n.ºs 3 e 4, do Código dos Contratos Públicos, que, com a devida adaptação ao caso apreciado, é aplicável, como o permite a cláusula 1.3.4.§A do contrato de empreitada.
Apreciando a reconvenção, deduzida pela, aqui, autora, o Tribunal Arbitral entendeu que a resolução operada pela mesma não se alicerça em justa causa, nos termos da cláusula 25.8, a), do contrato de empreitada, invocando os seguintes motivos:
1) O efeito da resolução operou pela comunicação de 03-04.2019, nos termos em que a mesma foi efectuada, pelo que não pode apresentar nova pretensão de resolução com base em fundamentos distintos dos que se invocam em tal comunicação e que não se enquadram na sua actuação;
2) Da matéria de facto provada não resulta a reunião dos pressupostos previstos na cláusula 25.8, a), do contrato de empreitada, designadamente, que consubstanciem um incumprimento contratual por parte da, aqui, ré e que o mesmo fosse suficiente para a resolução do contrato, e que o fundamento que a, aqui, autora alega para justificar a decisão de resolução do contrato assenta numa percepção de risco de execução contratual que não é fundamento contratual de resolução, quer ao abrigo da cláusula 25ª do contrato que ao abrigo da lei.
Com fundamento no que se referiu, o Tribunal Arbitral concluiu pela improcedência do pedido reconvencional no sentido de a, aqui, ré, pagar à, aqui, autora, € 3.529.596,82 respeitante a indemnização por prejuízos e danos emergentes do incumprimento do contrato de empreitada, ao abrigo da cláusula 25.10 do mesmo.
O Tribunal Arbitral, invocando não se verificarem os pressupostos, de facto e de direito, que legitimam a sua aplicação, designadamente, por não estar demonstrado ter ocorrido um atraso no prazo global da empreitada previstos na cláusula 6.1 do contrato de empreitada, concluiu pela improcedência do pedido reconvencional de condenação da, aqui, ré, no pagamento das penalidades a que se refere a cláusula 7.1 do mesmo contrato, no montante de € 3.100.000,00.
Considerando o teor da fundamentação jurídica assumida na decisão arbitral, entende-se que na mesma se procura aplicar o regime jurídico definido pelas partes como aplicável ao litígio, definido na cláusula 13º do contrato de empreitada celebrado pelas mesmas.
Ao invés do defendido pela autora, de tal fundamentação resulta a preocupação de respeitar a hierarquia das normas aplicáveis ao litígio em consonância com o convencionado pelas partes, dando primazia de ponderação às normas contratuais e às normas aplicáveis aos contratos públicos, com apresentação de justificação para as opções tomadas no sentido do seu afastamento, designadamente, no que respeita à valoração dos factos a propósito da consignação da obra (ou ausência dela), aferição do início da eficácia do contrato, valoração da comunicação da resolução contratual realizada pela autora e determinação das suas consequências.
Entende-se, face ao referido, que a decisão arbitral não evidencia ter postergado a autonomia e vontade das partes na determinação do direito aplicável ao litígio, tendo procurado, precisamente, dar cumprimento à mesma na operação de subsunção jurídica nela efectuada.
Da decisão arbitral, incluindo do seu percurso argumentativo, que acima se enunciou, não se encontra resultado que seja inadmissivelmente contrário a princípios de ordem pública internacional do Estado Português, designadamente, o invocado pela autora.
Conclui-se, pelos expostos, que o fundamento de anulação da decisão arbitral constante do art.º 46º, n.º 3, al. b), subalínea ii), da LAV, arguido pela autora, não está demonstrado.
Mais se entende, atento o mencionado, que a decisão arbitral não viola as normas constitucionais invocadas pela autora, designadamente, as constantes dos arts. artigo 13º, 26º, 27º, n.º 1, e 62º, n.º 1, da CRP.
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Concluindo, não se mostrando violadas as normas da LAV, especificadas pela autora como fundamento da sua pretensão anulatória, tem de improceder a presente acção de anulação da decisão arbitral.
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A autora suportará as custas do processo, atento o seu decaimento (art.º 527º, n.ºs 1 e 2, do Código do Processo Civil.
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III. Decisão
Em face do exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem o Colectivo desta 2ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa abaixo identificados em:
a) Julgar verificada a inutilidade superveniente da lide e consequente extinção da instância, no que respeita ao fundamento de anulação da sentença arbitral atinente à condenação ultra petitum, previsto no art.º 46º, n.º 3, al. a), subalínea v), da LAV;
b) Julgar improcedente a acção de anulação de decisão arbitral.
Custas pela Autora.
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Lisboa, 13-02-2025
Os Juízes Desembargadores,
Fernando Alberto Caetano Besteiro
António Moreira
Pedro Martins