PERSI
INEXIGIBILIDADE
Sumário

I – Quer a integração no PERSI, quer a extinção de tal procedimento, têm de ser comunicadas pela instituição credora ao cliente, o que deve ser efectivado “através de comunicação em suporte duradouro” – cf., artºs, 14º, nº. 4 e 17º, nº. 3, ambos do DL227/2012, de 25/10 -, para além dos requisitos exigíveis quanto ao conteúdo de tais comunicações ;
II - tais comunicações – de integração do PERSI e de extinção deste – constituem-se como condições de admissibilidade da acção executiva, determinando a sua falta excepção dilatória inominada insuprível, de oficioso conhecimento, determinante da extinção da instância – cf., o nº. 2, do artº. 576º, do Cód. de Processo Civil ;
III – as mesmas comunicações constituem-se como declarações receptícias, sendo ónus da instituição de crédito/exequente demonstrar o seu cumprimento/existência, que passa pela demonstração do seu envio e respectiva recepção por parte dos mutuantes/executados, em virtude de consubstanciarem condição indispensável para o exercício do direito que aquela pretende fazer valer ;
IV - para além do cumprimento da observância de tais comunicações, exige-se, igualmente, o cumprimento dos demais deveres impostos por tal procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento, que funcionam como específico pressuposto da acção executiva que a entidade credora venha a instaurar contra o devedor consumidor ;
V – devendo o mesmo efectivar-se de modo não meramente formal ou observador de rituais sacramentais, mas antes concretamente observador dos específicos deveres e concretas diligências legalmente impostas, ou seja, através de actos de efectiva e material renegociação ;
VI - traduzindo igualmente a inobservância de tais deveres, excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, conducente à absolvição da instância – cf., artigos 576º, nº. 2 e 578º, ambos do Cód. de Processo Civil ;
VII – não resultando dos escritos juntos aos autos pela exequente que estes sejam susceptíveis de traduzirem minimamente o cumprimento das fases inicial, de avaliação e proposta, de negociação e comunicação da extinção do PERSI, torna-se evidentemente dispensável e inútil aferir se, nas comunicações a efectuar pela instituição de crédito à cliente, a utilização de carta simples cumpre a função legalmente exigida, ou sendo antes de exigir que aquela opere através de carta registada com aviso de recepção, e se as concretas cartas remetidas pela instituição bancária cedente constituem um indício de prova do envio das aludidas cartas, eventualmente a complementar através de outros meios probatórios (o que implica, igualmente, aferir acerca da legal admissibilidade de recurso a tais diferenciados meios probatórios), relativamente às quais opera concreto juízo de prejudicialidade.
Sumário elaborado pelo Relator – cf., nº. 7 do artº. 663º, do Cód. de Processo Civil

Texto Integral

ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]:
               
I – RELATÓRIO
1 – Em 24/11/2016, o C …, S.A., instaurou execução para pagamento de quantia certa, contra B …, aduzindo, em súmula, o seguinte:
· O C …, S.A. sucedeu ao C …, S.A. (que figura como credor nos títulos executivos que servem de base a esta execução), na titularidade das obrigações exequendas e respectivas garantias, por força de deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014, sendo, assim, parte legítima (activa), na presente execução ;
· Em 29/10/2009 o Exequente celebrou com B …, ora Executada, dois contratos de mútuo, no montante de € 60.000,00 (sessenta mil euros) e de € 2.000,00 (dois mil euros) ;
· Para garantia dos capitais mutuados, respectivos juros e despesas, constituiu a Mutuária, ora Executada, a favor do Exequente, duas hipotecas sobre o imóvel nomeado à penhora ;
· As hipotecas garantem o bom pagamento dos empréstimos assumidos pela Mutuária, ora Executada, perante o Banco Exequente, até ao montante máximo, respectivamente, de € 84.900,00, e de € 2.830,00, encontrando-se devidamente registadas, também respectivamente, pelas Ap. … de 2009/10/29 e Ap. … de 2009/10/29 ;
· As últimas prestações pagas pela Executada foram as vencidas em 02/02/2012, no que diz respeito ao primeiro mútuo, e 02/09/2013, quanto ao segundo mútuo, não tendo efectuado o pagamento de qualquer uma das subsequentes, apesar de, por diversas vezes, interpelada para o fazer pelos serviços do Exequente – o que tornou vencida a dívida na sua totalidade, nos termos do art. 781.º do Código Civil ;
· Foi estabelecido nos títulos executivos que os capitais mutuados venceriam juros à taxa anual inicial de 2,772% alterável em função da variação que viesse a sofrer no decurso dos empréstimos, acrescida de sobretaxa no caso de mora ;
· A dívida em capital, relativamente ao primeiro empréstimo, é, actualmente, de € 58.161,36, a que acrescem juros vencidos desde a data de entrada em mora, 02/02/2012, e até 15/11/2016, à taxa de 5,726% ao ano (3,726% taxa de juros remuneratórios actualmente praticada de acordo com o critério fixado no título executivo + 2% sobretaxa de mora), aos quais acresce imposto do selo à taxa legal de 4%, o que perfaz € 16.817,39 ;
· A dívida em capital relativamente ao segundo empréstimo, é, actualmente, de € 1.889,72 ;
· A que acrescem juros vencidos desde a data de entrada em mora, 02/09/2013, e até 15/11/2016, à taxa de 4,510% ao ano (2,510% taxa de juros remuneratórios actualmente praticada de acordo com o critério fixado no título executivo + 2% sobretaxa de mora), aos quais acresce imposto do selo à taxa legal de 4%, o que perfaz € 365,73 ;
· A final, o Agente de Execução deverá contar os juros vencidos e vincendos, relativamente a ambos os mútuos, desde 16/11/2016, às indicadas taxas de 5,726% e 4,510%, e imposto do selo à taxa legal de 4%, nos termos do n.º 2 do art. 716.º do Código de Processo Civil.
Procedeu-se à liquidação do capital em dívida no valor de 60 051,08 €, a que acresce o valor de 17.183,12 € dependente de cálculo aritmético, o que perfaz um total de 77 234,20 €.
2 – Em 03/02/2017, o Sr. Agente de Execução proferiu a seguinte decisão:
Considerando que sobre o único imóvel nomeado e ora penhorado, incide(m) penhora(s) prévia(s) registada(s) no âmbito de outro(s) processo(s), a favor de terceiro(s), decide-se pela sustação da Execução - art.º 794.º do CPC.
Da presente decisão será/serão citado(s) o(s) Executado(s) e notificado o Exequente.
Nada sendo requerido, findo o prazo para dedução de oposição, a Execução será declarada extinta - nº 4 do artigo 794º e alínea e) do nº1 do artigo 849º, ambos do Código Processo Civil - sempre sem prejuízo possibilidade de ser renovada a instância nos termos do nº 5 do 850º, não sendo levantada/cancelada a penhora registada nos presentes autos”.
3 – Tendo o mesmo Sr. Agente de Execução, em 03/04/2017, proferido a seguinte decisão:
Tendo em consideração que o bem penhorado impende penhora anterior e resultando daqui a sustação integral, declara-se a extinção da execução nos termos do nº 4 do artigo 794º e da alínea e) do nº1 do artigo 849º, ambos do Código Processo Civil, sem prejuízo possibilidade de ser renovada a instância nos termos do nº 5 do 850º, pelo que não é levantada/cancelada a penhora registada nos presentes autos”.
4 – Em 28/06/2021, veio o Exequente C …, S.A., referenciar que “notificado da sustação integral nos termos do disposto no nº 4 do art. 794º do CPC, vem informar a V. Exa. que a execução que corre termos no tribunal judicial de Lisboa sob o nº …/…, onde estava registada a penhora prévia encontra-se extinta por deserção, pelo que devem os presentes autos renovar a sua instância, nos termos e para os efeitos do n.º 5 do 850º”.
5 – Tendo em 29/06/2021, o Sr. Agente de Execução proferido a seguinte decisão:
Atento o teor do requerimento apresentado aos autos pelo Exequente (anexo), associado à consulta efectuada à informação predial do imóvel penhorado (da qual resulta que não subsiste qualquer penhora prévia sobre o imóvel), decide-se pela renovação da execução extinta.
Os autos prosseguirão assim os seus termos no exacto ponto em que se encontravam, à data da prolacção da decisão de extinção - nomeadamente retomando-se a contagem dos prazos que eventualmente hajam sido interrompidos pela mesma.
Da presente decisão serão notificadas as partes processuais, para os devidos e legais efeitos, sendo os Executados notificados após efectiva penhora”.
6 – Designada data para a venda judicial do imóvel penhorado, na pendência de tal venda, em 25/01/2023, veio a Executada, na parte que ora releva, apresentar o seguinte requerimento:
“ B …, executada no processo em epígrafe, vem informar e requerer a V. Exa. o seguinte:
I – DA EXCEPÇÃO DILATÓRIA INSUPRÍVEL INOMINADA POR FALTA DE CONDIÇÃO OBJETIVA DE PROCEDIBILIDADE.

A presente execução funda-se no vencimento da obrigação de restituição das quantias mutuadas pelo exequente por força de dois contratos de mútuo (com hipoteca) celebrados com a executada melhor identificados nos autos.
Com efeito,

Em 01-01-2013 entrou em vigor o Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, que estabelece princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários e cria a rede extrajudicial de apoio a esses clientes bancários no âmbito da regularização destas situações.
Ora,

Conforme resulta do seu do seu preâmbulo, o Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10 veio instituir o Plano de Acção para o Risco de Incumprimento (PARI) e regulamentar o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), face à crise económica e financeira sentida à época.
Assim,

A presente execução deu entrada no dia 24/11/2016, e deste modo nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 2º, o referido diploma legal aplica-se aos contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel, sendo irrefutável que se verifica no caso sub judice.

E sempre se dirá que a exequente não concretizou a data em que terá interpelado a exequente no âmbito do alegado incumprimento dos 2 contratos de mútuo celebrados ou se terá resolvido os citados contratos pelo invocado incumprimento.

Não obstante, os factos em discussão estão enquadrados na vigência do supra referido decreto lei.
Deste modo,

Atendendo ao disposto nos artigos 12º a 21º do citado diploma, resulta a OBRIGATORIEDADE, da exequente enquanto instituição de crédito, implementar o PARI e iniciar o PERSI quanto aos mutuários, nomeadamente quanto à aqui executada.

Conforme resulta do artigo 13º do citado diploma legal, a exequente tinha a obrigação de, no prazo máximo de 15 dias após o vencimento da obrigação de informar a executada e, posteriormente de a integrar no PERSI, e no âmbito de tal procedimento, apresentar uma ou mais propostas de regularização da situação adequada à sua capacidade financeira para reembolsar o capital, designadamente através de renegociação das condições do contrato ou da sua consolidação com outros contratos de crédito – art. 15º do Decreto-Lei nº 227/2012, de 25.10.
Acresce que,

Conforme resulta das alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 18º do referido diploma legal, entre a data de integração da executada no PERSI e a extinção deste procedimento, a exequente estava impedida de resolver os dois contratos de crédito e de intentar acções judiciais tendo em vista a satisfação daqueles.
10º
E atento o citado artigo, estava igualmente impedida de:
c) Ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito; ou
d) Transmitir a terceiro a sua posição contratual.
11º
Sendo certo que:
“Caso a instituição de crédito ceda o crédito ou transmita a sua posição contratual nos termos previstos na alínea c) do número anterior, a instituição de crédito cessionária está obrigada a prosseguir com o PERSI, retomando este procedimento na fase em que o mesmo se encontrava à data da cessão do crédito ou da transmissão da posição contratual.”.
(Cfr. artigo 18.º, n.º 3)
12º
Com efeito, só à presente data tomou conhecimento a executada da transmissão de crédito operada entre exequente/cedente C …, S.A. para a nova exequente/cessionária “A …, S.A”., operada em 05/07/2019.
(Cfr. Certidão – Descrição Predial junta aos autos)
13º
Aplicando-se o citado regime legal vulgo “PERSI”, ao cedente e ao cessionário supra identificado.
Sucede que,
14º
O C …, S.A. Ex exequente/cedente não integrou a executada no PERSI, que nem sequer implementou.
Aliás,
15º
O anterior exequente nem sequer alega no seu requerimento executivo a integração dos executados no PERSI, ESTANDO A ISSO OBRIGADO!
Ora,
16º
Tendo aquele incumprido com essa sua obrigação de integração da executada no PERSI, era-lhe vedado a interposição da acção executiva dos autos, e até mesmo resolver o contrato de crédito, nos termos do estatuído nas alíneas a) e b) do nº 1 do art. 18º do Decreto-Lei nº 227/2012.
17º
Encontrando-se o cessionário e novo exequente adstrito a tal obrigação nos preciso termos.
Assim,
18º
Não subsiste a menor dúvida que a ora exequente não podia ter intentado a presente execução, pelo que a mesma tramita e persiste ilegalmente, em clara violação do disposto nos artigos 12º e ss. E art. 18º do Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro e do artigo 726º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Civil, aplicável à nova exequente atento o disposto no citado nº 3 do artigo 18º
Ora,
19º
Face à referida omissão na alegação por parte da exequente bem como a falta de prova do cumprimento do PERSI quanto à executada, por não juntar ao requerimento executivo quaisquer documentos comprovativos para o efeito, deveria ter sido indeferido liminarmente o requerimento executivo nos termos do vertido na al. b) do n.º 2 do art. 726º do Cód. Proc. Civil.
Assim,
20º
Dispõe tal normativo legal o seguinte:
“2. O juiz indefere liminarmente o requerimento executivo quando: (…) b) Ocorram excepções dilatórias, não supríveis, de conhecimento oficioso;”.
Na verdade,
21º
A falta de inclusão da executada no PERSI por parte da exequente constitui uma “EXCEPÇÃO DILATÓRIA INSUPRÍVEL INOMINADA POR FALTA DE CONDIÇÃO OBJECTIVA DE PROCEDIBILIDADE”
22º
É esse o entendimento da mais recente jurisprudência sobre este assunto designadamente pelo STJ ao dizer perentoriamente que a comunicação e integração no PERSI, bem como a sua extinção constituem condição de admissibilidade da ação (executiva ou declarativa).
23º
Sendo que tal inobservância constitui uma excepção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso que determina a extinção da instância.
24º
Neste sentido, o Ac STJ de 13 de Abril de 2021 (Processo 1311/19.7T8ENTB.E1.S1), Ac STJ de 19 de Maio de 2020 (Processo 6023/15.8T8OER-A.L1.S1) e Ac STJ de 19 de Maio de 2020 (Processo 4701/16.3T8MAI-A.P1.S2), in www.dgsi.pt.
Não obstante,
25º
Sempre se dirá que as supra referidas disposições legais têm natureza imperativa conforme firmado pelo TRC:
“Têm natureza IMPERATIVA, com o PERSI (Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, previsto no Dec. Lei n.º 227/2012, de 25-10) pretendeu o legislador estabelecer, mediante normas imperativas, uma ordem pública de proteção do cliente/devedor/consumidor em situação de mora no cumprimento, visto como parte frágil na relação e, por isso, carecido de especial proteção, deixando a cargo da contraparte (uma entidade de crédito) especiais deveres de informação, esclarecimento e
proteção.”
Neste sentido vid. ponto 1., “sumário” do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 19-06-2018, Proc. Nº 29358/16.8YIPRT.C1 in http://www.dgsi.pt/
26º
Resultando, de forma indubitável que a violação de tais normas, como efetivamente sucedeu, acarreta a NULIDADE INSANÁVEL, nos termos do disposto no artigo 294.º, do Cód. Civil.
27º
Face ao supra referido, com sustentação jurídica e jurisprudencial, conclui-se que a falta de integração dos executados no PERSI, constitui uma excepção dilatória inominada impeditiva ab initio da resolução do contrato e subsequente instauração da ação executiva, por se tratar de uma falta de condição objetiva de procedibilidade insanável desta.
28º
Destarte, não suscita dúvidas, sendo aceite de forma unânime, que o cumprimento prévio dos deveres impostos pelo regime do PERSI constitui um pressuposto específico da acção executiva cuja ausência se traduz numa excepção dilatória inominada de conhecimento oficioso que conduz à absolvição da instância.
(nesse sentido, os Acórdãos da Relação do Porto de 9.5.2019, proc. 21609/18.0T8PRT-A.P1, Judite Pires, e de 09.01.2019, proc. 8207/14.7T8PRTB.P1, Filipe Caroço, em que interviemos como Adjunto; e ainda os Acórdãos da Relação de Évora de 6.10.2016, proc. 4956/14.8T8ENT-A.E1, Tomé de Carvalho; da Relação do Porto de 14.1.2020, proc. 4097/14.8TBMTS.P1, Ana Lucinda Cabral, de 07.03.2022, proc. n.º 121/20.3T8VLG-A.P1, Miguel Baldaia Morais, e de 07.02.2022, proc. n.º 1091/20.3T8OVR-A.P1, Ana Paula Amorim; da Relação de Évora de 28.6.2018, proc. 2791/17.0T8STB-C.E1, Mata Ribeiro; da Relação de Lisboa de 13.10.2020, proc. 15367/17.3T8SNT-A.L1-7, Maria da Conceição Saavedra; da Relação de Lisboa de 7.5.2020, proc. 2282/15.4T8ALM-A.L1-6,
Adeodato Brotas, e do Supremo Tribunal de Justiça de 13-04-2021, proc. n.º 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1, Graça Amaral, de 09-12-2021, proc. n.º 4734/18.5T8MAI-A.P1.S1, Ferreira Lopes, de 16-11-2021, proc. n.º 21827/17.9T8SNT-A.L1.L1.S, Clara Sottomayor, todos in www.dgsi.pt).
Deste modo,
29º
Tratando-se de uma excepção dilatória, determina o art.º 578º do Cód. de Proc. Civil que deve ser conhecida oficiosamente pelo Tribunal, pois constituindo uma excepção de conhecimento oficioso, que não carece de ser invocada para ser apreciada, deverá, com o devido respeito, este Tribunal dela tomar conhecimento.
30º
Atento o disposto no artigo 734.º, nº 1,
“O juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo.”
Deste modo,
31º
Encontrando-se os autos na fase da venda, estando o imóvel penhorado propriedade da executada anunciado em leilão eletrónico para tal efeito, certo é que tal venda ainda não foi consumada, já que o encerramento do leilão se encontra aprazado para o dia 25-01-2023 pelas 10:30:00 horas.
(Cfr. Leilão on line in plataforma “E-leilões” REF. REF. LO1046172022)
Assim,
32º
É notório que se verifica a existência de NULIDADE, já que a exequente violou normas imperativas (Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro) e consequentemente deverá ser julgada procedente por provada a citada excepção dilatória inominada e ser dada sem efeito a venda do imóvel e cancelado o leilão eletrónico vigente.
33º
Sendo a nova exequente responsável nos mesmos termos que o anterior exequente/cedente.
34º
Termos em que se requer a V. Exa. se digne conhecer da excepção dilatória deduzida e em consequência ser declarada procedente por provada, a invocada excepção dilatória de falta de condição objectiva de procedibilidade e consequentemente anulada a venda do imóvel e ser a ora executada absolvida da instância determinando-se a sua extinção”.
Conclui, no sentido de que o Tribunal se digne:
“a) Conhecer da excepção dilatória inominada de conhecimento oficioso invocada;
b) Declarar procedente, por provada, a invocada excepção dilatória por falta de condição objectiva de procedibilidade;
c) Determinar a absolvição da instância da executada, declarando-se a extinção da instância;
d) Ser dada sem efeito a venda do imóvel objeto dos autos e cancelado o leilão eletrónico a correr termos na plataforma “e-leiloes””.
7 – Notificada a Exequente para, querendo, pronunciar-se, no prazo de 10 dias, veio A …, S.A. (que havia sucedido ao C …, S.A., em tal posição processual), em 09/02/2023, apresentar pronúncia, com o seguinte teor:
“A … - STC, S.A., Exequente nos autos acima identificados, no seguimento do despacho proferido, vem expor e requerer o seguinte:
São dois os contratos de mútuos dados à execução, um no montante de € 60.000,00 e outro no montante de € 20.000,00.
O Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, diploma que estabelece o regime do PERSI, está em vigor desde 1 de janeiro de 2013, conforme resulta do artigo 40º.
Acontece que, o incumprimento do contrato de mútuo no montante de € 60.000,00 ocorreu em 2/2/2012, antes da entrada em vigor do Decreto-Lei aqui em apreço, pelo que, já não estando em vigor o contrato de crédito aqui em causa, as disposições daquele diploma não lhe seriam aplicáveis.
Por outro lado, e tal como não pode deixar de ser do conhecimento da Executada, por se tratar de factos pessoais, esta figurou como executada no processo de execução nº …/…, com data de início em 22/1/2011, que correu termos no Juízo de Execução de Sintra - Juiz …, no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, no qual, à data o C …, S.A. reclamou os respectivos créditos relativos aos contratos de mútuo aqui executados, em 22/2/2012.
A realização de penhora a favor de terceiros sobre bens do devedor é umas das causas de extinção do PERSI, conforme disposto na alínea a) do nº 2 do art. 17º do diploma em apreço.
Deste modo, estando penhorado a favor de terceiros o imóvel objecto de hipoteca e propriedade da devedora, antes da entrada em vigor deste Decreto-Lei, e sendo este motivo causa de extinção do PERSI, também por esta razão o mesmo não seria aplicável aos contratos sub judice.
Acresce ainda que, nos termos da cláusula 9º do documento complementar anexo às escrituras públicas de mútuo com hipoteca e dela parte integrante, no qual foram estabelecidas as cláusulas que regulavam os empréstimos concedidos, encontra-se disposto o seguinte:
“1- O não cumprimento pelo(s) “Mutuário(s)” de qualquer das obrigações assumidas neste contrato ou a ele inerentes e/ou relativa à(s) garantia(s) prestada(s) confere ao “C …, S.A.” o direito de considerar imediatamente vencido tudo o que for devido, seja principal ou acessório, com a consequente exigibilidade de todas as obrigações ou responsabilidades, ainda não vencidas.
2- Sem prejuízo de quaisquer outros direitos que lhe sejam conferidos por lei ou pelo presente contrato, constituem causa bastante e fundamentada de resolução do presente contrato, as que, designadamente, se indicam:
[…] d) Penhora, arresto ou qualquer outra forma judicial ou não de apreensão do(s) imóvel(eis) hipotecado(s)”.
A oneração do bem dado em hipoteca, no caso em apreço através da penhora ordenada no âmbito do processo de execução acima referido, implica a imediata exigibilidade das prestações vincendas e, como tal, a resolução antecipada dos contratos, concretizada através da reclamação de créditos apresentada.
Por esta via, fica também demonstrada a falta de fundamentação legal quanto à argumentação relativa à falta de resolução contratual e a que diz respeito à inexigibilidade da obrigação, que, assim, deverão também improceder”.
8 – Tendo posteriormente a mesma Exequente vindo, em 10/03/2023, “juntar aos autos as comunicações remetidas à Executada, nomeadamente as cartas de resolução”.
9 – Em 07/05/2024, pelo Tribunal a quo foi prolatada a seguinte DECISÃO:
“Compulsados os autos verifica-se que a executada veio invocar a Excepção Dilatória Insuprível Inominada Por Falta De Condição Objetiva De Procedibilidade.
Ora, o procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) – que está em vigor desde 01-01-2013 e é aplicável a clientes bancários (consumidores) que estejam em mora ou em incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito – constitui uma fase pré-judicial que visa a composição do litígio, por mútuo acordo, entre credor e devedor, através de um procedimento que comporta três fases: (i) a fase inicial; (ii) a fase de avaliação e proposta; e (iii) a fase de negociação (arts. 14.º a 17.º do referido diploma legal).
Durante o período que decorre entre a integração do cliente no PERSI e a extinção deste procedimento, está vedada à instituição de crédito a instauração de acções judiciais com a finalidade de obter a satisfação do seu crédito (art. 18.º, n.º 1, al. b)” – cf. ac. STJ, de 09/02/2017, Proc. 194/13.5TBCMN-A.G1.S1; no mesmo sentido, Ac. RE, de 08.03.2018, relatado por Conceição Ferreira; ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
A grande maioria da jurisprudência dos tribunais superiores tem entendido que a preterição de sujeição do devedor ao Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), por parte da instituição de crédito credora, traduz-se no incumprimento de norma imperativa e que, em termos adjectivos, consiste numa condição objectiva de procedibilidade da pretensão, que deve regulada, com as adaptações que se revelem necessárias pelo regime jurídico das excepções dilatórias.
As excepções dilatórias, nominadas ou inominadas, salvo as excepções contempladas no artigo 578º do Código de Processo Civil, são de conhecimento oficioso.
A preterição de sujeição do devedor ao PERSI é de conhecimento oficioso; como tal a sua invocação pela parte, ou a sua apreciação oficiosa, não está sujeita ao prazo concedido para apresentação da defesa, pelo que, atento o estatuído no artigo 573º, n.º 2, in fine do Código de Processo Civil, não está abrangida pelo princípio da preclusão. – cf. Ac. RL, de 29.09.2020, relatado por Micaela da Silva Sousa (in www.dgsi.pt).
Em idêntico sentido pronunciaram-se os acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 8-03-2018, relatora Conceição Ferreira, processo n.º 2267/15.0T8ENT-A.E1, de 16-05-2019, relator José Manuel Barata, processo n.º 4474/16.9T8ENT-A.E1, de 31-01-2019 e de 21-05-2010, relator Tomé de Carvalho, processos n.º 832/17.0T8MMN-A.E1 e n.º 715/16.1T8ENT-B.E1; acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 9-05-2019, relatora Judite Pires, processo n.º 21609/18.0T8PRT-A.P1; e acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14-01-2020, relatora Ana Lucinda, processo n.º 4097/14.8TBMTS.P1, referindo-se, neste último: “E o certo é que a execução não poderia ter sido instaurada sem ter ocorrido previamente o dito Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI). Do prisma do demandante este era uma condição de acção. Mais precisamente uma específica condição de acção cuja inexistência conduz à carência da acção, causa de extinção do processo sem julgamento de mérito. Do ponto de vista da defesa do demandado é uma excepção dilatória, isto é, uma circunstância que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância. Uma excepção de cunho eminentemente processual visto o moderno entendimento da autonomia entre o processo e o direito material. Ela opera no plano da eficácia: não intenta extinguir a pretensão exercida mas apenas neutralizá-la ou retardá-la.”
Verifica-se, pois, que ao contrário do entendimento plasmado na decisão recorrida, podia e devia o tribunal de 1ª instância ter apreciado a verificação da excepção dilatória inominada em referência, mesmo que então já se mostrasse ultrapassado o prazo para a dedução de embargos de executado, podendo fazê-lo no âmbito da própria execução (…)”.
Em face de tudo o que se deixa dito e tendo sido alegado, pelo exequente, que o incumprimento do primeiro contrato (mútuo no valor de €60.000,00) se deu em 2.02.2012 e do segundo contrato (mútuo no valor de €2.000,00) em 2.09.2013 – na vigência, portanto, do DL 227/2012, de 25 de Outubro –, foi determinada a notificação do exequente para esclarecer se deu cumprimento ao aí determinado/previsto.
Veio o exequente juntar aos autos cópia de cartas que remeteu para a morada Rua …, …, … Dto, Agualva Cacem, em nome da executada B … a carta datada de 5.04.2012, 16.05.2012, 23.07.2012, 22.08.2012, cuja cópia se mostra junta a ref. …;
Ora, quanto aos documentos juntos, cumpre referir que, os elementos probatórios reunidos nos autos – cartas cujas cópias se mostram juntas ref. … – não habilitam minimamente a que se possa considerar provado o envio pelo exequente das missivas em referência ao mutuário.
Os documentos que a exequente juntou constituem meras fotocópias de cartas que terão, ou não, sido enviadas.
Por si só, não provam, como é óbvio, o respectivo envio.
Poderá mesmo, porventura, tratar-se de um simples print, sem qualquer relevância ou significado probatório.
Sobre este ponto, e tendo sido invocado o não recebimento das ditas notificações, competiria à exequente, demonstrar que enviou as missivas.
Embora não haja dúvidas que cabe ao opoente a prova de factos impeditivos do exequente poder fazer valer seu direito, não nos parece, que no caso em apreço, seja exigido ao opoente, enquanto mutuário, invocando a sua não recepção, fazer a prova de que as cartas a si endereçadas não lhe foram efectivamente enviadas e por isso ele não as recebeu, pois isso cairia numa situação de prova diabólica que deve ser desde logo arredada, só lhe sendo exigível fazer a prova do não recebimento das cartas, ou do desconhecimento do seu teor, se à partida estiver dado como assente que a missiva lhe foi enviada, visando a sua interpelação e integração no PERSI.
Não tendo sido demonstrado pela exequente o envio das aludidas cartas para o efeito, não pode exigir-se ao executado o ónus de demonstrar a realidade invocada da não recepção, uma vez que esta prova de facto negativo só lhe pode ser imposta como ónus, desde que previamente se tenha por assente a demonstração por parte do credor da realização de actos tidos por idóneos a consubstanciar a efectiva notificação – ver, neste sentido, Ac. RL, de 19.04.2018, relatado por Maria de Deus Correia (in www.dgsi.pt).
Ora, tal demonstração não pode resumir-se, como é evidente, à simples e inconclusiva junção de cópias de cartas que se podem retirar e imprimir de qualquer computador à disposição, ou ao depoimento do empregado bancário que descreve em tribunal qual o procedimento existente, muitas vezes “automático” onde a declaraçao deveria ter sido emitida – ver, neste sentido, Ac. RL, de 11.10.2016, relatado por Luís Espírito Santo (in www.dgsi.pt).
Em sentido idêntico se pronunciou o mesmo Venerando Tribunal no Acórdão de 07.06.2018, relatado por Pedro Martins (in www.dgsi.pt), assim sumariado:
“I.– Não é prova suficiente da existência, na data que dela consta, e do envio e, muito menos, da recepção de uma declaração receptícia (art. 224/1 do CC), uma fotocópia da mesma ou o simples depoimento de um empregado bancário do departamento do banco onde a declaração devia ter sido emitida, que diz que assinou a carta correspondente, sem um único elemento objectivo que o corrobore, como por exemplo um a/r, um registo, um aviso ou uma referência posterior a essa carta numa outra não impugnada, quando aliás essa carta, segundo a própria decisão recorrida que a deu como provada, não faz sentido no contexto em causa.”
É certo que não existe nenhuma obrigatoriedade legal de enviar cartas pela forma registada ou registada com aviso de recepção. Contudo a opção por este meio resulta do senso comum, como a forma mais prudente de garantir a facilidade de prova da sua realização. O Banco (credor originário) era obviamente livre de escolher a forma de notificação que melhor entendesse, designadamente por meras cartas simples, não registadas. Porém, sujeitou-se às consequências dessa sua opção, maxime a dificuldade de prova patente nos autos.
Ou seja, entende o tribunal, que não é prova suficiente da existência, na data que dela consta, e do envio e, muito menos, da recepção de uma declaração receptícia (art. 224/1 do CC), uma fotocópia da mesma ou o simples depoimento de um empregado bancário do departamento do banco onde a declaração devia ter sido emitida, que diz que assinou a carta correspondente, sem um único elemento objectivo que o corrobore, como por exemplo um a/r, um registo, motivo pelo qual, entende o tribunal, não ser necessário produção de prova testemunhal.
Uma vez, que as comunicações de integração dos executados no PERSI e de extinção do PERSI têm de ser feitas num suporte duradouro (que inclui uma carta ou um e-mail) – arts. 14/4 e 17/3 do DL 227/2012, de 25/10, e não se podem provar com recurso a prova testemunhal (arts. 364/2 e 393/1, ambos do CC) excepto se houver um início de prova por escrito (que não seja a própria alegada comunicação), neste sentido vide acórdão da Relação de Lisboa datado de 7.06.2018, disponível, in www.dgsi.pt., o que in casu, não se verificava.
Assim, somos de concluir que não resulta provado que tais cartas tenham sido remetidas ao executado.
Aliás, nem foi alegado, nem provado que a entidade bancária, cedente da dívida exequenda, procedeu à revogação dos contratos de mútuo que havia celebrado com a executada, pelo que se encontravam em mora no momento da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25-10 – PERSI –, ou seja, 1 de janeiro de 2013.
Mais, a resolução é uma das formas de extinção dos contratos por vontade unilateral de um dos contraentes, fundada na lei ou em convenção, e é regulada nos artigos 432.º a 436.º do CC, sendo os seus efeitos retroativos, tal como na nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, ficando, contudo, ressalvadas as prestações já realizadas.
A resolução pode fazer-se mediante declaração à outra parte, extrajudicialmente ou judicialmente.
Esta declaração tem que ser efetivamente recebida para parte contra quem se realiza a resolução, uma vez que se trata de declaração recetícia – só produz efeitos após conhecimento da outra parte, nos termos do artigo 224.º do CC.
Igualmente, não resulta provado com a junção das cartas que tenha o exequente feito operar o instituto da resolução contratual, aliás, nenhuma das referidas cartas faz referência à resolução contratual.
O Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, reconhecendo a degradação das condições económicas e financeiras sentidas na maioria dos países europeus e o aumento do incumprimento de contratos de crédito, estabeleceu um conjunto de princípios e de regras a observar pelas instituições de crédito destinadas a promover a prevenção do incumprimento, designado por Plano de Ação para o Risco de Incumprimento (PARI) e a regularização das situações já em incumprimento de contratos celebrados com consumidores que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos, chamado de Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI).
O mesmo é aplicável aos contratos de crédito identificados no n.º 1 do seu art.2.º, onde se incluem os contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel [al. b)], celebrados com clientes bancários, enquanto consumidores, na aceção dada pelo n.º 1 do art. 2.º da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, onde intervenham como mutuários.
O PERSI consiste num procedimento tipificado de composição extrajudicial, e por mútuo acordo, de situações de mora e/ou incumprimento, que se desenrola em três fases sucessivas:
i). uma fase inicial, na qual as instituições de crédito mutuantes informam o cliente da ocorrência de uma situação de mora e dos montantes vencidos em dívida, procurando obter informações acerca das razões subjacentes ao incumprimento; e, caso esse incumprimento se mantenha, integram, obrigatoriamente, o cliente no PERSI entre o 31.º dia e 60.º dia subsequentes à entrada em mora;
ii). uma fase de avaliação e proposta, na qual as instituições de crédito mutuantes procuram apurar se o incumprimento é pontual e temporário ou, ao invés, se denota uma incapacidade do cliente em cumprir de forma continuada com as suas obrigações contratuais, comunicando-lhe posteriormente o resultado dessa indagação, e apresentando ou não uma proposta de regularização adequada à sua situação financeira, objetivos e necessidades (consoante concluam que a renegociação das condições do contrato, ou a consolidação do crédito com outros, são soluções exequíveis);
iii) uma fase de negociação, no âmbito da qual o cliente poderá recusar ou propor alterações à proposta apresentada e, por sua vez, a instituição de crédito mutuante poderá rejeitar as alterações sugeridas ou, quando considere que não existem alternativas viáveis e adequadas ao cliente, abster-se de apresentar uma contraproposta ou uma nova proposta.
O diploma em análise entrou em vigor em 01.01.2013, em conformidade com o disposto no seu art. 40.º.
A partir desta data, passou a ser obrigatório para as instituições de crédito mutuantes incluírem no PERSI os seus clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito.
E essa obrigação verifica-se mesmo relativamente aos clientes que já estivessem em mora aquando da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 227/2012, pois que conforme dispõe o n.º 1 do seu art. 39.º, “São automaticamente integrados no PERSI e sujeitos às disposições do presente diploma os clientes bancários que, à data da entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias.”.
Estatui o art. 18.º, n.º 1, al. b), do diploma a que nos vimos referindo que “No período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de (…) intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito”.
Em estudo sobre o assunto, refere Francisco Almeida Garrett, in «PARI, PERSI & AFINS - Breve Nota Sobre o Novo Regime», JusJornal, n.º 1676, 23.04.2013, que “o Decreto-Lei n.º 227/2012, impõe assim às instituições de crédito mutuante uma "renegociação forçada" e confere ainda ao cliente diversas garantias não displicentes tais como a impossibilidade de a instituição de crédito mutuante (a) resolver o contrato com fundamento no incumprimento, (b) intentar acções judiciais com vista à satisfação do seu crédito, (c) ceder a terceiros, total ou parcialmente, o crédito em questão, ou (d) transmitir a sua posição contratual – tudo isto, enquanto durar o PERSI”.
Conforme supra referido, a execução só foi intentada em 13.10.2021, depois da entrada em vigor do diploma, pelo que estava o exequente impedido de a intentar, sem que previamente integrasse o aqui embargante no PERSI e só depois da extinção deste procedimento.
A falta de integração obrigatória do cliente bancário no PERSI, quando reunidos os pressupostos para o efeito, constitui impedimento legal a que a instituição de crédito, credora mutuante, intente ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito. Pelo que, sendo a integração de cliente bancário no PERSI, obrigatória, quando verificados os seus pressupostos, a ação judicial destinada a satisfazer o crédito, só poderá ser intentada pela instituição de crédito contra o cliente bancário, devedor mutuário, após a extinção do PERSI (cfr. Acórdãos do STJ, de 09.02.2017, Proc. 194/13.5TBCMN.A.G1.S1, e da RE, de 27.04.2017, Proc. 37/15.5T8ODM.A.E1, ambos disponíveis in https://jurisprudencia.csm.org.pt).
A omissão dessa obrigação constitui uma verdadeira falta de condição objetiva de procedibilidade que, na busca do lugar paralelo, é enquadrada, com as necessárias adaptações, no regime jurídico das exceções dilatórias. E isto porque, em termos finalísticos, atendendo ao respetivo resultado, a referida falta de condição objetiva de procedibilidade conduz à absolvição da instância e não se reporta ao mérito da causa (cfr. Acórdão da RE, de 06.10.2016, Proc. 4956/14.8T8ENT.A.E1; Acórdão da RL, de 07.06.2018, relatado por Pedro Martins (in www.dsgi.pt).
De qualquer das formas, a não verificação dessa condição é insanável pois que o regime excecional previsto no Decreto-Lei n.º 227/2012 afasta liminarmente a possibilidade de ser intentada a ação e, por maioria de razão, existe uma circunstância impeditiva que obsta a que, no decurso de uma ação executiva se desenvolva um PERSI.
Nos termos do art. 4.º do aludido diploma, devem as instituições de crédito “proceder com diligência e lealdade, adotando as medidas adequadas à prevenção do incumprimento de contratos de crédito e, nos casos em que se registe o incumprimento das obrigações decorrentes desses contratos, envidando os esforços necessários para a regularização das situações de incumprimento em causa.”
Conforme se decidiu o Acórdão da RE, de 06.10.2016, já citado, estamos, assim, perante uma exceção dilatória inominada que impedia ab initio a instauração de ação executiva para a efetiva satisfação do crédito do exequente, e que sempre implicaria a absolvição do executado da instância executiva, vide, ainda, Ac. TRE de 09-02-2023, Ac. TRL de 07-06-2018, Ac. TRL de 21-10-2021 e Ac. TRE de 16.03.2023, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
Nestes termos, absolvição da executada da instância executiva e declaro a mesma extinta.
Notifique e registe.
Comunique ao Sr. AE”.
10 - Inconformada com o decidido, a Exequente interpôs recurso de apelação por referência à decisão prolatada.
Apresentou, em conformidade, a Recorrente as seguintes CONCLUSÕES (que transcrevem, na íntegra, corrigindo-se os lapsos de redacção):
I “Vem o presente recurso interposto da Sentença que decidiu do mérito em fase de venda do imóvel e que julgou procedente a arguição de nulidade pela não integração prévia dos executados em PERSI, absolvendo os executados da instância executiva, determinando a extinção da execução.
II Entende a Recorrente/Embargada que as normas que constituíram fundamento jurídico da Douta decisão não foram interpretadas e aplicadas da forma mais adequada ao caso concreto.
III A recorrida argui a nulidade, já em fase de venda do imóvel, com base na não integração em PERSI, factualidade não alegada em sede de embargos, pelo que, deveria ter-se por precludido o direito a tal invocação.
IV Ora, 24/11/2016 o C …, S.A. (em cuja posição viria a ser habilitada a aqui Apelante “A … – STC S.A.) instaurou a presente execução para pagamento de quantia certa, sob a forma de processo comum sumário, contra B …, apresentando como título executivo duas escrituras públicas de compra e venda e mútuo com hipoteca.
V Por escritura pública outorgada a 29/10/2009 foi outorgado um contrato de compra e venda, mútuo com hipoteca entre o Banco Cedente e B …, no valor de 60 000,00 € (sessenta mil euros).
VI Ainda por escritura de 29/10/2009, a executada e o banco cedente celebraram um contrato com hipoteca, no montante de 2000,00 € (dois mil euros).
VII Para garantia do pagamento e liquidação de todas as responsabilidades assumidas no âmbito dos empréstimos concedidos, a mutuária, aqui recorrida, constituiu a favor do Banco Cedente, posteriormente cedida à aqui Apelante, hipoteca voluntária sobre fração autónoma designada pela letra …, correspondente à terceira cave direita do prédio urbano sito na Rua …, número … e Rua …, número …, … A a … C, em Agualva, freguesia de Agualva, concelho de Sintra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Agualva-Cacém sob o número …, afeto ao regime de propriedade horizontal nos termos da apresentação número …, de sete de Agosto de mil novecentos e noventa e um e inscrito na matriz respetiva sob o artigo ….
VIII Sucede que, a partir de 02/02/2012, no que diz respeito ao primeiro mútuo e 02/09/2013, quanto ao segundo mútuo, a mutuária deixou de efetuar o pagamento das prestações mensais dos referidos empréstimos.
IX Nesta confluência, o Banco Cedente remeteu em 05/04/2012, 16/05/2012, 23/07/2012, 22/08/2012 e 07/11/2013, cartas à mutuária interpelando para regularizar a situação de incumprimento, resolvendo o contrato em função do incumprimento reiterado.
X Ora, entende o recorrente que as imposições descritas no DL n. º227/2012, de 25/10 não só não se aplicam ao caso controvertido devido ao incumprimento datar de fevereiro de 2012, como, sobre o aludido imóvel se encontrar registada penhora prévia em virtude de execução de terceiro, onde o Recorrente apresentou a respetiva reclamação de créditos.
XI A oneração do bem dado em hipoteca, no caso em apreço através da penhora ordenada no âmbito do processo de execução, implica a imediata exigibilidade das prestações vincendas e, como tal, a resolução antecipada dos contratos, concretizada através da reclamação de créditos apresentada, pelo que se chama à colação o disposto na alínea a) do nº 2 do art.17º do referido diploma.
XII Não obstante tal invocação, a sentença ora recorrida, olvidou tal factualidade, não se pronunciando acerca dos argumentos vertidos pelo Recorrente na sua resposta à alegação.
XIII Assim, da análise da aludida sentença, é clara e inequívoca a omissão de pronúncia quanto aos argumentos elencados pelo exequente, motivo pelo qual, se encontra ferida de nulidade.
XIV Por outro lado, entendeu a sentença recorrida que não obstante a junção das cartas pelo exequente, o Exequente não logrou provar o envio ou receção das mesmas pela executada, aqui Recorrida, porquanto se tratam de meras cartas simples, “embora não haja dúvidas que cabe ao opoente a prova de factos impeditivos do exequente poder fazer valer seu direito”. “Poderá mesmo, porventura, tratar-se de um simples print, sem qualquer relevância ou significado probatório”.
XV  Ora, não pode a Recorrente concordar com tal conclusão, pois as aludidas cartas, tiveram em consideração a morada contratual da executada.
XVI Assim, permita-se concluir que a sentença recorrida não consagra uma solução justa, pois que, onera o exequente para além das injunções que decorrem dos normativos legais e não se coaduna com o avanço dos tempos e com a evolução do mundo, onde inclusivamente se institui contratação à distância, assinaturas digitais e comunicações através de correio eletrónico.
XVII O significado da expressão “suporte duradouro” está consagrada no artigo 3.º, alínea h), do citado diploma: “Qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas.”
XVIII Por conseguinte, exigindo a lei, como forma de tal declaração uma “comunicação de suporte duradouro”, ou seja, a sua representação através de um instrumento que possibilitasse a sua reprodução integral e inalterada, é a mesma reconduzível à noção de documento constante do artigo 362.º do Código Civil.
XIX Aqui se incluindo, por conseguinte, as cartas, ainda que remetidas por correio simples, pois que, se o legislador entendesse a necessidade de registo e aviso de receção, teria consagrado tal requisito, como fez, por exemplo, no art. 38º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
XX Pelo que, no aludido diploma, não consta qualquer indicação – expressa ou tácita – quanto à necessidade de tal comunicação ter de ser obrigatoriamente efetuada através de carta registada com A/R.
XXI Igualmente não consta da Instrução do Banco de Portugal n.º 44/2012 (regulamenta o DL n. º227/2012, de 25/10) qualquer menção à observância do envio de correio registado/aviso de receção.
XXII Por conseguinte, não prevendo o diploma que rege o PERSI e Instrução do Banco de Portugal que o regulamente tal observância, não poderá, salvo o devido respeito por opinião diversa, o julgador exigir tal formalidade.
XXIII Mais, a atuação da instituição bancária/Banco Cedente foi muito mais longe do que preconiza o DL n.º 227/2012, de 25/10, ao manter o contrato em incumprimento, na tentativa de encontrar soluções para o problema, sendo que, não obstante o incumprimento datar de 2012, o contrato foi acionado apenas em 2016.
XXIV Pelo que, tendo sido dado oportunidade à devedora para findar a situação de incumprimento, a mesma não o fez.
XXV Posto isto, não podemos olvidar que, também os direitos das instituições bancárias, têm guarida constitucional.
XXVI Por tudo, não se verificando no caso em apreço a exceção dilatória decorrente do regime plasmado no artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do DL n.º 227/2012, de 25 de Outubro, deviam os presentes autos prosseguir com os seus termos ulteriores.
XXVII Por fim, diga-se ainda que, prescreve o art. 20º nº2 do aludido diploma que “2 - As instituições de crédito devem conservar os processos individuais durante os cinco anos subsequentes ao termo da adoção dos procedimentos do PERSI.” , pelo que sobre o exequente impende a obrigação de conservar a documentação referente ao PERSI pelo prazo de 5 anos, o que, considerando a data de incumprimento e o ano 2024 já há muito findou.
XXVIII Logo, a consideração pelo supra exposto, implica necessariamente decisão diversa da proferida, o que se requer.
XXIX Assim sendo e em face do que ficara plasmado, deverá ser concedido provimento ao presente Recurso, revogando-se a Sentença recorrida e substituindo-se por outra decisão que ordene o normal prosseguimento da presente demanda.
Conclui, no sentido da procedência do recurso, com consequente revogação da sentença proferida, substituindo-a por decisão que ordene o prosseguimento da acção executiva, até efectivo e integral pagamento.
11 – Não foram apresentadas contra-alegações por parte da Executada.
12 – O recurso foi admitido por despacho de 10/06/2024, como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
Previamente, conhecendo-se acerca da invocada nulidade por omissão de pronúncia, consignou-se a sua não existência.
13 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir.
**
II – ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas ;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação da Recorrente Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Pelo que, no sopesar das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede determina o conhecimento das seguintes questões:
1. DA EVENTUAL NULIDADE de SENTENÇA por OMISSÃO de PRONÚNCIA – a alínea d), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil – Conclusões recursórias XII e XIII ;
2. DA INAPLICABILIDADE, IN CASU, do DL nº. 227/2012, de 25/10 – que veio estabelecer o PERSI -, em VIRTUDE do:
a) INCUMPRIMENTO se REPORTAR A 02/02/2012, ou seja, ANTES da ENTRADA em VIGOR do PERSI, pelo que, já não estando em vigor o contrato de mútuo, as disposições daquele diploma já não lhe seriam aplicáveis ;
b) BANCO CEDENTE já HAVER RECLAMADO os CRÉDITOS, RELATIVAMENET aos CONTRATOS de MÚTUO EXECUTADOS, em 22/02/2012, em ACÇÃO EXECUTIVA de TERCEIRO – cf., a alínea a), do nº. 2, do artº. 17º, de tal diploma, e a cláusula 9ª do documento complementar anexo às escrituras públicas de mútuo com hipoteca - Conclusões recursórias III a XI ;
3. DA NÃO APRESENTAÇÃO de OPOSIÇÃO por PARTE da EXECUTADA, sendo que tal EXCEPÇÃO DILATÓRIA sempre deveria ter sido invocada em sede própria, tendo-se precludido o direito daquela de invocação dos factos tradutores da mesma excepção – Conclusão recursória III ;
Sem prescindir:
4. DA EXISTÊNCIA de um INDÍCIO de PROVA do ENVIO das ALUDIDAS CARTAS para a MORADA CONTRATUAL da EXECUTADA
a) Da inexigibilidade legal da informação ser prestada através de carta registada com aviso de recepção ;
b) Da não verificação da excepção dilatória inominada, decorrente do regime previsto no artº. 18º, nº. 1, alín. b), do DL nº. 227/2012, de 25/10.
**
III - FUNDAMENTAÇÃO
A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A factualidade a considerar é a que resulta do iter supra exposto.
**
B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
I) da NULIDADE da SENTENÇA, por preenchimento da causa enunciada na 1ª parte, da alínea d), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil

Referencia a Recorrente Apelante que sobre o imóvel hipotecado, e penhorado nos presentes autos de execução, encontra-se registada penhora prévia, em virtude de execução de terceiro, na qual apresentou a respectiva reclamação de créditos.
Acrescenta que a “oneração do bem dado em hipoteca, no caso em apreço através da penhora ordenada no âmbito do processo de execução, implica a imediata exigibilidade das prestações vincendas e, como tal, a resolução antecipada dos contratos, concretizada através da reclamação de créditos apresentada”, assim se chamando à colação o disposto na alínea a) do nº 2 do art.17º do DL nº. 227/2012, de 25/10.
Todavia, aduz, não obstante ter procedido a tal invocação, a decisão recorrida “olvidou tal factualidade, não se pronunciando acerca dos argumentos vertidos pelo Recorrente na sua resposta à alegação”, pelo que “é clara e inequívoca a omissão de pronúncia quanto aos argumentos elencados pelo exequente, motivo pelo qual, se encontra ferida de nulidade”.
Decidindo:
Enunciando as causas de nulidade da sentença, prescreve a alínea d), do nº. 1, do artº. 615º, ser “nula a sentença quando:
d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento” (sublinhado nosso).
 Por sua vez, o nº. 2, do artº. 608º, prevendo acerca das questões a resolver e sua ordem, referencia que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras ; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
No regime jurídico das nulidades dos actos decisórios releva “a divergência entre o que é objectivamente praticado ou declarado pelo juiz, e o que a lei determina ou o que resultou demonstrado da produção de prova”. Estamos no campo do error in procedendo, que se traduz “na violação de uma disposição reguladora da forma (em sentido amplo) do ato processual: o ato executado é formalmente diferente do legalmente previsto. Aqui não se discute se a questão foi bem julgada, refletindo a decisão este julgamento acertado – por exemplo, é irrelevante que a sentença (à qual falte a fundamentação) reconheça a cada parte o que lhe pertence (suum cuique tribuere)” [2] [3].
Assim, nas situações ou manifestações mais graves, o error in procedendo fere o acto de nulidade, estando-se perante vícios do acto processual formais, pois os “vícios substanciais, como por ex., os cometidos na apreciação da matéria de fundo, ou na tramitação do processo, são objecto de recurso, não se inserindo na previsão normativa das nulidades” [4].
A diferenciação ocorre, assim, por referência ao error in judicando, que “é um vício de julgamento do thema decidendum (seja este de direito, processual ou material ou de facto). O juiz falha na escolha da norma pertinente ou na sua interpretação, não aplicando apropriadamente o direito – dito de outro modo, não subsume correctamente os factos fundamento da decisão à realidade normativa vigente (questão de direito) -; ou falha na afirmação ou na negação dos factos ocorridos (positivos ou negativos), tal como a realidade histórica resultou demonstrada da prova produzida, havendo uma divergência entre esta demonstração e o conteúdo da decisão de facto (questão de facto). Não está aqui em causa a regularidade formal do ato decisório, isto é, se este satisfaz ou não as disposições da lei processual que regulam a forma dos atos. A questão não foi bem julgada, embora a decisão – isto é, o ato processual decisório – possa ter sido formalmente bem elaborada.
A decisão (ato decisório) que exteriorize um error in judicando não é, com este fundamento, inválida. O meio adequado à sua impugnação é o recurso, sendo o objecto deste o julgamento em que assenta a pronúncia. Confirmando-se o julgamento, a decisão é mantida; no caso oposto, é, por consequência, cassada, ou revogada e substituída – dependendo do sistema de recursos vigente” [5].
As nulidades de sentença – cf., artigos 615º e 666º -, integrando, juntamente com as nulidades de processo – artigos 186º a 202º -, “o género das nulidades judiciais ou adjectivas”, distinguem-se, entre si, “porquanto, às primeiras, subjazem desvios ao formalismo processual prescrito na lei, quer por se praticar um ato proibido, quer por se omitir uma ato prescrito na lei, quer por se realizar um acto imposto ou permitido por lei mas sem o formalismo requerido, enquanto que as segundas se traduzem na violação da lei processual por parte do juiz (ou do tribunal) prolator de alguma decisão”.
Como vício de limite, a nulidade de sentença enunciada na transcrita alínea d) divide-se em dois segmentos, sendo o primeiro atinente à omissão de pronúncia
Neste, em correspondência com o citado nº. 2 do artº. 608º, “deve o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, de todas as causas de pedir e exceções invocadas e de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer”.
Assim, “integra esta causa de nulidade a omissão do conhecimento (total ou parcial) do pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (não a fundamentação jurídica adrede invocada por qualquer das partes).
Não confundir, porém, questões com razões, argumentos ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vingar as suas posições (jurídico-processuais ou jurídico-substantivas); só a omissão da abordagem de uma qualquer questão temática central integra vício invalidante da sentença, que não a falta de consideração de um qualquer elemento da retórica argumentativa produzida pelas partes” [6].
Na omissão de pronúncia, nas palavras de Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro [7], está em equação a vinculação do tribunal em “emitir pronúncia sobre todos os factos essenciais alegados carecidos de prova (arts. 607º, nº. 3, e 608º, nº. 2), sob pena de ocorrer uma omissão de pronúncia no julgamento da questão de facto. A omissão de pronúncia sobre um facto essencial gera a nulidade da sentença. Esta nulidade, presente na fundamentação da decisão final da causa, mas que se reporta à decisão de facto, deve ser arguida pela parte interessada, salvo quando impossibilite a reapreciação da causa pelo tribunal superior, sendo aqui de conhecimento oficioso (art. 662º, nº. 2, al. c))”.
Ora, no caso em apreciação, adiante-se já, o Tribunal a quo não deixou de pronunciar-se sobre qualquer questão que devesse apreciar.
Com efeito, perante a invocação, por parte da Executada, da excepção dilatória inominada de falta de condição objectiva de procedibilidade, o Tribunal a quo conheceu acerca do pedido deduzido pela Executada Requerente, ou seja, conheceu acerca da invocada (in)verificação de tal excepção, bem como da decorrente peticionada absolvição da instância executiva, e consequente extinção da instância.
Nesta apreciação, o mesmo Tribunal Recorrido ponderou, ainda, acerca do argumentário de oposição deduzido pela Exequente.
Todavia, não estava o mesmo Tribunal vinculado a conhecer acerca de todos os argumentos, razões ou motivações invocados pela Exequente, no sentido de fazer vingar a sua pretensão jurídico-substantiva e desatender o requerido pela Executada requerente.
Decorre, deste modo, de todo o exposto, inexistir qualquer omissão do conhecimento (total ou parcial) do pedido, da causa de pedir ou excepção aposta na oposição apresentada. Ou seja, não existiu qualquer omissão de pronúncia na decisão recorrida, nomeadamente que fosse susceptível de inquiná-la com o vício da nulidade.
Pelo que, conclui-se, inexiste ou não é configurável qualquer nulidade da sentença proferida, nomeadamente a resultante de omissão de pronúncia, nos termos previstos no 1º segmento da alínea d), do nº. 1, do artº. 615º.
O que determina, necessariamente, e sem outras delongas, improcedência da invocada nulidade de sentença, com legal inscrição na alínea d), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil e, consequentemente, juízo de improcedência, nesta parte, da apelação em apreciação.
I) DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA EXPOSTA NA DECISÃO RECORRIDA
- DA INAPLICABILIDADE, IN CASU, do DL nº. 227/2012, de 25/10 – que veio estabelecer o PERSI -, em VIRTUDE do:
a) INCUMPRIMENTO se REPORTAR A 02/02/2012, ou seja, ANTES da ENTRADA em VIGOR do PERSI, pelo que, já não estando em vigor o contrato de mútuo, as disposições daquele diploma já não lhe seriam aplicáveis ;
b) BANCO CEDENTE já HAVER RECLAMADO os CRÉDITOS, RELATIVAMENTE aos CONTRATOS de MÚTUO EXECUTADOS, em 22/02/2012, em ACÇÃO EXECUTIVA de TERCEIRO – cf., a alínea a), do nº. 2, do artº. 17º, de tal diploma, e a cláusula 9ª do documento complementar anexo às escrituras públicas de mútuo com hipoteca
Referencia a Exequente Apelante que a arguição de nulidade efectuada pela Executada, já em fase de venda do imóvel, tendo por fundamento a não integração do PERSI, não tendo sido invocada em sede de embargos, dever-se-ia ter por precludida.
Especifica que em 24/11/2016, o C …, S.A. (em cuja posição viria a ser habilitada a aqui Apelante) instaurou a presente execução para pagamento de quantia certa, sob a forma de processo comum sumário, apresentando como título executivo duas escrituras públicas de compra e venda e mútuo com hipoteca, datadas de 29/10/2009, por referência aos valores de 60 000,00 € (sessenta mil euros) e 2000,00 € (dois mil euros).
Em garantia do pagamento e liquidação de todas as responsabilidades assumidas no âmbito dos empréstimos concedidos, a mutuária, aqui recorrida, constituiu a favor do Banco Cedente, posteriormente cedida à aqui Apelante, hipoteca voluntária sobre fração autónoma designada pela letra …, correspondente à terceira cave direita do prédio urbano sito na Rua …, número … e Rua …, número …, … A a … C, em Agualva, freguesia de Agualva, concelho de Sintra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Agualva-Cacém sob o número …, afeto ao regime de propriedade horizontal nos termos da apresentação número …, de sete de Agosto de mil novecentos e noventa e um e inscrito na matriz respetiva sob o artigo ….
Todavia, a partir de 02/02/2012, no que diz respeito ao primeiro mútuo e 02/09/2013, quanto ao segundo mútuo, a mutuária deixou de efetuar o pagamento das prestações mensais dos referidos empréstimos, tendo o Banco cedente remetido em 05/04/2012, 16/05/2012, 23/07/2012, 22/08/2012 e 07/11/2013, cartas à mutuária interpelando para regularizar a situação de incumprimento, resolvendo o contrato em função do incumprimento reiterado.
Assim, entende a Recorrente que as imposições descritas no DL n. º227/2012, de 25/10 não só não se aplicam ao caso controvertido, devido ao incumprimento datar de Fevereiro de 2012, como, ainda, devido ao facto de sobre o aludido imóvel se encontrar registada penhora prévia em virtude de execução de terceiro, onde o Recorrente apresentou a respetiva reclamação de créditos.
Efectivamente, a oneração do bem dado em hipoteca, no caso em apreço através da penhora ordenada no âmbito do processo de execução, implica a imediata exigibilidade das prestações vincendas e, como tal, a resolução antecipada dos contratos, concretizada através da reclamação de créditos apresentada, pelo que se chama à colação o disposto na alínea a) do nº 2 do artº. 17º do referido diploma.
Analisemos.
Antes de mais, tracemos um quadro geral, legal, doutrinário e jurisprudencial do regime em equação, que se afigurará como relevante não só para o conhecimento das questões em análise, como das demais apreciandas.
O DL nº. 227/2012, de 25/10 [8], veio prever acerca do Plano de Acção para o Risco de Incumprimento (PARI), estabelecendo “princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários e cria a rede extrajudicial de apoio a esses clientes bancários no âmbito da regularização dessas situações”.
Consta do preâmbulo de tal diploma pretender estabelecer-se “um conjunto de medidas que, refletindo as melhores práticas a nível internacional, promovam a prevenção do incumprimento e, bem assim, a regularização das situações de incumprimento de contratos celebrados com consumidores que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos perante instituições de crédito por factos de natureza diversa, em especial o desemprego e a quebra anómala dos rendimentos auferidos em conexão com as atuais dificuldades económicas”.
Entre as soluções consignadas, definiu-se a criação de um “Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), no âmbito do qual as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor”.
O desiderato da criação de tal mecanismo legal teve, assim, em vista, “promover a adequada tutela dos interesses dos consumidores em incumprimento e a atuação célere das instituições de crédito na procura de medidas que contribuam para a superação das dificuldades no cumprimento das responsabilidades assumidas pelos clientes bancários”, prevendo-se, ainda, que caso o PERSI não termine com um acordo entre as partes, possa o cliente bancário solicitar a intervenção do Mediador do Crédito, bem como a criação de uma rede “que apoie os consumidores em dificuldades financeiras, nomeadamente através da prestação de informação, do aconselhamento e do acompanhamento nos procedimentos de negociação que estabeleçam com as instituições de crédito”.
Prevendo acerca dos princípios gerais, referencia o artº. 4º que:
“1 - No cumprimento das disposições do presente diploma, as instituições de crédito devem proceder com diligência e lealdade, adotando as medidas adequadas à prevenção do incumprimento de contratos de crédito e, nos casos em que se registe o incumprimento das obrigações decorrentes desses contratos, envidando os esforços necessários para a regularização das situações de incumprimento em causa.
2 - Os clientes bancários devem gerir as suas obrigações de crédito de forma responsável e, com observância do princípio da boa fé, alertar atempadamente as instituições de crédito para o eventual risco de incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito e colaborar com estas na procura de soluções extrajudiciais para o cumprimento dessas obrigações (sublinhado nosso).
Equacionando acerca do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situação de Incumprimento (PERSI), o artº. 12º impõe às instituições de crédito a obrigatoriedade de promoverem “as diligências necessárias à implementação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito”.
Tal procedimento passa, então, por uma Fase Inicial, prevista no artº. 14º, no qual se referencia que:
1 - Mantendo-se o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, o cliente bancário é obrigatoriamente integrado no PERSI entre o 31.º dia e o 60.º dia subsequentes à data de vencimento da obrigação em causa.
2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, a instituição de crédito está obrigada a iniciar o PERSI sempre que:
a) O cliente bancário se encontre em mora relativamente ao cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito e solicite, através de comunicação em suporte duradouro, a sua integração no PERSI, considerando-se, para todos os efeitos, que essa integração ocorre na data em que a instituição de crédito recebe a referida comunicação;
b) O cliente bancário, que alertou para o risco de incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, entre em mora, devendo, para todos os efeitos, considerar-se que a integração desse cliente no PERSI ocorre na data do referido incumprimento.
3 - Quando, na pendência do PERSI, o cliente bancário entre em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de outros contratos de crédito celebrados com a mesma instituição, a instituição de crédito deve procurar obter a regularização do incumprimento no âmbito de um único procedimento, informando o cliente bancário desse facto nos termos previstos no número seguinte.
4 - No prazo máximo de cinco dias após a ocorrência dos eventos previstos no presente artigo, a instituição de crédito deve informar o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro.
5 - O Banco de Portugal define, mediante aviso, os elementos informativos que devem acompanhar a comunicação prevista no número anterior” (sublinhado nosso).
Prolonga-se por uma Fase de Avaliação e Proposta, enunciada no artº. 15º, o qual prescreve que:
1 - A instituição de crédito desenvolve as diligências necessárias para apurar se o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito se deve a circunstâncias pontuais e momentâneas ou se, pelo contrário, esse incumprimento reflete a incapacidade do cliente bancário para cumprir, de forma continuada, essas obrigações nos termos previstos no contrato de crédito.
2 - Para os efeitos previstos no número anterior, a instituição de crédito procede à avaliação da capacidade financeira do cliente bancário, podendo solicitar-lhe as informações e os documentos estritamente necessários e adequados, nos termos a definir, mediante aviso, pelo Banco de Portugal.
3 - Salvo motivo atendível, o cliente bancário presta a informação e disponibiliza os documentos solicitados pela instituição de crédito no prazo máximo de 10 dias.
4 - No prazo máximo de 30 dias após a integração do cliente bancário no PERSI, a instituição de crédito, através de comunicação em suporte duradouro, está obrigada a:
a) Comunicar ao cliente bancário o resultado da avaliação desenvolvida nos termos previstos nos números anteriores, quando verifique que o mesmo não dispõe de capacidade financeira para retomar o cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, nem para regularizar a situação de incumprimento, através, designadamente, da renegociação das condições do contrato ou da sua consolidação com outros contratos de crédito, sendo inviável a obtenção de um acordo no âmbito do PERSI; ou
b) Apresentar ao cliente bancário uma ou mais propostas de regularização adequadas à sua situação financeira, objetivos e necessidades, quando conclua que aquele dispõe de capacidade financeira para reembolsar o capital ou para pagar os juros vencidos e vincendos do contrato de crédito através, designadamente, da renegociação das condições do contrato ou da sua consolidação com outros contratos de crédito.
5 - Na apresentação de propostas aos clientes bancários, as instituições de crédito observam os deveres de informação previstos na legislação e regulamentação específicas” (sublinhado nosso).
À qual se segue uma Fase de Negociação, inscrita no artº. 16º, dispondo que:
1 - Caso o cliente bancário recuse as propostas apresentadas, a instituição de crédito, quando considere que existem outras alternativas adequadas à situação do cliente bancário, apresenta uma nova proposta.
2 - Quando o cliente bancário proponha alterações à proposta inicial, a instituição de crédito comunica-lhe, no prazo máximo de 15 dias e em suporte duradouro, a sua aceitação ou recusa, podendo igualmente apresentar uma nova proposta, observando o disposto no n.º 5 do artigo anterior.
3 - O cliente bancário pronuncia-se sobre as propostas que lhe sejam apresentadas no prazo máximo de 15 dias após a sua receção” (sublinhado nosso).
E, por fim, pela Extinção do PERSI, referenciando o artº. 17º que:
1 - O PERSI extingue-se:
a) Com o pagamento integral dos montantes em mora ou com a extinção, por qualquer outra causa legalmente prevista, da obrigação em causa;
b) Com a obtenção de um acordo entre as partes com vista à regularização integral da situação de incumprimento;
c) No 91.º dia subsequente à data de integração do cliente bancário neste procedimento, salvo se as partes acordarem, por escrito, na respetiva prorrogação; ou
d) Com a declaração de insolvência do cliente bancário.
2 - A instituição de crédito pode, por sua iniciativa, extinguir o PERSI sempre que:
a) Seja realizada penhora ou decretado arresto a favor de terceiros sobre bens do devedor;
b) Seja proferido despacho de nomeação de administrador judicial provisório, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º-C do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;
c) A instituição de crédito conclua, em resultado da avaliação desenvolvida nos termos do artigo 15.º, que o cliente bancário não dispõe de capacidade financeira para regularizar a situação de incumprimento, designadamente pela existência de ações executivas ou processos de execução fiscal instaurados contra o cliente bancário que afetem comprovada e significativamente a sua capacidade financeira e tornem inexigível a manutenção do PERSI;
d) O cliente bancário não colabore com a instituição de crédito, nomeadamente no que respeita à prestação de informações ou à disponibilização de documentos solicitados pela instituição de crédito ao abrigo do disposto no artigo 15.º, nos prazos que aí se estabelecem, bem como na resposta atempada às propostas que lhe sejam apresentadas, nos termos definidos no artigo anterior;
e) O cliente bancário pratique atos suscetíveis de pôr em causa os direitos ou as garantias da instituição de crédito;
f) O cliente bancário recuse a proposta apresentada, sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo anterior; ou
g) A instituição de crédito recuse as alterações sugeridas pelo cliente bancário a proposta anteriormente apresentada, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo anterior.
3 - A instituição de crédito informa o cliente bancário, através de comunicação em suporte duradouro, da extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento.
4 - A extinção do PERSI só produz efeitos após a comunicação referida no número anterior, salvo quando o fundamento de extinção for o previsto na alínea b) do n.º 1.
5 - O Banco de Portugal define, mediante aviso, os elementos informativos que devem acompanhar a comunicação prevista no n.º 3” (sublinhado nosso).
Acresce que o artº. 18º prevê acerca das Garantias do Cliente Bancário, estatuindo, nas alíneas a) e b), do nº. 1, que “no período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de:
a) Resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento;
b) Intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito”.
Enquanto que o artº. 20º, na previsão dos Processos Individuais, estatui que:
1 - As instituições de crédito devem criar, em suporte duradouro, processos individuais para os clientes bancários integrados no PERSI, os quais devem conter toda a documentação relevante no âmbito deste procedimento, nomeadamente as comunicações entre as partes, o relatório de avaliação da capacidade financeira desses clientes e as propostas apresentadas aos mesmos
2 - As instituições de crédito devem conservar os processos individuais durante os cinco anos subsequentes à extinção do PERSI” [9].
Referenciou-se no douto aresto do STJ de 13/04/2021 [10], caracterizar-se o PERSI “por comportar três fases essenciais: uma inicial, outra de avaliação e proposta e de negociação (artigos. 14.º, 15.º e 16.º, do DL n.º 227/2012), extinguindo-se, nos termos previstos no artigo 17.º, do referido diploma.
De acordo com o disposto nos artigos 14.º, n.º 4 e 17.º, n.º 3, do citado DL, a integração no PERSI e a extinção do procedimento, têm de ser comunicadas pela instituição de crédito ao cliente “através de comunicação em suporte duradouro”, sem prejuízo dos requisitos exigíveis quanto ao conteúdo dessas comunicações.
As instâncias seguiram o entendimento que vem sendo seguido na jurisprudência (que as partes não refutam) no sentido de que a quer comunicação de integração no PERSI, quer a de extinção do mesmo, constituírem condição de admissibilidade da acção (declarativa ou executiva), consubstanciando a sua falta uma excepção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância (artigo 576, nº 2, do CPC)”.
Nesse desiderato, sumariou-se, então, que a “comunicação de integração no PERSI, bem como a de extinção do mesmo, constituem condição de admissibilidade da acção (declarativa ou executiva), consubstanciando a sua falta uma excepção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância (art. 576.º, n.º 2, do CPC).
II - Tais comunicações têm de lhe ser feitas em suporte duradouro, ou seja, a sua representação através de um instrumento que possibilite a sua reprodução integral e inalterada, e, portanto, reconduzível à noção de documento constante do art. 362.º do CC.
III - Tratam-se de declarações receptícias, constituindo ónus da exequente demonstrar a sua existência, o seu envio e a respectiva recepção pela executada”.
Realcem-se, ainda, dois doutos arestos do mesmo Alto Tribunal citados no mesmo aresto, nomeadamente:
- de 19/05/2020 – Processo nº. 6023/15.8T8OER-A.L1.S1, acessível através do portal de pesquisa ECLI -, no qual se sumariou que “enquanto o mutuante não proporcionar ao devedor consumidor a oportunidade para encontrar uma solução extrajudicial, tendo em vista a renegociação ou a modificação do modo de cumprimento da dívida, não lhe é permitido o recurso à via judicial para fazer valer o seu crédito (como se extrai do art.18º daquele diploma).
3. O cumprimento prévio dos deveres impostos pelo regime do PERSI constitui um pressuposto específico da ação executiva movida por uma entidade financeira contra um devedor consumidor, cuja ausência se traduz numa exceção dilatória inominada de conhecimento oficioso que conduz à absolvição da instância” ;
- de 16/12/2020 – Processo nº. 2282/15.4T8ALM-A.L1.S1, in www.dgsi.pt -, no qual se referencia que o PERSI, enquanto mecanismo ou instrumento para a prevenção de incumprimento no crédito bancário, não tem por suficiente ou bastante o mero cumprimento formal, por parte da instituição de crédito, de integração do cliente no procedimento, antes se lhe exigindo a concreta observância de deveres específicos e a realização de concretas diligências.
No âmbito desta Relação, atentemos aos seguintes arestos (todos in www.dgsi.pt ):
- de 08/10/2020 – Relatora: Ana de Azeredo Coelho, Processo nº. 14235/15.8T8LRS-A.L1.6 -, no sentido de dever interpretar-se o estatuído no artº. 18º como demandando a exigência de “um procedimento de renegociação suficiente e materialmente efectivo e não de exigência de cumprimento de um iter sacramental de actos formais” ;
- de 29/09/2020 – Relatora: Micaela da Silva Sousa, Processo nº. 1827/18.2T8ALM-B.L1-7 -, onde se referencia que “a falta de integração no PERSI, verificados que estivessem os pressupostos para tanto, impede também que a instituição de crédito intente acção judicial com vista à satisfação do seu crédito, porque antes de o poder fazer tem de cumprir aquela obrigação que lhe é imposta de tentativa extrajudicial de regularização do incumprimento, ou seja, aquela integração surge como uma condição prévia ao accionamento judicial.
Assim tem concluído a doutrina e a jurisprudência dos tribunais superiores, de que é exemplo o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 6-10-2016, relator Tomé de Carvalho, processo n.º 4956/14.8T8ENT-A.E1, onde se refere:
“Em estudo sobre o assunto, Francisco Almeida Garrett opinou que «o Decreto-Lei nº 227/2012, impõe assim às instituições de crédito mutuante uma “renegociação forçada” e confere ainda ao cliente diversas garantias não displicentes tais como a impossibilidade de a instituição de crédito mutuante (a) resolver o contrato com fundamento no incumprimento, (b) intentar acções judiciais com vista à satisfação do seu crédito, (c) ceder a terceiros, total ou parcialmente, o crédito em questão, ou (d) transmitir a sua posição contratual – tudo isto, enquanto durar o PERSI»” ;
- de 07/06/2018 – Relator: Pedro Martins (ora 2º Adjunto), Processo nº. 144/13.9TCFUN-A-2, no qual interveio como 1ª Adjunto o ora Relator -, no qual se referenciou que “a lei exigia que a integração dos executados no PERSI e a extinção deste fossem devidamente comunicadas aos executados em suporte duradouro, como já se viu acima (arts. 14/4 e 17/3, respectivamente, do DL 227/2012). Tratam-se pois de declarações receptícias.
Assim, tinha que ser feita a prova da existência dessas comunicações, do seu envio e da sua recepção pelos executados.
E o ónus da prova disso cabia – ao contrário do que se diz na sentença recorrida e do que diz o exequente – à exequente e não aos executados (neste sentido, vejam-se os vários acórdãos referidos pelos executados. Para além deles, veja-se ainda o ac. do TRE de 08/03/2018, proc. 2267/15.0T8ENT-A.E1.
Quer isto dizer que, para além de, a nível de facto, não haver prova da existência e envio das comunicações de integração (e de extinção) do PERSI, mesmo que houvesse faltaria a prova directa da sua recepção pelos executados (a/r) ou dos factos suficientes para permitir essa conclusão (depósito e aviso, conjugados com as regras do art. 224 do CC)” ;
- de 21/05/2020 – Relatora: Laurinda Gemas, Processo nº. 5585/15.4T8FNC-A.L2-2, no qual o ora Relator interveio como 2º Adjunto -, no qual se referiu não se discutir que “um suporte duradouro possa ser, além do mais, um suporte em papel, ou seja, por exemplo, uma carta registada. Mas é fora de dúvida que a lei exige uma determinada forma para a comunicação da inserção do cliente no PERSI e da extinção deste”.
Acrescenta-se exigir a lei “que a integração dos clientes bancários no PERSI e a extinção do mesmo lhes sejam devidamente comunicadas em suporte duradouro (cf. artigos 14.º, n.º 4, e 17.º, n.º 3, do referido diploma legal), tratando-se, sem dúvida, de declarações recetícias, o que significa que tinha que ser feita a prova da existência dessas comunicações, do seu envio e da sua receção pelos executados, cabendo o ónus da prova desses factos à instituição de crédito, já que se trata de condição indispensável para o exercício do direito que pretende fazer valer”.
Em consonância, cita-se o Acórdão da RE de 27/04/2017, onde se sumariou que:
“I- No artº 14º nº4 do D.L. 227/2012 de 25 de Outubro exige-se que a instituição de crédito informe o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro.
(…) IV- Além do mais, tratando-se de uma declaração receptícia, a sua eficácia estaria também dependente da sua chegada ao conhecimento do seu destinatário ( artº 224º nº1 -1ª parte do Cód. Civil que consagra a teoria da recepção), sendo sobre a instituição bancária/embargada que recaía o ónus de o provar ( artº 342º nº1 do mesmo código.
- o referido acórdão da Relação de Lisboa de 07-06-2018, cujo sumário citamos pelo seu interesse:
I.– Não é prova suficiente da existência, na data que dela consta, e do envio e, muito menos, da recepção de uma declaração receptícia (art. 224/1 do CC), uma fotocópia da mesma ou o simples depoimento de um empregado bancário do departamento do banco onde a declaração devia ter sido emitida, que diz que assinou a carta correspondente, sem um único elemento objectivo que o corrobore, como por exemplo um a/r, um registo, um aviso ou uma referência posterior a essa carta numa outra não impugnada, quando aliás essa carta, segundo a própria decisão recorrida que a deu como provada, não faz sentido no contexto em causa.
II.– As comunicações de integração dos executados no PERSI e de extinção do PERSI têm de ser feitas num suporte duradouro (que inclui uma carta ou um e-mail) – arts. 14/4 e 17/3 do DL 227/2012, de 25/10, e não se podem provar com recurso a prova testemunhal (arts. 364/2 e 393/1, ambos do CC) excepto se houver um início de prova por escrito (que não seja a própria alegada comunicação).
III.– Não se demonstrando a existência da comunicação da integração dos executados no PERSI, não existe uma condição objectiva de procedibilidade da execução (art. 18/1-b do referido DL 227/2012 e ac. do TRL de 26/10/2016, proc. 4956/14.8T8ENT-A.E1), pelo que esta não pode prosseguir” (sublinhado nosso).
Tendo-se concluído, perante a factualidade apurada, pelo incumprimento por parte da Exequente das regras legais imperativas atinentes ao PERSI, determinante de juízo de procedência da oposição mediante embargos, e consequente absolvição da instância executiva, declarando-se esta extinta.
Nos termos supra expostos, assentemos as norteadoras directrizes fundamentais:
- quer a integração no PERSI, quer a extinção de tal procedimento, têm de ser comunicadas pela instituição credora ao cliente, o que deve ser efectivado “através de comunicação em suporte duradouro” – cf., artºs, 14º, nº. 4 e 17º, nº. 3, ambos do DL227/2012, de 25/10 -, para além dos requisitos exigíveis quanto ao conteúdo de tais comunicações ;
- tais comunicações – de integração do PERSI e de extinção deste – constituem-se como condições de admissibilidade da acção executiva, determinando a sua falta excepção dilatória inominada insuprível, de oficioso conhecimento, determinante da extinção da instância – cf., o nº. 2, do artº. 576º, do Cód. de Processo Civil ;
- tais comunicações constituem-se como declarações receptícias, sendo ónus da exequente demonstrar o seu cumprimento/existência, que passa pela demonstração do seu envio e respectiva recepção por parte dos executados, em virtude de consubstanciarem condição indispensável para o exercício do direito que aquela pretende fazer valer ;
- para além do cumprimento da observância de tais comunicações, exige-se, igualmente, o cumprimento  dos demais deveres impostos por tal procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento, que funcionam como específico pressuposto da acção executiva que a entidade credora venha a instaurar contra o devedor consumidor ;
- o qual deve efectivar-se de modo não meramente formal ou observador de rituais sacramentais, mas antes concretamente observador dos específicos deveres e concretas diligências legalmente impostas, ou seja, através de actos de efectiva e material renegociação ;
- traduzindo igualmente a inobservância de tais deveres, excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, conducente à absolvição da instância – cf., artigos 576º, nº. 2 e 578º, ambos do Cód. de Processo Civil.
Relativamente ao primeiro fundamento de alegada inaplicabilidade, in casu, do DL nº. 227/2012, de 25/10, e do regime do PERSI no mesmo inscrito, alega a Apelante que o incumprimento da Executada reporta-se a 02/02/2012, ou seja, ocorre antes da entrada em vigor daquele diploma.
Pelo que, concretiza, quando aquele diploma inicia a sua vigência – o que sucedeu em 01/01/2013, conforme artº. 40º -, já não estando em vigor os contratos de mútuo, as suas disposições não lhes seriam aplicáveis.
Com efeito, adita, as cartas remetidas pelo banco cedente à mutuária (ora Executada), interpelando-a para a regularização da situação de incumprimento, procedem à resolução do contrato, em função do ocorrido incumprimento reiterado.
Analisemos.
Conforme alegado em sede do requerimento executivo inicial, no que concerne ao mútuo no valor de 60.000,00 €, as últimas prestações pagas pela Executada foram as vencidas em 02/02/2012 e, no que se reporta ao mútuo no valor de 2.000,00 €, foi a de 02/09/2013.
Estatuindo acerca da aplicação no tempo do diploma equacionado, prevê o nº. 1, do artº. 39º, que “são automaticamente integrados no PERSI e sujeitos às disposições do presente diploma os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias”.
Ora, relativamente ao mútuo de menor valor, ocorrendo o incumprimento (e consequente situação moratória) da Executada apenas em Outubro de 2013, em plena vigência do regime do PERSI, a sua integração era necessariamente obrigatória, não se colocando, relativamente a este mútuo, qualquer questão de resolução prévia, capaz de o afastar daquela sujeição.
Aliás, relativamente a este mútuo, foi junta aos autos apenas uma carta, alegadamente remetida á ora Executada em 07/11/2013, na qual se referencia “um montante em incumprimento, incluindo juros de mora/penalizações, de 42,44 € calculado à data de 15/11/2013”, cujo pagamento se solicitava até 15/11/2013, indicando-se, para o efeito, o número da entidade e referência, de forma a permitir a liquidação através do multibanco.
Relativamente ao mútuo de maior valor, cujo incumprimento ocorre previamente à data da entrada em vigor do PERSI, urge aferir se, nesta data, tal contrato de mútuo ainda se encontrava em vigor, ou se, contrariamente, já havia sido objecto de resolução contratual operada pela entidade bancária mutuante.
No que se reporta a tal contrato, a ora Exequente junta 4 cartas, alegadamente remetidas à mutuária, ora Executada, datadas de 05/04/2012, 16/05/2012, 23/07/2012 e 22/08/2012.
Na primeira das cartas, datada de 05/04/2012, tendo por assunto a “regularização do contrato nº. …”, informa-se que o contrato encontra-se, naquela data, “com um montante em incumprimento, incluindo juros de mora/penalizações, de 446,75 €”, solicitando-se “o pagamento do montante em dívida até ao dia 13/04/2012”, indicando-se, para o efeito, o número da entidade e referência, de forma a permitir a liquidação através do multibanco.
Na segunda das missivas – datada de 16/05/2012 -, tendo igualmente por assunto a “regularização do contrato nº. …”, informa-se que, “não obstante as diligências por nós efectuadas, ainda se encontra por regularizar o valor em dívida, do contrato em epígrafe, no total de 701,39 €, no qual se incluem juros de mora/penalizações”.
Informa-se, ainda, que naquela data “o processo transitou para a gestão do Núcleo de Recuperação Externa”, e que, se o incumprimento se mantivesse até 26/05/2012 (data indicada como de limite de pagamento), o processo seria enviado para o “departamento de Contencioso, tomando-se as medidas julgadas adequadas à defesa dos legítimos interesses da Instituição Credora”.
Indicou-se, igualmente, o número da entidade e referência, de forma a permitir a liquidação através do multibanco.
Por sua vez, na terceira das missivas – datada de 23/07/2012 -, tendo igualmente por assunto a “regularização do contrato nº. …”, informa-se que o processo já se encontra em fase de contencioso, e que, apesar dos anteriores contactos, verifica-se “que a situação de incumprimento não foi ainda regularizada”.
Acrescenta-se que, “e a menos que, num prazo máximo de 10 dias, a contar da data desta carta seja efectuado o pagamento no valor em mora de 1.458,55 €, o contrato acima referido será denunciado. Assim, a partir desta data, será exigido o pagamento da totalidade do valor do contrato, acrescido dos juros vencidos e das despesas extrajudiciais incorridas”.
Adrede, fez-se igualmente constar que “caso não seja pago o montante em dívida no prazo acima indicado, se procederá ao Preenchimento da Livrança e/ou proceder-se-á à execução da hipoteca/garantia (consoante a garantia associada ao contrato), não nos restando outra alternativa que não seja a do recurso à via judicial, para cobrança coerciva do crédito em questão, o que faremos decorrido o prazo acima mencionado”.
Por fim, indicou-se, igualmente, o número da entidade e referência, de forma a permitir a liquidação, da enunciada quantia de 1.458,55 €, através do multibanco.
A derradeira missiva junta aos autos, alegadamente enviada à mutuária (ora Executada), datada de 22/08/2022, tendo igualmente como assunto “regularização do contrato nº. …”, informa que o processo já se encontra em fase de contencioso, que apesar das tentativas feitas “para que esta situação de incumprimento fosse resolvida de forma consensual, a falta de pagamento continua a verificar-se”, e que não restou outra alternativa “que não seja o recurso à via judicial, como forma de procedermos à cobrança coerciva da totalidade do valor em dívida, procedimento que iremos adoptar de imediato e sem qualquer outro aviso”.
Ora, tendo por base o teor destas missivas, alegadamente enviadas pela entidade bancária mutuante à mutuária, poder-se-á concluir no sentido da resolução do contrato de mútuo identificado ?
Ou seja, poder-se-á concluir decorrer do teor de tais missivas uma verdadeira declaração de resolução contratual, decorrente do incumprimento e mora subsistente, efectuada pela credora mutuante á devedora mutuária ?
A questão coloca-se com particular acuidade relativamente ao teor da missiva datada de 23/07/2012. Cremos que uma leitura atenta da mesma não permite concluir por tal declaração resolutiva.
Efectivamente, para além da então entidade mutuante aludir a uma alegada “denúncia”, sem qualquer pertinência em termos jurídicos, e não sendo este errado enquadramento jurídico minimamente relevante para aquela conclusão, o que aquela comunicação traduz é um anúncio de uma futura denúncia, e não a operacionalidade de atis efeitos com a aludida comunicação.
Com efeito, referencia-se que o contracto será denunciado, pelo que, apelando-se aos critérios interpretativos inscritos no artº. 236º, do Cód. Civil, o sentido daquela declaração pressupunha uma posterior comunicação ou declaração resolutiva, sendo certo que esta, tendo natureza receptícia, possui verdadeira eficácia constitutiva – cf., o nº. 1, do artº. 436º, do Cód. Civil.
Aliás, esta interpretação do teor do alegadamente comunicado acaba por ser confirmada e corroborada pela própria Exequente Apelante, a qual, no corpo alegacional (o que reproduz na conclusão XXIII), referencia expressamente que “a atuação da instituição bancária/Banco Cedente foi muito mais longe do que preconiza o DL nº. 227/2012, de 25/10, ao manter o contrato em incumprimento, na tentativa de encontrar soluções para o problema, sendo que, não obstante o incumprimento datar de 2012, o contrato foi acionado apenas em 2016”. 
Ou seja, ao referenciar e reconhecer a manutenção do contrato em incumprimento, ou seja, em situação de mora, acaba por confirmar a ausência de efeitos resolutivos decorrente das alegadas comunicações efectuadas à devedora (e juntas aos autos).
O que determina que, em 01/01/2013, data da entrada em vigor do regime do PERSI, e no que concerne ao mútuo de maios valor, subsistia uma situação de mora no cumprimento no contrato de mútuo ainda em vigência, a implicar necessária integração da Executada naquele regime.
Com efeito, conforme sumariado no douto aresto da RE de 16/03/2023 – Relator: José Manuel Barata, Processo nº. 5264/22.6T8STB.E1, in www.dgsi.pt -, “encontrando-se o devedor em mora, está a instituição de crédito obrigada a cumprir o regime previsto no Dec.-Lei n.º 227/2012, de 25-10 – PERSI – ainda que a mora tenha ocorrido antes da entrada em vigor do mesmo diploma”.
Pelo que, no que se reporta ao presente fundamento recursório, improcedem as deduzidas conclusões.
Relativamente ao segundo fundamento de alegada inaplicabilidade, in casu, do regime do PERSI, alega a Apelante que o Banco Cedente já havia reclamado os créditos, relativamente aos contratos de mútuo executados, em 22/02/2012, em acção executiva impulsionada por terceiro.
Com efeito, aduz, ocorreu oneração do imóvel dado em hipoteca, através de penhora ordenada no âmbito do processo de execução nº. …/…, que correu termos no Juízo de Execução de Sintra – Juiz …, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, no âmbito do qual o então C …, S.A., reclamou os aduzidos créditos.
Acrescenta que tal situação implica a imediata exigibilidade das prestações vincendas e, como tal, a resolução antecipada dos contratos, concretizada através da reclamação de créditos apresentada, apelando ao estatuído na alínea a), do nº. 2, do artº. 17º, do citado DL nº. 227/2012, de 25/10.
Vejamos.
Em primeiro lugar, urge referenciar que não consta dos presentes autos que a então instituição bancária credora tenha procedido á aduzida reclamação dos créditos exequendos, no âmbito do aludido processo de execução.
Com efeito, a única informação que consta acerca de tal processo de execução sob o nº. …/…, do Juízo de Execução de Sintra – Juiz …, é a que consta da certidão do registo predial do imóvel garante dos mútuos em execução, junta aos autos por referência à data de 09/01/2017.
Nesta, por referência à Ap. …, de 2011/07/08, e com esta data, surge registada penhora, relativamente à quantia exequenda de 531,34 €, tendo como sujeito activo D …, S.A., e como sujeito passivo a ora Executada, indicando-se o processo de execução nº. …/….
Em segundo lugar, estatui a já transcrita alínea a), do nº. 2, do artº. 17º, do DL nº. 227/2012, de 25/10, que “a instituição de crédito pode, por sua iniciativa, extinguir o PERSI sempre que: a) Seja realizada penhora ou decretado arresto a favor de terceiros sobre bens do devedor”.
Ora, por um lado, aquando da realização de tal penhora, datada de 08/07/2011, não estava ainda sequer em vigor o regime do PERSI, que só veio a ser implementado mais de um ano depois, pelo que, aquela oneração do bem imóvel dado em garantia nunca poderia determinar extinção do enunciado regime.
Por outro lado, estando-se perante uma faculdade legalmente prevista, e não propriamente perante um necessário efeito ou imposição legal, não consta dos autos que a instituição de crédito credora – o Banco cedente – a tenha exercitado, ou seja, que no âmbito da integração da Executada no regime do PERSI tenha vindo posteriormente a declará-lo extinto, em virtude da oneração dos seus bens.
Idêntica conclusão é extraível dos alegados efeitos da cláusula 9ª do documento complementar anexo às escrituras públicas de mútuo com hipoteca celebrado com a ora Executada.
Efectivamente, o direito ali conferido á mutuante de resolver o contrato, fundado, nomeadamente, na penhora do bem imóvel hipotecado, não consta ter sido devidamente exercido, pois, conforme se depreende, no ano de 2012 (em que ocorre incumprimento relativamente ao mútuo de maior valor) e 2013 (data em que ocorre incumprimento relativamente ao mútuo de menor valor) os mútuos encontravam-se em plena vigência, donde se depreende que aquela faculdade convencionalmente outorgada não foi exercitada pela credora entidade bancária.  
Donde, sem demais delongas, improcede igualmente a apelação relativamente ao presente fundamento recursório.
c) DA OFICIOSIDADE e DA NÃO APRESENTAÇÃO de OPOSIÇÃO por PARTE da EXECUTADA
Referencia, ainda, a Exequente Recorrente não ter a Executada apresentado qualquer oposição/contestação à execução intentada, sendo que tal excepção sempre deveria ter sido invocada naquela sede, pelo que, não o tendo feito, precludiu-se o direito da Executada a invocar a factualidade tradutora daquela excepção dilatória, pois apenas o veio fazer em requerimento avulso, já em plena fase de venda do imóvel.
Apreciando:
Referenciou-se na decisão apelada estar o PERSI em vigor desde 01/01/2013, sendo que, durante o período que decorre entre a integração do cliente no PERSI e a extinção deste procedimento, está vedado à instituição de crédito a instauração de acções judiciais com a finalidade de obter a satisfação do seu crédito – cf., artº. 18º, nº. 1, alín. b), do DL nº. 227/2012, de 25/10.
Acrescentou-se que a sua preterição (preterição de sujeição do devedor ao procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento) por parte da instituição de crédito credora, traduzindo-se no incumprimento de norma imperativa, consubstancia-se em termos adjectivos como condição objectiva de procedibilidade da pretensão, a enquadrar no regime jurídico das excepções dilatórias.
Por apelo ao estatuído no artº. 578º, do Cód. de Processo Civil, entendeu-se estarmos perante uma excepção de conhecimento oficioso, pelo que a sua invocação não está sujeita ao prazo concedido para apresentação de defesa, não estando assim abrangida pelo princípio da preclusão, conforme a parte final, do nº. 2, do artº. 573º, do mesmo diploma.
Ora, no perfilhar de tal entendimento, traduzindo-se as comunicações de integração do PERSI e de extinção deste como condições de admissibilidade da acção executiva, determinando a sua falta excepção dilatória inominada insuprível, configura-se esta de oficioso conhecimento, conducente a um juízo de absolvição da instância, nos termos do nº. 2, do artº. 576º, do Cód. de Processo Civil.
Efectivamente, nos termos expressamente referenciados no já citado douto aresto desta Relação de 29/09/2020, “entendida a falta de integração do cliente bancário no PERSI como uma excepção dilatória inominada, a jurisprudência tem vindo a reconhecer a possibilidade do seu conhecimento oficioso, aplicando o regime decorrente dos art.ºs 576º, n.ºs 1 e 2 e 578º do CPC, de tal modo que, tal como sustentam os recorrentes, a sua invocação não está sujeita à preclusão decorrente do decurso integral do prazo para deduzir embargos de executado, tal como resulta da ressalva prevista no art. 573º, n.º 2, in fine do CPC, para além do que o conhecimento de excepções dilatórias pode sempre ter lugar até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados – cf. art.ºs 726º, n.º 2, b) e 734º do CPC”.
Donde, com base em tal enquadramento e não tendo ainda ocorrido acto de transmissão do imóvel penhorado, atenta a oficiosidade no conhecimento, inexiste a aludida preclusão do direito da Executada na alegação dos factos tradutores da excepção inominada em apreço.
O que traduz, neste segmento, juízo de total falência da pretensão recursória.
d) DA EXISTÊNCIA de um INDÍCIO de PROVA do ENVIO das ALUDIDAS CARTAS para a MORADA CONTRATUAL da EXECUTADA
Por fim, referencia, ainda, a Apelante Exequente que a decisão sob apelo, não obstante as cartas juntas, entendeu que a mesma “não logrou provar o envio ou receção das mesmas pela executada, aqui Recorrida, porquanto se tratam de meras cartas simples, “embora não haja dúvidas que cabe ao opoente a prova de factos impeditivos do exequente poder fazer valer seu direito”. “Poderá mesmo, porventura, tratar-se de um simples print, sem qualquer relevância ou significado probatório””.
Aduz não poder perfilhar tal conclusão, “pois as aludidas cartas, tiveram em consideração a morada contratual da executada”, não consagrando, assim, a decisão, uma “solução justa, pois que, onera o exequente para além das injunções que decorrem dos normativos legais e não se coaduna com o avanço dos tempos e com a evolução do mundo, onde inclusivamente se institui contratação à distância, assinaturas digitais e comunicações através de correio eletrónico”.
Acrescenta que a expressão comunicação de suporte duradouro reconduz-se à noção de documento constante do artigo 362.º do Código Civil, “aqui se incluindo, por conseguinte, as cartas, ainda que remetidas por correio simples, pois que, se o legislador entendesse a necessidade de registo e aviso de receção, teria consagrado tal requisito, como fez, por exemplo, no art. 38º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
Ora, adita, no referenciado diploma legal “não consta qualquer indicação – expressa ou tácita – quanto à necessidade de tal comunicação ter de ser obrigatoriamente efetuada através de carta registada com A/R”, não constando igualmente da “Instrução do Banco de Portugal n.º 44/2012 (regulamenta o DL n. º227/2012, de 25/10) qualquer menção à observância do envio de correio registado/aviso de receção”, pelo que não pode o julgador exigir tal formalidade.
Donde, “não se verificando no caso em apreço a exceção dilatória decorrente do regime plasmado no artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do DL n.º 227/2012, de 25 de Outubro, deviam os presentes autos prosseguir com os seus termos ulteriores”.
Apreciemos.
In casu, antes de se apurar acerca da forma como a informação da sua integração no PERSI deve ser prestada por parte da entidade bancária ao cliente, se a mera utilização de carta simples cumpre tal função, ou antes sendo de exigir que aquela opere através de carta registada com aviso de recepção [11], e se as concretas cartas remetidas pela instituição bancária cedente  (juntas aos autos) constituem um indício de prova do envio das aludidas cartas, eventualmente a complementar através de outros meios probatórios [12] (o que implica, igualmente, aferir acerca da legal admissibilidade de recurso a tais diferenciados meios probatórios), existe uma questão central e nuclear.
Com efeito, a montante das questões enunciadas, e eventualmente com natureza prejudicial relativamente às mesmas, urge aferir se tais cartas juntas aos autos pela Apelante Exequente, alegadamente remetidas á ora Executada, eram susceptíveis de cumprir as legais obrigações inscritas nos artigos 13º a 17º do regime do PERSI.
Ou seja, pressupondo que tais comunicações foram devidamente remetidas, tendo chegado ao efectivo conhecimento da devedora em incumprimento, urge, num primeiro momento, aquilatar se a informação nas mesmas aposta traduz concreta observância do procedimento extrajudicial de regularização da situação de incumprimento em decorrência, sendo este um ónus da Exequente credora.
Ora, as quatro cartas referentes ao mútuo de maior valor, conforme constatámos, são todas prévias à entrada em vigor do regime do PERSI, pelo que, logicamente, não evidenciam as mesmas qualquer observância daquele procedimento de regularização.
Com efeito, nada nas mesmas traduz o cumprimento das aludidas fase inicial, fase de avaliação e proposta, fase de negociação e comunicação da extinção do PERSI, o que é perfeitamente compreensível, pois antecedem a implementação do próprio regime.
No que concerne ao crédito de menor valor, a única carta junta aos autos pela Exequente, datada de 07/11/2013, também não logra, minimamente, documentar aquele cumprimento, pois, desde logo, não é sequer referenciado à ora Executada, enquanto cliente, a sua integração naquele procedimento extrajudicial de regularização da situação de incumprimento.
Ora, assim sendo, torna-se evidentemente dispensável e inútil aferir acerca daquelas enunciadas questões em controvérsia, relativamente às quais opera concreto juízo de prejudicialidade.
Por fim, e ainda que sem extrair concretas ilações ou consequências jurídicas, referencia a Apelante decorrer do nº. 2, do artº. 20º, do DL nº. 227/2012 (já transcrito) impender sobre as instituições de crédito “a obrigação de conservar a documentação referente ao PERSI pelo prazo de 5 anos, o que, considerando a data de incumprimento e o ano 2024 já há muito findou”.
Relembrando, referencia aquele normativo que “as instituições de crédito devem conservar os processos individuais durante os cinco anos subsequentes à extinção do PERSI”.
Ora, por um lado, alude a lei à conservação dos processos individuais, e não propriamente à documentação comprovativa da integração do cliente no aludido procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento.
Por outro, e de forma mais incisiva e decisiva, tendo o cômputo inicial de tal prazo de 5 anos a ocorrência de extinção do PERSI, e não se mostrando esta minimamente indiciada relativamente a processo individual que tivesse sido aberto relativamente à executada devedora, necessariamente se terá que concluir que tal prazo nem sequer se terá iniciado, o que afasta, em concreto, a extracção de quaisquer consequências jurídicas, nomeadamente quanto a uma eventual inexigibilidade relativamente à ora Exequente.
Pelo exposto, ainda que com fundamentação não totalmente coincidente, mais não resta do que, num juízo de improcedência das conclusões recursórias suscitadas, confirmar a decisão sob apelo.
*
Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, decaindo a Exequente/Apelante/Recorrente na presente apelação, é responsável pelo pagamento das custas devidas, estendendo-se, ainda, a sua responsabilidade ao pagamento das custas processuais devidas na acção executiva.
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IV. DECISÃO
Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em:
a) Julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela Apelante/Exequente A … – STC, S.A., em que figura como Apelada/Executada B … ;
b) Em consequência, ainda que com fundamentação não totalmente coincidente, confirma-se a decisão recorrida/apelada ;
c) Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, decaindo a Exequente/Apelante/Recorrente na presente apelação, é responsável pelo pagamento das custas devidas, estendendo-se, ainda, a sua responsabilidade ao pagamento das custas processuais devidas na acção executiva.
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Lisboa, 13 de Fevereiro de 2025
Arlindo Crua
António Moreira
Pedro Martins
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[1] A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original.
[2] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Vol. I, 2014, 2ª Edição, Almedina, pág. 599.
[3] Traduzem estas nulidades da sentença a “violação da lei processual por parte do juiz (ou do tribunal) prolator de alguma decisão”, pertencendo ao género das nulidades judiciais ou adjectivas – cf., Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, pág. 368.
[4] Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, 1982, pág. 102.
[5] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, ob. cit, pág. 600 e 601.
[6] Ferreira de Almeida, ob. cit., pág. 368 a 370.
[7] Ob. cit., pág. 606 e 607.
[8] A redacção a considerar será a vigente à data da implementação do PERSI relativamente aos ora Embargantes, ou seja, a antecedente às alterações introduzidas pelo DL nº. 70-B/2021, de 06/08.
[9] Por todos, fazendo uma específica análise do regime do PERSI, cf., o douto Acórdão do STJ de 09/02/2017 – Relatora: Fernanda Isabel Pereira, Processo nº. 194/13.5TBCMN-A.G1.S1, in www.dgsi.pt -, no qual se referencia, para além do mais, que “o PERSI constitui uma fase pré-judicial, em que se visa a composição do litígio por mútuo acordo, entre credor e devedor, mediante um procedimento que comporta três fases: a fase inicial; a fase de avaliação e proposta; a fase de negociação (artigos 14º, 15º e 16º).
Na fase inicial, a instituição, depois de identificar a mora do cliente, informa-o do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida, desenvolvendo diligências no sentido de apurar as razões subjacentes ao incumprimento registado; persistindo o incumprimento, integra-o, obrigatoriamente, no PERSI entre o 31º dia e o 60º dia subsequente à data do vencimento da obrigação em causa (artigos13º e 14º nº 1).
Na fase de avaliação e proposta, a instituição de crédito procede à avaliação da situação financeira do cliente para apurar se o incumprimento é momentâneo ou tem carácter duradouro. Findas as diligências, apresenta ao cliente uma ou mais propostas de regularização do crédito adequadas à sua situação financeira e necessidades, se considerar que o mesmo tem condições para cumprir. Se a averiguação feita tiver revelado incapacidade do cliente bancário para retomar o cumprimento das suas obrigações ou regularizar o incumprimento, mesmo com recurso à renegociação do contrato ou à sua consolidação com outros contratos de crédito, comunica ao cliente o resultado da avaliação e a inviabilidade de obtenção de um acordo no âmbito do PERSI, o qual se extinguirá (artigo 17º nº 2 al. c)).
A fase da negociação tem por objectivo obter o acordo do cliente para a proposta ou uma das propostas apresentadas pela instituição de crédito com vista à regularização do incumprimento.
Durante o período que decorre entre a integração do cliente no PERSI e a extinção deste procedimento, está, nomeadamente, vedado à instituição de crédito intentar acções judiciais com a finalidade de obter a satisfação do seu crédito (artigo 18º nº 1 al. b))”.
[10] Relatora: Graça Amaral, Processo nº. 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1, in www.dgsi.pt .
[11] No sentido da não exigibilidade de que as comunicações sejam efectuadas através de carta registada com aviso de recepção, cf., entre outros, os doutos Acórdãos da RP de 05/11/2018 – Relator: Augusto de Carvalho, Processo nº. 3413/14.7TBVFRA.P1 -, no qual se sumariou que “ao exigir-se como forma da declaração uma comunicação em suporte duradouro, uma carta pode ser entendida como tal, pois, possibilita reproduzir de modo integral e inalterado o seu conteúdo.
IV - Se a intenção do legislador fosse a de sujeitar as partes do procedimento extrajudicial de regularização das situações de incumprimento a comunicar através de carta registada com aviso de receção, tê-la-ia consagrado expressamente” ; da RE de 10/09/2020 – Relator: Vítor Sequinho, Processo nº. 1834/17.2T8MMN-A.E1 -, no qual se sumariou que “a lei não exige que as comunicações da integração do cliente bancário no PERSI e da extinção deste sejam efectuadas através de carta registada com aviso de recepção. Não obstante, a instituição de crédito tem o ónus da prova de que efectuou tais comunicações em suporte duradouro, entendido este, nos termos do artigo 3.º, al. h), do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10, como qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas” ; da RE de 16/12/2021 – Relator: Tomé de Carvalho, Processo nº. 340/21.5TBELV-A.E1 -, sumariando-se que “As comunicações de integração dos executados no PERSI e de extinção do PERSI têm de ser feitas num suporte duradouro (que inclui uma carta ou um e-mail), conforme ressalta da leitura dos artigos 14.º, n.º 4 e 17.º, n.º 3, do DL 227/2012, de 25/10, não sendo exigível o envio de correio registada” (todos in www.dgsi.pt .
[12] No já referenciado douto aresto do STJ de 13/04/2021, sumariou-se que “a simples junção aos autos das cartas de comunicação e a alegação de que foram enviadas à executada, não constituem, por si só, prova do envio e recepção das mesmas pela executada. Todavia tal apresentação pode ser considerada como princípio de prova do envio a ser coadjuvada com recurso a outros meios de prova” ; perfilhando entendimento idêntico, cf., o douto Acórdão desta RL de 05/01/2021 – Relatora: Conceição Saavedra, Processo nº. 105874/18.0YIPRT.L1-7 -, no qual se sumariou que “tendo o Tribunal convidado a A., instituição de crédito, para que documentasse a abertura, tramitação e encerramento do PERSI e a sua efetiva comunicação aos RR., devem as cópias das cartas, endereçadas estes, que foram juntas pela A. em resposta, ser consideradas como princípio de prova desse envio e receção, podendo aquela fazer prova do facto-indiciário do respetivo envio por meio de testemunhas; provado, desse modo, o envio das cartas, é de presumir a sua receção pelos RR., sem prejuízo destes ilidirem tal presunção” ; e ainda o douto aresto da RE de 14/10/2021 – Relator: Mário Coelho, Processo nº. 2915/18.0T8ENT.E1 -, sumariando-se que “apresentando a instituição bancária cópia das cartas simples enviadas aos executados no âmbito do PERSI, estas constituem princípio de prova do envio da comunicação, pelo que o juiz não pode oficiosamente concluir pela não recepção de tais cartas.
4. Caberia aos executados, através dos meios processuais ao seu alcance, efectuar essa alegação, caso em que a exequente ofereceria a prova, inclusive testemunhal, apta a demonstrar o efectivo recebimento da correspondência” ; em sentido com alcance diferenciado, cf., o já citado aresto desta Relação e Secção de 07/06/2018, no qual se sumariou que “não é prova suficiente da existência, na data que dela consta, e do envio e, muito menos, da recepção de uma declaração receptícia (art. 224/1 do CC), uma fotocópia da mesma ou o simples depoimento de um empregado bancário do departamento do banco onde a declaração devia ter sido emitida, que diz que assinou a carta correspondente, sem um único elemento objectivo que o corrobore, como por exemplo um a/r, um registo, um aviso ou uma referência posterior a essa carta numa outra não impugnada, quando aliás essa carta, segundo a própria decisão recorrida que a deu como provada, não faz sentido no contexto em causa.
II.– As comunicações de integração dos executados no PERSI e de extinção do PERSI têm de ser feitas num suporte duradouro (que inclui uma carta ou um e-mail) – arts. 14/4 e 17/3 do DL 227/2012, de 25/10, e não se podem provar com recurso a prova testemunhal (arts. 364/2 e 393/1, ambos do CC) excepto se houver um início de prova por escrito (que não seja a própria alegada comunicação)” (todos in www.dgsi.pt ).